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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
9/2016, de 12.05.2016
Data do Parecer: 
12-05-2016
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Relator: 
FERNANDO BENTO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FEDERAÇÃO DESPORTIVA
FUTEBOL
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
CONSELHO DE DISCIPLINA
COMPETÊNCIA DISCIPLINAR
PODER DISCIPLINAR
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
REGULAMENTO DISCIPLINAR
LEI DE BASES
PRINCÍPIO DA PREFERÊNCIA OU PREEMINÊNCIA DA LEI
Conclusões: 
1.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, foi alterado o n.º 1 do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, nele se passando a estatuir que «ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva».

2.ª – Os referidos diplomas foram emitidos no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que determina a subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos;

3.ª – A atribuição ao conselho de disciplina federativo, pela nova redação decorrente do Decreto-Lei n.º 93/2014, da competência para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares não contende com qualquer norma ou princípio decorrente da referida lei de bases (Lei n.º 5/2007), inexistindo, consequentemente, fundamento para assacar àquele diploma o vício de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado;

4.ª – Os estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contêm, no seu artigo 60.º, n.º 2, disposições que, em violação do imperativamente disposto no n.º 1 do artigo 43.º do RJFD, preveem a competência da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga para determinar a instauração e o arquivamento de procedimentos disciplinares em matéria desportiva;

5.ª – Caso a Liga Portuguesa de Futebol Profissional não proceda à alteração dos seus estatutos, adaptando-os ao regime de competência disciplinar que imperativamente decorre da disposição legal indicada, justificar-se-á que o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 158.º-A do Código Civil, proponha ação judicial contra a mesma, visando a declaração de nulidade, na pertinente medida, das disposições estatutárias correspondentes;

6.ª – O Regulamento Disciplinar da Liga contém, designadamente no artigo 208.º, n.º 3, alíneas a) e d), disposições que atribuem à Comissão de Instrução e Inquéritos o mesmo núcleo de competências para, em matéria desportiva, instaurar processos disciplinares ou de inquérito e para determinar o respetivo arquivamento;

7.ª – A antinomia entre tais disposições regulamentares e a norma decorrente do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 resolve-se por aplicação do princípio da preferência ou preeminência da lei: o regulamento não pode contrariar um ato legislativo ou equiparado, tendo a lei absoluta prioridade sobre o mesmo;

8.ª – Haverá, consequentemente, face à superveniência de uma disposição legal imperativa com as mesmas incompatível, que considerar revogadas, na correspondente medida, as disposições constantes do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional das quais decorre a atribuição à Comissão de Instrução e Inquéritos de competência para instaurar procedimentos disciplinares e para determinar o respetivo arquivamento;

9.ª - Relativamente às restantes competências atribuídas nos estatutos da Liga e no Regulamento Disciplinar à Comissão de Instrução e Inquéritos no âmbito das competições oficiais da Liga (direção dos processos de inquérito, direção da instrução dos processos disciplinares, encerramento da respetiva instrução, dedução de acusação e sustentação da mesma perante o órgão decisório disciplinar e execução, sob a orientação e a superintendência da comissão executiva da Liga, das decisões disciplinares), inexiste qualquer obstáculo legal a que o mesmo órgão se mantenha na plenitude do respetivo exercício, continuando o Regulamento a vigorar na parte não afetada pela revogação referida na antecedente conclusão, e aplicando-se subsidiariamente, sempre que tal se justificar, os preceitos relativos ao estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, ex vi do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Juventude e
do Desporto,
Excelência:




Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar a emissão pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de parecer sobre as competências do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol[1].

Cumpre emitir tal parecer, ao abrigo do disposto no artigo 37.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[2], tendo presente na respetiva elaboração o caráter de urgência com que o mesmo foi solicitado.



1


A consulta foi formulada nos termos seguintes:

«ASSUNTO: Pedido de Parecer com caráter de urgência ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República. Competências do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Nos termos da alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na sua redação atual, compete ao Ministério Público, em especial, exercer funções consultivas, nos termos deste mesmo Estatuto.

De igual modo, refere a alínea e) do artigo 10.º deste Estatuto que compete à Procuradoria-Geral da República emitir parecer nos casos de consulta previstos na lei e a solicitação do Governo.

Ainda nos termos do artigo 36.º deste Estatuto, a Procuradoria-Geral da República exerce funções consultivas por intermédio do seu Conselho Consultivo, competindo-lhe, nos termos da alínea a) do artigo 37.º, emitir parecer restrito a matéria de legalidade nos casos de consulta previstos na lei ou a solicitação do Governo.

Por último, de acordo com o disposto no artigo 39.º, n.º 2 deste Estatuto, os pareceres solicitados com declaração de urgência têm prioridade sobre os demais.

Assim, vem o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto solicitar a V. Exa, na qualidade de Presidente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a pronúncia deste órgão relativamente à matéria abaixo exposta:

I. As Federações Desportivas dispõem de poder disciplinar no quadro das competições desportivas que se realizam sob a sua égide. Este poder reveste inegável natureza pública, derivada da titularidade do estatuto de utilidade pública desportiva. Para tal exercício contribui decisivamente, em termos orgânicos, o Conselho de Disciplina das Federações Desportivas, como órgão estatutário obrigatório dessas Entidades. É este órgão que, na arquitetura normativa, assume o principal papel como operador do regime disciplinar desportivo.

II. O exercício de tal poder disciplinar assumiu diferentes contornos, desde a versão inicial do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, passando pelo registo das Leis de Bases do Desporto Nacional, até ao atual Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho. Essa diversidade também teve lugar no quadro das Federações Desportivas onde se disputam competições de natureza profissional, como é o caso da Federação Portuguesa de Futebol.

III. A Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, realizada no dia 25 de julho de 2015, tendo como objeto, nos termos previstos na lei, a ratificação do Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, bem como do Regulamento de Arbitragem aplicável às mesmas competições, veio deliberar no sentido da não ratificação de tal Regulamento Disciplinar. Segundo a Federação Portuguesa de Futebol, a nova redação do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, ao estabelecer em novos termos as competências do Conselho Disciplinar das Federações Desportivas, colocou no quadro da ilegalidade todas as competências da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, órgão previsto no Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. A mesma conclusão vale para qualquer órgão, mesmo estatutário, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional que no desenho das suas competências venha a inserir, ainda que parcialmente, o essencial das competências legais do Conselho de Disciplina. Porém, para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional as competências referentes à Comissão de Instrução e Inquéritos permanecem legítima e legalmente ancoradas e delegadas na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, por força do artigo 27.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, insistindo em tal conclusão por via dos princípios do acusatório e da separação de poderes.

IV. Este espaço de incerteza jurídica é pernicioso para a estabilidade de todas as competições profissionais de futebol e para o exercício da função disciplinar.

Face ao supra exposto, e com vista a obter um juízo de legalidade que permita alcançar a segurança imprescindível para a aplicação do Direito, até ao início da próxima época desportiva, a 1 de julho de 2016, vimos, nos termos [e] para os efeitos da alínea a) do artigo 37.º e do n.º 2 do artigo 39.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, com as alterações posteriores, solicitar a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com caráter de urgência, relativamente às seguintes questões:

- Legalidade do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho;

- Competências atribuídas à Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de acordo com o Regulamento Disciplinar respeitante à época 2014/2015, ainda hoje aplicável;

- Competências do Conselho Jurisdicional da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, estabelecido nos artigos 58.º, n.º 2, b) e 60.º, n.º 2 dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. (…)»



2


2.1. A primeira das questões colocadas na consulta visa que este Conselho se pronuncie sobre a «legalidade do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho».

A redação desse artigo é a seguinte:

«Artigo 43.º
Conselho de disciplina
1 – Ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva.
2 – Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, o conselho de disciplina deve possuir secções especializadas conforme a natureza da competição.
3 – Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito e, nas restantes, a maioria dos membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito, incluindo o presidente.
4 – As decisões do conselho de disciplina devem ser proferidas no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.»

O Regime Jurídico das Federações Desportivas foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro[3], tendo sido emitido pelo Governo no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro[4] (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), preceito este nos termos do qual compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, «fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam».

A procura da resposta às questões colocadas na consulta não deverá, todavia, limitar-se ao cotejo dos diplomas legais referidos (lei de bases e decreto-lei de desenvolvimento), impondo uma análise histórica da evolução legislativa relativa à competência dos órgãos disciplinares no âmbito das federações desportivas a partir da Lei de Bases do Sistema Desportivo aprovada pela lei n.º 1/90, de 13 de janeiro, até à atualidade.


2.2. Dispõe-se no artigo 79.º da CRP que todos têm direito à cultura física e ao desporto, incumbindo ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.

A Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo)[5], veio estabelecer o quadro geral do sistema desportivo, tendo por objetivo promover e orientar a generalização da atividade
desportiva, como fator cultural indispensável na formação plena da
pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade (artigo 1.º), tendo presentes, como princípios gerais de ação, entre outros, o do reconhecimento do papel essencial dos clubes e das suas associações e federações e o da participação das estruturas associativas de enquadramento da atividade desportiva na definição da política desportiva (artigo 2.º, n.º 2), tendo-se consignado no seu artigo 11.º, n.º 2, que as federações, as associações e os clubes desportivos são apoiados pelo Estado, nos termos nele previstos, atendendo à respetiva utilidade social.

O conceito de federação desportiva passou a constar do artigo 21.º da lei n.º 1/90, cuja redação era a seguinte:

«Artigo 21.º
Federações desportivas
Para efeitos da presente lei, são federações desportivas as pessoas coletivas que, englobando praticantes, clubes ou agrupamentos de clubes, se constituam sob a forma de associação sem fim lucrativo e preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:
1.º Se proponham, nos termos dos respetivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos gerais:
a) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou conjunto de modalidades afins;
b) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados;
c) Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais;
2.º Obtenham a concessão de estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública desportiva.»

A regulação da concessão do estatuto de utilidade pública desportiva, referido no artigo 22.º, n.º 1, como o «instrumento por que é atribuída a uma federação desportiva a competência para o exercício, dentro do respetivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública», foi relegada para diploma ulterior, devendo assentar na ponderação e verificação de múltiplos requisitos objetivos, sendo de salientar, de entre eles, a conformidade dos respetivos estatutos com a lei, a democraticidade e representatividade dos respetivos órgãos e a independência e competência técnica dos órgãos jurisdicionais próprios (artigo 22.º, n.º 2).

A especificidade do desporto profissional no seio das federações desportivas foi contemplada no artigo 24.º do mesmo diploma, o qual, na redação original, era do teor seguinte:

«Artigo 24.º
Desporto profissional no seio das federações
No seio de cada federação unidesportiva[6] cujas modalidades incluam praticantes profissionais deve existir um organismo encarregado de dirigir especificamente as atividades desportivas de carácter profissional, o qual tem de titular autonomia administrativa, técnica e financeira.»

Em matéria de justiça desportiva, o diploma restringiu-se, no respetivo artigo 25.º, ao estabelecimento do princípio da impugnabilidade, nos termos gerais de direito, das decisões e deliberações definitivas das entidades integrantes do associativismo desportivo, salvo no que respeita às questões estritamente desportivas, e sem prejuízo dos efeitos desportivos entretanto validamente produzidos na sequência da última decisão da instância competente na ordem desportiva.

Na sua versão original, a Lei n.º 1/90, limitando-se a consignar a natureza pública dos poderes regulamentares e disciplinares a conferir às federações desportivas mediante atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva (artigo 22.º, n.º 1) e a regular o regime de (in)impugnabilidade das decisões e deliberações das entidades integrantes do associativismo desportivo (artigo 25.º), remeteu, nos termos do respetivo artigo 41.º, n.º 1, alínea d), para a legislação complementar a definição dos princípios a que o regime disciplinar das competições desportivas deveria obedecer, nas suas diversas vertentes.


2.3. Através do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril[7], foram estabelecidos o regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva.

