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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
22/2010, de 14.02.2013
Data do Parecer: 
14-02-2013
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Ambiente do Ordenamento do Território
Relator: 
ALEXANDRA LEITÃO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
AUTORIDADE FLORESTAL NACIONAL
MUNICÍPIO
PROTOCOLO
CONTRATO INTERADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO INTERADMINISTRATIVA
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INTERADMINISTRATIVA
TRANSFERÊNCIA DE GESTÃO
CONTRATO PÚBLICO
REGIME FLORESTAL
DECRETO SIMPLES
PRINCÍPIO DA PERMISSIBILIDADE GERAL DE RECURSO AO CONTRATO
PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE ENTRE ATO E CONTRATO
Conclusões: 
1. Os Protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional - atual Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. - e o Município de Moura em 3 de julho de 2006 e em 25 de março de 2009 são contratos interadministrativos de cooperação (no primeiro caso) e de cooperação e de transferência de competências (no segundo caso).

2. Existe, no ordenamento jurídico, um enquadramento genérico, decorrente da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que permite a transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais, em cumprimento do indirizzo constitucional de descentralização de poderes, constante dos artigos 237.º, n.º 1, e 267.º, n.º 2, da CRP.

3. A natureza da relação jurídica que se estabelece com a transferência de poderes entre entidades administrativas não é incompatível com a contratualização, não sendo, por isso, afastada pelo artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos.

4. Os Decretos de 24 de dezembro de 1901, 24 de dezembro de 1903 e 11 de julho de 1905, que aprovaram o regime florestal ainda em vigor, estabelecem a forma de decreto para a sujeição e desafetação dos terrenos àquele regime. Contudo, na parte em que os mesmos determinam que a prática de atos estritamente administrativos, individuais e concretos - designadamente, a fixação das rendas e dos critérios de repartição de receitas e despesas -, também deve adotar a forma de decreto, impõe-se uma interpretação atualista, admitida pela parte final do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil.

5. Tratando-se de atos materialmente administrativos, têm plena aplicabilidade os princípios da permissibilidade geral de recurso ao contrato e da fungibilidade entre ato e contrato consagrados no artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos, pelo que essa opção deve ser enquadrada no campo da discricionariedade administrativa. Por isso, sendo o quadro normativo que impõe uma forma de atuação unilateral anterior à consagração expressa daqueles princípios, o facto de o legislador determinar a adoção de um ato unilateral não fornece qualquer indício de valoração negativa do instrumento contratual.

6. Admite-se, assim, a celebração do Protocolo de 2009, que operou a transferência da gestão da Herdade da Contenda para o Município de Moura, pelo que ambos os Protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional e a Câmara Municipal de Moura são válidos, no plano orgânico-formal.

7. Face aos elementos constantes do processo, as cláusulas 4.ª, 5.ª e 6.ª do Protocolo de 2009, não violam a legislação aplicável, nem padecem de quaisquer vícios substantivos que ponham em causa a legalidade das mesmas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural

Excelência:


I. Apresentação da Consulta


O Antecessor de V. Ex.ª solicitou ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de um parecer sobre “a legalidade de algumas cláusulas insertas em dois protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional e o Município de Moura, através da respetiva Câmara Municipal” (datados de 3 de julho de 2006 e de 25 de março de 2009), o qual foi redistribuído à Relatora na sessão do Conselho Consultivo de 6 de dezembro de 2012, por vencimento da anterior Relatora.

O pedido de consulta foi enviado para a Pocuradoria-Geral da República juntamente com os textos dos protocolos acima referidos, através do Ofício n.º 2049/2010, de 25 de junho, cujo teor se justifica transcrever, uma vez que, como se verá, subsistem dúvidas quanto ao âmbito da Consulta:

“Encarrega-me o Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de remeter a V. Exas. cópia dos protocolos calebrados entre a Autoridade Florestal Nacional (ex-Direção-Geral dos Recursos Florestais) e a Câmara Municipal de Moura para a Herdade da Contenda, solicitando, nos termos da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, se digne submeter a parecer do Conselho Consultivo da PGR, a legalidade da análise e soluções neles preconizadas.”

O Ofício não vinha instruído com quaisquer elementos adicionais, dele não constando, designadamente, o despacho de Sua Ex.ª o (então) Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural a solicitar a Consulta. Estes elementos foram solicitados pela Relatora original do processo em 29 de novembro de 2011, através do Ofício n.º 25269/2011.

Em resposta, foi recebido o Ofício n.º SEFDR/295/2012, de 2 de fevereiro de 2012, oriundo do Gabinete de V. Ex.ª, com o seguinte teor:

“Relativamente ao assunto acima epigrafado cumpre-me informar V. Exa. que foi solicitada informação à Senhora Chefe do Gabinete do ex-Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, relativamente ao despacho proferido naquele ofício.

A informação prestada foi a seguinte:

“A remessa ao Conselho Consultivo da PGR foi determinada pelo Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, uma vez que o mesmo tinha sérias dúvidas sobre a legalidade de algumas cláusulas insertas no protocolo uma vez que não se assegurava de forma cabal o ressarcimento dos investimentos realizados pelo Estado (serviços florestais) durante mais de 60 anos naquela propriedade da Câmara Municipal de Moura, e não se acautelava o interesse público e a defesa do património do Estado[1].

Tratou-se de uma determinação do Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, sem que tenha havido um despacho formalmente exarado em qualquer informação, entendendo a signatária que tal determinação é absolutamente válida e no pleno exercício dos poderes inerentes ao cargo e às funções daquele membro do Governo, porquanto se tratou de pedir ao Ministério Público, enquanto entidade guardiã do interesse do Estado, que aferisse a legalidade do referido protocolo”[2].


Na sequência disso, a Relatora original solicitou, em 8 de fevereiro de 2012, através do Ofício n.º 3168/2012, de 8 de fevereiro de 2012, informação sobre quais as questões que se pretendia ver esclarecidas, bem como “a remessa dos elementos atinentes, e, de todo o modo os elementos que antecederam os protocolos, designadamente despacho relativamente aos bens móveis (cfr. cláusula 6.ª do Protocolo de 25 de março de 2009), e mais se solicitou informação sobre desenvolvimentos posteriores aos protocolos de 3 de julho de 2006 e de 25 de março de 2009.

Foi comunicado o seguinte, em 12 de junho de 2012, através do Ofício n.º 1574/2012:

“Com referência ao V/ ofício à margem identificado, encarregame Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de comunicar a V. Exa. a manutenção de interesse na emissão de Parecer por esse Conselho Consultivo, relativamente ao assunto em epígrafe, pretendendo ver esclarecidas as questões relativas à legalidade da operação de transferência de gestão da referida propriedade da Herdade da Contenda, operada pela AFN, com simples homologação do então Senhor Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.

Relativamente à segunda questão, mais se informa que não houve desenvolvimentos relativamente aos protocolos referidos sendo que atualmente está a ser concertada, entre este Gabinete e as várias entidades e organismos com interesse naquele território, a melhor solução no sentido da salvaguarda da legalidade da operação de transferência de gestão, dado que por efeito daquele Protocolo de 2009, a Câmara Municipal de Moura, assumiu desde 1 de janeiro do corrente ano a gestão plena daquela propriedade.”






Dos sucessivos ofícios resulta que o pedido original visava a obtenção de parecer deste Conselho sobre “a legalidade de algumas cláusulas insertas no protocolo uma vez que não se assegurava de forma cabal o ressarcimento dos investimentos realizados pelo Estado (serviços florestais) durante mais de 60 anos naquela propriedade da Câmara Municipal de Moura, e não se acautelava o interesse público e a defesa do património do Estado”, como resulta da transcrição do despacho do Antecessor de V. Ex.ª, constante do Ofício n.º SEFDR/295/2012, de 2 de fevereiro de 2012.

É verdade que o Ofício n.º 1574/2012, de 12 de junho de 2012, teria, aparentemente, circunscrito aquele pedido de consulta às “questões relativas à legalidade da operação de transferência de gestão da referida propriedade da Herdade da Contenda, operada pela AFN, com simples homologação do então Senhor Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas”.

Mas continua a fazer referência a “questões relativas à legalidade”, sem circunscrever a Consulta à “validade do protocolo”.

Por outro lado, desse mesmo ofício resulta, manifestamente, a intenção de reiterar o pedido anterior, que, como se viu supra, pretendia uma análise da legalidade das cláusulas dos protocolos.

É certo que, caso o presente Parecer conclua pela invalidade formal do contrato, essa conclusão prejudica a análise substantiva das suas cláusulas, mas, pelo contrário, se se concluir pela validade formal dos protocolos, essa análise afigura-se ínsita na Consulta.

Termos em que cumpre emitir parecer, nos termos das disposições conjugadas da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público e dos artigos 3.º e 14.º, n.º 1, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em primeiro lugar, sobre a questão da validade orgânico-formal dos protocolos e, posteriormente, sobre a legalidade substantiva de algumas das suas cláusulas.

II. Razão de ordem

Delimitada desta forma a Consulta, verifica-se que há dois problemas a analisar: a validade orgânico-formal dos protocolos e a validade substantiva das cláusulas cuja conteúdo seja suscetível de pôr em causa o princípio da legalidade.

Para tanto, o presente Parecer desenvolver-se-á em torno dos seguintes aspetos:
(i) Admissibilidade do recurso a contratos interadministrativos por parte de entidades públicas e subsunção dos protocolos em apreço naquela figura jurídica;
(ii) Validade orgânico-formal dos protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional (adiante designada abreviadamente “AFN”) e a Câmara Municipal de Moura (adiante designada abreviadamente “CMM”);
(iii) Legalidade substantiva de algumas cláusulas dos protocolos à luz da legislação aplicável e dos princípios gerais do Direito Administrativo.


III. Admissibilidade do recurso a contratos interadministrativos por parte de entidades públicas e subsunção dos protocolos em apreço naquela figura jurídica

1. Os protocolos sub judice, celebrados entre duas entidades públicas – a AFN e a CMM – são contratos interadministrativos, ou seja, acordos de vontades celebrados entre duas ou mais entidades administrativas que constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas[3].

Trata-se, antes de mais, de verdadeiros contratos – entendidos como “acordos vinculativos, assentes em duas ou mais declarações de vontade, contrapostas mas harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses” (ANTUNES VARELA)[4] -, que produzem efeitos juridicamente vinculantes. De facto, as suas cláusulas têm efeitos vinculativos (obrigacionais ou reais) sempre que: (i) versem sobre a actividade das entidades intervenientes; (ii) o seu conteúdo se inclua na esfera própria de actuação das entidades contratantes; (iii) estabeleçam direitos e deveres para as partes; (iv) estes direitos e deveres tenham um mínimo grau de concretização[5].

Assim, um acordo entre duas entidades públicas que constitua direitos e deveres recíprocos para as partes, constituindo uma relação jurídica entre elas, assume natureza jurídica contratual, independentemente da designação adotada – protocolo, acordo, acordo-quadro, contrato-programa, etc.

Estes contratos são ainda contratos públicos, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos (CCP), embora, em concreto, nem todos os contratos entre entidades públicas estejam sujeitos a um procedimento pré-contratual, na medida em que, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do CCP, apenas os contratos com prestações típicas de empreitadas e de concessão de obras públicas, de concessão de serviços, de locação e aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços estão sujeitos à Parte II do Código.

E, finalmente, são contratos administrativos, aos quais se aplica o regime substantivo da Parte III do CCP.

É verdade que, na lógica do Código atualmente em vigor, nem todos os contratos públicos são também administrativos, mas no caso dos contratos entre entidades públicas, cujo fundamento é a cooperação entre essas entidades, a respetiva natureza jurídico-pública é indiscutível.

Em primeiro lugar, porque resultam da aplicação direta e imediata de normas de indirizzo constitucional e legal, tais como o princípio da solidariedade e da lealdade institucional[6].

Em segundo lugar, porque ambas as partes contratantes prosseguem fins de interesse público e o Direito “normalmente aplicável” às relações jurídicas estabelecidas entre elas é o Direito Administrativo, enquanto Direito comum da Administração Pública.
A administratividade do contrato resulta, assim, da funcionalização do seu regime jurídico à prossecução de um interesse público inserido na função administrativa[7].

Aliás, os critérios de administratividade aplicáveis aos contratos interadministrativos não podem ser exactamente os mesmos a que se recorre para qualificar os contratos celebrados entre a Administração e os particulares, designadamente, no que respeita ao critério das cláusulas exorbitantes[8], razão pela qual se tem defendido, sobretudo na doutrina e jurisprudência francesas, a adoção de uma presunção de administratividade[9].

A inexistência de prerrogativas de autoridade de um contratante sobre o outro não significa que o contrato não tenha um regime substantivo de Direito Público, que resulta, exactamente, da funcionalização do seu regime jurídico à prossecução de um interesse público inserido nas atribuições das entidades administrativas contratantes, enquanto “ponto de encontro de duas gestões públicas”[10].

Os contratos interadministrativos são, assim, contratos administrativos celebrados entre duas ou mais entidades públicas no âmbito das suas atribuições e competências para a prossecução de fins de interesse público.

1.2. Cumpre, agora, analisar o fundamento dos contratos interadministrativos.
Este fundamento encontra-se, desde logo, na autonomia pública das entidades administrativas[11], cuja capacidade jurídica inclui a possibilidade de estabelecimento de relações contratuais, desde que tal não seja proibido pela lei.

Como refere SÉRVULO CORREIA, também cabe no âmbito da autonomia pública contratual a celebração de contratos entre duas pessoas coletivas públicas regidos pelo Direito Administrativo[12].

Isso decorre do princípio geral de permissibilidade de recurso aos contratos administrativos, atualmente previsto no artigo 278.º do CCP[13], tal como antes resultava do artigo 179.º, n.º 1, do CPA[14].

No que respeita, concretamente, aos contratos interadministrativos, além daquele princípio, o seu fundamento encontra-se ainda nos princípios da colaboração, da cooperação e da lealdade institucional entre entes públicos[15].

Apesar de a CRP não prever expressamente a autonomia pública contratual e a liberdade de organização da Administração, estas retiram-se quer do seu artigo 6.º, n.º 1, sobre a descentralização democrática da Administração, quer dos artigos 266.º e 267.º da CRP.

Aliás, do elenco das tarefas do Estado, consagrado no artigo 9.º da Lei Fundamental, resulta uma ampla liberdade de meios de que a Administração Pública pode lançar mão para alcançar aqueles objectivos, extraindo-se, assim, uma vinculação quanto aos fins, mas uma liberdade quanto aos meios e formas a adotar para os prosseguir[16].

No caso concreto dos contratos celebrados entre a Administração central e as autarquias locais, o respetivo fundamento encontra-se também na necessidade de articular o exercício de atribuições e competências concorrentes ou daquelas que, sendo próprias, são melhor prosseguidas de forma colaborativa, minorando a duplicação de funções e aproveitando sinergias.

Assim se garante também a unidade de ação da Administração Pública e evita a ineficácia decorrente da multiplicação dos pólos de decisão[17].

2. No caso vertente, ambos os protocolos celebrados entre a AFN e a CMM subsumem-se no conceito de contrato interadministrativo.

Cumpre, antes de mais, transcrever os protocolos em questão.

2.1. O conteúdo do Protocolo de 3 de julho de 2006 é o seguinte:

«PROTOCOLO ENTRE A DIREÇÃO-GERAL DOS RECURSOS FLORESTAIS E A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA, PARA A HERDADE DA CONTENDA

Entre

PRIMEIRO OUTORGANTE:
Direção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF), com sede na Avenida João Crisóstomo n.os 26-28, 1069-040 Lisboa, com o NIF 600077853, neste ato representada pelo seu Diretor-Geral, Professor Doutor Francisco de Castro Rego

e

SEGUNDO OUTORGANTE:
Município de Moura (MM), pela Câmara Municipal de Moura (CMM), com sede na Praça Sacadura Cabral, 7860 Moura, com o NIF 502174153, neste ato representada pelo seu Presidente José Maria Prazeres Pós-de-Mina,

É celebrado o presente protocolo, com base nas normas, princípios e espírito seguintes:

PREÂMBULO

A Herdade da Contenda, com 5.267,9454 ha, sita na Freguesia de Santo Aleixo da Restauração do Município de Moura e inscrita na Matriz cadastral Rústica sob o artigo 1 das secções U, Ul, U2, U3, U4 e U5, resultante da delimitação fronteiriça determinada pelo Tratado de Madrid, é propriedade do Município de Moura e está adstrita ao interesse público.

Por solicitação da sua proprietária, foi submetida ao Regime Florestal Parcial Facultativo, nos termos do Decreto publicado no Diário do Governo n.º 100, 2 Série de 8/05/1959, mais tarde reformulado pelo Decreto de 13/04/1963.

Nesse contexto, a arborização e a exploração do prédio passaram a ser feitas por conta do Estado, pelos serviços com competências na área florestal, atualmente a Direção-Geral dos Recursos Florestais, pela Circunscrição Florestal do Sul, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 219.° e nas condições prescritas nos arts. 225.° e 227.° do Decreto de 24/12/1903, de acordo com plano que integrava o dito Decreto de 1959 e mediante o pagamento de uma quantia à autarquia.

De igual modo, pelo Decreto-Lei 377/89 de 26/10, foi constituída a denominada Zona de Caça Nacional do Perímetro Florestal da Contenda, gerida pela DGRF/CFS.

Sobre a Herdade da Contenda incide ainda o Plano setorial da Rede natura 2000, nos termos dos Decretos-Leis 140/99 de 24/04 e 49/2005 de 24/02, o qual constitui um instrumento de concretização da política nacional de conservação da diversidade biológica.

Estas três figuras, nos termos das leis que as regulam, condicionam fortemente toda a vida, a exploração e a simples utilização da Herdade da Contenda.

Contudo, o Município de Moura pretende que esta sua propriedade seja pólo de desenvolvimento, importando, sobretudo, que fiquem criadas condições para que possa ser visitada pela população, como um instrumento ao serviço desta, potenciando as suas inequívocas valências ambientais, culturais, pedagógicas, recreativas e turísticas.

Por outro lado, a DGRF/CFS, pretendendo continuar o trabalho ali desenvolvido desde há quase meio século, sobretudo na parte florestal, englobando as vertentes silvícola, pastoril e cinegética, adere integralmente aos propósitos e objetivos do MM, comprometendo-se a viabilizar todas as ações que este pretenda efetuar, no pressuposto da compatibilização entre o regime florestal, as obrigações de cariz cinegético e os objetivos da autarquia.

Ambos os outorgantes vêem com interesse a criação e manutenção de mecanismos que globalizem, viabilizem e articulem objetivos comuns, enriquecendo e dinamizando a Herdade da Contenda, como espaço de realização e prossecução dos interesses público e coletivo.

CAPÍTULO 1
GENERALIDADES

CLÁUSULA PRIMEIRA
(OBJETIVO)

1. Por meio deste protocolo, os outorgantes aceitam as condições e os termos pelos quais regerão as suas relações no que respeita ao uso e gestão da Herdade da Contenda, atentos os instrumentos de exploração em vigor.
2. É objetivo de ambos assegurar a compatibilização e a interligação entre as várias valências da Herdade da Contenda, no respeito pelas normas que as regulam genérica ou especificamente, com vista ao seu desenvolvimento integrado e sustentado e ao aproveitamento dos seus recursos, tanto pela população em geral, como pelos ora outorgantes, nas esferas dos respetivos interesses e competências.

CLÁUSULA SEGUNDA
(PRAZOS)

O presente protocolo tem início em 1 de julho de 2006 e é celebrado pelo período de cinco anos e meio, terminando em 31 de dezembro de 2011, podendo ser renovado, se assim for expressamente manifestado pelos outorgantes, por períodos a acordar e cuja duração não poderá exceder os cinco anos.


CAPÍTULO II
ORDENAMENTO E GESTÃO

CLÁUSULA TERCEIRA
(INSTRUMENTOS DE ORDENAMENTO)

Constituem instrumentos de ordenamento da Herdade da Contenda:
1. Regime Florestal
2. Zona de Caça Nacional
3. Rede Natura 2000 e o respetivo Plano sectorial
4. Plano de Ordenamento (P0), contendo o Plano de Gestão

CLÁUSULA QUARTA
(PLANO DE ORDENAMENTO)

1. A gestão da Herdade da Contenda assenta no Plano de Ordenamento e Gestão da Herdade da Contenda (P0), que é parte integrante do presente protocolo, no respeito absoluto do Regime Florestal e do ordenamento cinegético vigentes, bem como nas disposições específicas constantes do Regulamento das Zonas de Caça Nacionais.
2. O P0 é elaborado pela DGRF/CFS, sem prejuízo da colaboração da CMM, tanto na sua génese, quanto na sua execução.

CLÁUSULA QUINTA
(ENQUADRAMENTO SISTEMÁTICO)

O P0 assenta nos seguintes eixos estratégicos, que constam do respetivo Plano de Gestão:
1. Manter e incrementar a gestão florestal
2. Manter e valorizar a biodiversidade
3. Promover o uso sustentável dos recursos florestais e cinegéticos
4. Promover o conhecimento e a sensibilização para o valor do sítio
5. Promover a investigação científica.

CLÁUSULA SEXTA
(PLANO DE ATIVIDADES)

1. Todos os anos é elaborado um Plano de Atividades (PA), que constitui o instrumento de gestão corrente do funcionamento da herdade.
2. O PA deve conter a previsão de todas as atividades a realizar na herdade, disciplinando a respetiva interação.
3. O PA atenderá, obrigatoriamente, aos atos próprios da gestão do regime florestal e da zona de caça nacional, contendo-os no seu âmbito, ainda que os mesmos não constem do seu texto.
4. O PA é aprovado, até 31 de dezembro de cada ano, pela Comissão de Acompanhamento da Execução dos Planos.
5. O Plano Anual de Exploração da Zona de Caça Nacional é aprovado pela DGRF.


CAPÍTULO III
ORGÂNICA DE ACOMPANHAMENTO

CLÁUSULA SÉTIMA
(COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO)

É criada a Comissão de Acompanhamento da Execução dos Planos (CAEP).

CLÁUSULA OITAVA
(COMPOSIÇÃO)

1. A CAEP é constituída por cinco membros, dos quais três por inerência dos seus cargos nos organismos a que pertencem e dois designados pela DGRF/ CFS e pela CMM.
2. São membros por inerência de funções:
2.1. O Diretor da CFS, que preside
2.2. O Presidente da CMM
2.3. O Chefe do Núcleo Florestal do Baixo Alentejo da CFS.
3. São membros escolhidos, dois técnicos, livremente substituíveis, pertencendo um à CFS e outro à CMM, e a quem competirá secretariar o órgão, rotativamente, por cada ano civil.
4. Qualquer dos membros por inerência de cargos, poderá fazer-se representar.
5. Qualquer dos membros por inerência de cargos poderá fazer-se acompanhar por técnicos, os quais participarão nas reuniões, sem direito a voto.

