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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
114/2000, de 04.07.2000
Data de Assinatura: 
04-07-2000
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
CÂNDIDA DE ALMEIDA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONVENÇÃO EUROPEIA
CONSELHO DA EUROPA
RATIFICAÇÃO
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
TRANSMISSÃO DA ACÇÃO PENAL
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL
RESERVA A TRATADO
Conclusões: 
1º. - A Convenção Europeia sobre a Transmissão de Processos Penais, elaborada no seio do Conselho da Europa, não contém na generalidade, disposições que, colidindo com princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, obstem à sua ratificação por Portugal;

2ª - Na especialidade, a referida Convenção contempla soluções que, pelo menos, suscitam reservas quanto à sua conformidade constitucional, como é o caso dos nº 2 do artigo 8º e nºs 2 e 3 do artigo 35º, face ao disposto no nº 5 do artigo 29º da CRP.

3ª. - Transcende a competência deste Conselho Consultivo emitir parecer sobre a conveniência ou oportunidade de assinatura e de ratificação das mesmas Convenções, formulação de reservas e declarações nelas previstas;

4ª No entanto, para uma total e pacífica harmonização do teor dos artigos 8º, nº 2 e 35º, nº s 2 e 3 da Convenção com o texto constitucional, parece aconselhável que Portugal faça declaração a que se reporta o Anexo II da Convenção, primeiro parágrafo;

5ª Conveniente nos parece também que se defina, de acordo com o que se diz no Anexo II, parágrafo 2º, o termo “nacional” tendo em vista a uniformização do conceito nos Tratados, Convenções e Acordos subscritos por Portugal.

6ª Aconselhável parece ainda que Portugal exerça o direito de reserva relativamente aos casos especificados na alínea a) do Anexo I da Convenção, por força do que dispõe o artigo 41º da Constituição da República.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral
da República,
Excelência:





I



Sua Excelência o Ministro da Justiça dignou-se solicitar à Procuradoria-Geral da República parecer sobre a Convenção da Europa sobre Transmissão de Processos Penais ([1]), tendo em conta o teor da informação que lhe foi prestada pelo Director do Gabinete de Direito Europeu ([2]).

Porém, sobre a Convenção em causa haviam sido já emitidos os pareceres nºs 203/77 ([3]) e nº 81/81 ([4]) deste Conselho Consultivo.

Não obstante o período de tempo decorrido desde então, a evolução legislativa, entretanto verificada, não autoriza alterações significativas ao teor e conclusões alcançadas naqueles pareceres, mas tão só pontuais actualizações e eventuais aditamentos à fundamentação então expendida, enquanto suporte das conclusões tiradas.

Permito-me, porém, introduzir um ponto de discussão de certo modo não contemplado na argumentação desenvolvida a propósito dos artigos 8º, nº 2 e 35º, nºs 2 e 3, no que tem a ver com o princípio non bis in idem.

Para facilidade de leitura e uma melhor apreensão global da análise técnica da Convenção em causa, reproduziremos o teor daqueles pareceres na parte em que mantêm interesse e actualidade, introduzindo-lhes tão só as considerações que se impõem pelas alterações legislativas, jurisprudênciais ou doutrinais entretanto adquiridas, bem como a referida ponderação acerca das implicações do teor dos nº s 8º, nº 2 e 35º, nº s 2 e 3 da Convenção no princípio non bis in idem.

II


1.1. Sempre que este conselho consultivo é chamado a pronunciar–se sobre convenções ou outros instrumentos de direito internacional é habitual fazer uma prevenção relativa ao tipo de análise que estatutariamente lhe compete. Essa análise cinge–se aos aspectos estritamente jurídicos, o que significa estar fora da sua competência a apreciação da conveniência, da utilidade ou da o oportunidade da assinatura, da adesão ou da ratificação de tais instrumentos.

Dentro da análise estritamente jurídica para que está vocacionado, a investigação orienta–se pelo critério da compatibilidade ou da incompatibilidade dos textos com as normas e princípios da ordem jurídica portuguesa, designadamente os princípios fundamentais consagrados na Constituição, quer no que respeita a esses instrumentos no seu todo, quer no concernente a algumas das suas disposições em concreto.

Mais uma vez se segue esse critério, na convicção de que as considerações produzidas poderão constituir elementos úteis para quem tenha de decidir, conjugadas com a ponderação de outros aspectos, estranhos à nossa competência, e que transcendem o tipo de análise acima referido.


1.2. Porque a cooperação europeia em matéria de justiça penal não pode ser satisfatoriamente assegurada com a regulação dos problemas relativos à extradição e à entreajuda judiciária, foi elaborada, no âmbito do Conselho da Europa, a presente Convenção, aberta à assinatura dos Estados membros em 15 de Maio de 1972.

Está em vigor desde 30 de Março de 1978.

A Convenção, tendo em conta que a criminalidade, nos últimos anos, tem revestido um carácter internacional, nomeadamente em função do considerável desenvolvimento dos meios de comunicação, vem ao encontro da necessidade de uma cooperação mais estreita entre os Estados, que os estimule a baixar as suas barreiras jurídicas e a reexaminar as consequências tradicionais das suas soberanias respectivas ([5]).

O exame dos complexos problemas suscitados pelo reconhecimento das sentenças estrangeiras e sua execução revelou que uma solução satisfatória dos mesmos não poderia ignorar as fases do processo criminal que precedem a prolação da sentença e sua execução.

Daí o ter-se concluído que seria altamente desejável estender a cooperação europeia aos problemas, igualmente complexos, da determinação da competência entre vários Estados em matéria de instauração da acção penal e organizar a transmissão dos processos de um Estado para outro antes da fase da sentença.

A solução dos conflitos positivos de competência implica uma forma de consenso entre os Estados interessados, sobre qual deles deve instaurar procedimento contra o autor de uma dada infracção. Considerou-se que uma solução adequada para tais conflitos devia necessariamente englobar a possibilidade de transmitir para um Estado um processo já instaurado noutro.

A teoria segundo a qual é no local onde a infracção foi cometida que, habitualmente, é mais oportuno instaurar o procedimento, não parece, hoje, inteiramente justificada. A ressocialização do delinquente, a que o moderno direito penal atribui a maior importância, exige que a sanção seja proferida e executada onde os esforços tendentes a essa ressocialização oferecem maiores possibilidades de êxito, quer dizer, normalmente no Estado onde o delinquente tem família ou amigos ou onde estabelecerá residência depois de expiar a pena.

É um facto que as dificuldades relativas à aquisição das provas se oporão frequentemente à transferência dos processos do Estado onde a infracção foi cometida para outro. Mas não é possível estabelecer regras gerais que permitem determinar, em cada caso, o valor relativo a atribuir a esta consideração.

A decisão deve ser tomada caso por caso, à luz dos factos da causa.

Só por um acordo entre os diversos Estados interessados será possível evitar as dificuldades que resultariam da aceitação imponderada de um sistema limitativo do poder dos Estados de impor sanções.

Mas tem-se verificado igualmente que um Estado competente para conhecer de uma infracção pode considerar que a perseguição do seu autor será mais eficazmente assegurada por um outro que, segundo a sua própria lei, não é competente para dela conhecer. Esta modo de cooperação postula um instrumento internacional que atribua ao segundo Estado competência para se encarregar dos procedimentos pedidos pelo primeiro ([6]).

A Convenção tem por escopo estabelecer um sistema de transmissão das acções repressivas e regular as dificuldades decorrentes da pluralidade de processos ([7]).

No que concerne à transmissão, a Convenção cria, no seu artigo 2º, uma competência comum a todos os Estados Contratantes na veste de "Estado requerido". Esta competência, que é subsidiária, é independente da legislação interna, não influindo na competência que os Estados possam ter em virtude da sua legislação e não a limitando.

A Convenção estipula as condições a que é subordinada a transmissão de procedimentos, a saber, nomeadamente, a dupla incriminação e a justificação face às exigências da boa administração da justiça, que ressaltam das disposições que enumeram pormenorizadamente as situações em que um pedido pode ser satisfeito ou recusado.

