Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
73/2008, de 28.10.2008
Data de Assinatura: 
28-10-2008
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
FERNANDO BENTO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PROTOCOLO ADICIONAL
CONVENÇÃO PENAL SOBRE A CORRUPÇÃO
RATIFICAÇÃO
CONSELHO DA EUROPA
CORRUPÇÃO
JURADOS
ÁRBITRO
Conclusões: 
1.ª - A ratificação, por Portugal, do Protocolo Adicional à Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa afigura-se compatível com as normas e princípios da Constituição da República Portuguesa;

2.ª - As incriminações impostas pelos artigos 2.º, 3.º e 5.º do Protocolo, em matéria de corrupção activa e passiva de árbitros e de jurados nacionais, encontram-se já satisfeitas no nosso actual ordenamento jurídico-penal, não reclamando qualquer alteração legislativa;

3.ª - As incriminações preconizadas nos artigos 4.º e 6.º, em matéria de corrupção activa e passiva de árbitros e de jurados estrangeiros, reclamam a formulação de reserva análoga à formulada por Portugal relativamente aos artigos 5.º e 6.º da Convenção.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:




Na sequência de despacho proferido por Sua Excelência o Ministro da Justiça em 2 de Setembro de 2008, foi solicitado ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República parecer sobre a compatibilidade das disposições do Protocolo Adicional à Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa com o ordenamento jurídico português ou sobre a necessidade de proceder a alterações legislativas com vista à sua ratificação ([1]).

Cumpre, pois, emiti-lo.


I


1. A Convenção Penal sobre a Corrupção, do Conselho da Europa, foi aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 68/2001, de 26 de Outubro, tendo sido ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 56/2001, de 26 de Outubro.

O instrumento de ratificação da Convenção foi depositado junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa em 7 de Maio de 2002 ([2]), tendo a mesma entrado em vigor em Portugal em 1 de Setembro de 2002, de acordo com o preceituado no seu artigo 32.º, n.º 4.

Aquando da ratificação, Portugal formulou diversas reservas, as quais, conforme decorre do artigo 38.º, n.º 1, da Convenção, eram válidas por um período de três anos a contar de 1 de Setembro de 2002.

Tais reservas foram renovadas por Portugal, por igual período de tempo ([3]), sendo de presumir que se encontrem ainda em vigor, face ao estabelecido no n.º 2 do artigo 38.º da Convenção ([4]).

É o seguinte o teor dessas reservas:

«1 - …
2 - Nos termos previstos pelo n.º 2 do artigo 17.º da Convenção, a República Portuguesa declara que, quando o agente da infracção for cidadão português, mas não funcionário ou titular de cargo político do Estado Português, só aplicará a regra de competência da alínea b) do n.º 1 ao artigo 17.º da Convenção se:
O agente do crime for encontrado em Portugal;
Os factos cometidos forem puníveis também pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo se nesse lugar não se exercer poder punitivo;
Constituírem para além disso crimes que admitem extradição e esta não possa ser concedida.
3 - …
4 - A República Portuguesa, nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 1, da Convenção, reserva-se o direito de não sancionar criminalmente as infracções de corrupção passiva previstas nos artigos 5.º e 6.º, com excepção dos casos em que os seus agentes sejam funcionários ou titulares de cargos políticos de outros Estados-Membros da União Europeia e desde que a infracção tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território português.
5 - A República Portuguesa, nos termos previstos no artigo 37.º, n.º 1, da Convenção, declara que só considerará como infracções penais as práticas referidas nos artigos 7.º e 8.º da Convenção se da corrupção no sector privado resultar uma distorção da concorrência ou um prejuízo patrimonial para terceiros.
6 - A República Portuguesa, nos termos do n.º 3 do artigo 37.º da Convenção, declara que poderá recusar o auxílio mútuo previsto no n.º 1 do artigo 26.º se o pedido se reportar a uma infracção considerada como infracção política.»


2. O Protocolo Adicional à Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, assinado por Portugal em 15 de Maio de 2003, entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 2005, tendo sido ratificado por 23 Estados ([5]).