CLÁUSULA NONA
(COMPETÊNCIAS)

A CAEP é o órgão onde se procederá ao encontro e planificação da materialização dos objetivos de ambos os outorgantes, competindo-lhe, designadamente:
1. Aprovar o PA
2. Alterar o PA
3. Emitir recomendações e pareceres sobre a gestão e uso da Herdade da Contenda, em especial sobre a execução dos planos
4. Regular o exercício ou a promoção de atividades por parte de cada um dos outorgantes, isolada ou conjuntamente.
5. Estabelecer e disciplinar a concretização do PO e do PA, designadamente quanto às responsabilidades da DGRF/CFS e da CMM em sede dos atos inseridos nos planos e quanto ao respetivo envolvimento financeiro de ambos os outorgantes.

CLÁUSULA DÉCIMA
(REUNIÕES)

1. A CAEP reúne ordinariamente duas vezes por ano, no decurso dos meses de junho e dezembro, sendo as ordens do dia, respetivamente, a monitorização da aplicação e a aprovação do PA e mais assuntos que, até à hora do início de cada reunião, sejam, ainda que informalmente, naquelas incluídos.
2. A data da reunião ordinária é fixada pelo Presidente, por qualquer meio de comunicação direta.
3. Reúne extraordinariamente por convocatória do Diretor da CFS ou do Presidente da CMM, efetuada com um mínimo de 48 horas de antecedência, com indicação expressa dos assuntos a tratar.
4. A convocatória será feita por escrito, podendo usar-se telecópia.
5. A CAEP só poderá reunir, em qualquer circunstância, com a presença da maioria dos seus membros, sendo obrigatória, para o efeito, a presença de elementos de ambos os outorgantes.
6. As deliberações serão tomadas por maioria dos membros da comissão.


CAPÍTULO IV
DO USO E APROVEITAMENTO DAS CONDIÇÕES
ESPECÍFICAS DA HERDADE DA CONTENDA

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA
(ATIVIDADES)

1. Sem prejuízo dos atos e condicionantes motivados pela materialização das normas do regime florestal, da zona de caça nacional e do PO, cada um dos outorgantes, isolada ou conjuntamente, poderá desenvolver ou promover atividades, que se enquadrem no âmbito dos usos da Herdade da Contenda e do presente protocolo.
2. O desenvolvimento ou promoção de tais atividades, carece de parecer favorável da CAEP e é da exclusiva responsabilidade do outorgante que demonstre esse interesse.

CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA
(PARTICIPAÇÃO EM ATOS CINEGÉTICOS E AFINS)

1. Constitui direito da CMM, a sua participação nas caçadas e outros atos cinegéticos, nos termos acordados anualmente na CAEP e constantes do plano de atividades.
2. A CMM tem direito a uma porta em todas as montarias realizadas na Herdade da Contenda.


CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES FINAIS

CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA
(APROFUNDAMENTO DA COLABORAÇÃO)

1. Ambos os outorgantes se comprometem a aprofundar a colaboração agora acordada, de modo a criar, progressivamente, um novo modelo de ação e funcionamento que permita incrementar a intervenção da CMM no uso e na gestão da Herdade da Contenda, no respeito dos instrumentos que a disciplinam.
2. O novo modelo de colaboração será formalizado através de aditamentos ao presente protocolo.»


2.2. Por sua vez, o Protocolo celebrado em 25 de março de 2009 tem o seguinte conteúdo:

«PROTOCOLO ENTRE A AUTORIDADE FLORESTAL NACIONAL E A CÂMARA MUNICIPAL DE MOURA

A Herdade da Contenda é propriedade da Câmara Municipal de Moura mas encontra-se atualmente sob gestão da Autoridade Florestal Nacional (AFN).
Ocupando um território de mais de 5 mil hectares, esta herdade é reconhecida pelas excelentes potencialidades cinegéticas e considerada a maior reserva de veados existente em Portugal.
Para além disso, apresenta uma fauna riquíssima, tendo já sido identificadas 124 espécies de aves, 14 espécies de mamíferos, 10 espécies de anfíbios e 17 espécies de répteis.
Pela riqueza ambiental e cinegética, que merece conservar, foi criada naquela propriedade a Zona de Caça Nacional do Perímetro Florestal da Contenda e atribuída a sua gestão à Autoridade Florestal Nacional pelo Decreto-Lei n.° 377/89, de 26 de outubro.
Importa ainda relevar que o Perímetro Florestal da Contenda está selecionado como floresta Modelo no âmbito do Plano Regional de Ordenamento Florestal do Baixo Alentejo com um Plano de Gestão Florestal próprio.
Tendo em conta esta realidade e a ponderação de novas formas de gestão entenderam a Autoridade Florestal Nacional e a Câmara Municipal de Moura, esta conhecedora como é da realidade local, poder potenciar a exploração da Herdade e ultrapassar algumas dificuldades sentidas pela AFN na administração daquele espaço.
Importa pois, aproveitar a especial vantagem que a proximidade às populações locais garante, nomeadamente no que se refere a uma maior perceção da mais valia da conservação e exploração de recursos e desenvolver um processo de transferência da gestão da herdade da Contenda à sua proprietária.
Tendo em conta o interesse da Autoridade Florestal Nacional e da Câmara Municipal de Moura na transferência da gestão do Perímetro Florestal da Contenda e da Zona de Caça Nacional que nele está contida, entendem as partes:

Aos 25 dias do mês de março do ano de 2009, no Governo Civil de Beja, compareceram como primeiro outorgante e em representação da Autoridade Florestal Nacional, adiante designada por AFN, pessoa coletiva n.º 600083586, o Eng.° António José Rego, seu Presidente e como segundo outorgante e em representação da Câmara Municipal de Moura, adiante designada por CMM, pessoa coletiva n.º 502174153, o Dr. José Maria Pós-de-Mina, seu Presidente, tendo acordado celebrar o presente Protocolo que se rege pelos termos e condições seguintes:

Cláusula 1.ª

O presente protocolo estabelece as condições da transferência da gestão do Perímetro Florestal da Contenda e da Zona de Caça Nacional nele contida, para a CMM.

Cláusula 2.ª

1. O processo de transferência da gestão será efetuado de forma gradual, devendo ser concluído até ao dia 31 de dezembro de 2011.
2. No período que medeia entre o início da transferência de gestão e o seu fim, a AFN e a CMM assumem a gestão conjunta daquela propriedade.
3. Numa fase inicial, a exploração pode ser desenvolvida através da Comoiprel — Cooperativa Mourense de Interesse Público de Responsabilidade Limitada — por delegação expressa da CMM sendo que, numa fase posterior, a Câmara Municipal pode, para o efeito, vir a criar urna empresa, aberta à participação societária de outras entidades.

Cláusula 3.ª

1. No período de vigência da gestão conjunta, a AFN assume a orientação técnica da gestão.
2 Nesse período, a Câmara Municipal de Moura assume a responsabilidade da exploração operacional.
3. Até 31 de outubro de cada ano, a Direção Regional de Florestas do Alentejo da AFN e a CMM elaboram conjuntamente um plano de atividades, que se destina a identificar os projetos e ações a desenvolver no ano seguinte.
4. O plano de atividades deverá ser apresentado para aprovação, ao presidente da AFN, e ao Presidente da CMM, que o deverão aprovar até 31 de dezembro.
5. O prazo definido nos números anteriores não é aplicável no primeiro ano de aplicação do presente protocolo.
6. Até 120 dias após a entrada em vigor do presente protocolo poderá ser aprovado um plano estratégico para o período 2009-2011 de modo a estabelecer as prioridades sobre as quais assentará a exploração.

Cláusula 4.ª

1. Após aprovação dos Planos definidos no artigo anterior, os investimentos e demais despesas a realizar serão suportados de acordo com a seguinte distribuição:

a. 2009 100%AFN 00%CM
b. 2010 66%AFN 33%CM
c. 2011 33%AFN 66%CM

2. As receitas proporcionadas pela exploração do Perímetro e da ZCN, até 2011, serão distribuídas em 10% para a AFN e 90% para a CMM.

Cláusula 5.ª

No período de gestão conjunta, a AFN pagará à CMM uma renda regressiva e que terá os seguintes valores:

a. 2009 50.000.€
b. 2010 33.000.€
c. 2011 16.000.€


Cláusula 6.ª

No final do período de gestão conjunta, todas as benfeitorias realizadas pela AFN no Perímetro Florestal da Contenda e na Zona de Caça Nacional nele contida, revertem para a propriedade da CMM, bem como todos os bens móveis da AFN afetos à sua gestão.

Cláusula 7.ª

A CMM, por si ou terceira entidade, garantirá os recursos humanos necessários à gestão e exploração da ZCN podendo dar prioridade aos funcionários que se encontram em situação de mobilidade especial e que já tenham estado afetos ao serviço naquela Herdade.

Cláusula 8.ª

A área sobre a qual se efetua a transferência de gestão continua submetida ao regime florestal parcial facultativo.

Cláusula 9.ª

No período de gestão conjunta e no posterior período de gestão exclusiva exercida pela CMM, deverão ser desenvolvidas medidas com vista a assegurar a manutenção do património genético animal atualmente existente.

Cláusula 10.ª

1. A Câmara Municipal de Moura deve constituir um conselho consultivo que assegure a participação da sociedade civil na política cinegética da ZCN.
2. O conselho consultivo da ZCN deve integrar um representante da Junta de Freguesia de Santo Aleixo da Restauração e um representante de cada uma das Organizações do Setor da Caça existentes no concelho.
3. Integram ainda o conselho consultivo, dois representantes do Conselho Cinegético Municipal, caso exista.
4. Ao conselho consultivo compete emitir parecer sobre os programas de intervenção e sobre os planos de gestão e exploração.
5. A AFN pode, sempre que o entender, participar nas reuniões do Conselho Consultivo, devendo para tanto ser notificada do dia e da hora da sua realização bem como da Ordem de Trabalhos.

Cláusula 11.ª

Mantêm-se em vigor os protocolos que visem a valorização do Perímetro e da Zona de Caça Nacional da Contenda, desde que não contrariem o disposto no presente protocolo.

Cláusula 12.ª

1. Este Protocolo pode ser denunciado a todo o tempo por qualquer das partes, mediante justificação da proposta e mediante aviso prévio remetido com a antecedência mínima de 180 dias.
2. A denúncia do protocolo faz terminar o período de gestão conjunta e determina a assunção pela CMM da gestão exclusiva da propriedade.

Foram elaborados dois exemplares do presente Protocolo que vão ser assinados pelo Presidente da Autoridade Florestal Nacional e pelo Presidente da Câmara Municipal de Moura, ficando um exemplar na posse de cada uma das entidades.»

3. Ambos os protocolos são contratos interadministrativos porque são celebrados entre duas entidades públicas e constituem uma relação jurídica administrativa, além de terem um objeto suficientemente determinado ou determinável e integrarem o âmbito material de competência das entidades que o celebram[18].

3.1. O Protocolo de 2006 é um contrato de colaboração em sentido estrito, cujo objeto imediato envolve a prestação de auxílio entre as partes para o desenvolvimento de tarefas legalmente cometidas a uma delas ou o exercício coordenado de competência próprias e separadas das entidades contratantes[19]. Não opera, assim, a transferência da gestão do perímetro florestal em causa.

Pelo contrário, o Protocolo de 2009 opera a transferência da gestão da Herdade da Contenda para o Município, incidindo, por isso, sobre as competências da AFN e sobre as relações entre esta e a CMM no âmbito da gestão daquele perímetro florestal.

Isso é afirmado logo na cláusula 1.ª e as condições dessa transferência gradual são definidas nas restantes cláusulas do Protocolo, designadamente nas cláusulas 2.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª, que se estabelecem também a repartição de encargos e de receitas entre as duas entidades.

Trata-se, por isso, de contrato interadministrativo sobre competências.


Estes contratos integram-se ainda no quadro da cooperação interadministrativa, visto que permitem uma maior articulação entre as várias entidades, evitando duplicações de tarefas e tornando mais eficiente e eficaz a atuação da Administração Pública.

Existe uma “legitimação contratual para a disponibilidade de competências administrativas”[20], da qual decorre a aceitação generalizada dos contratos sobre poderes públicos.

De facto, sem prejuízo dos limites específicos que estes contratos apresentam no que respeita à liberdade de celebração e à liberdade de estipulação – e que serão analisados infra nos pontos IV. e V. - os mesmos são, de um modo geral, admitidos pelo ordenamento jurídico português, desde logo porque se integram na liberdade de auto-organização de que gozam as entidades públicas.

Além disso, os contratos sobre competências são também contratos sobre o exercício de poderes públicos, na medida em que compreendem uma auto-vinculação das entidades públicas envolvidas quanto ao exercício de determinada(s) competência(s) e operem a sua transferência.

No entanto, o que distingue os contratos procedimentais dos contratos sobre competências é que nestes o objeto principal é a transferência de competências, enquanto nos primeiros a competência continua a ser exercida pela entidade à qual está legalmente cometida, embora esta se auto-vincule a fazê-lo de uma certa forma e com um conteúdo pré-determinado.

Em qualquer dos casos, os contratos sobre o exercício de poderes públicos só são admissíveis no âmbito da margem de livre decisão administrativa e são formas de limitação da mesma que resultam de uma auto-vinculação livremente assumida por parte da entidade administrativa, ao abrigo da sua autonomia pública e do princípio geral de permissibilidade de recurso ao contrato.

Assim, a celebração destes contratos – como de quaisquer outros – está implícita nas normas de competência material que não imponham expressa ou tacitamente a forma de acto administrativo para a produção de efeitos jurídicos[21].

Estes contratos criam verdadeiras obrigações jurídicas para as partes, mesmo que não tenham uma natureza estritamente patrimonial. Na verdade, para que as obrigações estabelecidas pelas partes sejam juridicamente vinculantes basta que o seu conteúdo seja preciso e que as prestações estejam bem determinadas ou, pelo menos, sejam determináveis, independentemente de terem ou não natureza patrimonial.

Efetivamente, essas prestações têm um valor económico, que corresponde à prossecução de interesses das partes, constituindo uma forma de “patrimonialidade de segundo grau”, que é a utilidade que se extrai do acordo - mesmo no Direito Civil, o artigo 391.º, n.º 2, do Código Civil, apenas exige que as prestações contratualizadas correspondam a um “interesse digno de protecção legal”, que pode ser ou não passível de avaliação pecuniária.

Caracterizados, do ponto de vista teórico, ambos os protocolos celebrados entre a AFN e a CMM, cumpre agora apreciar a sua validade, quer numa perspetiva orgânico-formal, que se prende com a admissibilidade da sua celebração, quer na vertente substantiva, quanto à legalidade do respetivo conteúdo.


IV. Validade orgânico-formal dos protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional e a Câmara Municipal de Moura

4. A permissibilidade geral de recurso a formas contratuais de atuação não significa a total ausência de limites à liberdade de celebração de contratos interadministrativos.

Em especial, os contratos interadministrativos sobre competências – como é o caso do Protocolo de 2009 – estão sujeitos a limites mais estritos no que toca à admissibilidade da sua celebração.

Esses limites decorrem, em primeiro lugar, da circunstância de as competências serem determinadas por lei, não podendo, por isso, ser alteradas por contrato.

Assim, estes contratos não podem transferir a titularidade da competência, mas apenas o seu exercício, a não ser que exista uma habilitação legal para o efeito.

No caso da transferência de atribuições e de competências entre o Estado e as autarquias locais, o artigo 8.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro[22], prevê a celebração de contratos para estabelecer parcerias com vista à melhor prossecução do interesse público, de acordo com o disposto nesse preceito[23]. Trata-se de contratos que sem alterarem o quadro de competências próprio de cada uma das entidades, visam a clarificação da repartição de competências, esclarecendo as disposições legais sobre a matéria ou firmando uma interpretação conjunta das mesmas, ou ainda estabelecendo formas de parceria e de atuação conjunta.

Apesar de estarem previstos no artigo 8.º da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, estes contratos não careceriam de habilitação expressa, uma vez que isso cabe na capacidade jurídica das entidades públicas, ao contrário do que acontece com os contratos de transferência da titularidade de competências.

Mas a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, prevê expressamente a possibilidade de o Estado transferir atribuições e competências para os municípios, de acordo com o disposto nos artigos 1.º e seguintes, admitindo-se, no caso das transferências não universais (ou seja apenas para uma ou algumas autarquias), a celebração de contratos para efetivar essa transferência (n.º 3 do artigo 6.º[24]).

Isto significa que, enquanto as transferências universais pressupõem a aprovação de um diploma específico e ainda a celebração de contratos com vista à sua concretização, as transferências não universais podem ser efetuadas mediante contrato, de acordo com o disposto neste preceito, que atua, assim, como norma de habilitação genérica.

Estas transferências consubstanciam delegações intersubjetivas de atribuições[25], que pressupõem, muitas vezes, uma colaboração subsequente entre as entidades envolvidas.

Conclui-se, assim, que existe um enquadramento genérico que permite a transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais, em cumprimento, aliás, do indirizzo constitucional no sentido da descentralização de poderes, constante dos artigos 237.º, n.º 1, e 267.º, n.º 2, da CRP.

Por outro lado, o facto de diversas normas legais preverem a contratualização da transferência de poderes entre entidades administrativas demonstra que essa relação jurídica não é incompatível com a contratualização, não sendo, por isso, afastada pelo artigo 278.º do CCP.

Este preceito consagra um princípio geral de permissibilidade de recurso ao contrato, “salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”.

Ora, não sendo a natureza das relações incompatível com a contratualização, como ficou demonstrado, resta saber se “outra coisa resulta da lei”.

Para tanto, cumpre analisar a legislação aplicável ao regime florestal.

5. O regime florestal ainda em vigor foi aprovado pelo Decreto de 24 de dezembro de 1901[26], cujas disposições mais relevantes se transcrevem de seguida.

O artigo 25.º define o conceito de regime florestal, o qual “compreende o conjunto de disposições destinadas a assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral maritimo.”

Por sua vez, o artigo 26.º determina que "[O] regime florestal, sendo essencialmente de utilidade pública incumbe, por sua natureza, ao Estado; pode, entretanto, sob a tutela deste, ser desempenhado auxiliar ou parcialmente pelas corporações administrativas, pelas associações ou pelos particulares individualmente.”

O regime florestal é total quando é “aplicado em terrenos do Estado, por sua conta e administração”, pelo que “[S]erão submetidos ao regime total os terrenos, dunas e matas que pertençam ao Estado, ou lhe venham a pertencer por título gratuito, ou oneroso, mediante expropriação nos termos legais” (artigos 26.º e 27.º).

O regime florestal é parcial quando é “aplicado em terrenos das Câmaras Municipais, Câmaras de agricultura, quando hajam sido constituídas, Juntas de paróquia, estabelecimentos pios, associações, ou dos particulares”, pelo que “[S]erão submetidos de direito e de facto ao regime parcial as matas e os terrenos que as corporações administrativas possuam ou venham a possuir e se encontrem nas condições do artigo 26.º, ficando subordinados aos serviços silvícolas nos termos do regulamento.” (artigos 26.º e 28.º).

“Quando as mesmas corporações não possam com os encargos da arborização e da exploração, serão estas feitas pelos serviços florestais, mediante decreto, como medida administrativa do Governo, e o produto líquido da exploração será dividido pelo Estado e pelas corporações respetivas, nos termos do regulamento ou do referido decreto” (artigo 28.º)”.

“Podem sujeitar-se ao regime parcial de polícia florestal, e mesmo a todo o regime florestal, os terrenos a coutar, arborizar ou em via de arborização, bem como as matas de um ou mais particulares, quando assim o requeiram ao Governo” (artigo 29.º).

“A submissão ao regime florestal faz-se por decreto publicado na folha oficial, a fim de produzir efeito perante os poderes públicos” (artigo 32.º).

Este diploma foi regulamentado pelo Decreto de 24 de Dezembro de 1903[27], salientando-se, com interesse para a presente Consulta, as seguintes disposições:

- o § 4.º do artigo 4.º, que reitera que “[A] submissão de quaisquer terrenos ou matas ao regime florestal far-se-ha por decreto publicado no Diário do Governo, a fim de produzir os devidos effeitos perante os poderes publicos”;
- o artigo 38.º, segundo o qual “[A]s matas ou terrenos sujeitos ao regime florestal deverão achar-se demarcados no prazo de seis meses, a contar da data de promulgação do decreto de submissão ao regime florestal”;
- o artigo 113.º, que estabelece que “[A]s matas dos corpos e corporações administrativas e as dos estabelecimentos pios, sujeitas ao regime florestal parcial, serão ordenadas por forma a satisfazer, quanto possivel, ao interesse dos povos locaes e das entidades que respectivamente os possuam, sem prejuizo dos preceitos e fins do mesmo regime florestal”;
- o artigo 117.º, que determina que “[N]as matas dos gremios, associações e particulares, sujeitas ao regime florestal parcial, o ordenamento é facultativo, e feito segundo as conveniências dos respectivos proprietarios, sem prejuízo dos preceitos e fins do mesmo regime”;
- o artigo 219.º, segundo o qual uma vez “[D]ecretada a inclusão de quaesquer terrenos de uma corporação ou de um corpo administrativo no regime florestal e decretado o respetivo plano de arborização, o mesmo corpo ou corporação fará, no prazo de trinta dias, a contar da data da publicação do decreto de inclusão, a declaração fundamentada de qual dos seguintes processos de arborização e exploração adota para a sujeição dos referidos terrenos: 1.Arborização e exploração por conta do Estado, feitas pelos serviços florestaes, tendo o corpo ou corporação administrativa parte nos lucros liquidos da mata; 2. Arborização e exploração feitas e custeadas pelo corpo ou corporação administrativa, pertencendo-lhe o lucro integral; 3. Expropriação do terreno, sua arborização e exploração feitas pelo Estado, em regime florestal total, pertencendo-lhe o lucro integral”;
- o artigo 225.º, que estabelece que “[V]erificado que qualquer corpo ou corporação administrativa não possui os recursos indispensáveis para ocorrer às despesas da arborização dos terrenos submetidos ao regime florestal e para a exploração das respectivas matas, decretar-se-á que essa arborização e exploração sejam feitas pelos serviços florestais, como medida administrativa do Governo, e que o produto líquido da exploração seja dividido pelo Estado e pelo corpo ou corporação administrativa, na época e pela forma que o decreto determinará em harmonia com o disposto neste regulamento”;
- o artigo 227.º, segundo o qual a divisão do rendimento líquido pelo corpo ou corporação administrativa e pelo Estado, a que se refere o artigo 225.º, será feita, em regra, em partes respetivamente proporcionais ao valor que tiverem os terrenos no momento da sua passagem para a posse do Estado, e à importância ou custo da arborização;
- o artigo 232.º, que determina que “[A] arborização dos terrenos dos corpos ou corporações administrativos e dos estabelecimentos pios, compreendidos nos perimetros do regime florestal serão feitas e custeadas pelos referidos corpos, corporações ou estabelecimentos, em conformidade com as disposições dos respectivos planos de arborização, e sob a fiscalização do silvicultor e chefe do regime florestal”.

