19/2025, de 26.06.2025
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votou em conformidade
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Votou em conformidade
João Conde Correia dos Santos
Votou em conformidade
José Joaquim Arrepia Ferreira
Votou em conformidade
José Manuel Gonçalves Dias Ribeiro de Almeida
Votou em conformidade
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Votou em conformidade
Amadeu Francisco Ribeiro Guerra
Votou em conformidade
António Carlos Tomás Ribeiro
Votou em conformidade
Carlos Alberto Correia de Oliveira
Votou em conformidade
CONTRAORDENAÇÃO
PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
EDUCAÇÃO
DISCRIMINAÇÃO
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
COMPETÊNCIA MATERIAL
ATRIBUIÇÃO
MUNICÍPIO
PESSOA COLETIVA PÚBLICA
SISTEMA EDUCATIVO
AUTORIDADE DE SEGURANÇA ALIMENTAR E ECONÓMICA
INSPEÇÃO GERAL DE FINANÇAS
INSPEÇÃO GERAL DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
COMPONENTE DE APOIO À FAMÍLIA
ATIVIDADE DE ENRIQUECIMENTO CURRICULAR
ASSOCIAÇÕES DE PAIS E ENCARREGADOS DE EDUCAÇÃO
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
DELEGAÇÃO DE FUNÇÕES PÚBLICAS
COOPERAÇÃO INTERADMINISTRATVA
TUTELA INSPETIVA
TUTELA SANCIONATÓRIA
XVII
CONCLUSÕES
Em face de quanto vem exposto, e a fim de conceder resposta, de forma sistematizada, às questões enunciadas, formulam-se as conclusões seguintes:
1.ª — Uma autoridade administrativa só é competente para instruir procedimentos contraordenacionais, aplicar as pertinentes sanções e, se for caso disso, proceder à sua anulação administrativa, se a própria lei a identificar como tal ou se, apesar da falta de menção, já dispuser de poderes de inspeção ou de fiscalização sobre a matéria ou o objeto da infração.
2.ª — Se a competência material se reconhece a partir do objeto, não dispensa, antes pressupõe, conhecer as atribuições da pessoa coletiva pública, do ministério ou secretaria regional de que o órgão faz parte.
3.ª — Justamente por esse motivo, o artigo 34.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) confia a especificação da autoridade administrativa, em caso de dúvida, ao poder de direção ou de superintendência de cada membro do Governo, no âmbito das atribuições do Estado que são confiadas ao ministério que dirige e que a lei designa por “tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover”.
4.ª — As atribuições são delimitadas por enunciados normativos que indicam um setor ou instituição da vida económica, social ou cultural, um conjunto de necessidades coletivas ou de bens e serviços aptos à sua satisfação, mas, não raro, o legislador inscreve conjuntamente o fim ou o interesse público que ordena teleologicamente o exercício dos poderes e o desempenho das tarefas que integram a competência dos órgãos.
5.ª — A competência material de cada órgão e as atribuições da respetiva pessoa coletiva pública ou ministério complementam-se, não apenas na delimitação da função do órgão e serviços que dele dependem — um certo domínio (v.g. saúde) ou uma determinada política pública (v.g. transição energética) —, como também na identificação do fim, o qual deve sempre constituir o motivo principalmente determinante dos seus atos.
6.ª — A Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao ter estatuído que as práticas discriminatórias de pessoas com deficiência ou sob risco agravado de saúde, sem prejuízo da ilicitude que representam para efeitos de responsabilidade civil, constituem ilícito de mera ordenação social, é conforme com a diretriz programática inscrita no artigo 71.º, n.º 2, da Constituição, como é conforme, igualmente, à incumbência de o Estado garantir o respeito universal pelos direitos e liberdades fundamentais [artigo 9.º, alínea b)], de efetivar os direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação das estruturas económicas e sociais e de promover uma igualdade não meramente formal [artigo 9.º, alínea d)].
7.ª — De harmonia com o objetivo de uma política integrada e transversal, consignado pelo artigo 3.º das Bases Gerais da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto), optou o legislador, no Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, por fazer da prevenção e perseguição de tais práticas discriminatórias uma incumbência transversal, conservando o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., nas suas atribuições, um papel de recolha e tratamento de informação, estudo, conceção, análise e promoção da inclusão das pessoas com deficiência.
8.ª — É, assim, uma política pública que, além de comprometer as administrações autónomas, percorre múltiplas atribuições do Estado, repartidas por vários departamentos da administração direta ou indireta, em relação hierárquica ou de superintendência com um determinado membro do Governo, tanto quanto na sua atividade se deparem com práticas discriminatórias da pessoa com deficiência e tenham ao seu alcance meios para as prevenir e reprimir.
9.ª — Entre esses meios relevam a proximidade aos diversos circunstancialismos institucionais ou setoriais em que a discriminação é praticada, os saberes técnico-científicos aplicados, o conhecimento do contexto e a experiência adquirida: numa palavra, razões que justificam o princípio da especialidade das pessoas coletivas públicas, dos ministérios e secretarias regionais e das atribuições confiadas a cada um, assim como a repartição da competência entre os diversos órgãos.
10.ª — No artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, encontram-se descritas práticas discriminatórias que podem ocorrer em qualquer serviço ou estabelecimento público, particular ou cooperativo [alíneas a), b), d), e), j) e m)] ou mesmo no espaço público ou comunicacional [alínea l)], ao passo que outras encontram-se adstritas a elementos típicos que as circunscrevem ao mercado imobiliário, à banca e seguros [alínea c)], aos transportes públicos [alínea f)], aos cuidados de saúde [alínea g)] ou à educação, incluindo o ensino particular e cooperativo [alíneas h) e i)].
11.ª — Uma vez que os artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, acolheram um critério material e objetivo, conferindo competência contraordenacional às inspeções-gerais, entidades reguladoras, «ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração», excluiu como critério de apuramento da competência a natureza jurídica ou estatuto do agente contraordenacional. Por outras palavras, excluiu todo e qualquer critério subjetivo na identificação da autoridade administrativa competente.
12.ª — É este, aliás, o critério preferencial e subsidiário do RGCO, pois, como se viu, o artigo 34.º, n.º 2, determina que, «no silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover».
13.ª — Como tal, é indiferente que os promotores das atividades de animação e apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular sejam qualificados como prestadores de serviços, sem mais, tratando-se de associações de pais e encarregados de educação, de instituições particulares de solidariedade social ou de outros agentes para reconhecer competência à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) com base no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto, quanto mais não seja, pelo caráter residual dessa disposição, dando preferência às «competências atribuídas por lei a outras entidades».
14.ª — As referidas atividades, designadas “Escola a Tempo Inteiro”, sem embargo de uma componente lúdica e recreativa que podem e devem ter e não obstante o seu principal escopo consistir no apoio às famílias, prolongando a permanência das crianças na escola, creche ou infantário, fora dos horários letivos e durante as férias escolares, fazem parte do sistema educativo, sejam elas promovidas pelo agrupamento de escolas ou por terceiros.
15.ª — A descentralização de atribuições educativas para os municípios, compreendendo o fomento de medidas de apoio à família que garantam uma escola a tempo inteiro (artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro) além de se encontrar parcialmente suspensa, nos termos do artigo 74.º, não subtraiu tais atividades ao sistema educativo.
16.ª — As atividades de animação e apoio à família, a componente de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular, ainda quando promovidas pelas autarquias locais, devem conformar-se com as diretrizes aprovadas pelos órgãos da escola, do estabelecimento de educação pré-escolar ou do agrupamento de escolas, designadamente através do plano educativo e do regulamento interno e encontram-se sob supervisão do conselho pedagógico [artigo 33.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril] e do diretor [artigo 20.º, n.º 2, alínea h)].
17.ª — Sem prejuízo da ampla autonomia que assiste aos agrupamentos escolares e às escolas que permanecem não agrupadas, os seus órgãos continuam a ser órgãos do Estado que, embora desconcentrados e periféricos se encontram hierarquicamente subordinados ao Ministro da Educação, Ciência e Inovação.
18.ª — Se os promotores das atividades de animação e apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular não forem os próprios agrupamentos, mas, sim, os municípios ou as freguesias, tais atividades não se tornam independentes, antes se constituindo uma relação interadministrativa de cooperação entre o Estado e as autarquias locais.
19.ª — A ser promotora uma associação de pais e encarregados de educação, uma instituição particular de solidariedade social ou um prestador comercial ou cooperativo de serviços de atividades em tempos livres, ocorre uma delegação de funções públicas em agentes privados cujo desempenho é conformado pelos órgãos escolares e pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, nos termos da Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto, e no que concerne ao recrutamento de técnicos profissionais, pelo Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro.
20.ª — Por outro lado, não teve lugar nem se encontra prevista qualquer transferência de competências inspetivas do Ministério da Educação, Ciência e Inovação ou das secretarias regionais de educação das regiões autónomas para as autarquias locais.
21.ª — Competindo exclusivamente à Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), no território continental, fiscalizar o sistema educativo «no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação» (artigo 11.º, n.º 1, do regime orgânico do Ministério da Educação e Ciência) e fiscalizar também as escolas particulares e cooperativas (artigo 7.º, n.º 2, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) é este o órgão especialmente vocacionado para perseguir as práticas discriminatórias que possam verificar-se contra as pessoas com deficiência ou em risco agravado de saúde no acesso ou frequência das atividades denominadas “Escola a Tempo Inteiro”.
22.ª — E nada obsta a que a IGEC aplique coimas por tais práticas discriminatórias a municípios ou freguesias, visto o artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao estabelecer o ilícito de mera ordenação social, referir-se, expressamente, a pessoas coletivas, quer de direito privado quer de direito público.
23.ª — Nem tão-pouco se encontra a IGEC a praticar atos de tutela administrativa ou a invadir as atribuições do Estado confiadas, nesse domínio, à Inspeção-Geral de Finanças.
24.ª — Embora a tutela sobre a administração autónoma integre a competência administrativa do Governo [artigo 199.º, alínea d)) da Constituição], a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, confiou aos tribunais administrativos decretarem a perda de mandato dos eleitos locais e dissolverem órgãos colegiais do município ou da freguesia que tiverem praticado ilícitos tutelares (artigo 11.º, n.º 1) em ação a propor pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2).
25.ª — Pelo contrário, a aplicação de coimas e de sanções acessórias aos municípios e às freguesias permaneceu na função administrativa do Estado, sem prejuízo de a última palavra caber sempre aos tribunais por via da impugnação ou do recurso que possam vir a ter lugar
26.ª — E, a partir de outro ângulo, observamos que a tutela administrativa, a começar pelas modalidades integrativas, de autorização ou aprovação de certos atos, contratos e regulamentos (tutela integrativa a priori ou a posteriori), embora não possa fundamentar-se em considerações de mérito ou oportunidade, mas só de estrita legalidade (artigo 242.º, n.º 1, da Constituição) compreende sempre uma intervenção mais ou menos restritiva na autonomia do município ou da freguesia (n.º 2), o que não sucede com a aplicação de coimas.
27.ª — As autarquias locais arguidas em procedimento contraordenacional conhecem os mesmos direitos e garantias que as pessoas coletivas privadas ou de direito privado, sem lhes ser legítimo opor a autonomia local à aplicação de coimas por uma autoridade administrativa do Estado, das regiões autónomas ou por uma entidade reguladora independente.
28.ª — A IGEC não deve ver diminuída a sua competência nos casos de concurso de contraordenações compreendidos na previsão do artigo 36.º, n.º 1, do RGCO, nem no caso de comparticipação, tal como é previsto no n.º 2.
29.ª — A norma que confere competência a qualquer uma das autoridades a quem incumba processar qualquer uma das contraordenações em concurso tem de ser interpretada restritivamente, de modo a não inquinar a decisão com nulidade por incompetência absoluta [artigo 161.º, n.º 2, alínea b)] do Código do Procedimento Administrativo), sem que possa sequer vir a ser ratificada pelo órgão competente (artigo 166.º, n.º 1 e n.º 2, a contrario sensu).
30.ª — Assim, o reconhecimento da competência por conexão deve circunscrever-se ao interior da mesma pessoa coletiva, ministério ou secretaria regional, de modo a que um seu órgão se limite às atribuições da estrutura orgânica da qual faz parte, sendo que a anulabilidade decorrente da incompetência relativa pode ser sanada por ratificação do órgão competente ou pelo decurso dos prazos para a sua impugnação ou anulação oficiosa.
31.ª — De outro modo, as normas do artigo 36.º do RGCO incorreriam em inconstitucionalidade material ao desobrigarem um órgão para com o concreto interesse público que deve prosseguir (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição), na exata medida do exercício das suas funções (n.º 2), subvertendo o princípio da competência e, por conseguinte, o princípio da legalidade (artigo 3.º, n.º 2).
Proc. n.º CC 14/25
AF
Senhor Ministro da Educação,
Ciência e Inovação,
Excelência,
Consulta-nos, com nota de urgência ([1]-[2]) , sobre “Competência para a instrução e decisão de procedimentos de contraordenação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro”.
Pretende Vossa Excelência conhecer o entendimento da Procuradoria-Geral da República sobre a quem compete instruir procedimentos contraordenacionais e aplicar as pertinentes sanções por práticas discriminatórias de pessoas com deficiência quando ocorram no acesso ou frequência de atividades de apoio à família ou de enriquecimento curricular, proporcionadas, não pelo estabelecimento educativo ou pelo agrupamento de escolas, mas por outros operadores, nomeadamente, autarquias locais, associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social ou empresas privadas e cooperativas. Isto, em especial depois de o fomento de tais atividades — “Escola a Tempo Inteiro” — terem transitado para as atribuições dos municípios, à semelhança de outras tarefas no domínio educativo que vêm sendo objeto de descentralização.
Haverá dúvidas, por conseguinte, sobre se tais atividades — atividades de animação e apoio à família (AAAF), componente de apoio à família (CAF) e atividades enriquecimento curricular (AEC) — fazem parte do sistema educativo, pois são de inscrição facultativa, têm lugar à margem das atividades curriculares e fora dos tempos letivos ou de funcionamento normal dos estabelecimentos de educação pré-escolar e, não raro, são promovidas por associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social, empresas privadas, cooperativas ou mesmo pelas próprias autarquias locais.
As práticas discriminatórias em razão da deficiência ou de um risco agravado de saúde, no contexto educativo e em muitos outros, são consideradas contraordenações pela Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto[3], e que o Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, regulamentou[4], mas é justamente a sua aplicação que se tem prestado a diferentes leituras,
Dá-nos conta Vossa Excelência de virem sendo levantadas interrogações quanto à competência da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) para instruir procedimentos de contraordenação que tenham por objeto as referidas práticas discriminatórias, em especial as que se encontram previstas nas alíneas a), h), i) e j) do artigo 4.º, «atendendo à circunstância de as mesmas serem promovidas por entidades externas aos estabelecimentos de ensino, tais como autarquias, associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social ou outras entidades promotoras deste tipo de resposta social».
As questões concretamente submetidas a consulta apresentam-se especificadas nos seguintes termos:
«Em resumo, submete-se à consideração do Conselho [Consultivo]:
a) Se, independentemente da entidade promotora, cabendo à Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), por excelência, o controlo, a auditoria e a fiscalização do funcionamento do sistema educativo, no âmbito da educação pré-escolar, bem como da educação escolar, no qual se inserem, por força do disposto no artigo 4.º da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, na sua redação atual, que estabelece as Bases do Sistema Educativo, as AAAF e a CAF, é esta a inspeção-geral competente para a instrução dos procedimentos de contraordenação, a definição da medida e a aplicação das coimas e sanções acessórias, no âmbito do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro; ou,
b) Se a competência para a instrução de procedimentos de contraordenação, definição da medida e aplicação das coimas e sanções acessórias, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, deverá ser aferida em função da entidade promotora, designadamente:
i. Sendo a entidade promotora uma associação de pais e encarregados de educação, instituição particular de solidariedade social ou outra entidade que promova este tipo de resposta social, será competente para a instrução e decisão dos procedimentos supramencionados a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, nos termos da subalínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto;
ii. Sendo a entidade promotora uma autarquia local, será competente para os presentes efeitos a Inspeção-Geral [de] Finanças, por força das atribuições sobre as entidades do setor público administrativo, incluindo autarquias locais, conforme previsto no Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de dezembro, na sua redação atual; ou
c) Se, independentemente da entidade promotora, cabendo à Inspeção-Geral das Finanças o exercício do controlo de legalidade sobre as autarquias locais, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de dezembro, na sua redação atual, e atendendo à transferência de competências concretizada pelas [alíneas] a) e b) do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, na sua redação atual, é esta a inspeção-geral competente para a instrução dos procedimentos de contraordenação, a definição da medida e a aplicação das coimas e sanções acessórias, no âmbito do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro.»
Cumpre-nos, assim, emitir parecer, em conformidade com o disposto no artigo 44.º, alínea a) e no artigo 46.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público[5].
I
ENQUADRAMENTO
I.1. O Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, limitou-se a regulamentar a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, a qual, meses antes, adotara medidas de prevenção e proibição de práticas de discriminação direta ou indireta, «no exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou risco agravado de saúde».
As práticas discriminatórias, a verificarem-se, são puníveis com coimas e sanções acessórias, a aplicar pelas autoridades administrativas que a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, deixou ao critério do Governo precisar e identificar, i.e. definir a quem competiria instruir os processos de contraordenação e decidir sobre a aplicação das coimas e das sanções acessórias.
Ao contrário do que sucede com o regime contraordenacional contra a discriminação em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem (Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto[6]) não foi criado nenhum órgão com poderes para esse efeito, nem atribuídos poderes sancionatórios ao Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P[7].
Ao invés, desprovidas de poderes sancionatórios, antes remetendo participações e pareceres a órgãos inspetivos ou às autoridades judiciárias, encontram-se a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), cuja orgânica se encontra definida pelo Decreto-Lei n.º 76/2012, de 26 de março[8] e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), cuja orgânica se encontra no Decreto Regulamentar n.º 1/2012, de 6 de janeiro.
I.2. As práticas discriminatórias que comprometem o exercício de direitos por motivos baseados na deficiência ou em risco agravado de saúde apresentam características transversais e tocam, por isso, múltiplos e variados setores da atividade administrativa, da vida económica, social e cultural. Podem resultar do exercício de poderes públicos ou ocorrer nas relações entre particulares, confrontando-se, em ambos os casos, com o efeito direto (horizontal ou vertical) das normas sobre direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição[9]) e, por isso, são punidas em ambos os casos mediante coimas e sanções acessórias. Com efeito, essas práticas convocam os deveres de proteção do Estado, de modo a prevenir tais comportamentos e a punir quem por eles seja responsável[10].
Assim, a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, optou por incumbir o Governo de levar a cabo a sua regulamentação, «tomar as medidas necessárias para o acompanhamento da sua aplicação, definir as entidades administrativas com competência para a aplicação das coimas pela prática dos atos discriminatórios referidos no capítulo II e as entidades beneficiárias do produto das coimas, no prazo de 120 dias após a sua publicação».
Não tardaria a ser aprovado e publicado o Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro.
Contudo, o Governo, em tal regulamentação, apesar da multiplicidade dos possíveis agentes contraordenacionais, dos tipos de práticas discriminatórias, das circunstâncias de lugar e de modo em que podem verificar‑se e da conexão, mais ou menos estreita, com determinadas autoridades administrativas, limitou-se a uma formulação genérica para identificar a quem compete a instrução e a decidir-se pela aplicação de sanções (e sua medida) ou pelo arquivamento:
«Artigo 3.º
(Instrução)
1 — A instrução dos procedimentos de contraordenação que tenham por objeto as práticas discriminatórias descritas nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, incumbem à inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração.
2 — Instruído o procedimento, é enviada cópia do mesmo ao Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., acompanhado do respetivo relatório final.
Artigo 4.º
(Competência sancionatória)
1 — A definição da medida e a aplicação das coimas e sanções acessórias, no âmbito dos procedimentos contraordenacionais referidos no artigo anterior, incumbem à inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração.
2 — A determinação da medida da coima e das sanções acessórias faz-se de acordo com os critérios constantes do regime geral das contraordenações»
O critério enunciado nos artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, convoca dois elementos gerais: (1) há de ser uma entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória (inspeção-geral, autoridade reguladora ou de outra espécie); (2) com atribuições sobre a matéria objeto da infração.
Ora, a matéria objeto da infração presta-se a leituras e compreensões muito diversas, pois a própria discriminação de pessoas com deficiência e a preterição dos seus direitos é vista, não raro, como uma “matéria” com autonomia.
Contudo, e tanto quanto nos é dado observar no pedido de parecer, as dúvidas dizem respeito a um conjunto de circunstâncias e de agentes bem delimitados: apenas as infrações cometidas em contexto de educação pré-escolar ou de ensino básico (1.º ciclo) e quando sejam imputadas a associações de pais e encarregados de educação, a instituições particulares de solidariedade social, a empresas particulares e cooperativas ou aos municípios e freguesias, enquanto promotores de atividades de animação e apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular.
Neste enquadramento, a matéria objeto da infração, estamos em crer, deve ser identificada pela natureza jurídica dos direitos preteridos de forma discriminatória: acesso a cuidados de saúde, abono de prestações sociais, direitos de acesso e frequência do sistema educativo.
No entanto, questiona-se precisamente a competência da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) e equaciona-se a competência da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) relativamente a tais prestadores de serviços.
E, por poder estar em causa a aplicação de sanções administrativas a municípios e freguesias, admite-se até que só a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) seja competente, por ser a única autoridade administrativa investida de poderes de tutela inspetiva sobre as autarquias locais.
Mais ainda, dá-se conta de haver quem sustente que, confinando-se a competência da IGEC aos órgãos, serviços e organismos sob a direção ou superintendência do Ministro da Educação Ciência e Inovação ou, quando muito, sob os seus poderes de tutela, não lhe caberia intervir em domínio que, de certo modo, se encontraria municipalizado.
Por efeito das medidas de descentralização em matéria educativa adotadas pelo Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro[11], as referidas atividades encontrar-se-iam integralmente sob administração autárquica, de tal sorte que apenas os órgãos municipais teriam poderes sancionatórios e, na falta de intervenção destes, a Inspeção-Geral de Finanças, uma vez mais.
I.3. Importa, pois, saber ao certo a quem compete instruir os procedimentos e aplicar as coimas e sanções acessórias a os autores das práticas discriminatórias previstas no artigo 4.º, alíneas a), h), i) e j), na Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, quando ocorridas no âmbito de atividades de animação e apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF), ou de atividades de enriquecimento curricular (AEC).
Sem prejuízo da formulação meramente enunciativa, as práticas discriminatórias em razão da deficiência da pessoa lesada ou do seu estado de saúde sob risco agravado e que exibem maior afinidade com as atividades educativas encontram-se descritas na Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, nos termos seguintes:
«Artigo 4.º
(Práticas discriminatórias)
Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência as ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão da deficiência, violem o princípio da igualdade, designadamente:
a) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços;
[…]
h) A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência;
i) A constituição de turmas ou a adoção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado, segundo critérios de discriminação em razão da deficiência, salvo se tais critérios forem justificados pelos objetivos referidos no n.º 2 do artigo 2.º;
j) A adoção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
[…]».
Se a «recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços» [alínea a)] pode ter lugar numa escola, num hospital, num estabelecimento de restauração e bebidas ou num supermercado, e se a adoção de prática ou medida que condicione ou limite o exercício de qualquer direito [alínea j)] está circunscrita a «empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais», pelo contrário, as práticas discriminatórias descritas nas alíneas h) e i) só podem ter lugar em estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, seja para recusar ou limitar a frequência do estabelecimento ou o acesso a um concreto meio de compensação [alínea h)], seja na constituição das turmas ou por meio de outras medidas de organização interna [alínea j)] que discriminem direta ou indiretamente alguém em razão da deficiência que suporta ou do estado de saúde sob risco agravado em que se encontra.
