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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
162/2003, de 18.12.2003
Data do Parecer: 
18-12-2003
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
ESTEVES REMÉDIO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GOVERNADOR CIVIL
CÂMARA MUNICIPAL
TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIA
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
DEVER DE COLABORAÇÃO
POLÍCIA ADMINISTRATIVA
MEDIDA DE SEGURANÇA
MEDIDAS DE POLÍCIA
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
PRINCÍPIO DE PROIBIÇÃO DE EXCESSO
DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA
ESTABELECIMENTO DE RESTAURAÇÃO E BEBIDAS
LICENCIAMENTO
FUNCIONAMENTO
ENCERRAMENTO
REVOGAÇÃO TÁCITA
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INSTITUCIONAL
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
LEGITIMAÇÃO
Conclusões: 
1.ª – A polícia administrativa traduz uma forma de actuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objectivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir;
2.ª – O governador civil tem o poder de adoptar medidas de polícia administrativa para defesa da ordem pública, da segurança e tranquilidade dos cidadãos, nos termos do artigo 4.º-D, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro (redacção do Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto), e, bem assim, as providências excepcionais e urgentes circunscritas no artigo 8.º do mesmo diploma;
3.ª – O n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, não foi revogado pelo artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro;
4.ª – A adopção pelo governador civil de medidas de polícia está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia administrativa, com relevo para o princípio da proibição do excesso;
5.ª – A competência do governador civil para a aplicação das medidas de polícia previstas no n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 em relação a salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:



1

A Senhora Governadora Civil do Distrito de Lisboa, tendo em conta a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 264/2002, de 25 de Novembro (transfere para as câmaras municipais competências dos governos civis), e do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro (regula o regime jurídico do licenciamento e fiscalização pelas câmaras municipais de actividades diversas antes cometidas aos governos civis pelo Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro), suscitou a questão de saber se a norma revogatória do artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 310/2002 abrange o artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, que prevê a aplicação pelo governador civil de determinadas medidas de polícia. Justifica a consulta com a frequência com que «surgem pedidos de encerramento ou limitação do horário de funcionamento de estabelecimentos de bebidas e salas de dança» ([1]).

Ouvida sobre a matéria, a Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna pronunciou-se no sentido de que «a situação jurídica existente, relativamente às salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não sofreu qualquer alteração, com a publicação do Decreto-Lei n.º 264/2002, de 25 de Novembro, e do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, mantendo plena actualidade a doutrina do Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 9/96-B, Complementar, publicado no DR, II Série, de 29 de Janeiro de 2000, no que respeita à aplicação das medidas de polícia previstas no artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, pelo Governador Civil, as quais entroncam nas competências deste representante do Governo na área do distrito no exercício de funções de polícia contempladas no artigo 4.º-D, n.º 3, c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 316/95, de 28 de Novembro, e 213/2001, de 2 de Agosto» ([2]).

Na sequência da divulgação deste parecer da Auditoria Jurídica, o Senhor Governador Civil do Distrito de Bragança alertou para a possibilidade de haver divergência entre o governador civil, que adopta uma medida de polícia de redução de horário de funcionamento de um estabelecimento, e a câmara municipal, que, «em resposta a tal medida», poderia conceder horário mais alargado.

Daqui resultaria «um conflito institucional entre o órgão normalmente competente (Câmara Municipal) assente na legitimidade que lhe resulta da eleição e da lei habilitadora e o órgão residualmente competente (o Governador Civil) que é nomeado pelo Governo e cuja competência, na matéria, não consta da lei de forma inequívoca».

Sugeriu-se então a ponderação da possibilidade de audição da Procuradoria-Geral da República sobre a matéria ([3]).

A Auditoria Jurídica, em nova pronúncia ([4]), reiterou a posição antes assumida, e, «dado o melindre das questões suscitadas» e as «repercussões que a solução das mesmas poderá ter ao nível dos dezoito Governos Civis», sugeriu a audição, com urgência, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, sugestão que Vossa Excelência se dignou acolher ([5]).

Cumpre emitir parecer.


2

O artigo 291.º da Constituição, com a epígrafe «Distritos», dispõe que enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido (n.º 1), competindo ao governador civil representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito (n.º 3).

Este preceito, concebido como transitório já na versão originária da Constituição (artigo 263.º), tem beneficiado de uma «definitividade apreciável» ([6]). Apesar disto, as figuras do distrito e do governador civil têm conhecido um progressivo apagamento, perdendo terreno para os municípios, face ao incremento do princípio da descentralização administrativa e da afirmação do poder local.

Assim, embora seja uma «estrutura autárquica» em vias de extinção, o distrito não pode ser suprimido antes da instalação das regiões administrativas, pelo que há-de manter atribuições próprias – de entre as que por tradição lhe pertenciam –, sem prejuízo das que possam ser e forem sendo transferidas para as autarquias locais, maxime para os municípios, ao abrigo do princípio da descentralização ([7]) .

Presentemente, é o Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, o diploma que define o estatuto e competência dos governadores civis e aprova o regime dos órgãos e serviços deles dependentes ([8])([9])([10]).

A oportunidade do diploma é justificada no preâmbulo, face à indefinição do «actual estatuto do governador civil», pelas «vantagens em homogeneizar, tanto quanto possível, o conjunto variado e difuso de diplomas em que se traduz a moldura legal da sua actuação e das suas competências».

Mais tarde, a não instituição das regiões administrativas em consequência do referendo nacional sobre a matéria veio dar novo relevo à figura jurídica do governador civil, cujo estatuto foi reformulado no novo quadro de competências decorrente do processo de descentralização e desconcentração administrativas ([11]).

O Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, reparte as suas normas por nove capítulos:
– Capítulo I (Do governador civil), artigos 1.º a 3.º;
– Capítulo II (Das competências), artigos 4.º a 5.º ([12]);
– Capítulo III (Dos actos praticados pelo governador civil), artigos 6.º a 8.º;
– Capítulo IV (Da secretaria), artigos 9.º a 12.º;
– Capítulo V (Conselho coordenador da administração central de âmbito distrital), artigos 13.º e 14.º;
– Capítulo VI (Do gabinete de apoio pessoal), artigo 15.º;
– Capítulo VII (Estatuto pessoal e remuneratório), artigos 16.º a 22.º ([13]);
– Capítulo VIII (Regime financeiro dos governadores civis), artigos 23.º a 25.º;
– Capítulo IX (Disposições finais e transitórias), artigos 26.º a 30.º

Importa, na óptica da consulta, conhecer algumas destas disposições (referidas ou citadas, salvo menção em contrário, na sua versão actual).