Ressaltando a especificidade do setor profissional no fenómeno desportivo, consignou-se no preâmbulo respetivo:

«Definidas como associações de direito privado sem fins lucrativos, as federações dotadas de utilidade pública desportiva exercem em exclusivo poderes de natureza pública inscritos na lei. Desta sorte, garantida a sua independência face ao Estado, o presente diploma assegura a liberdade da sua organização associativa, respeitados os princípios democráticos e de representatividade.
A especificidade do sector profissional no fenómeno desportivo reflete-se na constituição, no seio das federações referentes a modalidades em que se disputam competições desportivas de carácter profissional, do organismo previsto no artigo 24.º da Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro, integrado obrigatória e exclusivamente pelos clubes ou sociedades com fins desportivos que tenham específicos vínculos de carácter laboral com os seus praticantes.
A tal organismo, cuja natureza e possibilidade de personalização não foram objeto de regulação expressa, competirá, entre outras funções, organizar e regulamentar as competições profissionais da respetiva modalidade, administrar o sistema de arbitragem e exercer o poder disciplinar em primeiro grau de decisão.»

Resulta, desde logo, de tal preâmbulo o propósito expresso por parte do legislador de atribuir ao organismo previsto no artigo 24.º da Lei n.º 1/90 (organismo autónomo) competência não só para organizar e regulamentar as competições profissionais da respetiva modalidade e administrar o respetivo sistema de arbitragem, como também para exercer o poder disciplinar em primeiro grau de decisão.

Tendo presente o articulado originário do Decreto-Lei n.º 144/93, importa, no plano das relações entre as federações desportivas e os organismos autónomos para as competições profissionais e no da correspondente competência disciplinar, referenciar as coordenadas seguintes:

- Consagração da natureza pública dos poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que fossem conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvessem, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade – artigo 8.º, n.º 1;

- Obrigatoriedade de os estatutos das federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva especificarem e regularem os órgãos e a sua composição, competência e funcionamento, e definirem o regime de relacionamento entre os órgãos federativos e o organismo encarregado de dirigir a atividade desportiva no âmbito das competições de carácter profissional na respetiva modalidade – artigos 20.º, alíneas b) e j);

- Obrigatoriedade de elaboração pelas federações de regulamentos contemplando o funcionamento e articulação de órgãos e serviços, a organização de provas, a disciplina, a arbitragem e juízes, bem como as medidas de defesa da ética desportiva (designadamente nos domínios da prevenção e da punição da violência associada ao desporto, da dopagem e da corrupção no fenómeno desportivo) – artigo 21.º;

- Estatuição de que, no âmbito desportivo, o poder disciplinar das federações dotadas de utilidade pública desportiva se exerceria sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que, encontrando-se nelas filiados, desenvolvessem a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário, nos termos do respetivo regime disciplinar – artigo 22.º, n.º 1;

- Imposição de que o regime disciplinar, nas vertentes sancionatória e procedimental, obedecesse aos princípios consignados no artigo 22.º, n.º 2[8];

- Existência obrigatória, na estrutura orgânica das federações desportivas, de um conselho jurisdicional e de um conselho disciplinar – artigo 23.º, n.º 1, alíneas f) e g);

- Existência obrigatória no seio de cada federação cuja modalidade incluísse praticantes profissionais de um organismo encarregado de dirigir especificamente as atividades desportivas de carácter profissional com autonomia administrativa, técnica e financeira – artigo 23.º, n.º 2;

- Competência da assembleia geral da federação para a aprovação dos regulamentos previstos no artigo 21.º, incluindo o regime disciplinar – artigo 25.º, alínea d);

- Competência do conselho jurisdicional, para além de outras que lhe fossem cometidas pelos estatutos, para conhecer dos recursos interpostos das decisões disciplinares em matéria desportiva, sendo o mesmo composto por um número ímpar de membros, todos licenciados em Direito, e podendo funcionar em secções especializadas – artigo 31.º;

- Sem prejuízo de outras atribuídas pelos estatutos, competência do conselho disciplinar para apreciar e punir, de acordo com a lei e os regulamentos federativos, as infrações disciplinares em matéria desportiva, sendo o mesmo composto por um número ímpar de membros, licenciados em Direito – artigo 32.º;

- Obrigatoriedade, nas federações desportivas em cuja modalidade se disputassem competições de carácter profissional, de constituição de um organismo (organismo autónomo) dotado de autonomia administrativa, técnica e financeira, integrado, obrigatória e exclusivamente, pelos clubes ou sociedades com fins desportivos federados que participassem em tais competições, cabendo ao mesmo exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direção e disciplina, nos termos dos artigos seguintes – artigo 34.º;

- Competência do organismo autónomo para exercer, relativamente às competições profissionais, o poder disciplinar em primeiro grau de decisão, nos termos dos estatutos federativos, e para aprovar o respetivo regulamento – artigo 39.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2;

- Definição por protocolo celebrado entre o organismo autónomo e a direção da federação, do regime aplicável em matéria de relações desportivas, financeiras e patrimoniais entre aquele organismo e os órgãos federativos, nomeadamente quanto à formação dos agentes desportivos, ao regime de acesso entre as diferentes competições, à delimitação dos estatutos de praticantes profissionais e não profissionais, à organização da atividade das seleções nacionais e ao apoio à atividade desportiva não profissional, bem como às relações com as competições desportivas não profissionais, designadamente quanto à possibilidade de participação nestas competições de praticantes não profissionais – artigo 40.º;

- Obrigatoriedade de o regimento do organismo autónomo ser aprovado pelos representantes dos clubes e sociedades com fins desportivos dele integrantes, devendo o mesmo prever a existência, para além de uma comissão diretiva, de uma comissão disciplinar, e dele devendo constar o regime disciplinar aplicável às competições profissionais, o qual deveria obedecer ao disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 22.º – artigo 41.º.

Tendo presentes os normativos expostos, verifica-se que, na versão originária do Decreto-Lei n.º 144/93, o regime disciplinar em matéria desportiva obedecia, em síntese, aos parâmetros seguintes:

1) Cabia ao organismo autónomo, no âmbito das competições desportivas de natureza profissional:

– Aprovar o respetivo regulamento disciplinar – artigos 39.º, n.º 2, 21.º, alínea e), 22.º, e 41.º, n.º 4;

– Consagrar no respetivo regimento a existência de um órgão de natureza disciplinar (comissão disciplinar) – artigo 41.º, n.º 2, alínea b);

– Exercer o poder disciplinar em primeiro grau de decisão, nos termos dos estatutos federativos – artigo 39.º, n.º 1, alínea c).

2) Cabia à federação desportiva, no âmbito das competições desportivas de natureza não profissional:

– Aprovar o respetivo regulamento disciplinar, através da respetiva assembleia geral – artigos 21.º, alínea e), 22.º e 25.º, alínea d);

– Apreciar e punir, através do conselho disciplinar, de acordo com a lei e com os regulamentos desportivos, as infrações disciplinares em matéria desportiva – artigos 23.º, n.º 1, alínea g), e 32,º n.º 1;

– Conhecer, através do conselho jurisdicional, dos recursos das decisões disciplinares em matéria desportiva – artigos 23.º, n.º 1, alínea f), e 31.º, n.º 1.

3) Cabia à federação desportiva, no âmbito das competições desportivas de natureza profissional, conhecer, através do conselho jurisdicional, dos recursos das decisões disciplinares proferidas em primeiro grau de decisão pela comissão disciplinar do organismo autónomo – artigos 39.º, n.º 1, alínea c), e 31.º, n.º 1.


2.4. A Lei n.º 19/96, de 25 de junho, veio, entretanto, rever a Lei de Bases do sistema Desportivo (Lei n.º 1/90), tendo alterado o respetivo artigo 24.º, que ficou a ter a redação seguinte:

«Artigo 24.º
Liga profissional de clubes
1 – No seio das federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, como tal definidas em diploma regulamentar adequado, deverá constituir-se uma liga de clubes, integrada obrigatória e exclusivamente por todos os clubes que disputem tais competições, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
2 – A liga será o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito da respetiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos órgãos federativos competentes, nacionais e internacionais;
b) Exercer, relativamente aos clubes seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que forem estabelecidas legalmente ou pelos estatutos e regulamentos desportivos;
c) Exercer o poder disciplinar e gerir o específico sector de arbitragem, nos termos estabelecidos nos diplomas que regulamentem a presente lei;
d) Exercer as demais competências que lhes sejam atribuídas por lei ou pelos estatutos federativos.
3 – No âmbito das restantes federações desportivas em que existam praticantes desportivos profissionais poderão ser constituídos organismos destinados a assegurar, de forma específica, a sua representatividade no seio da respetiva federação.»

Estabeleceu-se no artigo 3.º da Lei n.º 19/96 que a liga referida no artigo 24.º da Lei de Bases do Sistema Desportivo assumiria todas as competências, direitos e obrigações que pela lei ou pelos estatutos federativos estivessem atribuídos ao organismo autónomo referido no Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, bem como todos os direitos e obrigações já assumidos, à data da sua entrada em vigor, pela liga profissional constituída no âmbito da respetiva modalidade desportiva.

Tendo continuado, na sequência de tal alteração legislativa, a matéria do exercício do poder disciplinar a ser relegada para o diploma de desenvolvimento competente [artigo 24.º, n.º 2, alínea c)], manteve-se, consequentemente, em vigor a estrutura paramétrica do correspondente regime que acima se sintetizou, decorrente da versão originária do Decreto-Lei n.º 144/93.


2.5. O Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de maio, veio seguidamente introduzir diversas alterações no Decreto-Lei n.º 144/93, justificando as mesmas, no respetivo preâmbulo, pelo facto de este diploma ter vindo a revelar algumas lacunas e insuficiências, nomeadamente no que diz respeito às regras de funcionamento das federações desportivas em cujo seio se realizam competições de natureza profissional, com especial incidência no que respeita ao princípio da elegibilidade dos órgãos federativos, ao regime de incompatibilidades no exercício de cargos nos diversos órgãos, ao estabelecimento de um regime orgânico e disciplinar suscetível de garantir uma maior isenção e transparência quanto ao sistema da arbitragem e aos poderes do presidente federativo em relação aos restantes órgãos.

Na nova redação conferida ao artigo 34.º, consignou-se que no seio das federações unidesportivas em que se disputassem competições desportivas de natureza profissional deveria constituir-se uma liga de clubes, integrada obrigatória e exclusivamente por todos os clubes que disputassem tais competições, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira, a qual constituiria o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, cabendo-lhe exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direção e disciplina, nos termos dos artigos seguintes.

Dispôs-se no artigo 39.º, n.º 1, alínea c), que, sem prejuízo de outras competências previstas nos estatutos da federação, caberia à liga profissional de clubes «exercer o poder disciplinar e gerir o específico sector de arbitragem nos termos definidos pelos estatutos federativos e pelo protocolo referido no artigo 40.º», e, no n.º 2 do mesmo artigo, que caberia à liga «aprovar, no âmbito das competições de carácter profissional, os regulamentos a que se referem as alíneas b), e) e f) do artigo 21.º, nos termos definidos pelos estatutos federativos e pelo protocolo referido no artigo 40.º».

Na nova redação do artigo 40.º, n.os 1, alínea a), e 3, passou a prever-se que o protocolo a celebrar entre a liga e a direção da federação, com a vigência mínima de quatro anos, passaria a abranger também a definição das relações desportivas entre a liga e os órgãos federativos quanto ao regime disciplinar e ao funcionamento do sistema da arbitragem.

Pela nova redação dada ao artigo 41.º estatuiu-se que o regimento da liga deveria ser aprovado pelos representantes dos clubes dela integrantes, devendo o mesmo consignar que todos os órgãos seriam eleitos pela respetiva assembleia geral, deixando de fazer-se qualquer referência à estrutura orgânica anteriormente constante do mesmo preceito (comissão diretiva e comissão disciplinar).

Resulta, em síntese, desta alteração legislativa, a afirmação clara de que a liga, dotada embora de personalidade jurídica, se continuava a integrar na orgânica federativa como seu órgão autónomo, tendo os respetivos poderes e competências, no âmbito regulamentar e disciplinar, passado a ficar totalmente enquadrados pelos estatutos federativos e pelo protocolo a celebrar entre a liga e a direção da federação [artigo 39.º, n.os 1, alínea c), e 2], o que se traduziu numa acentuada perda da autonomia de que a liga anteriormente beneficiava no quadro federativo.