E, posteriormente, foi aprovado o Decreto de 11 de julho de 1905[28], que aprovou instruções sobre o regime florestal nos terrenos e matas dos particulares.

Este diploma mantém as definições anteriores de regime florestal total e parcial e, quanto a este último, subdivide-o em três categorias - obrigatório, facultativo e de simples polícia, nos seguintes termos, constantes do artigo 3.º:

“1 - Diz-se obrigatório, quando os terrenos ou matas estão compreendidos na area de um polígono florestal cuja arborização haja sido declarada de utilidade pública por decreto, ou quando os terrenos e matas pertençam a corpos ou corporações administrativas;
2 - É facultativo, quando os terrenos ou matas não se encontram compreendidos nos perímetros de regime florestal, ou a sua arborização não tenha sido ainda decretada por utilidade pública, devendo os proprietários que o requeiram seguir determinado plano de arborização ou exploração superiormente aprovado;
3 - É de simples polícia florestal, quando os terrenos se encontram nos casos do número precedente e os respectivos proprietários se não obrigam a determinado plano de arborização ou exploração, mas somente às demais obrigações consignadas.”

Finalmente, o artigo 13.º reitera que “[T]anto a sujeição ao regime florestal como a exclusão desse mesmo regime é sempre feita por decreto.”

5.1. Este regime, obviamente desatualizado, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 254/2009, de 24 de setembro, que aprovou o Código Florestal.

No que ao regime florestal diz respeito, são de salientar dois aspetos, a saber:
- a manutenção dos conceitos de regime florestal total e parcial, mas acrescentando-se o regime florestal especial, sendo que o regime parcial destina-se a “propriedades florestais detidas por municípios, institutos públicos e empresas do setor empresarial do Estado” (artigo 30.º, n.º 5) e o regime especial é para espaços florestais privados (artigo 31.º, n.º 2);
- a regra segundo a qual a submissão e a desafetação de terrenos quer do regime florestal total, quer parcial, é determinada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das florestas, do ambiente, do ordenamento do território e da administração local, e do membro do Governo com a tutela das infra -estruturas referidas na alínea e) do n.º 2 do artigo 29.º[29] no caso de submissão destas, da qual consta em anexo uma informação cartográfica com a delimitação da área.

Contudo, o Código Florestal viria a ser revogado pela Lei n.º 12/2012, de 13 de março, que mantém em vigor – ou melhor, repristina - o quadro legal anterior.

De facto, apesar de o prazo de entrada em vigor do Código Florestal ter sido prorrogado duas vezes, pelas Leis n.º 116/2009, de 23 de dezembro, e n.º 1/2011, de 14 de janeiro, este acabou por vigorar entre janeiro de 2011 e 13 de março de 2012, data em que foi revogado pela já referida Lei n.º 12/2012, o que significa que o efeito revogatório produziu-se.

Por isso, apesar de o artigo 3.º da Lei n.º 12/2012, de 13 de março, referir que se “mantém em vigor” a legislação anterior, trata-se, em rigor de uma repristinação.

5.2. Do excurso acima efetuado resulta que, apesar da clara intenção do legislador de alterar o enquadramento legal da matéria, o regime florestal continua a ser regulado por diplomas do início do século, dos quais se retiram, com relevância para o presente Parecer, os seguintes aspetos essenciais:

i) apenas a submissão e a desafetação do regime florestal está sujeita à forma de decreto (artigos 32.º e 4.º, § 4 dos Decretos de 1901 e de 1903, respetivamente);
ii) existe uma regra geral segundo a qual a gestão dos perímetros integrados no regime florestal dos “corpos ou corporações administrativos e dos estabelecimentos pios” será feita, em princípio, por estes (artigo 232.º do Decreto de 1903);
iii) só assim não será “[Q]uando as mesmas corporações não possam com os encargos da arborização e da exploração, serão estas feitas pelos serviços florestais, mediante decreto, como medida administrativa do Governo, e o produto liquido da exploração será dividido pelo Estado e pelas corporações respetivas, nos termos do regulamento ou do referido decreto” (artigo 28.º)”.

Por sua vez, o artigo 225.º do Decreto de 1903 determina que a gestão pode ficar a cargo dos serviços florestais, “como medida administrativa do Governo, e que o produto líquido da exploração seja dividido pelo Estado e pelo corpo ou corporação administrativa, na época e pela forma que o decreto determinará em harmonia com o disposto neste regulamento” (artigo 225.º do Decreto de 1903).

Mas a parte final desta norma comporta o entendimento segundo o qual a forma de decreto só é necessária se, no mesmo ato, se proceder à afetação do terreno e à definição do respetivo regime de exploração. E este é o sentido imposto por uma interpretação atualista, como se demonstrará infra.

Efetivamente, o decreto a que se refere o artigo 225.º é, obviamente, o decreto de submissão do terreno ao perímetro florestal, não pressupondo, obrigatoriamente, a forma de decreto para a determinação das condições de gestão desse perímetro quando estas sejam definidas ou alteradas posteriormente.

5.3. A Herdade da Contenda, propriedade da CMM, foi integrada no regime florestal parcial através do Decreto de 8 de maio de 1959[30].

O Estado ficou com o encargo de efetuar a arborização e a exploração do terreno nas condições dos artigos 219.º e 227.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, acima referidos, estabelecendo-se que a divisão de lucros líquidos entre o Estado e a CMM se faria na proporção das despesas custeadas pelo Estado e do valor atribuído aos terrenos (artigo 2.º).
Saliente-se que este artigo 2.º do Decreto de 1959 não acrescenta nada ao disposto no artigo 227.º do Decreto de 1903, que determina exatamente isso: que a divisão de lucros entre o Estado e o proprietário é proporcional aos custos e ao valor do terreno.

Por sua vez, o artigo 3.º do Decreto de 1959 determina o montante da renda a pagar pelo Estado à CMM nos anos de 1959 e seguintes.

Posteriormente, aquele Decreto foi substituído pelo Decreto de 13 de abril de 1963[31], que apenas altera o montante a pagar pelo Estado à CMM nos anos de 1963 e seguintes.

Depois disso, as rendas referidas no artigo 3.º daqueles Decretos foram ainda alteradas pelos seguintes atos:

- Decreto n.º 42/83, de 21 de junho;
- Decreto n.º 21/89, de 11 de maio;
- Decreto n.º 34/96, de 22 de novembro.

Este último decreto determinou que “[A] compensação anual devida à Câmara Municipal de Moura é de 6 500 000$, atualizável anualmente pela aplicação do índice oficial de preços no consumidor, excluída a habitação”.

E, a partir dessa data, não foi publicado mais nenhum decreto com aquele conteúdo.

Saliente-se que, tendo estes decretos sido publicados após a aprovação e entrada em vigor da Constituição de 1976, a norma habilitante invocada [o artigo 202.º, alínea g)] corresponde, atualmente, ao artigo 199.º, alínea g), segundo o qual compete ao Governo “[P]raticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas”.

Isto significa – se dúvidas houvesse – que se trata de atos praticados no âmbito da função administrativa e que não têm natureza normativa, ou seja, são verdadeiros e próprios atos administrativos, aspeto que se assume de enorme relevância, em termos que se retomarão infra.

Por outro lado, apesar de se ter adotado a forma de decreto, este deixou de ser utilizado desde o momento em que o último decreto, de 1996, indexou a atualização das rendas ao índice oficial de preços no consumidor, pondo termo a uma prática que, à luz da Constituição de 1976, se revelava absolutamente anacrónica, tendo em conta a separação orgânico-funcional de poderes.


5.4. O enquadramento legal da matéria não ficaria, no entanto, completo sem a análise das leis orgânicas dos vários serviços da Administração central que, ao longo de todo este período, estiveram incumbidos de gerir e explorar as zonas sujeitas ao regime florestal.

Tendo os protocolos em apreço sido celebrados em 2006 e em 2009, respetivamente pela Direção-Geral dos Recursos Florestais (adiante designada abreviadamente DGRF) e pela Autoridade Nacional Florestal (adiante designada abreviadamente ANF) é apenas a partir da criação destas entidades que se procederá a essa análise.

A DGRF foi criada pelo Decreto-Lei n.º 80/2004, de 10 abril[32], e é definida como um “serviço executivo e central do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, dotado de autonomia administrativa, responsável pela conceção, execução e avaliação das políticas florestal, cinegética e aquícola das águas interiores” (artigo 2,º, n.º 1) e, entre outras atribuições, cabe-lhe “[A]plicar o regime florestal” [artigo 4.º, 1, n)].

E, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo 4.º, “[A] DGRF, diretamente ou por outras formas previstas na lei, assegura a gestão e promove a beneficiação e expansão do património florestal público e comunitário.”

Em 2008, foi criada a AFN pelo Decreto-Lei n.º 159/2008, de 6 de agosto[33], no quadro de uma alteração legislativa que tem como objetivo, afirmado no Preâmbulo daquele diploma, “possibilitar a gestão por parte de terceiros e promover a simplificação administrativa no âmbito dos produtos e recursos da floresta, como sejam a caça e a pesca em águas interiores” e, por isso, “[A] Autoridade Florestal Nacional impõe-se, assim, numa nova perspetiva de afirmação das funções essenciais do Estado, assegurando parcerias com as entidades ligadas ao sector e assegurando melhor a qualidade do serviço público”.

A AFN era um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa (artigo 1.º), cuja missão e atribuições, elencadas no artigo 3.º, incluem “P]romover a aplicação do Regime Florestal” [artigo 3.º, n.º 3, alínea c)] e “[A]ssegurar a gestão sustentável e a certificação das áreas sujeitas ao regime florestal” [artigo 3.º, n.º 3, alínea e)].

O n.º 6 deste artigo 3.º prevê a possibilidade de a AFN contratualizar com terceiros a gestão e a exploração de terrenos integrados no regime florestal, quer quando aqueles terrenos são propriedade do Estado (através de contrato de concessão), quer quando são propriedade de terceiros (protocolo de gestão)[34].

Sendo assim, por maioria de razão, a AFN poderia, mediante contrato, devolver a um Município a gestão de um terreno que é sua propriedade.

Esta entidade viria a ser extinta, sendo objeto de fusão e as suas atribuições integradas no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (adiante designado ICNF), nos termos da alínea h) do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro, que aprovou a orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT).

A orgânica do ICNF foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de junho, cujo Preâmbulo salienta não só as funções “executoras” deste Instituto, mas também as suas funções de coordenação “por via de linhas de cooperação ativa com os demais serviços e organismos da Administração Pública com atribuições nos setores das florestas, conservação da natureza e gestão do território, e através do lançamento de parcerias de ação com os agentes e instituições privadas, cooperativas e comunitárias”.

O ICNF integra-se na Administração indireta do Estado e é dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º, n.º 1) e “tem por missão propor, acompanhar e assegurar a execução das políticas de conservação da natureza e das florestas, visando a conservação, a utilização sustentável, a valorização, a fruição e o reconhecimento público do património natural, promovendo o desenvolvimento sustentável dos espaços florestais e dos recursos associados, fomentar a competitividade das fileiras florestais, assegurar a prevenção estrutural no quadro do planeamento e atuação concertadas no domínio da defesa da floresta e dos recursos cinegéticos e aquícolas das águas interiores e outros diretamente associados à floresta e às atividades silvícolas” (artigo 3.º, n.º 1).

E, de entre as suas atribuições, cumpre destacar a que está prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º: “[A]poiar a formulação e executar a política florestal nacional, concretizando os seus objetivos nos domínios da produção florestal, cinegético, silvopastoril, apícola, aquícola em águas interiores, bem como nos relativos a outros recursos e serviços da floresta, de modo a assegurar a gestão sustentável da floresta portuguesa e desenvolver e aplicar os planos, programas e ações necessários para tal, assim como as atividades de inventariação, monitorização e fiscalização das utilizações florestais e ainda do estabelecimento de sistemas de informação a eles relativos”.

Do exposto resulta que:
- a gestão e exploração dos terrenos integrados no regime florestal são, em princípio, atribuições dos serviços integrados na Administração direta ou indireta do Estado;
- que a legislação tem evoluído claramente no sentido da contratualização com terceiros para a prossecução dessas (e de outras) atribuições.

Ora, no caso dos terrenos sujeitos ao regime florestal que não são propriedade do Estado, quer sejam de outras entidades públicas (designadamente, municípios), quer de particulares, essa contratualização faz ainda mais sentido.


6. Efetuado este enquadramento, cumpre retomar a problemática em torno dos limites à liberdade de celebração e de estipulação dos protocolos acima referidos.

Tendo em conta o enquadramento jurídico acima efetuado, o principal problema que se coloca a propósito da validade orgânico-formal dos protocolos celebrados entre a AFN e a CMM prende-se com a forma de decreto que tem vindo a ser adotada quer para a integração de terreno no regime florestal, quer para a definição de diferentes aspetos do regime jurídico a que os mesmos ficam sujeitos, designadamente, a renda a pagar pelo Estado aos proprietários, quando se trate de terrenos que não sejam sua propriedade, e que não sejam geridos e explorados pelos proprietários.

Efetivamente, a Herdade da Contenda foi integrada no regime florestal parcial, em 1959, através de um decreto e, posteriormente, o respetivo regime tem vindo a ser alterado também por decreto, mesmo após a vigência da Constituição de 1976.

Aparentemente, isso é imposto pelos Decretos de 1901 e de 1903, ambos de 24 de dezembro.

Ora, na circunstância de o(s) protocolo(s) alterar(em) o regime estipulado nos Decretos de 1959 e de 1963 e, posteriormente, nos Decretos n.º 42/83, de 21 de junho, n.º 21/89, de 11 de maio, e n.º 34/96, de 22 de novembro, coloca-se a questão de saber se isso pode ser feito por contrato (inter)administrativo.

Cumpre, pois, equacionar essa questão, começando por uma análise concetual da figura do decreto.

6.1. Na história constitucional portuguesa, a figura do decreto tem um de três conteúdos possíveis[35]:
i) atos solenes e definitivos do órgão representativo;
ii) atos solenes e definitivos do poder executivo, pertencendo ao rei, na qualidade de titular do poder executivo, o direito de expedir decretos;
ii) atos do poder legislativo não definitivos.

À data em que os Decretos de 1901, 1903 e 1905 foram aprovados vigorava a Carta Constitucional de 1826, pelo que a adoção da forma de decreto para a definição do regime florestal só pode ter o sentido referido em ii), ou seja, enquanto ato solene do poder executivo, que era detido pelo Rei.

Atualmente, à luz da Constituição de 1976, o Chefe de Estado – o Presidente da República – continua a aprovar decretos, mas têm todos, sem exceção, um conteúdo político e não administrativo, como realça GOMES CANOTILHO[36]: “Todos estes decretos (…) são decretos políticos, representando uma das formas de exercício da competência do Presidente relativamente ao funcionamento de outros órgãos e para a prática de atos próprios”.

A natureza política – e não administrativa – dos decretos do Presidente da República é absolutamente consistente com o facto de, na CRP, o chefe de Estado não exercer, no quadro da separação orgânico-funcional de poderes estabelecida pela Constituição, a função executiva e, em especial, a função administrativa.

De facto, enquanto na Carta Constitucional, se estabelecia, no artigo 75.º, que “[O] Rei é o chefe do Poder Executivo, e o exercita através dos seus Ministros de Estado”, na CRP – ao arrepio, aliás, da tradição constitucional portuguesa, como salienta JORGE MIRANDA[37] - o Presidente da República não é o chefe do Poder Executivo, sendo, pelo contrário, o Governo o “órgão de condução da política geral do país”.

Daqui se retira, dentro da lógica do sistema de governo da atual CRP, que não faz sentido que o Presidente da República intervenha (ainda que com mera assinatura) num ato cujo conteúdo é estritamente administrativo e individual e concreto – como são os decretos que relativos à Herdade da Contenda[38] -, ou seja, que não assume a forma de decreto regulamentar, reservado para atuações normativas da função administrativa.

Por isso mesmo, a utilização da forma de decreto para fixar as rendas devidas pelo Estado a uma autarquia pela exploração de um terreno em regime florestal parcial é um anacronismo que exige uma interpretação atualista do preceito que, eventualmente, imponha a adoção dessa forma.

É verdade que a CRP mantém a referência aos decretos simples do Governo, nos seguintes preceitos:

- no artigo 19.º, n.º 1, alínea h), determinando a sua publicação no Diário da República;
- no artigo 134.º: “[C]ompete ao Presidente da República, na prática de atos próprios (…) promulgar e mandar publicar as leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares, assinar as resoluções da Assembleia da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do Governo” [alínea b) do preceito];
- no artigo 197.º, n.º 2, determinando que “[A] aprovação pelo Governo de acordos internacionais reveste a forma de decreto”, e;
- no artigo 201.º, n.º 2, segundo o qual “[O]s decretos-leis e os demais decretos do Governo são assinados pelo Primeiro-Ministro e pelos Ministros competentes em razão da matéria”.

Estas referências, pela sua exiguidade, acabam por não permitir delimitar o conteúdo dos atos a que a Constituição associa a forma de “decreto do Governo”, sendo certo que, por exemplo, aqueles através dos quais o Governo aprova acordos internacionais têm um conteúdo político.

Mas o que parece essencial para a Consulta em apreço é a natureza concreta dos decretos relativos à Herdade da Contenda e estes são, sem sombra de dúvida, materialmente atos administrativos.

É verdade que, independentemente do seu conteúdo, a CRP continua a associar ao decreto uma intervenção do Presidente da República e a publicação no Jornal Oficial.

No entanto, é exatamente essa solenidade que se afigura claramente anacrónica e dissonante com o sistema de governo gizado pela Constituição de 1976 se o conteúdo do decreto for um ato administrativo.

Por outras palavras: a natureza solene da forma de decreto torna-o inadequado, à luz da CRP, para a prática, pelo Governo, de atos administrativos, tendo em conta os argumentos expostos supra.

E é por isso que os Decretos de 1901, 1903 e 1905, entendidos no sentido de imporem a forma de decreto para a aprovação de atos administrativos, devem ser objeto de interpretação atualista à luz da CRP.

A interpretação atualista das normas é, aliás, expressamente acolhida na parte final do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, quando se refere “[à]s circunstâncias do tempo em que [a lei] é aplicada”, elemento que BATISTA MACHADO identifica como tendo uma “conotação atualista e, talvez deva afirmar-se, a referência que o artigo 9.º lhe faz significa que o legislador aderiu ao atualismo”[39].

E continua: “[N]ão tem que nos surpreender essa posição atualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na “unidade do sistema jurídico”[40].

Ora, a exigência de uma interpretação atualista é tanto maior quanto mais desatualizado estiver o diploma em apreço, o que é manifesto no caso vertente, porquanto se trata de decretos que têm mais de cem anos e que foram aprovados ao abrigo de uma Constituição que data de 1826 (no caso dos Decretos de 1901, 1903 e 1905) e da Constituição de 1933 (no caso dos Decretos de 1959 e 1963).

Tanto assim é, que o Código Florestal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 254/2009, de 24 de setembro, revogado em 2012, determinava o uso de portaria para a submissão e desafetação de terrenos do regime florestal total e parcial, nos termos do seu artigo 32.º, n.º 1[41].

E mesmo a forma de portaria apenas era exigida, naquele diploma, para a sujeição ou desafetação do terreno e não para a definição em concreto do respetivo regime de gestão.

6.2. Do exposto, resulta que quer a sujeição e afetação de terrenos ao regime florestal, quer, por maioria de razão, a definição do regime de exploração aplicável aos mesmos consubstanciam atos materialmente administrativos, para os quais a imposição da forma de decreto se afigura, à luz da CRP, inadequada.

Sendo assim, têm plena aplicação os princípios da permissibilidade geral de recurso ao contrato e da fungibilidade entre ato e contrato, que vigoram, atualmente, no ordenamento jurídico português e que estão consagrados no artigo 278.º do CCP.

Este preceito estabelece que “[N]a prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.”

Esta norma é semelhante à que constava do artigo 179.º do CPA, relativamente à qual referiam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRGO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM que “[D]o sistema de enumeração taxativa do Código Administrativo chegou-se, pois, a um regime de generalização da figura do contrato administrativo, posta a concorrer na criação de efeitos jurídicos que só estavam previstos e regulados como resultado ou fruto de decisões unilaterais ou de negócios jurídico-privados”[42].

No mesmo sentido, MARK KIRKBY afirma que “…a opção de formas de atuação deve ser enquadrada no campo da discricionariedade, interpretando-se o artigo 179.º do CPA e o artigo 278.º do CCP como habilitações legais para que a Administração possa, em cada momento, socorrer-se dos instrumentos que considere mais aptos para efetuar a composição dos interesses públicos e privados que se jogam no âmbito de um determinado procedimento administrativo”[43].

Aliás, é cada vez mais difícil definir qual a natureza das matérias que escapam à contratualização, em virtude da enorme expansão que a figura do contrato tem conhecido, mesmo em setores que lhe eram tradicionalmente vedados[44]. Tradicionalmente, consideram-se subtraídas à forma contratual apenas as matérias relacionadas com a justiça e a defesa nacional - vulgarmente designadas “missões de soberania” –, o Direito Administrativo sancionatório e o exercício de poderes de polícia administrativa ou de estatutos legais inderrogáveis[45].

Já se concluiu supra, no ponto 4. do presente Parecer, que a transferência de poderes entre entidades administrativas não é incompatível com a contratualização, pelo que a possibilidade de se celebrar um contrato interadministrativo cujo objeto é a transferência da gestão da Herdade da Contenda não é afastada pela parte final do artigo 278.º do CCP.

Mais: resulta dos Decretos de 1901, 1903 e 1905 que o princípio base subjacente aos mesmos é que a exploração das parcelas sujeitas ao regime florestal compete aos proprietários (cfr., designadamente, os artigos 28.º do Decreto de 1901 e 232.º do Decreto de 1903), a menos que não tivesse os meios para tal, caso em que o Estado o faria, mas sempre e apenas até ao momento em que o dito proprietário manifestasse o desejo de as explorar e gerir diretamente.

Resta saber “se outra coisa resulta[r] da lei”, que é a outra ressalva que o artigo 278.º do CCP consagra.

Quanto a esta ressalva, tem sido discutido na doutrina se o recurso ao contrato fica vedado se a lei determinar, em concreto, a prática de um ato administrativo unilateral.

E, nessa discussão, cumpre distinguir consoante a lei seja anterior ao CPA (cujo artigo 179.º era idêntico ao artigo 278.º do CCP) ou posterior.

No primeiro caso, acompanha-se integralmente a posição de MARK KIRKBY, quando defende que “…no período anterior à consagração expressa de um princípio de fungibilidade de instrumentos de atuação, o facto de o legislador prever a terminação do procedimento por ato administrativo não fornece qualquer indício de valoração negativa do instrumento contratual. Nestas situações, julgamos que, à luz de uma interpretação atualista, a expressa previsão legal de formas unilaterais de terminação do procedimento, deve, em princípio, ser desconsiderada, a menos que existam elementos interpretativos que nos levem a concluir que, em determinado caso, o legislador teria imposto a terminação unilateral, ainda que o princípio da fungibilidade de instrumentos já estivesse consolidado. Por exemplo, os preceitos especiais da legislação da função pública que prevêem a nomeação de funcionário por ato unilateral. Mas, na situação mais comum, em que as normas procedimentais, anteriores a 1996, se referem a decisões unilaterais por mera questão de hábito, isto é, porque o legislador não trabalhava num ambiente jurídico habituado ao contrato, deve, por regra, apenas operar a outra ressalva à autonomia contratual administrativa feita no artigo 179.º, relativa à incompatibilidade natural de relação a estabelecer com a atuação através de contrato”[46].

No segundo caso, ou seja, da legislação posterior à entrada em vigor do CPA, alguns Autores, como SÉRVULO CORREIA, remetem para a interpretação da norma legal em causa (“quando o preceito contiver a referência ao ato administrativo, terá o intérprete de verificar se a estatuição compreende efetivamente uma particularização da forma ou se a redação resulta apenas de um hábito mental de muitas décadas de ver no ato administrativo o único tipo legal de conduta administrativa conformadora de situações concretas”[47]), e outros Autores consideram que não se pode excluir o recurso à via contratual. Neste último grupo de Autores incluem-se MARK KIRKBY[48], BERNARDO AYALA[49] e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM. Estes últimos defendem esta posição “…não só por não haver razões para afastar a autonomia pública contratual da Administração que o legislador quis para vigorar em geral, mas pelo facto de (…) não ser de presumir que o legislador novo, ao prever a produção unilateral daquele efeito jurídico, tivesse sequer presente a existência do artigo 179.º do Código”[50].

Essa proibição de recurso ao contrato só poderia resultar, eventualmente, da imposição da forma de decreto, na medida em que o uso do contrato afastaria a intervenção do Presidente da República.

Ora, no ponto anterior demonstrou-se que a intervenção do Chefe de Estado no procedimento de aprovação de um ato administrativo é incoerente e injustificada à luz do sistema de governo consagrado na CRP e põe mesmo em causa o princípio da separação orgânico-funcional de poderes.

Assim, impõe-se uma interpretação atualista dos preceitos no sentido de afastar a necessidade de decreto ou, pelo menos, de a restringir à sujeição e desafetação dos terrenos do regime florestal, não a aplicando aos meios de gestão e à determinação das rendas a pagar pelo Estado, interpretação que, a parte final do artigo 225.º do Decreto de 1905 comporta, como se defendeu supra.

Por outro lado, sendo, obviamente, os diplomas em causa muito anteriores ao princípio da permissibilidade geral de recurso ao contrato e da fungibilidade das formas de atuação administrativa, têm plena aplicabilidade, no caso vertente, as considerações tecidas por MARK KIRKBY, citadas supra, sobre a necessidade de interpretação atualista das previsões legais, que, antes da vigência daqueles princípios no ordenamento jurídico português, estabeleciam a obrigatoriedade da adoção de formas unilaterais de atuação por parte da Administração Pública[51].


Conclui-se, assim, pela admissibilidade do uso da forma contratual para a transferência da gestão da Herdade da Contenda para o Município, e, consequentemente, pela validade orgânico-formal de ambos os protocolos celebrados entre a AFN e a CMM.

Acrescente-se que, além do mais, o Protocolo de 2009 (aquele que mais dúvidas colocaria por se traduzir na efetiva transferência de gestão, ao contrário do Protocolo de 2006) foi homologado por despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, de 28 de abril de 2009.


V. Legalidade substantiva das cláusulas dos Protocolos à luz da legislação aplicável e dos princípios gerais do Direito Administrativo

7. Admitida a celebração dos Protocolos, cumpre, agora, analisar quais são os limites à liberdade de estipulação dos mesmos para efeito de determinar a legalidade substantiva de algumas das suas cláusulas.

A natureza e o tipo de limites impostos à liberdade de estipulação das partes nos contratos celebrados entre entidades públicas dependem, como em qualquer contrato, do grau de pré-determinação normativa do conteúdo do contrato.

Por outras palavras, e pressupondo que está em causa um contrato tipificado na lei, depende do que a lei em concreto estabeleça quanto ao conteúdo do contrato e aos poderes das partes.

Todavia, as entidades públicas têm liberdade para, no âmbito da sua autonomia da vontade e do princípio geral de permissibilidade de recurso ao contrato, celebrar entre si contratos atípicos, isto é, que não estejam previstos em nenhuma norma legal, sem prejuízo dos limites à liberdade de celebração acima referidos.

Tal como quaisquer contratos, públicos ou privados, o respetivo objecto tem de ser possível no plano de facto e lícito juridicamente, nos termos gerais do artigo 280.º do Código Civil, têm de respeitar a legislação aplicável e, sendo contratos administrativos, estão ainda sujeitos aos limites decorrentes do artigo 281.º do CCP, que, sob a epígrafe “[P]roporcionalidade e conexão material das pestações contratuais” estabelece que “[O] contraente público não pode assumir direitos ou obrigações manifestamente desproporcionados ou que não tenham uma conexão material direta com o fim do contrato.”

É à luz destas regras que serão analisadas algumas cláusulas dos protocolos celebrados entre a AFN e a CMM, salientando-se, desde já, dois aspetos fundamentais.

Em primeiro lugar, essa análise será efetuada apenas com base na documentação que chegou a este Conselho, ao qual não cumpre, aliás, promover outras indagações no plano de facto.

Em segundo lugar, a apreciação circunscrever-se-á estritamente à legalidade e à validade de algumas cláusulas, não envolvendo quaisquer ponderações de mérito. Ou seja, apenas se apreciará a legalidade dos contratos, não se cuidando de saber se os mesmos são ou não “um bom negócio” para o Estado – o que, aliás, não caberia nunca no âmbito das competências deste órgão consultivo.


7.1. Apenas algumas cláusulas do Protocolo de 2009 suscitam dúvidas de legalidade.

Efetivamente, nenhuma das cláusulas do Protocolo de 2006 coloca tais dúvidas, atendendo a que se trata de um mero contrato de colaboração interadministrativa, através do qual as partes se comprometem a cooperar, mas sem introduzir quaisquer alterações à forma de gestão ou às condições de repartição das despesas e dos lucros decorrentes da exploração da terra, nem, tão pouco, às rendas a suportar pelo Estado.

Saliente-se, em especial, que a Cláusula 3.ª do Protocolo de 2006 reafirma que as partes se comprometem a respeitar os instrumentos de ordenamento da Herdade da Contenda, a saber: o regime florestal, a zona de caça nacional, a Rede Natura 2000 e o respetivo Plano sectorial e o Plano de Ordenamento (P0), contendo o Plano de Gestão.

E isto é integralmente mantido pelo Protocolo de 2009.

No que se refere a este último Protocolo – e considerando-se resolvida, nos termos acima desenvolvidos a questão relativa à admissibilidade da própria transferência da gestão -, afigura-se problemática a validade das seguintes cláusulas:

(i) A Cláusula 4.ª, que determina a repartição das despesas e das receitas com a exploração da Herdade;
(ii) A Cláusula 5.ª, que estabelece a renda regressiva a pagar pela AFN à CMM durante o período de transferência gradual da gestão, e;
(iii) A Cláusula 6.ª, que estipula que no fim do período de gestão conjunta, todas as benfeitorias realizadas pela AFN no Perímetro Florestal da Contenda e na Zona de Caça Nacional nele contida, revertem para a propriedade da CMM, bem como todos os bens móveis da AFN afetos à sua gestão.

Vejamos cada uma destas cláusulas com mais pormenor.

7.1.1. A introdução de modificações ao modo como de repartição das despesas e das receitas decorrentes da exploração da Herdade é uma decorrência lógica da transmissão da respetiva gestão.

De facto, estabelecendo o Protocolo uma transferência gradual da gestão da AFN para a CMM, o mesmo tem, necessariamente, de prever os termos em que os encargos e os lucros passarão, também gradualmente, a ser repartidos.

Assim, a Cláusula 4.ª determina que em 2009 a AFN ainda suportaria 100% das despesas, passando para uma repartição de 66% para a AFN e 33% para a CMM em 2010, para, em 2011 – último ano antes da transferência definitiva da gestão – essa distribuição se inverter, ficando 33% dos encargos para a AFN e 66% para a CMM.

Por sua vez, as receitas proporcionadas pela exploração do Perímetro e da Zona de Caça Nacional serão, nos termos do n.º 2 da mesma Cláusula, distribuídas em 10% para a AFN e 90% para a CMM até 2011.

Quanto à repartição de encargos resultante do n.º 1 desta cláusula parece razoável e proporcional, introduzindo o elemento de gradualismo que se afigura apropriado tendo em conta a transmissão, também gradual, da gestão da Herdade.

No que respeita às receitas originadas pela Zona de Caça Nacional, a circunstância de as mesmas serem distribuídas, logo desde o início da vigência do Protocolo – e não gradualmente – em 90% para a CMM e apenas 10% para a AFN suscita mais dúvidas, mas que se colocam no plano do mérito e não da estrita legalidade.

Efetivamente, isso não se afigura desproporcionado em termos que violem o disposto no artigo 281.º do CCP e não é proibido pelo regime jurídico aplicável à zona de caça.

A Zona de Caça Nacional do Perímetro Florestal da Contenda foi criada pelo Decreto-Lei n.º 377/89, de 26 de outubro, sob a administração da (à data) Direção-Geral de Florestas.

A Portaria n.º 191/2009, de 20 de fevereiro, veio estabelecer a possibilidade de as zonas de caça serem transferidas para as autarquias locais, com a reversão para estas da totalidade das receitas geradas pela zona de caça, razão pela qual a circunstância de essa transferência se operar através do Protocolo de 2009 (nos termos da Cláusula 1.ª) não coloca quaisquer reservas.

Aliás, mais tarde, o SEFDR veio a proceder a essa transferência, expressamente, através do Despacho do de 11 de julho de 2012, que se afigura, contudo, um ato meramente confirmativo, porquanto essa transferência já resultava do Protocolo de 2009, homologado por despacho do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, de 28 de abril de 2009.

Como refere FREITAS DO AMARAL, “[O] ato confirmativo é o ato administrativo pelo qual um órgão da Administração reitera e mantém em vigor um ato administrativo anterior”[52].

É verdade que, segundo documentos enviados ao Conselho, tratando-se de uma zona de caça integrada numa área protegida – como, alegadamente, será a Herdade da Contenda -, o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P. (INCB) deveria, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º da Portaria º 191/2009, de 20 de fevereiro, ter participado também no Protocolo.

Contudo, como esses mesmos documentos realçam, o INCB foi fundido com a AFN, dando origem ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP[53], e, por sua vez, o protocolo foi homologado pelo membro do Governo do qual depende este serviço.

Mais: o despacho através do qual se confirma a transferência da gestão da zona de caça (o Despacho do SEFDR de 11 de julho de 2012) é posterior à fusão acima referida.

Assim, a preterição da formalidade essencial que se prendia com a não participação do INCB no Protocolo de 2009 sempre teria de se considerar sanada.

7.1.2. Quanto à Cláusula 5.ª, esta estipula a renda regressiva que o Estado deve pagar à CMM, no seguintes termos: 50.000 € em 2009, 33.000 € em 2010 e 16.000 € em 2011 (num total de 99.000 €).

Após 2011, passando a gestão da Herdade inteiramente para a responsabilidade da CMM, o Estado deixaria de pagar qualquer renda ao Município.

A obrigação de o Estado pagar renda às autarquias proprietárias dos terrenos quando fique a explorar os perímetros integrados no regime florestal resulta dos Decretos de 1901, 1903 e 1905 e também do artigo 3.º do Decreto de 1959.

O pagamento de uma renda à autarquia justifica-se por duas razões: em primeiro lugar, porque a sujeição a este regime consubstancia um ónus que recai sobre a propriedade; em segundo lugar, porque, ficando o Estado a gerir esses terrenos, aufere as receitas que os mesmos produzam.

Assim, à medida que os encargos e os rendimentos provenientes do terreno passem a ser da autarquia, a renda que o Estado lhe deve pagar é proporcionalmente reduzida.

Daí a fixação de uma renda regressiva.

Naturalmente que não compete a este Conselho apreciar se a redução gradual da renda cobre a perda de receitas com a exploração da Herdade, mas essa questão não é de legalidade, mas sim de mérito.

Acrescente-se, contudo, que, segundo informações constantes de documentos enviados pelo Consulente, de acordo com o critério de atualização de rendas definido no Decreto n.º 34/96, de 22 de novembro, ou seja, o “índice oficial de preços no consumidor”, o valor das rendas a pagar nos anos de 2009, 2010 e 2011 seria o seguinte:
- 2009: 48.552,45 €;
- 2010: 48.066,92 €;
- 2011: 48.739,86 €.

A soma destes montantes perfaz um total de 145.359,23 €, ou seja, mais 46.359,23 € do que o valor total das rendas que o Estado deveria pagar ao Município nos termos da Cláusula 5.ª do Protocolo de 2009 (99.000 €).

Por outras palavras: da aplicação daquele Protocolo resulta que o Estado pagou menos 46.359,23 € de renda à CMM do que o montante que decorreria da aplicação do Decreto n.º 34/96, de 22 de novembro.

Esta redução do valor das rendas prende-se exatamente com a gradual transferência da gestão dos terrenos para o seu proprietário, ou seja, o Município de Moura.

Não existem, por isso elementos que ponham em causa a legalidade substantiva na Cláusula 5.ª do Protocolo de 2009.

7.1.3. Finalmente, quanto à Cláusula 6.ª, há dois problemas distintos.

O primeiro problema prende-se com a reversão para a CMM de todos os bens móveis da AFN afetos à gestão da Herdade, enquanto o segundo tem a ver com a reversão das benfeitorias realizadas pela AFN.

Quanto aos bens móveis, cumpre averiguar se existe legislação que proíba o Estado de alienar desta forma esses bens.

O Decreto-Lei n.º 307/94, de 21 de dezembro, que aprovou o regime jurídico dos bens móveis do domínio privado do Estado, autoriza a alienação gratuita, nos termos dos números 3 e 4 do artigo 9.º, que de seguida se transcrevem:

“3 – Por razões de interesse público devidamente fundamentadas e mediante parecer favorável da Direção-Geral do Património do Estado, poderá ser autorizada pelos dirigentes máximos dos serviços a alienação a título gratuito.
4 – É dispensado o parecer referido no número anterior quando o adquirente for uma pessoa coletiva pública, uma instituição particular de solidariedade social ou uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa.”

Ora, a celebração do protocolo com a CMM, no qual foi outorgante pela AFN o respetivo Presidente, equivale, obviamente, à autorização do dirigente máximo desse serviço para efeitos do n.º 3 do artigo 9.º, acima transcrito[54].

E, por sua vez, sendo a alienação gratuita em favor de uma pessoa coletiva pública – o Município de Moura – não é necessário o parecer favorável da Direção-Geral do Património.

Existe ainda um outro diploma legal que pode ser trazido à colação nesta matéria. Trata-se do Decreto-Lei n.º 170/2008, de 26 de agosto, que aprovou o regime jurídico do parque de veículos do Estado (PVE).

Este diploma aplica-se ao “parque de veículos do Estado” (artigo 1.º), sendo duvidoso que os tratores e alfaias agrícolas possam considerar-se incluídos neste conceito, tanto mais que, no artigo 2.º é referido também o conceito de “frota de automóveis”.

Mas, mesmo que se enquadrem as alfaias agrícolas naquele regime, o n.º 3 do artigo 25.º, em sede de aplicação no tempo, determina que “[A]os veículos que já se encontrem afetos aos respetivos serviços ou entidades utilizadores à data da entrada em vigor do presente decreto-lei não é aplicável o princípio da onerosidade da utilização”.

O alcance desta ressalva é duvidoso, mas admite o entendimento segundo o qual isso afastaria a aplicação das regras sobre alienação centralizada, através da Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP).

Porém, se for outro o entendimento, e na medida em que dos artigos 16.º e 17.º resulta que a alienação de veículos do PVE compete à ANCP, a Cláusula 6.ª poderia ser objeto de redução, nos termos dos artigos 285.º, n.º 3[55], do CCP e 292.º do CC, no sentido de se excluir da referência aos “bens móveis” aqueles que possam ser considerados “veículos” para efeitos de integração no PVE.

Ainda assim, esta não se afigura, contudo, a melhor solução, na medida em que existe, no ordenamento jurídico português, um princípio segundo o qual, quando um bem imóvel ou serviço é explorado por outrem que não o seu proprietário, os bens afetos à sua exploração revertem para o proprietário daqueles quando este (re)assuma a exploração dos mesmos.

A propósito das concessões de obras públicas e de serviços públicos, o CCP estabelece o seguinte:

“Artigo 419.º
Bens afetos à concessão
1 — À concessão corresponde um estabelecimento, que integra os bens móveis e imóveis afetos àquela e os direitos e obrigações destinados à realização do interesse público subjacente à celebração do contrato.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se afetos à concessão todos os bens existentes à data de celebração do contrato, assim como os bens a criar, construir, adquirir ou instalar pelo concessionário em cumprimento do mesmo, que sejam indispensáveis para o adequado desenvolvimento das atividades concedidas, independentemente de o direito de propriedade pertencer ao concedente, ao concessionário ou a terceiros.”

E, complementarmente, dispõem os n.ºs 3 e 4 do artigo 425.º do CCP:

“3 — No termo da concessão, revertem gratuitamente para o concedente todos os seus bens que integram o estabelecimento da concessão, obrigando-se o concessionário a entregá-los em bom estado de conservação e funcionamento, sem prejuízo do normal desgaste resultante do seu uso para efeitos de execução do contrato.
4 — No caso de o contrato prever a transferência, gratuita ou onerosa, para o concedente de bens do concessionário afectos à concessão, este é obrigado, no termo do prazo de vigência do contrato, a entregá-los livres de quaisquer ónus ou encargos, nos termos referidos na parte final do número anterior.”

Ora, não havendo legislação que regule especificamente outras formas de transferência da gestão de bens ou serviços de entidades públicas, no quadro de relações jurídico-administrativas estabelecidas entre si ou com particulares, o princípio subjacente aos preceitos acima transcritos, aplica-se no caso concreto. Efetivamente, sendo o Município o proprietário dos terrenos e estando o Estado a explorá-los, a situação é análoga à do concedente e do concessionário.

A segunda questão que se pode colocar relativamente à Cláusula 6.ª prende-se com o facto de esta prever a reversão para a CMM das benfeitorias realizadas pela AFN na Herdade da Contenda.

Também aqui não existe legislação específica sobre a matéria, podendo, no entanto, retirar-se uma regra geral do disposto nos artigos 1273.º e 1275.º do CC, respetivamente, quanto às benfeitorias necessárias e úteis e quanto às benfeitorias voluptuárias.

O possuidor de uma propriedade de terceiros tem o direito de ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias e de levantar as benfeitorias úteis, caso tal seja possível sem a deterioração da coisa. Caso contrário, tem direito a uma compensação segundo as regras do enriquecimento sem causa.

Quanto às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa fé tem o direito a levantá-las se tal não implicar deterioração da coisa, caso contrário, não tem direito a qualquer compensação.

Contudo, estando em causa a exploração de um terreno afeto ao interesse público, o regime jurídico definido pelos artigos 1273.º e 1275.º do CC deve ser recortado negativamente pelo disposto em matéria de concessões, à luz, designadamente, dos n.ºs 1 e 2 do artigo 419.º do CCP, acima transcrito.

Por outras palavras: as benfeitorias que se traduzam em “bens a criar, construir, adquirir ou instalar pelo concessionário em cumprimento do mesmo [contrato de concessão], que sejam indispensáveis para o adequado desenvolvimento das atividades concedidas, independentemente de o direito de propriedade pertencer ao concedente, ao concessionário ou a terceiros” (parte final do n.º 2 do artigo 419.º do CC) nunca podem ser levantadas pelo concessionário/possuidor.

Do disposto conclui-se que a AFN poderia optar por levantar ou pedir uma indemnização à CMM pelas benfeitorias necessárias e úteis que tivesse realizado e que não se enquadrem na parte final do n.º 2 do artigo 419.º do CCP, mas a circunstância de não o ter feito não constitui uma ilegalidade, sendo passível de valoração apenas ao nível do mérito, uma vez que cabe ainda no âmbito da margem de liberdade de que a Administração Pública goza.


VI. Breve apontamento sobre os efeitos da execução do contrato

8. As considerações que se tecem neste ponto do presente Parecer não são colocadas na Consulta, nem poderiam ser, uma vez que a mesma foi solicitada antes do decurso dos prazos de execução do Protocolo de 2009.

No entanto, não se pode ignorar, neste momento, que, se aquele Protocolo tiver sido executado, o processo gradual de transferência da gestão da Herdade da Contenda para o Município de Moura concluiu-se em 31 de dezembro de 2011, de acordo com o disposto no n.º 1 da Cláusula 2.ª.

Por isso – continuando a presumir-se que o Protocolo foi cumprido -, o mesmo ter-se-á extinguido pelo seu cumprimento, nos termos do artigo 330.º, alínea a) do CCP.

Aliás, no Ofício n.º 1574/2012, de 12 de junho, transcrito no início do presente Parecer, é referido que “…por efeito daquele Protocolo de 2009, a Câmara Municipal de Moura assumiu desde 1 de janeiro do corrente ano a gestão plena daquela propriedade.”

Sendo assim, afigura-se problemático que o Estado venha invocar agora invalidades que ponham em causa o contrato, sob pena de violação do princípio da boa fé.

De facto, poder-se-ia estar quer perante uma situação de venire contra factum proprium, quer de tu quoque.

O venire contra factum proprium “traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente”[56].

Por sua vez, o tu quoque define-se como a regra segundo a qual “a pessoa que viole uma norma jurídica não poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído”[57].

No caso vertente, o Estado ter-se-ia comportado durante toda a duração do Protocolo como se não pretendesse invocar eventuais invalidades deste – à qual ele próprio deu azo – e viria, já após a sua extinção, invocá-las com vista a obstar à integral produção dos seus efeitos.

Assim, apesar de se ter concluído pela validade orgânico-formal dos Protocolos e pela validade substantiva das suas cláusulas, não deixa de se ressalvar que o entendimento oposto sempre teria de ter em conta os efeitos do cumprimento, da posição assumida pelo Estado durante a execução do contrato e o próprio decurso do tempo.


VII. Conclusões

Termos em que se retiram as seguintes conclusões:

1. Os Protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional - atual Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. - e o Município de Moura em 3 de julho de 2006 e em 25 de março de 2009 são contratos interadministrativos de cooperação (no primeiro caso) e de cooperação e de transferência de competências (no segundo caso).

2. Existe, no ordenamento jurídico, um enquadramento genérico, decorrente da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, que permite a transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias locais, em cumprimento do indirizzo constitucional de descentralização de poderes, constante dos artigos 237.º, n.º 1, e 267.º, n.º 2, da CRP.

3. A natureza da relação jurídica que se estabelece com a transferência de poderes entre entidades administrativas não é incompatível com a contratualização, não sendo, por isso, afastada pelo artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos.