I.4. Analisaremos, antes de mais, o pertinente regime legal, em especial as normas que vimos definirem as competências contraordenacionais, de modo assaz vago.
Referimo-nos às normas do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, e ao Regime Geral das Contraordenações[12], em cujo artigo 33.º e seguintes são delineados critérios de definição da autoridade administrativa competente: critérios materiais e territoriais, mas também de conexão, em caso de concurso de contraordenações, prestando-se estes, no entanto, a uma séria incompatibilidade com normas e princípios fundamentais da organização e da atividade administrativa (artigo 266.º e seguintes da Constituição).
Não obstante competir ao direito processual criminal um incontornável papel subsidiário, embora nunca dispensando as adaptações necessárias (artigo 41.º, n.º 1) e de a autoridade administrativa ser investida nos «direitos e deveres» das autoridades judiciárias (n.º 2), a determinação da competência, até por razões de ordem constitucional, não dispensa o recurso aos instrumentos próprios do direito administrativo, sobretudo à função que desempenham as atribuições de cada pessoa coletiva pública ou ministério na determinação do alcance e do fim da competência de cada órgão.
Com estes dados, passaremos a inventariar as competências da Inspeção-Geral da Educação e Ciência no quadro das atribuições do ministério que integra e em vista do enquadramento do sistema educativo, da autonomia dos estabelecimentos públicos educativos, designadamente das escolas e seus agrupamentos, e, por fim, das regras a observar no funcionamento dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, bem como na oferta das atividades de animação e de apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC).
Regras que importa compaginar com as vicissitudes ocorridas por efeito do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, e que concretizou a transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, de harmonia com a Lei n.º 58/2018, de 16 de agosto, conquanto, no artigo 74.º, tenha mantido em vigor a legislação e regulamentação aplicável às atividades de apoio à família, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular, em tudo o que não lhe for contrário, até à aprovação por decreto-lei de um regime próprio, o que não teve ainda lugar.
Em seguida, impõe-se contrastar as competências da IGEC com as da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e da Inspeção-Geral de Finanças, ora por conta dos agentes económicos que podem ser promotores das atividades educativas não letivas, ora por conta da tutela inspetiva exercida sobre as autarquias locais, respetivamente.
Por último, haveremos de apurar se, e em que termos, os municípios e as freguesias respondem a título contraordenacional perante órgãos do Estado, considerados os apertados limites da intervenção tutelar e os amplos contrafortes da autonomia local.
Antes, porém, observemos os antecedentes e a génese da política de prevenção e proibição das práticas discriminatórias em razão da deficiência da pessoa[13] ou do risco agravado na condição de saúde.
II
DA DISCRIMINAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
II.1. As Bases Gerais da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência encontram-se na Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto[14]‑[15], ali se considerando pessoa com deficiência[16] «aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas» (artigo 2.º).
Os objetivos da política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação centram-se claramente no fomento da igualdade e da universalidade por meio de uma política transversal:
«Artigo 3.º
(Objetivos)
Constituem objetivos da presente lei a realização de uma política global, integrada e transversal de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, através, nomeadamente, da:
a) Promoção da igualdade de oportunidades, no sentido de que a pessoa com deficiência disponha de condições que permitam a plena participação na sociedade;
b) Promoção de oportunidades de educação, formação e trabalho ao longo da vida;
c) Promoção do acesso a serviços de apoio;
d) Promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreiras e da adoção de medidas que visem a plena participação da pessoa com deficiência».
Entre os princípios orientadores, conta-se o da proibição da discriminação, com ressalva de certas medidas de ação positiva, e que é enunciado nos termos seguintes:
«Artigo 6.º
(Princípio da não discriminação)
1 — A pessoa não pode ser discriminada, direta ou indiretamente, por ação ou omissão, com base na deficiência.
2 — A pessoa com deficiência deve beneficiar de medidas de ação positiva com o objetivo de garantir o exercício dos seus direitos e deveres corrigindo uma situação factual de desigualdade que persista na vida social».
A habilitação e a reabilitação, de acordo com o artigo 25.º, «são constituídas pelas medidas, nomeadamente nos domínios do emprego, trabalho e formação, consumo, segurança social, saúde, habitação e urbanismo, transportes, educação e ensino, cultura e ciência, sistema fiscal, desporto e tempos livres, que tenham em vista a aprendizagem e o desenvolvimento de aptidões, a autonomia e a qualidade de vida da pessoa com deficiência».
Além de iniciativas de adaptação ao nível do emprego, trabalho e formação (artigo 26.º), da necessidade de criar um regime especial de proteção das pessoas com deficiência enquanto consumidores (artigo 28.º), de medidas específicas no domínio da segurança social (artigo 30.º), nos cuidados de saúde (artigo 31.º), nos domínios da habitação e turismo (artigo 32.º), bem como no setor dos transportes (artigo 33.º), as referidas Bases contemplam no artigo 34.º a educação e o ensino, incumbindo o Estado de «adotar medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à educação e ao ensino inclusivo, mediante, nomeadamente, a afetação de recursos e instrumentos adequados à aprendizagem e à comunicação».
Urgia adotar providências legislativas que punissem comportamentos discriminatórios em razão da deficiência e, daí, a aprovação da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
II.2. A primeira iniciativa surgiu com o projeto de lei n.º 92/X do Centro Democrático-Social-Partido Popular (CDS-PP[17]), visando adotar um regime similar ao da Lei n.º 134/99, de 28 de agosto[18], que proibia as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica[19].
Logo se seguiram iniciativas de outros grupos parlamentares com o similar propósito de prevenir e combater a discriminação da pessoa com deficiência nas mais diversas circunstâncias da vida, a ponto de a condicionarem ou privarem do exercício dos direitos que a todos assistem.
O Partido Socialista apresentou o projeto de lei n.º 149/X, prevendo sanções contraordenacionais para certas práticas discriminatórias, ao passo que os deputados do grupo parlamentar do Partido Ecologista “Os Verdes”, com o projeto de lei n.º 161/X, vieram estender a aplicação às pessoas que, não sendo deficientes, «são consideradas em situação de risco agravado de saúde e, nessa qualidade, são discriminadas e também elas impedidas ou limitadas no exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais e condicionadas, quando não mesmo impossibilitadas, no acesso de bens fundamentais, como é o caso da habitação».
O Bloco de Esquerda, por seu turno, apresentaria o projeto de lei n.º 163/X a fim de acrescentar (a) uma definição de discriminação em contexto laboral que tivesse em conta a necessidade «de adaptação funcional da atividade às características da deficiência, e de que os encargos daí decorrentes podem ser compensados por medidas de integração profissional para pessoas portadoras de deficiência, promovidas pelo Estado», (b) a introdução de um mecanismo «em que a decisão da entidade empregadora relativa à recusa de contratação ou à cessação de contrato de trabalho carece de parecer prévio do Observatório para a Integração das Pessoas com Deficiência», (c) um regime sancionatório «igual ao estabelecido para a discriminação em razão da origem étnica ou nacionalidade», e (d) a atribuição «do ónus da prova à parte requerida».
Por fim, o Partido Comunista Português, na linha de iniciativas da sua parte em anteriores legislaturas, fez dar entrada ao projeto de lei n.º 165/X, prevendo tarefas da responsabilidade do Estado (artigo 4.º) e a criação de uma Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação das Pessoas com Deficiência (artigo 6.º) que seria dotada de um conselho consultivo (artigo 13.º) e, em cujo seio funcionaria uma secção interministerial composta «por representantes de departamentos governamentais da Administração Pública consideradas de interesse para os objetivos da Comissão» (artigo 14.º, n.º 1).
Da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sairia, com amplo consenso, um texto de substituição[20], aprovado em 20 de julho de 2006, no Plenário, por unanimidade[21] e enviado ao Presidente da República como Decreto n.º 88/X[22]. Tomaria a forma de lei com a promulgação, em 11 de agosto de 2006 e seria publicado como Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
III
DA PROIBIÇÃO DE PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS
III.1. A Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, «tem por objeto prevenir e proibir a discriminação, direta ou indireta, em razão da deficiência, sob todas as suas formas, e sancionar a prática de atos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de uma qualquer deficiência» (artigo 1.º, n.º 1), aplicando-se, de igual modo «à discriminação de pessoas com risco agravado de saúde».
Tais pessoas, equiparadas, para os efeitos deste regime às pessoas com deficiência são, de acordo com o artigo 3.º, alínea c), as «que sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida».
Discriminação direta[23] é, nos termos do artigo 3.º, alínea a), a «que ocorre sempre que uma pessoa com deficiência seja objeto de um tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável».
Entende-se constituir discriminação indireta «a que ocorre sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar pessoas com deficiência numa posição de desvantagem comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários» [artigo 3.º, alínea b)].
São encorajadas, pelo contrário, formas de discriminação positiva, entendidas no artigo 3.º, alínea d), como as «medidas destinadas a garantir às pessoas com deficiência o exercício ou o gozo, em condições de igualdade, dos seus direitos».
Aquilo que o artigo 2.º, n.º 2, por outras palavras, define como «disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa que beneficiem as pessoas com deficiência com o objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nela previstos»[24].
Com o propósito de «sancionar a prática de atos que se traduzam na violação de quaisquer direitos fundamentais, ou na recusa ou condicionamento do exercício de quaisquer direitos económicos, sociais, culturais ou outros, por quaisquer pessoas, em razão de uma qualquer deficiência» (artigo 1.º, n.º 1), a lei proíbe uma série de práticas discriminatórias em razão da deficiência ou de um estado de saúde agravado e que, por esse motivo, se veem diminuídas no exercício de direitos e liberdades que a todos assistem:
«Artigo 4.º
(Práticas discriminatórias)
Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência as ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão da deficiência, violem o princípio da igualdade, designadamente:
a) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços;
b) O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma atividade económica;
c) A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, bem como o acesso ao crédito bancário para compra de habitação, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros;
d) A recusa ou o impedimento da utilização e divulgação da língua gestual;
e) A recusa ou a limitação de acesso ao meio edificado ou a locais públicos ou abertos ao público;
f) A recusa ou a limitação de acesso aos transportes públicos, quer sejam aéreos, terrestres ou marítimos;
g) A recusa ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
h) A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, assim como a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência;
i) A constituição de turmas ou a adoção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado, segundo critérios de discriminação em razão da deficiência, salvo se tais critérios forem justificados pelos objetivos referidos no n.º 2 do artigo 2.º;
j) A adoção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito;
l) A adoção de ato em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão da deficiência;
m) A adoção de medidas que limitem o acesso às novas tecnologias.»
O artigo 4.º, como assinalámos, usa uma tipologia meramente enunciativa a partir do conceito de ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que, em razão da deficiência, violem o princípio da igualdade, mas importa observar que há um elemento essencial que decorre do artigo 1.º, n.º 1: as práticas discriminatórias em questão, para serem ilícitas, violam direitos, liberdades e garantias, ou restringem o exercício de direitos económicos, sociais, culturais «ou outros» por recusa da fruição de certos bens ou pela imposição arbitrária de condicionamentos no acesso às prestações que concretizam tais direitos.
A violação de direitos, liberdades e garantias é particularmente notória na alínea l), cujo teor descreve um ato público ou com intenção de o tornar público e que emita declaração ou transmita informação que inculque ameaça, insulto ou aviltamento de um certo grupo de pessoas com deficiência, atingindo direitos inscritos na Constituição, muito próximos do reduto central da dignidade da pessoa, em especial, os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), o direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1), o direito ao casamento e a constituir família (artigo 36.º, n.º 1), a liberdade de expressão (artigo 37.º, n.º 1), a liberdade de consciência, de religião e de culto (artigo 41.º, n.º 1), a liberdade de criação intelectual, artística e científica (artigo 42.º, n.º 1), a liberdade de circulação (artigo 44.º, n.º 1), o direito de reunião (artigo 45.º, n.º 1), o direito de associação (artigo 46.º, n.º 1), a liberdade de «escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade» (artigo 47.º, n.º 1) e, para o que nos diz respeito, hic et nunc, a liberdade de aprender e ensinar (artigo 43.º, n.º 1).
A recusa ou condicionamento à fruição de bens ou serviços assoma em quase todas as outras práticas descritas no artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
Importa observar, ainda, que algumas podem encontrar justificação em «disposições de natureza legislativa, regulamentar ou administrativa que beneficiem as pessoas com deficiência com o objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos nela previstos» (artigo 2.º, n.º 2), evocando o conceito de discriminação positiva que o artigo 3.º, alínea d), identifica nas «medidas destinadas a garantir às pessoas com deficiência o exercício ou o gozo, em condições de igualdade, dos seus direitos».
Além das práticas discriminatórias descritas no artigo 4.º, são especificadas outras, no artigo imediatamente seguinte, que ocorram em contexto laboral ou no acesso a um emprego, para além das previstas na legislação laboral[25]:
«Artigo 5.º
(Discriminação no trabalho e no emprego)
1 — Consideram-se práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência, para além do disposto no Código do Trabalho:
a) A adoção de procedimento, medida ou critério, diretamente pelo empregador ou através de instruções dadas aos seus trabalhadores ou a agência de emprego, que subordine a fatores de natureza física, sensorial ou mental a oferta de emprego, a cessação de contrato de trabalho ou a recusa de contratação;
b) A produção ou difusão de anúncios de ofertas de emprego, ou outras formas de publicidade ligada à pré-seleção ou ao recrutamento, que contenham, direta ou indiretamente, qualquer especificação ou preferência baseada em fatores de discriminação em razão da deficiência;
c) A adoção pelo empregador de prática ou medida que no âmbito da relação laboral discrimine um trabalhador ao seu serviço.
2 — É proibido despedir, aplicar sanções ou prejudicar por qualquer outro meio o trabalhador com deficiência por motivo do exercício de direito ou de ação judicial contra prática discriminatória.
3 — As práticas discriminatórias definidas no n.º 1 não constituirão discriminação se, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, a situação de deficiência afete níveis e áreas de funcionalidade que constituam requisitos essenciais e determinantes para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.
4 — Para efeitos de aplicação do disposto no número anterior deverá ser analisada a viabilidade de a entidade empregadora levar a cabo as medidas adequadas, em função das necessidades de uma situação concreta, para que a pessoa portadora de deficiência tenha acesso a um emprego, ou que possa nele progredir, ou para que lhe seja ministrada formação, exceto se essas medidas implicarem encargos desproporcionados para a entidade empregadora.
5 — Os encargos não são considerados desproporcionados quando forem suficientemente compensados por medidas promovidas pelo Estado em matéria de integração profissional de cidadãos com deficiência.
6 — A decisão da entidade empregadora relativa à alínea a) do n.º 1 e a aferição do disposto nos n.os 4 e 5 do presente artigo carecem sempre de parecer prévio do Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD).»
Da análise dos artigos 4.º e 5.º ressalta a importância do contexto e das circunstâncias que rodeiam as práticas, nomeadamente a autonomia da discriminação no acesso ao emprego e nas relações laborais.
III.2. A qualificação setorial das práticas discriminatórias — saúde, transportes, crédito, habitação, consumo, seguros, educação — irá revelar um importante papel na identificação dos órgãos competentes para instruir os procedimentos contraordenacionais e decidir sobre a aplicação da coima, da sua medida e das sanções acessórias que porventura se justifiquem.
No que diz respeito às coimas, dispõe-se o seguinte:
«Artigo 9.º
(Contraordenações)
1 — A prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa singular constitui contraordenação punível com coima graduada entre 5 e 10 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
2 — A prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa coletiva de direito privado ou de direito público constitui contraordenação punível com coima graduada entre 20 e 30 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 — A tentativa e a negligência são puníveis.
4 — A requerimento do agente, a entidade competente para a aplicação das coimas ou o tribunal podem ordenar que a coima seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público ou de instituições particulares de solidariedade social cuja principal vocação seja a prestação de serviços às pessoas com deficiência e suas famílias, quando concluírem que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contraordenação e às circunstâncias do caso.
5 — A prática de qualquer ato discriminatório referido no artigo 5.º constitui contraordenação muito grave, aplicando-se o regime contraordenacional previsto no Código do Trabalho.»
A referência no n.º 1 e no n.º 2 ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril[26], justifica explicar que se trata do ato de aprovação do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o qual, no artigo 15.º-A, n.º 1, prevê que o Estado, através dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, do comércio, da inclusão e da saúde, outorgue num «acordo nacional relativo ao acesso ao crédito e a contratos de seguros por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, entre este e as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras, sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como organizações nacionais que representam pessoas com risco agravado de saúde, pessoas com deficiência e utentes do sistema de saúde[27]».
É à violação das estipulações desse acordo que constituam práticas discriminatórias que se referem os n.ºs 1 e 2, aplicáveis às pessoas singulares e às pessoas coletivas respetivamente.
São, no entanto, práticas alheias ao objeto da consulta, pois circunscrevem-se à atividade seguradora e das instituições de crédito.
Após delimitar a medida das coimas, a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, prossegue com o enquadramento das sanções acessórias, eventualmente aplicáveis:
«Artigo 10.º
(Sanções acessórias)
1 — Em função da gravidade da infração e da culpa do agente, podem ser aplicadas, simultaneamente com as coimas, as seguintes sanções acessórias:
a) Perda de objetos pertencentes ao agente;
b) Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública;
c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;
d) Privação do direito de participar em feiras ou mercados;
e) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos que tenham por objeto a empreitada ou a concessão de obras públicas, o fornecimento de bens e serviços públicos e a atribuição de licenças ou alvarás;
f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa;
g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás;
h) Publicidade da decisão condenatória;
i) Advertência ou censura públicas aos autores da prática discriminatória.
2 — As sanções referidas nas alíneas b) a g) do número anterior têm a duração máxima de dois anos contados a partir da decisão condenatória definitiva.»
Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo da coima são elevados para o dobro (artigo 11.º).
O artigo 12.º, n.º 1, institui um registo a ser organizado e conservado pelo IRN, IP. Como tal, devem ser-lhe transmitidas todas as decisões comprovativas de prática discriminatória em função da deficiência por parte dos tribunais e das autoridades administrativas com competência para aplicar coimas neste âmbito. O registo habilita o decisor com informação sobre as decisões já transitadas em julgado, relativas à pessoa em causa (n.º 2) e cuja solicitação deve ser atendida pelo IRN, IP, em oito dias (n.º 3).
Ocorrendo concurso de infrações, aplicam-se as regras gerais[28]: o agente é punido sempre a título penal, concorrendo infração criminal com a contraordenacional (artigo 13.º, n.º 1) e as coimas e sanções acessórias aplicadas às contraordenações em concurso são cumuladas materialmente (n.º 2).
Por outro lado, no artigo 14.º dispõe-se que a aplicação da coima e das sanções acessórias que couberem às contraordenações previstas neste regime, a resultar da omissão de um dever, não eximem o arguido de proceder à reintegração, por via do seu cumprimento, sempre que ainda for possível.
As associações de pessoas portadoras de deficiência, previstas na Lei n.º 127/99, de 20 de agosto[29], e as demais «organizações cujo escopo principal seja a representação, a defesa e a promoção dos direitos e interesses das pessoas com deficiência, ou a prestação de serviços às pessoas com deficiência e suas famílias, têm legitimidade para intervir, em representação ou em apoio do interessado e com a aprovação deste, nos respetivos processos jurisdicionais», ou seja, a haver recurso ou infração criminal em concurso (artigo 15.º, n.º 1).
Assiste-lhes mesmo o direito de se constituírem assistentes em processo penal se o crime tiver sido cometido «contra pessoa com deficiência, e praticado em razão dessa deficiência» (n.º 3).
Podem também acompanhar o procedimento administrativo contraordenacional, mas sem tomarem parte ativa na sua instrução (n.º 2).
III.3. Relativamente à competência, talvez porque no artigo 16.º se devolve ao Governo a definição das entidades administrativas competentes para a aplicação das coimas, o capítulo III, intitulado ‘Órgãos competentes’, resume-se às disposições que passamos a transcrever:
«Artigo 8.º
(Extensão de competências)
1 — A aplicação da presente lei será acompanhada pelo SNRIPD.
2 — Para além das atribuições e competências previstas no Decreto Regulamentar n.º 56/97, de 31 de dezembro, e no n.º 4 do artigo 5.º da presente lei, compete ao SNRIPD emitir parecer obrigatório não vinculativo em todos os processos de inquérito, disciplinares e sindicâncias instaurados pela Administração Pública por atos proibidos pela presente lei e praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes da Administração Pública.
3 — Compete ainda ao SNRIPD apresentar ao Governo um relatório anual que incluirá obrigatoriamente uma menção à informação recolhida sobre prática de atos discriminatórios e sanções eventualmente aplicadas».
Os antecedentes do SNRIPD remontam à Comissão Permanente de Reabilitação, criada pelo Decreto-Lei n.º 474/73, de 25 de setembro, junto da Presidência do Conselho, «destinada a coordenar as atividades dos Ministérios e serviços interessados na aplicação dos princípios e métodos da reabilitação médica, educação, formação e integração social de deficientes, bem como a dirigir, a nível nacional, o planeamento das medidas a executar neste domínio».
Primeiro, reestruturada pelo Decreto-Lei n.º 425/76, de 29 de maio, daria lugar, pouco depois, ao Secretariado Nacional de Reabilitação (SNR), instituído pelo Decreto-Lei n.º 346/77, de 20 de agosto, por sua vez, revogado pelo Decreto-Lei n.º 355/82, de 6 de setembro, que lhe definiu uma nova orgânica.
O Secretariado Nacional de Reabilitação encontrava-se dotado de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira (artigo 2.º) e integrava-se na Presidência do Conselho de Ministros, sob dependência do Primeiro-Ministro (artigo 1.º), tendo por objetivo «ser o instrumento do Governo para a prossecução de uma política nacional de habilitação e reabilitação dos deficientes, assente na planificação e coordenação das ações que concorrem neste domínio» (artigo 3.º).
De novo reestruturado, em conformidade com o Decreto-Lei n.º 184/92, de 22 de agosto[30], constituiria um serviço personalizado do Estado, dotado apenas de autonomia administrativa e transitaria para a tutela do Ministro do Emprego e da Segurança Social (artigo 1.º, n.º 1).
No seu lugar, surgiu, por fim, o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD), de acordo com o Decreto-Lei n.º 35/96, de 2 de maio, sob tutela do Ministro da Solidariedade e Segurança Social.
Ao tempo da aprovação da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ainda o Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD) não fora extinto nem criado no seu lugar o Instituto Nacional para a Reabilitação (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 217/2007, de 29 de maio).
O atual regime do Instituto Nacional para a Reabilitação, IP, encontra-se no Decreto-Lei n.º 31/2012, de 9 de fevereiro, qualificando-o como um instituto público (artigo 1.º, n.º 1) sob superintendência e tutela do Ministro da Solidariedade e da Segurança Social (n.º 2).
Os órgãos do INR, IP, não dispõem de poderes contraordenacionais, pois as suas atribuições encontram-se ao nível do «planeamento, coordenação e execução das políticas nacionais destinadas a promover os direitos das pessoas com deficiência» (artigo 3.º, n.º 1).
Temos, por conseguinte, que as referências na Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao SNRIPD, devem ser hoje transpostas para o INR, IP, e a remissão para o Decreto Regulamentar n.º 56/97, de 31 de dezembro, deve entender-se como efetuada para o Decreto-Lei n.º 31/2012, de 9 de fevereiro.
III.4. Por último, importa registar que, não obstante se dispor no artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, que «cabe a quem alegar a discriminação em razão da deficiência fundamentá-la, apresentando elementos de facto suscetíveis de a indiciarem, incumbindo à outra parte provar que as diferenças de tratamento não assentam em nenhum dos fatores indicados», esta distribuição do ónus de carrear factos não se aplica aos processos de natureza contraordenacional (n.º 2), como bem se compreende em razão das pertinentes garantias constitucionais, em especial, da presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e dos seus direitos de audiência e defesa (n.º 10).