Regula igualmente os problemas de aplicabilidade da lei penal, o efeito do pedido de accionamento em dois Estados em causa e o do valor jurídico dos actos de investigação e instrução validamente praticados no Estado requerente.

O objectivo principal das disposições relativas a pluralidade de procedimentos é evitar que uma pessoa seja acusada e julgada mais de uma vez pela mesma infracção.

Os meios que permitem a um Estado fazer face a um tal concurso de processos são os seguintes:

a. Renunciar à sua própria acção;

b. Suspender provisoriamente o processo afim de atender ao resultado de um processo pendente noutro Estado;

c. Transmitir a acção a este outro Estado.

A Convenção prevê um processo de consulta com vista a determinar qual dos Estados em causa deve continuar e terminar a acção única. A decisão depende, em cada caso concreto, da avaliação de diferentes critérios gerais, tais como a descoberta da verdade e a aplicação de sanções apropriadas.

Na impossibilidade de se chegar a um acordo, cada Estado conserva a sua competência, mas qualquer decisão proferida deve respeitar as disposições da Convenção relativas ao princípio non bis in idem.


1.3. Motivada pelo objectivo de realizar uma união mais estreita entre os Estados membros da Conselho da Europa, pelo desejo de completar a obra, já encetada, no domínio do direito penal, com vista a uma repressão mais justa e mais eficaz, e pela ponderação de que é necessário organizar a perseguição das infracções no plano internacional, num espírito de mútua confiança, evitando, nomeadamente, os inconvenientes dos conflitos de competência, a Convenção divide–se em seis títulos, (definições, competência, transmissão de acções, pluralidade de processos repressivos, non bis in idem e disposições finais).

Os objectivos prosseguidos com esta Convenção não são incompatíveis com os princípios da ordem jurídica portuguesa, considerando especialmente o programa de cooperação internacional consagrado na Constituição da República – artigo 8º, nº s 2 e 3 -, para além de que as finalidades pretendendidas com a presente Convenção se ajustam perfeitamente aos princípios e fins vertidos no Tratado da União Europeia ([8]) – Título VI – “Disposições relativas .à cooperação policial e judiciária em matéria penal”, integrando o chamado Terceiro Pilar ([9]).

Poder-se-á, então, afirmar que da apreciação na generalidade da Convenção ora em causa resulta ser do interesse de Portugal a sua ratificação, enquanto instrumento essencial da cooperação judiciária em matéria penal no âmbito dos Países do Conselho da Europa e da União Europeia, mais concretamente.

Daí que possamos, desde já, passar à apreciação, na especialidade, da mesma Convenção.

1.3.1. O Título I contém um único artigo (1º) que trata das definições.

De acordo com ele, para os efeitos da Convenção, o termo “infracção” compreende: os factos constitutivos de infracções penais e os que são visados pelas disposições legais mencionadas no Anexo III com a condição de que, se a infracção for da competência de uma autoridade administrativa, o interessado tenha a possibilidade de submeter o assunto à apreciação de uma instância jurisdicional.

O termo "reacção criminal", por seu turno, designa qualquer pena ou medida em que pode incorrer–se ou proferida por causa de uma infracção penal ou em virtude de infracção às disposições legais mencionadas no Anexo III.

Nenhuma dificuldade de interpretação suscita es­te artigo, pelo que podemos passar ao Título seguinte.

Este, trata da matéria da competência e compreende os artigos 2º a 5º.

Nos termos do primeiro, para aplicação da Convenção, qualquer Estado Contratante tem competência para perseguir, segundo a sua própria lei, qualquer infracção a que seja aplicável a lei penal de outro Estado Contratante.

A competência reconhecida a um Estado, exclusivamente em virtude deste artigo, só pode ser exercida com base em pedido de acção apresentado por outro Estado Contratante.

De acordo com o artigo 3º, o Estado competente em virtude da sua própria lei para perseguir uma infracção pode, com vista à aplicação da Convenção, renunciar à acção ou abandoná–la, no que concerne a um arguido que já se encontra ou pode vir a encontrar–se demandado pelos mesmos factos por outro Estado Contratante. Tendo em conta as disposições do nº 2 do artigo 21º, que adiante estudaremos, a decisão de renúncia ou de abandono da acção é provisória, até que uma decisão definitiva seja proferida noutro Estado Contratante.

O Estado requerido cessa o exercício do direito de procedimento fundado exclusivamente no disposto no artigo 2º, quando tiver conhecimento de que o direito de punir se extinguiu segundo a lei interna do Estado requerente, por causa distinta da prescrição, à qual se aplica o disposto na alínea c) do artigo 10º, nas alíneas f) e g) do artigo 11º e nos artigos 22º, 23º 26º da Convenção (artigo 4º).

As disposições do Título III da Convenção, que a seguir analisaremos, não limitam a competência que a legislação interna do Estado requerido confere a este em matéria de procedimento (artigo 5º).

Consideradas estas disposições no seu conjunto e em particular a última, salta à vista que nenhuma razão de ordem pública interna se opõe à aceitação das mesmas. A renúncia a que se refere o artigo 3º analisa–se como uma faculdade e o artigo 5º é claro em dispor que a transmissão dos procedimentos não limita a competência do Estado requerido, decorrente da sua própria legislação.


Nenhum princípio fundamental da ordem jurídica se opõe, assim, a que Portugal se vincule à Convenção de que tratam as disposições do Título II.

O Titulo III contém as disposições relativas à transmissão dos procedimentos e compreende duas secções (Secção 1 – pedido de exercício da acção; Secção 2 – procedimento de transmissão).

Vejamos a primeira, constituída pelos artigos 6º a 12º.

Nos termos do artigo 6º, quando uma pessoa é suspeita de ter cometido uma infracção à lei interna de um Estado Contratante, pode este pedir a outro Estado Contratante que instaure procedimento nos casos e nas condições previstas na presente Convenção.

O mesmo artigo dispõe que, no caso de os preceitos convencionais conferirem a um Estado Contratante a faculdade de pedir a outro que instaure procedimento, as autoridades do primeiro devem tomar essa possibilidade em consideração.

Dado o carácter eminentemente técnico desta disposição, nenhuma especial consideração de ordem jurídica se suscita a seu propósito.

O artigo 7º, nº 1, contempla a exigência de identidade das leis punitivas.

De acordo com ele, a acção pode ser exercida no Estado requerido quando o facto a que se refere o pedido constituir uma infracção igualmente punível neste Estado, caso aqui tivesse sido praticado e o seu autor aqui fosse igualmente passível de sanção prevista na lei do dito Estado.

O normativo consagra, afinal, o princípio da dupla incriminação.

Em defesa desta solução, pode ler-se no respectivo “Rapport explicatif” ([10]), que a aplicação deste princípio é essencial no domínio da cooperação entre os Estados em matéria penal, porquanto a defesa comum contra a deliquência pressupõe que haja coincidência, pelo menos quanto aos fins, entre as legislações dos diferentes Estados em matéria de repressão de infracções penais.

Este princípio pode ser encarado em abstracto ou em concreto, sendo que na presente Convenção se adoptou o princípio da dupla incriminação em concreto, como respeitando ao facto – subsunção num tipo legal de crime – e não à qualificação jurídica – nomen juris - ([11]).

A tal opção não se opõem os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

O preceito contempla ainda um nº 2 que dispõe que: "Se a infracção tiver sido cometida por uma pessoa investida numa função pública no Estado requerente ou contra uma pessoa investida numa função pública, uma instituição ou um bem que tenham um carácter público neste Estado, tal infracção será considerada no Estado requerido como tendo sido cometida por uma pessoa investida numa função pública neste Estado ou contra uma pessoa, uma instituição ou um bem correspondente, neste último Estado, ao que é objecto da infracção.”

Aceita–se o sentido desta disposição, atenta a gravidade dos bens e interesses ofendidos e a particular responsabilidade pública do agente da infracção, bem como o interesse da reciprocidade.