4. Os Decretos de 24 de dezembro de 1901, 24 de dezembro de 1903 e 11 de julho de 1905, que aprovaram o regime florestal ainda em vigor, estabelecem a forma de decreto para a sujeição e desafetação dos terrenos àquele regime. Contudo, na parte em que os mesmos determinam que a prática de atos estritamente administrativos, individuais e concretos - designadamente, a fixação das rendas e dos critérios de repartição de receitas e despesas -, também deve adotar a forma de decreto, impõe-se uma interpretação atualista, admitida pela parte final do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil.

5. Tratando-se de atos materialmente administrativos, têm plena aplicabilidade os princípios da permissibilidade geral de recurso ao contrato e da fungibilidade entre ato e contrato consagrados no artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos, pelo que essa opção deve ser enquadrada no campo da discricionariedade administrativa. Por isso, sendo o quadro normativo que impõe uma forma de atuação unilateral anterior à consagração expressa daqueles princípios, o facto de o legislador determinar a adoção de um ato unilateral não fornece qualquer indício de valoração negativa do instrumento contratual.

6. Admite-se, assim, a celebração do Protocolo de 2009, que operou a transferência da gestão da Herdade da Contenda para o Município de Moura, pelo que ambos os Protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional e a Câmara Municipal de Moura são válidos, no plano orgânico-formal.

7. Face aos elementos constantes do processo, as cláusulas 4.ª, 5.ª e 6.ª do Protocolo de 2009, não violam a legislação aplicável, nem padecem de quaisquer vícios substantivos que ponham em causa a legalidade das mesmas.


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2013.

Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão (Relatora) – Manuel Pereira Augusto de Matos – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira (Com voto vencida em anexo) – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita – Lourenço Gonçalves Nogueiro.



(Maria Manuela Flores Ferreira) – Votei vencida pelas razões que constam do projeto do parecer que apresentei na sessão de 6 de dezembro de 2012 e que, dada a divergência quer quanto à delimitação do objeto da consulta quer quanto à substância do parecer, se entende ser adequado reproduzir praticamente na íntegra, com exceção da parte em que se reproduzia o texto dos protocolos em questão.


I


Foi solicitado, nos termos da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público, parecer a este Conselho Consultivo sobre a legalidade da análise e soluções preconizadas nos protocolos celebrados entre a Autoridade Florestal Nacional (ex-Direção-Geral dos Recursos Florestais) e a Câmara Municipal de Moura para a Herdade da Contenda.



II


Antes do mais, impõe-se, porém, dar conta de que, tendo-se solicitado cópia do despacho, com vista a um melhor enquadramento, foi-nos remetida a seguinte resposta[58]:

«Relativamente ao assunto acima epigrafado cumpre-me informar V. Exa. que foi solicitada informação à Senhora Chefe do Gabinete do ex-Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, relativamente ao despacho referido naquele ofício.

A informação prestada foi a seguinte:

“A remessa ao Conselho Consultivo da PGR foi determinada pelo Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, uma vez que o mesmo tinha sérias dúvidas sobre a legalidade de algumas cláusulas insertas no protocolo uma vez que não se assegurava de forma cabal o ressarcimento dos investimentos realizados pelo Estado (serviços florestais) durante mais de 60 anos naquela propriedade da Câmara Municipal de Moura, e não se acautelava o interesse público e a defesa do património do Estado.

Tratou-se de uma determinação do Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, sem que tenha havido um despacho formalmente exarado em qualquer informação, entendendo a signatária que tal determinação é absolutamente válida e no pleno exercício dos poderes inerentes ao cargo e às funções daquele membro do Governo, porquanto se tratou de pedir ao Ministério Público, enquanto entidade guardiã do interesse do Estado, que aferisse a legalidade do referido protocolo”.»

Na sequência, solicitou-se, caso se mantivesse interesse na emissão de parecer, que nos fosse prestada informação sobre quais as questões que se pretendia ver esclarecidas, «devendo ser remetidos os elementos atinentes, e, de todo o modo os elementos que antecederam os protocolos, designadamente despacho relativamente aos bens móveis (cfr. cláusula 6.ª do Protocolo de 25 de março de 2009)», e mais se solicitou informação sobre desenvolvimentos posteriores aos protocolos de 3 de julho de 2006 e de 25 de março de 2009[59].

Assim, foi-nos comunicado o seguinte:

«Com referência ao V/ ofício à margem identificado, encarrega-me Sua Excelência o Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural de comunicar a V. Exa. a manutenção de interesse na emissão de Parecer por esse Conselho Consultivo, relativamente ao assunto em epígrafe, pretendendo ver esclarecidas as questões relativas à legalidade da operação de transferência de gestão da referida propriedade da Herdade da Contenda, operada pela AFN, com simples homologação do então Senhor Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas.

Relativamente à segunda questão, mais se informa que, não houve desenvolvimentos relativamente aos protocolos referidos sendo que atualmente está a ser concertada, entre este Gabinete e as várias entidades e organismos com interesse naquele território, a melhor solução no sentido da salvaguarda da legalidade da operação de transferência de gestão, dado que por efeito daquele Protocolo de 2009, a Câmara Municipal de Moura, assumiu desde 1 de janeiro do corrente ano a gestão plena daquela propriedade.»[60]

Na presente consulta estará, pois, em causa a apreciação da ”legalidade da operação de transferência de gestão da referida propriedade da Herdade da Contenda, operada pela AFN, com simples homologação do então Senhor Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas”.



III


1. Conforme se retira, aliás, do Protocolo de 3 de julho de 2006 atrás referenciado, a Herdade da Contenda, pertencente à Câmara Municipal de Moura, foi submetida ao regime florestal parcial por Decreto de 8 de maio de 1959[61], posteriormente substituído pelo Decreto de 13 de abril de 1963[62].
E a renda fixada no artigo 3.º deste Decreto foi sendo sucessivamente alterada[63], passando, pelo Decreto n.º 34/96, de 22 de novembro, aquele preceito a ter a seguinte redação:

«Artigo 3.º
A compensação anual devida à Câmara Municipal de Moura é de 6 500 000$, actualizável anualmente pela aplicação do índice oficial de preços no consumidor, excluída a habitação.»


2. O regime florestal foi enquadrado no Decreto de 24 de dezembro de 1901[64], mais precisamente na sua Parte VI com a epígrafe organização dos serviços florestais e aquícolas externos.

O Artigo 25.º[65] define o regime florestal que «compreende o conjunto de disposições destinadas a assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral marítimo».

O regime florestal, sendo essencialmente de utilidade pública, incumbe por sua natureza ao Estado; pode entretanto, sob a tutela deste, ser desempenhado auxiliar ou parcialmente pelas corporações administrativas, pelas associações, ou pelos particulares individualmente (artigo 26.º).

E o regime florestal é total ou parcial, conforme é respetivamente aplicado em terrenos do Estado, por sua conta e administração, ou em terrenos das câmaras municipais, câmaras de agricultura, quando hajam sido constituídas, juntas de paróquia, estabelecimentos pios, associações, ou dos particulares (§ único do artigo 26.º).

São submetidos ao regime total os terrenos, dunas e matas que se encontrem nas condições do artigo 26.º e pertençam ao Estado, ou lhe venham a pertencer por título gratuito, ou oneroso, mediante expropriação nos termos legais (cfr. artigo 27.º).

São submetidos de direito e de facto ao regime parcial as matas e os terrenos que as corporações administrativas possuam ou venham a possuir e se encontrem nas condições do artigo 26.º; ficando subordinados aos serviços silvícolas nos termos do regulamento (cfr. artigo 28.º). Quando as mesmas corporações não possam com os encargos da arborização e da exploração, serão estas feitas pelos serviços florestais, mediante decreto, como medida administrativa do governo, e o produto líquido da exploração será dividido pelo Estado e pelas corporações respetivas, nos termos do regulamento ou do referido decreto, dando a parte que couber ao Estado entrada no Banco de Portugal, ou suas agências, nos termos do artigo 45.º, para ter a aplicação designada no mesmo artigo (cfr. § único do artigo 28.º).

E, nos termos do artigo 32.º, a submissão ao regime florestal faz-se por decreto publicado na Folha Oficial, a fim de produzir efeito perante os poderes públicos[66].

O Regulamento para a execução do regime florestal conforme o decreto de 24 de dezembro de 1901[67], partindo de que o regime florestal se divide em total e parcial (artigo 3.º), estabelece que o regime florestal total tende a subordinar o modo de ser da floresta ao interesse geral, isto é, aos fins de utilidade nacional que constituem a causa primária da sua existência ou criação (§ 1.º do artigo 3.º) e que o regime florestal é parcial quando subordinando a existência da floresta a determinados fins de utilidade pública, permite contudo que na sua exploração sejam atendidos os interesses imediatos do seu possuidor (§ 2.º do artigo 3.º).

De acordo com o § 4.º do artigo 4.º, a submissão de quaisquer terrenos ou matas ao regime florestal far-se-á por decreto publicado no Diário do Governo, a fim de produzir os devidos efeitos perante os poderes públicos, nos termos do artigo 32.º da parte VI do citado decreto de 24 de dezembro de 1901.

No que agora nos interessa, importa atentar no artigo 225.º[68] que dispõe:

«Verificado que qualquer corpo ou corporação administrativa não possui os recursos indispensáveis para ocorrer às despesas da arborização dos terrenos submetidos ao regime florestal e para a exploração das respetivas matas, decretar-seá, nos termos do § único do artigo 28.º da parte VI da organização dos serviços agrícolas, que essa arborização e exploração sejam feitas pelos serviços florestais, como medida administrativa do Governo, e que o produto líquido da exploração seja dividido pelo Estado e pelo corpo ou corporação administrativa, na época e pela forma que o decreto determinará em harmonia com o disposto neste regulamento.»

E, nos termos do corpo do artigo 227.º, a divisão do rendimento líquido pelo corpo ou corporação administrativa e pelo Estado, a que se refere o artigo 225.º, será feita, em regra, em partes respetivamente proporcionais ao valor que tiverem os terrenos no momento da sua passagem para a posse do Estado, e à importância ou custo da arborização.

Em conformidade com o corpo do artigo 228.º, os serviços de arborização dos terrenos dos corpos ou corporações administrativas, no caso de que trata o n.º1 do artigo 219.º, e bem assim a exploração e conservação das matas e pastagens criadas nos mesmos terrenos, enquanto não sejam entregues ao serviço da exploração, serão dirigidos pelo silvicultor chefe da arborização das dunas, ou pelo silvicultor, chefe da arborização das serras, segundo os respetivos terrenos estejam situados no litoral ou no interior, e serão executados conforme os competentes planos definitivos.

E, como estatui o § único daquele artigo 228.º, «[a] entrega das matas e pastagens, a que se refere este artigo, ao serviço de exploração far-se-á nos termos do artigo 135.º deste regulamento.»

Ora, nos termos do artigo 135.º, a exploração e conservação das matas e respetivas pastagens, criadas pelo serviço de arborização, estará a cargo do silvicultor chefe do referido serviço, enquanto as mesmas matas não hajam passado para o serviço de exploração, nos termos do artigo 5.º da parte VI do decreto orgânico dos serviços agrícolas.

Este preceito[69], por sua vez, estabelecia que «[a] arborização das serras desempenha todos os serviços relativos aos perímetros de arborização, que têm por fim a simples criação de matas, ou pastagens, em terras firmes, e bem assim a sua exploração e conservação até que o serviço de estudo e ordenamento proponha e o Governo aprove que o perímetro passe para o serviço de exploração».

É também de referir que pelo Decreto de 11 de julho de 1905[70] foram decretadas as instruções sobre o regime florestal e matas dos particulares, em consonância com as já definidas nos decretos de 1901 e 1903.

Assim, no artigo 1.º, o regime florestal volta a ser definido nos mesmos termos do artigo 25.º do Decreto de 1901.

E no artigo 2.º proclama-se que «[o] regime florestal é total ou parcial, conforme é respetivamente aplicado em terrenos do Estado, por sua conta e administração, ou em terrenos das câmaras municipais, câmaras de agricultura, quando hajam sido constituídas, juntas de paróquia, estabelecimentos pios, associações, ou dos particulares».

O Artigo 3.º preceitua:

«O regime florestal parcial, compreende três categorias – obrigatório, facultativo e de simples polícia, nos seguintes termos:
1. Diz-se obrigatório, quando os terrenos ou matas estão compreendidos na área de um polígono florestal cuja arborização haja sido declarada de utilidade pública por decreto, ou quando os terrenos e matas pertençam a corpos ou corporações administrativos.
2. É facultativo, quando os terrenos ou matas não se encontram compreendidos nos perímetros de regime florestal, ou a sua arborização não tenha sido ainda decretada por utilidade pública, devendo os proprietários que o requeiram seguir determinado plano de arborização ou exploração superiormente determinado.
3. É de simples polícia florestal, quando os terrenos se encontram nos casos do número precedente e os respetivos proprietários se não obrigam a determinado plano de arborização ou exploração, mas somente às demais obrigações consignadas.»

E no artigo 13.º consigna-se que tanto a sujeição ao regime florestal como a exclusão desse mesmo regime é sempre feita por decreto.

Posteriormente, de entre os diplomas atinentes ao regime florestal cabe referir a Lei n.º 2069, de 24 de abril de 1954, que promulgou a lei «sobre beneficiação de terrenos cuja arborização seja indispensável para garantir a fixação e a conservação do solo» e, mais recente, a Lei n.º 33/96, de 17 de agosto, que aprovou a Lei de Bases da Política Florestal.

Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 254/2009, de 24 de setembro[71], aprovou o Código Florestal, publicado em anexo.

Porém, aquele diploma, após sucessivas prorrogações do prazo de entrada em vigor[72], viria a ser revogado pela Lei n.º 12/2012, de 13 de março.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 254/2009, que começa por referir que o serviço público florestal existe, em Portugal, como entidade autónoma, desde 1824, depois de um breve traçado da evolução do setor florestal, consignou-se que «[o] Governo decidiu criar a Autoridade Florestal Nacional, uma nova entidade com uma nova lei orgânica, que tem nas respetivas missões públicas a valorização das fileiras florestais, impondo-se, assim, numa nova perspetiva de afirmação das funções essenciais do Estado, assegurando parceiras com as entidades ligadas ao setor e assegurando melhor qualidade do serviço público».

E no título V, com a epígrafe Regime florestal, do Código Florestal, o artigo 26.º (conceito do regime florestal) dispunha:

«O regime florestal é o conjunto de incidências e de regras especiais de gestão dos espaços florestais, aplicado a territórios demarcados com o objetivo de salvaguardar os recursos presentes em áreas florestais sensíveis, os investimentos públicos ou privados ou enquadrar intervenções territoriais, garantindo a defesa do interesse público.»

Por sua vez, o artigo 28.º prescrevia que o regime florestal pode ser dos seguintes tipos: regime florestal total, regime florestal parcial; e regime florestal especial [cfr. n.º 1, alíneas a), b) e c)], considerando-se todas as matas públicas e comunitárias submetidas ao regime florestal total ou parcial (cfr. n.º 2).

E, de acordo com o n.º 5 do artigo 30.º, dedicado ao regime florestal parcial, «[p]odem ser incluídas no regime florestal parcial as propriedades florestais detidas por municípios, institutos públicos e empresas do setor empresarial do Estado cujas características o aconselhem, mediante proposta conjunta da respetiva gestora e da AFN e parecer favorável do Conselho Florestal Nacional».

No que tange à submissão e desafetação de terrenos, o n.º 1 do artigo 32.º estatuía que «[a] submissão de terrenos ao regime florestal total e parcial, bem como a sua desafetação, é determinada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das florestas, do ambiente, do ordenamento do território e da administração local, e do membro do Governo com a tutela das infra-estruturas referidas na alínea e) do n.º 2 do artigo 29.º no caso de submissão destas, da qual consta em anexo uma informação cartográfica com a delimitação da área».

Todavia, conforme já se assinalou, o Decreto-Lei n.º 254/2009 foi revogado pela Lei n.º 12/2012 (cfr. artigos 1.º e 2.º), que produziu efeitos à data da entrada em vigor daquele decreto-lei (cfr. n.º 1 do artigo 3.º) e manteve em vigor o quadro legal existente à data da publicação do mesmo decreto-lei (cfr. n.º 2 do artigo 3.º).

Assim, mantém-se o regime florestal delineado pelos acima referidos Decretos de 24 de dezembro de 1901, de 24 de dezembro de 1903 e de 11 de julho de 1905[73].


3. No que concerne às autoridades florestais e que interessará à economia do presente parecer, é de referir que pelo Decreto-Lei n.º 80/2004, de 10 abril[74], foi criada a Direção-Geral dos Recursos Florestais (DGRF), investindo-a nas funções de autoridade florestal nacional[75].

Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º daquele Decreto-Lei, «[a] DGRF é um serviço executivo e central do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, dotado de autonomia administrativa, responsável pela conceção, execução e avaliação das políticas florestal, cinegética e aquícola das águas interiores».

E, de entre as atribuições da DGRF elencadas no n.º 1 do artigo 4.º, destaca-se a aplicação do regime florestal [cfr. alínea n)].

Na qualidade de autoridade florestal nacional, cabe à DGRF colaborar na definição da política florestal nacional [cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º].

E, de acordo com o n.º 3 do citado artigo 4.º, «[a] DGRF, diretamente ou por outras formas previstas na lei, assegura a gestão e promove a beneficiação e expansão do património florestal público e comunitário».

No Decreto-Lei n.º 209/2006, de 27 de outubro[76], que aprovou a orgânica do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, o artigo 13.º dispõe:

«Artigo 13.º

Direção-Geral dos Recursos Florestais

1 – A Direção-Geral dos Recursos Florestais, abreviadamente designada por DGRF, tem por missão promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais e dos espaços associados e, ainda, dos recursos cinegéticos, apícolas e aquícolas das águas interiores, através do conhecimento da sua evolução e fruição, garantindo a sua proteção, conservação e gestão, promovendo os equilíbrios intersectoriais, a responsabilização dos diferentes agentes e uma adequada organização dos espaços florestais, assim como a melhoria da competitividade das indústrias que integram as várias fileiras florestais, bem como a prevenção estrutural, atuando de forma concertada no planeamento e na procura de estratégias conjuntas no domínio da defesa da floresta contra incêndios, sendo o serviço investido nas funções de autoridade florestal nacional.
2 – A DGRF prossegue as seguintes atribuições:

a) Participar na formulação das políticas florestal, cinegética, apícola e aquícola das águas interiores e propor as medidas necessárias à sua concretização;
b) Coordenar e apoiar a execução da política florestal, no âmbito da Estratégia Florestal Nacional, nomeadamente nos domínios do ordenamento e da proteção florestal, da produção, transformação e comercialização dos produtos da floresta, bem como da apicultura, dos recursos cinegéticos e aquícolas das águas interiores;
c) Promover o desenvolvimento integrado do setor e das indústrias florestais com vista à harmonização das componentes de produção de bens, prestação de serviços, transformação e comercialização;
d) Participar na definição das medidas financeiras de apoio ao setor florestal e acompanhar a sua execução, bem como o acompanhamento e avaliação técnica dos projetos de investimento florestais apoiados por fundos públicos;
e) Apoiar a gestão florestal sustentável através do Fundo Florestal Permanente;
f) Promover a prevenção estrutural, nas vertentes da sensibilização, planeamento, organização do território florestal, silvicultura, infraestruturação, reabilitação e recuperação, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, desenvolvendo ações e programas com vista à adequada proteção da floresta contra incêndios florestais, contribuindo para a minimização da área ardida e do número de ocorrências, através, nomeadamente, da operacionalização de sistemas de prevenção;
g) Desenvolver as funções da atividade florestal nacional, colaborando na definição e execução da política florestal nacional e assegurar a sua execução, bem como normalizar, informar e fiscalizar a atividade dos agentes interventores, públicos e privados.

3 – A DGRF é dirigida por um diretor-geral, coadjuvado por cinco subdiretores gerais.»

E no Decreto Regulamentar n.º 10/2007, de 27 de fevereiro, que aprovou a orgânica da Direção-Geral dos Recursos Florestais, concretizando o esforço de racionalização estrutural consagrado no Decreto-Lei n.º 209/2006[77], a DGRF é objeto de reestruturação, mantendo-se como serviço central da administração direta do Estado, investida das funções de autoridade florestal nacional nos termos do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 33/96[78].

No artigo 2.º, a missão e atribuições da DGRF são delineadas da seguinte forma:

Artigo 2.º

Missão e atribuições

1 – A DGRF tem por missão promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais e dos espaços associados e, ainda, dos recursos cinegéticos, apícolas e aquícolas das águas interiores, através do conhecimento da sua evolução e fruição, garantindo a sua proteção, conservação e gestão, promovendo os equilíbrios intersectoriais, a responsabilização dos diferentes agentes e uma adequada organização dos espaços florestais, assim como a melhoria da competitividade das indústrias que integram as várias fileiras florestais, bem como a prevenção estrutural, atuando de forma concertada no planeamento e na procura de estratégias conjuntas no domínio da defesa da floresta contra incêndios, assumindo as funções de autoridade florestal nacional.
2 – A DGRF prossegue as seguintes atribuições:

a) Participar na formulação e concretização das políticas florestal, cinegética, apícola e aquícola das águas interiores e propor as medidas necessárias à sua concretização;
b) Coordenar e apoiar a execução da política florestal, no âmbito da Estratégia Nacional para as Florestas, nomeadamente nos domínios do ordenamento e da proteção florestal, da produção, transformação e comercialização dos produtos da floresta, bem como da apicultura, dos recursos cinegéticos e aquícolas das águas interiores;
c) Participar, de forma articulada com o Gabinete de Planeamento e Políticas, em atividades de âmbito comunitário e internacional relativas ao setor florestal;
d) Promover o desenvolvimento integrado do setor e das indústrias florestais com vista à harmonização das componentes de produção de bens, prestação de serviços, transformação e comercialização;
e) Participar na definição das medidas financeiras de apoio ao setor florestal e acompanhar a sua execução, bem como o acompanhamento e avaliação técnica dos projetos de investimento florestais apoiados por fundos públicos;
f) Apoiar a gestão florestal sustentável através do Fundo Florestal Permanente;
g) Promover a prevenção estrutural, nas vertentes da sensibilização, planeamento, organização do território florestal, silvicultura, infraestruturação, reabilitação e recuperação, no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, desenvolvendo ações e programas com vista à adequada proteção da floresta contra incêndios florestais, contribuindo para a minimização da área ardida e do número de ocorrências, através, nomeadamente, da operacionalização de sistemas de prevenção;
h) Desenvolver as funções da autoridade florestal nacional, bem como normalizar, informar e fiscalizar a atividade dos agentes interventores, públicos e privados.»

Em 2008, foi criada a Autoridade Florestal Nacional (AFN) pelo Decreto-Lei n.º 159/2008, de 6 de agosto[79], que, no seu preâmbulo, após fazer um breve traçado da evolução do serviço público florestal em Portugal, consigna a dado passo:

«[...], impõe-se a consagração de uma nova entidade com uma nova lei orgânica, sendo de destacar, nas respetivas missões públicas, a valorização das fileiras florestais, que permitirá um melhor acompanhamento dos investimentos e da aplicação dos fundos públicos.
Pretende-se ainda, com esta nova orgânica, possibilitar a gestão por parte de terceiros e promover a simplificação administrativa no âmbito dos produtos e recursos da floresta, como sejam a caça e a pesca em águas interiores. Ao mesmo tempo é concedido a cada unidade de gestão florestal um universo de tarefas que visam a valorização dos empreendimentos florestais assente na melhor gestão do património público, na valorização dos perímetros florestais relativos aos baldios e ainda uma nova atenção às zonas de intervenção florestal, uma aposta decisiva do XVII Governo Constitucional.
A Autoridade Florestal Nacional impõe-se, assim, numa nova perspetiva de afirmação das funções essenciais do Estado, assegurando parcerias com as entidades ligadas ao setor e assegurando melhor a qualidade do serviço público.»

Assim, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 159/2008, «[a] Autoridade Florestal Nacional, abreviadamente designada por AFN, é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa.»

E da missão e atribuições elencadas no artigo 3.º[80] destaca-se a prevista na alínea c) do n.º 3: «Promover a aplicação do Regime Florestal».
A Autoridade Florestal Nacional viria a ser extinta, sendo objeto de fusão e as suas atribuições integradas no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., conforme estatuído na alínea h) do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro, que aprovou a orgânica do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT)[81].

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF, I.P.) integra a administração indireta do Estado e prossegue atribuições do MAMAOT, sob superintendência e tutela do respetivo ministro[82].

Importará, ainda, conhecer o artigo 21.º, atinente ao ICNF, I.P. do Decreto-Lei n.º 7/2012:

Artigo 21.º

Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P.

1 – O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I. P., abreviadamente designado por ICNF, I. P., tem por missão propor, acompanhar e assegurar a execução das políticas de conservação da natureza e das florestas, visando a conservação, a utilização sustentável, a valorização, a fruição e o reconhecimento público do património natural, promovendo o desenvolvimento sustentável dos espaços florestais e dos recursos associados, fomentar a competitividade das fileiras florestais, assegurar a prevenção estrutural no quadro do planeamento e atuação concertadas no domínio da defesa da floresta e dos recursos cinegéticos e aquícolas das águas interiores e outros diretamente associados à floresta e às atividades silvícolas.

2 – O ICNF, I. P., prossegue, designadamente, as seguintes atribuições:

a) Desempenhar funções de autoridade nacional para a conservação da natureza e a biodiversidade e de autoridade florestal nacional;
b) Assegurar a conservação da natureza e a gestão sustentável de espécies, habitats naturais da flora e da fauna selvagens e de geo-sítios, promovendo a elaboração e implementação de planos, programas e ações, nomeadamente nos domínios da inventariação, da gestão, da monitorização, da fiscalização e dos sistemas de informação;
c) Apoiar a formulação e promover a aplicação de políticas para as florestas e fileiras florestais, de políticas cinegéticas, apícolas, aquícolas das águas interiores e as relativas a outros produtos e recursos da floresta, coordenar as respetivas ações de desenvolvimento e promover a execução de estudos de caráter técnico-científico relacionados com a gestão de habitats e da fauna cinegética e aquícola, bem como o desenvolvimento sustentável e integrado do setor e das suas indústrias;
d) Coordenar a gestão do património florestal do Estado, formular e promover a aplicação das políticas para a gestão das áreas comunitárias, regular a gestão dos espaços florestais privados, promover a constituição e o acompanhamento das zonas de intervenção florestal, apoiar o associativismo e os modelos de gestão sustentável em áreas privadas e gerir o património edificado;
e) Promover a elaboração, avaliação e revisão de planos de ordenamento e de gestão da rede nacional de áreas protegidas, em articulação com a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos nos casos de áreas marinhas protegidas, e assegurar, em articulação com a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., o desenvolvimento dos instrumentos de gestão das restantes áreas classificadas, designadamente da Rede Natura 2000;
f) Assegurar a gestão da Rede Nacional de Áreas Protegidas e a implementação da Rede Natura 2000, em articulação com a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, nos casos de áreas marinhas protegidas, e com a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., nos casos dos regimes relativos às espécies e habitats naturais protegidos;
g) Propor a criação de áreas classificadas, terrestres e marinhas, em articulação com a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, e assegurar a gestão das que são de interesse nacional e, quando relevante, colaborar na gestão das que são de âmbito regional ou local;
h) Promover a articulação e a integração dos objetivos de conservação e de utilização sustentável dos recursos naturais na política de ordenamento do território e nas diferentes políticas sectoriais, visando a valorização económica e social do património natural como fator estruturante de diferentes setores da atividade económica, nomeadamente no que se refere ao turismo da natureza;
i) Promover a implementação da Estratégia Nacional da Conservação da Natureza e da Biodiversidade e a Estratégia Nacional para as Florestas;
j) Promover e coordenar os planos de intervenção que visem a redução de impactes e a eliminação de efeitos promovidos por agentes bióticos e concretizar as políticas de defesa da floresta contra incêndios, implementando um dispositivo de prevenção estrutural;
l) Propor a regulamentação do acesso aos recursos genéticos selvagens e da partilha dos benefícios decorrentes da sua utilização e promover a aplicação do regime jurídico-administrativo daí decorrente, em articulação com outras entidades competentes nesta matéria;
m) Promover e desenvolver a informação, visitação e sensibilização das populações, dos agentes e das organizações na área da conservação da natureza e da biodiversidade, com vista a criar uma consciência coletiva da importância dos valores naturais;
n) Assegurar, em cooperação com as entidades competentes, o acompanhamento das questões, a transposição e o cumprimento do direito internacional e comunitário nas matérias da sua competência.

3 – O Fundo de Conservação da Natureza e Biodiversidade e o Fundo Florestal Permanente funcionam junto do ICNF, I. P., regendo-se por legislação própria.
4 – Funciona ainda junto da ICNF, I. P., o Conselho Florestal Nacional.
5 – O ICNF, I. P., é dirigido por um conselho diretivo, constituído por um presidente, um vice-presidente e dois vogais.»

E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de junho, que aprovou a orgânica do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, I.P. pode ler-se a dado passo:

«Perspetiva-se, assim, que o ICNF, I. P., venha a desempenhar um papel determinante na conceção, articulação e execução de uma política de gestão florestal sustentável e de políticas ativas de conservação, proteção e gestão do património natural, contribuindo de uma forma positiva para a política ambiental.
Este Instituto tem uma função executora, por via da atuação direta, e uma função coordenadora por via de linhas de cooperação ativa com os demais serviços e organismos da Administração Pública com atribuições nos setores das florestas, conservação da natureza e gestão do território, e através do lançamento de parcerias de ação com os agentes e instituições privadas, cooperativas e comunitárias».

De acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 135/2012, «[o] Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., abreviadamente designado por ICNF, I.P., é um instituto público integrado na administração indireta do Estado dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio» (n.º 1) e «...prossegue atribuições do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sob superintendência e tutela do respetivo ministro» (n.º 2).

«O ICNF, I. P., tem por missão propor, acompanhar e assegurar a execução das políticas de conservação da natureza e das florestas, visando a conservação, a utilização sustentável, a valorização, a fruição e o reconhecimento público do património natural, promovendo o desenvolvimento sustentável dos espaços florestais e dos recursos associados, fomentar a competitividade das fileiras florestais, assegurar a prevenção estrutural no quadro do planeamento e atuação concertadas no domínio da defesa da floresta e dos recursos cinegéticos e aquícolas das águas interiores e outros diretamente associados à floresta e às atividades silvícolas» (artigo 3.º, n.º 1).

E, de entre as suas atribuições, cumpre agora destacar a prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º:

«c) Apoiar a formulação e executar a política florestal nacional, concretizando os seus objetivos nos domínios da produção florestal, cinegético, silvopastoril, apícola, aquícola em águas interiores, bem como nos relativos a outros recursos e serviços da floresta, de modo a assegurar a gestão sustentável da floresta portuguesa e desenvolver e aplicar os planos, programas e ações necessários para tal, assim como as atividades de inventariação, monitorização e fiscalização das utilizações florestais e ainda do estabelecimento de sistemas de informação a eles relativos».

Recentemente, a Portaria n.º 353/2012, de 3 de outubro, aprovou os estatutos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P., que preveem, nos departamentos dos serviços centrais, o Departamento de Gestão e Produção Florestal.

A este Departamento, abreviadamente designado por DRNCN, compete, nos termos do artigo 7.º dos estatutos:

Artigo 8.º

Departamento de Gestão e Produção Florestal

Compete ao Departamento de Gestão e Produção Florestal, abreviadamente designado por DGPF:

a) Colaborar na definição das políticas de gestão sustentável da floresta e promover a gestão dos ecossistemas, dos recursos silvestres e dos sistemas de produção florestal numa ótica multifuncional e de valorização dos seus serviços e produtos;
b) Assegurar a produção de normas e orientações para a elaboração de planos de gestão florestal e de outros instrumentos de gestão e coordenar os respetivos processos de aprovação;
c) Coordenar o processo de licenciamento da ocupação florestal dos solos;
d) Promover e apoiar o associativismo ou outras formas de organização do setor e avaliar o seu desempenho e promover diferentes modelos de gestão conjunta de áreas florestais, nomeadamente as zonas de intervenção florestal;
e) Assegurar a atualização do Inventário Florestal Nacional e dos sistemas de informação, promovendo a sua integração no Sistema Nacional de Informação de Recursos Florestais (SNIRF), garantindo o tratamento de dados para resposta a questionários estatísticos de âmbito nacional e internacional;
f) Promover o desenvolvimento das fileiras florestais e o reforço da competitividade do setor em parceria com as partes interessadas, apoiando os processos de certificação da gestão florestal sustentável;
g) Manter atualizada a caracterização das atividades do setor florestal e dos recursos silvestres, proceder à sua análise com especial realce para a produção de indicadores de fileira e promover linhas de desenvolvimento adequadas;
h) Assegurar a gestão das atividades e infraestruturas enquadradas na rede florestal, nomeadamente o Centro de Operações e Técnicas Florestais, do Centro Nacional de Sementes Florestais e Mata Nacional do Escaroupim;
i) Promover a melhoria dos materiais florestais de reprodução e assegurar as funções de organismo oficial de controlo de produção e comercialização desses materiais;
j) Assegurar as funções do ICNF, I. P., enquanto autoridade competente no âmbito do regulamento que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos da madeira e do regulamento relativo ao regime de licenciamento para a importação da madeira.»



IV


1. Face ao que se vem de dizer, impõe-se, antes de prosseguir, sublinhar alguns aspetos.

Assim, a Herdade da Contenda é propriedade da Câmara Municipal de Moura e foi submetida ao regime florestal parcial pelo Decreto de 8 de maio de 1959 e pelo Decreto de 13 de abril de 1963, que substituiu o antecedente[83].

Também as rendas/compensações foram sendo definidas por Decretos[84].

Por outro lado, não encontramos entre as atribuições da Direção-Geral dos Recursos Florestais e da Autoridade Florestal Nacional, que lhe sucedeu, a submissão ou desafetação de quaisquer terrenos ou matas ao regime florestal[85] [86].

E mesmo, como vimos, o Decreto-Lei n.º 254/2009, que estatuía no n.º 1 do artigo 32.º que a submissão de terrenos ao regime florestal total e parcial, bem como a sua desafetação, é determinada por portaria, foi revogado, mantendo-se o regime florestal delineado pelos Decretos de 24 de dezembro de 1901, de 24 de dezembro de 1903 e de 11 de julho de 1905[87].

É certo que, no caso em apreço, se poderá dizer que não se trata de “desafetação do regime florestal”, mas sim de transferência de gestão.

De todo o modo, não pode deixar-se de considerar que tal tem implicações na situação da herdade que foi sempre definida por Decreto no que se refere ao regime florestal e todas as suas alterações.

Ora, aquele regime florestal apresenta-se agora redesenhado pelos protocolos referidos.


2. Não será, pois, despiciendo abordar o conceito de decreto.


2.1. E, justamente, afigura-se-nos curial fazer uma incursão no que Jorge Miranda escreveu a esse respeito[88].

Começa o Autor por definir Decreto nos seguintes termos:

«Ato solene de um dos órgãos do “Poder Executivo” (Presidente da República ou Governo) quer deva ter caráter normativo – decreto-lei, decreto para o ultramar ou decreto regulamentar – quer deva ter conteúdo concreto – decreto simples. Além disso, decreto é a designação que toma qualquer proposta ou projeto aprovado pela Assembleia Nacional, antes da promulgação».

E das considerações gerais que tece retira-se que tem persistido a tradição de atribuir o nome de decreto a alguns dos mais importantes atos de decisão (não tanto de execução) a cargo dos órgãos superiores da comunidade jurídica, independentemente de se dirigirem a situações gerais ou a certas e determinadas pessoas[89].

Referindo-se à Constituição Política da República Portuguesa (1933[90]), assinala que o artigo 81.º, n.º 9[91], discrimina quatro grandes tipos: decretos-leis; decretos para o ultramar; decretos regulamentares; restantes decretos, a designar por decretos individuais ou, sem dúvida melhor, por decreto simples[92].

E, mais à frente, explicita:

«Pertencem à função política os decretos-leis e os decretos para o ultramar, à função administrativa os decretos regulamentares, e a uma ou outra, conforme os casos, os decretos simples»[93].

Conforme se infere do referido n.º 9 do artigo 81.º, o Chefe do Estado intervem em todos eles, sendo que, quando se trate de decretos da competência do Governo, a sua participação cinge-se, consoante o caso, à promulgação ou à assinatura.

O decreto regulamentar, como escreve Jorge Miranda, é o decreto que contém ou aprova um regulamento do Governo ou, dito de modo semelhante, é o regulamento aprovado pelo Governo e promulgado pelo Chefe do Estado[94].

E, segundo aquele Autor, «[s]eria erróneo contrapor decretos e regulamentos. O decreto regulamentar tanto pertence à categoria dos decretos – pela forma – como à dos regulamentos – pelo conteúdo[95].

No que respeita ao critério para preferir a forma de decreto regulamentar a outra, como por exemplo a de portaria, e lembrando que só naquele intervêm o Chefe do Estado e o Presidente do Conselho, Jorge Miranda defende que o decreto regulamentar é o modo normal da regulamentação da lei, embora não seja a forma normal de exercício do poder regulamentário[96].

Quanto aos decretos simples, apesar de não estarem sujeitos a promulgação, não deixam de ser atos sob forma solene, tendo de satisfazer rigorosas formalidades[97].

E, sendo a categoria mais heterogénea dos decretos, verifica-se que «os decretos da autoria do Chefe do Estado são quase todos políticos, porque a sua competência é essencialmente política, ao passo que os decretos emanados do Governo são, na maior parte, administrativos»[98].

Frisa, ainda, Jorge Miranda que «[d]e comum têm, contudo, as várias espécies de decretos simples o não possuírem caráter normativo, o que as faz aproximar, decerto mais do que os restantes, das resoluções da Assembleia Nacional [-] e até dos antigos decretos da monarquia absoluta»[99].

Assim, a grande maioria dos decretos do Governo assume caráter administrativo, incorporando atos administrativos a que se imprime solenidade com a intervenção do Chefe do Estado e a publicação (ainda que, geralmente por extrato) no Jornal Oficial[100].


2.2. Já no domínio da atual Constituição, Jorge Miranda, assinalando que se contempla agora não apenas os regulamentos referidos aos órgãos do Poder Executivo ou ao Governo – como o faziam as constituições portuguesas anteriores – mas também regulamentos dimanados dos órgãos das regiões autónomas e das autarquias locais, entende por regulamento «o ato normativo da função administrativa, o ato criador de normas de execução permanente emanado de um órgão da Administração Pública, no exercício de um poder específico (o poder regulamentário)»[101].

Entendimento que Aroso de Almeida corrobora, sintetizando que «[d]á-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa»[102] [103].

Nos termos do n.º 6 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), «[o]s regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes»[104].

A CRP concede, pois, particular relevo aos decretos regulamentares, conferindo-lhes um regime que, em certos aspetos, se aproxima do regime das leis, como acontece com a promulgação do Presidente da República [cfr. artigo 134.º, alínea b)][105].

E, no que concerne à publicação no Diário da República, estando a ela sujeitas várias categorias de decretos e regulamentos, relativamente ao Governo, carecem de publicação não só os decretos regulamentares, mas também os demais decretos e quaisquer outros regulamentos [cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 119.º da CRP].

A Constituição não define, porém, nem os tipos nem as formas de regulamentos do Governo, para além do tipo especial dos decretos regulamentares, sendo variadas as espécies mais vulgares (decretos, portarias, despachos, resoluções, circulares, etc.).

Já se referiu que os decretos regulamentares carecem de promulgação. Mas, conforme sublinham Gomes Canotilho/Vital Moreira, ao lado da figura da promulgação, prevê-se as assinaturas do Presidente da República relativamente a outros atos[106].

Assim, carecem de assinatura os decretos simples do Governo que contenham atos administrativos ou sejam expressão de certos atos políticos, como a aprovação de convenções internacionais [cfr. artigo 134.º, alínea b), da Constituição[107]]

Mais à frente, escrevem aqueles Autores:

«À promulgação está sempre associada a ordem de publicação, a fim de se conferir executoriedade aos atos promulgados. É óbvio que o que se prevê nesta alínea não significa que os outros atos (sobretudo os de valor normativo) não tenham de ser publicados […], mas sim que a publicação é uma consequência necessária da promulgação dos diplomas a ela sujeitos. Daí a distinção entre ordem de publicação, pertencente ao PR, e execução técnica da publicação, a cargo dos serviços competentes. Note-se, ainda, que a publicação está dependente da prévia referenda do Governo, sob pena de inexistência da promulgação (art. 140.º - 2) e, logo, do ato promulgado (cfr. art. 137.º)».

Com efeito, nos termos do artigo 137.º da Constituição, «[a] falta de promulgação ou de assinatura pelo Presidente da República de qualquer dos atos previstos na alínea b) do artigo 134.º implica a sua inexistência jurídica».

E aqueles atos carecem de referenda do Governo, determinando a sua falta também a inexistência jurídica do ato (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 140.º da Constituição[108].

Em anotação ao n.º 3 do artigo 201.º da Constituição[109], Gomes Canotilho/Vital Moreira sublinham que «[o]s decretos do governo – decretos-leis e demais decretos – não precisam da assinatura de todos os Ministros», «[b]asta a assinatura do PM e dos Ministros competentes em razão da matéria».

E explicitam:

«A função da assinatura dos Ministros está sobretudo em garantir a colegialidade governamental e salvaguardar a autonomia e responsabilidade de cada Ministro. É do próprio conteúdo do diploma que decorre quais são os Ministros competentes em razão da matéria»[110].

Refira-se ainda que os demais decretos do Governo são: os decretos de aprovação de tratados e acordos; os decretos regulamentares do Governo; e os decretos simples.

Quanto à assinatura, conforme frisam Gomes Canotilho/Vital Moreira,«[s]e se tratar de matéria dependente diretamente do PM basta a assinatura deste; tratando-se de assunto que interesse vários departamentos (que no limite podem ser todos), será necessária a assinatura de todos os Ministros coenvolvidos» e «[a] falta de assinatura constitui vício na formação do ato – gerando portanto inconstitucionalidade formal (cfr. Acs. TC n.º 55/84 e 244/90) – devendo notar-se que esta assinatura não dispensa a ulterior referenda governamental, no caso de atos sujeitos a promulgação ou assinatura do PR (arts. 134.º /b e 140.º - 1)»[111].

E, relativamente a publicação, os decretos simples são publicados na 1.ª Série do Diário da República [cfr. alínea o) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro[112]].


3. No que tange aos decretos simples, emanados do Governo, que, como se disse, na sua grande maioria contêm atos administrativos, poder-se-ia, numa diferente perspetiva, colocar a questão da possibilidade de, nesse caso, em sua vez, ser celebrado contrato administrativo.

Na verdade, ultrapassada a conceção negativista da admissibilidade da utilização de formas contratuais de exercício da atividade administrativa, seguiu-se, como nos descreve Paulo Otero[113], um processo evolutivo visando estabelecer uma paridade de utilização entre o ato administrativo e o contrato administrativo no exercício da atividade administrativa, que viria a culminar no artigo 179.º do Código do Procedimento Administrativo[114] [115].

Este artigo, ao prescrever que «[o]s órgãos administrativos, na prossecução das atribuições da pessoa coletiva em que se integram, podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer»[116], veio consagrar o princípio geral da paridade de utilização entre o ato administrativo e o contrato administrativo no exercício da atividade administrativa.

Este princípio geral consta hoje do artigo 278.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro[117].

Contudo, a permissão decorrente daquele princípio não é ilimitada, conforme resulta expressamente do segundo segmento do artigo 278.º, e já resultava anteriormente de igual segmento do artigo 179.º do CPA.

Deve, assim, ser excluída a possibilidades de celebrar acordos ou contratos substitutivos nos seguintes tipos de casos:

a) Quando a lei o proíba;
b) Quando a natureza das relações a estabelecer impeça a celebração de um contrato.

Neste tipo de casos – natureza das relações –, consideram-se, de um modo geral, os domínios da atuação da Administração em que, por definição, se impõe o exercício da função administrativa através de atos unilaterais (por exemplo, os atos disciplinares e os de polícia, bem como as decisões de reclamações ou recursos) ou aquelas situações em que só é admissível investidura em termos de direito privado[118].

Quanto aos casos em que a impossibilidade de contrato administrativo resulta da lei, tem sido entendido que não bastará a lei prever expressamente a prática de um ato administrativo para excluir a celebração de um contrato substitutivo na matéria em causa[119].

Como referem Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, «[a] parte inicial do art. 278.º CCP constitui, assim, uma norma de extensão das normas que preveem a forma de produção de efeitos jurídico-administrativos em situações específicas»[120].


4. Retomando a problemática sob consulta, uma vez que se está no domínio do exercício de poder discricionário[121], à partida não haveria obstáculo à negociação e, consequentemente, à possibilidade de celebrar contrato ou protocolo[122].

Estar-se-ia, pois, numa situação de liberdade de escolha entre ato administrativo e contrato administrativo – alternatividade de forma.

Porém, conforme já se evidenciou, a sujeição e a exclusão do regime florestal são definidas por Decreto.

Aliás, sublinhe-se que, de acordo com o § único do artigo 28.º do Decreto de 1901, a própria definição do modelo de arborização e de exploração é feita mediante Decreto[123].

A exigência desta forma solene – Decreto –, como também se viu, aponta para um regime específico em que entendemos ser de salientar, desde logo a própria forma, a colegialidade da atuação do Governo e a intervenção do Presidente da República, bem como a consequente publicidade.

Ora, a celebração dos protocolos em apreço – independentemente da homologação do Ministro da tutela – não satisfaz aquela exigência.