Transcreve-se seguidamente o respectivo texto ([6]):

«Os Estados-Membros do Conselho da Europa e outros Estados signatários do presente Protocolo, considerando que é conveniente complementar a Convenção Penal sobre a Corrupção (STE n.° 173, seguidamente designada por "Convenção"), visando a prevenção da corrupção e a luta contra a mesma;
Considerando também que o presente Protocolo permitirá uma mais vasta aplicação do Programa de Acção de 1996 contra a Corrupção,
acordaram o seguinte:

Capítulo I - Terminologia

Artigo 1.º - Terminologia
Para efeitos do presente Protocolo:
1 – O termo "árbitro" deve ser interpretado por referência ao direito interno dos Estados Partes, devendo abranger, em qualquer caso, a pessoa que, por força de uma convenção de arbitragem, é chamada a proferir uma decisão juridicamente vinculativa num litígio que lhe foi submetido pelas partes no acordo.
2 – Entende-se por "convenção de arbitragem" o acordo reconhecido pelo direito interno através do qual as partes aceitam submeter um litígio à decisão de um árbitro.
3 - O termo "jurado" deve ser interpretado por referência ao direito interno dos Estados Partes, devendo, em qualquer caso, abranger o leigo actuando como membro de um órgão colegial que tem a responsabilidade de decidir, no âmbito de um julgamento, sobre a culpabilidade de uma pessoa objecto de uma acusação.
4 - No caso de processo envolvendo um árbitro ou um jurado estrangeiro, o Estado em que o mesmo foi instaurado apenas pode aplicar a definição de árbitro ou jurado na medida em que esta definição seja compatível com o seu direito interno.


Capítulo II - Medidas a adoptar a nível nacional


Artigo 2.º - Corrupção activa de árbitros nacionais
Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno, quando praticadas intencionalmente, a promessa, a oferta ou a entrega por qualquer pessoa, directa ou indirectamente, de vantagem indevida a um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação nacional sobre arbitragem, em benefício próprio ou de terceiros, para que o mesmo pratique ou se abstenha de praticar um acto no exercício das suas funções.

Artigo 3.º - Corrupção passiva de árbitros nacionais
Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno, quando praticados intencionalmente, a solicitação ou o recebimento por um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação nacional sobre arbitragem, directa ou indirectamente, de qualquer vantagem indevida, em benefício próprio ou de terceiros, bem como a aceitação da oferta ou promessa de uma tal vantagem, para praticar ou se abster de praticar um acto no exercício das suas funções.

Artigo 4.º - Corrupção de árbitros estrangeiros
Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação sobre arbitragem de qualquer outro Estado.

Artigo 5.º - Corrupção de jurados nacionais
Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam qualquer pessoa que actue como jurado dentro do seu sistema judicial.

Artigo 6.º - Corrupção de jurados estrangeiros
Cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam qualquer pessoa que actue como jurado dentro do sistema judicial de qualquer outro Estado.


Capítulo III - Acompanhamento da execução e disposições finais

Artigo 7.º - Acompanhamento da execução
O Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) fará o acompanhamento da aplicação do presente Protocolo pelas Partes Contratantes.

Artigo 8.º - Relação com a Convenção
1 - Entre os Estados Partes, as disposições constantes dos artigos 2.º a 6.º do presente Protocolo serão consideradas como artigos adicionais à Convenção.
2 - As disposições da Convenção serão aplicadas na medida em que forem compatíveis com o disposto no presente Protocolo.

Artigo 9.º - Declarações e reservas
1 - Se uma Parte tiver efectuado uma declaração em conformidade com o artigo 36.º da Convenção, poderá fazer uma declaração semelhante no que respeita aos artigos 4.º e 6.º do presente Protocolo, no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
2 - Se uma parte tiver formulado uma reserva em conformidade com o artigo 37.º, n.º 1, da Convenção, restringindo a aplicação das infracções penais de corrupção passiva definidas no artigo 5.º da Convenção, pode formular uma reserva semelhante relativamente aos artigos 4.º e 6.º do presente Protocolo no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão. Qualquer outra reserva formulada por uma Parte, em conformidade com o artigo 37.º da Convenção, será igualmente aplicável ao presente Protocolo, a menos que essa Parte emita declaração em contrário no momento da assinatura ou do depósito do seu instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
3 - Nenhuma outra reserva pode ser formulada.