O governador civil «é, nos termos da Constituição, o representante do Governo na área do distrito, exercendo no mesmo as funções e competências que lhe são conferidas por lei» (artigo 2.º), é «nomeado e exonerado pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministério da Administração Interna, de quem depende hierárquica e organicamente» (artigo 3.º, n.º 1).

De acordo com o artigo 4.º, o governador civil, sem prejuízo de outras consagradas em legislação avulsa, exerce competências nos seguintes domínios:
«a) Representação do Governo;
b) Aproximação entre o cidadão e a Administração;
c) Segurança pública;
d) Protecção civil».

Os artigos 4.º-A a 4.º-F explicitam as competências em cada um destes domínios, merecendo aqui destaque o artigo 4.º-D:

«Artigo 4.º-D
Competências no exercício de funções de segurança e de polícia

Compete ao governador civil, no distrito e no exercício de funções de segurança e de polícia:
1 – Conceder, nos termos da lei, licenças ou autorizações para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos e a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes.
2 – Promover, após parecer do conselho coordenador e com fundamento em política definida pelo Ministro da Administração Interna, a articulação das seguintes actividades em matéria de segurança interna:
a) Das forças de segurança quanto ao policiamento de proximidade, ouvido o respectivo responsável máximo no distrito;
b) Das forças de segurança com as polícias municipais, ouvido o respectivo responsável máximo no distrito;
c) Das acções de fiscalização que se inserem no âmbito do Ministério da Administração Interna.
3 – Providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, podendo, para o efeito:
a) Requisitar, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandos da PSP e da GNR, instaladas no distrito;
b) Propor ao Ministro da Administração Interna para aprovação os regulamentos necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências;
c) Aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-–ordenacionais previstas na lei.»

Dos actos do governador civil cabe recurso contencioso, nos termos da lei geral, e ainda, facultativamente, recurso hierárquico para o Ministro da Administração Interna (artigo 6.º).

A desobediência às ordens e aos actos praticados pelo governador civil constitui crime punido nos termos do Código Penal (artigo 7.º).

Sempre que o exijam circunstâncias excepcionais e urgentes de interesse público, o governador civil pode praticar todos os actos ou tomar todas as providências administrativas indispensáveis, solicitando, logo que lhe seja possível, a ratificação pelo órgão normalmente competente (artigo 8.º).

À economia do parecer, interessa destacar que compete ao governador civil, no exercício de funções de segurança e de polícia, providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, com eventual aplicação das medidas de polícia previstas na lei.


3

A questão objecto do parecer inscreve-se num quadro comum de competências e funções policiais dos governadores civis. Não será, por isso, descabido recortar da teoria da polícia administrativa tópicos essenciais ao seu esclarecimento.


3.1. Marcello Caetano entende por polícia «o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir» ([14]).

Por polícia administrativa (geral), o autor designa a «actividade policial que visa a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada» ([15]).

Numa óptica mais abrangente, Sérvulo Correia define polícia, em sentido funcional, como «a actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica» ([16]).

Marcello Caetano destaca várias notas distintivas do conceito de polícia ([17]).

Trata-se, em primeiro lugar, de um modo de actividade administrativa, materialmente distinto das decisões judiciais e da actividade legislativa; e de actuação da autoridade, o que pressupõe o exercício de um «poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção, isto é, por execução prévia».

A polícia administrativa representa, em segundo lugar, uma forma de intervenção no exercício de actividades individuais, implicando, por consequência, a existência de normas de conduta dos particulares e a eventualidade da sua violação por estes.

Uma terceira nota acentua que as actividades individuais em que a polícia intervém circunscrevem-se àquelas que sejam susceptíveis de fazer perigar interesses gerais; só aquilo que constitui «perigo susceptível de projectar-se na vida pública interessa à polícia»; não o que «apenas afecte interesses privados ou a intimidade das existências pessoais», «enquanto não crie o risco de uma perturbação da ordem, da segurança, da moralidade, da saúde públicas».

Em quarto lugar, o objecto próprio da polícia administrativa é a prevenção dos danos sociais, consistindo esta primordialmente em impedir as acções aptas à sua produção, ou, verificada esta, em restringir e evitar a ampliação do dano.

Por último, os danos sociais a prevenir devem constar da lei, sendo este «o elemento jurídico fundamental do instituto da polícia». O autor justifica:

«A multiplicidade proteiforme das actividades individuais perigosas não permite que as leis prevejam todas as oportunidades em que as autoridades policiais hajam de actuar e os modos pelos quais devem fazê-lo. Nasce daí o carácter normalmente discricionário dos poderes de polícia. Mas num regime de legalidade tais poderes têm de ser jurídicos. Este carácter é-–lhes garantido pelo menos por dois traços: fazerem parte de uma competência conferida por lei e visarem a realização de fins legalmente fixados.» ([18])


3.2. Sérvulo Correia considera que a passagem – com a entrada em vigor da Constituição de 1976 – de um «Estado de legalidade formal» a um Estado de direito democrático não prejudica a validade da construção teórica de Marcello Caetano ([19]).

Nos termos do artigo 272.º da Constituição, a polícia «tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos» (n.º 1); as medidas de polícia «são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário» (n.º 2).

Os princípios enunciados neste preceito constitucional são princípios gerais aplicáveis a todos os tipos de polícia, designadamente à chamada polícia administrativa ([20]).

Por outro lado, a distinção «entre defesa da legalidade democrática e garantia da segurança interna mostra que a primeira não coincide com a função tradicional de defesa da “ordem pública”, que abrangia a defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos, etc.), da segurança (prevenção de acidentes, defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos, etc.).

«O sentido mais consentâneo com o contexto global do preceito estará, porventura, ligado à ideia de garantia de respeito e cumprimento das leis em geral, naquilo que concerne à vida da colectividade.» ([21])

A Constituição – sublinha Sérvulo Correia ([22]) – «autoriza portanto uma concepção ampla dos fins da polícia. Estes serão afinal todos aqueles interesses gerais, protegidos por lei, que possam ser sujeitos a um risco de dano por condutas individuais cuja perigosidade seja controlável através do exercício de competências administrativas».

O n.º 1 do artigo 272.º da Constituição não deixará, todavia, de abranger a ordem pública na sua apontada dimensão tradicional (tranquilidade, segurança e salubridade).