2.6. Pela Lei n.º 112/99, de 3 de agosto, foi aprovado o regime disciplinar das federações desportivas, tendo sido revogado o artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril.

Resulta do respetivo artigo 1.º que as federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva devem dispor de regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, sendo como tais consideradas as que visam sancionar a violência, a dopagem ou a corrupção, bem como todas as manifestações de perversão do fenómeno desportivo.

O poder disciplinar das federações exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário, nos termos do respetivo regime disciplinar (artigo 3.º, n.º 1), encontrando-se os princípios gerais do regime disciplinar consignados no respetivo artigo 2.º[9].

Vários dos seus preceitos dizem essencialmente respeito ao combate às infrações à ética desportiva, mormente no que se reporta ao fenómeno da corrupção desportiva, alguns com aplicação específica no quadro das competições de natureza profissional[10].


2.7. Pelo Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de agosto[11], foram estabelecidos os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas, sendo revogados os artigos 35.º a 38.º do Decreto-Lei n.º 144/93.

No Capítulo II daquele diploma foram consignadas diversas disposições relativas à organização das competições desportivas profissionais, fixando os elementos organizacionais e atribuindo às ligas profissionais de clubes o exercício dos poderes de controlo e supervisão dessas mesmas competições, sendo nelas reguladas as matérias relativas ao orçamento, ao equilíbrio financeiro, à situação tributária e à prestação de contas por parte de clubes e sociedades desportivas, tendo-se previsto no respetivo artigo 12.º o correspondente regime sancionatório desportivo nos termos seguintes:

«Artigo 12.º
Sanções
As ligas profissionais de clubes devem fazer aprovar nos seus regulamentos sanções de natureza desportiva, tendo por objetivo sancionar:
a) Os clubes que não apresentem um orçamento autónomo para a competição desportiva profissional em causa;
b) As sociedades desportivas que não apresentem o seu orçamento;
c) Os clubes que não retifiquem o orçamento autónomo no prazo estabelecido pela competente liga profissional de clubes;
d) Os clubes ou sociedades desportivas que não apresentem certidão comprovativa da regularidade da sua situação perante a administração fiscal e a segurança social;
e) Os clubes que não prestem a garantia a que se refere o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril;
f) Os clubes ou sociedades desportivas que, até 120 dias após o final da época desportiva, não apresentem perante a respetiva liga profissional de clubes as contas do exercício anterior acompanhadas do parecer emitido pelo respetivo conselho fiscal.»


2.8. A Lei n.º 30/2004, de 21 de julho (Lei de Bases do Desporto), revogou a Lei n.º 1/90, de 13 de janeiro, tendo introduzido múltiplas alterações nas bases gerais do sistema desportivo.

Estabeleceu-se no seu artigo 23.º, n.º 2, que o conjunto de regulamentos e respetivas matérias que as federações desportivas dotadas de utilidade pública desportiva deveriam elaborar passaria a ser previsto no regime jurídico das federações desportivas.

Pelo seu relevo para a matéria do parecer, transcreve-se seguidamente o respetivo artigo 24.º, relativo às ligas profissionais:

«Artigo 24.º
Ligas profissionais
1 – No seio das federações unidesportivas dotadas de utilidade pública desportiva em que se disputem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional deve constituir-se uma liga profissional, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
2 – Nas modalidades coletivas, a liga profissional integra obrigatória e exclusivamente todos os clubes e ou sociedades desportivas que disputem competições profissionais.
3 – Nas modalidades individuais, a liga profissional ou entidade análoga integra obrigatória e exclusivamente todos os praticantes desportivos profissionais.
4 – A liga profissional ou entidade análoga é o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe, nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito da respetiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais;
b) Exercer, relativamente aos seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei, nos estatutos e nos regulamentos federativos;
c) Proceder à indicação dos elementos que compõem as secções previstas no n.º 5 do presente artigo;
d) Definir os critérios de gestão e de organização a cumprir pelos elementos participantes nas competições profissionais, bem como o respetivo número.
5 – Os órgãos das federações referidas no n.º 1 que tenham competência para o exercício disciplinar e para a gestão da arbitragem devem ter secções específicas para o exercício, respetivamente, do poder disciplinar e da gestão do sector de arbitragem relativos às competições reconhecidas como tendo natureza profissional.
6 – As ligas profissionais ou entidades análogas elaboram os respetivos regulamentos de arbitragem e disciplina, que submetem a ratificação pela assembleia geral da federação no seio da qual se insiram.»

Resulta do n.º 5 de tal artigo que os órgãos com competência para o exercício disciplinar das federações unidesportivas dotadas de utilidade pública desportiva em que se disputassem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional deveriam passar a ter secções específicas para o exercício do poder disciplinar relativo às competições reconhecidas como tendo natureza profissional, cabendo à liga profissional, nos termos da alínea c) do n.º 4, proceder à indicação dos elementos que deveriam compor a secção específica correspondente.

Por outro lado, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, os regulamentos de disciplina a elaborar pelas ligas profissionais passaram a ficar sujeitos à ratificação da assembleia geral da federação correspondente.

Verifica-se, assim, a continuação do processo de limitação, por via legislativa, da autonomia inicialmente atribuída às ligas profissionais no âmbito das federações desportivas, limitação essa que acabou por ser um pouco atenuada no decurso dos trabalhos preparatórios do diploma, uma vez que a iniciativa legislativa previa, para além da estatuição da unicidade orgânica, a consagração da unicidade regulamentar em matéria de disciplina e de arbitragem.

Com efeito, no artigo 23.º do articulado da respetiva proposta de lei (Proposta de Lei n.º 80-IX[12]), correspondente ao artigo 24.º do diploma, consignava-se no n.º 6 que à liga profissional ou entidade análoga passariam a aplicar-se os regulamentos de arbitragem e de disciplina da federação. Tal traduzir-se-ia na supressão, pura e simples, do poder regulamentar que em tais matérias havia sido anteriormente atribuído a tal órgão federativo autónomo.

Referia-se, a tal propósito, na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 80-IX:

«4 – Matéria estruturante da presente proposta de lei assenta na clara conceptualização de desporto profissional, ou seja, por um lado na definição do que é competição profissional, clube profissional e praticante profissional e, por outro lado, na delimitação da intervenção das federações face à intervenção das ligas ou entidades análogas, esta última se a modalidade em causa, individual ou coletiva, não se adequar à constituição de uma liga. Ainda no âmbito do desporto profissional, é prevista a unificação de regulamentos disciplinar e de arbitragem, e simultaneamente a unicidade orgânica, ou seja: um só Conselho de Arbitragem, um só Conselho de Disciplina e um só Conselho de Justiça, ainda que cada qual com secções diferenciadas para o profissional e para o não profissional.»

Tais soluções foram sublinhadas, a vários passos, no decurso dos trabalhos parlamentares, como visando constituir «um travão às soluções de direito diferentes para situações de facto iguais»[13], como tratando-se de «uma opção oportuna e moralizadora face às indefinições e às polémicas que vêm caracterizando esta área do desporto profissional» (o futebol)[14], e como constituindo um importante passo para « que haja uma clarificação total de quem tem competência jurídica, de quem tem competência disciplinar e de quem tem competência arbitral»[15].


2.9. Estabelecia-se no artigo 89.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de julho, que o Governo aprovaria as normas necessárias à respetiva execução no prazo máximo de 180 dias após a data da sua entrada em vigor.

Tal não sucedeu, todavia.

A mesma Lei viria, entretanto, a ser revogada e substituída pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro, que aprovou a nova Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, presentemente em vigor[16].

Importa, para abordar as questões colocadas na consulta, ter presente o teor dos artigos 22.º a 25.º desta Lei, integrados na Subsecção III, com a epígrafe de «Organização das competições desportivas profissionais», que seguidamente se transcrevem:

«Artigo 22.º
Ligas profissionais
1 – As federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, como tal definidas na lei, integram uma liga profissional, sob a forma de associação sem fins lucrativos, com personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.
2 – As ligas profissionais exercem, por delegação das respetivas federações, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais;
b) Exercer, relativamente aos seus associados, as funções de controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei ou nos respetivos estatutos e regulamentos; c) Definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais, bem como fiscalizar a sua execução pelas entidades nelas participantes.
3 – As ligas profissionais são integradas, obrigatoriamente, pelos clubes e sociedades desportivas que disputem as competições profissionais.
4 – As ligas profissionais podem ainda, nos termos da lei e dos respetivos estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos.

Artigo 23.º
Relações da federação desportiva com a
liga profissional
1 – O relacionamento entre a federação desportiva e a respetiva liga profissional é regulado por contrato a celebrar entre essas entidades, nos termos da lei.
2 – No contrato mencionado no número anterior deve acordar-se, entre outras matérias, sobre o número de clubes que participam na competição desportiva profissional, o regime de acesso entre as competições desportivas não profissionais e profissionais, a organização da atividade das seleções nacionais e o apoio à atividade desportiva não profissional.
3 – Os quadros competitivos geridos pela liga profissional constituem o nível mais elevado das competições desportivas desenvolvidas no âmbito da respetiva federação.
4 – Na falta de acordo entre a federação desportiva e a respetiva liga profissional para a celebração ou renovação do contrato a que se refere o n.º 1, compete ao Conselho Nacional do Desporto regular, provisoriamente e até que seja obtido consenso entre as partes, as matérias referidas no n.º 2, com exceção do apoio à atividade desportiva não profissional que fica submetido ao regime de arbitragem constante da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto.

Artigo 24.º
Regulamentação das competições desportivas
profissionais
1 – Compete à liga profissional elaborar e aprovar o respetivo regulamento de competição.
2 – A liga profissional elabora e aprova, igualmente, os respetivos regulamentos de arbitragem e disciplina, que submete a ratificação pela assembleia geral da federação no seio da qual se insere, nos termos da lei.

Artigo 25.º
Disciplina e arbitragem
1 – Nas federações desportivas em que se disputem competições de natureza profissional, o órgão de arbitragem e de disciplina deve estar organizado em secções especializadas, conforme a natureza da competição.
2 – A arbitragem é estruturada de forma a que as entidades que designam os árbitros para as competições sejam necessariamente diferentes das entidades que avaliam a prestação dos mesmos.»


Resulta dos preceitos transcritos a continuação da progressiva perda da autonomia inicialmente conferida às ligas profissionais no âmbito federativo, a qual ressalta dos aspetos seguintes:

a) Embora as mesmas continuem a beneficiar de personalidade jurídica, bem como de autonomia administrativa, técnica e financeira, passou a consignar-se expressamente que o exercício pelas ligas profissionais das competências relativas às competições de natureza profissional é efetuado por delegação das respetivas federações (artigo 22.º, n.º 2);

b) A organização e a regulamentação das competições de natureza profissional por parte das ligas terão que respeitar as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos [artigos 22.º, n.º 2, alínea a), e 24.º, n.º 1];

c) As ligas estão vinculadas a regular, por contrato, o respetivo relacionamento com as federações desportivas, nele devendo acordar, entre outras matérias, o número de clubes que participam na competição desportiva profissional, o regime de acesso entre as competições desportivas não profissionais e profissionais, a organização da atividade das seleções nacionais e o apoio à atividade desportiva não profissional (artigo 23.º, n.os 1 e 2), matérias que, na falta de acordo, passarão a ser reguladas pelo Conselho Nacional do Desporto, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo;

d) Embora mantendo competência para elaborar e aprovar os respetivos regulamentos disciplinar e de arbitragem, as ligas continuam obrigadas a submetê-los à ratificação por parte da assembleia geral da federação (artigo 24.º, n.º 2);

e) Prosseguindo o propósito de «clarificação das relações entre as ligas e as respetivas federações desportivas, em particular no que concerne à disciplina e à arbitragem»[17], manteve-se, de igual modo, o regime de unicidade orgânica relativamente aos órgãos de disciplina e de arbitragem já anteriormente previsto na Lei n.º 30/2004, com organização em secções especializadas conforme a natureza da competição, mas deixando de prever-se a competência por parte da liga para indicar os elementos que deveriam compor a secção específica correspondente.