Artigo 10.º - Assinatura e entrada em vigor
1 - O presente Protocolo fica aberto à assinatura por parte dos Estados que assinaram a Convenção. Estes poderão expressar o seu consentimento em ficarem vinculados mediante:
a) Assinatura, sem reserva de ratificação, aceitação ou aprovação; ou
b) Assinatura sujeita a ratificação, aceitação ou aprovação, seguida de ratificação, aceitação ou aprovação.
2 - Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados junto do Secretário Geral do Conselho da Europa.
3 - O presente Protocolo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data em que cinco Estados tenham expressado o seu consentimento em ficarem vinculados pelo Protocolo, em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2, e só após a própria Convenção ter entrado em vigor.
4 - Relativamente a qualquer Estado signatário que posteriormente expresse o seu consentimento em ficar vinculado pela Convenção, o Protocolo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data da manifestação do seu consentimento em ficar vinculado pelo Protocolo, em conformidade com o disposto nos n.os 1 e 2.
5 – Nenhum Estado signatário poderá ratificar, aceitar ou aprovar este Protocolo sem que, simultânea ou anteriormente, tenha manifestado o seu consentimento em ficar vinculado pela Convenção.

Artigo 11.º - Adesão ao Protocolo
1 - Qualquer Estado, assim como a Comunidade Europeia, poderá, desde que tenha aderido à Convenção, aderir a este Protocolo após a sua entrada em vigor.
2 – Relativamente à Comunidade Europeia e a qualquer Estado aderente, o Protocolo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data do depósito do instrumento de adesão junto do Secretário-Geral da Conselho da Europa.

Artigo 12.º - Aplicação territorial
1 - Qualquer Estado ou a Comunidade Europeia pode, no momento da sua assinatura ou do depósito instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, especificar o território ou territórios a que o presente Protocolo se aplica.
2 - Qualquer das partes pode, em qualquer momento posterior, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, alargar a aplicação do presente Protocolo a qualquer outro território ou territórios especificados na declaração e por cujas relações internacionais é responsável ou em cuja representação esteja autorizado a assumir compromissos. O Protocolo entrará em vigor, relativamente a esse território, no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data da recepção dessa declaração pelo Secretário-Geral.
3 - Qualquer declaração feita nos termos dos dois números anteriores pode, em relação a qualquer território designado nessa declaração, ser retirada mediante notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. A retirada produzirá efeitos no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

Artigo 13.º - Denúncia
1 - Qualquer Parte pode, a qualquer momento, denunciar o presente Protocolo, mediante notificação dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.
2 - A denúncia produzirá efeitos no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da data de recepção da notificação pelo Secretário-Geral.
3 – A denúncia da Convenção implica a denúncia simultânea do presente Protocolo.

Artigo 14.º - Notificação
O Secretário-Geral do Conselho da Europa notificará os Estados-Membros do Conselho da Europa, bem como a Comunidade Europeia e qualquer Estado aderente ao presente Protocolo:
a) De qualquer assinatura;
b) Do depósito de qualquer instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão;
c) De qualquer data de entrada em vigor do presente Protocolo, nos termos dos artigos 10.º,11.º e 12.º;
d) De qualquer declaração ou reserva feita nos termos dos artigos 9.º e 12.º;
e) De qualquer outro acto, notificação ou comunicação relativos ao presente Protocolo.

Em fé do que os abaixo assinados, devidamente autorizados para o efeito, assinaram o presente Protocolo.

Feito em Estrasburgo, em 15 de Maio de 2003, em inglês e em francês, ambos os textos fazendo igualmente fé, num único exemplar que será depositado nos arquivos do Conselho da Europa. O Secretário-Geral do Conselho da Europa transmitirá cópia autenticada a cada uma das Partes signatárias e aderentes.»



II


Passar-se-á, de seguida, à análise do articulado do Protocolo, tendo em vista, conforme foi solicitado, apurar da compatibilidade das respectivas disposições com o ordenamento jurídico português ou da necessidade de proceder a alterações legislativas com vista à sua ratificação.


1. Para efeitos do Protocolo, estabelece-se no seu artigo 1.º a definição dos termos «árbitro», «convenção de arbitragem» e «jurado».

O termo «árbitro», segundo o n.º 1 do preceito, deve ser interpretado por referência ao direito interno dos Estados Partes, devendo abranger, em qualquer caso, a pessoa que, por força de uma convenção de arbitragem, é chamada a proferir uma decisão juridicamente vinculativa num litígio que lhe foi submetido pelas partes.

Esta disposição não suscita qualquer objecção no âmbito do ordenamento jurídico português, em que a arbitragem, constitucionalmente admitida ([7]), pode ter natureza necessária ([8]) ou voluntária ([9]).