Considerou já, a este propósito, o Conselho Consultivo ([23]):

«Numa fórmula breve, pode de facto dizer-se que a polícia administrativa representa o “conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade (-), orientando-se pelo escopo referencial de “prevenir os atentados à ordem pública”.
«E a ordem pública que a polícia tem funcionalmente por fim assegurar caracteriza-se em regra por três vectores:
a) pelo seu carácter principalmente material, posto que se trata de evitar desordens visíveis;
b) pelo seu carácter público, já que a polícia não tutela matérias do foro privado nem o próprio domicílio pessoal, salvo na medida em que as actividades que aí se desenrolem tenham reflexos no exterior (regulamentação do barulho causado por aparelhagens sonoras, higiene de imóveis);
c) pelo seu carácter limitado, são três os itens tradicionais da ordem pública: tranquilidade (manutenção da ordem na rua, nos lugares públicos, luta contra o ruído); segurança (prevenção de acidentes e flagelos, humanos ou naturais); salubridade (salvaguarda da higiene pública).» ([24])


3.3. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário (artigo 272.º, n.º 2, da Constituição).

Prevêem-se nesta disposição dois importantes princípios materiais relativamente às medidas de polícia: o princípio da tipicidade legal e o princípio da proibição do excesso.

«O princípio da tipicidade legal significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas: quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização da força, emprego de armas) ou operações de vigilância, todos os procedimentos estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal.

«O princípio da proibição do excesso significa que as medidas de polícia devem obedecer aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Trata-se de reafirmar, de forma enfática, o princípio constitucional fundamental em matéria de actos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais e que consiste em que eles só devem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa, sacrificando no mínimo os direitos dos cidadãos. Nesta sede isto significa que o emprego de medidas de polícia deve ser sempre justificado pela estrita necessidade e que não devem nunca utilizar-se medidas gravosas quando medidas mais brandas seriam suficientes para cumprir a tarefa.»

Entre as formas de exercício dos poderes de polícia por parte das autoridades de polícia ([25]) ([26]), importa aqui considerar os actos de polícia, com destaque, dentro destes, para as medidas de polícia ([27]).

Os actos de polícia, actos de natureza preventiva, «podem decorrer da vigilância ou ser independentes dela».

Umas vezes configuram-se como actos genéricos, dirigindo-se a uma pluralidade de pessoas; outras vezes como actos individuais.

Os actos de polícia com carácter unilateral e imperativo constituem «comandos dirigidos aos indivíduos pelas autoridades, cuja eficácia não depende da aceitação dos destinatários e a que estes devem obediência».

Manifesta-se então com especial vigor nos actos de polícia «o privilégio da execução prévia da Administração».

Do ponto de vista do seu conteúdo, os actos de polícia, ora impõem uma conduta aos indivíduos (ordem), ora uma abstenção (proibição).

As proibições podem ser absolutas, «quando vedam o exercício de uma actividade a quaisquer pessoas e em quaisquer casos», ou relativas «quando apenas se referem a certas pessoas, ou a certos casos, ou se limitam a fazer depender o exercício da actividade proibida da apreciação de caso por caso a que corresponderá a concessão ou negação de licença para a exercer».

Entre os actos policiais merecem especial menção os que têm por objecto a aplicação de medidas de polícia.

As medidas de polícia podem definir-se como «providências limitativas da liberdade de certa pessoa ou do direito de propriedade de determinada entidade, aplicadas pelas autoridades administrativas (…) com o fim de evitar a produção de danos sociais cuja prevenção caiba no âmbito das atribuições da polícia» ([28]).

Basta, portanto, «que o perigo assuma proporções graves para, independentemente da produção de facto delituoso, a polícia poder tomar as precauções permitidas por lei a título de defesa da segurança pública».

As medidas de polícia, como resulta de todo o exposto, têm natureza essencialmente preventiva.

Mesmo «quando assumam natureza repressiva (v. g., dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva». A «aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia» ([29]).

As medidas de polícia «não devem exceder “a mera prevenção” de comportamentos ilícitos e, portanto, nunca sancioná-los». Têm sempre apenas uma «função de garantia»: «ou da legalidade democrática, ou da segurança interna, ou dos direitos dos cidadãos, pelo que “previnem” apenas em geral». Continua a existir, assim, um «denominador comum entre todas as suas funções: o carácter preventivo e o da natureza de garantia». «São medidas preventivas e não sancionatórias» ([30]).

Todavia, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, da Constituição, as autoridades de polícia só têm competência para aplicar as medidas de polícia previstas na lei (princípio de tipicidade) ([31]); e não devem utilizá-las para além do estritamente necessário, com respeito pelos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade (princípio da proibição do excesso).


4

Incidentalmente já se aludiu ao «processo de descentralização e desconcentração administrativas» ([32]).

O objecto do parecer encontra-se relacionado com este movimento descentralizador, cujas concretas manifestações aqui implicadas interessa conhecer – está sobretudo em causa o regime das «salas de dança e estabelecimentos de bebidas» e o do exercício de diversas actividades sujeitas a licenciamento.

4.1. O Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, aprova o regime jurídico dos estabelecimentos de restauração e de bebidas ([33]).

Numa perspectiva de simplificação, prevê-se a existência apenas de uma licença para a abertura de tais estabelecimentos, a emitir pela câmara municipal competente.

Com efeito, os processos respeitantes à instalação de estabelecimentos de restauração ou de bebidas são organizados pelas câmaras e regulam-se pelo regime jurídico da urbanização e edificação, com as especificidades estabelecidas no diploma (artigo 3.º, n.º 1).

Nos pedidos de informação prévia e de licenciamento ou de autorização relativos à instalação dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas, o interessado deve indicar o tipo de estabelecimento pretendido (artigo 3.º, n.º 2).

E é em relação a todos os estabelecimentos de bebidas e aos estabelecimentos de restauração que disponham de salas ou espaços destinados a dança ([34]), que, no âmbito da apreciação do pedido de informação prévia ou do pedido de licenciamento ou autorização de operações urbanísticas, é cometida ao governador civil tão-só a intervenção consultiva prevista nos artigos 4.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 168/97:

«Artigo 4.º
Consulta ao governador civil

1 – No caso de todos os estabelecimentos de bebidas e dos estabelecimentos de restauração que disponham de salas ou espaços destinados a dança, a câmara municipal, no âmbito da apreciação do pedido de informação prévia, deve consultar o governador civil do distrito em que o estabelecimento se localiza a fim de este se pronunciar, quanto à sua localização e aos aspectos de segurança e ordem pública que o funcionamento do estabelecimento possa implicar, remetendo-lhe para o efeito os elementos necessários, nomeadamente a identificação da entidade requerente e a localização do estabelecimento.
2 – (...)
3 – O parecer emitido pelo governador civil no âmbito do pedido de informação prévia é vinculativo para um eventual pedido de licenciamento ou de autorização de obras de edificação do estabelecimento de restauração ou de bebidas, desde que este seja apresentado no prazo de um ano relativamente à data da comunicação ao requerente, pela câmara municipal, da decisão que haja recaído sobre aquele pedido.
4 – A não emissão de parecer dentro do prazo fixado no n.º 2 entende-se como parecer favorável.»