Com efeito, dependendo de decreto a sujeição – bem como a exclusão – ao regime florestal e a definição dos procedimentos da arborização e exploração, só diploma idêntico poderá introduzir alterações ao que foi definido por aquela via, conforme foi acontecendo ao longo do período de sujeição ao regime florestal da Herdade da Contenda.

Não será despiciendo também frisar de novo que o normativo do regime florestal a que foi submetida a Herdade da Contenda atravessou todo o século XX e ainda está hoje em vigor.

Deste modo, resulta – e continua a resultar – expressamente a exigência de Decreto para definir em que termos, no caso, a Herdade da Contenda fica sujeita ao regime florestal.

Porém, tal exigência sempre seria de considerar ao abrigo do princípio do paralelismo ou identidade das formas, enquanto princípio geral de direito administrativo[124].

Assim, os protocolos de 3 de julho de 2006 e de 25 de março de 2009 devem ser considerados nulos por violarem o disposto no artigo 133, n.os 1 e 2, alínea a) do CPA, ex vi, respetivamente, artigo 185, n.º 3, alínea a)[125], do mesmo Código e artigo 284.º n.º 2 do Código dos Contratos Públicos[126].

Será talvez oportuno recordar o que, sobre a cláusula geral de nulidade contida no segmento “atos a que falte qualquer elemento essencial” do n.º 1 do artigo 133.º do CPA, escreveram Mário Esteves de Oliveira/Pedro Gonçalves/J. Pacheco de Amorim. Assim, podem considerar-se «nulos os atos administrativos que careçam de elementos que, no caso concreto, devam considerar-se essenciais, em função do tipo de ato em causa ou da gravidade do vício que o afeta»[127].

Segundo aqueles Autores, «“Elementos essenciais”, no sentido do n.º 1 do art. 133 do código – cuja falta determina a nulidade do ato administrativo – seriam, pois, todos aqueles que se ligam a momentos ou aspetos legalmente decisivos e graves dos atos administrativos, além daqueles a que se refere já o seu n.º 2. E, como dispomos do elenco exemplificativo ou concretizador dessa norma, nem será muito difícil apurar, por paralelismo (entre a qualidade e a quantidade de interesses públicos ou privados envolvidos em cada hipótese), outros casos de nulidade derivada da falta de elementos essenciais da sua prática»[128].

Acresce que, ao praticar ato sem a intervenção que se impunha do Presidente da República – assinatura –, se haverá também de considerar que se constitui uma usurpação de poder[129].

Do que se vem de dizer, temos que os protocolos em apreço são nulos.



V


Assim, em face do exposto, entendo que deveriam ser formuladas as seguintes conclusões:

1.ª – A Herdade da Contenda, propriedade da Câmara Municipal de Moura, foi submetida ao regime florestal parcial por Decreto de 8 de maio de 1959, posteriormente substituído pelo Decreto de 13 de abril de 1963;

2.ª – As importâncias a pagar anualmente à Câmara Municipal de Moura, nos termos do artigo 3.º daquele Decreto de 13 de abril de 1963, foram sendo sucessivamente alteradas pelos Decretos n.os 42/83, de 21 de junho, 21/89, de 11 de maio e 34/96, de 22 de novembro;

3.ª – A sujeição da Herdade da Contenda ao regime florestal foi feita ao abrigo dos Decretos de 24 de dezembro de 1901, de 24 de dezembro de 1903 (Regulamento para a execução do regime florestal conforme o decreto de 24 de dezembro de 1901) e de 11 de julho de 1905, cujo modelo de regime florestal se mantém em vigor;

4.ª – A submissão dos terrenos ao regime florestal, bem como a exclusão desse mesmo regime, e a definição dos procedimentos de arborização e exploração são sempre feitas por Decreto (cfr. artigos 32.º e 28.º, § único, do Decreto de 1901, 225.º do Decreto de 1903 e 13.º do Decreto de 1905);

5.ª – O figurino do regime florestal parcial a que se encontra submetida a Herdade da Contenda tem, portanto, de ser delineado através de Decreto;

6.ª – Os Decretos são emanados do Governo, implicando a assinatura do Primeiro Ministro e de todos os Ministros coenvolvidos, e exigem a assinatura do Presidente da República e a referenda governamental [cfr. artigos 201.º, n.º 3, 134.º, alínea b), e 140.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa], sendo publicados no Diário da República;

7.ª – Assim, as alterações ao regime florestal parcial da Herdade da Contenda – definido pelos Decretos referidos nas 1.ª e 2.ª conclusões – não podiam ser efetuadas mediante os Protocolos de 3 de julho de 2006 e de 25 de março de 2009 celebrados, por um lado, respetivamente, pela Direção-Geral dos Recursos Florestais e pela Autoridade Florestal Nacional, e por outro, pela Câmara Municipal de Moura;

8.ª – Considerando o normativo do regime florestal aplicável, não pode, pois, aqui funcionar o princípio da alternatividade entre ato administrativo e contrato administrativo;

9.ª – Os Protocolos referidos na 7.ª conclusão ao não cumprirem as exigências legais e, em especial, no que concerne à forma, à atuação colegial do Governo e à intervenção do Presidente da República são nulos por violarem o disposto no artigo 133.º, n.os 1 e 2, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo, ex vi, respetivamente, artigo 185.º, n.º 3, alínea a), do mesmo Código e artigo 284.º, n.º 2, do Código dos Contratos Públicos.







[1] Itálico no original.
[2] Idem.
[3] V. ALEXANDRA LEITÃO, Contratos Interadministrativos, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 123.
[4] Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, 9ª Edição, Coimbra, 1996, pág. 223.
[5] V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 116.
[6] Neste sentido, v. MARIE-HÉLÈNE BERNARD-DOUCHEZ, Recherche sur la Coopération entre Personnes Publiques, tese inédita, Toulouse, 1979, pág. 180.
[7] V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 127.
[8] Uma vez que nestes contratos a inexistência de autoridade de um contratante sobre o outro (que decorre da natureza pública de ambos os contraentes) não afasta o regime substantivo de Direito Público, que resulta, exatamente, da funcionalização do seu regime jurídico à prossecução de um interesse público inserido nas atribuições das entidades administrativas contratantes
[9] V. FRÉDÉRIC ROLIN, Accord de Volontés et Contrat dans les Relations entre Personnes Publiques, inédito, Paris, 1997, pág. 281. No mesmo sentido, v. ETTIÉNNE FATÔME e JACQUES MOREAU, « Les Relations Contractuelles entre Collectivités Publiques: L’Analyse Juridique dans le Contexte de la Décentralisation », in Actualité Juridique Droit Administratif, n.º 3, 1990, págs. 143 e 144, CHRISTOPHE GUETTIER, op. cit., págs. 108 e seguintes.
[10] V. FRANCK MODERNE, La Recente Evoluzione del Diritto dei Contratti Amministrativi : le Convenzioni fra Persone Giuridiche Pubbliche, in L’Accordo nell’Azione Amministrativa, obra coletiva, Roma, 1988, pág. 124.
[11] Neste sentido, v. ENOCH ALBERTÍ ROVIRA, Los Convenios entre el Estado y las Comunidades Autónomas, in Anuario de Derecho Constitucional y Parlamentario, n.º 2, 1990, pág. 73 e ANGEL MENÉNDEZ REXACH, La Cooperación, un Concepto Jurídico?, in DA, n.º 240, 1994, pág. 41.
[12] Cfr. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 406 e seguintes.
[13] Este artigo determina que “[N]a prossecução das suas atribuições ou dos seus fins, os contraentes públicos podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer.”
[14] Ainda antes da entrada em vigor do CPA, SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 676 considerava que existia na ordem jurídica portuguesa um “princípio geral da permissibilidade do recurso à forma jurídica do contrato administrativo”.
[15] V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 101.
[16] Cfr. PAULO OTERO, O Poder de Substituição em Direito Administrativo, Volume II, Lex, Lisboa, 1995, págs. 643 e 644.
[17] Neste sentido, v. CASALTA NABAIS, Contratos Fiscais, Coimbra, 1994, págs. 57 a 59.
[18] Neste sentido, CARLOS GONZÁLEZ-ANTÓN ÁLVAREZ, Los Convenios Interadministrativos de los Entes Locales, Madrid, 2002, pág. 55, define os convénios interadministrativos dos entes locais como “negócios jurídicos de Direito Público que uma entidade local celebra com outros entes públicos em pé de igualdade no âmbito das relações de colaboração interadministrativa e com vontade de obrigar-se ao cumprimento de obrigações determinadas, possíveis e lícitas juridicamente.”
[19] Cfr. FRANCESC LLISET BORRELL, “Los Convenios Interadministrativos de los Entes Locales”, in Revista Jurídica de Catalunya, n.º 3, 1989, pág. 682.
[20] A expressão é de VINCENZO BALDINI, L’Accordo di Programma nella Legislazione Regionale, in Le Regioni, volume XX, n.º 6, 1992, págs. 1620 e 1621.
[21] V. SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 613.
[22] Alterada pelas Leis nº 55-A/2010, de 31 de dezembro, nº 3-B/2010, de 28 de abril, nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, nº 60-A/2005, de 30 de dezembro, nº 55-B/2004, de 30 de dezembro, e nº 107-B/2003, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 7/2003, de 15 de Janeiro
[23] Cujo teor é o seguinte:
“Artigo 8.º
Intervenção em regime de parceria
1 — A administração central e as autarquias locais podem estabelecer entre si, sem prejuízo das suas competências próprias, formas adequadas de parceria para melhor prossecução do interesse público.
2 — Os contratos relativos ao exercício de competências municipais em regime de parceria estabelecem obrigatoriamente o modo de participação das partes na elaboração dos programas e na gestão dos equipamentos ou dos serviços públicos correspondentes, bem como os recursos financeiros necessários.
3 — A intervenção das autarquias locais no exercício de outras competências em regime de parceria deve ser objeto de diploma próprio do qual constará o regime contratual, a estabelecer nos termos previamente acordados”.

[24] Cujo conteúdo é o seguinte: “3 – A transferência de competências não universais efetua-se mediante contratualização entre os departamentos da administração central competentes e todos os municípios interessados e assenta em tipologia contratual e identificação padronizada de custos, de acordo com a atividade a transferir, a publicar no Diário da República.”
[25] V. PAULO OTERO, A Competência Delegada no Direito Administrativo Português, Lisboa, 1987, págs. 106 e 107.
[26] Publicado no Diário do Governo, n.º 296, de 31 de dezembro.
[27] Publicado no Diário do Governo n.º 294, de 30 de Dezembro.
[28] Publicado no Diário do Governo de 21 de julho de 1905,
[29] Trata-se de infra-estruturas de fomento hidroagrícola, barragens e respetivas albufeitas, estabalecimentos prisionais e militares.
[30] Publicado no Diário do Governo, II série, n.º 109, de 8 de maio de 1959.
[31] Publicado no Diário do Governo, II série, n.º 88, de 13 de abril de 1963.
[32] Retificado pela Declaração de Retificação n.º 38/2004, publicada no Diário República, I Série-A, n.º 112, de 13 de maio de 2004, alterado pelos Decretos-Leis n.os 22/2006, de 2 de fevereiro, 68/2006, de 23 de março, e 69/2006, de 23 de março, e revogado, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 201/2006, de 27 de outubro, a partir de 1 de março de 2007.
[33] Retificado pelas Declarações de Retificação n.s 50/2008, publicada no Diário da República, I Série, n.º 165, de 27 de agosto de 2008, e n.º 55/2008, publicada no Diário da República, I Série, n.º 190, de 1 de outubro de 2008.
[34] É o seguinte o teor do preceito:
“Artigo 3.º
Missão e atribuições
1 — A AFN tem por missão promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais e dos espaços associados e, ainda dos recursos cinegéticos, apícolas e aquícolas das águas interiores e outros directamente associados à floresta e às actividades silvícolas, através do conhecimento da sua evolução e fruição, garantindo a sua proteção, conservação e gestão, promovendo os equilíbrios intersectoriais, a responsabilização dos diferentes agentes e uma adequada organização dos espaços florestais, assim como a melhoria da competitividade das indústrias que integram as várias fileiras florestais, bem como a prevenção estrutural, atuando de forma concertada no planeamento e na procura de estratégias conjuntas no domínio da defesa da floresta, assumindo as funções de autoridade florestal nacional.
2 — Com respeito pela Estratégia Nacional para as Florestas, a AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito das fileiras florestais:
a) Desenvolver as funções da autoridade florestal nacional, bem como normalizar, informar e fiscalizar a actividade dos agentes interventores, públicos e privados;
b) Participar na formulação e na aplicação de políticas para as fileiras florestais, com a participação ativa destas;
c) Promover o desenvolvimento integrado do setor e das indústrias florestais, com vista à harmonização das componentes de produção de bens, prestação de serviços, transformação e comercialização;
d) Participar na definição de medidas financeiras de apoio ao setor florestal e acompanhar a sua execução;
e) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do montado de sobro e azinho e de renovação de povoamentos;
f) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do eucaliptal, em especial a requalificação e melhoria da produtividade dos povoamentos;
g) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do pinhal;
h) Promover e desenvolver, com as fileiras, projetos de investigação que permitam explorar novos produtos para a indústria e ganhos de eficiência no processo de exploração florestal, transformação industrial e de comercialização;
i) Promover, em conjunto com as principais fileiras florestais, estratégias de comunicação que permitam aos produtos florestais ganhos nos mercados interno e externo.
3 — A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito do património florestal:
a) Gerir o património florestal do Estado, designadamente a sua exploração, conservação e manutenção;
b) Participar na formulação e execução de políticas para a gestão das áreas de baldio e de apoio e regulação do património florestal privado;
c) Promover a aplicação do Regime Florestal;
d) Assegurar a elaboração, aprovação, execução e monitorização dos planos de gestão florestal e de outros instrumentos de planeamento;
e) Assegurar a gestão sustentável e a certificação das áreas sujeitas ao regime florestal;
f) Promover a constituição e acompanhamento das zonas de intervenção florestal;
g) Promover e apoiar o associativismo e os modelos de gestão sustentável em áreas privadas;
h) Promover a produção e assegurar o controlo e a certificação dos materiais florestais de reprodução;
i) Aprovar projetos de arborização e de intervenção nos espaços florestais;
j) Promover a elaboração e aprovação de normas e procedimentos de gestão e exploração florestal;
4 — A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito dos produtos e recursos silvestres:
a) Promover e participar na formulação de políticas cinegéticas, apícolas, aquícolas das águas interiores e ainda as relativas a outros produtos silvestres e coordenar as respectivas ações de desenvolvimento;
b) Promover e participar na elaboração de planos globais de gestão e de planos de gestão de caça e pesca em águas interiores, situados em áreas do Estado ou sob sua jurisdição;
c) Promover e instruir os processos relativos à criação, renovação e alteração de zonas de caça e das concessões de pesca em águas interiores;
d) Promover centralizadamente a gestão do património edificado florestal;
e) Acompanhar e apoiar tecnicamente a gestão das zonas de caça municipais;
f) Proceder à elaboração e promover a aplicação de planos de gestão dos recursos aquícolas nas águas interiores, garantindo a sua articulação com os planos de bacia hidrográfica e o Plano Nacional da Água;
g) Promover, realizar e colaborar com as organizações do setor da caça a execução de estudos de caráter técnico-científico relacionados com a gestão de habitats e da fauna cinegética e aquícola;
h) Promover a monitorização da qualidade ecológica dos cursos de água;
i) Promover e gerir o sistema nacional de informação dos recursos florestais;
j) Garantir a criação, atualização e gestão dos registos de caçadores e pescadores, promover a realização dos exames, emitir os necessários documentos de identificação, bem como as cartas de caçador e as licenças de caça e pesca.
5 — A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito da defesa da floresta:
a) Conceber, coordenar e apoiar a execução das ações de prospecção e inventariação dos agentes bióticos nocivos aos ecossistemas florestais em estreita ligação com a Autoridade Nacional Fitossanitária;
b) Promover e coordenar os planos de intervenção que visem a redução de impactes e a eliminação de efeitos promovidos por agentes bióticos;
c) Promover a formulação e impulsionar a monitorização das políticas de defesa da floresta contra incêndios;
d) Promover a criação e estruturar um dispositivo de prevenção estrutural;
e) Coordenar o Programa Nacional de Sapadores Florestais;
f) Dinamizar as comissões municipais de defesa da floresta e acompanhar os gabinetes técnicos municipais;
g) Gerir o Sistema de Informação de Incêndios Florestais;
h) Assegurar a gestão de combustíveis;
i) Acompanhar as atividades agrícolas e de silvopastorícia na sua interação com a defesa da floresta contra incêndios;
j) Promover os trabalhos necessários à elaboração de índices de risco temporal e espacial no âmbito dos incêndios florestais.
6 — As atribuições previstas nas alíneas a), h) e i) do n.º 3 e nas alíneas b), c), d) e l) do n.º 4 do presente artigo podem ser objeto de gestão por parte de terceiros, que se concretizará das seguintes formas:
a) Contrato de concessão, no caso da alínea a) do n.º 3;
b) Protocolo de gestão, no caso das alíneas h) do n.º 3 e b), c) e d) do n.º 4.
7 — A AFN pode credenciar entidades para a prossecução das atribuições previstas nas alíneas i) do n.º 3 e l) do n.º 4 do presente artigo.
8 — A AFN participa na execução da política de cooperação internacional do Estado Português, nas matérias referentes à gestão florestal, de acordo com as orientações estabelecidas e assegura a representação do Estado nestas matérias em devida articulação com outras instituições do MADRP.
9 — No respeito pelas suas atribuições a AFN pode estabelecer relações de cooperação com organismos similares de outros países ou com organizações internacionais.


[35] V. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 849.
[36] V. GOMES CANOTILHO, op. cit., págs. 849 e 850, referindo os decretos de dissolução da Assembleia da República (artigo 172.º da CRP),de nomeação dos membros do Governo (artigo 183.º), entre outros.
[37] V. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo I, 9.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 371.
[38] Na economia do presente Parecer, não se justifica discutir a natureza normativa ou não dos Decretos de 1959 e de 1963, quer atendendo à natureza evidentemente individual e concreta que os mesmos assumem, quer ao facto de os decretos simples nunca possuírem natureza normativa (neste sentido, v. JORGE MIRANDA, “Decreto”, separata do Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra, 1974, pág. 71).
[39] V. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 190.
[40] V. BATISTA MACHADO, op. cit., pág. 191.
[41] Refira-se, aliás, que a forma de decreto está completamente em desuso quando se trata da prática de atos da função administrativa.
[42] V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra,1997, pág.817.
[43] V. MARK KIRKBY, Contratos sobre o Exercício de Poderes Públicos. O Exercício contratualizado do Poder Administrativo de Decisão Unilateral, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 304.
[44] Como salienta CASALTA NABAIS, op. cit., pág. 84.
[45] V. sobre esta matéria SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs. 576 e seguintes.
[46] V. MARK KIRKBY, op. cit., pág. 366, nota de rodapé n.º 415.
[47] V. SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 684. Apesar de se pronunciar antes da entrada em vigor do CPA, esta afirmação compreende-se pelo facto de o Autor considerar que o princípio geral de permissibilidade de recurso ao contrato ficou estabelecido, no ordenamento jurídico português, pelo artigo 9.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril.
[48] V. MARK KIRKBY, op. cit., pág. 367.
[49] Cfr. BERNARDO AYALA, “Considerations sur l’Interchangeabilité entre acte administratif et contrat administratif dans le Droit portugais”, in Revue Européenne de Droit Public, volume 10, n.º 2, 1998, pág. 435.
[50] V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO GONÇALVES e PACHECO DE AMORIM, op. cit., pág. 819.
[51] Cfr. MARK KIRKBY, op. cit., pág. 366, nota de rodapé n.º 415, já citada.
[52] V. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 298.
[53] Nos termos do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro.
[54] E nem se diga que o Presidente da AFN não poderia autorizar a alienação gratuita de bens do Estado, visto que, de acordo com o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 307/94, de 21 de dezembro, “[O]s bens móveis do Estado que à data da entrada em vigor do presente diploma se encontrem afetados a outras pessoas coletivas públicas passam a integrar os respetivos patrimónios, exceto se fizerem parte do património cultural português ou lhes for reconhecido valor cultural nos termos do artigo 7.º.”
[55] Este preceito determina que “[T]odos os contratos administrativos são suscetíveis de redução e conversão, nos termos do disposto nos artigos 292.º e 293.º do Código Civil, independentemente do respetivo desvalor jurídico”.
[56] V. MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 742.
[57] Idem, pág.837.
[58] Ofício SEFDR/295/2012/632, de 2/2/2012.
[59] Ofício n.º 3168/2012, de 8 de fevereiro de 2012.
[60] Ofício n.º 1547/2012, de 12 de junho de 2012.
[61] Publicado no Diário do Governo n.º 109, II série, de 8 de maio de 1959, e cujo teor era o seguinte:
«Solicitou a Câmara Municipal de Moura a submissão ao regime florestal parcial, nos termos do § 1.º do artigo 227.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, da Herdade da Contenda, que constitui propriedade direta da mesma Câmara e se encontra situada naquele concelho.
Reconhecido que estes terrenos estão nas condições de serem submetidos àquele regime, elaborou a Direção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas projeto de arborização da Herdade da Contenda, aprovado por despacho ministerial de 13 de novembro de 1958.
Atendendo ao parecer favorável do Conselho Técnico dos Serviços Florestais:
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:
Artigo 1.º É submetida ao regime florestal parcial a propriedade denominada «Herdade da Contenda», sita na freguesia de Santo Aleixo, concelho de Moura, distrito de Beja, com a superfície de 5267,95 ha, pertencente à Câmara Municipal de Moura, com o registo de inscrição na matriz cadastral daquela freguesia prédio n.º 1, secções U, U1, U2, U3,U4 e U5, do cadastro geométrico do concelho de Moura.
Art.º 2.º A arborização e a exploração dos referidos terrenos efetuar-se-ão por conta do Estado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 219.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, nas condições dos artigos 225.º e 227.º do mesmo decreto.
A divisão dos lucros líquidos entre o Estado e a citada Câmara Municipal efetuar-seá proporcionalmente às despesas custeadas pelo Estado e, por outro lado, ao valor atribuído aos terrenos concedidos pela Câmara, e que se estipulou ser de 2.500$ por hectare.
Art.º 3.º Que, nos termos dos §§ 1.º e 3.º do artigo 227.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, seja anualmente pago à Câmara, pelo serviços florestais, o rendimento de 125.000$, que se provou auferir desta propriedade, enquanto a quota-parte que lhe venha a pertencer do rendimento líquido das explorações não for superior àquela importância.
§ 1.º Este pagamento é contado a partir do ano de 1959, cabendo aos serviços florestais integralmente todas as receitas provenientes de rendimentos desta propriedade.
§ 2.º Prevendo-se para a integral execução do trabalho o prazo de cinco anos, e que a ocupação do terreno se fará progressivamente nesse período de tempo, a quota-parte a pagar pelos serviços florestais àquela Câmara será: em 1959, 31.725$; em 1960, 63.450$; em 1961, 95.175$, e em 1962 e seguintes, 125.000$, até ao prazo previsto no corpo deste artigo.
Art.º 4.º A arborização será levada a efeito de conformidade com o plano que faz parte integrante deste decreto e baixa assinado pelo Secretário de Estado da Agricultura.»

[62] Publicado no Diário do Governo, II série, n.º 88, de 13 de abril de 1963, com a seguinte redação:
«Por decreto publicado no Diário da República n.º 109, 2.ª série, de 8 de maio de 1959, foi submetido ao regime florestal parcial facultativo uma propriedade do domínio privado da Câmara Municipal de Moura, com uma área de 5267,95 ha, sita na freguesia de Santo Aleixo, concelho de Moura, distrito de Beja, que passou a constituir o perímetro florestal da Contenda.
De acordo com o artigo 4.º do mesmo decreto, apenas foi ocupada pelos serviços florestais uma parcela desta propriedade, com a área de 3364 ha, pelos quais, nos termos do artigo 3.º do mesmo decreto e por força dos § § 1.º e 3.º do artigo 227.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, a Câmara Municipal de Moura recebe anualmente a quantia de 125 000$, enquanto a quota-parte que lhe venha a pertencer do rendimento líquido das futuras explorações não for superior àquela importância.
Solicita a Câmara Municipal de Moura a entrega a estes serviços da restante área da propriedade, com 1903,95 ha, e a respetiva alteração ao decreto de submissão.
Atendendo ao parecer favorável do Conselho Técnico dos Serviços Florestais;
Usando da faculdade conferida pelo n.º 3 do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo o seguinte:
Artigo 1.º É submetida ao regime florestal parcial facultativo a propriedade denominada «Herdade da Contenda», sita na freguesia de Santo Aleixo, concelho de Moura, distrito de Beja, com uma superfície de 5267,95 ha, pertencente à Câmara Municipal de Moura, com o registo de inscrição na matriz cadastral daquela freguesia, prédio n.º 1, secções U, U1,U2, U3, U4 e U5 do cadastro geométrico do concelho de Moura.
Art. 2.º A arborização e a exploração dos referidos terrenos efetuar-se-ão por conta do Estado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 219.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, nas condições dos artigos 225.º e 227.º do mesmo decreto.
A divisão dos lucros líquidos entre o Estado e a citada Câmara Municipal efectuar-se-á proporcionalmente às despesas custeadas pelo Estado e, por outro lado, ao valor atribuído aos terrenos concedidos pela Câmara, e que se estipulou ser de 2500$ por hectare.
Art. 3.º Que, nos termos dos §§ 1.º e 3.º do artigo 227.º do Decreto de 24 de dezembro de 1903, seja anualmente pago à Câmara pelos serviços florestais a quantia de 405 000$, que se provou auferir de rendimentos desta propriedade, enquanto a quota-parte que lhe venha a pertencer do rendimento líquido das futuras explorações não for superior àquela importância.
§ 1.º No ano de 1963 apenas é devido o pagamento de 125 000$, relativos à ocupação de 3364 ha ocupados por esta Direção-Geral, ao abrigo do decreto publicado no Diário do Governo n.º 109, 2.ª série, de 8 de maio de 1959.
§ 2.º Nos anos de 1964 e seguintes pagarão anualmente os serviços florestais a quantia de 405 000$ pela ocupação total da propriedade.
§ 3.º Quando a Câmara Municipal de Moura começar a auferir as quotas-partes que lhe venham a pertencer do rendimento desta propriedade, os serviços florestais apenas pagarão a diferença dessa quota-parte para os 405 000$ enquanto este for inferior àquela importância. Logo que esta seja igual ou superior não será devido nenhum pagamento à Câmara Municipal.
Art. 4.º Cabem aos serviços florestais as receitas provenientes dos rendimentos desta propriedade.
Art. 5.º Os trabalhos a efetuar neste perímetro serão levados a efeito de acordo com projetos superiormente aprovados.
Art. 6.º Esta propriedade fica constituindo o perímetro florestal da Contenda.
Art. 7.º Este decreto anula e substitui o decreto publicado no Diário do Governo n.º 109, 2.ª série, de 8 de maio de 1959.»
[63] Cfr. Decretos n.os 42/83, de 21 de junho, e 21/89, de 11 de maio.
[64] Publicado no Diário do Governo n.º 296, de 31 de dezembro.
[65] Inserido na secção I (Definição, instituição e efeitos) do capítulo IV (Regime florestal), do título II (Regime, fomento e polícia florestal) da Parte VI.
[66] Nos termos do artigo artigo 33.º, as matas de grémios, associações, ou de particulares, a que se referem os artigos 29.º e 30.º, só poderão sair do regime florestal mediante requerimento e escritura pública assinados, pelo menos, por dois terços dos proprietários que constituam o grémio ou associação, ou pelo particular, e ainda mediante decreto revogando o de inclusão no mesmo regime.
[67] Aprovado pelo Decreto de 24 de dezembro de 1903, publicado no Diário do Governo n.º 294, de 30 de dezembro.
[68] Inserto no capítulo XV (Da arborização dos terrenos das corporações e corpos administrativos feita pelo Estado), título VII (Da execução dos serviços no regime florestal parcial), que se inicia com o artigo 219.º que dispõe:
«Decretada a inclusão de quaisquer terrenos de uma corporação ou de um corpo administrativo no regime florestal e decretado o respetivo plano de arborização, o mesmo corpo ou corporação fará, no prazo de trinta dias, a contar da data da publicação do decreto de inclusão, a declaração fundamentada de qual dos seguintes processos de arborização e exploração adota para a sujeição dos referidos terrenos:
1.º Arborização e exploração por conta do Estado, feitas pelos serviços florestais, tendo o corpo ou corporação administrativa parte nos lucros líquidos da mata;
2.º Arborização e exploração feitas e custeadas pelo corpo ou corporação administrativa, pertencendo-lhe o lucro integral;
3.º Expropriação do terreno, sua arborização e exploração feitas pelo Estado, em regime florestal total, no caso do § 3.º do artigo 4.º deste regulamento, pertencendo-lhe o lucro integral.
§ único…………………………………………………………………………………..……»
[69] Inserido no referenciado Decreto de 24 de dezembro de 1901.
[70] Publicado no Diário do Governo n.º 161, de 21 de julho de 1905.
[71] Retificado pela Declaração de Retificação n.º 88/2009, publicada no Diário da República, I série, n.º 227, de 23 de novembro de 2009.
[72] Cfr. Leis n.os 116/2009, de 23 de dezembro, e 1/2011, de 14 de janeiro.
[73] De todo o modo refira-se que o Código Florestal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 254/2009, no seu artigo 111.º, com a epígrafe Territórios existentes submetidos ao regime florestal, e inserido no Título XIII relativo às disposições transitórias e finais, disponha: «[t]odos os territórios submetidos ao regime florestal ao abrigo do Decreto de 24 de dezembro de 1901 e do Decreto de 24 de dezembro de 1903 mantêm a classificação que detêm, não carecendo de nova submissão».
[74] Retificado pela Declaração de Retificação n.º 38/2004, publicada no Diário República, I Série-A, n.º 112, de 13 de maio de 2004, alterado pelos Decretos-Leis n.os 22/2006, de 2 de fevereiro, 68/2006, de 23 de março, e 69/2006, de 23 de março, e revogado, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 201/2006, de 27 de outubro, a partir de 1 de março de 2007.
[75] Cfr. artigo 3.º
[76] Alterado pelos Decretos-Leis n.os 32/2008, de 25 de fevereiro, 160/2008, de 8 de agosto, e 44/2009, de 13 de fevereiro, e revogado, a partir de 22 de janeiro de 2012, pelo Decreto-Lei n.º 7/2012, de 17 de janeiro.
[77] Conforme se explicita no respetivo preâmbulo.
[78] Cfr. preâmbulo e artigo 1.º
[79] Retificado pelas Declarações de Retificação n.os 50/2008, publicada no Diário da República, I Série, n.º 165, de 27 de agosto de 2008, e 55/2008, publicada no Diário da República, I Série, n.º 190, de 1 de outubro de 2008.
Revogado pelo Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de junho.
[80]
«Artigo 3.º
Missão e atribuições
1 – A AFN tem por missão promover o desenvolvimento sustentável dos recursos florestais e dos espaços associados e, ainda dos recursos cinegéticos, apícolas e aquícolas das águas interiores e outros diretamente associados à floresta e às atividades silvícolas, através do conhecimento da sua evolução e fruição, garantindo a sua proteção, conservação e gestão, promovendo os equilíbrios intersectoriais, a responsabilização dos diferentes agentes e uma adequada organização dos espaços florestais, assim como a melhoria da competitividade das indústrias que integram as várias fileiras florestais, bem como a prevenção estrutural, atuando de forma concertada no planeamento e na procura de estratégias conjuntas no domínio da defesa da floresta, assumindo as funções de autoridade florestal nacional.
2 – Com respeito pela Estratégia Nacional para as Florestas, a AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito das fileiras florestais:

a) Desenvolver as funções da autoridade florestal nacional, bem como normalizar, informar e fiscalizar a atividade dos agentes interventores, públicos e privados;
b) Participar na formulação e na aplicação de políticas para as fileiras florestais, com a participação ativa destas;
c) Promover o desenvolvimento integrado do setor e das indústrias florestais, com vista à harmonização das componentes de produção de bens, prestação de serviços, transformação e comercialização;
d) Participar na definição de medidas financeiras de apoio ao setor florestal e acompanhar a sua execução;
e) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do montado de sobro e azinho e de renovação de povoamentos;
f) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do eucaliptal, em especial a requalificação e melhoria da produtividade dos povoamentos;
g) Definir e promover ações de manutenção e valorização do potencial do pinhal;
h) Promover e desenvolver, com as fileiras, projetos de investigação que permitam explorar novos produtos para a indústria e ganhos de eficiência no processo de exploração florestal, transformação industrial e de comercialização;
i) Promover, em conjunto com as principais fileiras florestais, estratégias de comunicação que permitam aos produtos florestais ganhos nos mercados interno e externo.

3 – A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito do património florestal:

a) Gerir o património florestal do Estado, designadamente a sua exploração, conservação e manutenção;
b) Participar na formulação e execução de políticas para a gestão das áreas de baldio e de apoio e regulação do património florestal privado;
c) Promover a aplicação do Regime Florestal;
d) Assegurar a elaboração, aprovação, execução e monitorização dos planos de gestão florestal e de outros instrumentos de planeamento;
e) Assegurar a gestão sustentável e a certificação das áreas sujeitas ao regime florestal;
f) Promover a constituição e acompanhamento das zonas de intervenção florestal;
g) Promover e apoiar o associativismo e os modelos de gestão sustentável em áreas privadas;
h) Promover a produção e assegurar o controlo e a certificação dos materiais florestais de reprodução;
i) Aprovar projetos de arborização e de intervenção nos espaços florestais;
j) Promover a elaboração e aprovação de normas e procedimentos de gestão e exploração florestal;

4 – A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito dos produtos e recursos silvestres:
a) Promover e participar na formulação de políticas cinegéticas, apícolas, aquícolas das águas interiores e ainda as relativas a outros produtos silvestres e coordenar as respetivas ações de desenvolvimento;
b) Promover e participar na elaboração de planos globais de gestão e de planos de gestão de caça e pesca em águas interiores, situados em áreas do Estado ou sob sua jurisdição;
c) Promover e instruir os processos relativos à criação, renovação e alteração de zonas de caça e das concessões de pesca em águas interiores;
d) Promover centralizadamente a gestão do património edificado florestal;
e) Acompanhar e apoiar tecnicamente a gestão das zonas de caça municipais;
f) Proceder à elaboração e promover a aplicação de planos de gestão dos recursos aquícolas nas águas interiores, garantindo a sua articulação com os planos de bacia hidrográfica e o Plano Nacional da Água;
g) Promover, realizar e colaborar com as organizações do setor da caça a execução de estudos de caráter técnico-científico relacionados com a gestão de habitats e da fauna cinegética e aquícola;
h) Promover a monitorização da qualidade ecológica dos cursos de água;
i) Promover e gerir o sistema nacional de informação dos recursos florestais;
j) Garantir a criação, atualização e gestão dos registos de caçadores e pescadores, promover a realização dos exames, emitir os necessários documentos de identificação, bem como as cartas de caçador e as licenças de caça e pesca.

5 – A AFN prossegue as seguintes atribuições no âmbito da defesa da floresta:

a) Conceber, coordenar e apoiar a execução das ações de prospeção e inventariação dos agentes bióticos nocivos aos ecossistemas florestais em estreita ligação com a Autoridade Fitossanitária Nacional;
b) Promover e coordenar os planos de intervenção que visem a redução de impactes e a eliminação de efeitos promovidos por agentes bióticos;
c) Promover a formulação e impulsionar a monitorização das políticas de defesa da floresta contra incêndios;
d) Promover a criação e estruturar um dispositivo de prevenção estrutural;
e) Coordenar o Programa Nacional de Sapadores Florestais;
f) Dinamizar as comissões municipais de defesa da floresta e acompanhar os gabinetes técnicos municipais;
g) Gerir o Sistema de Informação de Incêndios Florestais;
h) Assegurar a gestão de combustíveis;
i) Acompanhar as atividades agrícolas e de silvopastorícia na sua interação com a defesa da floresta contra incêndios;
j) Promover os trabalhos necessários à elaboração de índices de risco temporal e espacial no âmbito dos incêndios florestais.

6 – As atribuições previstas nas alíneas a), h) e i) do n.º 3 e nas alíneas b), c), d) e j) do n.º 4 do presente artigo podem ser objeto de gestão por parte de terceiros, que se concretizará das seguintes formas:

a) Contrato de concessão, no caso da alínea a) do n.º 3;
b) Protocolo de gestão, no caso das alíneas h) do n.º 3 e b), c) e d) do n.º 4.

7 – A AFN pode credenciar entidades para a prossecução das atribuições previstas nas alíneas i) do n.º 3 e j) do n.º 4 do presente artigo.
8 – A AFN participa na execução da política de cooperação internacional do Estado Português, nas matérias referentes à gestão florestal, de acordo com as orientações estabelecidas e assegura a representação do Estado nestas matérias em devida articulação com outras instituições do MADRP.
9 – No respeito pelas suas atribuições a AFN pode estabelecer relações de cooperação com organismos similares de outros países ou com organizações internacionais.»
[81] Estabelecendo as suas atribuições e competências e fixando os respetivos mapas de pessoal dirigente superior da administração direta e indireta.
[82] Cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 7/2012.
[83] Cfr. parte III, ponto 1.
[84] Cfr. igualmente parte III, ponto 1.
[85] Como, aliás, continua a acontecer atualmente com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P.
[86] Cfr. parte III, ponto 3.
[87] Cfr. parte III, ponto 2.
[88] “Decreto”, separata do Dicionário Jurídico da Administração Pública, Coimbra, 1974.
[89] Cfr. ob. cit., pág.5.
[90] Redação da Lei n.º 3/71, de 23 de agosto.
[91]
«Artigo 81.º
(Competência)
Compete ao Presidente da República:
………………………………………………………………………………………………………..
9.º Promulgar e fazer publicar as leis e resoluções da Assembleia Nacional, bem como as decretos-leis, os decretos para o ultramar e os decretos regulamentares, e assinar os restantes decretos. Os diplomas mencionados neste número que não sejam promulgados, assinados e publicados, segundo nele se determina, são juridicamente inexistentes.»
[92] Cfr. ob. cit., pág.7.
[93] Cfr. ob. cit., pág.8.
[94] Ob. cit., pág. 56.
[95] Ob. cit., págs. 57/58.
[96] Ob. cit., pág. 63.
[97] Vide Jorge Miranda, ob. cit., pág. 70.
[98] Idem, ibidem.
[99] Ob. cit., pág. 71.
[100] Ainda Jorge Miranda, ob. cit., pág. 77.
[101] Entrada “Regulamento”, in Enciclopédia Polis, Verbo, volume 5, págs. 266 e ss.
[102] Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, Almedina, 2012, pág. 79.
[103] Para mais desenvolvimento, ver, ainda, por todos, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 1976, págs. 409 e ss.
[104] E, de acordo com o n.º 7 daquele artigo, «[o]s regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão».
[105] Vide, também, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 71.
[106] Ob. cit., pág. 192.
[107]
«Artigo 134.º
(Competência para prática de atos próprios)
Compete ao Presidente da República na prática de atos próprios:

a) …………………………………………………………………………………………………
b) Promulgar e mandar publicar as leis, os Decretos-Leis e os Decretos Regulamentares, assinar as resoluções da Assembliea da República que aprovem acordos internacionais e os restantes decretos do Governo;
…………………………………………………………………………………………………..»
[108]
«Artigo 140.º
(Referenda ministerial)
1. Carecem de referenda do Governo os atos do Presidente da República praticados ao abrigo das alíneas h), j), l), m) e p) do artigo 133.º, das alíneas b), d) e f) do artigo 134.º e das alíneas a), b) e c) do artigo 135.º
2. A falta de referenda determina a inexistência jurídica do ato.»
[109] Este número corresponde com outra redação ao originário n.º 3 do artigo 201.º (atual artigo 198.º) e dispõe:
«Os decretos-leis e os demais decretos do Governo são assinados pelo Primeiro Ministro e pelos Ministros competentes em razão da matéria.»
[110] Vide ob. cit., pág. 501.
[111] Ibidem.
[112] Alterada pelas Leis n.os 2/2005, 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, e 42/2007, de 24 de agosto.
[113] Legalidade e Administração Pública: O sentido da vinculação administrativa à juridicidade, Almedina, 2003, págs. 834 e ss.
[114] O Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro – retificado pelas Declarações de Retificação n.os 265/91, de 30 de dezembro, publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 301, de 31 de dezembro, e 22-A/92, de 17 de fevereiro, publicada no Diário da República, I Série-A, n.º 51, de 29 de fevereiro –, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro, que o republicou, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, que revogou, a partir de 30 de julho de 2008, o capítulo III da parte IV, onde se inseria o artigo 179.º, e pela Lei n.º 30/2008, de 10 de julho, que revogou, a partir de 1 de agosto de 2008, o disposto relativamente aos Ministros da República.
[115] Vide, também, Mário Esteves De Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco De Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, págs. 816 e ss.
[116] Este texto correspondia ao n.º 1 do artigo 179.º, tal como constava da republicação do CPA, anexa ao Decreto-Lei n.º 6/96. Veja-se, porém, sobre a inexistência jurídica do n.º 2 daquele artigo a obra citada (fls. 820) na nota de rodapé antecedente.
[117] Retificado pela Declaração de Retificação n.º 18-A/2008, publicada no Diário da República, I Série, n.º 62, de 28 de março de 2008, e alterado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelos Decretos-Leis n.os 223/2009, de 11 de setembro, e 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, pelos Decretos-Leis n. os 131/2010, de 14 de dezembro, e 69/2011, de 15 de junho, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e pelos Decretos-Leis n. os 117-A/2012, de 14 de junho, e 149/2012, de 12 de julho.
[118] Veja-se Esteves de Oliveira e Outros, ob. cit., pág. 818 e bem assim Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, maio de 2008, pág. 42.
[119] Cfr. obras referidas na nota de rodapé anterior.
[120] Ibidem.
[121] Ver este propósito Pedro Gonçalves, O Contrato Administrativo, Almedina, janeiro de 2003, pág. 97.
[122] Sobre a distinção entre acordos informais e acordos vinculativos, veja-se Pedro Gonçalves, ob. cit., págs. 50 e ss. e Alexandra Leitão, Contratos Interadministrativos, dezembro de 2011, Almedina, págs. 140 e ss.
[123] Ver supra parte III, ponto 2.
[124] Cfr., a propósito, por todos, o Parecer deste Conselho Consultivo n.º 15/2007-C, de 17 de abril de 2008.
[125]
«Artigo 185.º
Regime de invalidade dos contratos.
1 –……………………………………………………………………………………………….
2 –.……………………………………………………………………………………………….
3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1, à invalidade dos contratos administrativos aplicam-se os regimes seguintes:
a) Quanto aos contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo,o regime de invalidade do ato administrativo estabelecido no presente Código;
b) ………………………………………………………………………………………………..»
[126]
«Artigo 284.º
Invalidade própria do contrato
1 – ………………………………………………………………………………………………..
2 – Os contratos são, todavia, nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos no artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo ou quando o respetivo vício determine a nulidade por aplicação do princípios gerais de direito adminstrativo.
3 – ………………………………………………………………………………………………»

[127] Ob. cit., pág. 642.
[128] Ibidem.
[129] Cfr. n.º 2 do artigo 133.º do CPA.
Anotações
Legislação: 
CCP ART1 N2 ART6 N1 ART278 ART285 N3 ART330 A)ART419 ART425 N3 N4; CPADM91 ART 179 N1; CONST76 ART6 N1 ART9 ART19 N1 H) ART134 ART172 ART183 ART197 N2 ART201 N2ART202 G) ART237 ART266 ART267; CCIV66 ART9 N1 ART280 ART281ART295 ART293 ART391 ART419 ART1273 ART1275; L 159/99 DE 14/09 ART8; L55-A/2010 DE 31/12; L 3-B/2010 DE 28/04; L 64-A/2008 DE 31/12; L 67-A/2007 DE 31/12; L 53-A/2006 DE 29/12; L 60-A/2005 DE 30/12; L 55-B/2004 DE 30/12; L 107-B/2003 DE 31/12; L 7/2003 DE 15/01; D 24/12/1901 ART25 ART26 ART27 ART28 ART29; D 24/12/1903 ART4 §4, ART38 ART113 ART117 ART219 ART225 ART227 ART232; D 11/07/1905 ART3 ART13; DL 254/2009 DE 24/09 ART29 ART30 N5 ART31 N2; L 12/2012 DE 13/03; L 116/2009 DE 23/12; L 1/2011 DE 14/01; D 08/05/1959 ART2 ART2; D 13/04/1963; D 42/83 DE 21/06 ART3; D 21/89 DE 11/05 ART3; D 24/96 DE 22/011 ART3; DL 80/2004 DE 10/04 ART2 N1 ART4 N1 N) N3; RECT 38/2004 DE 13/05; DL 22/2006 DE 02/02; DL 68/2006 DE 23/03; DL 69/2006 DE 23/03; DL 201/2006 DE 27/10; DL 159/2008 DE 06/08 ART1 ART3 N3 C) E) N6 RECT 50/2008 DE 27/08; RECT 55/2008 DE 01/10; DL 7/2012 DE 17/01; DL 135/2012 DE 29/06 ART1 N1 ART3 N1 N2 C); CARTA CONST 1826 ART75; DL 377/89 DE 26/10; PORT 191/2009 DE 20/02; D 34/96 DE 22/11; DL 307/94 DE 21/12 ART9 N3 N4 ART14; DL 170/2008 DE 26/08 ART1 ART16 ART17 ART25 N3
Referências Complementares: 
DIR ADM*ADM PUBL/DIR CONST/DIR CIV
Divulgação
Data: 
19-11-2013
Página: 
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