2. Por força do disposto no n.º 2 do preceito, entende-se por "convenção de arbitragem" o acordo reconhecido pelo direito interno através do qual as partes aceitam submeter um litígio à decisão de um árbitro.

Tal definição está conforme ao conceito de convenção de arbitragem contido no artigo 1.º da Lei n.º 31/86, não havendo qualquer reparo a fazer-lhe face ao nosso ordenamento jurídico.


3. Estabelece-se no n.º 3 do preceito que o termo «jurado» deve ser interpretado por referência ao direito interno dos Estados Partes no Protocolo, devendo, em qualquer caso, abranger um leigo actuando como membro de um órgão colegial que tem a responsabilidade de decidir, no âmbito de um julgamento, sobre a culpabilidade de uma pessoa objecto de uma acusação.

A participação de leigos (juízes não togados) no exercício da função judicial não se encontra, no nosso ordenamento, circunscrita ao processo penal, abarcando litígios noutras áreas – vide artigos 67.º, 84.º, 88.º e 112.º da Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro.

A imposição constante do texto do Protocolo de que a definição abranja, pelo menos, o leigo actuando como membro de um órgão colegial que tem a responsabilidade de decidir, no âmbito de um julgamento, sobre a culpabilidade de uma pessoa objecto de uma acusação encontra-se, também, satisfeita no quadro da nossa legislação relativa ao júri em processo penal (artigos 110.º e 111.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro; Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de Dezembro; preceitos do Código de Processo Penal atinentes ao júri e aos jurados).


4. Estatui-se no n.º 4 do preceito que, em caso de processo envolvendo um árbitro ou um jurado estrangeiro, o Estado em que o mesmo foi instaurado apenas pode aplicar a definição de árbitro ou jurado na medida em que esta seja compatível com o seu direito interno.

Trata-se de um preceito análogo ao já constante, relativamente a agentes públicos estrangeiros, da alínea c) do artigo 1.º da Convenção, que não suscita qualquer objecção face ao nosso ordenamento.


5. No que respeita às medidas a tomar a nível nacional, estabelece-se no artigo 2.º do Protocolo, relativamente à corrupção activa de árbitros nacionais, que cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno, quando praticadas intencionalmente, a promessa, a oferta ou a entrega por qualquer pessoa, directa ou indirectamente, de vantagem indevida a um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação nacional sobre arbitragem, em benefício próprio ou de terceiros, para que o mesmo pratique ou se abstenha de praticar um acto no exercício das suas funções.

O árbitro, na medida em que é chamado a desempenhar, mesmo que provisória ou temporariamente, uma actividade compreendida na função jurisdicional, já se poderia considerar integrado no conceito de funcionário previsto no artigo 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal ([10]).

A questão, todavia, não era isenta de dúvidas, tendo-se, no âmbito da Unidade de Missão para a Reforma Penal, suscitado o problema da necessidade de adaptação do artigo 386.º do Código Penal ao Protocolo em análise ([11]).

Tais dúvidas acabaram por determinar que a Unidade de Missão viesse a propor uma alteração ao referido artigo, mediante aditamento de uma alínea d) ao seu n.º 3, a qual, «…no âmbito dos crimes de corrupção, alarga o conceito de funcionário aos árbitros dos tribunais arbitrais» ([12]).

Tal alínea, introduzida no artigo 386.º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, consignando que são ainda equiparados ao funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, arredou definitivamente as referidas dúvidas, ficando claro que os árbitros dos tribunais arbitrais são incluídos no conceito jurídico-penal de funcionário no que respeita aos crimes de corrupção.

Tendo em consideração o exposto, haverá que concluir no sentido de que a imposição de incriminação decorrente do artigo 2.º do Protocolo já se encontra satisfeita no âmbito do artigo 374.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, cuja redacção é a seguinte:

«Artigo 374.º
Corrupção activa
1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - …»


6. No que concerne à corrupção passiva de árbitros nacionais, determina-se no artigo 3.º do Protocolo que cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno, quando praticados intencionalmente, a solicitação ou o recebimento por um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação nacional sobre arbitragem, directa ou indirectamente, de qualquer vantagem indevida, em benefício próprio ou de terceiros, bem como a aceitação da oferta ou promessa de uma tal vantagem, para praticar ou se abster de praticar um acto no exercício das suas funções.