«Artigo 7.º
Parecer do governador civil

1 – No caso de todos os estabelecimentos de bebidas e dos estabelecimentos de restauração que disponham de salas ou espaços destinados a dança, o deferimento pela câmara municipal do pedido de licenciamento ou de autorização para a realização de obras de edificação referentes a estabelecimentos de restauração ou de bebidas carece de parecer favorável a emitir pelo governador civil do distrito em que o estabelecimento se localiza, salvo se já tiver sido emitido parecer favorável nos termos do artigo 4.º e ainda não tiver decorrido o prazo previsto no n.º 3 do mesmo artigo, no que diz respeito à sua localização, sobre aspectos de segurança e de ordem públicas que o funcionamento do estabelecimento possa implicar.
2 – (...)
3 – O parecer do governador civil, a emitir no prazo de 30 dias a contar da solicitação referida no número anterior, incide exclusivamente sobre aspectos de segurança e ordem públicas que o funcionamento do estabelecimento possa implicar.
4 – A não recepção do parecer dentro do prazo fixado no número anterior entende-se como parecer favorável.»

Merece ainda menção a circunstância de, entre as sanções acessórias previstas no Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho, se encontrar a de encerramento do estabelecimento, para cuja aplicação são, em regra, competentes as câmaras municipais [artigos 39.º, n.os 1, alínea c), 2 e 4, e 41.º do Decreto-Lei n.º 168/97, na redacção originária, e artigos 39.º, n.os 1, alínea c), 2 e 3, e 41.º, na redacção actual] ([35]).


4.2. O Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, regula o exercício de diversas actividades sujeitas a licenciamento ([36]).

No elenco destas integrou «actividades marginais à economia legal», cujo «desenvolvimento desregulado» «tem gerado um ambiente de reprovação pública e, em alguns casos, um sentimento de insegurança que se fica a dever não só ao desvalor absoluto de algumas dessas actividades como à circunstância de a sua prática estar associada à proliferação de comportamentos desviantes, agravando situações já delicadas».

Enquanto «órgãos tradicionalmente competentes para a tomada de medidas administrativas em matéria de polícia», o diploma vai «dotar os governadores civis dos instrumentos legais que lhes permitam condicionar o acesso àquelas actividades, bem como reprimir os excessos ou a sua prática ilegal, reforçando assim o seu poder de intervenção» ([37]).

Perante esta intencionalidade, o Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, enuncia no artigo 1.º (Objecto) as actividades cujo exercício fica sujeito a licenciamento:

«a) Guarda-nocturno;
b) Venda ambulante de lotarias;
c) Arrumador de automóveis;
d) Realização de acampamentos ocasionais;
e) Exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão;
f) Realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre;
g) Venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos em agências ou postos de venda;
h) Realização de fogueiras e queimadas;
/) Realização de leilões.»

O Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, que dele faz «parte integrante» (artigo 1.º), regula depois nas nove secções do seu capítulo I (artigos 1.º a 39.º) cada uma destas actividades. O capítulo II (artigos 40.º a 44.º) é dedicado à protecção de pessoas e bens e o capítulo IV contém disposições transitórias sobre taxas (artigo 49.º) e fiscalização (artigo 50.º).

O capítulo III do Anexo tem por epígrafe «Sanções» e abrange os artigos 45.º (Contra-ordenações), 46.º (Máquinas de diversão), 47.º (Sanções acessórias) e 48.º (Medidas de polícia).

É este último artigo que constitui o núcleo do objecto da consulta:

«Artigo 48.º
Medidas de polícia

1 – O governador civil pode aplicar a medida de polícia de encerramento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, bem como a de redução do seu horário de funcionamento, quando esse funcionamento se revele susceptível de violar a ordem, a segurança ou a tranquilidade públicas.
2 – O despacho que ordenar o encerramento deve conter, para além da sua fundamentação concreta, a indicação dos condicionamentos a satisfazer para que a reabertura seja permitida.
3 – As licenças concedidas nos termos do presente diploma podem ser revogadas a qualquer momento com fundamento na infracção das regras estabelecidas para a respectiva actividade, na inaptidão do seu titular para o respectivo exercício, bem como sempre que tal medida de polícia se justifique para manutenção ou reposição da segurança, da ordem ou da tranquilidade públicas.
4 – O governador civil pode delegar no todo ou em parte a competência para aplicar as medidas de polícia previstas nos números anteriores nos comandantes do comando de polícia, de divisão, de secção ou de esquadra da PSP ou de brigada, de grupo, de destacamento territorial ou de posto da GNR.»

Retenha-se desta disposição, a circunstância de as medidas de polícia de encerramento ou de redução do horário de funcionamento terem por objecto salas de dança e estabelecimentos de bebidas, actividade que não é regulada no Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, mas, como vimos, no Decreto-Lei n.º 168/97, de 4 de Julho.


4.3. O Decreto-Lei n.º 264/2002, de 25 de Novembro, transfere para as câmaras municipais competências dos governadores civis.

Trata-se de diploma enquadrado na concretização do princípio constitucional da descentralização democrática da administração pública (artigo 6.º, n.º 1, da Constituição) ([38]), referida, na circunstância, a competências em matérias consultivas, informativas e de licenciamento de diversas actividades.

«Sendo as câmaras municipais os órgãos tradicionalmente competentes para a tomada de medidas administrativas de âmbito local, reforçam-se as respectivas competências naquelas matérias por forma que o nível de decisão esteja cada vez mais próximo do cidadão» (do preâmbulo).

«Procede-se, concomitantemente – acrescenta-se –, à previsão legal do dever de cooperação dos governos civis relativamente às câmaras municipais, quanto à disponibilização de todos os elementos necessários ao cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação deste diploma.»

No seu articulado, o Decreto-Lei n.º 264/2002 atribui às câmaras municipais poderes consultivos (artigo 2.º) e deveres em matéria de informação aos cidadãos e participação procedimental (artigo 3.º).

No artigo 4.º enuncia as actividades cujo licenciamento e fiscalização é deferido às câmaras municipais (n.º 1), remetendo-se para diploma próprio o estabelecimento do respectivo regime jurídico (n.º 2).

O artigo 6.º dispõe sobre o dever de cooperação a que alude a nota preambular:

«Os governos civis devem facultar às câmaras municipais todas as informações e os elementos necessários ao exercício pelos órgãos dos municípios das competências transferidas nos termos do presente diploma.»

O «diploma próprio» a que se refere o n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-–Lei n.º 264/2002 foi publicado pouco tempo depois – trata-se do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que agora importa analisar.

O Decreto-Lei n.º 310/2002 reparte os seus 56 artigos por treze capítulos.

O capítulo I (artigos 1.º a 3.º) dispõe sobre o âmbito e licenciamento. Estabelece a primeira destas disposições:

«Artigo 1.º
Âmbito

É aprovado, em anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante, o regime jurídico do licenciamento do exercício das seguintes actividades:
a) Guarda-nocturno;
b) Venda ambulante de lotarias;
c) Arrumador de automóveis;
d) Realização de acampamentos ocasionais;
e) Exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão;
f) Realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre;
g) Venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos em agências ou postos de venda;
h) Realização de fogueiras e queimadas;
/) Realização de leilões.»

O exercício destas actividades carece de licenciamento municipal (artigo 2.º).

Os subsequentes capítulos II a X são dedicados ao licenciamento de cada uma das actividades enunciadas no artigo 1.º

O capítulo XI (artigos 42.º a 46.º) versa sobre protecção de pessoas e bens e o capítulo XII (artigos 47.º a 51.º) sobre sanções; vale a pena conhecer o teor do artigo 51.º:

«Artigo 51.º
Medidas de tutela de legalidade

As licenças concedidas nos termos do presente diploma podem ser revogadas pela câmara municipal, a qualquer momento, com fundamento na infracção das regras estabelecidas para a respectiva actividade e na inaptidão do seu titular para o respectivo exercício.»

A única disposição que integra o capítulo XIII, o artigo 52.º, é dedicado à fiscalização ([39]).

O diploma fecha com o capítulo XIV (Disposições finais e transitórias – artigos 53.º a 56.º), onde se encontra a disposição revogatória cujo alcance constitui o âmago do objecto da consulta:

«Artigo 54.º
Norma revogatória

São revogadas as normas do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, que contrariem o disposto no presente diploma.»



5

Do confronto entre o Decreto-Lei n.º 310/2002 e o Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 salta à vista a proximidade sistemática e normativa entre ambos os diplomas.

É, na verdade, patente a simetria existente entre as normas de cada uma das nove secções do capítulo I do Anexo e as dos capítulos II a X do diploma de 2002, apenas quebrada pela circunstância de as actividades em causa terem passado a ser objecto de licenciamento municipal, o que implicou o correspondente afeiçoamento.

Além disso, o capítulo II (artigos 40.º a 44.º) do Anexo ao Decreto-–Lei n.º 316/95 tem correspondência literal no capítulo XI (artigos 42.º a 46.º) do Decreto-Lei n.º 310/2002, tanto na epígrafe – protecção de pessoas e bens – como nas pertinentes disposições.

O capítulo III do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 corresponde ao capítulo XII do Decreto-Lei n.º 310/2002 e é nele que se encontra o artigo 48.º, sobre medidas de polícia.

Das várias estatuições do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, apenas o n.º 3 obtém expressão parcial no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 310/2002.

Não surpreende, pois, que se ponha a questão da vigência do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95.

Com referentes normativos diversos, esta questão, como se destaca nos pareceres da Auditoria Jurídica, colocava-se já no parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar.

Perguntava-se então se, tendo em atenção o disposto nos artigos 62.º do Decreto-Lei n.º 167/97 e 39.º do Decreto-Lei n.º 168/97, ambos de 4 de Julho, que atribuem às Câmaras Municipais a competência para aplicar a sanção acessória de encerramento dos estabelecimentos, não teria sido «revogado tacitamente o artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, que possibilitava, ao Governador Civil, aplicar a medida de polícia de encerramento das salas de dança e estabelecimentos de bebidas, quando o seu funcionamento se revelasse susceptível de violar a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas».

Respondeu-se, no essencial, pela forma seguinte (ponto IV, 5):

«Propende-se para uma resposta negativa.

«Na verdade, crê-se que no espírito da consulta estará a ideia de revogação tácita por incompatibilidade deste preceito com aquele (artigo 7.º, n.º 2, do Código Civil), mas não se vê, tudo ponderado, que tal incompatibilidade deva ter-se como líquida.

«Basta notar que o artigo 39.º – em estreito paralelismo com o citado artigo 62.º – prevê a medida de encerramento do estabelecimento como sanção acessória de certas contra-ordenações tipificadas no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 168/97, enquanto o artigo 48.º, n.º 1, a configura como medida de polícia em vocacional plano de prevenção.

«Sabemos, todavia, que as medidas de polícia se encontram sujeitas à observância de certos pressupostos e limites – com relevo para o princípio da proibição de excesso, balizado pelos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade – os quais não podem deixar de nortear a aplicação do artigo 48.º, n.º 1.»

A final, concluiu-se:

«10.8. O n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 316/85, de 28 de Novembro, não foi tacitamente revogado pelo artigo 39.º do Decreto-–Lei n.º 168/97, de 4 de Julho».

No parecer n.º 9/96-B/Complementar questionava-se também se estaria inviabilizado o poder de, igualmente ao abrigo do n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, o governador civil reduzir o horário de funcionamento das salas de dança e estabelecimentos de bebidas, uma vez que «deixa de conceder qualquer licenciamento».

A resposta foi a seguinte (ponto IV, 6):

«Figurada (...) a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas pelo artigo 48.º como providência de polícia administrativa convocada pela estrita necessidade de prevenir violações da ordem, segurança e tranquilidade públicas, não parece que a competência do governador civil para a decretar conflitue, como quer que seja, com a atribuição das competências de licenciamento a entidades diversas.

«Tanto mais que o exercício destas competências necessariamente se deve harmonizar com a preservação daqueles mesmos valores.

«Não se vislumbram, por conseguinte, convincentes razões de banimento dos aludidos poderes do governador civil.»

A este respeito, foi formulada a conclusão seguinte:

«10.9. A competência conferida ao governador civil pelo n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 316/95, para aplicar a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas».


6

Não se nos afigura que deva ser diverso o sentido da resposta no presente quadro legal.

Liminarmente, importa reconhecer que o objecto do parecer reduz-–se nuclearmente – como já acontecia no parecer n.º 9/96-B/Complementar – à norma do n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95.

Na verdade, é neste n.º 1 que se prevê a aplicação, pelo governador civil, da medida de polícia de encerramento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, bem como a de redução do seu horário de funcionamento, quando esse funcionamento se revele susceptível de violar a ordem, a segurança ou a tranquilidade públicas.

As normas do n.º 2 (conteúdo do despacho que ordena o encerramento) e do n.º 4 (delegação de competência) constituem decorrências ou complementos da do n.º 1.

Por seu turno, o n.º 3 (revogação da licença) tem correspondência e «contraria» o disposto no artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, sendo, por isso, abrangido pela norma revogatória do artigo 54.º deste diploma, solução que, aliás, corresponde ao regime geral da competência para a revogação dos actos administrativos consagrado no artigo 142.º do Código do Procedimento Administrativo ([40]).


6.1. Desde o início que o n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-–Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, nada tem a ver com as actividades reguladas no próprio diploma; respeita, sim, a «salas de dança e estabelecimentos de bebidas», actividades que, àquela data, eram reguladas no Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de Setembro, e no Decreto Regulamentar n.º 8/89, de 21 de Março.

A matéria seria, a seguir, regulada pelo Decreto-Lei n.º 327/95, de 5 de Dezembro, mas a recusa de ratificação deste diploma ([41]) originou a repristinação do regime precedente.

Tendo, algum tempo depois, sido editados os Decretos-Leis n.os 167/97 e 168/97, ambos de 4 de Julho, coube ao segundo destes diplomas regular o regime jurídico de instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas.

A entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 168/97, que continha (contém) o regime jurídico da instalação e do funcionamento, designadamente dos estabelecimentos de restauração e de bebidas «com sala ou espaços destinados a dança», suscitou, com pertinência, a questão de saber se continuava em vigor o n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, que se referia justamente à adopção de medidas de polícia em relação a tais estabelecimentos.

Fundadamente, entendeu-se, como vimos, no parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar que o n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 não fora tacitamente revogado pelo artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 168/97 e que a competência conferida ao governador civil por tal disposição, para aplicar a medida de redução do horário de funcionamento de salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflituava com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas.

A transferência para as câmaras municipais de competências dos governos civis, operada no âmbito dos Decretos-Leis n.os 264/2002, de 25 de Novembro, e 310/2002, de 18 de Dezembro, reporta-se às actividades reguladas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, mas a que é estranho, como dissemos, o n.º 1 do artigo 48.º do mesmo Anexo.

Ora, se se entendeu que a reformulação do regime jurídico de instalação e do funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas pelo Decreto-Lei n.º 168/97 não contendeu com a vigência do n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, por maioria de razão se há-de concluir pela permanência desta disposição quando as alterações a este decreto-lei nada têm a ver com o âmbito normativo de tal disposição.

O artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, revoga, do Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, as normas «que contrariem o disposto no presente diploma».

O n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, porque se reporta a actividades não reguladas no Decreto-Lei n.º 310/2002, está naturalmente impossibilitado de o «contrariar».

Acresce que tal disposição constitui uma concretização de poderes de polícia do governador civil, com tipificação de concretas medidas de polícia aplicáveis a salas de dança e estabelecimentos de bebidas.

Isto é, está em causa, a aplicação pelo governador civil de medidas de polícia, competência co-natural ao respectivo estatuto jurídico, reafirmada nas recentes alterações ao Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, cujo artigo 4.º-D, n.º 3, alínea c) ([42]), atribui ao governador civil, no exercício de funções de segurança e de polícia, competência para providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, podendo, para o efeito, aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-–ordenacionais previstas na lei.

Ponto é que seja respeitado o condicionalismo legalmente previsto para a sua aplicação, maxime o princípio da proibição do excesso, nas suas vertentes de necessidade, exigibilidade e proporcionalidade.


6.2. Resta aludir à preocupação do Senhor Governador Civil de Bragança, traduzida na possibilidade de divergência entre o governador civil e a câmara municipal, de que resultaria «um conflito institucional entre o órgão normalmente competente (Câmara Municipal) assente na legitimidade que lhe resulta da eleição e da lei habilitadora e o órgão residualmente competente (o Governador Civil) que é nomeado pelo Governo e cuja competência, na matéria, não consta da lei de forma inequívoca».

De carácter aparentemente político – estranha, nessa medida, à análise do Conselho Consultivo – a objecção não deixa de ter vertentes jurídicas que não podemos ignorar.

Quando transferiu para as câmaras municipais competências dos governos civis, o legislador teve o cuidado de, em concreta disposição (cujo teor realçou no preâmbulo do diploma), consagrar o dever de cooperação dos governos civis em relação às câmaras – trata-se do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 264/2002, de 25 de Novembro, que se recorda:

«Os governos civis devem facultar às câmaras municipais todas as informações e os elementos necessários ao exercício pelos órgãos dos municípios das competências transferidas nos termos do presente diploma.»

Esta disposição constitui, a nosso ver, uma emanação de um princípio geral de cooperação institucional que vincula todos os órgãos da Administração Pública ([43]) e que encontra reflexo em dimensões axiológicas de princípios como o da prossecução do interesse público, da boa fé, mesmo da legalidade (cf. artigos 4.º, 6.º-A e 3.º do Código do Procedimento Administrativo).

A prossecução do interesse público concita necessariamente a colaboração e cooperação entre os órgãos da Administração Pública, aqui, entre o governador civil, órgão da administração central, e a câmara municipal, órgão da administração autárquica, e reclama o mútuo respeito pelas respectivas atribuições e competências.

Ora, no caso presente – como se realça em parecer da Auditoria Jurídica ([44]) – «as medidas de polícia (necessariamente de duração temporal limitada) e as licenças policiais são realidades diferentes e visam fins diferentes, resultando umas e outras de diplomas legislativos, regularmente aprovados, que atribuem competências, sem qualquer ligação com a forma como os titulares acedem aos órgãos – se por eleição se por nomeação».

Sobre a legitimação/legitimidade, importa notar que o poder deve ter um título, uma fonte, de legitimação e deve ser exercido em termos materialmente legítimos (legitimidade) ([45]).

A legitimação pode resultar directa ou indirectamente da manifestação da vontade popular e pode resultar da própria lei. Em qualquer dos casos, os órgãos de Estado exercem o poder nos termos da lei.

Todavia, não se afigura juridicamente defensável a prevalência da legitimação democrática directa dos órgãos municipais sobre a legitimação igualmente democrática, mas indirecta, do governador civil.

Os princípios gerais da actividade administrativa vinculam uns e outro, devendo evitar-se que «uma politização desordenada» das estruturas e das decisões da Administração Pública conduza ao desrespeito da lei ou a «uma quebra da neutralidade e da imparcialidade administrativas» ([46]).


7

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª – A polícia administrativa traduz uma forma de actuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objectivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir;

2.ª – O governador civil tem o poder de adoptar medidas de polícia administrativa para defesa da ordem pública, da segurança e tranquilidade dos cidadãos, nos termos do artigo 4.º-D, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro (redacção do Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto), e, bem assim, as providências excepcionais e urgentes circunscritas no artigo 8.º do mesmo diploma;

3.ª – O n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95, de 28 de Novembro, não foi revogado pelo artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro;

4.ª – A adopção pelo governador civil de medidas de polícia está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia administrativa, com relevo para o princípio da proibição do excesso;

5.ª – A competência do governador civil para a aplicação das medidas de polícia previstas no n.º 1 do artigo 48.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 316/95 em relação a salas de dança e estabelecimentos de bebidas, não conflitua com a atribuição das competências de licenciamento dos aludidos estabelecimentos a entidades diversas.






([1]) Ofício do Governo Civil do Distrito de Lisboa, P.º n.º CB/12529, com data de entrada no Ministério da Administração Interna a 23 de Janeiro de 2003.
([2]) Parecer n.º 345-L/03, de 21 de Maio de 2003, que obteve a concordância de Vossa Excelência, por despacho de 29 de Julho de 2003, onde se manda dar conhecimento do mesmo a todos os Governadores Civis.
([3]) Ofício n.º 2151, de 26 de Agosto de 2003, do Governo Civil de Bragança.
([4]) Parecer n.º 631-L/03, de 8 de Outubro de 2003.
([5]) Despacho de 19 de Novembro de 2003, enviado pelo ofício n.º 4748/2003 (Proc. 670/2003, Reg. 8921/2003), de 20 de Novembro seguinte, à Procuradoria-Geral da República, onde deu entrada a 24 de Novembro de 2003.
([6]) Marcelo Rebelo de Sousa/José de Melo Alexandrino, Constituição da República Portuguesa Comentada, Lex, Lisboa, 2000, p. 436.
([7]) Cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 1075.
([8]) O Decreto-Lei n.º 252/92 foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 316/95, de 28 de Novembro, 264/2002, de 25 de Novembro, e 213/2001, de 2 de Agosto.
([9]) O Código Administrativo regulava os governos civis no Título VII da Parte l (artigos 404.º a 415.º); estes artigos encontram-se revogados – v., por último, o artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 252/92 (cf. J. da Silva Paixão/J. Aragão Seia/C. A. Fernandes Cadilha, Código Administrativo Actualizado e Anotado, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pp. 204-–211).
([10]) Sobre a figura do governador civil, v. José Fernando Nunes Barata, entrada «Governador Civil», Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume V, Lisboa, 1993, p. 7 e segs. Sobre o distrito, v. António Cândido de Oliveira, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora, 1993, pp. 48-55 e 358-359.
([11]) Cf., nestes termos, a justificação de motivos do Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto.
([12]) Entre os artigos 4.º e 5.º foram intercalados pelo Decreto-Lei n.º 213/2001 os artigos 4.º-A a 4.º-F.
([13]) Os artigos 17.º e 18.º, que versavam, respectivamente, sobre remuneração e ajudas de custo e subsídio foram revogados pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 213/2001; o estatuto remuneratório dos governadores civis e dos vice-governadores consta agora da Portaria n.º 948/2001, de 3 de Agosto.
([14]) Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9.ª edição (Reimpressão), Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 1150.
([15]) Ob. cit., p. 1154; as polícias administrativas especiais «são actividades policiais que têm por objecto a observância e a defesa de determinados sectores da ordem jurídica, como sejam a saúde pública (polícia sanitária), a economia nacional (polícia económica), os transportes públicos (polícia dos transportes), o uso dos meios de comunicação (polícia de viação), a prestação do trabalho (polícia do trabalho), etc.».
([16]) Entrada «Polícia», em Dicionário Jurídico da Administração Pública, volume VI, Lisboa, 1994, p. 394; em sentido institucional ou orgânico – refere este autor –, polícia é «todo o serviço administrativo que, nos termos da lei, tenha como tarefa exclusiva ou predominante o exercício de uma actividade policial» (loc. cit., p. 406).
([17]) Ob. cit., pp. 1150-1153; sintetizamos, neste passo, a explanação constante do ponto III, 1 do parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar, de 25 de Março de 1999 (Diário da República, II Série, n.º 24, de 29 de Janeiro de 2003); cf. igualmente o parecer n.º 95/2003, de 6 de Novembro de 2003, ponto V.1.
([18]) São de Marcello Caetano, Manual..., cit., pág. 1153, as citações precedentes; do mesmo autor, v. também Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Reimpressão da edição Brasileira de 1977, 1.ª Reimpressão Portuguesa, Livraria Almedina, Coimbra, 1996, pp. 271-272.
([19]) Loc. cit., p. 401.
([20]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 954-955.
([21]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 955.
([22]) Loc. cit., p. 402.
([23]) Parecer n.º 9/96-A/Complementar, de 2 de Dezembro de 1998 (Diário da República, II Série, n.º 1, de 3 de Janeiro de 2000.
([24]) Sobre o conceito de ordem pública, v. Jorge Miranda, entrada «Ordem pública», Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI, volume 21, Editorial Verbo, Lisboa/S. Paulo, p. 901; António Francisco de Sousa, “Função constitucional da Polícia”, Revista do Ministério Público, Ano 24, Jul/Set 2003, n.º 95, pp. 25-30; Pietro Virga, La Potestà di Polizia, Giuffrè Editore, Milano, 1954, pp. 32-35; e Aldo M. Sandulli, Manuale di Diritto Amministrativo, 10.ª edição, Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1969, p. 582.
([25]) Voltamos a seguir muito de perto o parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-–B/Complementar, ponto III, 5; sobre medidas de polícia, v. também o parecer n.º 75/2003, ponto V, 2.
([26]) Entre as quais o governador civil, que no parecer do Conselho Consultivo n.º 52/93, de 2 de Dezembro de 1993 (Diário da República, II Série, n.º 116, de 19 de Maio de 1994) é qualificado como «autoridade administrativa com funções de polícia», reservando-se a categoria de «autoridade policial» ou de «autoridade de polícia» para «aquelas autoridades às quais são legalmente atribuídos poderes de direcção e/ou comando das forças policiais» (ponto 5.3.).
([27]) Cfr. sobre o tema Marcello Caetano, Manual..., cit. vol. II, pp. 1164 e segs., que, seguindo o parecer n.º 9/96-B/Complementar, se volta a acompanhar.
([28]) Marcello Caetano, Manual..., cit., vol. II, p. 1170. Noutro local (Princípios..., cit., pp. 279-280), este autor precisa que os actos de polícia compreendem actos administrativos – as autorizações, licenças e medidas de polícia – e meras «operações de polícia». Operações de polícia, a maioria dos actos de polícia, não qualificáveis, portanto, como actos jurídico-administrativos, são as «intervenções dos agentes policiais exigidas pelas circunstâncias de momento, sob a forma de ordens e de proibições», tais como o encerramento temporário do trânsito numa rua, a suspensão de uma reunião ilegal ou de um espectáculo, a dissolução de um ajuntamento, etc.
([29]) Gomes Canotilho/Vital Moreira, op. cit., pág. 956.
([30]) Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 489/89, de 13 de Julho de 1989, e n.º 160/91, de 24 de Abril de 1991, Diário da República, II Série, respectivamente, n.º 27, de 1 de Fevereiro de 1990, pp. 1131 e segs., e n.º 203, de 4 de Setembro de 1991, pp. 8953 e seguintes.
([31]) Na falta de um texto legal que, em termos gerais, tipifique as medidas de polícia admissíveis, Sérvulo Correia defende que «a primeira parte do n.º 2 do artigo 272.º, segundo a qual “as medidas de polícia são as previstas na lei”, deve ser entendida na acepção de que os órgãos e agentes que empregam tais medidas devem ter competência para o efeito nos termos da lei. Um outro entendimento seria o de que as medidas deveriam ser apenas as taxativamente enunciadas na lei. Mas tal sentido iria contra a realidade das coisas, visto que a pluralidade ilimitada de circunstâncias em que perigos para os interesses públicos exigem acções preventivas por parte da Administração não se compadece com a exigência de uma tipificação normativa de todas as possíveis condutas administrativas» (Noções de Direito Administrativo, volume I, Editora Danúbio, Lda, Lisboa, 1982, p. 247). No mesmo sentido, v. os pareceres do Conselho Consultivo n.º 52/93 (ponto 4.1.1. e nota 23) e n.º 9/96-B/Complementar (ponto II, 2.3).
([32]) Expressão do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto.
([33]) O Decreto-Lei n.º 168/97 foi alterado pelos Decretos-Leis n.º 139/99, de 24 de Abril (objecto da Declaração de Rectificação n.º 10-AR/99, Diário da República, I Série-A, n.º 150, de 30 de Junho de 1999, 2.º Suplemento), n.º 222/2000, de 9 de Setembro, n.º 9/2002, de 24 de Janeiro, e n.º 57/2002, de 11 de Março; este último diploma foi objecto da Declaração de Rectificação n.º 19-Q/2002 (Diário da República, I Série-A, n.º 108, de 10 de Maio de 2002, Suplemento) e procedeu à republicação do Decreto-Lei n.º 168/97. É a este diploma, na versão actual, que, salvo menção em contrário, pertencem as disposições citadas.
O Decreto-Lei n.º 168/97 foi regulamentado, de acordo com o disposto no seu artigo 1.º, n.º 5, em relação aos «requisitos das instalações, classificação e funcionamento de cada um dos tipos de estabelecimentos», pelo Decreto Regulamentar n.º 38/97, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto Regulamentar n.º 4/99, de 1 de Janeiro.
([34]) O artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 168/97, sobre as especificações do alvará, enuncia os seguintes tipos de estabelecimentos:
«a) Estabelecimentos de restauração;
b) Estabelecimentos de restauração com sala ou espaços destinados a dança;
c) Estabelecimento de restauração com fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto;
d) Estabelecimentos de bebidas;
e) Estabelecimentos de bebidas com sala ou espaços destinados a dança;
f) Estabelecimento de bebidas com fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados enquadrados na classe D do Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 17 de Agosto.»
([35]) Um outro diploma implicado na consulta objecto do parecer do Conselho Consultivo n.º 9/96-B/Complementar era o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos; este diploma foi alterado pelos Decretos-Leis n.os 305/99, de 6 de Agosto, e 55/2002, de 11 de Março.
([36]) Em adequação a esta regulação, o diploma alterou, como vimos, o estatuto dos governadores civis.
([37]) São do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 316/95 os trechos citados.
([38]) Sobre este princípio, v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pp. 75-76.
([39]) Sobre a interpretação dos artigos 27.º e 52.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, no âmbito da fiscalização da actividade de exploração de máquinas de diversão, v. o parecer do Conselho Consultivo n.º 74/2003, de 23 de Outubro de 2003.
([40]) Com a epígrafe competência para a revogação, o artigo 142.º do CPA dispõe:
«1. Salvo disposição especial, são competentes para a revogação dos actos administrativos, além dos seus autores, os respectivos superiores hierárquicos, desde que não se trate de acto da competência exclusiva do subalterno.
2. Os actos administrativos praticados por delegação ou subdelegação de poderes podem ser revogados pelo órgão delegante ou subdelegante, bem como pelo delegado ou subdelegado enquanto vigorar a delegação ou subdelegação.
3. Os actos administrativos praticados por órgãos sujeitos a tutela administrativa só podem ser revogados pelos órgãos tutelares nos casos expressamente permitidos por lei.»
([41]) Resolução da Assembleia da República n.º 10/96 (Diário da República, I Série-A, n.º 41, de 17 de Fevereiro de 1996).
([42]) Redacção do Decreto-Lei n.º 213/2001, de 2 de Agosto.
([43]) Com o alcance que à expressão é dado pelo n.º 2 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo, abarcando os órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas, os órgãos dos institutos públicos e das associações públicas e os órgãos das autarquias locais e suas associações e federações.
([44]) De 8 de Outubro de 2003.
([45]) J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, pp. 281-282 e 1275-1276.
([46]) Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública: O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2003, pp. 294-295.
Anotações
Legislação: 
DL 264/2002 ART2 ART3 ART4 N1 N2 ART6; DL 310/2002 ART1 ART2 ART42 A 46 ART47 A 51 ART52 ART53 A 56; DL 316/95 DE 28/11; DL 252/92 ART2 ART3 N1 ART4 ART6 ART7 DE 19/11; DL 213/2001 DE 02/08;CONST76 ART6 N1 ART263 ART272 ART291; CADM36 ART404 A 415; P 948/2001 DE 03/08; DL 168/97 DE 04/07; DL 213/2001 DE 02/08; DL 139/99 DE 24/04; RECT 10-AR/99 DE 30/06; DL 222/2000 DE 09/09; DL 9/2002 DE 24/01; DL 57/2002 DE 11/03; RECT 19-Q/2002 DE 10/05; DRGU 38/97 DE 25/09; DRGU 4/99 DE 01/01; DL 167/97 DE 04/07; DL 316/95 DE 28/11; CPADM91 ART2 N2 ART3 ART4 ART6-A ART142; RAR 10/96 DE 17/02
Jurisprudência: 
AC TC Nº489/89 DE 13/07/1989
AC TC Nº 160/91 DE 24/04/1991
Referências Complementares: 
DIR ADM*ADM PUBL
Divulgação
Data: 
27-03-2004
Página: 
4915
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