Nenhuma desta normas ofende princípios fundamentais do ordenamento jurídico nacional, pelo que nada a opor, por isso, à disposição em causa.

O artigo 8º prevê no seu nº 1 os pressupostos do pedido de exercício da acção.

O nº 2 do mesmo preceito parece contemplar uma limitação ao princípio nom bis in idem e suas consequências.

A propósito deste normativo nuclear da Convenção, escreveu-se no parecer nº 203/77 que vimos seguindo: “o preceito deve analisar-se de dois ângulos diferentes. Do ponto de vista do Estado requerente constitui uma faculdade, de que este usará ou não ponderando os interesses e as vantagens implícitas nas diferentes alíneas do nº1. Como faculdade que é, diminui ou afasta, mesmo, quaisquer pruridos que possam fundar–se num apego demasiado às suas próprias leis internas em matéria de competência para a acção persecutória. Do ponto de vista do Estado requerido, constitui um dever, mas sujeito à verificação de certas condições constantes dos artigos seguintes.
“De sorte que, enquanto faculdade do Estado requerente e se imaginarmos o Estado português nesta veste, não se vêem quaisquer obstáculos de ordem jurídica à aceitação da solução – considerando, sempre, que a prossecução do interesse da cooperação internacional pode justificar, até certo ponto, o sacrifício dos princípios da lei interna na matéria de que se trata.
“Aliás, tratando–se, por exemplo, de estrangeiros que cometeram crimes em Portugal e, depois, se refugiaram noutro Estado, parece mais curial aceitar a transmissão da acção persecutória para este Estado, do que aguardar, tantas vezes platonicamente, a possibilidade de eventual execução de sentença proferida à revelia por tribunais portugueses. Este, apenas um exemplo do interesse que pode ter uma disposição como a do artigo 8º da Convenção.”

No entanto, relativamente ao que dispõe o nº 2 do artigo 8º, salvo melhor opinião, o entendimento acabado de expôr contempla apenas a hipótese de um julgamento à revelia, no que parece ser uma interpretação restritiva do preceito sem qualquer apoio na letra do normativo.

Com efeito, nele se prevê expressamente e sem qualquer condicionalismos, a possibilidade de um Estado contratante, que julgou e condenou definitivamente (com trânsito, portanto) um arguido, - sem curar da sua nacionalidade, que não é sequer referenciada na norma-solicitar a outro Estado a transferência de procedimentos se não se encontrar em condições de executar a reacção criminal.

A solução adoptada no preceito não nos parece isenta de dúvidas do ponto de vista da sua conformidade constitucional.


A Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) prescreve no artigo 29º, nº 5 que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime .”

Em anotação à norma, Gomes Canotilho e Vital Moreira ([12]) escrevem que “A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela prática do “mesmo crime”.

Gomes Canotilho, em “Estado de Direito” ([13]) reafirma este entendimento ao considerar que “Ninguém se submeterá voluntariamente a um qualquer processo penal sem ver reconhecido o direito de ser ouvido, o princípio da igualdade processual das partes ou o princípio da fundamentação dos actos judiciais. E lá onde o império do direito atinge o grau mais coactivo por se tratar da “última razão” do Estado de direito – o direito e o processo penal – todos concordarão que haverá um retrocesso grave no Estado de direito se se postergarem princípios e direitos tão importantes como os da garantia de audiência do arguido, (...) a proibição da dupla incriminação, (...)”.

Poder-se-á defender que o princípio non bis in idem plasmado no citado artigo 29º, nº 5, da C.R.P. vale apenas no direito interno, para os tribunais portugueses. Parece-me, porém, que esse entendimento seria injustificadamente redutor de um princípio que enforma todo o nosso ordenamento jurídico, enquanto garantia fundamental dos cidadãos – nacionais ou estrangeiros atento o que dispõe o artigo 13º da mesma Constituição – e que tem a mesma razão de ser sejam os julgamentos ocorridos em Portugal ou no estrangeiro.

Aliás, esta posição foi já defendida no processo nº 70/94 deste Conselho, relativo ao Tribunal para o Julgamento dos Crimes Cometidos Contra a Humanidade no Território da ex-Jugoslávia, em cuja informação-parecer se ponderou que surgiria como excessivamente formal e insuficiente em termos de garantia, a interpretação do preceito constitucional que proíbe, expressamente e sem quaisquer restrições, o duplo julgamento, em termos de só se querer referir a tribunais portugueses.

Teresa Beleza ([14]) assim o entende também, ao comentar o artigo 6º, nº 4 do Código Penal (CP) ([15]), não obstante aceitar ser razoável admitir que o alcance da proibição do duplo julgamento previsto no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República será o de impedir que a mesma pessoa cumpra pena duas vezes ou cumpra duas vezes pena pelo mesmo crime, e. que, se assim for, não obstante a redacção pouco feliz do artigo 29º, nº 5 da Constituição, poder-se-á entender não se verificar violação do princípio non bis in idem no nº 4 do artigo 6º do CP citado.

Por outro lado, Cavaleiro Ferreira entende, diferentemente, que o “disposto no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República só pode referir-se ao julgamento que seja reconhecido pela Ordem Jurídica Nacional” ([16]).

Cobo del Rosal e Vives Anton ([17]) escrevem que o princípio ne bis in idem tem um duplo significado: é um princípio material, nos termos do qual ninguém pode ser punido duas vezes pela mesma infracção e tem também, por outro lado, natureza processual, em virtude do que ninguém pode ser julgado duas vezes pelos mesmos feitos.
Os efeitos da litispendência e do caso julgado são concretizações do princípio ne bis in idem no processo penal. E os mesmos Autores acrescentam que, inclusivamente, o facto pelo qual um arguido tenha sido julgado no estrangeiro determina a impossibilidade de ser instaurado um novo processo ([18]).

É certo que a Convenção entre os Estados Membros das Comunidades Europeias relativa à aplicação do princípio ne bis in idem ([19]) apenas prevê, no seu artigo 1º, que “Quem tiver sido definitivamente julgado num Estado Membro não pode, pelos mesmos factos, ser perseguido num outro Estado membro, desde que, em caso de condenação ([20]), a sanção tenha sido cumprida, esteja efectivamente em curso de execução ou já não possa ser executada segunda as leis do Estado da condenação”;
E que o seu artigo 2º prevê a possibilidade dos Estados Membros declararem não se considerarem vinculados pelo princípio ne bis in idem tal como é entendido no artigo 1º, em determinadas situações, sendo que Portugal apresentou, relativamente a esta questão, três declarações:

Portugal declara, nos termos dos nºs 1 e 2 da Convenção, que:

1º Aplicará o princípio ne bis in idem, sob condição de reciprocidade, quando os factos objecto de sentença estrangeira tiverem sido praticados, no todo ou em parte, no seu território e, neste caso, a excepção não se aplica se esses factos tiverem sido praticados, em parte, no território do Estado membro em que a sentença foi proferida;

2º Invocará que não se considera vinculado pelo artigo 1º (que prevê a aplicação do princípio ne bis in idem) quando os factos objectos de sentença estrangeira constituirem uma infracção contra a segurança ou outros interesses igualmente essenciais desse Estado membro, no caso de tal se mostrar necessário para preservar um interesse essencial do Estado Português;

3º A excepção a que se refere a delaração antecedente diz respeito aos crimes de contrafacção de moeda, de falsificação de moeda e outros crimes afins, aos crimes de terrorismo e aos crimes contra a segurança do Estado.

Em contraponto, atente-se na indefinição dos requisitos que seria exígivel e adequado concretizar no artigo 8º, nº 2, da Convenção em análise, para justificar a solução ali consagrada. Sem se definirem rigorosamente os pressupostos da utilização da faculdade nela prevista, o Estado da condenação que, não se sabe por que razões, não pode executar a sentença proferida pelos seus tribunais, pode, sem quaisquer condicionantes, solicitar novo procedimento, acusação, julgamento e condenação ao Estado requerido, desde que este não aceite a extradição do arguido ou não reconheça a sentença estrangeira.
Já na Convenção relativa a Transferência de Pessoas Condenadas ([21]), por exemplo, impõe-se, no seu artigo 11º, que a autoridade do Estado da execução fique vinculada pela constatação dos factos, na medida em que estes figurem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação (alínea a); não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária (alínea b); não poderá agravar a situação penal do condenado (alínea d)).

Por outro lado, embora seja certo que o Decreto-Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, – que aprova a lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal -, aceite a prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais – artigo 3º –, certo é também que o diploma dá forma aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português e no seu articulado não se prevê norma semelhante à que vimos de analisar – cfr., nomeadamente, artigos 79º a 103º.

Afinal o princípio non bis in idem reconhecido no nosso direito visa, tradicionalmente, aliás como na maioria dos Países de direito democrático, impedir que uma pessoa que foi objecto de uma sentença definitiva num processo penal (absolutória ou condenatória) venha a ser de novo perseguida com base no mesmo facto.

É certo que, como afirmam Lopes Rocha e Teresa Alves Martins ([22]), em anotação ao artigo 18º que, na Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, tratava do princípio nom bis in idem há “diferenças sensíveis entre a amplitude conferida ao princípio no plano nacional e a sua aplicação no plano internacional. Neste último, não obstante os esforços desenvolvidos em várias frentes, não é geralmente reconhecido ou, quando o é, está sujeito a várias restrições. Observa-se, a propósito, que nenhum Estado no território do qual um facto ilícito criminal foi praticado, é impedido de perseguir a infracção pelo único motivo de esta já ter sido perseguida noutro Estado.
“É o que se passa no direito português. O afloramento do princípio no artigo 6º do CP ([23]) é referido a factos praticados fora do território nacional, sem embargo de a regra ne bis in idem funcionar, de forma mitigada, através da imputação na pena aplicada em Portugal, daquela em que o agente já tiver cumprido no estrangeiro.
“Na base das posições jurídicas adversas a uma equiparação do princípio no plano nacional e no plano internacional militam considerações ligadas à soberania dos Estados e relacionadas com o facto de o Estado da comissão da infracção ser, as mais das vezes, aquele onde o facto pode ser mais facilmente averiguado e provado.
“Daí o parecer injustificado que este deva ser normalmente vinculado pelas decisões tomadas noutros Estados, quando a ausência de certos elementos de prova pode ter conduzido à absolvição ou à aplicação de penas menos severas (...). Contra estas objecções, argumenta-se que é injusto sujeitar o delinquente a um tratamento manifestamente contrário à equidade, na medida em que é demandado criminalmente duas ou mais vezes pelo mesmo facto, correndo o risco de execução de várias condenações (...).”

Referindo-se ao artigo 29º, nº 5, da Constituição da República aqueles autores afirmam que: “numa visão dinámica do processo penal, a frase “ninguém pode ser julgado” abrange seguramente todo o processado conducente à decisão, não se resumindo à fase do julgamento e muito menos à sentença”e citam, a propósito, o artigo 66º da “Loi fédérale sur l’entraide judiciaire em matière pènale, de 20 de Março de 1981 –EIMP-, (recusa de auxílio), como consagrando o princípio “ne bis in idem” ([24]).

Refira-se, ainda, que no Acordo entre os Estados Membros da Comunidade Europeia relativa a Transmissão de Processos Penais ([25]) não se aprende norma de contornos semelhantes à que vimos de analisar.

As considerações que expendi procuram dar conta das dúvidas sobre a dimensão - e restrições possíveis - do princípio non bis in idem no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal, tendo em conta, primacialmente, o teor do nº 5 do artigo 29º da CRP.

Pelo exposto, e porque o Anexo II da Convenção permite ao Estado Português ratificar a Convenção, sem que tenha de, aprioristicamente, tomar posição sobre a constitucionalidade da solução consagrada neste nº 2 do artigo 8º, parece conveniente que Portugal faça a declaração contemplada naquele Anexo, primeiro parágrafo, qual seja a de que “por motivos de ordem constitucional, só poderá formular ou aceitar pedidos de procedimento nos casos referidos na sua lei interna.”


Vejamos, agora, as condições de que depende a satisfação do pedido.

De acordo com o artigo 9º, as autoridades do Estado requerido começam por examinar o pedido e determinam, em conformidade com a sua própria legislação, o seguimento a dar–lhe.

Quando a lei do Estado requerido previr a repressão da infracção por uma autoridade administrativa, este Estado avisa, logo que possível, o Estado requerente, a menos que o Estado requerido tenha feito a seguinte declaração:

"Qualquer Estado Contratante pode, no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação de aceitação ou de adesão ou em qualquer outra altura, por declaração dirigida ao Secretário Geral do Conselho da Europa, dar conhecimento das condições nas quais a sua lei nacional prevê a repressão de certas infracções por uma autoridade administrativa". Esta declaração substitui o aviso acima referido.

Relativamente a este normativo, não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à sua aceitação.

O artigo 10º contempla os casos,de “indeferimento liminar” do pedido:

a) Se este não está conforme as disposições do nº 1 do artigo 6º e do nº 1 do artigo 7º (disposições já atrás analisadas);

b) Se a instauração do procedimento fôr contrária às disposições do artigo 35º;

c) Se, à data mencionada no pedido, o procedimento criminal estiver já prescrito em conformidade com a lei do Estado requerente.

Também esta disposição não fornece ensejo para comentários de ordem jurídica.

Sem prejuízo do disposto no artigo 10º, o Estado requerido só pode recusar, total ou parcialmente, a aceitação do pedido nalgum ou nalguns dos seguintes casos (artigo 11º):

a) Se considerar que não é justificado o motivo sobre que se funda o pedido, por aplicação do artigo 8º;

b) Se o arguido não tiver residência habitual no Estado requerido;

c) Se o arguido não for nacional do Estado re­querido e não tiver a sua residência habitual no território deste Estado no momento da in­fracção;

d) Se considerar que a infracção a que se refere o pedido tem caracter político ou que se trata de uma infracção puramente militar ou puramente fiscal;

e) Se considerar existirem razões ponderosas para crer que o pedido é motivado por considera­ções de raça, religião, nacionalidade ou opiniões políticas;

f) Se a sua própria lei já fôr aplicável ao facto e se o procedimento já estiver prescrito segundo essa mesma lei no momento da recepção do pedido; neste caso, não terá aplicação o nº 2 do artigo 26º; ([26])

g) Se a sua competência se funda exclusivamente no artigo 2º e o procedimento criminal estiver prescrito, segundo a sua própria lei, no momento da re­cepção do pedido, tendo em conta a prorrogação de seis meses do prazo de prescrição previsto no artigo 23º;

h) Se o facto foi praticado fora do território do Estado requerente;

i) Se o procedimento for contrário aos compromissos internacionais do Estado requerido;

j) Se o mesmo procedimento for contrário aos princípios fundamentais da ordem jurídica do Estado requerido;

k) Se o Estado requerente violou qualquer regra de procedimento prevista na presente Convenção.

Estes casos, nomeadamente os previstos nas duas últimas alíneas, constituem outras tantas garantias para o arguido e para a própria ordem jurídica interna do Estado requerido, na medida em que nenhum procedimento criminal é viável, neste Estado, se baseado em critérios punitivos que repugnam aos valores a que o direito do mesmo Estado se subordina e se propõe defender.

Traduzem, por outro lado, um compromisso inteligente entre o interesse da cooperação internacional na repressão de infracções e os interesses a que a ordem interna de um Estado não pode renunciar, para além de certos limites.

Finalmente, ressalvam o império da própria lei interna, relativamente à concorrência de outra legislação no que concerne à punição dos mesmos factos (caso particular da alínea f)), deixando incólumes as regras processuais sobre a competência em razão da matéria e do território cuja postergação não se justifique.

Não se descortinam, por isso, objecções válidas de ordem jurídica à aceitação do artigo 11º.

O artigo seguinte – artigo 12º - permite ao Estado requerido revogar a aceitação do pedido se, posteriormente a ela, se revelar um motivo que impeça o seguimento do mesmo pedido, em conformidade com o anterior artigo 10º.

Por outro lado, o Estado requerido tem a faculdade de revogar a decisão de aceitação:

a) Se lhe parecer que a presença do arguido em audiência não pode ser assegurada ou se uma eventual condenação não puder ser executada no dito Estado;

b) Se um dos motivos de recusa previstos no artigo 11º se revelar antes de o caso ser levado perante a jurisdição de julgamento;

c) Nos outros casos, se o Estado requerente o consentir.

Parece–nos suficientemente clara esta disposição e de justificação evidente, não afrontando qualquer princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico.

A Secção 2, (processo de transmissão) compreende os artigos 13º a 20º.

O primeiro trata da forma do pedido – forma escrita – das comunicações entre os Estados e da transmissão (em caso de urgência) através da INTERPOL.

O artigo 14º trata da insuficiência de informações e pedido de elementos complementares, e o artigo 15º trata dos documentos que devem acompanhar o pedido.

O artigo 16º é relativo à informação que o Estado requerido deve prestar ao requerente sobre a decisão tomada quanto ao seguimento a dar ao pedido e outras que tomar na pendência do processo.

Não se vislumbram razões que obstem à aceitação destas normas.

Já o artigo 17º merece referência especial, porquanto dispõe que se a competência do Estado requerido se fundar exclusivamente no artigo 2º, este Estado deve avisar o arguido do pedido de procedimento penal, para que ele possa fazer valer os seus argumentos antes que o mesmo Estado tome uma decisão sobre aquele pedido.

Esta disposição é importante por consagrar uma garantia fundamental de processo criminal para o arguido, traduzindo um principio da ordem juridico–constitucional portuguesa.

Tanto basta para que a sua aceitação se imponha.

Da inexigência de tradução e suas excepções, bem como da dispensa de legalização dos documentos transmitidos e da renuncia ao reembolso de despesas decorrentes da aplicação da Convenção tratam os restantes artigos (18º a 20º) da Secção 2.

A Secção 3, (efeitos do pedido de procedimento criminal no Estado requerente) tem dois artigos(21º e 22º).

O primeiro começa por dispor que se o Estado requerente apresentou o pedido, não pode perseguir o arguido pelo facto que motivou aquele pedido nem executar uma decisão que proferiu anteriormente, pelo mesmo facto, contra o arguido. Todavia, até à notificação da decisão do Estado requerido sobre o pedido, o Estado requerente conserva o direito de proceder a todos os actos processuais, à excepção daqueles que tenham por efeito levar o caso perante a jurisdição de julgamento ou, eventualmente, à apreciação da autoridade administrativa competente para estatuir sobre a infracção.

Compreende–se bem o sentido desta norma que, destinada a impedir duplicação de acções, todavia não prejudica a prática de actos processuais úteis enquanto não for comunicada a aceitação do pedido de que resulta tal duplicação.

Nada a objectar por conseguinte.

A mesma disposição prevê ainda, no seu nº 2, os casos em que o Estado requerente recupera o seu direito de accionar.

São eles:

a) Se o Estado requerido informar da sua decisão de não dar seguimento ao pedido, nos casos do artigo 10º;

b) Se o mesmo Estado informar que recusa aceitar o pedido, nos casos previstos no artigo 11º;

c) Se o mesmo Estado informar que revogou a aceitação do pedido, nos casos previstos no artigo 12º;

d) Se o mesmo Estado informar, ainda, da sua decisão de não instaurar procedimento criminal ou de lhe por termo;

e) Se o Estado requerente retirar o pedido antes da informação do Estado requerido no sentido da aceitação daquele e da intenção de lhe dar seguimento.

Parece lógico e justificado este regime.

Com ele fica garantida a possibilidade de repressão da infracção quando esta não puder ter lugar no Estado requerido por qualquer dos motivos indicados, o que poderia oferecer dúvidas se a norma em causa não existisse.

O artigo 22º prevê que o pedido de procedimento nos termos do título que vimos analisando, importará a prorrogação por seis meses do prazo de prescrição do procedimento criminal previsto na lei interna do Estado requerente.

Trata–se de uma norma que visa impedir o esgota­mento do prazo prescricional, nomeadamente quando tal prazo é curto, por efeito das de longas, maiores ou menores, que o processo de comunicações entre os Estados sempre implica, tratando-se por outro lado, de um prazo de prorrogação absolutamente aceitável e adequado, tendo em consideração e contraponto, por um lado os direitos do arguido e, por outro, os interesses fundamentais dos Estados na perseguição criminal dos arguidos.

Nenhum obstáculo de princípio existe à aceitação desta norma. Se, no direito interno, os prazos de prescrição podem ser alterados por via legislativa, nada impede que o possam ser pela via convencional. – Cfr. artigo 8º nº s 2 e 3 da CRP -

È certo que as prorrogações referidas não deixam de agravar a posição processual do arguido.

Mas como se pondera no “Rapport Explicatif” ([27]), a propósito desta norma, o exame do pedido pelo Estado requerido pode demandar um certo tempo. Se o Estado requerente solicitou o procedimento criminal próximo da expiração do prazo prescricional e se o Estado requerido recusar a aceitação do pedido ou decidir não lhe dar seguimento, o primeiro ficaria impedido de perseguir o arguido se, entretanto, aquele procedimento tivesse prescrito. É para remediar situações destas que o artigo 22º prevê uma prorrogação excepcional de seis meses do prazo de prescrição.

A secção 4 (Efeitos do pedido de acção persecutória no Estado requerido) integra quatro artigos (23º a 26º).

0 artigo 23º, reverso da disposição anterior, dispõe que se a competência do Estado requerido se fundar exclusivamente no artigo 2º, o prazo de prescrição do procedimento criminal, neste Estado, é prorrogado de seis meses.

Pelas mesmas razões já expendidas a propósito daquele artigo 22º, nada obsta à aceitação da solução,

De acordo com o artigo 24º, se o pedido estiver subordinado a uma queixa, nos dois Estados, a apresentada no Estado requerente vale como tal no Estado requerido.

Mas, se na lei do Estado requerido, não fôr necessária a apresentação de queixa, este pode exercer a acção penal, mesmo na falta dela, se a pessoa com legitimidade para a apresentar não se opuser no prazo de um mês a contar da recepção de aviso pelo qual a autoridade competente a informar desse direito.

É aceitável este regime. Por um lado, evita duplicações de actos inúteis, por outro tem em consideração a vontade, real ou presumida, da pessoa que tem legitimidade para apresentar queixa. No entanto, esta opção parece traduzir uma excepção ao nosso direito interno que, no artigo 49º, nº 1º, do Código de Processo Penal (CPP) dispõe:
“1. Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo ([28]) (...)”

Por sua vez, o artigo 116º, nº 1, do Código Penal estabelece que:
“O direito de queixa não pode ser exercido se o titular a ele expressamente tiver renunciado ou tiver participado factos donde a renúncia necessariamente se deduza.” ([29])

No entanto, e como já antes referimos, o artigo 8º, nº 2, da CRP prevê que “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português”.

O regime estabelecido no citado artigo 24º da Convenção não viola qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico português, pelo que se não vislumbram impedimentos à sua aceitação.

No Estado requerido, a sanção aplicável à infracção é a prevista na lei deste Estado, a menos que esta disponha outra coisa. Quando a competência do Estado requerido se fundar exclusivamente no artigo 2º, a sanção proferida neste Estado não pode ser mais severa do que a prevista pela lei do Estado requerente, dispõe o artigo 25º.

Todos os actos que visem a instauração de procedimento, praticados no Estado requerente em conformidade com as suas leis e regulamentos, têm o mesmo valor no Estado requerido, como se fossem praticados pelas autoridades deste Estado, sem que essa assunção possa conferir–lhes uma força probatória superior à que têm no Estado requerente. E todo o acto interruptivo da prescrição, validamente praticado no Estado requerente, produz os mesmos efeitos no Estado requerido e reciprocamente (artigo 26º, nºs 1 e 2, respectivamente).

A disposição contemplada no nº 1 do artigo 26º ora analisada é inspirada pelos princípios da economia processual e da conservação das provas, com a garantia de que isso em nada pode agravar a situação processual do arguido.

Relativamente ao normativo constante do nº 2 do mesmo preceito, há que reter que os actos interruptivos ou suspensivos da prescrição constam do Código Penal (artigos 121º e 120º, respectivamente), mas não têm consagração constitucional.

Por outro lado, o disposto no artigo 26º, nº 2, da presente Convenção não afronta qualquer princípio fundamental do ordenamento jurídico português.

Nada a obstar às soluções constantes destes normativos.

A Secção 5 (Medidas provisórias no Estado requerido) é constituída pelos artigos 27º a 29º.

0 artigo 27º define os casos em que, na sequência da manifestação do intento de transmitir um pedido de procedimento, pelo Estado requerente, pode ter lugar a detenção provisória do arguido no Estado requerido:

a) Se a lei deste Estado a autorizar em razão da infracção e

b) Se existirem motivos para recear a fuga do arguido ou a criação, por ele, de perigo de destruição de provas.

0 pedido de detenção indica a existência de mandado de captura ou de outro acto com a mesma força, emitido segundo as formas prescritas pela lei do Estado requerente; menciona a infracção pela qual o procedimento será pedido, o tempo e o lugar da sua prática, assim como a identificação do arguido; deve, igualmente, conter uma exposição sucinta das circunstâncias do caso.

0 pedido é transmitido directamente às autoridades do Estado requerido (visadas no artigo 13º), quer pe­la via postal quer pela via telegráfica, quer por outro meio escrito ou admitido por aquele Estado, que informa imediatamente do seguimento dado ao mesmo pedido.

De acordo com o artigo 28º, recebido o pedido de procedimento criminal, acompanhado dos documentos previstos no nº 1 do artigo 15º, o Estado requerido é competente para aplicar todas as medidas provisórias, inclusive a prisão preventiva do arguido e as apreensões que a sua lei permitiria aplicar se a infracção a que se refere o pedido tivesse sido cometida no seu território.

As medidas provisórias referidas nestes dois artigos são reguladas pelas disposições da Convenção e pela lei do Estado requerido, que determinam igualmente as condições em que tais medidas podem cessar (artigo 29º, nº 1);

Tais medidas cessam em todos os casos contemplados no nº 2 do artigo 21º (que descreve os casos em que o Estado requerente recupera o direito de accionar e de executar) – artigo 29º, nº 2;

Deve ser solta a pessoa detida nos termos do artigo 27º, se o Estado requerido não tiver recebido pedido de exercício de acção penal nos 18 dias seguintes à data da detenção – artigo 29º, nº 3;

Deve, igualmente ser solta a pessoa detida nos termos do artigo 27º, se os documentos a juntar ao pedido não chegarem ao Estado requerido no prazo de 15 dias a contar da recepção daquele pedido – idem, nº 4;

0 tempo de prisão efectuada exclusivamente em virtude do artigo 27º não pode, em caso algum, ultrapassar 40 dias – idem, nº 5.

Uma vez que a detenção é regulada pela lei do Estado requerido, nenhuma dúvida há de que estão garantidos os direitos do arguido, nomeadamente quanto a prazos, caução e medidas substitutivas desta.

O prazo de 40 dias previsto neste nº 5 do artigo 29º, é razoável, adequado e proporcional aos interesses em causa, não excedendo os limites previstos no diploma que regula a cooperação judiciária internacional em matéria penal, o Decreto-Lei nº 144/99, 31 de Agosto já citado. – Cfr., por exemplo, o artigo 38º relativo à detenção provisória no processo de extradição.

Com esta solução, não se viola nenhum comando constitucional.

Nada a opor, por isso, à aceitação das disposi­ções em causa.

Segue–se o Título IV, que regula a matéria da pluralidade de procedimentos penais.

É constituído pelos artigos 30º a 34º.

0 artigo 30º dispõe que cada Estado Contratante que, antes da instauração ou na pendência de um processo penal por uma infracção que considere não revestir político ou puramente militar, tiver conhecimento da existência, noutro Estado Contratante, de um procedimento penal pendente contra a mesma pessoa, pelos mesmos factos, verificará se pode renunciar à sua própria acção, suspendê–la ou transmiti–la ao outro Estado.

Se considerar oportuno não renunciar à sua própria acção ou não a suspender, avisa o outro Estado em tempo útil ou, em todo o caso, antes de proferida a sentença de fundo.

Neste último caso, os Estados interessados esforçar–se–ão, na medida do possível, para determinar, após a apreciação, no caso concreto, das circunstâncias mencionadas no artigo 8º, a qual de entre eles incumbirá o prosseguimento do exercício de uma única acção penal.

Durante este processo de consultas, os Estados interessados suspendem o julgamento de fundo, sem todavia ficarem obrigados a prolongar esta suspensão além de 30 dias a contar de envio do aviso previsto no artigo anterior.

Este regime, porém, não é obrigatório:

a) para o Estado que emite o aviso, quando os debates principais sobre o mérito em causa aí foram iniciados, na presença do arguido, antes do envio do aviso;

b) para o Estado destinatário do aviso, quando os mesmos debates foram abertos na presença do arguido, antes do envio do aviso.

Esta, a matéria do artigo 31º.

No interesse da descoberta da verdade e da aplicação de uma sanção adequada, os Estados examinarão a oportunidade de uma única acção ser intentada por um deles e, caso afirmativo, esforçar–se–ão para determinar qual deles intentará a acção, quando:

a) vários factos materialmente distintos, mas constituindo todos infracções à lei penal de cada um destes Estados são imputados, quer a uma só pessoa, quer a várias actuando concertadamente.

b) um único facto constitutivo de infracção à lei penal de cada um desses Estados é imputado a várias pessoas actuando concertadamente.

Assim dispõe o artigo 32º.

Qualquer decisão tomada por aplicação dos artigos antecedentes produz, entre os Estados interessados, todos os efeitos de uma transmissão de pedido de procedimento criminal, previsto na Convenção e o Estado que renunciar à sua própria acção é considerado como tendo transmitido o seu procedimento ao outro Estado (artigo 33º).

0 processo de transmissão previsto na Secção 2 do Título III (que já examinámos) aplica–se quanto às suas disposições que sejam compatíveis com o presente Título IV (artigo 34º).

As disposições que acabam de referir–se são típicas do desejo de realizar os objectivos da Convenção e de dar tradução aos princípios que a inspiram, constantes do seu Preâmbulo: evitar, na medida do possível, a litispendência a nível internacional ou a eventual duplicação, senão a contradição, entre julgados.

Pressupõem um processo, não rígido, de consultas entre os Estados interessados no procedimento criminal, com vista à consecução, na medida do possível, da desejável eliminação de concorrência de processos pelos mesmos factos.

A razoabilidade dos objectivos é manifesta e o processo delineado na Convenção, para os conseguir, basea­do em acordo mútuo, afigura–se adequado.

De resto, parecendo evidente que o regime exposto se move na base dos pressupostos da competência dos Estados concorrentes ou da não verificação de condições em que um Estado não possa ou não queira renunciar à sua competência, atrás estudados, temos que nenhuma razão de ordem jurídica se opõe à aceitação das soluções convencionais tendentes a eliminação da pluralidade de acções.

0 Título V (artigos 36º a 37º) ocupa–se do efeito "non bis in idem".

Estas disposições pertencem ao nú­mero daquelas que podem ser consideradas nucleares ou essenciais, considerando os objectivos da Convenção, inicialmente referidos.

0 princípio non bis in idem, na dimensão que nesta Convenção lhe é dada, significa que uma pessoa não pode, pelos mesmos factos, ser perseguida, con­denada ou sujeita à execução de uma sanção noutro Estado Contratante nos seguintes casos:

a) Se foi absolvida;

b) Quando a sanção infligida:
i) foi inteiramente expiada ou se encontra em curso de execução, ou

ii) tenha sido perdoada ou amnistiada, na totalidade ou na parte ainda não executada;

iii) não pode ser executada por se achar prescrita;

c) Quando o juiz reconhecer a culpabilidade do autor da infracção sem, no entanto, ter proferido qualquer san­ção – nº 1 do artigo 53º .

No nº 2 admite-se que um Estado Contratante não seja obrigado, a menos que tenha deduzido o pedido de procedimento, a reconhecer o efeito "ne bis in idem" se o facto que de­terminou a decisão foi cometido contra uma pessoa, uma instituição ou um bem, que tenham um carácter público nesse Estado, ou se a pessoa julgada tiver um caracter público nesse Estado.

O nº 3 estabelece que qualquer Estado Contratante no qual foi praticado o facto ou como tal é considerado pela lei desse Estado não é obrigado a reconhecer o efeito "ne bis in idem", a menos que ele próprio tenha deduzido o pe­dido de procedimento.

No parecer nº 203/77, que vimos acompanhando, escreveu-se, a propósito destes normativos (por remissão para o que nele se escreveu acerca das normas idênticas constantes da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Criminais): “a disposição em causa equivale a uma transposi­ção para o domínio do direito convencional internacional de princípios consagrados nas legislações da generalidade dos países europeus, incluindo o nosso, relativos ao efeito impeditivo da reabertura ou da duplicação de processos pelos mesmos factos, já julgados ou não (...)
“Encontra-se, assim, justificada a aceitação do regime da disposição convencional, que, embora possa não se ajustar inteiramente às regras da aplicação da lei penal no espaço, da lei penal portuguesa, não colide com princí­pios de ordem pública a que Portugal não possa renunciar (...)
“As excepções contempladas na disposição conven­cional explicam–se razoavelmente pela importância dos inte­resses pessoais em causa ou pelo especial interesse que um Estado possa ter no julgamento e na punição de certas pessoas, desde que a ele se não queira renunciar através de pedido de accionamento transmitido a outro Estado”.

E no citado parecer se concluiu, então, “nada a opor, assim, à disposição em causa, típi­ca do desejo de cooperação internacional na matéria.”

No entanto, permito-me recupar aqui as considerações já expressas a propósito do nº 2 do artigo 8º da Convenção.

É certo que as limitações e restrições ao princípio non bis in idem contempladas nos referidos nº s 2 e 3 do artigo 35º parecem dar satisfação à defesa dos interreses nacionais e da nacionalidade, protegidos, igualmente, com a consagração da aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados fora do território português, no artigo 5º do Código Penal;

É certo também que o próprio âmbito de aplicação do princípio non bis in idem contemplado no nº 1 do artigo 35º em análise é mais vasto do que o aceite no artigo 1º da Convenção Relativa à Aplicação do Princípio ne bis in idem, ao impedir novo procedimento criminal pelos mesmos factos contra pessoa julgada e absolvida por sentença transitada;

E que os nº s 2 e 3 do referido artigo 35º correspondem, no fundamental, ao conteúdo do artigo 2º da Convenção sobre a aplicação do princípio ne bis in idem, bem como às declarações então feitas por Portugal.

Mas persiste, parece-me, a perflexidade e a dúvida acerca da rigorosa conformidade destas opções com o princípio non bis in idem consagrado no nº 5 do artigo 29º da CRP.

Aliás, o Tratado tipo sobre a transmissão de processos penais, em anexo à Resolução nº 45/158 da Assembleia Geral da ONU, 68ª sessão plenária, de 14 de Dezembro de 1990, ([30]) não contempla normativos com conteúdo semelhante aos ora em análise ou ao constante do nº 2 do artigo 8º da mesma Convenção.

No entanto, como já o afirmamos, a própria Convenção tem solução para esta questão, salvaguardando no Anexo II a possibilidade de os Estados contratantes declararem que, por motivos de ordem constitucional, só poderão formular ou aceitar pedidos de procedimento nos casos referidos na sua lei interna.

Por outro lado, o artigo 37º prevê que as disposições constantes do título V – Ne bis in idem – não obstam a aplicação de disposições nacionais mais amplas relativas à referida cláusula ligada a sentenças penais estrangeiras.

Por qualquer forma, se uma nova acção fôr intentada contra uma pessoa julgada pelos mesmos factos noutro Estado Contratante, qualquer período de privação de liberdade sofrida em execução da sentença deve ser descontado na reacção criminal a ser eventualmente proferida – artigo 36º da Convenção, que consagra princípios reflectidos na lei ordinária portuguesa, designada­mente no artigo 82º do Código Penal, e a que, por conseguinte, nada há a objectar.

0 Titulo VI trata das Disposições finais: entrada em vigor, convites a Estados não membros do Conselho da Europa., de­signação dos territórios a que se aplica a Convenção, de­clarações relativas às reservas, sua retirada, indicação das disposições legais a incluir no Anexo III, ressalva dos direitos e obrigações decorrentes de tratados de extradição ou de convenções respeitantes a matérias especiais, papel do "Comité Europeu para os Problemas Criminais", du­ração e denúncia, notificação a cargo do Secretário–Geral do Conselho da Europa e aplicação apenas às infracções co­metidas posteriormente à entrada em vigor da Convenção en­tre os Estados Contratantes interessados – artigos 38º a 47º.

Estas disposições finais, de caracter eminentemente técnico, não suscitam dificuldades de interpretação nem envolvem problemas de ordem jurídica que interesse aqui estudar.

1.3.2. Importa, ainda, fazer uma referência especial às reservas que cada Estado pode formular.

Constam do Anexo I e são as seguintes:

a) Recusar um pedido de procedimento se considerar que a infracção tem um caracter puramente religioso;

b) Recusar a um pedido fundado em facto cuja repressão, conforme à sua própria lei, é da competência exclusiva de uma autoridade administrativa;

c) Não aceitação do artigo 22º (prorrogação do prazo de prescrição no Estado requerente);

d) Não aceitação do artigo 23º (prorrogação do prazo de prescrição no Estado requerido);

e) Não aceitação das disposições contidas na parágrafo 2º do artigo 25º por motivos de or­dem constitucional (pronúncia de sanção mais severa do que a prevista na lei do Estado re­querente);

f) Não aceitação das disposições previstas no nº 2 do artigo 26º nos casos em que o Estado reservante tem competência por aplicação da sua legislação interna (validade dos actos inter­ruptivos da prescrição);

g) Não aplicação dos artigos 30ºe 31º (plurali­dade de procedimentos repressivos), em razão de o facto cuja repressão, conforme a sua lei ou a de outro Estado, ser da competência ex­clusiva de uma autoridade administrativa;

h) Não aceitar o Titulo V (ne bis in idem),

Cada Estado pode (logo, tem a faculdade), de declarar que pretende fazer uso de uma ou várias das reservas indicadas.

Portugal, atento o que dispõe o artigo 41º da Constituição da República, deverá exercer o direito de reserva relativamente às infracções de carácter puramente religioso, conforme a alínea a) do presente Anexo I.

0 Anexo II contém matéria muito importante a que já fizemos referência:

"Qualquer Estado Contratante poderá declarar que, por motivos de ordem constitucional, só poderá formular ou aceitar pedidos de procedimento, nos casos referidos na sua lei interna.

“Qualquer Estado Contratante poderá, mediante declaração, definir, no que lhes diz respeito, o termo “nacional” para fins da presente Convenção".

Finalmente, o Anexo III contém a lista das infracções diversas das infracções penais, assimiláveis a estas para os fins da Convenção, relativamente à França, à Repu­blica Federal da Alemanha e à Itália.

2.1. Poderemos concluir que, à excepção da eventual compressão do princípio non bis in idem nos artigos 8º, nº 2 e 35º , nºs 2 e 3, a Convenção analisada, quer na generalidade quer na especialidade das suas disposições, não contêm soluções que a ordem jurídica portuguesa possa reprovar, por incompatíveis com os seus princípios fundamentais e que obstém à sua ratificação.

2.2. Relativamente ás reservas e declarações constantes dos três Anexos analisados, importa salientar que não é já da competência deste conselho emitir parecer sobre a conveniência da sua formulação, porquanto se entende por “reserva” “a declaração feita por um Estado no momento da aceitação (lato sensu) de uma convenção, da sua vontade de se eximir de certas obrigações dela resultantes ou de definir o entendimento que dá a certas, ou todas, dessas obrigações ([31]).”

“A reserva é assim um elemento de particularismo da situação do Estado perante a convenção, e por isso só se põe quanto às convenções multilaterais. Na verdade, se o tratado é bilateral, a reserva formulada por um dos Estados ou equivale à recusa de ratificação, ou à proposta de novo texto para o tratado. Se a outra parte aceita a reserva , modifica-se o texto tratado; se a não aceita, não se forma o acordo de vontades e não existe tratado ([32]).”

2.3. Parece-nos, no entanto, essencial que Portugal faça a declaração a que se reporta o primeiro parágrafo do Anexo II, na salvaguarda da conformidade constitucional das normas atinentes ao princípio non bis in idem com o disposto no artigo 29º, nº 5, da CRP.

2.4. Não se exclui, ainda, a conveniência de fazer a declaração prevista no Anexo II, parágrafo segundo, no sentido de definir o que se entende pelo termo "nacional" para os efeitos da Convenção, tendo em vista a uniformização do conceito utilizado em vários Tratados, Convenções e Acordos, como é o caso, por exemplo, da Convenção relativa à transferência de pessoas condenadas ([33]), na qual Portugal formulou declaração relativa ao termo “nacional”.

2.5. Como aconselhável nos parece formular a reserva aludida na alíneas a), do Anexo I, por imperativo constitucional, artigo 41º da CRP.



III


Em conclusão:

1º. – A Convenção Europeia sobre a Transmissão de Processos Penais, elaborada no seio do Conselho da Europa, não contém na generalidade, disposições que, colidindo com princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, obstem à sua ratificação por Portugal;

2ª - Na especialidade, a referida Convenção contempla soluções que, pelo menos, suscitam reservas quanto à sua conformidade constitucional, como é o caso dos nº 2 do artigo 8º e nºs 2 e 3 do artigo 35º, face ao disposto no nº 5 do artigo 29º da CRP.

3ª. – Transcende a competência deste Conselho Consultivo emitir parecer sobre a conveniência ou oportunidade de assinatura e de ratificação das mesmas Convenções, formulação de reservas e declarações nelas previstas;

4ª No entanto, para uma total e pacífica harmonização do teor dos artigos 8º, nº 2 e 35º, nº s 2 e 3 da Convenção com o texto constitucional, parece aconselhável que Portugal faça declaração a que se reporta o Anexo II da Convenção, primeiro parágrafo;

5ª Conveniente nos parece também que se defina, de acordo com o que se diz no Anexo II, parágrafo 2º, o termo “nacional” tendo em vista a uniformização do conceito nos Tratados, Convenções e Acordos subscritos por Portugal.

6ª Aconselhável parece ainda que Portugal exerça o direito de reserva relativamente aos casos especificados na alínea a) do Anexo I da Convenção, por força do que dispõe o artigo 41º da Constituição da República.








[1]) Ofício nº 1254, de 11/02/2000, processo nº 2371/99.
[2]) Ofício nº 118, de 5 de Abril de 2000.
[3]) Que abarcou três convenções elaboradas no seio do Conselho da Europa: “Convenção Europeia para a vigilância das pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente, Convenção Europeia sobre o valor internacional das sentenças criminais”; “Convenção Europeia relativa à transmissão de processos criminais.”
[4]) Sobre a conveniência de Portugal ratificar as convenções referidas na nota 3) e envio das várias declarações e reservas julgadas convenientes, devidamente formuladas.
[5]) Do parecer 81/81 que passamos, por momentos, a acompanhar.
[6]) Cfr. o “Rapport explicatif concernant la Convention européenne sur la transmission des procédures répressives”, edição do Conselho da Europa, Estrasburgo, 1972, págs. 9 e segs.
[7]) Passamos a acompanhar o parecer nº 203/77.
[8]) Assinado em Maastricht, em 7 de Fervereiro de 1992 e ratificado por Portugal em 17 de Dezembro de 1992 – (Diário da República, II Série, de 30 de Dezembro de 1992).
[9]) Cfr. GARCIA MARQUES, “Cooperação judiciária internacional em matéria penal”, Revista do Ministério Público, Ano 18º, nº 72, págs. 31 e segs.
[10]) Cfr. nota 5.
[11]) Cfr. LOPES ROCHA e TERESA ALVES MARTINS, “Cooperação judiciária internacional em matéria penal” – Comentários ao Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro, anotação nº 5 ao artigo 30º; “Rapport explicatif”, já referido, págs. 32 e 33; Parecer nº 39/91 deste corpo consultivo sobre “Acordo relativo à transmissão de processos penais”.
[12]) Constituição da República Portuguesa Anotada, nº 3 edição revista, págs. 194 e 195.
[13]) «Cadernos Democráticos» nº 7, colecção Fundação Mário Soares, Edição Gradiva, 1ª edição, pág. 71.
[14]) «Direito Penal», 1º volume, 2ª edição revista e actualizada, 1998, págs. 494 e 495.
[15]) Na redacção de 1982.
[16]) Lições de Direito Penal, 1979/1980, pág. 182.
[17]) Derecho Penal – Parte General, 2ª edição, corrigida e actualizda, edição “Tirant lo Blanch”, Valência 1987.
[18]) Tradução da nossa responsabilidade.
[19]) Ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 47/95, de 11 de Abril.
[20]) Sublinhado agora.
[21]) Ratificada por Decreto do Presidente da república nº 8/93, de 20 de Abril.
[22]) Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Comentários – Aequitas, Editorial Nota 1—1992.
[23]) Na redacção de 1982.
[24]) O citado artigo 66º estabelece que “o auxílio pode ser recusado se a pessoa perseguida reside na Suíça e se a infracção que motiva o pedido foi já objecto de um processo penal.
[25]) Ratificado por decreto do Presidente da República nº 54/94, de 13 de Julho.
[26]) Que dispõe: "Qualquer acto passível de interromper a prescrição, validamente praticado no Estado requerente, produzirá os mesmos efeitos no Estado requerido e vice-versa".
[27]) Cfr. nota 5.
[28]) Sublinhado agora.
[29]) Sublinhado agora.
[30]) “Compilação das normas e princípios das Nações Unidas em matéria de prevenção do crime e de justiça penal” – Procuradoria-Geral da República, Lisboa 1995.
[31]) Cfr. ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Curso de Direito Internacional Público, 2ª edição revista e ampliada, Lisboa, 1970, págs. 177 e segs.
[32]) Ibidem, págs. 177 e segs.
[33]) Ratificada por Decreto do Presidente da República nº 8/93, em Diário da República nº 92, I-A, de 20 de Abril.
Anotações
Legislação: 
CONST76 - ART8.º N2 N3; ART13.º; ART29.º N5; ART41.º
CP82 - ART6.º N4; ART5.º; ART82.º; ART116.º N1; ART120.º; ART121.º
DL 144/99 DE 1999/08/31 - ART3.º; ART38.º; ART79.º; ART103.º
L 43/91, DE 1991/01/22 - ART18.º
DPR 47/95, DE 1995/11/04
DPR 8/93, DE 1993/04/20 - ART11.º B) D)
DPR 54/94, DE 1994/07/13
CPP87 - ART49.º N1
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR INT PUBL * DIR PENAL INT * TRATADOS / DIR CRIM / DIR PROC PENAL*****
T UNIÃO EUROPEIA*****
CON EUR RELATIVA À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
CONV DO CONS EUROPA SOBRE TRANSFERÊNCIA DE PESSOAS CONDENADAS
AC EUR RELATIVO À T RANSMISSÃO DE PROCESSOS PENAIS*****
LOI FÉDERALE SUR L`ÈNTRAIDE JUDICIAIRE EN MATIÈRE PENÀLE, DE 1981/03/20
Divulgação
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