Tendo em consideração o disposto no artigo 386.º, n.º 3, alínea d), do Código Penal, tal imposição de incriminação já se encontra satisfeita no âmbito dos artigos 372.º e 373.º do mesmo Código, cuja redacção é a seguinte:

«Artigo 372.º
Corrupção passiva para acto ilícito
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.
3 - A pena é especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.


Artigo 373.º
Corrupção passiva para acto lícito
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre o funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial de pessoa que perante ele tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções públicas.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º e nos n.os 3 e 4 do artigo anterior.»


7. Estabelece-se no artigo 5.º do Protocolo, relativamente à corrupção de jurados nacionais, que cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam qualquer pessoa que actue como jurado dentro do seu sistema judicial.

Qualquer leigo que seja chamado, seja como jurado em processo penal, seja como juiz social em processo de outra natureza, a participar na função pública jurisdicional no âmbito do nosso sistema judicial, fica abrangido pelo conceito jurídico-penal de funcionário decorrente do artigo 386.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal ([13]).

A imposição de incriminação decorrente deste preceito do Protocolo já se encontra, pois, satisfeita no âmbito do nosso direito interno, paralelamente ao que sucede relativamente aos árbitros nacionais, conforme referido nos dois pontos anteriores.


8. Relativamente à corrupção de árbitros estrangeiros, determina-se no artigo 4.º do Protocolo que cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam um árbitro a exercer funções ao abrigo da legislação sobre arbitragem de qualquer outro Estado.

De igual modo, estatui-se no artigo 6.º, no que respeita à corrupção de jurados estrangeiros, que cada Parte adoptará as medidas legislativas e outras que entenda necessárias para classificar como infracções penais no âmbito do seu direito interno as condutas referidas nos artigos 2.º e 3.º, quando envolvam qualquer pessoa que actue como jurado dentro do sistema judicial de qualquer outro Estado.

Trata-se, relativamente a árbitros e jurados, de instituir um regime de incriminação paralelo ao que resultava do artigo 5.º da Convenção, em que se estabeleceu que cada parte deveria adoptar as medidas legislativas e outras que entendesse necessárias para classificar como infracções penais, nos termos dos respectivos direitos internos, as práticas referidas nos artigos 2.º e 3.º, sempre que envolvessem agentes públicos de qualquer outro Estado.

O artigo 386.º do Código Penal, ao fixar o conceito de funcionário para efeitos da lei penal, visa primacialmente, conforme resulta da sua inserção sistemática, o exercício de funções públicas no âmbito do Estado Português, apenas se estendendo a pessoas que exercem funções no quadro de administrações públicas estrangeiras ou de organizações internacionais nos casos ali expressamente previstos ([14]).

Ora, tal preceito apenas alarga o conceito de funcionário, para efeitos do disposto nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal, aos magistrados, funcionários, agentes e equiparados da União Europeia, independentemente da nacionalidade e residência, aos funcionários nacionais de outros Estados membros da União Europeia, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português, e aos que exerçam funções no âmbito de qualquer organização internacional de direito público de que Portugal seja membro, quando a infracção tiver sido cometida, total ou parcialmente, em território português.

O facto de o conceito de funcionário decorrente deste preceito não abranger, em geral, os funcionários estrangeiros determinou que, aquando da ratificação da Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, Portugal se reservasse, nos termos do seu artigo 37.º, n.º 1, o direito de não sancionar criminalmente as infracções de corrupção passiva previstas nos artigos 5.º e 6.º, com excepção dos casos em que os seus agentes fossem funcionários ou titulares de cargos políticos de outros Estados-Membros da União Europeia e desde que a infracção tivesse sido cometida, no todo ou em parte, em território português.

As razões que determinaram tal reserva relativamente aos artigos 5.º e 6.º da Convenção são transponíveis para as incriminações previstas nos artigos 4.º e 6.º do Protocolo, justificando a formulação de reserva análoga, a qual é permitida de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Protocolo.


9. O artigo 7.º do Protocolo, em que se estatui que o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) fará o acompanhamento da sua aplicação pelas Partes Contratantes, não suscita qualquer observação na economia do presente parecer.


10. Por força do disposto no artigo 8.º do Protocolo, as disposições constantes dos seus artigos 2.º a 6.º serão consideradas, entre os Estados Partes, como artigos adicionais à Convenção, sendo, por outro lado, as disposições desta aplicáveis na medida em que forem compatíveis com o disposto no Protocolo.