O ónus de justificar por que uma determinada diferença de tratamento não assenta em fatores ínsitos às práticas discriminatórias previstas nos artigos 4.º e 5.º aplica-se somente à responsabilidade civil e nos termos seguidamente enunciados:
«Artigo 7.º
(Indemnização)
1 — A prática de qualquer ato discriminatório contra pessoa com deficiência confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais.
2 — Na fixação da indemnização o tribunal deve atender ao grau de violação dos interesses em causa, ao poder económico dos autores das infrações e às condições da pessoa alvo da prática discriminatória.
3 — As sentenças condenatórias proferidas em sede de responsabilidade civil são, após trânsito em julgado, obrigatoriamente publicadas, a expensas dos responsáveis, numa das publicações periódicas diárias de maior circulação do país, por extrato, do qual devem constar apenas os factos comprovativos da prática discriminatória em razão da deficiência, a identidade dos ofendidos e dos condenados e as indemnizações fixadas.
4 — A publicação da identidade dos ofendidos depende do consentimento expresso destes manifestado até ao final da audiência de julgamento.
5 — A publicação tem lugar no prazo de cinco dias a contar da notificação judicial.»
Tal como vimos resultar do artigo 14.º que o pagamento da coima não dispensa o agente do cumprimento do dever cuja omissão tenha dado corpo à contraordenação, também a responsabilidade civil e o dever de indemnizar perduram, sem prejuízo, claro está, das diferentes consequências do decurso do tempo, em termos de caducidade e de prescrição.
Em cumprimento do artigo 16.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, viria a ser aprovado e publicado o Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, propondo-se definir as autoridades administrativas com competência para a aplicação das coimas e as entidades beneficiárias do produto das mesmas.
IV
DA COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA CONTRAORDENACIONAL
IV.1. Todavia, é, precisamente, o Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, a dar azo às dúvidas que determinaram a consulta, pois, em lugar de identificar cada uma das inspeções-gerais, autoridades reguladoras ou outras com poderes sancionatórios, considerou potencialmente competentes diversos órgãos ou, mesmo até, diversas categorias de órgãos, tanto na instrução, como na decisão contraordenacional:
«Artigo 3.º
Instrução
1 — A instrução dos procedimentos de contraordenação que tenham por objeto as práticas discriminatórias descritas nos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto, incumbem à inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração.
2 — Instruído o procedimento, é enviada cópia do mesmo ao Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., acompanhado do respetivo relatório final.
Artigo 4.º
Competência sancionatória
1 — A definição da medida e a aplicação das coimas e sanções acessórias, no âmbito dos procedimentos contraordenacionais referidos no artigo anterior, incumbem à inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração.
2 — A determinação da medida da coima e das sanções acessórias faz-se de acordo com os critérios constantes do regime geral das contraordenações.»
A menção no artigo 3.º, n.º 1, e no artigo 4.º, n.º 1, «à inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração» presta-se, com efeito, a reconhecer competência a diferentes órgãos do Estado ou até de outras pessoas coletivas públicas, nomeadamente da administração indireta do Estado, da administração autónoma territorial ou da administração independente.
Contudo, o enunciado «cujas atribuições incidam sobre a matéria da infração» revela-se determinante, apesar da imprecisão terminológica, ora por sugerir a indistinção entre competências e atribuições, ora por partir do princípio de que as diferentes situações da vida se podem catalogar materialmente de forma unívoca.
O legislador terá querido enunciar num só preceito as práticas discriminatórias que se mostram transversais e as práticas discriminatórias associadas a determinados setores de atividade, em contextos extremamente diversos, o que, justamente por agravar a complexidade da definição das competências, deveria ter levado a um maior esforço na identificação das inspeções-gerais, entidades reguladoras e, sobretudo, das demais entidades com competências de natureza inspetiva ou sancionatória.
Com efeito, encontramos previstas infrações nos setores bancário e segurador, no mercado do arrendamento, na subsistência de barreiras arquitetónicas ou técnicas (acessibilidade universal), da comunicação, nos cuidados de saúde, nos transportes e na educação, ao lado de outras que podem ser cometidas tanto em estabelecimentos particulares ou cooperativos como em serviços públicos.
IV.2. Revisitemos, de entre o enunciado das condutas que a lei manda sancionar, aquelas que o pedido de consulta especifica, por evidenciarem um elemento de conexão próximo às atribuições do Estado confiadas ao ministério que a IGEC integra:
(1) A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços;
(2) A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados, assim como a qualquer meio de compensação ou apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência;
(3) A constituição de turmas ou a adoção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado, segundo critérios de discriminação em razão da deficiência, salvo se tais critérios forem justificados pelo objetivo de garantir o exercício, em condições de igualdade, dos direitos previstos na própria Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto;
(4) A adoção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito.
Como já antecipámos (1.2.) apenas as práticas discriminatórias descritas em (2) e em (3) estão radicalmente ligadas ao ensino ou, mais amplamente, à educação.
Tal não impede, porém, que a recusa de fornecimento ou o impedimento à fruição de bens e serviços (1) não ocorra em estabelecimentos de ensino ou de educação pré-escolar, nomeadamente a criação de obstáculos no uso de espaços de recreio ou dos refeitórios, como também à fruição de atividades de animação e apoio à família, de complemento de apoio à família ou às atividades de enriquecimento curricular.
Algo que se aplica, de igual modo, à adoção de práticas que condicionem ou limitem arbitrariamente a prática do exercício de qualquer direito por parte de pessoa com deficiência ou com risco agravado de saúde (4).
IV.3. Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, incumbe toda e qualquer pessoa singular ou coletiva que tenha conhecimento de situação suscetível de ser considerada contraordenação de a comunicar: ao membro do Governo que tiver a seu cargo a área da deficiência, ao Instituto Nacional para a Reabilitação, IP, ao Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência ou à autoridade administrativa «competente para a instrução do processo de contraordenação» (artigo 15.º, n.º 1).
Em todo o caso, o membro do Governo, o Instituto Nacional para a Reabilitação, IP, e o Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência limitam-se a remeter o processo que possam ter organizado à autoridade administrativa com poderes contraordenacionais (n.º 2), sem prejuízo da informação a prestar ao autor da queixa (n.º 3).
Nos termos do artigo 6.º, o produto das coimas é repartido entre o Estado (60%), o Instituto Nacional para a Reabilitação, IP (20%) e a entidade administrativa que instruiu o processo de contraordenação (20%).
Prevê-se, ainda, no artigo 7.º, que os conflitos positivos ou negativos de competência sejam decididos «pelos ministros sob cujo poder de direção, superintendência ou tutela se encontrem as entidades envolvidas na situação geradora do conflito de competência».
Releva observar, por fim, que, de acordo com o artigo 12.º, é o Regime Geral das Contraordenações a aplicar-se subsidiariamente e não, em caso algum, um regime contraordenacional especial, nomeadamente o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas[31].
V
DAS ATRIBUIÇÕES E DA COMPETÊNCIA, EM GERAL
V.1. Tanto a Informação n.º G/97/2025/DSAJ, da Secretaria-Geral da Educação e Ciência, aprovada em 20 de março de 2025, como o Parecer I/08700DSJ/24, da Inspeção-geral da Educação e Ciência, de 18 de dezembro de 2024, circunscrevem a questão controvertida da competência às infrações praticadas no âmbito de atividades de animação e apoio à família (AAAF), na componente de apoio à família (CAF) e nas atividades de enriquecimento curricular (AEC) «promovidas por autarquias, associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social ou outras entidades promotoras deste tipo de resposta social».
Em nosso entender, a competência para instruir procedimentos contraordenacionais é, nestes casos, da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, o que, no entanto, importa pôr à prova em vista do seu próprio regime e das atribuições da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e da Inspeção-Geral de Finanças.
Diga-se de antemão que a letra do n.º 1 dos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, fornece ao intérprete uma chave no emprego das expressões “atribuições” e “matéria”: «entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração».
Se a matéria objeto da infração deve resultar das atribuições materiais, não há amparo para adotar um critério pessoal na determinação da competência, designadamente o da natureza dos sujeitos, mas importa conferir se, no desempenho de tais atividades, os municípios e freguesias, as associações de pais e encarregados de educação, as instituições particulares de solidariedade social e outras entidades promotoras deste tipo de resposta social eventualmente conhecem algum tratamento de exceção no sistema educativo.
Comecemos, pois então, por afinar o modo operativo destes conceitos no exercício da função administrativa do Estado — atribuições e competência, a título principal — para, em seguida, observarmos os particularismos que o Regime Geral das Contraordenações consagra, relativamente à identificação da autoridade administrativa competente para instruir o procedimento contraordenacional, decidir a aplicação de coima e, eventualmente, de uma sanção acessória.
V.2. O conceito de atribuição é mais amplo e compreensivo do que o de competência, mas, em rigor, ambos não têm entre si uma relação de categoria e espécie, apesar de convergirem para a delimitação de uma função.
As competências dinamizam as atribuições, mas estas, por seu turno, delimitam a esfera das competências e assinalam o seu fim ou fins; aqueles fins que devem constituir o motivo principalmente determinante do exercício da competência: um determinado interesse público especial ou secundário, decantado do interesse geral pelo legislador constituinte e pelo legislador ordinário.
Como outrora ensinava MASSIMO SEVERO GIANNINI[32], há muito que a caracterização linear do interesse público por oposição aos interesses particulares se encontra ultrapassada, pois foi deixando de ser suficiente:
«Assim, dizia-se: há interesse público em que sejam cultivadas terras improdutivas, porque deste modo se aumenta a produção agrícola; o facto de que, as obras de melhoramento beneficiassem este ou aquele grupo de proprietários rurais era um aspeto que em nada alterava o caráter público do interesse, mas que só o concretizava.»
A crescente intervenção do Estado na economia e na sociedade, diante das crises sistémicas do livre mercado, trouxe consigo a afirmação de interesses públicos heterogéneos[33], a partir de interesses coletivos ou difusos assumidos por políticas públicas, motivo por que «o mundo dos interesses relativos aos entes públicos apresenta-se hoje em dia semelhante ao mundo dos interesses que afetam os sujeitos privados».
E conclui o Autor: «Hoje a realidade mostra-nos que também os interesses da esfera pública são heterogéneos».
Como tal, «interesse público não significa interesse objetivamente pertencente à generalidade, senão num número limitado de casos. Distinguem-se os interesses públicos gerais (v.g. segurança externa, instrução pública, posição internacional da coletividade) e setoriais (v.g. a administração marítima protege os interesses da construção naval, dos armadores, das gentes do mar, dos trabalhadores portuários, dos pescadores marítimos, etc.). Os interesses sectoriais são implicitamente conflituantes entre si[34]».
V.3. O interesse público, que a Constituição, no artigo 266.º, n.º 1, aponta como primordial razão de ser da função administrativa e da administração pública, «opera simultaneamente», nas palavras de LUCIANO PAREJO ALFONSO[35], «como justificação e limite da atividade administrativa».
E prossegue o Autor[36]:
«Seguindo H. J. Wolff, O. Bachof e R. Stober, tem de partir-se da etimologia (do latim, inter esse, envolver-se) para afirmar que o interesse não é senão a concernência (positiva) de um sujeito por um objeto (outra pessoa, uma coisa ou uma relação); concernência que surge quando um concreto objeto (material ou intelectual) adquire por algum modo importância para determinado sujeito e é estimado e reconhecido por este ou qualquer outro (diretamente ou de forma racional), de modo positivo (por ser útil, desejável, produtivo, etc.). Desta forma, o interesse oferece-se primariamente à consciência coletiva como algo fáctico e subjetivo: a referência ou a relação real de um sujeito relativamente a um objeto. Este interesse objetivo determina-se pelo mecanismo que consiste em referenciar — por decisão do competente órgão adotada segundo o procedimento estabelecido — um objeto (…) e não preferências subjetivas, mas determinadas necessidades ou certos fins, objetivos, valores ou constelações combinadas que se relacionam com aquele interesse, para, sobre uma tal base, estabelecer corretos juízos ou conclusões.»
Ora, a referenciação do interesse do Estado num dado objeto por conta de necessidades coletivas de bem-estar, segurança e cultura[37] ou de certos fins, objetivos ou valores, faz-se, na organização administrativa, precisamente através do enunciado de atribuições, que não pode fixar-se em absoluto de antemão, senão em termos muito perfunctórios.
Ainda que possa dizer-se com PAULO OTERO[38] que «são públicos os interesses que se relacionam com a conservação e desenvolvimento da sociedade política e a satisfação das suas necessidades coletivas» e que possa afirmar-se com MARCELO REBELO DE SOUSA que as atribuições do Estado se repartem entre as de administração geral, as económicas, as culturais e as de relações externas[39], é preciso levar a cabo a sua concreta repartição entre as diversas estruturas funcionais da administração pública, salvaguardando as reservas próprias da função política e da função jurisdicional.
V.4. E se as atribuições são consignadas a cada pessoa coletiva pública, em especial, a uma categoria de pessoas coletivas públicas ou a estruturas da administração direta equiparadas para o efeito (v.g. ministérios), não só por razões funcionais ou pragmáticas de especialização, como também de legitimidade, as competências, por sua vez, encontram-se repartidas pelos órgãos: centros de imputação da vontade do Estado e das demais pessoas coletivas.
Nem todas compreendem poderes de decisão ou sequer de autoridade, como sucede com as competências consultivas, de estudo e conceção ou de estrita execução de tarefas, nomeadamente, de prestação de bens ou serviços[40].
Se o exercício de uma competência pelo órgão não pode ir além das atribuições da pessoa coletiva que integra, por outro lado, o cunho teleológico destas revela-se decisivo no exercício de poderes discricionários, ao nível dos atos administrativos, contratos e regulamentos.
É justamente nas atribuições que, mais frequentemente, se alcança o fim principalmente determinante que deve mover o ato, o contrato ou o regulamento e que por conseguinte, se capta o desvio de poder e se descortinam excessos ou refrações do princípio da proporcionalidade.
V.5. Esta visão das coisas não é universal, havendo quem considere as atribuições como simples indicações teleológicas (PEDRO COSTA GONÇALVES[41]) ou até «possibilidades concretas de atuação» do titular ou da pluralidade de titulares do órgão, no caso dos órgãos colegiais, uma vez que não é a pessoa coletiva pública o titular do órgão, segundo MARIANO BAENA DE ALCÁZAR[42], que considera o seguinte:
«Temos portanto um prolongamento dos conceitos para efeitos da teoria gral da organização no âmbito público, de modo que a função corresponde à organização personificada, a competência ao órgão e a atribuição à pessoa singular (ou à pluralidade de pessoas singulares) titular do órgão.»
Não é este, porém, o entendimento comum entre nós[43].
Tão-pouco entre a doutrina transalpina[44] com a qual partilhamos uma conceção de complementaridade entre atribuições e competência, de certo modo, imunes ao influxo germânico e ao lugar central do conceito de tarefa (Aufgabe)[45].
As atribuições, no ensino de V. CERULLI IRELLI[46], designam «o conjunto das funções e das incumbências conferidas a uma organização; pertencem-lhe dentro dos limites estabelecidos por lei».
Já o conjunto das «funções e tarefas próprias de cada órgão no âmbito das atribuições do ente ou da organização que integra identifica-se como competência do próprio órgão», a ponto de se verificar uma abissal diferença entre a nulidade dos atos praticados além das atribuições e a simples anulabilidade do ato que invade a competência de um outro órgão da mesma estrutura[47].
Por atribuição, segundo WLADIMIRO GASPARRI[48], entende-se a «incumbência unitária e funcional do interesse público por uma norma orgânica a um centro de referência e a correlativa titularidade do poder administrativo necessário para o prosseguir, também ele consagrado na mesma norma (i.e. consignação da função administrativa em sentido estrito)». Assim, «o mesmo interesse — por exemplo, a proteção do ambiente — poderá até ser atribuído a diferentes centros administrativos» que, no entanto, serão titulares de poderes distintos, numa organização administrativa descentralizada.
V.6. As atribuições, com efeito, não se limitam a enunciar ou podem nem sequer enunciar o fim.
No essencial, visam configurar o domínio material de intervenção de cada pessoa coletiva pública, embora não raro, ordenado a partir de uma matriz teleológica que se encontra num princípio geral: a perspetiva do interesse público, razão de ser e propósito de toda a atividade administrativa (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição).
Salientando este cunho finalístico, e na esteira de MARCELLO CAETANO[49], ensinava DIOGO FREITAS DO AMARAL[50] que as atribuições são «os fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir[51]», mas reconhecendo não se reduzirem à ordenação do fim, porquanto é frequente apenas delimitarem setores, instituições, assuntos, matérias ou conjuntos de pessoas com interesses coletivos.
Assim, a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, ao enunciar as atribuições do município, embora deixando em aberto outros interesses da população concelhia, dispõe apenas o seguinte:
«Artigo 23.º
(Atribuições do município)
1 — Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias.
2 — Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios:
a) Equipamento rural e urbano;
b) Energia;
c) Transportes e comunicações;
d) Educação, ensino e formação profissional;
e) Património, cultura e ciência;
f) Tempos livres e desporto;
g) Saúde;
h) Ação social;
i) Habitação;
j) Proteção civil;
k) Ambiente e saneamento básico;
l) Defesa do consumidor;
m) Promoção do desenvolvimento;
n) Ordenamento do território e urbanismo;
o) Polícia municipal;
p) Cooperação externa».
Há mesmo até quem vá ao ponto de distinguir fins e atribuições, como GUIDO CORSO[52]:
«Se considerarmos em conjunto fins e atribuições, daí resulta uma summa divisio. As pessoas coletivas públicas políticas ou territoriais (Estado, Regiões, províncias, municípios) perseguem uma pluralidade de fins, evidenciados, na administração estadual, pela denominação dos ministérios, e nas outras, pela denominação das estruturas menores (departamentos, repartições); ao passo que as outras entidades são, em geral, monofuncionais, instituídas para a satisfação de um único interesse público (sanitário, previdencial, cultural, desportivo, etc.) e para a prossecução de um só fim público.
Muitas vezes, as atribuições das entidades políticas sobrepõem-se às atribuições de outras entidades públicas, sem grande distinção. Fala-se de sobreposição ou duplicação de atribuições com a consequente redundância de estruturas (…)».
Na verdade, atribuições semelhantes, comuns a mais do que uma pessoa coletiva pública, distinguem-se, por vezes, segundo fins diferentes, embora complementares, ao passo que fins similares são propostos transversalmente a diferentes setores ou domínios da intervenção administrativa.
É o que sucede, no primeiro caso, com a educação, relativamente ao Estado, às Regiões Autónomas e aos municípios. A soma das atribuições municipais educativas fica muito aquém da intervenção pública neste setor. Por outro lado, as atribuições do Estado, não obstante procurarem garantir a unidade e certos padrões comuns de qualidade, abrem portas a uma margem de diferenciação e de proximidade por conta da autonomia local, segundo o princípio da subsidiariedade (artigo 6.º, n.º 1, da Constituição).
A inclusão das pessoas com deficiência é paradigmática do segundo caso.
V.7. Pertencendo à pessoa coletiva pública, e não ao órgão, é, por isso, correto referirmo-nos às atribuições dos municípios, das freguesias, de um certo instituto público ou de uma entidade administrativa independente, mas não do diretor-geral, da assembleia de freguesia, do conselho diretivo ou executivo, muito menos do titular do órgão ou de um agente administrativo.
As atribuições procuram condensar em enunciados normativos a medida do interesse público primário ou geral cuja prossecução se encontra confiada a cada pessoa coletiva pública ou, no caso do Estado e das Regiões Autónomas a cada ministério ou secretaria regional.
Ao repartir o interesse público deste modo, a lei (ou, por vezes, a Constituição) delimita interesses públicos especiais relativamente a um determinado setor da atividade administrativa — finanças, saúde, educação — mas também, e cada vez mais, a partir de um conjunto de fins, não raro, articulados de forma programática[53] no que se convencionou designar como missões públicas ou mesmo, em forma mais analítica, políticas públicas[54].
A repartição obedece a critérios políticos e funcionais, por vezes conjunturais, embora certos ministérios, pelo setor a que dizem respeito, sob forte intervenção pública (saúde, educação, administração interna) ou por razões de paridade internacional (negócios estrangeiros, defesa nacional), possuam lugar cativo na organização administrativa do Estado.
Ela obedece outrossim a princípios constitucionais de natureza política, como sucede com a descentralização e com a unidade. Com efeito, dispõe a Constituição, no artigo 267.º, n.º 1, que «a Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efetiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática», e, com esse desiderato, «a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes» (n.º 2).
Nem todos os setores da atividade administrativa justificam a instituição de um ministério ou de uma pessoa coletiva pública. Outros, pela sua transversalidade, como sucede com a inclusão das pessoas com deficiência, encontram o seu lugar em dicastérios centrais ou compostos que procuram desenvolver relações de participação, de cooperação ou de coordenação com a generalidade dos órgãos e serviços, nos diferentes níveis territoriais e nos diferentes setores de intervenção[55].
VI
DA TRANSVERSALIDADE DAS POLÍTICAS DE INCLUSÃO
VI.1. Melhor se compreende a projeção transversal de certos desígnios legislativos em análise e das políticas públicas que procuram cumpri-los se atendermos à matriz constitucional da inclusão política, social, económica e cultural das pessoas com deficiência:
«Artigo 71.º
(Cidadãos portadores de deficiência)
1 — Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.
2 — O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efetiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.
3 — O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência».
As pessoas com deficiência não têm nem mais nem menos direitos do que as demais, pois todos têm todos os direitos e deveres, segundo o princípio da universalidade[56] (artigo 12.º, n.º 1, da Constituição) e a possibilidade de contrair uma deficiência é, ela própria, universal.
A verdade, porém, é que entre a titularidade e o exercício dos direitos interpõe-se a deficiência como fator de impossibilidade, de inacessibilidade, de onerosidade agravada, como se dá conta a Constituição ao prever restrições à livre escolha da profissão: «Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade» (artigo 47.º, n.º 1).
Só nessa medida — de alcance pleno da universalidade — as pessoas com deficiência dispõem de direitos especiais: os direitos necessários a eliminar ou diminuir as privações e restrições que a deficiência comporta e, assim, gozarem da universalidade de direitos e deveres constitucionalmente consagrada.
É neste sentido que o Estado assume «o encargo da efetiva realização dos seus direitos», o que passa por «uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias» (artigo 71.º, n.º 2, da Constituição).
Ao assumir o empenho «na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (artigo 1.º), ao garantir a efetiva fruição por todos de todos os direitos e liberdades fundamentais e ao almejar a plena democracia económica, social e cultural (artigo 2.º) o Estado não podia deixar de transpor os desígnios contidos no artigo 71.º da Constituição da órbita da função política para a função administrativa e desta para a sociedade.
A tarefa, uma vez cumprida a função ordenadora primária pela Assembleia da República, através dos atos normativos que aprova, cabe, em primeira linha, ao Estado através do Governo — órgão de condução da política geral do país (artigo 182.º da Constituição) —, mas não isenta as demais pessoas coletivas de população e território de adotarem em conformidade as providências necessárias, nem tão-pouco desobriga as demais pessoas coletivas públicas de integrarem na sua atividade tais desígnios transversais.
Convoca, bem assim, os agentes económicos, sociais e culturais a participarem na construção da solidariedade. Não por acaso, o artigo 2.º da Constituição entrelaça «a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa», vinculando-os entre si nas normas atinentes a cada um dos direitos económicos, sociais e culturais.
VI.2. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque em 30 de março de 2007[57], significa a firme assunção de importantes obrigações pelas Partes Contratantes, muitas de projeção oblíqua na sociedade e sob o signo do empenho na eliminação da discriminação:
«Artigo 4.º
(Obrigações gerais)
1 — Os Estados Partes comprometem-se a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência. Para este fim, os Estados Partes comprometem-se a:
a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de outra natureza apropriadas com vista à implementação dos direitos reconhecidos na presente Convenção;
b) Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo legislação, para modificar ou revogar as leis, normas, costumes e práticas existentes que constituam discriminação contra pessoas com deficiência;
c) Ter em consideração a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência em todas as políticas e programas;
d) Abster-se de qualquer ato ou prática que seja incompatível com a presente Convenção e garantir que as autoridades e instituições públicas agem em conformidade com a presente Convenção;
e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação com base na deficiência por qualquer pessoa, organização ou empresa privada;
f) Realizar ou promover a investigação e o desenvolvimento dos bens, serviços, equipamento e instalações desenhadas universalmente, conforme definido no artigo 2.º da presente Convenção o que deverá exigir a adaptação mínima possível e o menor custo para satisfazer as necessidades específicas de uma pessoa com deficiência, para promover a sua disponibilidade e uso e promover o desenho universal no desenvolvimento de normas e diretrizes;
g) Realizar ou promover a investigação e o desenvolvimento e promover a disponibilização e uso das novas tecnologias, incluindo as tecnologias de informação e comunicação, meios auxiliares de mobilidade, dispositivos e tecnologias de apoio, adequados para pessoas com deficiência, dando prioridade às tecnologias de preço acessível;
h) Disponibilizar informação acessível às pessoas com deficiência sobre os meios auxiliares de mobilidade, dispositivos e tecnologias de apoio, incluindo as novas tecnologias assim como outras formas de assistência, serviços e instalações de apoio;
i) Promover a formação de profissionais e técnicos que trabalham com pessoas com deficiências nos direitos reconhecidos na presente Convenção para melhor prestar a assistência e serviços consagrados por esses direitos.
2 — No que respeita aos direitos económicos, sociais e culturais, cada Estado Parte compromete-se em tomar medidas para maximizar os seus recursos disponíveis e sempre que necessário, dentro do quadro da cooperação internacional, com vista a alcançar progressivamente o pleno exercício desses direitos, sem prejuízo das obrigações previstas na presente Convenção que são imediatamente aplicáveis de acordo com o direito internacional.
3 — No desenvolvimento e implementação da legislação e políticas para aplicar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão no que respeita a questões relacionadas com pessoas com deficiência, os Estados Parte devem consultar-se estreitamente e envolver ativamente as pessoas com deficiências, incluindo as crianças com deficiência, através das suas organizações representativas.
4 — Nenhuma disposição da presente Convenção afeta quaisquer disposições que sejam mais favoráveis à realização dos direitos das pessoas com deficiência e que possam figurar na legislação de um Estado Parte ou direito internacional em vigor para esse Estado. Não existirá qualquer restrição ou derrogação de qualquer um dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou em vigor em qualquer Estado Parte na presente Convenção de acordo com a lei, convenções, regulamentos ou costumes com o pretexto de que a presente Convenção não reconhece tais direitos ou liberdades ou que os reconhece em menor grau.
5 — As disposições da presente Convenção aplicam-se a todas as partes dos Estados Federais sem quaisquer limitações ou exceções».
O propósito de eliminação das formas de discriminação em prejuízo da universalidade e da acessibilidade surge entre os princípios gerais:
«Artigo 3.º
(Princípios gerais)
Os princípios da presente Convenção são:
a) O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas;
b) Não discriminação;
c) Participação e inclusão plena e efetiva na sociedade;
d) O respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e humanidade;
e) Igualdade de oportunidade;
f) Acessibilidade;
g) Igualdade entre homens e mulheres;
h) Respeito pelas capacidades de desenvolvimento das crianças com deficiência e respeito pelo direito das crianças com deficiência a preservarem as suas identidades.»
A igualdade e não discriminação das pessoas com deficiência é retomada nos termos veementes que passamos a transcrever:
«Artigo 5.º
(Igualdade e não discriminação)
1 — Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e nos termos da lei e que têm direito, sem qualquer discriminação, a igual proteção e benefício da lei.
2 — Os Estados Partes proíbem toda a discriminação com base na deficiência e garantem às pessoas com deficiência proteção jurídica igual e efetiva contra a discriminação de qualquer natureza.
3 — De modo a promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para garantir a disponibilização de adaptações razoáveis.
4 — As medidas específicas que são necessárias para acelerar ou alcançar a igualdade de facto das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminação nos termos da presente Convenção».
Na Convenção ressaltam, especificamente, para o objeto da consulta, os compromissos assumidos, por um lado, em relação às crianças e, por outro, relativamente ao setor da educação:
«Artigo 7.º
(Crianças com deficiência)
1 — Os Estados Partes tomam todas as medidas necessárias para garantir às crianças com deficiências o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em condições de igualdade com as outras crianças.
2 — Em todas as ações relativas a crianças com deficiência, os superiores interesses da criança têm primazia.
3 — Os Estados Partes asseguram às crianças com deficiência o direito de exprimirem os seus pontos de vista livremente sobre todas as questões que as afetem, sendo as suas opiniões devidamente consideradas de acordo com a sua idade e maturidade, em condições de igualdade com as outras crianças e a receberem assistência apropriada à deficiência e à idade para o exercício deste direito.
[…]
Artigo 24.º
(Educação)
1 — Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Com vista ao exercício deste direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes asseguram um sistema de educação inclusiva a todos os níveis e uma aprendizagem ao longo da vida, direcionados para:
a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e sentido de dignidade e autoestima e ao fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, liberdades fundamentais e diversidade humana;
b) O desenvolvimento pelas pessoas com deficiência da sua personalidade, talentos e criatividade, assim como das suas aptidões mentais e físicas, até ao seu potencial máximo;
c) Permitir às pessoas com deficiência participarem efetivamente numa sociedade livre.
2 — Para efeitos do exercício deste direito, os Estados Partes asseguram que:
a) As pessoas com deficiência não são excluídas do sistema geral de ensino com base na deficiência e que as crianças com deficiência não são excluídas do ensino primário gratuito e obrigatório ou do ensino secundário, com base na deficiência;
b) As pessoas com deficiência podem aceder a um ensino primário e secundário inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade com as demais pessoas nas comunidades em que vivem;
c) São providenciadas adaptações razoáveis em função das necessidades individuais;
d) As pessoas com deficiência recebem o apoio necessário, dentro do sistema geral de ensino, para facilitar a sua educação efetiva;
e) São fornecidas medidas de apoio individualizadas eficazes em ambientes que maximizam o desenvolvimento académico e social, consistentes com o objetivo de plena inclusão.
3 — Os Estados Partes permitem às pessoas com deficiência a possibilidade de aprenderem competências de desenvolvimento prático e social de modo a facilitar a sua plena e igual participação na educação e enquanto membros da comunidade. Para este fim, os Estados Partes adotam as medidas apropriadas, incluindo:
a) A facilitação da aprendizagem de braille, escrita alternativa, modos aumentativos e alternativos, meios e formatos de comunicação e orientação e aptidões de mobilidade, assim como o apoio e orientação dos seus pares;
b) A facilitação da aprendizagem de língua gestual e a promoção da identidade linguística da comunidade surda;
c) A garantia de que a educação das pessoas, e em particular das crianças, que são cegas, surdas ou surdas-cegas, é ministrada nas línguas, modo e meios de comunicação mais apropriados para o indivíduo e em ambientes que favoreçam o desenvolvimento académico e social.
4 — De modo a ajudar a garantir o exercício deste direito, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para empregar professores, incluindo professores com deficiência, com qualificações em língua gestual e/ou braille e a formar profissionais e pessoal técnico que trabalhem a todos os níveis de educação. Tal formação compreende a sensibilização para com a deficiência e a utilização de modos aumentativos e alternativos, meios e formatos de comunicação, técnicas educativas e materiais apropriados para apoiar as pessoas com deficiência.
5 — Os Estados Partes asseguram que as pessoas com deficiência podem aceder ao ensino superior geral, à formação vocacional, à educação de adultos e à aprendizagem ao longo da vida sem discriminação e em condições de igualdade com as demais. Para este efeito, os Estados Partes asseguram as adaptações razoáveis para as pessoas com deficiência.»
VI.3. A Lei de Bases Gerais da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência já antecipara a transversalidade das atribuições administrativas com vista a alcançar os desígnios a que se propõe:
«Artigo 16.º
(Intervenção do Estado)
1 — Compete ao Estado a promoção e o desenvolvimento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência em colaboração com toda a sociedade, em especial com a pessoa com deficiência, a sua família, respetivas organizações representativas e autarquias locais.
2 — Compete ao Estado a coordenação e articulação das políticas, medidas e ações sectoriais, ao nível nacional, regional e local.
3 — O Estado pode atribuir a entidades públicas e privadas a promoção e o desenvolvimento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação, em especial às organizações representativas das pessoas com deficiência, instituições particulares e cooperativas de solidariedade social e autarquias locais.
4 — Compete ao Estado realizar as ações de fiscalização necessárias ao cumprimento da lei.»
Importa não deixar passar em claro que as ações de fiscalização necessárias ao cumprimento da lei competem ao Estado (n.º 4), ainda que a promoção e o desenvolvimento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação contem com a participação das organizações representativas das pessoas com deficiência, das instituições particulares e cooperativas de solidariedade social e das autarquias locais (n.º 3).
E sendo esta atribuição estadual eminentemente oblíqua, a primeira palavra na concretização das incumbências constitucionais, internacionais e da Lei de Bases é naturalmente do Governo, pois é não só «o órgão de condução da política geral do país», como é também «o órgão superior da administração pública», nos termos do artigo 182.º da Constituição.
Aliás, a expressão «políticas transversais» é usada para epigrafar o capítulo V da Lei de Bases, em que se prevê a adoção de «medidas específicas necessárias para assegurar a proteção patrimonial da pessoa com deficiência» (artigo 41.º), o desenvolvimento de «ações de intervenção precoce, enquanto conjunto de medidas integradas de apoio dirigidas à criança, à família e à comunidade, com o objetivo de responder de imediato às necessidades da criança com deficiência» (artigo 42.º), de colocação à disposição da pessoa com deficiência, «em formato acessível, designadamente em braille, caracteres ampliados, áudio, língua gestual, ou registo informático adequado» da «informação sobre os serviços, recursos e benefícios que lhes são destinados» (artigo 43.º), a aprovação de um plano de acesso da pessoa com deficiência à sociedade de informação (artigo 44.º), o fomento de «programas de investigação e desenvolvimento com carácter pluridisciplinar que permitam melhorar os meios de prevenção, habilitação e reabilitação» (artigo 45.º), assim como a «formação específica de profissionais que atuem na área da prevenção, habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência» (artigo 46.º, n.º 1) e a «recolha, tratamento e divulgação de dados estatísticos relacionados com a deficiência» (artigo 47.º).
As atribuições do Estado no setor educativo integram o desígnio inclusivo das pessoas com deficiência, em vez de ser este a adaptar a sua concretização ao setor:
«Artigo 34.º
(Direito à educação e ensino)
Compete ao Estado adotar medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à educação e ao ensino inclusivo, mediante, nomeadamente, a afetação de recursos e instrumentos adequados à aprendizagem e à comunicação.»
Por outras palavras, as medidas necessárias para assegurar o acesso universal à educação e, em especial, ao ensino inclusivo, surgem integradas nas atribuições do Estado e, segundo a repartição de atribuições pela administração direta, competem aos órgãos e serviços sob a direção, superintendência e tutela do Ministro da Educação, Ciência e Inovação.
VI.4. Não obstante, deve o Estado providenciar pela existência de uma entidade pública que colabore na definição, coordenação e acompanhamento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1, da Lei de Bases, a qual «deve assegurar a participação de toda a sociedade, nomeadamente das organizações representativas da pessoa com deficiência».
Essa entidade, sob a superintendência e tutela do Governo, é hoje, como vimos, o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., um instituto público, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e património próprio (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 31/2012, de 9 de fevereiro), que prossegue certas atribuições do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, sob a superintendência e tutela do respetivo ministro (n.º 2).
Relativamente às funções que lhe cabem e aos fins que deve perseguir, dispõe-se o seguinte:
«Artigo 3.º
(Missão e atribuições)
1 — O INR, I. P., tem por missão assegurar o planeamento, execução e coordenação das políticas nacionais destinadas a promover os direitos das pessoas com deficiência.
2 — São atribuições do INR, I. P.:
a) Promover o acompanhamento e avaliação da execução, em articulação com os organismos sectorialmente competentes, das ações necessárias à execução das políticas nacionais definidas para as pessoas com deficiência;
b) Contribuir para a elaboração de diretrizes de política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência;
c) Desenvolver a formação, a investigação e a certificação ao nível científico e tecnológico na área da reabilitação;
d) Arrecadar as receitas resultantes do desenvolvimento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência;
e) Dinamizar a cooperação com os parceiros sociais e as organizações não governamentais, bem como com outras entidades públicas e privadas com responsabilidades sociais e representativas da sociedade civil;
f) Emitir pareceres sobre as normas da acessibilidade universal e da área de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência;
g) Fiscalizar a aplicação da legislação relativa aos direitos das pessoas com deficiência;
h) Assegurar a instrução dos processos de contraordenação que por lei lhe caibam na área dos direitos das pessoas com deficiência;
i) Proceder à coordenação da implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, articulando com os organismos sectorialmente competentes;
j) Promover a instituição de mecanismos de coordenação interministerial na área dos direitos das pessoas com deficiência;
l) Apoiar as organizações não governamentais de pessoas com deficiência e avaliar os respetivos relatórios de atividades e contas, nos termos da lei;
m) Prosseguir as demais atribuições que lhe forem conferidas na legislação.»
As atribuições do INR, I.P. são, fundamentalmente, de planeamento, execução e coordenação com o escopo de promover os direitos das pessoas com deficiência, mas o n.º 2, alínea g), incumbe-o de fiscalizar a aplicação da legislação relativa aos direitos das pessoas com deficiência, o que poderia inculcar poderes contraordenacionais em matéria de práticas discriminatórias, independentemente do contexto ou setor em que tivessem lugar.
Sucede, porém, que essa atribuição surge desamparada pela falta de uma norma de competência que habilite um concreto órgão do INR, I.P., a fazer cumprir o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
Por outro lado, a posterior orgânica do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social[58] parece ter deixado cair essa atribuição e, consequentemente, a habilitação para um dos órgãos do INR, IP, exercer poderes sancionatórios.
Com efeito, dispõe o seguinte:
«Artigo 17.º
(Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P.)
1 — O Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P., abreviadamente designado por INR, I. P., tem por missão assegurar o planeamento, execução e coordenação das políticas nacionais destinadas a promover os direitos das pessoas com deficiência.
2 — O INR, I. P., prossegue, designadamente, as seguintes atribuições:
a) Promover o acompanhamento e avaliação da execução, em articulação com os organismos sectorialmente competentes, das ações necessárias à execução das políticas nacionais definidas para as pessoas com deficiência ou incapacidade;
b) Contribuir para a elaboração de diretrizes de política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência;
c) Desenvolver a formação, a investigação e a certificação ao nível científico e tecnológico na área da reabilitação;
d) Arrecadar receitas resultantes do desenvolvimento da política nacional de prevenção, habilitação, reabilitação e participação das pessoas com deficiência;
e) Dinamizar a cooperação com os parceiros sociais e as organizações não governamentais, bem como com outras entidades públicas e privadas com responsabilidades sociais e representativas da sociedade civil;
f) Emitir pareceres sobre as normas de acessibilidade universal.
3 — O INR, I. P., é dotado apenas de autonomia administrativa.
4 — O INR, I. P., é dirigido por um conselho diretivo, constituído por um presidente e um vice-presidente.»
Por seu turno, a Inspeção-Geral do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (IGMSESS) tem por missão apreciar a legalidade e regularidade dos atos praticados apenas pelos serviços e organismos do MSESS ou sujeitos à tutela do ministro, avaliar a sua gestão e resultados, através do controlo de auditoria técnica, de desempenho e financeira (artigo 9.º, n.º 1), o que exclui a instrução de procedimentos contraordenacionais pelas práticas discriminatórias proibidas pelo artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, em contexto educativo, ainda que não letivo e com possível intervenção de instituições particulares de solidariedade social[59].
VII
DOS PODERES SANCIONATÓRIOS ADMINISTRATIVOS
VII.1. Exercem a função administrativa muitas outras pessoas coletivas públicas, com maior ou menor autonomia em relação ao Estado, consoante integrem a administração do Estado, direta e indireta, as administrações autónomas ou mesmo a administração independente.
Ganha pleno sentido o disposto no artigo 199.º, alínea d), da Constituição, na medida em que dele resulta competir ao Governo, «no exercício de funções administrativas […] Dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, civil e militar, superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma».
Administração autónoma[60] que conhece formas mais ou menos amplas, sabendo-se que a tutela a exercer pelo Governo da República ou pelos governos regionais «sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei» (artigo 242.º, n.º 1).
As medidas adotadas em consequência de tal verificação (n.º 2 e n.º 3) não podem, pois, fundar-se em apreciações de mérito. Diferentemente da direção hierárquica ou da superintendência, a tutela obedece a um princípio de tipicidade: pas de tutelle sans texte, segundo o aforismo corrente no direito administrativo francês e que o artigo 242.º, n.º 1, da Constituição, replica: «nos casos e segundo as formas previstas na lei».
Além da representação diplomática e consular[61], da defesa nacional (artigo 273.º, n.º 1, da Constituição), das Forças Armadas (artigo 275.º, n.º 2) e das forças de segurança (artigo 272.º, n.º 4), raramente as atribuições administrativas são integralmente cometidas a uma só pessoa coletiva pública.
A generalidade das atribuições do Estado concorre com as das Regiões Autónomas e das autarquias locais[62], mas, não raro, com as atribuições de pessoas coletivas públicas especialmente instituídas com esse propósito, seja na administração indireta (fundações e institutos públicos), seja na administração independente.
VII.2. Por seu turno, a competência, como vimos, é expressão de uma repartição de funções e de poderes dentro de cada pessoa coletiva pública: nos seus diversos órgãos, «os centros institucionalizados titulares de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva», na expressão do artigo 20.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo[63].
Por conseguinte, a competência, sem excluir a competência contraordenacional, tem como pressuposto as atribuições da pessoa coletiva pública em que se integra.
Com efeito, as atribuições da pessoa coletiva pública são prosseguidas por meio dos órgãos que exercem a medida de poderes funcionais que, nos termos da lei, compete a cada um (competência) e por meio dos serviços, aos quais, sob a direção dos órgãos, cumpre levar a cabo tarefas, incumbências, missões, prestar bens e utilidades concretas.
«Daqui resulta», como escreveu FREITAS DO AMARAL[64], «que qualquer órgão da Administração, ao agir, conhece e encontra pela frente uma dupla limitação: pois, por um lado, está limitado pela sua própria competência — não podendo, nomeadamente, invadir a esfera de competência dos outros órgãos da mesma pessoa coletiva —; e, por outro lado, está também limitado pelas atribuições da pessoa coletiva em cujo nome atua — não podendo, designadamente, praticar quaisquer atos sobre matéria estranha às atribuições da pessoa coletiva a que pertence».
Por outras palavras, «a competência delimita (…) a medida de contribuição de cada órgão para a satisfação de um interesse público específico, a qual constitui a função da pessoa coletiva pública e a que chamamos de atribuição» (MARTA PORTOCARRERO[65]).
No limite, admitem-se competências, não apenas dos órgãos, como também de agentes administrativos[66], como sustentam J.M. SÉRVULO CORREIA/ FRANCISCO PAES MARQUES[67], mas sem nunca perder de vista as atribuições da pessoa coletiva pública, entendidas como um «determinado domínio material».
Por isso, logo acrescentam a respeito da indissolubilidade do vínculo entre atribuições e competência[68]:
«Este conceito encontra-se estreitamente ligado ao de atribuições, visto que o poder funcional é aquele poder que deve ser exercido sempre que o imponha o interesse a cujo serviço está posta por lei a pessoa coletiva».
Tanto assim que são as normas de competência, muitas vezes, que contêm, expressas ou implícitas, as atribuições da pessoa coletiva pública.
VII.3. Os poderes sancionatórios da administração pública não constituem exceção.
A competência contraordenacional das autoridades administrativas não pode ser delimitada sem atender às atribuições da pessoa coletiva a que pertence o órgão ou o agente administrativo — a autoridade administrativa, nos termos do artigo 33.º e seguintes do Regime Geral das Contraordenações —, quanto mais não seja por razões pragmáticas de aptidão técnica, conhecimento do meio e experiência adquirida.
Neste domínio, como em todos os demais, a incompetência por falta de atribuições ou pela preterição de atribuições alheias diz-se absoluta e, consequentemente são nulos os regulamentos, os contratos ou os atos administrativos praticados com preterição de atribuições alheias [artigo 161.º, n.º 2, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo[69]], a menos que, mais grave ainda, ocorra usurpação de outra função do Estado: política, legislativa ou jurisdicional.
Pelo contrário, a incompetência no seio da mesma pessoa coletiva pública, ministério ou secretaria regional diz-se relativa, pois permite ao órgão competente ratificar o ato praticado, convertê-lo ou reformá-lo (artigo 164.º, n.º 3) com efeitos retroativos ao momento da sua prática (n.º 5) e leva a ordem jurídica, pelo decurso do tempo, a impedir a anulação (artigo 168.º).
Anulação que no Regime Geral das Contraordenações conserva a tradicional designação ambivalente — revogação[70] — compreendendo, à partida, o mérito ou a legalidade, ao prever no artigo 62.º, n.º 2, que até ao envio dos autos ao Ministério Público, «pode a autoridade revogar a decisão de aplicação da coima».
Passemos, pois, de imediato, a saber como se determina qual a autoridade administrativa com competência, segundo o Regime Geral das Contraordenações, nas vezes em que a lei que define o ilícito de mera ordenação social nada dispuser ou se mostrar demasiado ambígua.
VIII
DA COMPETÊNCIA CONTRAORDENACIONAL DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
VIII.1. No que diz respeito à competência para instruir procedimentos contraordenacionais, aplicar coimas e sanções acessórias (ou determinar o arquivamento) o Regime Geral das Contraordenações consagra no capítulo I (Da competência) da II Parte (Do processo de contraordenação) as disposições a seguir reproduzidas[71]:
«Artigo 33.º
(Regra da competência das autoridades administrativas)
O processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma.
Artigo 34.º
(Competência em razão da matéria)
1 — A competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contraordenações.
2 — No silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover.
3 — Os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior.
Artigo 35.º
(Competência territorial)
1 — É territorialmente competente a autoridade administrativa em cuja área de atuação:
a) Se tiver consumado a infração ou, caso a infração não tenha chegado a consumar-se, se tiver praticado o último ato de execução ou, em caso de punibilidade dos atos preparatórios, se tiver praticado o último ato de preparação;
b) O arguido tem o seu domicílio ao tempo do início ou durante qualquer fase do processo.
2 — Se a infração for cometida a bordo de aeronave ou navio português, fora do território nacional, será competente a autoridade em cuja circunscrição se situe o aeroporto ou porto português que primeiro for escalado depois do cometimento da infração.
Artigo 36.º
(Competência por conexão)
1 — Em caso de concurso de contraordenações será competente a autoridade a quem, segundo os preceitos anteriores, incumba processar qualquer das contraordenações.
2 — O disposto no número anterior aplica-se também aos casos em que um mesmo facto torna várias pessoas passíveis de sofrerem uma coima.
Artigo 37.º
(Conflitos de competência)
1 — Se das disposições anteriores resultar a competência cumulativa de várias autoridades, o conflito será resolvido a favor da autoridade que, por ordem de prioridades:
a) Tiver primeiro ouvido o arguido pela prática da contraordenação;
b) Tiver primeiro requerido a sua audição pelas autoridades policiais;
c) Tiver primeiro recebido das autoridades policiais os autos de que conste a audição do arguido.
2 — As autoridades competentes poderão, todavia, por razões de economia, celeridade ou eficácia processuais, acordar em atribuir a competência a autoridade diversa da que resultaria da aplicação do n.º 1.»
A concorrerem crime e contraordenação ou «quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contraordenação, o processamento da contraordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal» (artigo 38.º, n.º 1). E, se estiver pendente um processo na autoridade administrativa, devem os autos ser remetidos à autoridade judiciária (n.º 2).
A autoridade administrativa, contudo, vê recuperada a competência se «o Ministério Público arquivar o processo criminal mas entender que subsiste a responsabilidade pela contraordenação» (n.º 3).
Decorre deste quadro normativo que a primeira é, por definição, de uma autoridade administrativa[72] (artigo 33.º), pois só em caso de concurso de crime e contraordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contraordenação, o processamento da contraordenação compete às autoridades judiciárias (artigo 38.º).
VIII.2. No que diz respeito à repartição da competência entre autoridades administrativas, e salvo disposição em contrário, o critério fundamental é um critério objetivo, e não pessoal ou segundo a gravidade da infração, pois, nos termos do artigo 34.º, n.º 1, do RGCO, é competente a autoridade administrativa que disponha de poderes de fiscalização e controlo, segundo a matéria, ou seja, de acordo com domínio setorial ou institucional a que a atividade diga funcionalmente respeito[73] e não tanto segundo o interesse público prosseguido ou o caráter primário ou auxiliar[74].
É justamente o critério que encontrámos nos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, a competência é da «inspeção-geral, entidade reguladora, ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração».
De igual modo, surge principalmente definida pelas atribuições, pelo interesse público confiado a determinada pessoa coletiva pública, cujos órgãos são, por isso, dotados dos necessários poderes.
Definida material, objetivamente ou até segundo o fim, reflete a repartição de funções segundo a organização administrativa por temas ou assuntos, em diferentes departamentos ou dicastérios ou por setores da vida social ou económica que se acham sujeitos à intervenção pública (JUAN ALFONSO SANTAMARÍA PASTOR[75]).
O critério pode ser puramente descritivo de um setor[76] (v.g. agricultura, comércio), como pode ser valorativo ou axiológico (v.g. livre concorrência ou equilíbrio ambiental) ou mesmo programático (v.g. transição energética, reforma administrativa).
VIII.3. Se a lei que prevê e sanciona com coima determinada conduta não for suficiente para identificar um nexo orgânico, nem por isso se recorre a outro critério. Nesse caso, «serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover». (artigo 34.º, n.º 2).
São usados termos que acentuam o elemento teleológico da norma de competência contraordenacional, apontando-se, uma vez mais, para as atribuições.
Este ato de designação pelos membros do Governo não constitui uma delegação de poderes, como observa PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[77], mas é, antes, um ato administrativo genérico, senão mesmo um regulamento, como entendeu este corpo consultivo no Parecer n.º 30/2010, de 30 de setembro[78].
E se dúvidas houvesse quanto à sua conformidade com a proibição constitucional de um ato legislativo «conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da Constituição), o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 237/2003[79], de 14 de maio, apesar de o recurso interposto se limitar a normas de reserva de competência parlamentar e a garantias de defesa em processos sancionatórios, não encontrou desconformidade num despacho do Ministro da Administração Interna exarado no exercício do poder consignado pelo artigo 34.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações.
Por sua vez, no Acórdão n.º 234/2005, de 3 de maio[80], foi discutida a conformidade do citado artigo 34.º, n.º 2, com o «princípio da determinabilidade ou precisão das leis, enquanto refração do princípio da segurança jurídica», o que levou a uma comparação com a garantia do juiz natural:
«E também não se conhece, nem o recorrente identifica, norma ou princípio que possa alicerçar uma posição constitucionalmente protegida do cidadão em que a lei seja tal que lhe permita determinar, de modo imutável, no momento da prática do facto, que órgão administrativo terá competência para decidir sobre o ilícito de mera ordenação social que esse facto possa constituir. Designadamente, é seguro que tal pretensão não tem cobertura no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, porque a eventual concorrência de competências (…) não afeta qualquer componente dos direitos de audiência e defesa do arguido em processo de contraordenação. Aliás, com a extensão que o recorrente lhe confere, tal pretensão (e a consequente inconstitucionalidade da regra que a frustrasse) nem sequer teria acolhimento no princípio do juiz natural, ainda que tal princípio pudesse transpor-se para a fase administrativa do processo de contraordenação (e não pode, sumariamente, porque o elemento literal e sistemático o não incluem no n.º 10 do artigo 32.º e porque não é uma irradiação imposta por esse domínio sancionatório de requisitos evidentes do Estado de direito democrático, quer pela diversa natureza do ilícito em causa, quer porque não sendo a “última palavra” da Administração a eventual “manipulação” de competências não tem na fase administrativa os riscos que o impõem em processo criminal)».
Foi, porém, no Acórdão n.º 419/97, de 18 de junho[81], que o Tribunal Constitucional confrontou mais diretamente o disposto no artigo 34.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações, com as normas constitucionais relativas à produção de atos normativos infralegislativos e com o princípio da separação e interdependência de poderes, ali concluindo, por um lado, que o ato praticado pelo membro do Governo não constitui um regulamento — pelo menos, um regulamento independente — e, por outro, o que vai seguidamente transcrito:
«O artigo 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, estabelece (…) uma competência do membro do Governo, cujo conteúdo consiste na designação dos serviços competentes para aplicação das contraordenações.
A aplicação das contraordenações não é, deste modo, uma competência própria do membro do Governo. A competência estabelecida na referida norma consiste apenas na designação dos serviços competentes para aplicar as contraordenações.
Assim, o ato de designação dos serviços competentes (que, aliás, não se confunde com a designação individualizada dos respetivos dirigentes) traduz o exercício de uma determinada competência do membro do Governo que não se confunde com a competência para aplicar contraordenações, não se podendo, assim, falar em delegação de competências».
E não se trata sequer de preencher uma lacuna na identificação do órgão competente. Trata-se, isso sim, de exercer o poder de direção, próprio dos membros do Governo, enquanto superiores hierárquicos ou superintendentes, aquilatando por entre a orgânica da estrutura sob a sua dependência hierárquica ou apenas de orientação qual o órgão cujas competências revelam maior conexão material e funcional com as concretas infrações.
VIII.4. A expressão «tutela dos interesses» a defender ou promover do artigo 34.º, n.º 2, aponta para um juízo de correspondência ou, pelo menos, de analogia, com as atribuições, corolário do princípio da especialidade das pessoas coletivas[82] ou, no caso da administração direta do Estado dos ministérios.
A competência a que se referem os vários números do artigo 34.º do Regime Geral das Contraordenações, embora seja, em abstrato, o conjunto de poderes funcionais em ordem ao procedimento contraordenacional e à aplicação ou recusa de aplicação de sanções de mera ordenação social, tem na sua base as atribuições da pessoa coletiva pública em que determinado órgão se insere ou a parcela das atribuições do Estado que se encontra confiada ao ministério de cuja orgânica faz parte.
Por isso, a determinação da competência territorial (artigo 35.º), para efeito de procedimento contraordenacional e decisão final, só releva na eventualidade de a autoridade administrativa materialmente competente dispor de uma estrutura desconcentrada, ou seja, se possuir órgãos que, com igual ou similar competência, a exercem dentro de diferentes circunscrições e que importa definir, segundo os critérios de localização que a lei enuncia:
a) Onde a infração se consumou,
b) Onde tiver sido praticado o último ato de execução,
c) Onde tiver sido praticado o último ato preparatório se este for sancionável;
d) Onde o arguido tem o seu domicílio ao tempo do início do procedimento ou durante qualquer fase ulterior;
e) Onde se situe o aeroporto ou porto português a ser escalado em primeiro lugar, se a infração tiver sido praticada a bordo de aeronave ou navio português, fora do território nacional.
VIII.5. No entanto, o resultado a que se chegue, depois de encontrado o órgão material e territorialmente competente, pode ser postergado, na hipótese de se dar como verificado um concurso de contraordenações, concedendo preferência a um órgão sobre os demais, segundo fatores de simples conexão (artigo 36.º, n.º 1). Sugere, pois, a competência de uma autoridade administrativa incompetente.
Estabelece o Regime Geral das Contraordenações a aplicação de uma única coima resultante do cúmulo jurídico efetuado, a qual, porém, não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso, nem tão-pouco ficar aquém da mais elevada das coimas aplicáveis em concreto[83]:
«Artigo 19.º
(Concurso de contraordenações)
1 — Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.
2 — A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
3 — A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.»
Concurso real ou efetivo — entenda-se — e que, como explica NUNO BRANDÃO[84], pode seguir uma de duas vias:
«Uma primeira via é a da acumulação material, de acordo com a qual o agente é punido em tantas sanções quantas as infrações que cometeu (tot pœna quot delicta), ficando sujeito ao cumprimento, simultâneo ou sucessivo, de todas elas. Neste sistema, sendo, por exemplo, cometidas cinco contraordenações, deverá o agente ser punido em cinco coimas, todas elas de pagamento devido.
Uma segunda via é a da sanção única (pena única; coima única), em que o agente, apesar de ter praticado várias infrações, é punido numa única sanção. Nesta segunda via torna-se necessário definir como se determina a espécie e a medida dessa sanção única e qual o relevo a atribuir (ou não) às sanções (parcelares) aplicáveis (ou aplicadas) às infrações em concurso. Podem aqui adotar-se diferentes modelos de determinação da sanção única cabida ao concurso (-). No modelo da pena unitária, o decisor deve abstrair-se do substrato de pluralidade delituosa que forma o concurso e tomar os diferentes factos sob apreciação como se de um único (grande) facto se tratasse, encontrando uma sanção (unitária) para toda essa realidade delituosa. Nos modelos de pena única propriamente dita, os factos em concurso mantêm a sua identidade e autonomia, podendo contribuir de forma substancial para a sanção que é fixada para a pluralidade de infrações».
Teríamos, destarte, uma única coima, por contraordenações respeitantes a diversas atribuições, mas aplicada por uma única autoridade administrativa, não obstante a decisão poder revelar-se nula por incompetência absoluta do seu autor.
Ora, no direito da organização administrativa não há lugar para concursos reais de competência e os concursos aparentes resolvem-se de acordo com os cânones gerais.
Se há um relativo consenso na doutrina no sentido de que o próprio concurso de contraordenações exige uma compreensão restritiva que o conforme com uma certa unidade da ação, é preciso proceder de igual modo com relação à competência da autoridade administrativa.
A formulação do artigo 19.º, por se mostrar demasiado decalcada do direito penal, vem sendo objeto de críticas, da parte, designadamente de FREDERICO COSTA PINTO[85] e de AUGUSTO SILVA DIAS/ RUI SOARES PEREIRA[86].
Estes Autores interrogam-se sobre a aplicabilidade da figura da infração continuada[87] e em especial se ela esgotará o campo da unidade jurídica da ação, concluindo pela negativa[88], pois tal como em relação à conexão entre contraordenação e crime, o limite à conexão de processos encontra-se no facto processual[89]:
«A conexão verifica-se se, e apenas se, crime e contraordenação pertencerem ao mesmo acontecimento histórico. Não será o caso se (…) no mesmo dia o agente falsificou um documento ou cometeu fraude fiscal e no decurso de tanta azáfama passou inadvertidamente um sinal vermelho e foi por isso autuado. (…) Assim sendo, não há fundamento em nossa opinião para a conexão processual».
Na eventualidade de concurso seria competente qualquer uma das autoridades a quem, segundo os critérios materiais e territoriais, incumbisse processar apenas uma das contraordenações, o que parece projetar-se ainda na hipótese de um mesmo facto tornar vários sujeitos passíveis de sofrerem a aplicação de uma coima (artigo 36.º, n.º 2).
A competência administrativa assumiria natureza precária ou meramente indicativa, pois entre dois ou mais órgãos material e territorialmente competentes sempre um deles poderia sub-rogar-se na competência material dos demais[90].
Algo de semelhante parece decorrer do artigo 37.º, ao determinar que, se da competência material, territorial ou por conexão resultar a intervenção cumulativa de várias autoridades, uma apenas instruirá o processo contraordenacional e tomará a decisão.
Assim, por ordem das prioridades estabelecidas no n.º 1, a competência deve ser exercida pelo órgão:
a) Que tiver primeiro ouvido o arguido pela prática da contraordenação;
b) Que tiver primeiro requerido a sua audição pelas autoridades policiais;
c) Que tiver primeiro recebido das autoridades policiais os autos de que conste a audição do arguido.
d) Que for designada por acordo entre as diferentes autoridades competentes, «por razões de economia, celeridade ou eficácia processuais» (n.º 2).
Subestimando a natureza da competência administrativa, importa-se o paradigma processual penal[91], ainda que também ali o papel da conexão sofra importantes limitações, de acordo com o Código de Processo Penal[92]:
— A conexão só opera relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento (artigo 29.º, n.º 2);
— A conexão não opera quando seja previsível originar o incumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou o retardamento excessivo desta fase processual ou da audiência de julgamento (artigo 29.º, n.º 3);
— A conexão não opera entre processos que sejam e processos que não sejam da competência de tribunais de menores (artigo 26.º);
Ao que acrescem os motivos que, nos termos do Código de Processo Penal, determinam a separação de processos:
«Artigo 30.º
(Separação dos processos)
1 — Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 264.º, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou do lesado, o tribunal faz cessar a conexão e ordena a separação de algum, alguns ou de todos os processos sempre que:
a) A conexão afetar gravemente e de forma desproporcionada a posição de qualquer arguido ou houver na separação um interesse ponderoso e atendível de qualquer um deles, nomeadamente no não prolongamento da prisão preventiva;
b) A conexão puder representar um risco para a realização da justiça em tempo útil, para a pretensão punitiva do Estado ou para o interesse do ofendido, do assistente ou do lesado;
c) A manutenção da conexão possa pôr em risco o cumprimento dos prazos de duração máxima da instrução ou retardar excessivamente a audiência de julgamento;
d) A conexão puder retardar excessivamente o julgamento de qualquer dos arguidos; ou
e) Houver declaração de contumácia, ou o julgamento decorrer na ausência de um ou alguns dos arguidos e o tribunal tiver como mais conveniente a separação de processos.
2 — A requerimento de algum ou alguns dos arguidos, o tribunal ordena a providência referida no número anterior quando outro ou outros dos arguidos tiverem requerido a intervenção do júri.
3 — O requerimento referido na primeira parte do número anterior tem lugar nos oito dias posteriores à notificação do despacho que tiver admitido a intervenção do júri.»
VIII.6. Tal como o próprio concurso de infrações, também a determinação da competência da autoridade administrativa por conexão ou por cumulação exige do intérprete um esforço hábil e cuidadoso de compatibilização com o princípio da legalidade administrativa, em especial, com um dos seus principais corolários: o princípio da competência.
De outro modo, a prevalência de um elemento alheio à legalidade administrativa pode subtrair ao órgão competente, segundo a lei, a prática de um ato, pervertendo com isso os fundamentos da organização do Estado e da administração pública.
Com efeito, o artigo 36.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, num esforço de convolar a autoridade administrativa numa ficção de autoridade judiciária — o que alguns autores parecem ver com bons olhos — desconsidera a vinculação constitucional dos órgãos e agentes da administração pública à definição das suas competências e das atribuições da estrutura que integram.
Como se a competência de cada autoridade administrativa se mostrasse absolutamente fungível, a ponto de uma coima por contraordenação rodoviária vir a ser aplicada pelo órgão inspetivo dos jogos de fortuna ou azar, na hipótese de certo indivíduo a ter praticado a caminho do casino onde depois infringiu as regras do bacará ou do póquer.
Assim, quando no artigo 36.º, n.º 1, se dispõe que em caso de concurso de contraordenações é competente (por conexão) a autoridade à qual, segundo os critérios materiais e territoriais de competência, cumpre processar qualquer uma das contraordenações, impõe-se moderar o seu alcance a fim de ressalvar a necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes (artigo 267.º, n.º 2).
Justifica-se plenamente uma interpretação restritiva que impeça a desconformidade também com outras normas e princípios constitucionais, em especial com o disposto no artigo 266.º, n.º 1, da Constituição: «A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».
É que a administração pública, no seu conjunto orgânico e funcional, visa prosseguir o interesse público, mas um determinado órgão não pode senão prosseguir o interesse público especialmente confiado à estrutura que integra. A sua competência e o fim que encerra constituem fundamento e limite de cada ato praticado e da sua validade (artigo 266.º, n.º 2).
A competência deve, pois, ser entendida no seu sentido estrito (que é, aliás, o seu sentido próprio) de modo a confinar a aplicação do disposto no artigo 36.º do RGCO ao interior de cada pessoa coletiva pública e ao conjunto das suas atribuições.
Uma vez que as atribuições da pessoa coletiva pública são pressuposto da competência dos seus órgãos, o concurso de contraordenações imputadas a um mesmo agente não pode subverter o princípio da especialidade do interesse público, obrigando um órgão do Ministério da Educação, Ciência e Inovação a processar uma contraordenação de segurança alimentar ou uma câmara municipal a aplicar uma coima por infração a normas destinadas a proteger o mercado de valores mobiliários.
A prossecução do interesse público não consente que um órgão haja de praticar atos alheios às atribuições (à parcela de interesse público) que serve de esteio e limite à pessoa coletiva pública que integra.
Ao decidir a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, a autoridade administrativa não pode desvincular-se do interesse público que, em concreto, lhe compete prosseguir, tal como o seu superior hierárquico ou o agente a quem tenha delegado poderes contraordenacionais.
Mostram-se particularmente oportunas as palavras de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA[93], ao distinguir a função administrativa da função jurisdicional:
«A finalidade da atuação do órgão administrativo não é a mera aplicação da regra de direito, mas outra qualquer. Assim, por exemplo, quando o Ministro das Finanças aprecia o requerimento de um particular destinado a obter autorização para uma determinada importação, fá-lo de acordo com a lei, mas visa mais longe do que essa sua simples aplicação; o que o motiva ao deferimento ou indeferimento ou à fixação ou isenção dos direitos de importação, é a proteção da indústria nacional, o equilíbrio da balança de pagamentos, eventualmente, a obtenção de receitas para o Estado.
Enquanto para os tribunais a aplicação do direito é um fim em si mesma, para os órgãos administrativos essa aplicação é um meio ou instrumento para alcançar outros fins, para servir interesses diferentes».
E, no mesmo sentido, nota PEDRO COSTA GONÇALVES[94] que a própria justificação do poder contraordenacional da administração pública «assenta na consideração de que esta deve ter a responsabilidade de defender a ordem jurídica e, em concreto, o interesse público afetado (…)», o que, de resto, vem na linha de outra observação de igual pertinência[95]:
«Ainda que a sanção possa não se destinar imediatamente a reintegrar o interesse público violado, está nela sempre presente um propósito de proteger o interesse público e não exclusivamente a punição dos infratores».
Por isso, o poder de aplicar sanções administrativas é, de certo modo, inerente ao poder de fiscalização (FILIPA BAETA[96]). Os conhecimentos técnicos, a experiência adquirida e a vinculação a um determinado interesse público reclamam da competência contraordenacional que não seja indiferenciada.
Sem aplicação de normas de direito administrativo à atividade administrativa, cessa a função administrativa e trilha-se o caminho da usurpação de funções por via da transmutação das autoridades administrativas numa réplica infiel das autoridades judiciárias.
Não se trata, com isto, de recusar ou impedir a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal[97], tal como é prevista no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações: «Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal».
O contrário resulta do diploma sempre que a aplicação subsidiária se mostra necessária ou os preceitos reguladores do processo criminal não permitam aferir a competência das autoridades administrativas, ainda que o n.º 2 garanta que «No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma».
Além de a competência ser coisa diversa dos direitos e deveres das entidades competentes em processo criminal, ela situa-se em momento anterior ao da aplicação da coima e das sanções acessórias, até mesmo da instrução, segundo os princípios gerais da organização administrativa (artigos 266.º e 267.º da Constituição), sem o que se subverteria a função administrativa do Estado, cada vez que uma autoridade administrativa tivesse de atuar ao arrepio do interesse público que lhe cabe conhecer, privada de atribuições especiais, como se exercesse a função dos tribunais ou do Ministério Público (artigo 111.º, n.º 1[98] e artigo 202.º).
Em síntese, a competência da autoridade administrativa não pode ser determinada por regras semelhantes às que repartem a competência entre autoridades judiciárias.
Na verdade, a definição da competência administrativa não pode ser obtida por analogia com o regime da competência dos órgãos do Ministério Público ou dos tribunais, pois as pessoas coletivas públicas e os seus órgãos obedecem a um princípio de especialidade, conformado pelas suas atribuições; não apenas por razões de certeza e segurança jurídica.
Neste sentido, quer o disposto no artigo 36.º quer o disposto no artigo 37.º não permitem justificar a incompetência absoluta do órgão decisor sem incorrerem em inconstitucionalidade material. Daí, a interpretação restritiva.
Não é indiferente que uma decisão contraordenacional por infração estradal seja decidida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, pela Autoridade das Condições de Trabalho, por uma câmara municipal ou pela Entidade Reguladora da Saúde.
As autoridades administrativas, ao instruírem um procedimento contraordenacional, ao aplicarem uma coima ou determinarem o arquivamento encontram-se a exercer a função administrativa não obstante a vinculação a normas de procedimento diferentes das comuns. E, sob pena de repudiarem a própria natureza da função administrativa, conservam-se vinculadas às atribuições que as vinculam: o interesse público.
Em suma, e como se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de julho de 2014[99], «O processo de contraordenação no seu início é meramente administrativo e só se torna judicial se o arguido pretender impugnar a decisão proferida na fase administrativa».
A imparcialidade administrativa não é igual à imparcialidade dos tribunais. É, isso sim, uma «exigência de objetividade na decisão final» em que o órgão não abdica da sua posição de «parte interessada nos resultados de aplicação da norma», segundo escreveram MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO COSTA GONÇALVES/ JOÃO PACHECO DE AMORIM[100], logo passando a explicitar os deveres que dele decorrem:
«a) Deve ponderar, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares;
b) E deve abster-se de os considerar em função de valores estranhos à sua função ou múnus, v.g. de conveniência política, partidária, religiosa etc.»
Por outras palavras, a imparcialidade administrativa não compreende nem pode compreender uma posição de neutralidade em face do interesse público.
Eis porque o tribunal, ao julgar a impugnação da decisão contraordenacional tomada pela autoridade administrativa, não se encontra limitado a um controlo externo da legalidade[101]-[102].
Limitação que o Código do Processo nos Tribunais Administrativos[103] consagra, designadamente:
— No artigo 3.º, n.º 1, ressalvando o mérito: «No respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação»,
— No artigo 71.º, n.º 2, ao salvaguardar a reserva de livre apreciação: «Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido».
VIII.7. Por conseguinte, a delimitação da competência das autoridades administrativas, em matéria contraordenacional, e sem prejuízo da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, ao que se mostrar necessário e possível, não deve furtar-se à aplicação das seguintes normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo, pelo menos, das que concretizam princípios constitucionais:
— Os órgãos da Administração Pública atuam dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins (artigo 3.º, n.º 1), salvo em condições de estado de necessidade (n.º 2),
— A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável[104], sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição (artigo 36.º, n.º 1);
— É nulo todo o ato administrativo ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas (artigo 36.º, n.º 2);
— A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente (artigo 37.º, n.º 1);
— Se a decisão final depender da resolução de uma questão prévia da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo, com explicitação dos fundamentos, até dispor de pronúncia sobre a questão prejudicial, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos para interesses públicos ou privados (artigo 38.º, n.º 1);
— A incompetência deve ser suscitada oficiosamente pelo órgão e pode ser arguida pelos interessados (artigo 40.º, n.º 2);
— A incompetência por falta de atribuições, nomeadamente entre diferentes pessoas coletivas ou estruturas equiparadas (ministérios ou secretarias regionais) diz-se absoluta e determina a nulidade do ato assim praticado [artigo 161.º, n.º 2, alínea b)].
— Pelo contrário, a incompetência relativa, além de poder ser sanada pelo órgão competente, apenas determina a anulabilidade do ato, o que condiciona intensamente o tempo para a sua impugnação administrativa ou contenciosa e até para a sua anulação oficiosa (artigo 168.º).
— A decisão contraordenacional praticada por órgão relativamente incompetente pode ser anulada pelo seu autor, pelo superior hierárquico (artigo 169.º, n.º 3) pelo delegante (n.º 4) ou pelo órgão competente (n.º 6) até ao envio dos autos ao Ministério Público (artigo 62.º, n.º 2, do RGCO).
Não se mostra possível, como tal, acompanhar quem afirma dever pugnar-se pela eliminação de todas as remissões que o regime das contraordenações faça para o Código do Procedimento Administrativo, «bem como pela eliminação de todas as normas que encontrem a sua fonte, mediata ou imediata, em legislação de pendor administrativo[105]», nem aceitar que «a determinação da competência da autoridade administrativa de acordo com juízos de oportunidade não viola a CRP, pois o princípio do juiz natural não se aplica à fase administrativa do processo contraordenacional[106]». Tão-pouco recear que da aplicação de normas de direito administrativo «surja um bloqueio completo da atividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias jurídicas[107]».
Se o arquétipo do direito contraordenacional compreende uma fase administrativa, protagonizada por uma autoridade administrativa, constitucionalmente adstrita ao exercício da função administrativa, isso comporta, necessariamente, a aplicação de normas do procedimento administrativo. Não pode esperar-se do direito processual penal aquilo que as suas normas e princípios não podem subsidiar, nem mesmo com adaptações (artigo 41.º, n.º 1, do RGCO).
A resolução de questões concernentes à competência ou ao funcionamento dos órgãos colegais, à delegação de poderes[108] ou à suplência, à revogação ou à anulação da decisão pela autoridade administrativa tem de passar, incontornavelmente, por normas e princípios de direito administrativo, sem o risco de converter a decisão num ato administrativo comum.
Algo que o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu, no Assento n.º 1/2003, de 28 de novembro de 2002[109], ao concluir o seguinte:
«Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do RGCO, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contraordenacional, pela audiência escrita do arguido (-), notificá-lo-á para — no prazo que o regime específico do procedimento previr ou, na falta deste, em prazo não inferior a 10 dias — dizer o que se lhes oferecer (cf. artigo 101.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo)
Nem é possível escamotear o valor constitucional do princípio da legalidade administrativa, segundo o qual toda a atividade da administração pública, sem excluir a instrução dos procedimentos contraordenacionais e a sua decisão, tem de fundar‑se em lei precedente (princípio da precedência de lei), «significando isto que sem uma norma legal que defina as atribuições das entidades públicas e as competências dos respetivos órgãos, bem como os termos da sua atuação, a Administração Pública não teria poderes para agir» (MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA/ ANTÓNIO CORTÊS[110]).
Por outro lado, a ideia reducionista segundo a qual, a definição da competência contraordenacional das autoridades administrativas apenas visaria salvaguardar algo de semelhante ao princípio do juiz natural, abdica da raiz da função administrativa: o interesse público que justifica a distribuição de tarefas e de poderes.
Aplicar coimas e sanções acessórias ou arquivar os processos instruídos é ainda administrar, não obstante a decisão ser precária (a menos que esgotado o tempo da sua impugnação) e apesar de se submeter a um controlo de jurisdição plena e não de mera legalidade, como é próprio, entre outras, da ação administrativa de anulação ou de condenação na prática do ato devido.
Se, com PEDRO COSTA GONÇALVES[111], podemos reconhecer como uma das principais funções do direito administrativo a de distribuir o poder de decisão, assim legitimando a atividade administrativa, temos de admitir também que a preterição das normas sobre atribuições (incompetência absoluta) mina a própria legitimidade da autoridade administrativa no processo contraordenacional.
É que a repartição de atribuições e competências, de modo horizontal, vertical ou transversal, conjunta ou disjuntivamente, reflete uma separação de poderes e, por conseguinte, garante a limitação do poder, por via da interdependência[112].
E se entre as autoridades administrativas nada se descortina de semelhante à garantia do juiz natural (artigo 32.º, n.º 9, da Constituição[113]), há um conjunto de órgãos da administração pública a quem se encontram confiadas determinadas competências assentes nas atribuições da pessoa coletiva pública que integram, assumindo, deste modo, determinada dimensão do interesse público[114].
Na falta de uma aturada reflexão na doutrina, é ainda mais justo dar nota da acutilância de ANTÓNIO LEONES DANTAS[115], ao apontar criticamente a subversão das normas de organização administrativa pelos preceitos atributivos de competência por conexão (artigo 36.º do RGCO) se não forem habilmente interpretados:
«Impõe-se, pois, uma interpretação cuidadosa desta norma, dada a dificuldade de interpenetração de competências que se verifica entre os diferentes serviços da Administração.
De facto, os serviços competentes para o processamento de infrações de uma determinada área poderão não ter qualquer capacidade para investigar infrações de outra, o que introduz limitações de facto no estrito cumprimento daquele artigo.
Daí que cada serviço tenda a processar as infrações que cabem na sua específica atividade, alheando-se muitas vezes de infrações que ocorram na situação concreta mas que obedecem a enquadramentos de outros serviços.»
Vale tudo isto por dizer que a IGEC não vê preterida a favor da ASAE a competência para instruir um procedimento contraordenacional numa escola ou num jardim infantil, por infração a uma norma educacional, apenas por com ela concorrer uma outra infração relativa às condições de refrigeração dos géneros alimentares usados para confeção de refeições a servir na cantina escolar.
Algo que vale, igualmente, para as contraordenações previstas pela Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, nos seus artigos 4.º e 9.º.
IX
DA INSPEÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
IX.1. A atividade inspetiva assenta «na faculdade de o superior fiscalizar continuamente o comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços[116]» a fim de verificar a conformidade dos atos praticados com a lei, o cumprimento das ordens, instruções, diretrizes e demais deveres funcionais, como também a observância dos princípios da continuidade, da universalidade, da igualdade, da neutralidade, da adaptação na prestação de bens e serviços[117] e da prossecução do interesse público.
A vinculação ao interesse público surge no artigo 3.º, n.º 8, da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro[118], conformada pelos seguintes fins e parâmetros:
a) Da prestação de serviços orientados para os cidadãos;
b) Da imparcialidade na atividade administrativa;
c) Da responsabilização a todos os níveis pela gestão pública;
d) Da racionalidade e celeridade nos procedimentos administrativos;
e) Da eficácia na prossecução dos objetivos fixados e controlo de resultados obtidos;
f) Da eficiência na utilização dos recursos públicos;
g) Da permanente abertura e adequação às potencialidades das tecnologias da informação e comunicações;
h) Do recurso a modelos flexíveis de funcionamento em função dos objetivos, recursos e tecnologias disponíveis.
Por seu turno, a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro[119], determina, no artigo 121.º, que os contratos interadministrativos de delegação de atribuições e competências de órgãos do Estado nos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais e dos órgãos dos municípios nos órgãos das freguesias e das entidades intermunicipais, na sua negociação, celebração, execução e cessação obedeçam aos seguintes princípios:
a) Igualdade;
b) Não discriminação;
c) Estabilidade;
d) Prossecução do interesse público;
e) Continuidade da prestação do serviço público;
f) Necessidade e suficiência dos recursos.
Eis dois padrões de preferência para a atividade inspetiva de serviços públicos, ambos adequados a rastrear práticas discriminatórias de pessoas com deficiência.
IX.2. Nem sempre está ao alcance do superior hierárquico ou do órgão com poderes de tutela exercer diretamente a atividade inspetiva, motivo por que a administração direta e indireta do Estado compreende órgãos e serviços inspetivos na estrutura dos ministérios ou sob a superintendência do ministro.
Assim, atualizando o elenco dos órgãos inspetivos a que se refere o regime jurídico da atividade de inspeção, auditoria e fiscalização dos serviços da administração direta e indireta do Estado, consignado pelo Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de julho[120], refiram-se, à luz do artigo 3.º, os seguintes:
— A Inspeção-Geral de Finanças;
— A Inspeção-Geral da Administração Interna;
— A Inspeção-Geral Diplomática e Consular;
— A Inspeção-Geral da Defesa Nacional;
— A Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça;
— A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica;
— A Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território;
— A Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
— A Autoridade para as Condições de Trabalho;
— A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde;
— A Inspeção-Geral da Educação e Ciência;
— A Inspeção-Geral das Atividades Culturais;
— As unidades orgânicas de secretarias-gerais às quais sejam cometidas essas funções pelos respetivos diplomas orgânicos;
— O Turismo de Portugal, I. P., no que respeita exclusivamente ao exercício das competências do respetivo Serviço de Inspeção de Jogos.
IX.3. Antecipada a nossa posição no sentido da competência material da IGEC relativamente às práticas discriminatórias previstas no artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, em razão das atribuições ou “interesses” em causa[121], importa confirmá-lo para ulteriormente verificar se as competências da ASAE e da IGF ou as atribuições ministeriais infirmam tal entendimento.
Todas as três se encontram sob o regime jurídico da atividade de inspeção, auditoria e fiscalização dos serviços da administração direta e indireta do Estado[122] aos quais tenha sido cometida a missão de assegurar o exercício de funções de controlo, interno ou externo,
Como tal, na sua atividade, em qualquer caso, beneficiam do dever de colaboração nos termos seguidamente enunciados pelo Decreto-Lei n.º 276/2007, de 31 de julho:
«Artigo 5.º
(Dever de colaboração e pedidos de informação)
1 — As pessoas coletivas públicas devem prestar aos serviços de inspeção toda a colaboração por estes solicitada.
2 — Os serviços de inspeção podem solicitar informações a qualquer pessoa coletiva de direito privado ou pessoa singular, sempre que o repute necessário para o apuramento dos factos.
3 — É facultado, de forma recíproca, o acesso à informação relevante entre:
a) Os serviços de inspeção;
b) Os serviços de inspeção e a Autoridade Tributária e Aduaneira;
c) Os serviços de inspeção e os órgãos de polícia criminal;
d) Os serviços de inspeção e quaisquer outras pessoas coletivas públicas.
4 — No âmbito do exercício das respetivas atribuições, os serviços de inspeção podem, nos termos do estabelecido nos protocolos a que se refere o número seguinte, aceder a informação constante das bases de dados das pessoas coletivas públicas, preferencialmente de forma direta e remota.
5 — As condições de acesso e tratamento da informação prevista nos n.ºs 3 e 4, nomeadamente as categorias dos funcionários autorizados a aceder à informação, a forma de comunicação ou de acesso, a natureza e categoria dos dados consultáveis e os termos da conservação da informação obtida são definidas mediante protocolos a celebrar entre as respetivas entidades, sujeitos a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados.»
Decorre, ainda, deste regime um dever de colaboração recíproca (artigo 6.º) e a possibilidade de os serviços de inspeção nacionais prestarem colaboração «aos serviços congéneres das regiões autónomas no âmbito material das suas atribuições» (artigo 7.º).
Em cumprimento do artigo 12.º, n.º 1, os serviços de inspeção «devem conduzir as suas intervenções com observância do princípio do contraditório, salvo nos casos previstos na lei» e, nos termos do n.º 2, «devem fornecer às entidades objeto da sua intervenção as informações e outros esclarecimentos de interesse justificado que lhe sejam solicitados, sem prejuízo das regras aplicáveis aos deveres de sigilo».
Para o desempenho das atribuições estaduais confiadas aos serviços inspetivos, «os titulares dos órgãos e serviços da administração direta e indireta do Estado, bem como das empresas e estabelecimentos objeto de ação de inspeção podem ser notificados pelo inspetor responsável pela ação de inspeção, para a prestação de declarações ou depoimentos que se julguem necessários» (artigo 13.º, n.º 1).
As empresas e os estabelecimentos a que se refere este preceito, pela sua generalidade, compreendem os promotores das atividades de animação e apoio familiar (AAAF), da componente de apoio familiar (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC), mesmo que pertençam aos setores particular ou cooperativo.
Acresce que a notificação para comparência de qualquer pessoa para prestar declarações ou depoimento em ações de inspeção ou em procedimentos disciplinares pode ser solicitada às autoridades policiais, observadas as disposições aplicáveis do Código de Processo Penal (artigo 13.º, n.º 3).
Os serviços de inspeção participam às entidades competentes, nomeadamente ao Ministério Público, os factos com relevância para o exercício da ação penal e contraordenacional, quando existam e na sequência da homologação do relatório pelo ministro competente (artigo 15.º, n.º 7) e, por sua decisão, nos termos da lei, enviam ao Tribunal de Contas os relatórios finais das ações inspetivas que contenham matéria de interesse para a ação daquele Tribunal (n.º 8), sem prejuízo do que se encontrar disposto em legislação setorial ou no regime de outros procedimentos «determinados pelas necessidades de atuação direta dos serviços de inspeção» (n.º 9).
Os poderes de autoridade comuns a todos os serviços inspetivos encontram-se enunciados nos termos que passamos a reproduzir:
«Artigo 16.º
(Garantias do exercício da atividade de inspeção)
No exercício das suas funções, os dirigentes dos serviços de inspeção e o pessoal de inspeção gozam das seguintes prerrogativas:
a) Direito de acesso e livre-trânsito, nos termos da lei, pelo tempo e no horário necessários ao desempenho das suas funções, em todos os serviços e instalações das entidades públicas e privadas sujeitas ao exercício das suas atribuições;
b) Requisitar para exame, consulta e junção aos autos, livros, documentos, registos, arquivos e outros elementos pertinentes em poder das entidades cuja atividade seja objeto da ação de inspeção;
c) Recolher informações sobre as atividades inspecionadas, proceder a exames a quaisquer vestígios de infrações, bem como a perícias, medições e colheitas de amostras para exame laboratorial;
d) Realizar inspeções, com vista à obtenção de elementos probatórios, aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas ao seu âmbito de atuação e passíveis de consubstanciar atividades ilícitas, sem dependência de prévia notificação;
e) Promover, nos termos legais aplicáveis, a selagem de quaisquer instalações, bem como a apreensão de documentos e objetos de prova em poder das entidades inspecionadas ou do seu pessoal, quando isso se mostre indispensável à realização da ação, para o que deve ser levantado o competente auto;
f) Solicitar a colaboração das autoridades policiais, nos casos de recusa de acesso ou obstrução ao exercício da ação de inspeção por parte dos destinatários, para remover tal obstrução e garantir a realização e a segurança dos atos inspetivos;
g) Solicitar a adoção de medidas cautelares necessárias e urgentes para assegurar os meios de prova, quando tal resulte necessário, nos termos do Código de Processo Penal;
h) Obter, para auxílio nas ações em curso nos mesmos serviços, a cedência de material e equipamento próprio, bem como a colaboração de pessoal que se mostrem indispensáveis, designadamente para o efeito de se executarem ou complementarem serviços em atraso de execução, cuja falta impossibilite ou dificulte aquelas ações;
i) Utilizar nos locais inspecionados, por cedência das respetivas entidades inspecionadas, instalações em condições de dignidade e de eficácia para o desempenho das suas funções;
j) Trocar correspondência, em serviço, com todas as entidades públicas ou privadas sobre assuntos de serviço da sua competência;
l) Proceder, por si ou com recurso a autoridade policial ou administrativa, e cumpridas as formalidades legais, às notificações necessárias ao desenvolvimento da ação de inspeção;
m) Ser considerado como autoridade pública para os efeitos de proteção criminal».
Observemos, mais de perto, a Inspeção-Geral da Educação e Ciência, cuja orgânica se encontra definida pelo Decreto Regulamentar n.º 15/2012, de 27 de janeiro.
IX.4. A Inspeção-Geral da Educação e Ciência integra a orgânica do Ministério da Educação, Ciência e Inovação cujas atribuições se encontram assim enunciadas pelo Decreto-Lei n.º 125/2011, de 29 de dezembro[123]:
«Artigo 2.º
(Atribuições)
1 — Na prossecução da sua missão, são atribuições do [MECI]:
a) Definir e promover a execução das políticas relativas à educação pré-escolar, à educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação, à educação extraescolar e à ciência e tecnologia, bem como os respetivos modos de organização, financiamento e avaliação;
b) Participar na definição e execução das políticas de qualificação e formação profissional;
c) Promover a coordenação das políticas de educação, ciência, qualificação e formação profissional com as políticas relativas à promoção e difusão da língua portuguesa, ao apoio à família, à inclusão social e ao emprego;
d) Garantir o direito à educação e assegurar a escolaridade obrigatória, de modo a promover a igualdade de oportunidades;
e) Reforçar as condições de ensino e aprendizagem, de forma a contribuir para a qualificação da população e melhoria dos índices de empregabilidade e de sucesso escolar;
f) Promover a valorização da diversidade de experiências, a liberdade de escolha e a formação ao longo da vida;
g) Desenvolver e consolidar uma cultura de avaliação e exigência em todos os níveis dos sistemas educativo e científico e tecnológico;
h) Definir o currículo nacional e o regime de avaliação dos alunos e aprovar os programas de ensino e as orientações para a sua concretização, compreendendo os do ensino português no estrangeiro;
i) Assegurar as orientações pedagógicas e a certificação da aprendizagem do ensino português no estrangeiro de nível não superior e exercer a tutela sobre as escolas portuguesas no estrangeiro;
j) Definir, gerir e acompanhar o desenvolvimento, a requalificação, modernização e conservação da rede escolar de estabelecimentos públicos de ensino não superior, tendo em consideração as iniciativas no âmbito do ensino particular e cooperativo;
l) Apoiar a autonomia das escolas, implementando modelos descentralizados de gestão e apoiando a execução dos seus projetos educativos e organização pedagógica;
m) Promover o desenvolvimento, modernização, qualidade, competitividade e avaliação internacional dos sistemas de ensino superior e científico e tecnológico, bem como estimular o reforço das instituições que fazem parte desses sistemas;
n) Planear e administrar os recursos humanos, materiais e financeiros afetos aos sistemas educativo e científico e tecnológico, sem prejuízo da autonomia das instituições de ensino superior e das que integram o sistema científico e tecnológico nacional;
o) Promover a adequação da oferta do ensino superior, incluindo a articulação e complementaridade entre a oferta pública e privada e a redefinição da rede de instituições e suas formações;
p) Proceder à regulação e promover a observação permanente, a avaliação e a inspeção, nas diversas vertentes previstas na lei, dos estabelecimentos de ensino e das instituições que integram o sistema científico e tecnológico nacional;
q) Criar um sistema de análise, monitorização, avaliação e apresentação de resultados de modo a avaliar os resultados e os impactos das políticas de educação e formação;
r) Incentivar e apoiar o desenvolvimento da capacidade científica e tecnológica em Portugal, a formação e qualificação de recursos humanos em áreas de investigação e desenvolvimento, visando o reforço e a melhoria da produção científica e do emprego científico público e privado;
s) Reforçar a cooperação entre o sistema de ensino superior e o sistema científico e tecnológico, possibilitando uma maior interligação entre estes e o sistema produtivo;
t) Promover, estimular e apoiar o estabelecimento de consórcios, redes e programas entre empresas e unidades de investigação, a criação de empresas de base tecnológica, bem como o desenvolvimento de estratégias empresariais abertas à inovação, à demonstração tecnológica e à investigação aplicada;
u) Desenvolver a cultura científica e tecnológica, estimulando e apoiando atividades de difusão, de informação e educação científica e de experimentação;
v) Apoiar o esforço de qualificação dos portugueses no espaço europeu, assegurando níveis mais elevados de empregabilidade e estimulando o empreendedorismo;
x) Desenvolver as relações internacionais e as atividades de cooperação no âmbito dos sistemas educativos e científico e tecnológico, de harmonia com as orientações de política externa portuguesa e sem prejuízo das atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
z) Estimular e desenvolver as atividades de ciência, tecnologia e inovação nos domínios fundamentais da agenda internacional e da cooperação internacional, promovendo a difusão de conhecimento e tecnologias, participando em organizações internacionais e contribuindo para a definição da política científica e tecnológica da União Europeia, sem prejuízo das atribuições próprias do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
2 — A prossecução das atribuições estabelecidas no número anterior pode justificar, no quadro das disponibilidades orçamentais, a concessão de subvenções ou subsídios a estas equiparados, a entidades do setor privado, cooperativo e social que prossigam fins de interesse público relevante para a educação, designadamente nas seguintes áreas:
a) Apoio ao desenvolvimento de projetos e atividades que visem a salvaguarda dos direitos das crianças e jovens, com efetiva aplicação ou repercussão no serviço prestado, no âmbito das matérias especificamente relacionadas com a intervenção das escolas e dos serviços e organismos tutelados pelo Ministério da Educação;
b) Apoio à promoção e organização de projetos, competições, programas desenvolvidos a nível nacional ou internacional, em diversas áreas da educação e do conhecimento científico, bem como ao nível da qualificação e formação profissional, no âmbito dos ensinos básico, secundário e da educação de adultos.
3 — À concessão e à publicitação das subvenções referidas no número anterior são aplicáveis as normas e os procedimentos constantes da Lei n.º 64/2013, de 27 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 167/2008, de 28 de agosto».
A nenhuma destas atribuições pode ser alheia a IGEC, na medida em que se fixa, na alínea p) do n.º 1, a incumbência de «promover a observação permanente, a avaliação e a inspeção, nas diversas vertentes previstas na lei, dos estabelecimentos de ensino».
Deve ainda chamar-se a atenção para o disposto na alínea d) do n.º 1, precisamente por enquadrar a prevenção e proibição da discriminação no acesso e frequência dos estabelecimentos de ensino e dos estabelecimentos da educação pré-escolar.
A parcela das atribuições do Estado consignada à IGEC é configurada pelo Decreto-Lei n.º 125/2011, de 29 de dezembro, nos termos seguintes:
«Artigo 11.º
(Inspeção-Geral da Educação e Ciência)
1 — A Inspeção-Geral da Educação e Ciência, abreviadamente designada por IGEC, tem por missão assegurar a legalidade e regularidade dos atos praticados pelos órgãos, serviços e organismos do [MECI] ou sujeitos à tutela do membro do Governo, bem como o controlo, a auditoria e a fiscalização do funcionamento do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação, da educação extraescolar, da ciência e tecnologia e dos órgãos, serviços e organismos do [MECI].
2 — A IGEC prossegue, designadamente, as seguintes atribuições:
a) Apreciar a conformidade legal e regulamentar dos atos dos órgãos, serviços e organismos do [MECI] ou sujeitos à tutela do membro do Governo e avaliar o seu desempenho e gestão, através da realização de ações de inspeção e de auditoria, que podem conduzir a propostas de medidas corretivas quer na gestão quer no seu funcionamento;
b) Auditar os sistemas e procedimentos de controlo interno dos órgãos, serviços e organismos da área de atuação do [MECI] ou sujeitos à tutela do membro do Governo, no quadro das responsabilidades cometidas ao sistema de controlo interno da administração financeira do Estado, visando, nomeadamente, o controlo da aplicação dos dinheiros públicos;
c) Contribuir para a qualidade do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário e da educação extraescolar, designadamente através de ações de controlo, acompanhamento e avaliação, propondo medidas que visem a melhoria do sistema educativo e participando no processo de avaliação das escolas de ensino básico e secundário e das atividades com ele relacionadas;
d) Zelar pela equidade nos sistemas educativo, científico e tecnológico, salvaguardando os interesses legítimos de todos os que o integram e dos respetivos utentes, nomeadamente registando e tratando queixas e reclamações;
e) Conceber, planear e executar ações de inspeção e auditoria aos estabelecimentos de ensino superior, no respeito pela respetiva autonomia, aos serviços de ação social e aos órgãos, serviços e organismos tutelados pelo [MECI] em matéria de organização e de gestão administrativa, financeira e patrimonial, nomeadamente quando beneficiários de financiamentos nacionais ou europeus atribuídos pelo [MECI];
f) Avaliar a qualidade dos sistemas de informação de gestão, incluindo os indicadores de desempenho;
g) Assegurar o serviço jurídico-contencioso decorrente dos processos contraordenacionais, em articulação com a SG, bem como a ação disciplinar e os procedimentos de contraordenação, previstos na lei.