2.10. No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, viria, nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP, a ser publicado o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro[18], estabelecendo o novo regime jurídico das federações desportivas e as condições de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, o qual revogou o anterior regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 144/93.

Como se referiu, a Lei n.º 5/2007, prosseguindo o objetivo de «clarificação das relações entre as ligas e as respetivas federações desportivas», manteve o regime de unicidade orgânica, concentrada na federação, relativamente aos órgãos de disciplina que já anteriormente havia sido previsto na Lei n.º 30/2004, e reforçou a respetiva autonomia face à liga profissional, deixando de atribuir à mesma a competência para indicar os elementos que deveriam compor a secção disciplinar específica correspondente.

No desenvolvimento das bases respetivas, o Decreto-Lei n.º 248-B/2008 consagrou, no plano da disciplina desportiva, as soluções seguintes:

- O estatuto de utilidade pública desportiva confere à federação desportiva competência exclusiva para o exercício de poderes regulamentares e disciplinares, de natureza pública, por modalidade ou conjunto de modalidades – artigos 10.º e 11.º[19];

– As federações desportivas têm direito ao exercício da ação disciplinar sobre todos os agentes desportivos sob sua jurisdição (clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário), nos termos do respetivo regime disciplinar – artigos 13.º, n.º 1, alínea i), e 54.º, n.º 1;

- As federações desportivas estão obrigadas a publicitar na respetiva página da Internet as decisões integrais dos órgãos disciplinares ou jurisdicionais e a respetiva fundamentação, observando as disposições legais relativas aos dados pessoais das mesmas constantes – artigo 8.º;

- As federações devem contemplar na sua estrutura orgânica um conselho de disciplina e um conselho de justiça, constituídos por um número ímpar de membros, os quais serão eleitos de acordo com o princípio da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos[20] – artigos 32.º, alíneas e) e f), e 33.º, n.º 3;

- Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, o conselho de disciplina da federação deverá possuir secções especializadas conforme a natureza da competição – artigo 43.º, n.º 2;

- Ao conselho de disciplina da federação cabe apreciar e punir, de acordo com a lei e com os regulamentos, as infrações disciplinares em matéria desportiva – artigo 43.º, n.º 1;

- Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça da federação conhecer dos recursos das decisões disciplinares em matéria desportiva – artigo 44.º, n.º 1.

Consignou-se no mesmo diploma que caberia à liga profissional o exercício, relativamente às competições de carácter profissional, de certas competências da federação em matéria de organização, direção, disciplina e arbitragem, nos termos que fossem estabelecidos na lei (artigo 27.º, n.º 4), e designadamente:

- Em matéria de disciplina, competiria à liga profissional elaborar e aprovar o respetivo regulamento de disciplina, com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, regulamento esse que teria que submeter a ratificação da assembleia geral da federação – artigos 27.º, n.º 1, 29.º, n.º 2, 34.º, n.º 1, alínea e), e 52.º, n.º 1;

- Em matéria de arbitragem, caber-lhe-ia de igual forma elaborar e aprovar o respetivo regulamento de arbitragem, também sujeito a ratificação por parte da assembleia geral da federação – artigo 29.º, n.º 2;

- Em matéria de organização e regulamentação das competições de natureza profissional, do exercício e controlo e supervisão relativamente aos respetivos associados, de definição e fiscalização da execução dos pressupostos desportivos, financeiros e organizacionais de acesso às competições profissionais, caberia à liga exercer, por delegação da federação, as competências correspondentes – artigo 27.º, n.º 1.

- A federação e a liga deveriam, mediante contrato, estabelecer acordo, entre outras matérias, relativamente ao número de clubes que participariam na competição desportiva profissional, ao regime de acesso entre as competições desportivas não profissionais e profissionais, à organização da atividade das seleções nacionais e ao apoio à atividade desportiva não profissional – artigo 28.º.


2.11. O regime jurídico das federações desportivas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008 foi, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, diploma que procedeu à respetiva republicação, redação essa que presentemente se encontra em vigor.

Relevam essencialmente para a matéria do parecer as alterações introduzidas nos respetivos artigos 27.º, 43.º e 44.º, os quais passaram a ter a redação seguinte:

«Artigo 27.º
Liga profissional
1 – A liga profissional exerce, por delegação da respetiva federação, as competências relativas às competições de natureza profissional, nomeadamente:
a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais;
b) Exercer as competências em matéria de organização, direção, disciplina e arbitragem, nos termos da lei;
c) Exercer relativamente aos seus associados as funções de controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei ou nos estatutos e regulamentos;
d) Definir os pressupostos desportivos, financeiros e de organização de acesso às competições profissionais, bem como fiscalizar a sua execução pelas entidades nelas participantes.
2 – No caso de uma liga profissional persistir, depois de expressamente notificada, no não cumprimento, por ato ou omissão, de obrigação que implique ou possa implicar, nos termos do artigo 21.º, a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da respetiva federação, deve esta comunicar tal facto ao membro do Governo responsável pela área do desporto, o qual pode, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, determinar a cessação da delegação de competências referida no número anterior e a devolução, transitória, do seu exercício à federação desportiva.
3 – A cessação da delegação de competências pode, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, ser levantada com base no desaparecimento das circunstâncias que constituíram o seu fundamento.
4 – A liga profissional é integrada, obrigatoriamente, pelas sociedades desportivas que disputem as competições profissionais.
5 – A liga profissional pode ainda, nos termos definidos nos seus estatutos, integrar representantes de outros agentes desportivos.

(…)
Artigo 43.º
Conselho de disciplina
1 – Ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva.
2 – Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, o conselho de disciplina deve possuir secções especializadas conforme a natureza da competição.
3 – Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito e, nas restantes, a maioria dos membros do conselho de disciplina são licenciados em Direito, incluindo o presidente.
4 – As decisões do conselho de disciplina devem ser proferidas no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.

Artigo 44.º
Conselho de justiça
1 – Para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.
2 – Ao conselho de justiça não pode ser atribuída competência consultiva.
3 – O conselho de justiça pode funcionar em secções especializadas.
4 – Nas federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os membros do conselho de justiça são licenciados em Direito e, nas restantes, a maioria dos membros do conselho de justiça são licenciados em Direito, incluindo o presidente.
5 – As decisões do conselho de justiça devem ser proferidas no prazo de 45 dias ou, em situações fundamentadas de complexidade da causa, no prazo de 75 dias, contados a partir da autuação do respetivo processo.»


2.11.1. Nas alterações introduzidas no artigo 27.º, relativo à Liga profissional, cumpre realçar a integração na alínea b) do n.º 1, com a redação «exercer as competências em matéria de organização, direção, disciplina e arbitragem, nos termos da lei», do preceito anteriormente constante do n.º 4 do mesmo artigo, cujo teor era: «Cabe à liga profissional exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direção, disciplina e arbitragem, nos termos da lei».

Embora resultando expressamente de ambas as redações que o exercício pela liga das referidas competências seria efetuado nos termos que legalmente se encontrassem estabelecidos (nos termos da lei), a modificação da integração contextual do preceito teve uma intenção inequívoca: não deixar qualquer dúvida de que a liga exercerá os poderes que a lei nesse âmbito lhe conferir «por delegação da respetiva federação», delegação essa que, conforme decorre do n.º 2 do mesmo artigo, poderá cessar no caso de a liga profissional persistir, depois de expressamente notificada, no não cumprimento, por ato ou omissão, de obrigação que implique ou possa implicar, nos termos do artigo 21.º do mesmo diploma, a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva da respetiva federação.


2.11.2. Nas alterações introduzidas no artigo 43.º, importa essencialmente atentar na modificação da redação do respetivo n.º 1, no qual inicialmente se estatuía que «ao conselho de disciplina cabe, sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos, apreciar e punir, de acordo com a lei e com os regulamentos, as infrações disciplinares em matéria desportiva», passando na nova redação a consignar-se que «ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva».

Compulsando as duas versões do preceito, verifica-se que:

- Enquanto pela redação inicial ao conselho de disciplina cabia apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva, pela nova redação passa acrescidamente a fazer-se menção expressa à competência para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares na matéria em causa;

- Passa a consignar-se no preceito, o que anteriormente não sucedia, que os poderes disciplinares ali cometidos ao conselho de disciplina o são sem prejuízo das competências da liga profissional;

- Passou a estabelecer-se, o que inicialmente não ocorria, que o exercício do poder disciplinar, quando se tratar de «apreciar e punir as infrações disciplinares», tem que ser prosseguido colegialmente, imposição essa que não se verifica relativamente às outras duas dimensões do exercício do mesmo poder ali referenciadas (decisões sobre instauração e arquivamento de procedimentos disciplinares).


2.11.3. Enquanto na redação inicial do n.º 1 do artigo 44.º se dispunha que «para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares em matéria desportiva», o mesmo passou, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, a consignar que «para além de outras competências que lhe sejam atribuídas pelos estatutos, cabe ao conselho de justiça conhecer dos recursos das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva».

Como se observou no preâmbulo do referido Decreto-Lei, tratou-se de adaptar «o âmbito de atuação do conselho de justiça, atento o recurso direto das decisões do conselho de disciplina para o Tribunal Arbitral do Desporto[21], exceto no que respeita às matérias emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva».


2.12. Importa, na economia do parecer, observar mais detidamente as alterações introduzidas no n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, no que se reporta, por um lado, à menção acrescida da competência do conselho de disciplina da federação para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, por outro, ao segmento em que se consigna que a competência do referido órgão ali estabelecida o é sem prejuízo das competências da liga profissional.


2.12.1. O poder disciplinar, como a doutrina vem sublinhando, não se resume à decisão sobre a aplicação ou não aplicação de uma sanção disciplinar a uma pessoa arguida da prática da infração correspondente.

Como sublinhava Marcello Caetano[22], «o poder disciplinar desdobra-se em duas faculdades: uma, a competência para exercer o que chamaremos a ação disciplinar; a outra, a competência para aplicar sanções».

A ação disciplinar, na palavra do mesmo Autor, consiste na faculdade de promover a averiguação dos factos que possam ser qualificados como infrações, para efeito de eventual repressão.

Como refere Ana Fernanda Neves, «o poder disciplinar tem uma das suas feições principais, senão a principal, no exercício da ação disciplinar», consistente no «poder de promover ou determinar a “investigação disciplinar”», no pressuposto de que esteja indiciada a prática da infração disciplinar, sublinhando a mesma Autora que «a ”investigação disciplinar” prévia (ao procedimento disciplinar) faz-se também através de processos de averiguações, de inquérito e mesmo de sindicância, referenciados legalmente como “processos disciplinares especiais”» [23].

O exercício das duas referenciadas dimensões do poder disciplinar nem sempre é atribuído por lei ao mesmo órgão.

Exemplificando, no âmbito da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas[24], em regra, é atribuída a qualquer superior hierárquico competência para instaurar ou mandar instaurar procedimento disciplinar contra os respetivos subordinados, ainda que não seja competente para aplicar a sanção (artigo 196.º).

Concluída a instrução, quando o instrutor entenda que os factos constantes dos autos não constituem infração disciplinar, que não foi o trabalhador o autor da infração ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou de outro motivo, elabora, no prazo de cinco dias, o seu relatório final, que remete imediatamente com o respetivo processo à entidade que o tenha mandado instaurar, com proposta de arquivamento (artigo 213.º, n.º 1). No caso contrário, deduzirá acusação (n.º 3 do mesmo artigo), seguindo-se as fases procedimentais da defesa e da decisão, cabendo esta, em caso de mera repreensão escrita, ao superior hierárquico que instaurou o procedimento, e ao dirigente máximo do órgão ou serviço relativamente às restantes sanções disciplinares (artigo 197.º, n.os 1 e 2).

Relativamente a infrações disciplinares praticadas pelos dirigentes máximos dos órgãos ou serviços, cabe ao membro do Governo respetivo não só a competência para instaurar ou mandar instaurar o procedimento disciplinar, como para aplicação da correspondente sanção (artigos 196.º, n.º 2, e 197.º, n.º 3).


2.12.2. Como já se expôs, verificou-se, desde o Decreto-Lei n.º 144/93, uma evolução legislativa de sentido constante retirando progressivamente às ligas profissionais a autonomia que inicialmente lhes foi atribuída no quadro do exercício do poder disciplinar desportivo.

Numa primeira fase, foi atribuído às ligas o exercício do poder disciplinar em primeiro grau de decisão [artigo 39.º, n.º 1, alíneas c), do Decreto-Lei n.º 144/93, na versão original]. Tal pressupunha o poder, sem qualquer limitação, para o prévio exercício da ação disciplinar.

Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 111/97, deixou de prever-se no Decreto-Lei n.º 144/93 a atribuição às ligas profissionais do exercício do poder disciplinar em primeiro grau de decisão, tendo a eventual partilha pelas mesmas do exercício do poder disciplinar passado a ser regulada nos estatutos das federações e nos protocolos a celebrar entre as duas entidades [artigo 39.º, n.º 1, alínea c), e 40.º, n.º 1, alínea a)].

A Lei n.º 30/2004 veio consagrar o princípio da unicidade orgânica no âmbito das federações, com especificidade de secções para as competições de natureza profissional, relativamente aos órgãos com competência para o exercício do poder disciplinar (artigo 24.º, n.º 5), solução esta que se manteve na Lei n.º 5/2007 (artigo 25.º, n.º 1).

Nenhum desses diplomas delimitou, todavia, o concreto núcleo de competências das respetivas secções específicas relativamente ao exercício das várias dimensões do poder disciplinar em matéria desportiva.

No desenvolvimento das bases constantes da Lei n.º 5/2007, e tendo presente o referido princípio de unicidade orgânica, o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, consagrando o direito das federações desportivas «ao exercício da ação disciplinar sobre todos os agentes desportivos sob a sua jurisdição» [artigo 13.º, n.º 1, alínea i)], consignando que o estatuto de utilidade pública confere à federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, dos poderes disciplinares de natureza pública previstos na lei (artigo 10.º), e prescrevendo a obrigação, por parte das federações desportivas, de publicitação na respetiva página da Internet das decisões integrais dos órgãos disciplinares com a respetiva fundamentação [artigo 8.º, n.º 1, alínea b)], previu no respetivo artigo 43.º, n.º 1, a existência de um único conselho de disciplina, com competência para apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva, conselho esse integrando secções especializadas conforme a natureza da competição no caso de federações desportivas no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional.

A evolução acima exposta pareceria apontar no sentido da natural atribuição ao conselho de disciplina federativo, como órgão de poder disciplinar único previsto na lei, não só da competência disciplinar sancionatória, como da relativa ao exercício prévio da ação disciplinar, nas vertentes relativas à decisão sobre a instauração do procedimento e sobre o seu eventual arquivamento, sem que tal obstasse, como abaixo se abordará, à autonomização das fases instrutórias dos procedimentos, a confiar a instrutores com garantias de autonomia funcional nos termos dos regulamentos da federação e da liga profissional.

A nova redação do referido n.º 1 do artigo 43.º suscitou, todavia, controvérsia.

Segundo a interpretação de uns, a consagração da competência para «apreciar e punir» teria como pressuposto a simultânea atribuição legal ao conselho de disciplina da competência para o exercício da ação disciplinar, cabendo-lhe consequentemente a decisão sobre a instauração dos procedimentos disciplinares e, sendo caso disso, sobre o respetivo arquivamento. Para outros, teria existido vontade normativa de distinguir os dois referidos momentos do exercício do poder disciplinar, em termos de permitir que, por via regulamentar, fosse atribuída às ligas profissionais competência para exercer o poder disciplinar nas vertentes relativas à instauração e instrução dos procedimentos disciplinares e ao respetivo arquivamento, sendo disso caso[25].


2.12.3. Nas relações entre a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional[26] acabou por prevalecer o último dos entendimentos, atribuindo-se ao Conselho de Disciplina da Federação e ao órgão disciplinar da Liga (Comissão de Instrução e Inquéritos) competência concorrente no âmbito do exercício da ação disciplinar.

Assim, nos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol cuja redação resultou das escrituras públicas lavradas em 24 de maio de 2011 e 9 de outubro de 2012[27], estatuiu-se nos respetivos artigos 60.º e 61.º, integrados na Subsecção II da Secção VII, relativa ao Conselho de Disciplina:

«SUBSECÇÃO II
CONSELHO DE DISCIPLINA
Artigo 60º - Composição e funcionamento
1. O Conselho de Disciplina da FPF é constituído por treze (13) elementos, todos licenciados em direito, e está organizado em duas secções, sendo uma para a área profissional e outra para a área não profissional.
2. O Conselho de Disciplina é composto pelo Presidente, dois Vice-Presidentes, um para cada secção, e dez vogais distribuídos de igual forma entre as duas secções.
3. Cada área tem um regulamento disciplinar próprio, devendo o da área profissional ser aprovado no seio da LPFP e ratificado pela Assembleia Geral e o da área não profissional ser aprovado pela direção da F.P.F.
4. As reuniões do Conselho de Disciplina têm lugar na sede da FPF, sem prejuízo das reuniões da secção para a área profissional se poderem realizar na sede da LPFP.
5. O Presidente do Conselho de Disciplina convoca e preside às reuniões de cada secção.

Artigo 61º - Competência
Compete ao Conselho de Disciplina apreciar e decidir, de acordo com a lei e os regulamentos aplicáveis, todas as infrações imputadas a pessoas sujeitas ao poder disciplinar da FPF e da LPFP no âmbito das competências específicas de cada secção.»


Nos estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional[28], estatuiu-se o seguinte:

«SECÇÃO VI
CONSELHO JURISDICIONAL
Artigo 58º
(Composição)
1 – O Conselho Jurisdicional é formado por um Presidente e nove vogais efetivos e cinco suplentes.
2 – No Conselho Jurisdicional funcionam as seguintes secções:
a) De justiça associativa;
b) De instrução e inquéritos.
3 – O Presidente do Conselho Jurisdicional, ouvido o Plenário do órgão, afetará o número de vogais a cada uma das secções.

(…)
Artigo 60º
(Competência)
1 – Compete à Secção de Justiça associativa:
a) Exercer o poder disciplinar sobre as Sociedades Desportivas associadas da Liga, pela prática das infrações previstas nos presentes Estatutos através da instauração de processos de averiguações e disciplinares, procedendo às respetivas instruções e aplicando as correspondentes penas;
b) Dirimir os litígios entre a Liga e as Sociedades Desportivas membros ou entre estes, compreendidos no âmbito da associação, sem prejuízo do recurso à arbitragem voluntária cometida ao Tribunal Arbitral do Desporto.
2 – Compete à Secção de Instrução e Inquéritos, pela prática das infrações no âmbito das competições oficiais da Liga:
a) Instaurar processos disciplinares ou de inquérito, por iniciativa própria ou na sequência de participação, sem prejuízo do disposto no número anterior;
b) Dirigir os processos de inquérito, ou[29] ainda que mandados instaurar por outro órgão ou entidade;
c) Dirigir a instrução dos processos disciplinares, mesmo quando mandados instaurar por outro órgão ou entidade;
d) Encerrar a instrução dos processos disciplinares, deduzindo acusação ou determinando o arquivamento nos termos previstos no respetivo regulamento.»

No Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional[30] consignou-se, designadamente, o seguinte:

«Artigo 5.º
Titularidade do poder disciplinar
1. O exercício do poder disciplinar relativamente às infrações previstas no presente Regulamento compete à Secção da Área Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, doravante abreviadamente designada por Secção Disciplinar, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 3.º[31].
2. O poder disciplinar é exercido também, de acordo com os princípios da independência, imparcialidade e equidistância, mediante promoção e iniciativa da Comissão de Instrução e Inquéritos das Competições Profissionais de Futebol, doravante abreviadamente designada por Comissão de Instrução e Inquéritos, nos termos previstos no presente regulamento e com respeito pelas decisões da Secção da Área Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

(…)

TÍTULO III
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CAPÍTULO I
ÓRGÃOS DISCIPLINARES
Artigo 205.º
Separação e independência das funções
disciplinares decisórias e instrutórias
1. O procedimento disciplinar regulado pelo presente Regulamento obedece a uma rigorosa separação e independência entre o exercício de funções disciplinares decisórias e o exercício de funções disciplinares instrutórias, sem prejuízo do que é estabelecido para o processo sumário.
2. As funções disciplinares instrutórias compreendem em geral a prossecução da ação disciplinar, incluindo nomeadamente a instauração do procedimento disciplinar e a promoção dos seus termos, a investigação e averiguação dos factos dele objeto, a dedução de acusação e a sua sustentação no âmbito do processo disciplinar.
3. As funções disciplinares decisórias compreendem em geral a decisão, em equidistância face a todos os demais sujeitos procedimentais, acerca da verificação dos pressupostos da responsabilidade disciplinar, arquivando ou condenando nas sanções previstas no presente Regulamento.

Artigo 206.º
Órgão decisório disciplinar
1. Para efeitos do presente Regulamento, as funções decisórias disciplinares são exercidas pela Secção da Área Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
2. Salvo disposição estatutária em sentido contrário, quando exerça qualquer das competências previstas no presente Regulamento a Secção funcionará na sede da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, ou nas suas instalações em Lisboa, sem prejuízo da possibilidade de poder reunir em qualquer outro local sempre que tal se revelar adequado ou conveniente ao andamento dos seus trabalhos.

Artigo 207.º
Órgão de promoção e iniciativa disciplinar
Para efeitos do presente Regulamento, o órgão de promoção e iniciativa disciplinar é a Comissão de Instrução e Inquéritos das Competições Profissionais de Futebol.

Artigo 208.º
Comissão de Instrução e Inquéritos
1. A Comissão de Instrução e Inquéritos é um órgão de natureza disciplinar que funciona no seio da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
2. No exercício das suas competências, a Comissão é independente e autónoma, não estando sujeita a quaisquer ordens ou instruções.
3. Compete à Comissão de Instrução e Inquéritos:
a) instaurar processos disciplinares ou de inquérito, por iniciativa própria ou na sequência de participação, sem prejuízo das competências próprias em matéria de instauração de processos disciplinares atribuídas à Secção Disciplinar;
b) dirigir os processos de inquérito, ainda que mandados instaurar por outro órgão ou entidade;
c) dirigir a instrução dos processos disciplinares, mesmo quando mandados instaurar por outro órgão ou entidade;
d) encerrar a instrução dos processos disciplinares, deduzindo acusação ou determinando o arquivamento nos termos previstos no presente Regulamento;
e) sustentar a acusação perante o órgão decisório disciplinar e intervir na audiência disciplinar, com observância dos princípios da legalidade e da verdade desportiva.
4. Compete ainda à Comissão de Instrução e Inquéritos, sob a orientação e a superintendência da Comissão Executiva da Liga, executar as decisões disciplinares proferidas ao abrigo do presente Regulamento.
5. As competências previstas nas alíneas b) a e) do n.º 3 são exercidas, relativamente a cada processo, pelo membro da Comissão a quem o processo tiver sido distribuído, sem prejuízo dos poderes do Presidente previstos no n.º 2 do artigo 210.º
6. O Presidente da Comissão pode determinar, por iniciativa própria ou mediante sugestão do instrutor a quem o processo tiver sido distribuído, a avocação para si próprio ou para o plenário da Comissão do exercício da competência prevista na alínea d) do n.º 3.»


2.12.4. Tendo presente a evolução histórica descrita e o contexto em que o Decreto-Lei n.º 93/2014 foi publicado, o único sentido que poderá extrair-se da inclusão por tal diploma, no n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, entre as competências legais dos conselhos de disciplina das federações, das competências para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares, é o de que tais competências passam a ser atribuição legal exclusiva desse órgão federativo, deixando de poder ser exercidas concorrentemente por parte das ligas profissionais através de órgãos disciplinares próprios.

Com efeito, sendo do conhecimento do legislador que se encontrava a vigorar no âmbito federativo um regime concorrente de exercício de ação disciplinar por parte dos órgãos disciplinares da Federação e da Liga, estribado em normas estatutárias e regulamentares de ambas as entidades emitidas ao abrigo da primitiva redação do n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, não faria qualquer sentido proceder a uma radical alteração desse preceito quanto a tal específica dimensão do exercício do poder disciplinar, se fosse intenção do legislador manter as coisas exatamente na mesma.

Obviamente que ao consignar no preceito em causa, na sua nova redação, como competências do conselho de disciplina, as de instaurar e arquivar procedimentos disciplinares, bem como as de, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva, foi propósito do legislador atribuir todas essas competências em exclusivo a tal órgão federativo, dando concretização plena, em termos decisórios, ao princípio da unicidade orgânica introduzido pela Lei n.º 30/2004 e mantido pela Lei n.º 5/2007.


2.12.5. Que sentido atribuir, então, ao segmento do preceito em análise em que se consigna que a atribuição das referidas competências ao conselho de disciplina da federação é efetuada sem prejuízo das competências da liga profissional?

Tal segmento visa, no contexto em que se insere, salvaguardar o exercício por parte das ligas profissionais de parcelas do poder disciplinar em matéria desportiva que, não integrando o núcleo de competências decisórias imperativamente cometidas ao conselho de disciplina federativo no mesmo preceito, lhes venham a ser atribuídas nos estatutos e regulamentos respetivos.

Integram-se nesse âmbito, no que concretamente se reporta à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, as atribuições previstas na alínea o) do n.º 1 do artigo 8.º dos respetivos estatutos, e no artigo 208.º, n.º 4, do correspondente Regulamento Disciplinar: competência da Comissão de Instrução e Inquéritos para, sob a orientação e superintendência da Comissão Executiva da Liga, executar as deliberações dos órgãos da justiça e disciplina desportiva.

Integra-se no mesmo âmbito, ainda no que respeita à mesma Liga, o núcleo de competências de natureza instrutória a exercer no âmbito dos procedimentos disciplinares previstas nas alíneas b) a d) do n.º 2 do artigo 60.º dos respetivos Estatutos e no artigo 208.º, n.º 3, alíneas b) a e) do Regulamento Disciplinar: competência da Comissão de Instrução e Inquéritos para dirigir os processos de inquérito e a instrução dos processos disciplinares, para encerrar a instrução dos processos disciplinares, para deduzir a acusação no respetivo âmbito e para a sustentar perante o órgão decisório disciplinar[32]. Trata-se, neste caso, de um acervo de competências que no Regulamento Disciplinar em vigor na própria Federação Portuguesa de Futebol se encontra atribuído à Direção da Federação, órgão distinto do Conselho de Disciplina respetivo[33].

Para além de tais núcleos de competência em matéria disciplinar desportiva, continuará salvaguardado, como não poderia deixar de ser, o poder disciplinar das ligas profissionais no âmbito associativo próprio, o qual, relativamente à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, se encontra enunciado no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), dos respetivos estatutos: «Exercer o poder disciplinar sobre as Sociedades Desportivas associadas da Liga, pela prática das infrações previstas nos presentes Estatutos através da instauração de processos de averiguações e disciplinares, procedendo às respetivas instruções e aplicando as correspondentes penas».


2.13. Passar-se-á, seguidamente, a responder à primeira das questões colocadas, consistente em aferir da «legalidade do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho».

O referido diploma foi emitido nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro.

A Lei n.º 5/2007, definindo as bases das políticas de desenvolvimento da atividade física e do desporto, enquadra-se na previsão do n.º 2 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que determina a subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos[34].

Como acima se expôs, a Lei n.º 5/2007 manteve, no respetivo artigo 25.º, o princípio da unicidade orgânica em matéria disciplinar desportiva que já anteriormente constava da lei n.º 30/2004, estabelecendo que nas federações desportivas em que se disputem competições de natureza profissional o órgão de disciplina deve estar organizado em secções especializadas, conforme a natureza da competição.

A repetida consagração de tal princípio transporta consigo uma clara mensagem normativa no sentido de que a tal órgão federativo deverão ser atribuídas as competências mais relevantes, mormente a nível decisório, no quadro do exercício do poder disciplinar.

Não curou, todavia, a Assembleia da República de estabelecer na lei de bases a delimitação da competência do referido órgão, deixando tal matéria para concretização no decreto-lei de desenvolvimento (artigo 51.º).

Entendeu o Governo, no desenvolvimento dos princípios contidos na lei de bases efetuado através do Decreto-Lei n.º 93/2014, atribuir ao conselho de disciplina federativo não só a competência disciplinar sancionatória, como também a competência decisória sobre o exercício da ação disciplinar (competência para instaurar os procedimentos e para decidir sobre o seu arquivamento).

Tal solução enquadra-se sem margem de dúvida no quadro paramétrico definido pela lei de bases no que respeita ao órgão disciplinar em causa, não resultando dessa lei qualquer preceito com base no qual se pudesse sustentar a obrigatoriedade de, no decreto-lei de desenvolvimento, atribuir a um órgão disciplinar das ligas profissionais a competência para decidir sobre a instauração ou sobre o arquivamento dos procedimentos disciplinares em matéria desportiva.

Haverá, consequentemente, que concluir no sentido de que a atribuição ao conselho de disciplina federativo do núcleo de competências previsto no n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, na sua atual redação, não desrespeitando qualquer norma ou princípio consignado na respetiva lei de bases, não poderá ser arguida de ilegalidade por violação de diploma legal de valor reforçado.

O mesmo sucede, aliás, relativamente às disposições constantes dos restantes números do referido artigo 43.º, cuja legalidade não vem, sequer, problematizada na consulta.



3


Passar-se-á de seguida a responder diretamente às 2.ª e 3.ª questões colocadas, relativas às «competências atribuídas à Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de acordo com o Regulamento Disciplinar respeitante à época 2014/2015, ainda hoje aplicável», e às «competências do Conselho Jurisdicional da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, estabelecidas nos artigos 58.º, n.º 2, b) e 60.º, n.º 2, dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional».

Sob a aparência de duas questões autónomas, trata-se, afinal, de uma única questão, relativa às competências da Comissão de Instrução e Inquéritos enquanto secção do Conselho Jurisdicional da referida Liga Profissional.


3.1. Já se transcreveram supra (ponto 2.12.3.) os preceitos dos Estatutos e do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional no âmbito dos quais se encontra previsto o núcleo de competências atribuído à Comissão de Instrução e Inquéritos que esteve na base da presente consulta.

Resulta do artigo 58.º, n.º 2, dos Estatutos da referida Liga que o Conselho Jurisdicional integra duas secções, uma de «justiça associativa» e outra de «instrução e inquéritos» (esta última designada no Regulamento Disciplinar por «Comissão de Instrução e Inquéritos»).

A competência da secção de «instrução e inquéritos» vem definida no artigo 60.º, n.º 2, dos mesmos Estatutos, ali se dispondo que lhe compete, «pela prática das infrações no âmbito das competições oficiais da Liga:

a) Instaurar processos disciplinares ou de inquérito, por iniciativa própria ou na sequência de participação, sem prejuízo do disposto no número anterior;

b) Dirigir os processos de inquérito, ainda que mandados instaurar por outro órgão ou entidade;

c) Dirigir a instrução dos processos disciplinares, mesmo quando mandados instaurar por outro órgão ou entidade;

d) Encerrar a instrução dos processos disciplinares, deduzindo acusação ou determinando o arquivamento nos termos previstos no respetivo regulamento.»

Trata-se do mesmo núcleo de competências que se encontra enunciado no artigo 208.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar da Liga, embora com redação não totalmente coincidente:

«Compete à Comissão de Instrução e Inquéritos:

a) instaurar processos disciplinares ou de inquérito, por iniciativa própria ou na sequência de participação, sem prejuízo das competências próprias em matéria de instauração de processos disciplinares atribuídas à Secção Disciplinar;

b) dirigir os processos de inquérito, ainda que mandados instaurar por outro órgão ou entidade;

c) dirigir a instrução dos processos disciplinares, mesmo quando mandados instaurar por outro órgão ou entidade;

d) encerrar a instrução dos processos disciplinares, deduzindo acusação ou determinando o arquivamento nos termos previstos no presente Regulamento;

e) sustentar a acusação perante o órgão decisório disciplinar e intervir na audiência disciplinar, com observância dos princípios da legalidade e da verdade desportiva.»

No artigo 208.º, n.º 4, do Regulamento Disciplinar vem ainda definida como competência da mesma Comissão de Instrução e Inquéritos a seguinte: «Compete ainda à Comissão de Instrução e Inquéritos, sob a orientação e a superintendência da Comissão Executiva da Liga, executar as decisões disciplinares proferidas ao abrigo do presente Regulamento».


3.2. Com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, passaram a caber imperativamente à secção específica do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol as competências relativas à decisão sobre a instauração e sobre o arquivamento dos procedimentos disciplinares.

Com a entrada em vigor de tal diploma, foi concedido às instituições federativas (federações e ligas profissionais) um prazo de 120 dias para adaptarem os respetivos estatutos às disposições do mesmo (artigo 3.º, n.º 1).

Relativamente à Federação Portuguesa de Futebol, verifica-se que a mesma procedeu à conformação dos respetivos estatutos e do Regimento do Conselho de Disciplina com a nova redação do preceito legal em causa.

Assim, nos artigos 57.º e 58.º dos respetivos Estatutos[35], relativos à composição, funcionamento e competência do conselho de disciplina, estabeleceu-se que:

«Artigo 57º – Composição e funcionamento
1. O Conselho de Disciplina da FPF é constituído por treze elementos, todos licenciados em direito, e está organizado em duas secções, sendo uma para a área profissional e outra para a área não profissional.
2. O Conselho de Disciplina é composto pelo Presidente, dois Vice-Presidentes, um para cada secção, e dez vogais distribuídos de igual forma entre as duas secções.
3. Cada área tem um regulamento disciplinar próprio, devendo o da área profissional ser aprovado no seio da LPFP e ratificado pela Assembleia Geral e o da área não profissional ser aprovado pela Direção da FPF.
4. As reuniões do Conselho de Disciplina têm lugar na sede da FPF, sem prejuízo das reuniões da secção para a área profissional se poderem realizar na sede da LPFP.
5. O Presidente do Conselho de Disciplina convoca e preside às reuniões de cada secção.

Artigo 58º – Competência
Compete ao Conselho de Disciplina instaurar ou determinar a instauração dos processos e procedimentos disciplinares e o seu arquivamento, bem como, colegialmente, apreciar e decidir, de acordo com a lei e os regulamentos aplicáveis, as infrações disciplinares.»

No Regimento do Conselho de Disciplina[36] da mesma Federação, a natureza, composição, funcionamento e poderes daquele órgão foram regulados nos termos seguintes:

«Artigo 2.º
(Natureza e Composição)
1. O Conselho de Disciplina é um órgão de natureza disciplinar e jurisdicional, composto por duas secções, a Secção Profissional e a Secção Não Profissional.
2. A Secção Profissional é composta por um Presidente, um Vice-Presidente e cinco vogais, todos licenciados em direito.
3. A Secção Não Profissional é composta por um Presidente, um Vice-Presidente e cinco vogais, todos licenciados em direito.
4. O Presidente é comum a ambas as Secções.
5. O Vice-Presidente substitui o Presidente, nas suas faltas e impedimentos.

Artigo 3.º
(Funcionamento)
1. As Secções do Conselho de Disciplina regem-se pelo presente regimento.
2. As Secções do Conselho de Disciplina funcionam em reunião restrita ou em reunião do pleno dos seus membros.
3. Sem prejuízo do disposto no Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela LPFP, as decisões proferidas em reunião restrita são suscetíveis de reclamação para o pleno, a apresentar no prazo de três dias contados da data da decisão e, desde que previamente seja esgotada a via da reclamação, das decisões do pleno cabe recurso para as instâncias competentes.
4. A reclamação não suspende o cumprimento da pena ou a execução do decidido nem os seus efeitos.
5. A reclamação deve ser decidida na reunião do pleno imediatamente seguinte ou no prazo máximo de oito dias úteis, considerando-se indeferida se não houver decisão nesse prazo.
6. Os despachos individuais que não sejam de mero expediente são suscetíveis de reclamação.
(…)
Artigo 13.º
(Poderes)
O Conselho de Disciplina exerce os poderes que lhe são atribuídos pelos Regulamentos, pelos Estatutos ou pela Lei, competindo-lhe designadamente instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva, sem prejuízo da competência do Conselho de Justiça.»


3.3. O mesmo não sucedeu, pelo contrário, relativamente à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, conforme se depreende dos termos da consulta.

Assim, os Estatutos da mesma continuam, no respetivo artigo 60.º, n.º 2, a consignar a competência da Secção de Instrução e Inquéritos do Conselho Jurisdicional para, no âmbito das competições oficiais da Liga, instaurar processos disciplinares ou de inquérito [alínea a)] e para determinar o respetivo arquivamento [alínea d)], competências essas que se acham imperativamente cometidas ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ex vi da redação atual do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008.

Não tendo a Liga Portuguesa de Futebol Profissional procedido à alteração dos seus Estatutos em termos de os ajustar ao mencionado normativo legal, verifica-se ilicitude, e consequente nulidade (artigos 280.º, n.º 1, e 295.º do Código Civil), das disposições estatutárias correspondentes.

Caso a mesma Liga persista em não proceder à conformação dos respetivos Estatutos com a correspondente disposição legal, terá o Ministério Público competência para a propositura de ação tendente à declaração de nulidade, na pertinente medida, das disposições estatutárias em causa (artigo 158.º-A do Código Civil).


3.4. Verifica-se, por outro lado, que o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, não tendo sido adaptado à nova redação conferida ao artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, continua, em múltiplas das suas disposições, e designadamente nos artigos 205.º a 208.º, a prever a competência da respetiva Comissão de Instrução e Inquéritos para instaurar procedimentos disciplinares e para determinar o respetivo arquivamento.

A antinomia entre tais disposições regulamentares e a correspondente norma do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 resolve-se por aplicação do princípio da preferência ou preeminência da lei: o regulamento não pode contrariar um ato legislativo ou equiparado, tendo a lei absoluta prioridade sobre o mesmo[37].

Haverá, consequentemente, face à superveniência de uma disposição legal com as mesmas incompatível, que considerar revogadas[38], na correspondente medida, as disposições constantes do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional das quais decorre a atribuição à Comissão de Instrução e Inquéritos de competência para instaurar procedimentos disciplinares e para determinar o respetivo arquivamento.

Relativamente às restantes competências atribuídas nos Estatutos da Liga e no Regulamento Disciplinar àquele órgão no âmbito das competições oficiais da Liga (direção dos processos de inquérito, direção da instrução dos processos disciplinares, encerramento da respetiva instrução, dedução de acusação e sustentação da mesma perante o órgão decisório disciplinar e execução, sob a orientação e a superintendência da Comissão Executiva da Liga, das decisões disciplinares), inexiste qualquer obstáculo legal a que o mesmo se mantenha na plenitude do respetivo exercício, continuando a aplicar-se, na parte não revogada, o Regulamento Disciplinar em causa, e aplicando-se subsidiariamente, sempre que tal se justificar, os preceitos relativos ao estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, com as adaptações que se revelarem necessárias, ex vi do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento[39].

Trata-se, como se referiu, de um acervo de competências que, no âmbito das competições não profissionais da Federação Portuguesa de Futebol, também se não encontra cometido ao Conselho de Disciplina, mas sim a instrutores nomeados por sorteio pela Direção da Federação.

Resulta, com efeito, do disposto no artigo 202.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar da Federação que «as funções instrutórias são exercidas por um instrutor nomeado por sorteio pela Direção da FPF, de entre listagem previamente definida», estatuindo-se no n.º 4 do artigo 221.º que «a direção do inquérito e da instrução em processo disciplinar, a direção do processo de averiguações, a realização de diligências probatórias e a promoção da execução das sanções compete à Direção da FPF, que será exercida através de instrutor nomeado para o efeito».



4


Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª – Pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, foi alterado o n.º 1 do artigo 43.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, nele se passando a estatuir que «ao conselho de disciplina cabe, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva».

2.ª – Os referidos diplomas foram emitidos no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição da República Portuguesa, preceito que determina a subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos;

3.ª – A atribuição ao conselho de disciplina federativo, pela nova redação decorrente do Decreto-Lei n.º 93/2014, da competência para instaurar e arquivar procedimentos disciplinares não contende com qualquer norma ou princípio decorrente da referida lei de bases (Lei n.º 5/2007), inexistindo, consequentemente, fundamento para assacar àquele diploma o vício de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado;

4.ª – Os estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contêm, no seu artigo 60.º, n.º 2, disposições que, em violação do imperativamente disposto no n.º 1 do artigo 43.º do RJFD, preveem a competência da Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga para determinar a instauração e o arquivamento de procedimentos disciplinares em matéria desportiva;

5.ª – Caso a Liga Portuguesa de Futebol Profissional não proceda à alteração dos seus estatutos, adaptando-os ao regime de competência disciplinar que imperativamente decorre da disposição legal indicada, justificar-se-á que o Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 158.º-A do Código Civil, proponha ação judicial contra a mesma, visando a declaração de nulidade, na pertinente medida, das disposições estatutárias correspondentes;

6.ª – O Regulamento Disciplinar da Liga contém, designadamente no artigo 208.º, n.º 3, alíneas a) e d), disposições que atribuem à Comissão de Instrução e Inquéritos o mesmo núcleo de competências para, em matéria desportiva, instaurar processos disciplinares ou de inquérito e para determinar o respetivo arquivamento;

7.ª – A antinomia entre tais disposições regulamentares e a norma decorrente do artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 resolve-se por aplicação do princípio da preferência ou preeminência da lei: o regulamento não pode contrariar um ato legislativo ou equiparado, tendo a lei absoluta prioridade sobre o mesmo;

8.ª – Haverá, consequentemente, face à superveniência de uma disposição legal imperativa com as mesmas incompatível, que considerar revogadas, na correspondente medida, as disposições constantes do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional das quais decorre a atribuição à Comissão de Instrução e Inquéritos de competência para instaurar procedimentos disciplinares e para determinar o respetivo arquivamento;

9.ª - Relativamente às restantes competências atribuídas nos estatutos da Liga e no Regulamento Disciplinar à Comissão de Instrução e Inquéritos no âmbito das competições oficiais da Liga (direção dos processos de inquérito, direção da instrução dos processos disciplinares, encerramento da respetiva instrução, dedução de acusação e sustentação da mesma perante o órgão decisório disciplinar e execução, sob a orientação e a superintendência da comissão executiva da Liga, das decisões disciplinares), inexiste qualquer obstáculo legal a que o mesmo órgão se mantenha na plenitude do respetivo exercício, continuando o Regulamento a vigorar na parte não afetada pela revogação referida na antecedente conclusão, e aplicando-se subsidiariamente, sempre que tal se justificar, os preceitos relativos ao estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, ex vi do disposto no artigo 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORI-GERAL DA REPÚBLICA, DE 12 MAIO DE 2016.


Maria Joana Raposo Marques Vidal – Fernando Bento – (Relator) – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Luís Armando Bilro Verão – Eduardo André Folque da Costa Ferreira – Maria de Fátima da Graça Carvalho.






[1] O parecer foi solicitado pelo ofício n.º 271/2016, de 21 de março de 2016 (com a referência Ent. 723 – Proc. N.º 100.10.01).
[2] Aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, republicado pela Lei n.º 60/98, de 27 de agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/98, de 2 de novembro), e alterado pelas Leis n.os 42/2005, de 29 de agosto), 67/2007, de 31 de dezembro, 52/2008, de 28 de agosto, 37/2009, de 20 de julho, 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 9/2011, de 12 de abril.
[3] Diploma entretanto alterado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho (que procedeu à respetiva republicação).
[4] Diploma alterado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro.
[5] Diploma retificado pela Declaração de Retificação publicada no Diário da República, I Série, de 17 de março de 1990, e alterado pela Lei n.º 19/96, de 25 de junho, tendo sido revogado pela Lei n.º 30/2004, de 21 de julho.
[6] O conceito de federação unidesportiva resultava do artigo 23.º, n.º 2: são federações unidesportivas as que englobam pessoas ou entidades dedicadas à prática da mesma modalidade desportiva, incluindo as suas várias disciplinas ou um conjunto de modalidades afins.
[7] Diploma retificado pela Declaração de Retificação n.º 129/93, de 31 de julho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de maio, pela Lei n.º 112/99, de 3 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de agosto, tendo sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.
[8] O regime disciplinar consignado no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 144/93 foi subsequentemente revogado e substituído pelo consignado na Lei n.º 112/99, de 3 de agosto, em cujo artigo 1.º se estatuiu que as federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva devem dispor de regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva (integrando-se neste conceito as que visam sancionar a violência, a dopagem ou a corrupção, bem como todas as manifestações de perversão do fenómeno desportivo).
Consignou-se no artigo 11.º de tal diploma que os órgãos disciplinares federativos teriam sempre competência para investigar e punir as infrações ao disposto no artigo 7.º (corrupção na arbitragem), ainda que as mesmas ocorressem no âmbito das competições de natureza profissional.
[9] Princípios posteriormente enunciados no artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.
[10] Os preceitos são os seguintes:

«Artigo 7.º
Inabilitação para o exercício de cargos ou funções desportivas
1 – Os árbitros ou juízes, os membros dos conselhos ou comissões de arbitragem e os titulares dos órgãos das respetivas associações de classe que solicitem ou aceitem, para si ou para terceiros, direta ou indiretamente, quaisquer presentes, empréstimos, vantagens ou, em geral, quaisquer ofertas suscetíveis, pela sua natureza ou valor, de pôr em causa a credibilidade das funções que exercem serão punidos, pelo órgão disciplinar respetivo, com a pena de suspensão do exercício de todas as funções desportivas ou dirigentes, por um período a fixar entre 2 e 10 anos.
2 – Os dirigentes e os demais agentes desportivos contra os quais se prove que participaram ou que declarem ter participado em atos de corrupção da arbitragem serão punidos, pelo órgão disciplinar respetivo, com a pena de suspensão de todas as funções desportivas ou dirigentes, por um período a fixar entre 2 e 10 anos.

Artigo 8.º
Proibição de exercício de certas atividades
1 – Nas federações no âmbito das quais se disputem competições de natureza profissional, os árbitros ou juízes, os membros dos conselhos ou comissões de arbitragem e os titulares dos órgãos das respetivas associações de classe não podem:
a) Realizar negócios com clubes ou outras pessoas coletivas que integrem a federação em cujo âmbito atuam;
b) Ser gerente ou administrador de empresas que realizem negócios com as entidades referidas na alínea anterior ou deter nessas empresas participação social superior a 10% do capital;
c) Desempenhar quaisquer funções em empresas nas quais os dirigentes dos clubes detenham posições relevantes.
2 – As infrações ao disposto neste artigo serão punidas, pelo órgão disciplinar respetivo, com a pena de suspensão do exercício de todas as funções desportivas ou dirigentes, por um período a fixar entre 2 e 10 anos.

Artigo 9.º
Registo de interesses
1 – As federações desportivas no seio das quais se realizem competições de natureza profissional devem organizar um registo de interesses relativamente aos árbitros e aos demais titulares dos órgãos dirigentes da arbitragem.
2 – O registo de interesses consiste na inscrição, em livro próprio, do património dos agentes desportivos que exercem funções na arbitragem, bem como de todas as situações profissionais e patrimoniais relevantes para efeitos do disposto no artigo anterior, e deverá ser atualizado, pelos interessados, no início e no final de cada época desportiva, nos termos a fixar em regulamento federativo.
3 – Os árbitros abrangidos pelas normas constantes deste artigo são os que atuam nos quadros competitivos nacionais das federações referidas no n.º 1.
4 – O registo não é público, podendo ser consultado por todos os titulares dos órgãos federativos com competências disciplinares.
5 – A verificação de omissões, falsidades ou inexatidões nos dados inscritos será sancionada com a pena de suspensão de todas as funções desportivas ou dirigentes, por um período a fixar entre um e cinco anos.

Artigo 10.º
Sanções nas competições de natureza profissional
1 – Sem prejuízo do disposto no artigo 7.º, no âmbito das competições de natureza profissional, as infrações à ética desportiva serão sancionadas de acordo com a seguinte escala de penas:
a) Multa de 500000$00 a 5000000$00;
b) Inabilitação para o exercício de cargos ou funções desportivas ou dirigentes entre 1 e 10 anos, com agravamento para o dobro em caso de reincidência;
c) Perda de pontos ou de lugares na ordem classificativa do campeonato;
d) Descida de divisão;
e) Exclusão da competição profissional, por um período não superior a cinco épocas.
2 – As penas referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser aplicadas aos agentes desportivos envolvidos cumulativamente com as penas referidas nas restantes alíneas.

Artigo 11.º
Competência disciplinar
Os órgãos disciplinares federativos terão sempre competência para investigar e punir as infrações ao disposto no artigo 7.º, ainda que as mesmas ocorram no âmbito das competições de natureza profissional.»

[11] Este diploma viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.
[12] Publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 111, de 12 de junho de 2003, pp. 4468-4482.
[13] Na intervenção que proferiu no decurso dos trabalhos parlamentares (discussão na generalidade), o Ministro Adjunto do Primeiro Ministro (José Luís Arnaut) pronunciou-se nos termos seguintes: «Na abordagem às ligas profissionais, ou entidades análogas, a presente proposta de lei considera a diferença entre modalidades individuais e modalidades coletivas e consagra ainda uma unificação orgânica e regulamentar para os setores disciplinar e arbitragem, o que constituiu um travão às soluções de direito diferentes para situações de facto iguais. É comum os governos serem criticados por produzirem legislação não tanto para o desporto no seu todo, mas para o futebol em particular. Na presente proposta de lei o futebol é tido como uma componente do desporto, igual a todas as outras.» – Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 14, de 18 de outubro de 2003, p. 690.
[14] Pelo deputado Virgílio Almeida Costa (PSD) foi referido o seguinte: «No âmbito do desporto profissional merece saliência e relevo a unificação dos regulamentos disciplinar e de arbitragem e, simultaneamente, a unicidade orgânica, ou seja, um conselho de arbitragem, um só conselho de disciplina e um só conselho de justiça, ainda que, cada qual, com secções diferenciadas para o profissional e para o não profissional. Trata-se de uma opção oportuna e moralizadora face às indefinições e às polémicas que vêm caracterizando esta área do desporto profissional.» – Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 14, de 18 de outubro de 2003, p. 699.
[15] Cf. o seguinte excerto da intervenção do deputado João Pinho de Almeida (CDS-PP): «Há matérias mais concretas, como a unificação dos regulamentos disciplinares, também muito importantes. A duplicidade atual entre conselhos de justiça, conselhos de disciplina e conselhos de arbitragem não é mais suportável. As polémicas entre uns e outros, as consequentes decisões contraditórias, o arremesso de argumentos e o refúgio de muitas pessoas, o refúgio do tal sistema, nesses combates é inaceitável. É importante que haja uma clarificação total de quem tem competência jurídica, de quem tem competência disciplinar e de quem tem competência arbitral para que sejam claras as decisões desses órgãos e para que se acabe com as polémicas existentes, tantas vezes, no desporto em Portugal.» – Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 14, de 18 de outubro de 2003, p. 704.

[16] O diploma foi alterado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que criou o Tribunal Arbitral do Desporto, o qual revogou o respetivo artigo 18.º, relativo à «Justiça desportiva».
[17] Resulta a tal propósito da exposição de motivos da Proposta de Lei 80/X, que esteve na origem do diploma legal em análise:

«A presente iniciativa legislativa traduz ainda uma preocupação acrescida do Estado na separação entre desporto profissional e não-profissional, nomeadamente no que concerne às ligas profissionais e às suas relações com as federações desportivas em que se inserem. A este respeito cumpre assinalar os seguintes aspetos:
– a consagração de um novo conceito de liga profissional, esclarecendo-se que esta terá obrigatoriamente que assumir a forma de associação sem fins lucrativos e que passa a poder englobar, não apenas os clubes e sociedades desportivas participantes das competições profissionais, mas também outros agentes desportivos;
– o estabelecimento, na linha do que constitui a matriz específica do modelo europeu de desporto, de que os quadros competitivos geridos pelas ligas profissionais constituem o nível mais elevado das competições desportivas desenvolvidas no âmbito da respetiva federação desportiva, pressupondo assim a existência de esquemas de permeabilidade entre as competições profissionais e as outras e inviabilizando a ideia das ligas fechadas;
– o esclarecimento de que as ligas estão integradas nas respetivas federações e que exercem, por delegação destas, as competências para regular as competições de natureza profissional;
– a clarificação das relações entre as ligas e as respetivas federações desportivas, em particular no que concerne à disciplina e à arbitragem, prevendo-se, no que a esta concerne, que a mesma seja estruturada por forma a que as entidades que designam os árbitros para as competições sejam necessariamente diferentes das entidades que avaliam a prestação dos mesmos;
– a definição ainda de que as relações entre as ligas profissionais e as federações respetivas são estabelecidas contratualmente, designadamente no que concerne ao número de clubes que participam na competição profissional, ao regime de acesso entre as competições profissionais e não profissionais, à organização da atividade das seleções nacionais e ao apoio à atividade desportiva não profissional, prevendo-se uma forma de superação dos conflitos que daqui eventualmente surjam através de intervenção do Conselho Nacional do Desporto e do recurso à arbitragem.» – Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 124, de 30 de junho de 2006, pp. 4-17.
[18] Diploma alterado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho.
[19] Refere-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 248-B/2008 que «a reforma que ora se empreende parte de uma conceção unitária de federação desportiva, enquanto organização autónoma dotada de todos os órgãos necessários para reger a respetiva modalidade desportiva, incluindo os relativos à disciplina da arbitragem e à aplicação da justiça».
[20] Refere-se, a este propósito, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, a finalidade visada pelo legislador com a consagração deste sistema eletivo:

«Em quinto lugar, as eleições dos órgãos federativos colegiais (conselhos de disciplina, de justiça, de arbitragem e fiscal), com exceção da direção, deve processar-se através de listas próprias, por voto secreto, de acordo com o princípio da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt. Pretende -se com esta regra, por um lado, impedir as listas únicas, com prévia negociação de lugares, e, por outro, assegurar a representação das minorias nos órgãos de justiça e de arbitragem, o que tornará mais transparente o funcionamento desses órgãos de natureza muito sensível e contribuirá para um acréscimo de auto-fiscalização do seu funcionamento. Estas regras são completadas por duas outras destinadas a assegurar que não sejam estabelecidos entraves desproporcionados à apresentação de candidaturas alternativas, estabelecendo um limite ao número exigível de subscritores das listas (10% dos delegados) e determinando que as listas podem ser apresentadas apenas para determinado órgão.»
[21] Recurso este a que se reportam os artigos 4.º e 54.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (na redação da Lei n.º 33/2014, de 16 de junho).
[22] Manual de Direito Administrativo, 9.ª Edição, Tomo II, Coimbra Editora, Lisboa, 1972, p. 799.
[23] O Direito Disciplinar da Função Pública, Volume II (Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007, p. 12.
[24] Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 37-A/2014, de 19 de agosto, e alterada pelas Leis n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro, e 84/2015, de 7 de agosto.
[25] Para ilustrar tal controvérsia, nas relações entre órgãos da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, poderá consultar-se o Parecer n.º 06/A-11/12, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, de 19 de julho de 2012, acessível em:
http://www.apdd.pt/admin/manage/files/files/artigos/eng/Parecer%20CJ.pdf
[26] Segundo informação recebida em 15 de abril de 2016 do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P., apenas na Federação Portuguesa de Futebol são disputadas competições desportivas de natureza profissional, integrando uma liga profissional de âmbito nacional, nos termos estabelecidos no artigo 26.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008.
[27] Tal versão dos estatutos é suscetível de consulta em:
http://www.fpf.pt/Portals/0/Documentos/Centro%20Documentacao/Estatutos/estatutos.pdf
[28] Publicitados em:
http://www.ligaportugal.pt/menu-principal/a-liga/estatutos-e-regulamento-geral/

[29] Verifica-se pelo contexto que a utilização da conjunção disjuntiva «ou» se deve a erro de escrita.
[30] Aprovado na assembleia geral extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas assembleias gerais extraordinárias realizadas em 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012 e 27 de junho de 2013, suscetível de consulta em:
http://www.ligaportugal.pt/menu-principal/documentacao/regulamentos/
[31] Estabelece-se em tal preceito regulamentar que «o disposto na parte III do presente Regulamento não se aplica às pessoas e entidades que, nos termos legais e estatutários, se encontram sujeitas à competência disciplinar, em primeiro grau de decisão, do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol».
[32] Aspeto a que se fará referência nos pontos 3.1 e 3.4.
[33] Trata-se de matéria regulada no artigo 221.º de tal Regulamento:

«Artigo 221.º Instauração do procedimento disciplinar
1. O procedimento disciplinar é instaurado por deliberação do Conselho de Disciplina da FPF e, em caso de urgência, pelo seu Presidente.
2. Quando o procedimento disciplinar seja instaurado pelo seu Presidente, deve este ser ratificado em reunião do pleno.
3. Quando o Conselho de Disciplina da FPF tenha conhecimento de decisão judicial transitada em julgado, pela prática de infração que revista igualmente infração disciplinar, encontra-se obrigado à instauração do respetivo processo, salvo se o mesmo já se encontrar prescrito.
4. A direção do inquérito e da instrução em processo disciplinar, a direção do processo de averiguações, a realização de diligências probatórias e a promoção da execução das sanções compete à Direção da FPF, que será exercida através de instrutor nomeado para o efeito.
5. O impulso do procedimento disciplinar e a direção do inquérito e da instrução em processo disciplinar contra os titulares dos órgãos sociais da FPF e seus sócios ordinários e respetivos dirigentes, compete ao Conselho de Justiça da FPF, nos termos do disposto no respetivo regimento.
6. A violação das regras de competência é de conhecimento oficioso e precede o conhecimento de qualquer outra matéria.»
[34] Sobre o conceito de leis de bases e das relações de parametricidade entre as mesmas e os decretos-leis de desenvolvimento, vd. J. J. Gomes Canotilho – Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 63-64; Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pp. 267-271; Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 651.
[35] Aprovados na assembleia geral de 18 de outubro de 2014 e constantes de escritura pública lavrada em 25 de novembro de 2014, sendo acessíveis em:
http://www.fpf.pt/pt-pt/Institucional/Documentacao/Normas/Estatutos

[36] Aprovado pela direção da Federação na reunião de 25 de junho de 2015, sendo acessível em:
http://www.fpf.pt/pt-pt/Institucional/Documentacao/Normas/Regimento-e-Regulamentos
[37] J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 732-733; Marcelo Rebelo de Sousa – André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Lisboa, 2007, p. 239; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 206.
[38] Marcelo Rebelo de Sousa – André Salgado de Matos, ob. cit., p. 260; Diogo Freitas do Amaral, ob. cit., pp. 228-229.
[39] Estabelece-se em tal preceito que «na determinação da responsabilidade disciplinar e na tramitação do procedimento disciplinar regulados pelo presente Regulamento é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas com as necessárias adaptações».
Anotações
Legislação: 
CRP 76 ART198; DL 93/2014 de 2014/06/23; DL 248-b/2008 de 2008/12/31; L 5/2007 de 2007/01/16; DL 93/2014 de 2014/06/23; L 1/90 de 1990/01/13; DL 144/93 de 1993/04/26; L 112/99 de 1999/08/03; DL 111/05/09; L DL 303/99 DE 1999/05/09; L 30/2004DE 2004/07/21; L 74/2013 DE 2013/09/06; L 35/2014 DE 2014/06/20; CCIV 66 ART280 ART295 ART158-A;
Referências Complementares: 
DIR ADM * ASSOC PUBL / DIR CIVI / DIR CONST*****
PPL 80-IX IN DAR II S A N 111 DE 2003 /06/12 PP. 4468
Divulgação
Data: 
18-07-2016
Página: 
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