Este preceito não suscita qualquer objecção perante o nosso ordenamento, dele decorrendo a aplicação, no âmbito do Protocolo, das disposições da Convenção que com ele se mostrarem compatíveis, com as reservas formuladas por Portugal ao abrigo do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º da Convenção, as quais, conforme preceituado no artigo 9.º, n.º 2, segunda parte, do Protocolo, se aplicarão a este, a menos que seja emitida por Portugal declaração em contrário.


11. O teor das restantes disposições do Protocolo, versando sobre a sua assinatura e entrada em vigor (artigo 10.º), adesão (artigo 11.º), aplicação territorial (artigo 12.º), denúncia (artigo 13.º) e notificações (artigo 14.º) não suscita qualquer observação no âmbito do presente parecer.


12. Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª - A ratificação, por Portugal, do Protocolo Adicional à Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa afigura-se compatível com as normas e princípios da Constituição da República Portuguesa;

2.ª - As incriminações impostas pelos artigos 2.º, 3.º e 5.º do Protocolo, em matéria de corrupção activa e passiva de árbitros e de jurados nacionais, encontram-se já satisfeitas no nosso actual ordenamento jurídico-penal, não reclamando qualquer alteração legislativa;

3.ª - As incriminações preconizadas nos artigos 4.º e 6.º, em matéria de corrupção activa e passiva de árbitros e de jurados estrangeiros, reclamam a formulação de reserva análoga à formulada por Portugal relativamente aos artigos 5.º e 6.º da Convenção.


Lisboa, 28 de Outubro de 2008


O Vogal do Conselho Consultivo,


(Fernando Bento)






([1]) Solicitação efectuada através do ofício n.º 3677, de 3 de Outubro de 2008 (P.º 412/2007-2.º V.).
([2]) Aviso n.º 60/2002, de 2 de Julho de 2002, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
([3]) Aviso n.º 34/2007, de 1 de Março, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Embora neste Aviso se refira que a renovação das reservas começou a produzir efeitos para Portugal em 1 de Setembro de 2002, abrangendo um período de três anos a partir dessa data, trata-se de um lapso manifesto, já que o início dos efeitos se deverá reportar a 1 de Setembro de 2005.
([4]) Desconhece-se se o Estado Português notificou ou não o Secretário-Geral do Conselho da Europa da pretensão de renovação das mesmas reservas para o triénio seguinte (1 de Setembro de 2008 a 31 de Agosto de 2011). Caso o não tenha feito, as reservas considerar-se-ão automaticamente renovadas por um período de seis meses, após o que caducarão, caso Portugal não venha, nesse período, a notificar a sua decisão de as manter.
([5]) Informação recolhida em http://www.conventions.coe.int. Os Estados que já procederam à ratificação do Protocolo são os seguintes: Albânia, Arménia, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, França, Grécia, Irlanda, Letónia, Luxemburgo, Macedónia, Moldova, Montenegro, Noruega, Países Baixos, Reino Unido, Roménia, Sérvia, Suécia e Suíça.
([6]) Tradução efectuada ad hoc pelo relator, dado inexistir ainda tradução oficial.
([7]) Artigo 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
([8]) Artigos 1525.º e seguintes do Código de Processo Civil.
([9]) Regulada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.
([10]) Vide, neste sentido, J. M. DAMIÃO DA CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 815.
([11]) Acta n.º 14 da Unidade de Missão para a Reforma Penal, de 6 de Março de 2006, pp. 22-23.
([12]) Acta n.º 15 da Unidade de Missão para a Reforma Penal, de 13 de Março de 2006, p. 4.
([13]) J. M. DAMIÃO DA CUNHA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 815.
([14]) Cfr., sobre esta matéria, o Parecer n.º 130/96, de 4 de Maio de 1999, deste Conselho.
Anotações
Legislação: 
RAR N68/01 DE 2001/10/26
DPR N56/01 DE 2001/10/26
L 31/86 DE 1986/08/29
L 3/99 DE 1999/01/03 - ART67 ART84 ART88 ART110 ART111 ART112
DL 387-A/87 DE 1987/12/29
CP82 ART386 N1 C) ART372 N1 N2 N3 ART373 N1 N2 N3 ART374 N1 N2
L 59/2007 DE 2007/09/04
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL*TRATADOS
Divulgação
16 + 4 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf