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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
25/1988, de 24.05.1989
Data do Parecer: 
24-05-1989
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Finanças
Relator: 
TAVARES DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
AVAL DO ESTADO
BANCO NACIONAL DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
TRATADO
CLÁUSULA SELF-EXECUTING
Conclusões: 
1 - O aval do Estado constitui uma operação de garantia crediticia com finalidade financeira de natureza excepcional, não permitindo, por conseguinte, a integração analogica, nem legitimando, atenta a sua etiologia, a interpretação extensiva;
2 - O regime legal do aval do Estado consta, basicamente, da Lei n 1/73, de 2 de Janeiro, diploma que não contempla a concessão da garantia a entidades que não figurem no elenco da sua Base I;
3 - A Resolução do Conselho de Ministros n 3/86, de 26 de Dezembro de 1985, publicada no Diario da Republica, I Serie, n 7, de 9 de Janeiro de 1986, ao autorizar a prestação do aval do Estado a um financiamento em dolares norte-americanos, por parte de um sindicato bancario ao Banco Nacional de São Tome e Principe, da Republica Democratica de São Tome e Principe, com fundamento, nomeadamente, na Lei n 1/73, que lhe não e aplicavel, padece de vicio de violação da lei.
Texto Integral
Texto Integral: 
1

1.1- No dia 9 de Janeiro de 1986 foi publicada na I Série do Diário da República, nº7, a Resolução do Conselho de Ministros nº 3/86, na sequência de anterior Resolução, de 19 de Junho de 1984, objecto de publicação na II Série do mesmo jornal oficial, nº 152, de 3 de Julho de 1984, que autorizava a prestação do aval do Estado a um financiamento de USD 3 0000 000, concedido ao Banco Nacional de São Tomé e Príncipe por um sindicato bancário.

Considerando a necessidade de proceder ao reescalonamento não só do referido empréstimo avalizado pelo Estado como de outras três operações destinadas ao pagamento de remessas documentárias de exportações efectuadas até 30 de Setembro de 1983 e a financiar obras de ampliação do Aeroporto de São Tomé, o Conselho de Ministros, reunido em 26 de Dezembro de 1985., resolveu, "por força do disposto no Decreto-Lei nº 159/75, de 27 de Março, e ao abrigo da Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, e do artigo 4º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro", autorizar a prestação do aval do Estado a um financiamento, até ao montante de USD 11 000 000, a facultar por um sindicato bancário àquele Banco Nacional, para reescalonamento das suas dívidas, nas condições constantes de ficha técnica anexa.

Esta segunda autorização foi concedida mediante a aludida Resolução nº 3/86 (RCM 3/86).

1.2 Transcreve-se o conteúdo das duas Resoluções:

Diz a primeira:

"Considerando que o Banco Nacional de São Tomé e Príncipe irá contrair um empréstimo, no montante de 3 000 000 de dólares, junto do Sindicato Bancário com a composição constante da ficha técnica anexa, para regularização de remessas documentárias de exportação aceites em regime de cobrança pelo sistema bancário português, vencidas e pendentes de cobertura;

Considerando que para a realização desta operação se torna indispensável o aval do Estado:

O Conselho de Ministros, reunido em 19 de Junho de 1984, resolveu, por força do disposto no Decreto-Lei nº 159/75, de 27 de Março, e ao abrigo do artigo 4º da Lei nº 42/83, de 31 de Dezembro, autorizar a prestação do aval do Estado ao financiamento de 3 000 000 de dólares a facultar pelo referido Sindicato Bancário ao Banco de São Tomé e Príncipe, nas condições da ficha técnica anexa" (segue-se a ficha técnica).

E a segunda:

"Considerando que pela resolução do Conselho de Ministros de 19 de Junho de 1984, publicada no Diário da República, 2ª série, nº 152, de 3 de Julho de 1984, foi autorizada a prestação do aval do Estado a um financiamento de USD 3 000 000 que um sindicato bancário concedeu ao Banco Nacional de São Tomé e Príncipe;

Considerando a necessidade de proceder ao reescalonamento não só do referido empréstimo avalizado pelo Estado como de outras três operações destinadas ao pagamento de remessas documentárias de exportações efectuadas até 30 de Setembro de 1983 e a financiar obras de ampliação do Aeroporto de São Tomé:

O Conselho de Ministros, reunido em 26 de Dezembro de 1985, resolveu, por força do disposto no Decreto-Lei nº 159/75, de 27 de Março, e ao abrigo da Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, e do artigo 4º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro, autorizar a prestação do aval do Estado a um financiamento, até ao montante de USD 11 000 000, a facultar por um sindicato bancário ao Banco Nacional de São Tomé e Príncipe, para reescalonamento das suas dívidas, nas condições constantes da ficha técnica anexa" (segue-se a ficha técnica).

1.3 Sucede que, ao examinar a ordem de pagamento nº 731/87, relativa ao mencionado aval, na sua sessão de 19 de Janeiro de 1988 o Tribunal de Contas concluiu, por maioria, não permitir a legislação portuguesa a concessão de avales do Estado a entidades estrangeiras.

Verificando, por informação prestada pela Direcção-Geral do Tesouro, terem sido avalizados dois empréstimos ao dito Banco Nacional que não procedeu à liquidação das suas responsabilidades, pelo que o Estado Português já efectuara diversos pagamentos em execução dos avales, e apercebendo-se de que, pelo menos, já visara o pagamento relativo à 3ª prestação dos juros de um dos avales, o Tribunal de Contas justificou o visto aposto à ordem de pagamento em causa aplicando, por analogia, o disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 35 541, de 23 de Março de 1946 (1), mas não deixou de colocar o problema à consideração do Governo, dado que as alterações político-económicas profundas, ocorridas nos últimos tempos, poderão aconselhar modificações na legislação vigente em matéria de avales do Estado.

1.4 A resolução do Tribunal de Contas radicou em informação da Direcção-Geral desse Tribunal, de 15 de Outubro de 1987, sobre a ordem de pagamento em questão, que entendeu ser a RCM 3/86, do ponto de vista estritamente jurídico, praeter legem, enfermando do vício de violação de lei.

Ouvida, a Direcção-Geral do Tesouro não partilha o mesmo ponto de vista.

Em informação de 20 de Novembro de 1987 argumenta-se no sentido da inexistência do reclamado vício, considerando-se a RCM 3/86 secundum legem.

Dado não ter sido esta a tese que veio a ser perfilhada pelo Tribunal, uma curta exposição-informação da Direcção-Geral do Tesouro, datada de 3 de Março de 1988, tendo presente existirem várias situações em que o Estado Português assumiu compromissos idênticos com reflexos na ordem externa, permite-se, por um lado, chamar a atenção para o melindre do problema em apreço, e, por outro lado, sugere parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Vossa Excelência houve por bem despachar em conformidade, pelo que cumpre dar satisfação ao solicitado.

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2.1- Ao analisar a legalidade da concessão do aval, a informação da Direcção-Geral do Tribunal de Contas (DGTC) desdobra-se em dois tipos de argumentação.

O primeiro aponta para o relacionamento jurídico, financeiro, económico e comercial entre as Repúblicas Portuguesa e Democrática de São Tomé e Príncipe, aludindo aos distintos e diversificados Acordos vigentes entre os dois Estados, reconhecendo que uma medida como a RCM 3/86 se integra na política de viabilização de empreendimentos de interesse económico e social que a cooperação entre Portugal e os seus antigos territórios aconselha desenvolver.

Mas, se, nessa óptica, se compreende a intervenção governativa, a eficácia jurídico-orçamental da garantia concedida é posta em dúvida.

A medida governamental invoca o artigo 1º, nº1, do Decreto-Lei nº 159/75 para justificar a solenização exigida e, bem assim, o artigo 4º da Lei nº 2-B/85.

No entanto, ficou por demonstrar, objecta a DGTC, "se foi cumprido um dos pressupostos do preceito legal para que o Governo possa prestar a garantia regularmente e que se relaciona com o conceito de operação financeira externa".

E acrescenta:

"Aquela norma jurídica (refere-se ao citado artigo 4º) e a lei orçamental não fornecem elementos que indiciem a intenção da lei.

"Nestes termos, ir-se-á recorrer à Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, que regula as bases gerais da concessão de avales do Estado por acto administrativo.

"De acordo com a base I desta lei é autorizada a prestação do aval do Estado a operações de crédito interno ou externo a realizar por institutos públicos ou por empresas nacionais.

"O primeiro ente jurídico mencionado na estatuição da base I da Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, que poderia beneficiar da garantia, a província ultramarina, deixou de ter relevância, com essa qualidade, no ordenamento jurídico português, na sequência dos processos de independência desses territórios.

"Retomando a análise da base I, parece que se poderá dizer que a garantia do Estado só pode ser prestada a institutos públicos e a empresas nacionais sempre que "se trate de financiar empréstimos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional ...”, nº1 da base II da Lei nº 1/73.

Nos termos da RCM 3/86 e do contrato de empréstimo celebrado, o mutuário entidade beneficiária do empréstimo, e o "Banco" que não se enquadra na base I.

"Os actos administrativos destinam-se a executar as leis e não devem ser apenas lícitos mas devem ser legais".

E a DGTC conclui:

"A RCM parece ter ido além do que determinava a Lei Orçamental nº 2-B/85 e a Lei nº 1/73, enfermando do vício de violação da lei".

1
2.2 Observou-se já que a resolução do Tribunal de Contas de 19 de Janeiro de 1988 sufragou, por maioria, a tese expendida.

Outro, porém, é o entendimento da Direcção-Geral do Tesouro (DGT).

E também esta entidade distingue duas vertentes no problema em apreço, a que chamou análise jurídico-constitucional e análise jurídico-orçamental.

Quanto à primeira, a DGT abona-se na conjugação do Acordo Comercial entre as duas Repúblicas, aprovado pelo Decreto nº 35/79, de 24 de Abril, ao abrigo do qual se emitiu o aval, com o artigo 8º da Constituição da República, designadamente o seu nº2.

Afigura-se à DGT, considerando o valor dos acordos internacionais no ordenamento jurídico nacional, ser legitimo o aval do Estado Português ao Banco Nacional do citado Estado africano, para reescalonamento das suas dívidas.

Relativamente à segunda das referidas vertentes parece-lhe satisfeito o fim exigido pelo nº1 do artigo 4º da Lei nº 2-B/85, enquanto o pressuposto decorrente da 2ª parte do nº2 do mesmo preceito, conexionado com o conceito de operação financeira externa, também se verifica: “parece-nos que não se deveria distinguir onde a lei não distingue, pelo que entendemos não ser necessário recorrer, para esse efeito, à Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, pois a 2ª parte do nº2 do artigo 4º da Lei Orçamental para 1985 estará a permitir ao Governo que, dentro do plafond aí estipulado, conceda o aval do Estado a operações financeiras externas, o que poderá porventura englobar a concessão do mesmo a entidades estrangeiras, desde que, e somente, seja prosseguido o fim da norma contida no nº1 do artigo 4º da Lei nº 2-B/85, "a execução de empreendimentos de reconhecido interesse económico e social para o País".

Admite-se que, ao tempo da promulgação da Lei nº 1/73, "não se concebesse que da execução de empreendimentos no estrangeiro pudesse vir a resultar manifesto interesse para a economia nacional", mas o interesse económico e social decorre, para ambas as partes, de um instrumento bilateral como o mencionado Acordo.

Ora, do artigo 4º, nº2, da Lei Orçamental para 1985, decorre, implicitamente, a autorização concedida ao Governo para avalizar entidades nacionais ou estrangeiras, desde que verificado o reconhecido interesse económico e social para o País.

Em face do que resumidamente se expõe, concluiu a DGT:

“... tendo em conta os Acordos Internacionais entre a República Portuguesa e a República Democrática de São Tomo e Príncipe, nomeadamente o Acordo Comercial entre os dois Estados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 35/79, de 24 de Abril, que vincula internacionalmente o Estado Português e vale como fonte autónoma de direito interno (cfr. artigos 8º, 122º, nº1, alínea b), e 200º, nº1, alínea c), todos da Constituição;

Considerando também o artigo 4º, nº1, 2ª parte, da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro, com a interpretação que nos parece ser mais curial [...], concluímos que a Resolução do Conselho de Ministros nº 3/86 é secundum legem, não enfermando de vício de violação de lei".

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Ambas as Resoluções invocam o Decreto-Lei nº 159/75, de 27 de Março.

Trata-se de um diploma que sujeita à aprovação prévia do Conselho de Ministros a prestação de aval do Estado para operações de montante igual ou superior a 50 000 contos, de acordo com o seu artigo 1º, disposição que, aliás, se encontra revogada pelo artigo 7º, nº3, da Lei nº 49/86, de 31 de Dezembro (2)

Também as duas, em obediência ao comando constitucional expresso na alínea h) do artigo 164º da lei fundamental, se colocam "ao abrigo" dos preceitos pertinentes das respectivas leis orçamentais: os artigos 4ºs os das Leis nºs 42/83 e 2-B/85.

Há, entre eles, no entanto, uma diferença significante: enquanto pelo normativo de 1983 fica o Governo autorizado a garantir, nas condições correntes nos respectivos mercados os empréstimos internos e externos requeridos pela execução de empreendimentos de reconhecido interesse económico e social para o País (nº1), fixando o nº2 os limites quantitativos para a concessão de avales do Estado, o preceito de 1985, pela primeira vez (3), substituiu a expressão “empréstimos internos e externos" pela de "operações financeiras internas e externas", de latitude mais ampla e maleável.

Mas é na RCM/86 que surge - e só nesta - a expressão referência à Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, e nesta simples invocação reside, afinal, o cerne de, assim pensamos, toda a (falsa) problemática em análise - pois, como tentaremos justificar, o diploma citado, porventura em reforço abonatório da medida governativa, não é aplicável à situação em apreço, reservando-se o seu campo de incidência a outras áreas.

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4.1 À rigorosa proibição de o Estado garantir as obrigações de terceiros, "por meio de fiança, aval ou por qualquer outra forma, directa ou indirecta, de caução", explicitamente enunciada no artigo 29º das "Bases para a reforma da contabilidade pública", estabelecidas pela lei de 20 de Março de 1907, ao gosto dos princípios não intervencionistas dominantes na época, sucedeu uma evolução político-económica que passou a aconselhar e (ou) a impor medidas de crescente intervenção na área económica, a suscitarem diferente comportamento estatal.

O aval do Estado tornou-se medida casuística assumida com enquadramento legitimamente e mereceu, designadamente, regulamentação genérica mediante o Decreto-Lei nº 43 710, de 24 de Maio de 1961.

Este diploma dispôs sobre as coordenadas a observar na prestação de aval pelo Estado a operações de crédito externo realizadas por empresas nacionais, após constatar, como decorre do seu preâmbulo justificativo, exigir o desenvolvimento económico nacional na metrópole e no ultramar que, a par de capitais, se recorra ao mercado financeiro externo.

Para que empresas nacionais possam apelar a esse mercado, "com a rapidez e a eficiência necessárias", e desde que "o vulto e a natureza do empreendimento se revistam da maior importância para a estabilidade e o progresso económico do País e as empresas a que o funcionamento externo for feito reúnam todas as condições que o Governo julgar necessárias", entendeu-se "conveniente" que o Estado, através do Ministério das Finanças assegure o reembolso dos encargos dos empréstimos que se efectuarem.

Assim, pela primeira vez de forma genérica, admitia-se a concessão de avales do Estado a empresas nacionais que pretendam contrair empréstimos internacionais "desde que tal seja considerado justificado pela natureza e importância do objecto dessas empresas e pela segurança que, sob todos os pontos de vista, elas ofereçam ao Estado", como, precavidamente, dispôs o artigo 1º do citado texto legal.

Outros diplomas se seguiram, como é o caso do Decreto-Lei nº 46 261, de 29 de Março de 1965, que elevou os limites fixados no anterior para os montantes da garantia, e do Decreto-Lei nº 45 337, de 4 de Novembro de 1963, ao prever que o Estado dê, por uma ou mais vezes, a sua garantia solidária a operações de crédito externo a realizar entre o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e empresas ou bancos nacionais.

Esta gradativa mudança de atitude do Estado, ditada pela evolução das concepções políticas, das prementes necessidades e exigências sociais e da expansão económica que, com crescente intensidade, se passou a fazer sentir um pouco por todo o lado, como já este corpo consultivo teve ensejo de ponderar (4) alterou, alargando-os, os parâmetros da actividade financeira do Estado - em consonância com o novo perfil intervencionista.

O Tesouro Público revela a sua aptidão em se tornar banqueiro da economia geral do País, observa um autor, que, no entanto, não deixa de cuidar em que termos se opera a ajuda do Estado:

"Pela assumpção das responsabilidades emergentes da concessão de avales, o Estado coloca-se relativamente ao mutuante na posição de directo e imediato responsável, pelo que terá de cumprir nos prazos contratuais as obrigações assumidas. Por isso, se tiver de se substituir ao mutuário, a lei estabelece o princípio de que as suas responsabilidades financeiras serão asseguradas mediante abertura de créditos orçamentais [como flui do artigo 3º do Decreto-Lei nº 43 710]. Mas deverá notar-se que as importâncias porventura dispendidas pelo Estado terão de ser reembolsadas, podendo ser convertidas em acções da empresa devedora, se o reembolso se não operar até ao fim do ano seguinte àquele em que teve lugar a execução das responsabilidades emergentes da concessão do aval [idem]”.

Na primeira destas hipóteses, o reembolso ajusta-se aos mecanismos das operações de tesouraria e ao sistema das "Contas especiais do Tesouro"; já na segunda, o crédito advindo para o Estado converte-se numa posição accionista, com reflexo na sua carteira de títulos, servindo o crédito orçamental para regularizar a "Conta especial" aberta aquando da execução do aval (5).

4.2 A análise sucintamente exposta enfermará, porventura, de uma certa estreiteza de limites: apoia-se nuclearmente na nova dinâmica das operações de tesouraria, exigida pelos interesses crescentes da economia nacional, sem se aperceber que a medida se integrava no todo mais vasto da modificação das funções do aparelho de Estado, a esse nível. Em todo o caso, era essa, à época, a visão naturalmente decorrente dos instrumentos legais existentes.

E, aliás, dela decorrem certos corolários que, ainda hoje, nos interessam, por isso convindo retê-los:

- a concessão de garantia do Estado a operações de crédito (privado e externo, no âmbito do texto de 1961) não quantitativa nem qualitativamente indeterminada;

- obedece a uma política selectiva;

- sujeita-se a determinados máximos;

- funcionando, privilegia o Estado que pagou pelo avaliza do, atribuindo-lhe um crédito correspondente ao montante da divida que satisfez.

Quanto a este último aspecto, valerá a pena aproveitar a síntese de outro autor:

"Tendo o aval funcionado, o Estado, que pagou pelo avalizado, fica com um crédito correspondente ao montante da dívida que satisfez.

"Este crédito sobre o avalizado fica, em primeiro lugar e imediatamente, garantido por privilégio creditório nos termos do artigo 733º do Código Civil.

"Mas a sua garantia não e essa: o Ministério das Finanças tem a faculdade de intimar a sociedade avalizada a, em prazo curto, entregar ao Estado acções de montante igual ao do seu crédito. O Estado, de credor poderá, assim, por mera decisão unilateral sua, transformar-se em sócio: sobre as sociedades avalizadas pelo Estado paira sempre a hipótese de nacionalização parcial" (6).

4.3 O certo é que os Decretos-Lei nºs 43 710 e 46 261 foram revogados pela Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, contrariamente ao Decreto-Lei nº 45 337, que, não tendo sido revogado expressamente também o não foi de modo tácito, visto ser lei especial, limitada a garantias a prestar a operações de crédito externo realizadas com o BIRD (7) .

Mediante a Lei nº 1/73 - que particularmente nos interessa - pretendeu-se - sem afectar os avales e outras garantias do Estado referentes a riscos de operações de crédito à exportação nacional, que se regularam pelos Decretos-Lei nºs 47 908 e 48 950, respectivamente, de 7 de Setembro de 1967 e 3 de Abril de 1969, ou outros que o Estado conceda por lei especial (8) - remodelar o regime de prestação dos avales, permitir a extensão da medida a operações de carácter interno, melhorar, o elenco de garantias mínimas que protejam adequadamente o Estado, crescentemente chama do a intervir como dador de avales, simplificando e prestando segurança ao sistema.

Atente-se no que, a este respeito, consta da exposição de motivos da proposta de lei nº 20/X:

"Como regra, a Administração está impedida de prestar garantias ao cumprimento de obrigações alheias.

"Com o Decreto-Lei nº 43 710, de 24 de Maio de 1961, reconheceu-se, porém, a conveniência de atribuir ao Ministro das Finanças competência para, em certos termos e por mero despacho, dar o aval do Estado a operações de crédito externo ligadas ao desenvolvimento económico nacional.

"O presente esforço no sentido de acelerar esse desenvolvimento, por um lado, e a actual conjuntura, caracterizada pela instabilidade dos mercados monetários e financeiros internacionais, por outro, tornam aconselhável autorizar o Ministro das Finanças a conceder igualmente o aval do Estado a operações de crédito interno. Entre tais operações contam-se aquelas que, inicialmente realizadas no exterior e como tal avalizadas, convenha transferir para o mercado interno, e ainda as operações de financiamento relevantes para a economia nacional sempre que a conjuntura desaconselhe o recurso ao mercado externo de capitais. Por outro lado, a experiência acumulada durante mais de uma década com a aplicação do regime do Decreto-Lei nº 43 710, assegurando o acerto das medidas agora adoptadas, recomenda a extensão do respectivo processo administrativo a todos os avales que possam vir a ser concedidos pelo Estado, nos termos da presente proposta".

E acrescenta-se, mais adiante:

"Por outro lado, o sistema que agora se estabelece remodela o regime da prestação de avales pelo Estado, de sorte a obter-se um melhor ajustamento dos interesses da simplicidade e da celeridade com os imperativos da certeza e da segurança".

"Nesses termos, vem agora definir-se com maior rigor a tramitação dos actos que integram o processo de concessão e de execução dos avales; nomeadamente, exige-se como essencial para a validade dos compromissos estaduais, além do prévio despacho de autorização do Ministro das Finanças, a respectiva declaração pelo director-geral da Fazenda Pública; proíbe-se que, sob pena de o Estado se desvincular das prestações subsequentes do aval, se modifique, sem consentimento dele, o plano aprovado de amortização; adstringem-se os beneficiários do aval a prestarem informações, dentro de certos prazos de sorte a habilitarem o Estado a garantir e a conhecer permanentemente o montante das suas responsabilidades e, assim, a administrar os fundos afectos à satisfação dela; e obriga-se ao pontual cumprimento de contra garantia, que, para prevenir riscos insustentáveis para o Tesouro, se passa a solicitar às províncias ultramarinas por avales estaduais prestados em benefício de empreendimentos públicos e privados que nelas se executem.

"Institui-se, ainda, em favor do Estado um elenco de garantias mínimas pelo facto da prestação de avales; designadamente, para além das disposições que nesta matéria são transportadas do regime que ora se revê, confere-se-lhe o direito de fiscalizar o exercício das entidades avalizadas durante o período em que o aval produziu os seus efeitos; e institui-se um fundo de garantia constituído com o produto de taxa especial exigível aos beneficiários do aval do Estado, a fim de prevenir a cobertura de eventuais prejuízos do Tesouro".

Com o objectivo de alcançar semelhante desiderato, a Base I autorizou o Ministro das Finanças (9) a prestar, por uma ou mais vezes, o aval do Estado a operações de crédito interno ou externo a realizar pelas "províncias ultramarinas, por institutos públicos ou por empresas nacionais".

E, por sua vez, o nº1 da Base II dispôs:

“1- O aval será prestado apenas quando se trate de financiar empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional, ou em que o Estado tenha participação que justifique a prestação dessa garantia e, em qualquer caso, se verifique não poder o financiamento realizar-se satisfatoriamente sem o referido aval".

Mas vejamos o que, de forma concisa, nos oferece o citado parecer nº 220/81, sobre a estrutura do diploma:

"O processo de concessão dos avales e da execução destes consta das bases VII, VIII e IX da Lei nº 1/73 e pode esquematizar-se assim (x):

a) Os avales são prestados, em cada caso, mediante prévio despacho de autorização do Ministro das Finanças, pelo director-geral da Fazenda Pública (xx) ou seu legal substituto;

b) A prestação dos avales será precedida de consulta aos órgãos competentes do planeamento económico;

c) A inobservância do formalismo apontado em a) implica a nulidade do aval;

d) Em anexo ao despacho referido em a) terá de figurar o plano de amortização do capital mutuado e de pagamento dos juros respectivos;

e) A modificação do plano referido na alínea anterior, sem prévia autorização do Ministro das Finanças, implica a imediata cessação do aval;

f) As entidades a quem os avales forem concedidos comunicarão à Direcção-Geral da Fazenda Pública (hoje Direcção-Geral do Tesouro), no prazo de 5 dias, as amortizações de capitais e os pagamentos de juros a que procedam;

g) Até 45 dias antes do vencimento dos encargos de amortização e de juros, os beneficiários dos avales que verificarem não estarem em condições de os satisfazer nas datas fixadas para o efeito darão do facto conhecimento àquela Direcção-Geral.

"Em matéria de garantias estatui-se (bases X, XI e XII), que:

a) A concessão do aval do Estado concede ao Governo o direito de fiscalizar a actividade da entidade beneficiaria da garantia, tanto do ponto de vista técnico e económico como do ponto de vista administrativo e financeiro;

b) No caso de as entidades não cumprirem, o Estado abrirá os créditos especiais para honrar totalmente o compromisso (xxx);

c) Se os avalizados forem sociedades anónimas, o Estado poderá exigir a transformação do seu crédito resultante de qualquer prestação por ele efectuada em acções dessas sociedades;

d) O Estado goza, sobre os bens das empresas privadas a que tenha concedido o aval, de privilégio creditório, nos termos dos artigos 735º, nº2, e 747º, nº1, alínea a), do Código Civil, pelas quantias que efectivamente houver dispendido a qualquer título, em função do aval prestado".

4.4- Assim - como escreve SOUSA FRANCO (10) - mediante o aval, o Estado, unilateralmente, garante o cumprimento de dívidas de outras entidades, assumindo, em caso de incumprimento, as respectivas responsabilidades perante os credores (11) .

"A prestação de aval do Estado - observa - coloca-o na posição de devedor acessório de outra entidade, devedora principal, dando origem à dívida pública acessória, garantida ou de garantia. Ela constitui uma operação de crédito, e por isso esta sujeita, nos termos constitucionais, a autorização parlamentar, nos termos da alínea h) do artigo 164º [da Constituição], que prevê (após a revisão de 1982), a fixação de novos valores máximos dos avales a conceder pelo Estado. A lei fixa os limites máximos para os avales internos e externos, sendo os segundos os prestados a actos realizados em praças estrangeiras (tratando-se de empréstimo) ou não, que dêem origem a encargos liberados em moeda estrangeira. Está assim neste caso a distinção jurídica entre aval interno e externo diferenciada dos critérios correspondentes aplicáveis aos empréstimos públicos".

Não se irá discutir a natureza do aval do Estado, questão polemizada (12), por a tanto dispensar a economia e a inteligência do parecer.

Interessará, sim, perante o exposto, perquirir da legalidade da concessão do aval do Estado a entidade estrangeira.

4.5 No entanto, convirá, primeiramente, condensar algumas ideias-chave em matéria de avales do Estado.

Antes de mais, destaque-se que a prestação de aval pelo Estado é uma operação de excepção, prevista em limitados casos, numa perspectiva de "política de fomento", quando se começou a recorrer a ele com mais frequência, no início da década de setenta, a que hoje se poderá chamar "intervenção indirecta do Estado na economia" (13).

Para a sua realização é necessário verificarem-se, cumulativamente, alguns requisitos:

a) Tratar-se de operações de crédito (interno ou externo) a realizar por institutos públicos ou empresas nacionais (base I);

b) Destinam-se essas operações a financiar empreendimentos ou projectos de manifesto interesse para a economia nacional, ou em que o Estado tenha participação que justifique a prestação da garantia (base II, nº1);

c) Não poder a operação financeira realizar-se satisfatoriamente sem o aval (base II, nº1) (14).

4.6 Independentemente da natureza jurídica atribuída ao aval, são patentes na figura alguns traços específicos (que, no parecer nº 220/81, complementar, se designaram elementos caracterizadores de cláusulas exorbitantes), seja o aval constituído por meio de despacho do director-geral do Tesouro, por delegação de aval autenticada com o selo branco dessa direcção-geral ou por títulos representativos das operações de crédito avalizadas (cfr. base VII, nº1):

- o direito do Governo fiscalizar a actividade da entidade beneficiária da garantia, tanto do ponto de vista técnico e económico como do ponto de vista administrativo e financeiro (cfr. a base X);

- pela concessão do benefício, os avalizados pagam uma taxa de aval que vai alimentar um fundo de garantia destinado a cobrir os prejuízos que se registem em virtude da execução dos avales (cfr. a base XI);

- ao pagar qualquer prestação em consequência do aval concedido a sociedades anónimas, o Estado pode exigir a transformação do crédito daí resultante em acções da mesma sociedade (base XII, nº1);

- a modificação, não autorizada previamente, no plano de amortização do capital mutuado e do pagamento dos juros respectivos, implica a imediata e unilateral cessação do aval (base VIII, nº2).

4.7 Sendo estes os traços mais impressivos da disciplina da concessão dos avales do Estado, tal como enquadrada legalmente se encontra, pelo regime-regra da Lei nº 1/73, e sem prejuízo de uma ou outra disposição extravagante ainda em vigor sobre esta matéria, pode acentuar-se, por um lado, a conveniência do seu mais perfeito ajustamento ao ordenamento constitucional vigente, e a dimensão puramente interna da medida, por outro lado, isto é, o seu alheamento (ou a sua inaplicabilidade, se se preferir) a operações em que a entidade avalizada seja estrangeira.

4.7.1 Quanto ao primeiro destes aspectos, justo (e pertinente) será mencionar os esforços baldados que, têm sido empreendidos no parlamento com vista à perfeita adequação do regime aos termos constitucionais.

iLimitemo-nos a uma referência tão breve quanto possível.

Logo em 1976, e na sequência do disposto na alínea h) do artigo 164º do novo texto fundamental (Compete à Assembleia da República ... h) Autorizar o Governo a realizar empréstimos e outras operações de crédito, que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo as respectivas condições gerais), os deputados do grupo parlamentar PSD, SOUSA FRANCO e SÉRVULO CORREIA, apresentaram o Projecto de Lei nº 31/1, sobre o Regime Jurídico dos Avales do Estado (15), e o Governo avançou com a Proposta de Lei nº 52/1 (16) que viriam a ser objecto de propostas de alteração e de substituição pelo PSD e pelo PCP (17), acabando ambas por ser discutidas em plenário e rejeitadas (18).

O projecto de lei é motivado, além do mais, pela enorme subida do montante dos avales prestados, com a onerosidade consequente para o Orçamento, urgindo travar o descontrolo a que se assistia com preterição das mais elementares formalidades legais. Entre outros motivos, propunha-se um processo que dispensasse a autorização caso a caso mas transferindo-se para a Assembleia da República a determinação de plafonds máximos e condições genéricas.

Preocupação idêntica se revelava na proposta de lei, pretendendo-se salvaguardar rigorosamente a tipologia dos casos de aval e as salvaguardas técnicas respectivas, mas de modo a que a base qualitativa essencial ao exercício da competência atribuída pela alínea h) do artigo 164º da Constituição à Assembleia da República e o seu controlo quantitativo das potenciais responsabilidades decorrentes dos avales não impossibilitem o Governo da utilização em tempo de um instrumento fundamental de reanimação da economia nacional.

E foi, de certo modo, pelo malogro na conciliação de interesses potencialmente oponíveis - activa fiscalização parlamentar na concessão de avales por parte do Estado, como reacção a período de descontrolada prodigalidade na matéria, por um lado, e, por outro, exigências de uma praxis administrativa do Governo, mais flexível e permissiva - que os dois textos não conheceram melhor fim (19).

Idêntica sorte mereceram insistências posteriores (20).

Observou-se, então, dever o aval ser "não um instrumento puramente político de suporte de situações económica e financeiramente inviáveis, não uma causa de endividamento do povo português ... mas um meio de garantir operações necessárias para a realização do desenvolvimento do País, de fins políticos valiosos ou da recuperação do emprego, da capacidade produtiva de elementos válidos das forças produtivas do País" (21).


Situação amenizada, no entanto, pelas alterações à constituição económico-financeira introduzidas pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro: pela nova redacção da alínea h) do artigo 164º “explicitou-se, de um lado, que na realização de empréstimos que a Assembleia tem de autorizar está, não apenas o contraimento deles pelo Governo, mas também a sua concessão por este a quaisquer entidades; e cometeu-se, de outro lado, à Assembleia o estabelecimento de um limite máximo aos avales que o Governo pode dar em cada ano, assim fixando um tecto às responsabilidades que por tal meio ao Estado é permitido assumir" (22).

O limite fixado abrange todos os avales, pois que deles não se faz distinção, oferece "maior permeação ao interesse privado" e sublinha o carácter global da autorização do limite máximo (23), considerações não despiciendas que importa reter.

Estabelecido anualmente o limite para a concessão dos avales, simultaneamente que fixadas, na lei do orçamento, as grandes linhas da política financeira, a actuação do Estado neste domínio - e, designadamente, na concessão daquelas garantias - pautar-se-á entre a proibição de ultrapassar o quadro legal traçado pela Assembleia e a liberdade de adopção de quaisquer medidas que nesse quadro tenham cabimento, nomeadamente as especialmente adequadas à consecução dos objectivos traçados (24).

4.7.2 Pode afirmar-se que a incidência da Lei nº 1/73 é meramente interna, limitando-se a sua projecção ao extinto “espaço imperial".

Tão pouco se compadece, dada a natureza excepcional do acto de avalizar, com o recurso à analogia.

E, considerando a sua etiologia, não se afigura legítimo recorrer à interpretação extensiva.

De resto, muito dificilmente se conceberia o correcto funcionamento do sistema regido pela Lei nº 1/73, articulado com minucioso cortejo de medidas de fiscalização efectiva, controlo e graduação privilegiada, com os princípios comummente aceites em sede de soberania dos Estados, numa área doutrinalmente reservada fácil a interpretações ampliativas - favorablia amplianda... - ou seja, adversa a critérios hermenêuticos limitativos dos poderes soberanos dos Estados.

Não significa o exposto, necessariamente, que, respeitado o plafond imposto pela Assembleia da República, não possa o Governo enveredar pela concessão de avales à revelia do regime da Lei nº 1/73.

E temática que passaremos a abordar.

5

5.1 No âmbito do relacionamento jurídico, financeiro, económico e comercial ou, mais concisamente, na área de cooperação entre Portugal e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, têm sido celebrados numerosos acordos bilaterais versando assuntos tão distintos como o judiciário, de telecomunicações, o postal, de transporte aéreo, sobre funcionalismo público, previdência social, pescas, relativos à indústria de seguros, aos Bancos Nacional Ultramarino e de Fomento Nacional, etc. (25).

Todos eles radicam no Acordo Geral de Cooperação e Amizade assinado pelos dois Países em 12 de Julho de 1975 e aprovado, para ratificação, pelo Decreto nº 68/76, de 24 de Janeiro (26).

O referido instrumento reconhece a existência de especiais laços de amizade e de solidariedade entre os respectivos povos e pretende prosseguir uma política comum de cooperação com vista ao reforço desses laços, em base de reciprocidade, a operar, designadamente, nos domínios económico, financeiro, técnico, científico, cultural, judicial, diplomático, consular e militar, a definir por acordos especiais que concretizarão o Acordo Geral (cfr. o artigo 1º).

Trata-se de um texto de acentuada componente política, naturalmente vago, a estabelecer linhas gerais que exigem concretização.

A criação de relações económicas, comerciais ou financeiras entre Estados pressupõe habitualmente um tratado de cooperação e, a semelhante nível, este configurar-se-á sempre como "um quadro genérico enunciador dos princípios a observar pelos executive agreements” (27)

Um destes acordos é, sem dúvida, o Comercial, aprovado pelo Decreto nº 35/79, de 24 de Abril.

No entanto, os tratados de comércio usualmente também se limitam a enunciar umas quantas regras muito gerais (28) , sem prejuízo de sua eventual natureza normativa.

O artigo 8º do Acordo Comercial citado ilustra-o convincentemente:

"As Partes Contratantes, de acordo com os objectivos e requisitos do seu desenvolvimento económico, deverão encorajar e facilitar a conclusão de tratados e programas a longo prazo para a cooperação comercial, financeira, industrial e tecnológica entre organismos do Estado de S. Tomé e Príncipe e organismos públicos ou empresas portuguesas, concedendo todas as facilidades possíveis à realização de projectos de interesse mútuo" (sublinhados nossos).

O recurso a expressões vagas e indeterminadas, como é a de todas as facilidades possíveis, susceptibiliza perplexidade ao intérprete se confrontado com os efeitos jurídicos que delas se poderão retirar.

Nem por isso serão, forçosamente, destituídas de sentido normativo.

É evidente - como já se observou - que um tratado de cooperação entre dois Estados que se limite a afirmar ser de capital importância para as duas Partes a eliminação do analfabetismo não tem qualquer valor jurídico - a projecção normativa de um acordo entre duas Partes implica que estas exprimam a sua vontade comum de fazer, ou não fazer, alguma coisa (29).

No domínio convencional nem sempre é fácil, porém, precisar, em certos casos, se as Partes contratantes criam disposições de natureza normativa, sendo frequente, em instrumentos sobre cooperação cultural, científica ou técnica, utilizarem-se expressões tais como "concederão todas as facilidades possíveis", "encorajarão as permutas de técnicos”, "estudarão medidas visando a elaboração de projectos comuns", "encorajarão a cooperação", etc. .

Entende-se, por via de regra, que estas expressões e equivalentes têm, ou podem ter, "o sentido de uma obrigação e, se bem que seja difícil determinar se o Estado por elas vinculado cumpriu essa obrigação no caso concreto, pode-se considerar que possuem carácter normativo, próprio de um tratado internacional" (30).

5.2 Concedemos, sem dúvida de maior, que o Acordo Comercial tem virtualidade self-executing, mau grado a fluidez de muitos dos seus dispositivos, sob pena de se cair numa sucessão de acordos em cascata, transmitindo uns para os outros a execução prática do programa acordado.

Por conseguinte, foi o mesmo aprovado por simples decreto, dispensando a formalidade da ratificação - ao invés do Acordo Geral de Cooperação e Amizade estabelecido entre os dois Estados - o que se considera, por via de regra, como suficiente para este tipo simplificado de acordos, correspondendo às matérias para as quais existe já um quadro legal constituído, não só por leis internas mas também por tratados prévios (31).

Disposições como a do transcrito artigo 8º, ou a do artigo imediato, assemelham-se, inclusivamente, a um umbrella agreement, figura utilizada na prática internacional. quando os nacionais de um Estado investem no território de outro Estado, de modo a conferir-se ao investimento condições de, estabilidade e protecção contra medidas que possam ser tomadas por este último relativamente aos bens estrangeiros.

A esta luz, poderia o Governo congeminar medidas simultaneamente de protecção e de cooperação e ir tão longe que garantisse a própria entidade mutuária, abdicando dos poderes de fiscalização e intervenção enunciados no número anterior, procurando, desse modo, conciliar a extraterritorialidade das medidas com a esfera de soberania da outra Parte.

No entanto, no caso em apreço, perante a defendida postergação do regime jurídico previsto no texto de 1973, não se nos afigura bastante que o Acordo, não obstante a virtualidade executiva inerente, seja, só por si ou em conjugação com o também invocado preceito do artigo 4º da Lei nº 2-B/85, idóneo e suficiente para disciplinar a concessão de avales.

Explicitando.

Admite-se que aquele instrumento, na medida em que integrado no ordenamento jurídico nacional (Constituição da República artigo 8º), seja utilizado pelo Governo como meio legitimante da sua iniciativa.

Mas já não se aceita que, face a um empréstimo consorcial a entidade estrangeira - que não significa, forçosamente, operação financeira externa, no sentido do artigo 4º, como avança a DGT, aliás em formulação dubitativa - operação bancária de grande envergadura e risco correspondente, a exigir um elenco de medidas de garantia e controlo, mínimo que seja, o Estado se baste com um reduzido feixe de disposições rudimentarmente elaboradas, a exigir posterior esforço de concretização, ou com meros actos legislativos autorizantes.

Com efeito, nem o artigo 8º do Acordo Comercial assume densidade vinculativa que, por si só, dispense normação regulativa, nem o artigo 4º da Lei nº 2-B/85, tal como as disposições congéneres de outras leis orçamentais, mais significa do que autorizar o Governo a conceder avales às operações nele descritas até determinado tecto.

Por isso mesmo, "sentiu" o Governo a necessidade de um específico apoio legal - recorrendo, para o efeito, à Lei nº 1/73.

5.3 Resta, assim, concordar com a tese defendida pelo Tribunal de Contas, com uma importante nuance (pelo menos, relativamente à posição da DGTC): não se coloca, propriamente, o problema da RCM 3/86 ser praeter legem - por referência à Lei nº 1/73 - mas sim o da inaplicabilidade da Lei nº 1/73 ao caso subjacente, gerando vício de violação de lei, em qualquer caso.

De qualquer modo, a inovação legislativa neste sector representa-se com inegável efeito clarificador.

6

Concluindo:

1º - O aval do Estado constitui uma operação de garantia creditícia com finalidade financeira de natureza excepcional, não permitindo, por conseguinte, a integração analógica, nem legitimando, atenta a sua etiologia, a interpretação extensiva;

2º - O regime legal do aval do Estado consta, basicamente, da Lei nº 1/73, de 2 de Janeiro, diploma que não contempla a concessão da garantia a entidades que não figurem no elenco da sua Base I;

3º - A Resolução do Conselho de Ministros nº 3/86, de 26 de Dezembro de 1985, publicada no Diário da República, I Série, nº 7, de 9 de Janeiro de 1986, ao autorizar a prestação do aval do Estado a um financiamento em dólares norte--americanos, por parte de um sindicato bancário ao Banco Nacional de São Tomé e Príncipe, da República Democrática de São Tomé e Príncipe, com fundamento, nomeadamente, na Lei nº 1/73, que lhe não é aplicável, padece de vício de violação de lei.




(1) Segundo o qual "quando em cada uma das contas a julgar se suscitarem problemas de ordem jurídica ou doutrinária que propendam a modificar o critério seguido em contas do mesmo Serviço já julgadas, será pelo Tribunal de Contas fixada a tal respeito jurisprudência que só terá força executória a partir da data em que a mesma for notificada ao Serviço interessado".

(2) Do seguinte teor: "A concessão dos avales do Estado competirá ao Ministro das Finanças, com a faculdade de delegar, sendo revogado o artigo 1º do Decreto-Lei nº 159/75, de 27 de Março". A Lei nº 49/86 aprovou, além do mais, o Orçamento do Estado para 1987.

(3) Com efeito, a Lei nº 42/83, de 31 de Dezembro, ao aprovar o Orçamento do Estado para 1984, mantém, ainda, redacção idêntica à nº 2/83 (cfr. o seu artigo 4º).

(4) Cfr. o parecer nº 220/81, de 28.4.83, publicado na II Série do Diário da República, nº4, de 5.1.84, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 332, págs. 165 e segs.. Em 28.4.85 foi emitido um parecer complementar que aguarda homologação.

(5) ANTÓNIO CÂNDIDO MOUTEIRA GUERREIRO - "As Funções do Tesouro Público (Subsídios para o seu Estudo) "in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 106, Lisboa, 1972, págs. 75 e 76, e, também, págs. 57 e segs. e 78 e segs. . Do mesmo autor leia-se o artigo "Aval do Estado" no Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra, 1965, vol. I, págs. 631 e segs..

(6) AUGUSTO DE ATAÍDE - "Elementos para um Curso de Direito Administrativo de Economia", in - Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 100, Lisboa, 1970, págs. 118 e 119.
Semelhantemente, A.C. MOUTEIRA GUERREIRO e CRISPIM A.G. DE GOUVEIA, "A Direcção-Geral da Fazenda Pública - seu papel na Administração Pública" in Cadernos citados, nº 49, Lisboa, 1967, págs. 129 e segs..

(7) E a opinião de RAUL VENTURA - "Aval do Estado - Vencimento da Obrigação do Estado Avalista” in Revista da Banca, nº4 (Outubro/Dezembro 1987), pág. 69.

(8) Este foi, pelo menos, o entendimento da Câmara Corporativa no seu parecer nº 40/X, sobre a proposta de lei nº 20/X, embrião da Lei nº 1/73. O texto da proposta encontra-se nas Actas da Câmara Corporativa, X Legislatura, nº 86, de 19.1.72. O parecer nº 4º Suplemento ao nº 193 do Diário das Sessões, de 10.5.72, ou no volume Pareceres (X Legislatura), Ano de 1972/Volume III), Lisboa, págs. 235 e segs. (cfr. pág. 248). A discussão e aprovação pela Assembleia Nacional estão publicadas no mesmo Diário, nº 196, de 17.11.1972, págs. 3 896 e 3 897, nº 197, de 22.11.72, págs. 3 902 e 3 905, nº 198, de 23.11.72; págs. 3 915 a 3 924, e nº 199, de 24.11.72, págs. 3 936 a 3 944.

(9) Pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 159/75, de 27.3, a autorização passou a ser da competência do Conselho de Ministros, preceito que foi revogado pelo nº3 do artigo 7º da Lei nº 49/86, de 31.12, que atribuiu, de novo, a competência ao Ministro das Finanças, com a faculdade de delegar.

(x)- "Neste ponto seguimos a exposição do parecer nº 229/79, de 10 de Abril de 1980, deste corpo consultivo, não homologado".

(xx)- "Hoje director-geral do Tesouro, por força do Decreto-Lei nº 564/76, de 17 de Julho".

(xxx)- "Esta providência está prevista no Decreto-Lei nº 346/73, de 10 de Julho, que, assim, veio colmatar a lacuna resultante da revogação do Decreto-Lei nº 43 710, de 24 de Maio de 1961, pela base XIII da Lei nº 1/73. Com efeito, era o artigo 4º, nº2, do Decreto-Lei nº 43 710 que previa a abertura de créditos pelo Ministério das Finanças destinados ao pagamento total ou parcial dos encargos, pelo Estado, no caso de tal não poder ser satisfeito pela empresa beneficiária do aval".

(10) Cfr. Finanças Públicas e Direito Financeiro, Coimbra, 1987, págs. 570 e segs. onde também se esquematiza o sistema da Lei nº 1/73.

(11) A unilateralidade nem sempre e aceite de modo pacífico: cfr. RAÚL VENTURA, loc. cit., pág. 71.


(12) Com efeito, a doutrina do parecer nº 220/81, foi reafirmada no parecer complementar já referido e veio, aliás, do parecer nº 130/79, de 12.2.81, publicado no Diário da República, II Série, nº 203, de 4.9.81, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 308, págs. 24 e segs.. Cfr., a este propósito, o já citado estudo de RAÚL VENTURA e o artigo de COSTA FREITAS (que lhe é anterior),
"O Aval do Estado - Natureza Jurídica e Efeitos", no Boletim da Ordem dos Advogados, nº 23, Fevereiro de 1984, págs. 4 e segs..
"Impressionado", perante a “maravilhosa unanimidade de doutrina" face a construção Jurídica tão imprecisa como é a do parecer, "que é mero parecer", ALBERTO LUÍS – Direito Bancário, Coimbra, 1985, pág. 179. Não parece, porém, que SOUSA FRANCO perfilhe o mesmo encantamento (ob. cit., pág. 570).
Anotando desfavoravelmente o acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Outubro de 1979 (in - Colectânea de Jurisprudência, 1979, tomo 4, pág. 1 199), AFONSO QUEIRÓ discorda que se qualifique de acto administrativo a prestação de aval do Estado em escritura de empréstimo (cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 113, págs. 197 e 198).

(13) No período imediatamente posterior a 1974 a utilização do aval foi banalizada, como ainda teremos oportunidade de melhor referir funcionando o aval, observa MANUEL AFONSO VAZ, muitas vezes não tanto como medida de fomento mas como medida de manutenção e defesa de empresas intervencionadas em situação de desequilíbrio económico-financeiro - cfr. Direito Económico - A Ordem Económica Portuguesa, Coimbra, 1984, pág. 151.
O enfoque anterior a essa data era distinto: a Lei nº 3/72, de 27 de Maio, Lei de Bases do Fomento Industrial, previa a possibilidade do Governo prestar avales e outras garantias a operações de crédito, interno e externo, de empresas industriais (base XII), o que seria desenvolvido no Decreto-Lei nº 74/74, de 28 de Fevereiro (artigos 14º, nº1, alínea b), 17º, 29º, 30º, nº1 e 31º), como se observa no parecer nº 220/81, complementar (nota 9).

(14) A súmula é de SOUSA FRANCO (ob. cit., pág. 571), acrescentando, na alínea a), as Regiões Autónomas como eventuais beneficiários dos avales, chamando-se a atenção para a Resolução do Conselho de Ministros nº 2/82, de 8 de Janeiro.

(15) Incluindo-se os avales nas operações de crédito que carecem de autorização (J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA - Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra, 1978, pág. 328)

(16) Cfr. o Diário da Assembleia da República (DAR), Suplemento ao nº50, de 4.12.76.

(17) Cfr. o Diário da Assembleia da República, 2º Suplemento ao nº82, de 5.3.77.

(18) Cfr. o Diário da Assembleia da República, Suplemento ao nº107, de 11.5.77, e Suplemento ao nº110, de 18.5.77, respectivamente.

(19) Cfr. o Diário da Assembleia da República, nº 111, de 20.5.77, págs. 3 775 e segs..

(20) Com efeito, não chegaram a ser discutidos nem foram objecto de qualquer regulamentação, os projectos de lei nºs 80/I, 163/II, 116/III e 260/IV, todos sobre o regime jurídico dos avales do Estado, publicados, respectivamente, no Diário da Assembleia da República, II Séries, nº8, de 18 de Novembro de 1977 (apresenta do pelo PSD), nº40, de 13 de Março de 1981 (do deputado SOUSA FRANCO, da ASDI), nº 10, de 28 de Junho de 1983 (da ASDI), e nº89, de 16 de Julho de 1986 (apresentado pelo PRD).

(21) Cfr. Diário da Assembleia da República, nº 111, cit., pág. 3 779.

(22) TEIXEIRA RIBEIRO - "As alterações à Constituição no domínio das Finanças Públicas" - in Boletim de Ciências Económicas, vol. XXVI, 1983, Coimbra, pág. 250.

(23) SOUSA FRANCO - "A Revisão da Constituição Económica" - in Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, vol. III de 1982, pág. 628.

(24) CARDOSO DA COSTA - "Sobre as Autorizações Legislativas da Lei do Orçamento" in - Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J.J. TEIXEI-RIBEIRO, III, Coimbra, 1983, págs. 430/431.

(25) Cfr., por exemplo, os Acordos aprovados pelos Decretos nºs 550-G/76 a 250-l/76, todos de 12 de Julho, e pelo Decreto nº 48/84, de 9 de Agosto.

(26) Trocado o respectivo instrumento de ratificação em 20.4.79 (Diário da República, I Série, nº 213, de 14.9.79).

(27) Cfr. ALBINO DE AZEVEDO SOARES - Lições de Direito Internacional Público, 4ª edição, Coimbra, 1988, pág. 125.

(28) Ob. cit., pág. 126.

(29) Cfr. JÚLIO A. BARBERIS – “Le Concept de Traité International et ses Limites", in - Annuaire Français de Droit International, 1984, pág. 251.

(30) Ob. cit., pág. 253. O termo "tratado" ; assumido no seu sentido amplo.

(31) Ver, a este propósito, NUNO BESSA LOPES - A Constituição e o Direito Internacional, Lisboa 1974, pág. 75.
Anotações
Legislação: 
RCM 3/86 DE 1986/01/09.
DL 159/75 DE 1975/27/03 ART1 N1.
L 1/73 DE 1973/01/02 BI BII N1 BX BXI BXII BVIII.
L 2-B/85 DE 1985/02/28 ART4.
D 35/79 DE 1979/04/24.
CONST76 ART8 ART122 N1 B ART200 N1 C ART164 H.
L 49/86 DE 1986/12/31 ART7 N3.
DL 43710 DE 1962/05/24.
DL 46261 DE 1965/03/29.
DL 45337 DE 1963/11/04.
L 3/72 DE 1972/05/27.
D 68/76 DE 1976/01/24.
Jurisprudência: 
AC GER DE COOPERAÇÃO E AMIZADE PT ST DE 1975/07/12.
AC COMERCIAL PT ST.
Referências Complementares: 
DIR FINANC.
Divulgação
Número: 
DR196
Data: 
25-08-1990
Página: 
9545
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