3 — A IGEC é dirigida por um inspetor-geral, coadjuvado por três subinspetores-gerais, cargos de direção superior de 1.º e 2.º graus, respetivamente.»
Cumpre-lhe, pois, o controlo, a auditoria e a fiscalização do funcionamento do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar e do ensino básico da educação escolar, integrando as modalidades especiais de educação, da educação extraescola (n.º 1), e encontra-se incumbida de zelar pela equidade nos sistemas educativo, científico e tecnológico, salvaguardando os interesses legítimos de todos os que o integram e dos respetivos utentes, nomeadamente registando e tratando queixas e reclamações [n.º 2, alínea d)] e de assegurar o serviço jurídico-contencioso decorrente dos processos contraordenacionais [n.º 2, alínea g)], nada excluindo, antes pelo contrário, conhecer dos ilícitos de mera ordenação social previstos no artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, e praticar os consequentes atos decisórios.
Ilícitos esses que afetam a equidade (ou talvez a justiça, melhor dizendo) no sistema educativo e que lesam direitos e interesses legalmente protegidos dos seus utentes.
IX.5. A orgânica da IGEC encontra-se consagrada no Decreto Regulamentar n.º 15/2012, de 27 de janeiro, em termos que vêm ao encontro desta asserção:
«Artigo 2.º
(Missão e atribuições)
1 — A IGEC tem por missão assegurar a legalidade e regularidade dos atos praticados pelos órgãos, serviços e organismos do Ministério da Educação e Ciência, abreviadamente designado por [MECI], ou sujeitos à tutela do respetivo membro do Governo, bem como o controlo, a auditoria e a fiscalização do funcionamento do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação, da educação extraescolar, da ciência e tecnologia e dos órgãos, serviços e organismos do [MECI].
2 — A IGEC prossegue as seguintes atribuições:
a) Apreciar a conformidade legal e regulamentar dos atos dos órgãos, serviços e organismos do [MECI] ou sujeitos à tutela do membro do Governo e avaliar o seu desempenho e gestão, através da realização de ações de inspeção e de auditoria, que podem conduzir a propostas de medidas corretivas, quer na gestão, quer no seu funcionamento;
b) Auditar os sistemas e procedimentos de controlo interno dos órgãos, serviços e organismos da área de atuação do [MECI] ou sujeitos à tutela do membro do Governo, no quadro das responsabilidades cometidas ao sistema de controlo interno da administração financeira do Estado;
c) Contribuir para a qualidade do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário e da educação extraescolar, designadamente através de ações de controlo, acompanhamento e avaliação, propondo medidas que visem a melhoria do sistema educativo e participando no processo de avaliação das escolas de ensino básico e secundário e das atividades com ele relacionadas;
d) Participar no processo de avaliação das escolas de ensino básico e secundário e apoiar o desenvolvimento das atividades com ele relacionadas;
e) Zelar pela equidade no sistema educativo, científico e tecnológico, salvaguardando os interesses legítimos de todos os que o integram e dos respetivos utentes, nomeadamente registando e tratando queixas e reclamações, e procedendo às necessárias averiguações;
f) Assegurar a ação disciplinar e os procedimentos de contraordenação, previstos na lei, nomeadamente, através da respetiva instrução;
g) Controlar a aplicação eficaz, eficiente e económica dos dinheiros públicos nos termos da lei e de acordo com os objetivos definidos pelo Governo e avaliar os resultados obtidos em função dos meios disponíveis;
h) Conceber, planear e executar ações de inspeção e auditoria aos estabelecimentos de ensino superior, no respeito pela respetiva autonomia, aos serviços de ação social e aos órgãos, serviços e organismos tutelados pelo MEC em matéria de organização e de gestão administrativa, financeira e patrimonial, nomeadamente quando beneficiários de financiamentos nacionais ou europeus atribuídos pelo [MECI];
i) Avaliar a qualidade dos sistemas de informação de gestão, incluindo os indicadores de desempenho;
j) Assegurar o serviço jurídico-contencioso decorrente dos processos contraordenacionais, em articulação com a SG;
l) Registar e analisar as reclamações inscritas nos livros de reclamações dos estabelecimentos particulares e cooperativos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como nas instituições de ensino superior privado.
3 — A IGEC pode, igualmente, desenvolver as suas atribuições, nomeadamente, mediante a celebração de protocolos, em articulação e cooperação com serviços de outros ministérios, designadamente com a Inspeção-Geral de Finanças, no âmbito do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado, bem como com as Inspeções Regionais de Educação das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.»
Em breves palavras, relevam, a título principal: a fiscalização do funcionamento do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo as modalidades especiais de educação (n.º 1), a apreciação de queixas e o cumprimento das pertinentes averiguações [n.º 2, alínea e)] e a instrução dos procedimentos de contraordenação, previstos na lei [alínea f)].
Refira-se que também à IGEC cumpre proceder regularmente a ações de fiscalização às escolas particulares e cooperativas (artigo 7.º, n.º 2, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo[124]), e exercer, «com as necessárias adaptações, as mesmas competências que lhe estão cometidas em relação às escolas públicas» (n.º 3), nomeadamente a aplicação das sanções administrativas previstas nos artigos 99.º-A e seguintes do Decreto-Lei n.º 533/80, de 21 de novembro[125].
Quer isto dizer que o interesse público a prosseguir e, nessa medida, a competência da IGEC, visam a educação, independentemente da natureza jurídica dos agentes ou operadores. Se é assim com relação ao ensino particular e cooperativo, não se vê motivo algum para afastar a competência da IGEC sobre operadores particulares e cooperativos presentes ativamente na rede pública escolar e pré-escolar.
Os promotores das atividades em questão, quando não sejam o próprio agrupamento escolar ou o município, são afinal sujeitos privados a exercer funções públicas.
A IGEC surge caracterizada no Decreto Regulamentar n.º 15/2012, de 27 de janeiro, como «um serviço central da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa» (artigo 1.º) — embora, em rigor, seja um complexo de órgãos e serviços sob a direção do Inspetor-Geral.
Por sua vez, o artigo 2.º, n.º 1, aponta como suas finalidades «assegurar a legalidade e regularidade dos atos praticados pelos órgãos, serviços e organismos do Ministério da Educação e Ciência, abreviadamente designado por MEC, ou sujeitos à tutela do respetivo membro do Governo, bem como o controlo, a auditoria e a fiscalização do funcionamento do sistema educativo no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação, da educação extraescolar, da ciência e tecnologia e dos órgãos, serviços e organismos do MEC».
Acresce, de acordo com o artigo 2.º, n.º 3, poder a IGEC, de igual modo, «desenvolver as suas atribuições, nomeadamente, mediante a celebração de protocolos, em articulação e cooperação com serviços de outros ministérios, designadamente com a Inspeção-geral de Finanças, no âmbito do Sistema de Controlo Interno da Administração Financeira do Estado, bem como com as Inspeções Regionais de Educação das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira».
Observemos, pois, o enquadramento de tais atividades ao nível do sistema educativo. É na extensão deste conceito que se pode alcançar e confirmar a extensão das atribuições do Estado confiadas à IGEC.
Teremos oportunidade de confirmar que as atividades de animação e apoio familiar, o complemento de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular fazem parte do sistema educativo. Não representam um acessório ou apêndice, apesar de terem entre os seus fins o apoio à família. É que, na verdade, este fim não é estranho ao sistema educativo.
X
DO SISTEMA EDUCATIVO
X.1. A Lei n.º 46/86, de 14 de outubro[126] define o sistema educativo como «o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade» (artigo 1.º, n.º 2) e programa o seu desenvolvimento «segundo um conjunto organizado de estruturas e de ações diversificadas, por iniciativa e sob responsabilidade de diferentes instituições e entidades públicas, particulares e cooperativas» (n.º 3).
O sistema educativo deve responder «às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho» (artigo 2.º, n.º 4), o que não se circunscreve inteiramente ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação, como resulta do artigo 1.º, n.º 5, ao afirmar que «a coordenação da política relativa ao sistema educativo, independentemente das instituições que o compõem, incumbe a um ministério especialmente vocacionado para o efeito».
É, assim, de considerar, por um lado, que os órgãos do MECI não esgotam o sistema educativo, e que, por outro, as demais instituições que o compõem ou nele participam se encontram sob a sua coordenação, sejam de natureza pública, como os municípios, particular, social ou cooperativa.
O sistema educativo, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, «compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extraescolar».
A educação pré-escolar, no seu aspeto formativo, é, de acordo com o n.º 2, «complementar e ou supletiva da ação educativa da família, com a qual estabelece estreita cooperação».
A educação escolar, por sua vez, «compreende os ensinos básico, secundário e superior, integra modalidades especiais e inclui atividades de ocupação de tempos livres» (n.º 3).
Por fim, entende-se por educação extraescolar as atividades de alfabetização e de educação de base, de aperfeiçoamento e atualização cultural e científica e a iniciação, reconversão e aperfeiçoamento profissional (n.º 4).
Em matéria de administração do sistema educativo, a Lei de Bases determina o seguinte:
«Artigo 46.º
(Princípios gerais)
1 — A administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a consecução de objetivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica.
2 — O sistema educativo deve ser dotado de estruturas administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e local, que assegurem a sua interligação com a comunidade mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas das atividades sociais, económicas e culturais e ainda de instituições de carácter científico.
3 — Para os efeitos do número anterior serão adotadas orgânicas e formas de descentralização e de desconcentração dos serviços, cabendo ao Estado, através do ministério responsável pela coordenação da política educativa, garantir a necessária eficácia e unidade de ação».
Deste prisma, as atividades complementares de apoio à família e de enriquecimento curricular veiculam a participação das autarquias locais, das famílias, dos parceiros sociais, das instituições particulares de solidariedade social, mas não formam um reduto à parte do sistema educativo.
A eficácia e a unidade da ação correspondem a objetivos constitucionais a alcançar por via dos poderes de direção, superintendência e tutela, sem prejuízo dos objetivos e concretizações da descentralização e da desconcentração administrativas (artigo 267.º, n.º 2, da Constituição).
Em seguida, a Lei de Bases aponta para os diversos níveis de administração:
«Artigo 47.º
(Níveis de administração)
1 — Leis especiais regulamentarão a delimitação e articulação de competências entre os diferentes níveis de administração, tendo em atenção que serão da responsabilidade da administração central, designadamente, as funções de:
a) Conceção, planeamento e definição normativa do sistema educativo, com vista a assegurar o seu sentido de unidade e de adequação aos objetivos de âmbito nacional;
b) Coordenação global e avaliação da execução das medidas da política educativa a desenvolver de forma descentralizada ou desconcentrada;
c) Inspeção e tutela, em geral, com vista, designadamente, a garantir a necessária qualidade do ensino;
d) Definição dos critérios gerais de implantação de rede escolar, da tipologia das escolas e seu apetrechamento, bem como das normas pedagógicas a que deve obedecer a construção de edifícios escolares;
e) Garantia da qualidade pedagógica e técnica dos vários meios didáticos, incluindo os manuais escolares.
2 — A nível regional, e com o objetivo de integrar, coordenar e acompanhar a atividade educativa, será criado em cada região um departamento regional de educação, em termos a regulamentar por decreto-lei.»
Importa reter que, nos termos da alínea c) do n.º 1, inspeção e tutela, encontram-se radicadas na administração central do Estado e visam «garantir a necessária qualidade do ensino», sem distinção alguma entre as atribuições educativas do Estado e as atribuições educativas dos municípios.
De resto, os municípios não dispõem, nem se vê que possam dispor, de serviços inspetivos das escolas, creches e infantários.
Relativamente aos estabelecimentos de ensino e à sua administração, consignou-se, no essencial, o que passamos a reproduzir:
«Artigo 48.º
(Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino)
1 — O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspetiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respetivos docentes.
2 — Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.
3 — Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.
4 — A direção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
5 — A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se ao ensino secundário.
6 — A direção de todos os estabelecimentos de ensino superior orienta-se pelos princípios de democraticidade e representatividade e de participação comunitária.
7 — Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia científica, pedagógica e administrativa.
8 — As universidades gozam ainda de autonomia financeira, sem prejuízo da ação fiscalizadora do Estado.
9 — A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior será compatibilizada com a inserção destes no desenvolvimento da região e do País.»
De notar que, mesmo as universidades com a autonomia científica, pedagógica, financeira e administrativa que lhes assiste, com base no artigo 76.º, n.º 2, da Constituição, encontram-se sob a fiscalização do Estado (n.º 7 e n.º 8).
Deve ser referido, ainda, que, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, «os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo que se enquadrem nos princípios gerais, finalidades, estruturas e objetivos do sistema educativo são considerados parte integrante da rede escolar».
X.2. Se a Lei de Bases do Sistema Educativo considera a educação pré-escolar, no seu aspeto formativo, como complementar e ou supletiva da ação educativa da família, com a qual estabelece estreita cooperação (artigo 4.º, n.º 2), já a educação escolar, a qual compreende os ensinos básico, secundário e superior, «integra modalidades especiais e inclui atividades de ocupação de tempos livres» (n.º 3).
No pré-escolar encontram-se as atividade de animação e apoio à família (AAAF). As demais dizem respeito ao 1.º ciclo do ensino básico.
À educação pré-escolar a Lei de Bases aponta objetivos nos termos seguidamente reproduzidos:
«Artigo 5.º
(Educação pré-escolar)
1 — São objetivos da educação pré-escolar:
a) Estimular as capacidades de cada criança e favorecer a sua formação e o desenvolvimento equilibrado de todas as suas potencialidades;
b) Contribuir para a estabilidade e segurança afetivas da criança;
c) Favorecer a observação e a compreensão do meio natural e humano para melhor integração e participação da criança;
d) Desenvolver a formação moral da criança e o sentido da responsabilidade, associado ao da liberdade;
e) Fomentar a integração da criança em grupos sociais diversos, complementares da família, tendo em vista o desenvolvimento da sociabilidade;
f) Desenvolver as capacidades de expressão e comunicação da criança, assim como a imaginação criativa, e estimular a atividade lúdica;
g) Incutir hábitos de higiene e de defesa da saúde pessoal e coletiva;
h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências ou precocidades e promover a melhor orientação e encaminhamento da criança.
2 — A prossecução dos objetivos enunciados far-se-á de acordo com conteúdos, métodos e técnicas apropriados, tendo em conta a articulação com o meio familiar.
3 — A educação pré-escolar destina-se às crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico.
4 — Incumbe ao Estado assegurar a existência de uma rede de educação pré-escolar.
5 — A rede de educação pré-escolar é constituída por instituições próprias, de iniciativa do poder central, regional ou local e de outras entidades, coletivas ou individuais, designadamente associações de pais e de moradores, organizações cívicas e confessionais, organizações sindicais e de empresa e instituições de solidariedade social.
6 — O Estado deve apoiar as instituições de educação pré-escolar integradas na rede pública, subvencionando, pelo menos, uma parte dos seus custos de funcionamento.
7 — Ao ministério responsável pela coordenação da política educativa compete definir as normas gerais da educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspetos pedagógico e técnico, e apoiar e fiscalizar o seu cumprimento e aplicação.
8 — A frequência da educação pré-escolar é facultativa, no reconhecimento de que à família cabe um papel essencial no processo da educação pré-escolar.»
Apesar da ampla descentralização levada a cabo, é ao Ministério da Educação, Inovação e Ciência que cabe, não só definir as normas gerais da educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspetos pedagógico e técnico, como também apoiar e fiscalizar o seu cumprimento e aplicação (n.º 7).
Por seu turno, conta-se entre os objetivos do ensino básico — de resto, universal — o de «assegurar às crianças com necessidades educativas específicas, devidas, designadamente, a deficiências físicas e mentais, condições adequadas ao seu desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades» [artigo 7.º, alínea j)].
O artigo 27.º da Lei de Bases contempla «atividades e medidas de apoio e complemento educativos visando contribuir para a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar» (n.º 1) e, não obstante os apoios e complementos educativos serem aplicados prioritariamente na escolaridade obrigatória (n.º 2), tal não significa que a educação pré-escolar seja privada de meios educacionais de apoio à família.
Prevê-se no artigo 44.º, n.º 3, que para «o apoio e complementaridade dos recursos educativos existentes nas escolas e ainda com o objetivo de racionalizar o uso dos meios disponíveis será incentivada a criação de centros regionais que disponham de recursos apropriados e de meios que permitam criar outros, de acordo com as necessidades de inovação educativa».
Aliás, a criação e ampliação da rede de educação pré-escolar, sem prejuízo das instituições próprias que a formam, é da de iniciativa do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, bem como «de outras entidades, coletivas ou individuais, designadamente associações de pais e de moradores, organizações cívicas e confessionais, organizações sindicais e de empresa e instituições de solidariedade social» (n.º 5).
Releva ainda, neste segmento, a Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro, ao mesmo tempo considerada desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo e lei-quadro que «consagra o ordenamento jurídico da educação pré-escolar» (artigo 1.º).
Ali se procede à sua caracterização sumária nos termos seguintes:
«Artigo 3.º
(Educação pré-escolar)
1 — A educação pré-escolar destina-se às crianças com idades compreendidas entre os 3 anos e a idade de ingresso no ensino básico e é ministrada em estabelecimentos de educação pré-escolar.
2 — A frequência da educação pré-escolar é facultativa, no reconhecimento de que cabe, primeiramente, à família a educação dos filhos, competindo, porém, ao Estado contribuir ativamente para a universalização da oferta da educação pré-escolar, nos termos da presente lei.
3 — Por estabelecimento de educação pré-escolar entende-se a instituição que presta serviços vocacionados para o desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe atividades educativas, e atividades de apoio à família.
4 — O número de crianças por cada sala deverá ter em conta as diferentes condições demográficas de cada localidade».
Importa deixar nota do enquadramento concedido às atividades de apoio à família: integram-se no estabelecimento de educação pré-escolar (n.º 3).
O artigo 5.º identifica as incumbências do Estado, ou seja, aquelas tarefas que, independentemente da participação das famílias e da sociedade, independentemente da descentralização em favor das autarquias locais, cabem à administração central direta ou indireta:
a) Criar uma rede pública de educação pré-escolar, generalizando a oferta dos respetivos serviços de acordo com as necessidades;
b) Apoiar a criação de estabelecimentos de educação pré-escolar por outras entidades da sociedade civil, na medida em que a oferta disponível seja insuficiente;
c) Definir as normas gerais da educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspetos organizativo, pedagógico e técnico, e assegurar o seu efetivo cumprimento e aplicação, designadamente através do acompanhamento, da avaliação e da fiscalização;
d) Prestar apoio especial às zonas carenciadas.
Justifica-se anotar a incumbência estadual de assegurar o cumprimento e aplicação das normas gerais da educação pré-escolar, nos seus aspetos organizativo, pedagógico e técnico, por meio, designadamente, da fiscalização.
Por sua vez, as condições de participação das autarquias locais na concretização dos objetivos previstos na Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro, assegurando os correspondentes meios financeiros, são definidas por decreto-lei (artigo 6.º).
Em caso algum, a rede da educação pré-escolar é exclusivamente pública, pois Incumbe ao Estado, nos termos do artigo 7.º, apoiar as iniciativas da sociedade no domínio da educação pré-escolar, nomeadamente:
a) Dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo;
b) Das instituições particulares de solidariedade social;
c) De outras instituições sem fins lucrativos que prossigam atividades nos domínios da educação e do ensino.
Aliás, no artigo 9.º, aponta-se inequivocamente para a complementaridade entre rede pública e rede privada, «visando a oferta universal e a boa gestão dos recursos públicos».
A rede pública compreende os estabelecimentos de educação pré-escolar a funcionar na direta dependência da administração central, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (artigo 13.º), ao passo que a rede privada integra os estabelecimentos de educação pré-escolar que funcionem no âmbito do ensino particular e cooperativo, em instituições particulares de solidariedade social e em outras sem fins lucrativos que prossigam atividades no domínio da educação e do ensino (artigo 14.º).
Isto, sem embargo de se proporcionarem condições a duas outras modalidades: a educação de infância itinerante que consiste na prestação de serviços de educação pré-escolar mediante a deslocação regular de um educador de infância a zonas de difícil acesso ou a zonas com um número reduzido de crianças (artigo 15.º, n.º 1) e a animação infantil comunitária assente em atividades adequadas ao desenvolvimento de crianças que vivem em zonas urbanas ou suburbanas carenciadas, a levar a cabo em instalações cedidas pela comunidade local, num determinado período do dia (n.º 2).
Por outro lado, entre os objetivos da educação pré-escolar, segundo o artigo 10.º, contam-se o de promover o desenvolvimento pessoal e social da criança com base em experiências de vida democrática numa perspetiva de educação para a cidadania [alínea a)], de contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem [alínea c)], e o de proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades, promovendo a melhor orientação e encaminhamento da criança [alínea h)].
E encontramos afirmada a intervenção estadual ao nível da fiscalização e inspeção dos aspetos técnicos e pedagógicos, a qual não pode deixar de configurar o papel da IGEC:
«Artigo 8.º
(Tutela pedagógica e técnica)
O Estado define as orientações gerais a que deve subordinar-se a educação pré-escolar, nomeadamente nos seus aspetos pedagógico e técnico, competindo-lhe:
a) Definir regras para o enquadramento da atividade dos estabelecimentos de educação pré-escolar;
b) Definir objetivos e linhas de orientação curricular;
c) Definir os requisitos habilitacionais do pessoal que presta serviço nos estabelecimentos de educação pré-escolar;
d) Definir e assegurar a formação do pessoal;
e) Apoiar atividades de animação pedagógica;
f) Definir regras de avaliação da qualidade dos serviços;
g) Realizar as atividades de fiscalização e inspeção.»
E se restassem dúvidas, veja-se que o artigo 21.º determina caber à IIGEC «o controlo do funcionamento pedagógico e técnico dos estabelecimentos de educação pré-escolar».
X.3. Já o ensino básico é de frequência obrigatória e compreende três ciclos sequenciais: sendo o 1.º de quatro anos, o 2.º de dois anos e o 3.º de três anos, organizados nos seguintes termos:
O 1.º ciclo, de quatro anos, é da responsabilidade de um professor único, que pode ser coadjuvado em áreas especializadas, mas que não deve perder de vista uma aprendizagem global.
O 2.º ciclo, de apenas dois anos, organiza-se por áreas interdisciplinares de formação básica e desenvolve-se predominantemente em regime de professor por área.
Por fim o 3.º ciclo, de três anos, é organizado «segundo um plano curricular unificado, integrando áreas vocacionais diversificadas, e desenvolve-se em regime de um professor por disciplina ou grupo de disciplinas».
De acordo com o artigo 8.º, n.º 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo, os objetivos específicos de cada ciclo, embora se devam integrar nos objetivos gerais do ensino básico, obedecem a particularidades, as quais, no que respeita ao 1.º ciclo, são «o desenvolvimento da linguagem oral e a iniciação e progressivo domínio da leitura e da escrita, das noções essenciais da aritmética e do cálculo, do meio físico e social, das expressões plástica, dramática, musical e motora» [alínea a)].
IX.4. Por seu turno, o artigo 20.º, n.º 1, enuncia como objetivos da educação especial «a recuperação e integração socioeducativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais» e, por isso, «integra atividades dirigidas aos educandos e ações dirigidas às famílias, aos educadores e às comunidades» (n.º 2).
No âmbito dos objetivos do sistema educativo, em geral, o n.º 3, seleciona como principais desideratos da educação especial:
a) O desenvolvimento das potencialidades físicas e intelectuais;
b) A ajuda na aquisição da estabilidade emocional;
c) O desenvolvimento das possibilidades de comunicação;
d) A redução das limitações provocadas pela deficiência;
e) O apoio na inserção familiar, escolar e social de crianças e jovens deficientes;
f) O desenvolvimento da independência a todos os níveis em que se possa processar;
g) A preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida ativa.
Em desenvolvimento destas normas básicas, o Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho[127], no artigo 1.º, n.º 2, «identifica as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, as áreas curriculares específicas, bem como os recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades educativas de todas e de cada uma das crianças e alunos ao longo do seu percurso escolar, nas diferentes ofertas de educação e formação», aplicando-se «aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, às escolas profissionais e aos estabelecimentos da educação pré-escolar e do ensino básico e secundário das redes privada, cooperativa e solidária» (n.º 3).
Um dos seus propósitos é o de eliminar as chamadas “barreiras à aprendizagem”, entendidas como «as circunstâncias de natureza física, sensorial, cognitiva, sócio emocional, organizacional ou logística resultantes da interação criança ou aluno e ambiente que constituem obstáculos à aprendizagem» [artigo 2.º, alínea e)], ao mesmo tempo que visa atender às “necessidades de saúde especiais” que define como as «que resultam dos problemas de saúde física e mental que tenham impacto na funcionalidade, produzam limitações acentuadas em qualquer órgão ou sistema, impliquem irregularidade na frequência escolar e possam comprometer o processo de aprendizagem» [alínea h)].
E, no artigo 3.º, consagra como princípios orientadores da educação inclusiva os seguintes:
a) Educabilidade universal, a assunção de que todas as crianças e alunos têm capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento educativo;
b) Equidade, a garantia de que todas as crianças e alunos têm acesso aos apoios necessários de modo a concretizar o seu potencial de aprendizagem e desenvolvimento;
c) Inclusão, o direito de todas as crianças e alunos ao acesso e participação, de modo pleno e efetivo, aos mesmos contextos educativos;
d) Personalização, o planeamento educativo centrado no aluno, de modo que as medidas sejam decididas casuisticamente de acordo com as suas necessidades, potencialidades, interesses e preferências, através de uma abordagem multinível;
e) Flexibilidade, a gestão flexível do currículo, dos espaços e dos tempos escolares, de modo que a ação educativa nos seus métodos, tempos, instrumentos e atividades possa responder às especificidades de cada um;
f) Autodeterminação, o respeito pela autonomia pessoal, tomando em consideração não apenas as necessidades do aluno mas também os seus interesses e preferências, a expressão da sua identidade cultural e linguística, criando oportunidades para o exercício do direito de participação na tomada de decisões;
g) Envolvimento parental, o direito dos pais ou encarregados de educação à participação e à informação relativamente a todos os aspetos do processo educativo do seu educando;
h) Interferência mínima, a intervenção técnica e educativa deve ser desenvolvida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação se revele necessária à efetiva promoção do desenvolvimento pessoal e educativo das crianças ou alunos e no respeito pela sua vida privada e familiar.
A todas as escolas, e não apenas a algumas especialmente adaptadas, cumpre programar linhas de atuação para a inclusão, as quais «devem integrar um contínuo de medidas universais, seletivas e adicionais que respondam à diversidade das necessidades de todos e de cada um dos alunos» (artigo 5.º, n.º 3).
Determina-se no artigo 33.º, n.º 3, que «sem prejuízo das competências gerais previstas na lei e no respeito pela autonomia de cada escola» é à Inspeção-Geral da Educação e Ciência que cumpre «acompanhar e avaliar especificamente as práticas inclusivas de cada escola, designadamente a monitorização e verificação da regularidade na constituição de turmas e na adequação do número de alunos às necessidades reais, bem como no modo como a escola se organiza e gere o currículo, com vista a fomentar a eficácia das medidas de suporte à aprendizagem, garantindo uma educação inclusiva para todos».
É, por conseguinte, a IGEC a fiscalizar a concretização de medidas que visam, precisamente, erradicar das escolas e dos estabelecimentos de educação pré-escolar a discriminação em razão da deficiência ou do risco agravado de saúde, o que compreende prevenir e punir as práticas discriminatórias proibidas pelo artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
Compete-lhe, ainda, «avaliar as condições físicas e todos os recursos de que as escolas dispõem para a aplicação deste decreto-lei, designadamente para dar cumprimento ao disposto nos artigos 9.º e 10.º».
Artigos 9.º 10.º do Decreto-Lei n.º 54/2008, de 6 de julho, que cuidam, respetivamente das medidas seletivas e das medidas adicionais, próprias da educação inclusiva.
As primeiras «visam colmatar as necessidades de suporte à aprendizagem não supridas pela aplicação de medidas universais» (artigo 9.º, n.º 1) e consistem, nomeadamente, em (a) percursos curriculares diferenciados, (b) adaptações curriculares não significativas, (c) apoio psicopedagógico, (d) antecipação e reforço das aprendizagens, e (e) apoio tutorial (n.º 2).
As medidas adicionais visam «colmatar dificuldades acentuadas e persistentes ao nível da comunicação, interação, cognição ou aprendizagem que exigem recursos especializados de apoio à aprendizagem e à inclusão» (artigo 10.º, n.º 1) e compreendem: (a) frequência do ano de escolaridade por disciplinas, (b) adaptações curriculares significativas, (c) planos individuais de transição, (d) desenvolvimento de metodologias e estratégias de ensino estruturado, e (e) desenvolvimento de competências de autonomia pessoal e social (n.º 4).
XI
DA AUTONOMIA DOS AGRUPAMENTOS DE ESCOLAS
XI.1. O regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário encontra-se consagrado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril[128].
Nas palavras de SUZANA TAVARES DA SILVA/MARTA COSTA SANTOS[129], «a escola é hoje uma entidade administrativa sui generis, cuja complexidade não é reconduzível à de outros serviços do Estado e que também não encontra paralelo em nenhum organismo da nossa Administração direta ou indireta».
Os estabelecimentos de educação e ensino são serviços executivos e não dispõem de personalidade jurídica, mas, no entanto, encontram-se sujeitos a uma relação hierárquica moderada, como observa ANA F. NEVES[130].
Fazendo parte da administração direta do Estado (ou das regiões autónomas) a escola goza hoje de uma autonomia amplamente participada, de resto, em cumprimento do programa constitucional:
«Artigo 77.º
(Participação democrática no ensino)
1 — Os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei.
2 — A lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino».
O Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, define como paradigma, nos termos do artigo 6.º, os agrupamentos de escolas (unidades organizacionais, dotadas de órgãos próprios de administração e gestão, constituídas pela integração de estabelecimentos de educação pré-escolar e escolas de diferentes níveis e ciclos de ensino) e a agregação dos próprios agrupamentos «para fins específicos, designadamente para efeitos da organização da gestão do currículo e de programas, da avaliação da aprendizagem, da orientação e acompanhamento dos alunos, da avaliação, formação e desenvolvimento profissional do pessoal docente» (artigo 7.º).
A constituição de agrupamentos de escolas, de acordo com o artigo 6.º, n.º 2, obedece, principalmente, aos seguintes critérios:
a) Construção de percursos escolares coerentes e integrados;
b) Articulação curricular entre níveis e ciclos educativos;
c) Eficácia e eficiência da gestão dos recursos humanos, pedagógicos e materiais;
d) Proximidade geográfica;
e) Dimensão equilibrada e racional.
Os agrupamentos de 2.º grau podem compreender, inclusivamente, as escolas não agrupadas e que subsistam a título excecional, nos termos seguintes:
«Artigo 7.º-A
(Regime de exceção)
1 — São excecionadas de integração em agrupamento ou de agregação:
a) As escolas integradas nos territórios educativos de intervenção prioritária;
b) As escolas profissionais públicas;
c) As escolas de ensino artístico;
d) As escolas que prestem serviços educativos permanentes em estabelecimentos prisionais;
e) As escolas com contrato de autonomia.
2 — A integração em agrupamentos ou a agregação das escolas referidas no número anterior depende da sua iniciativa.»
Além disso, no exercício da respetiva autonomia, e de acordo com o artigo 6.º, n.º 7, «podem ainda os agrupamentos de escolas ou as escolas não agrupadas estabelecer com outras escolas, públicas ou privadas, formas temporárias ou duradouras de cooperação e de articulação aos diferentes níveis, podendo para o efeito constituir parcerias, associações, redes ou outras formas de aproximação e partilha que, de algum modo, possam contribuir para a prossecução de algum ou alguns dos objetivos previstos (…)».
A autonomia — como expõe ANA F. NEVES[131] — é organizativa, pedagógica, curricular, administrativa e financeira, de gestão de recursos e estratégica.
Naturalmente, algumas destas vertentes, como a curricular, são mais limitadas. Assim, a definição do currículo, as normas de avaliação dos alunos e os programas, embora facultando margens de diferenciação local, são decididos a nível central (artigo 44.º).
Os instrumentos de autonomia encontram-se inventariados no artigo 9.º: o projeto educativo, o regulamento interno, os planos anual e plurianual de atividades e o orçamento (n.º 1), o relatório anual de atividades, a conta de gerência e o relatório de autoavaliação (n.º 2).
É possível, por contrato intra ou interadministrativo, ir mais longe na autonomia (artigo 9.º, n.ºs 3 e 4, artigos 56.º e seguintes).
Define-se o contrato de autonomia no artigo 56.º, n.º 1, como sendo «o acordo celebrado entre a escola, o Ministério da Educação e Ciência, a câmara municipal e, eventualmente, outros parceiros da comunidade interessados, através do qual se definem objetivos e se fixam as condições que viabilizam o desenvolvimento do projeto educativo apresentado pelos órgãos de administração e gestão de uma escola ou de um agrupamento de escolas».
Refira-se que tais contratos não prejudicam nem substituem a coordenação com o município feita através das câmaras municipais no respeito pelas competências dos conselhos municipais de educação (artigo 11.º, n.º 2).
XI.2. O essencial da autonomia é garantido pelo estatuto dos seus órgãos, pela representatividade da sua composição e pela legitimidade alargada da designação dos seus membros com maior protagonismo:
(a) O conselho geral que é o órgão deliberativo geral, pois cumpre-lhe a direção estratégica através das linhas orientadoras da atividade da escola que define, e assegura a participação e representação da comunidade educativa (artigo 11.º, n.º 1) em cuja composição «tem de estar salvaguardada a participação de representantes do pessoal docente e não docente, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, do município e da comunidade local» (artigo 12.º, n.º 2);
(b) O diretor que, sendo eleito pelo conselho geral (artigo 21.º, n.º 1), nos termos do artigo 18.º, «é o órgão de administração e gestão do agrupamento de escolas ou escola não agrupada nas áreas pedagógica, cultural, administrativa, financeira e patrimonial»;
(c) O conselho pedagógico, a que o diretor, por inerência, preside (artigo (artigo 32.º, n.º 3), é «o órgão de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa do agrupamento de escolas ou escola não agrupada, nomeadamente nos domínios pedagógico-didático, da orientação e acompanhamento dos alunos e da formação inicial e contínua do pessoal docente» (artigo 31.º), dispondo de importantes reservas de iniciativa e que podem incidir nas atividades complementares (propõe um projeto educativo a submeter pelo diretor ao conselho geral e apresenta propostas de conteúdo para o regulamento interno e dos planos anual e plurianual de atividade, além de emitir parecer sobre outros projetos [artigo 33.º, alíneas a) e b)], e,
(d) O conselho administrativo — o órgão deliberativo em matéria administrativo-financeira do agrupamento de escolas ou escola não agrupada — composto pelo diretor, que a ele preside, pelo subdiretor ou por um dos adjuntos do diretor, por ele designado para o efeito, e pelo chefe dos serviços administrativos, ou quem o substitua (artigos 36.º e 37.º).
(e) Os coordenadores de cada estabelecimento de educação pré-escolar ou de escola integrada num agrupamento (artigo 40.º) e aos quais compete: coordenar as atividades educativas, em articulação com o diretor, cumprir e fazer cumprir as decisões do diretor e exercer as competências que lhe forem delegadas, transmitir as informações relativas a pessoal docente e não docente e aos alunos, e promover e incentivar a participação dos pais e encarregados de educação, dos interesses locais e da autarquia nas atividades educativas.
No que diz respeito às atividades de apoio à família e de enriquecimento curricular, importa observar que compete ao diretor «gerir as instalações, espaços e equipamentos, bem como os outros recursos educativos» [artigo 20.º, n.º 2, alínea h)], assim como estabelecer protocolos e celebrar acordos de cooperação ou de associação com outras escolas e instituições de formação, autarquias e coletividades, em conformidade com os critérios para a participação da escola em atividades pedagógicas, científicas, culturais e desportivas, definidos pelo conselho geral [alínea i)].
Mas importa notar, igualmente, que compete ao conselho pedagógico «definir princípios gerais nos domínios da articulação e diversificação curricular, dos apoios e complementos educativos e das modalidades especiais de educação escolar» [artigo 33.º, alínea g)], o que concerne de modo muito claro ao objeto da presente consulta: as atividades complementares (não letivas) e a igualdade entre alunos com ou sem deficiência.
Por fim, deve ficar bem claro que os agrupamentos e as escolas não agrupadas são órgãos desconcentrados do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, dotados de uma considerável autonomia que, porém, não pode comprometer a unidade do sistema educativo.
Veremos, em seguida, que as atividades de apoio à família e de enriquecimento curricular, a serem promovidas por terceiros, fazem deles participantes da comunidade escolar.
XII
DAS ATIVIDADES DE ANIMAÇÃO, APOIO À FAMÍLIA E ENRIQUECIMENTO CURRICULAR
XII.1. As atividades de animação e apoio à família (AAAF), a componente de acompanhamento à família (CAF) e as atividades de enriquecimento curricular (AEC) continuam a ter o seu enquadramento na Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto[132], em cuja nota justificativa se pode ler o seguinte:
«O Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, na sua redação atual, estabelece que, no âmbito da sua autonomia, os agrupamentos de escolas, no 1.º ciclo do ensino básico, desenvolvem atividades de enriquecimento curricular, de caráter facultativo para os alunos, com um cariz formativo, cultural e lúdico, que complementem as componentes do currículo. Deste modo, cada estabelecimento de ensino do 1.º ciclo garante a oferta de uma diversidade de atividades que considera relevantes para a formação integral dos seus alunos e articula com as famílias uma ocupação adequada dos tempos não letivos.
A componente de apoio à família no 1.º ciclo do ensino básico é outra dimensão que importa assegurar, sendo preocupação do Ministério da Educação e Ciência garantir o acompanhamento dos alunos deste nível de ensino nos períodos que vão além da componente curricular e durante os períodos de interrupção letiva. A componente de apoio à família deve ser organizada de forma a estreitar o comprometimento entre a escola, as famílias dos alunos e a comunidade local.
Por outro lado, na educação pré-escolar, é necessário assegurar o acompanhamento das crianças antes e depois do período de atividades educativas e durante os períodos de interrupção destas atividades.
Tendo presente a necessidade de garantir a qualidade das atividades de enriquecimento curricular, bem como da componente de apoio à família e das atividades de animação e de apoio à família, a presente portaria visa regulamentar as regras de organização e funcionamento das escolas e respetivas ofertas.
As atividades previstas na presente portaria devem garantir a qualidade que se pretende para todo o sistema educativo, pelo que caberá às escolas, em articulação com outras entidades, a sua planificação, acompanhamento e avaliação, tendo como referência preferencial a Norma NP 4510:2015 - Atividades de enriquecimento curricular e de apoio à família.»
Por outro lado, indicam-se as normas que habilitaram a portaria e que esta visou, inicialmente, regulamentar:
— O Regime Jurídico da Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril.
— O Regime Jurídico da Administração Local (Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro);
— O artigo 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, que atribuía às autarquias locais responsabilidades em matéria de educação pré-escolar e de 1.º ciclo do ensino básico, e de Educação, mas entretanto revogado pela Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto;
— O artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c) e o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de julho, diploma entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro;
— O artigo 5.º do regime aplicável à contratação de técnicos que asseguram o desenvolvimento das atividades de enriquecimento curricular (AEC) no 1.º ciclo do ensino básico nos agrupamentos de escolas da rede pública (Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 169/2015, de 24 de agosto;
— O artigo 14.º dos princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos, da avaliação dos conhecimentos e capacidades a adquirir e a desenvolver pelos alunos dos ensinos básico e secundário (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro), parcialmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho (cf. Declaração de Retificação n.º 29-A/2018, de 4 de setembro), alterado pelo Decreto-Lei n.º 70/2021, de 3 de agosto (Currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens).
Com base neste enquadramento, a Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto, aplica-se «aos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico», importando atender às regras que estabelece para o seu funcionamento, bem como às atividades de animação e de apoio à família (AAAF), à componente de apoio à família (CAF) e às atividades de enriquecimento curricular (AEC).
XII.2. As atividades de animação e de apoio à família (AAAF), de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, destinam-se «a assegurar o acompanhamento das crianças na educação pré-escolar antes e ou depois do período diário de atividades educativas e durante os períodos de interrupção destas».
Tais atividades «decorrem, preferencialmente, em espaços especificamente concebidos para estas atividades, sem prejuízo do recurso a outros espaços escolares, sendo obrigatória a sua oferta pelos estabelecimentos de educação pré-escolar» (n.º 2) e o seu incremento constitui uma atribuição, preferencialmente, municipal, que remonta a um protocolo de cooperação, celebrado em 28 de julho de 1998, entre o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, no âmbito do Programa de Expansão e Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar, mas podem, de igual modo, surgir da iniciativa das associações de pais, das instituições particulares de solidariedade social ou de outras entidades que promovam este tipo de resposta social (n.º 3).
Atribuído o seu fomento aos municípios, as AAAF inserem-se na escola, no agrupamento escolar e no sistema educativo.
Porque não são meros satélites, obedecem ao planeamento delineado por cada agrupamento de escolas, «tendo em conta as necessidades dos alunos e das famílias, articulando com os municípios da respetiva área a sua realização» de acordo com um contrato administrativo de cooperação (artigo 4.º, n.º 1).
De igual modo, a supervisão pedagógica e o acompanhamento da execução de tais atividades, independentemente de quem as promove, compete aos educadores titulares de grupo, «tendo em vista garantir a qualidade das atividades desenvolvidas» (n.º 2).
Tarefas dos educadores que estes desempenham no âmbito da componente não letiva de estabelecimento e que, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º, compreendem:
a) Programação das atividades;
b) Acompanhamento das atividades através de reuniões com os respetivos dinamizadores;
c) Avaliação das atividades;
d) Reuniões com os encarregados de educação.
Constitui, no essencial, um prolongamento do horário, assegurado por pessoal municipal ou da escola sob acompanhamento dos educadores de infância.
XII.3. Componente de Apoio à Família (CAF), por seu turno, é a designação do «conjunto de atividades destinadas a assegurar o acompanhamento dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico antes e ou depois das componentes do currículo e das [Atividades de Enriquecimento Curricular], bem como durante os períodos de interrupção letiva» (artigo 5.º, n.º 1).
Estas atividades devem ser promovidas por iniciativa pública (municípios e freguesias), privada (associações de pais) ou por instituições particulares de solidariedade social, sem prejuízo de «outras entidades que promovam este tipo de resposta social, mediante acordo com os agrupamentos de escolas» (artigo 5.º, n.º 2).
São desenvolvidas, por regra, em espaços não escolares (artigo 5.º, n.º 3), mas, não havendo instalações exclusivamente destinadas à CAF, o n.º 4 admite a utilização de espaços escolares.
No entanto, de acordo com o n.º 5, este recurso subsidiário «não pode condicionar o adequado e regular funcionamento das componentes do currículo e das [Atividades de Enriquecimento Curricular], a que se refere o anexo I ao Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, na sua redação atual».
As atividades de CAF são, em geral, promovidas por associações de pais e encarregados de educação que contratam empresas de atividades em tempos livres e acordam com o agrupamento a cedência de um espaço próprio. Ocorrem também no pré-escolar.
XII.4. Por último, as Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) são «de caráter facultativo e de natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural que incidam, nomeadamente, nos domínios desportivo, artístico, científico e tecnológico, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia na educação» (artigo 7.º).
O caráter facultativo aplica-se às famílias, pois do lado do sistema educativo as AEC são de oferta obrigatória e de frequência gratuita (artigo 8.º, n.º 1). Contudo, uma vez inscrito o aluno, «os encarregados de educação comprometem-se a que os seus educandos as frequentem até ao final do ano letivo, no respeito pelo dever de assiduidade consagrado no Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, em termos a definir no respetivo Regulamento Interno» (n.º 2).
Há, pois, uma clara continuidade entre a condição de utente das AEC e de aluno da escola ou utente da creche ou infantário.
A oferta «deve ser adaptada ao contexto da escola com o objetivo de atingir o equilíbrio entre os interesses dos alunos, a formação e perfil dos profissionais que as asseguram e os recursos materiais e imateriais de cada território» (artigo 9.º, n.º 1).
Podem ocupar entre cinco a sete horas e meia, por semana, no 1.º e 2.º anos de escolaridade, e entre três a cinco horas e meia, no 3.º e 4.º anos (artigo 9.º, n.º 2).
No entanto, a oferta só pode ser superior a 5 horas semanais, no 1.º e 2.º ano de escolaridade, e superior a 3 horas, no 3.º e 4.º se a carga horária semanal do currículo for inferior a 25 ou 27 horas, respetivamente.
Ainda assim, é preciso obter autorização expressa da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, se o promotor das atividades for exterior à escola, i.e., oferta municipal, da freguesia, de uma associação de encarregados de pais e educação, de uma instituição particular de solidariedade social ou de outra instituição de natureza particular ou cooperativa.
As AEC têm lugar, «em regra, após o período curricular da tarde, sendo da responsabilidade do Conselho Geral, sob proposta do Conselho Pedagógico, decidir quanto à possibilidade de existirem exceções a esta regra» (artigo 18.º, n.º 6).
Aos alunos com frequência da disciplina de Educação Moral e Religiosa (EMR) pode ser deduzida uma hora semanal para esse efeito (artigo 9.º, n.º 4).
Habitualmente, a supervisão pedagógica compete aos professores titulares de turma, os quais procuram articular estas atividades com a componente letiva junto dos técnicos que as asseguram. Técnicos esses que, com alguma frequência, são contratados pela escola ou pelo agrupamento, tomando parte em reuniões de grupo disciplinar e sendo avaliados pela direção da escola, mesmo quando contratados pelo município.
XII.5. AAAF, CAF e AEC devem ser organizadas no regime normal das atividades educativas na educação pré-escolar e das componentes do currículo no 1.º ciclo do ensino básico (artigo 2.º, n.º 1), o que significa «a distribuição pelo período da manhã e da tarde, interrompida para almoço, da atividade educativa na educação pré-escolar e curricular no 1.º ciclo do ensino básico» (n.º 2).
Admite-se, excecionalmente, porém, e sob autorização da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares que a componente curricular no 1.º ciclo do ensino básico seja organizada em regime duplo, com a ocupação da mesma sala por duas turmas: uma no turno da manhã e outra no turno da tarde (artigo 2.º, n.º 3).
Em matéria de funcionamento, dispõe-se, ainda (artigo 9.º, n.º 4), que «sem prejuízo da normal duração semanal e diária das atividades educativas na educação pré-escolar e curriculares no 1.º ciclo do ensino básico, os respetivos estabelecimentos mantêm-se obrigatoriamente abertos, pelo menos, até às 17 horas e 30 minutos e por um período mínimo de oito horas diárias».
No momento da matrícula ou da renovação de matrícula, os encarregados de educação devem ser informados acerca do período de funcionamento de cada estabelecimento e dos horários das AAAF, da CAF e das AEC, «devendo ainda ser confirmados no início do ano letivo» (n.º 5).
A ser necessário substituir e ou incluir AEC, alterar o seu horário ou a carga horária, ou o local de funcionamento, «o diretor do agrupamento de escolas deve, em articulação com a entidade promotora, dar conhecimento aos pais e encarregados de educação, bem como atualizar toda a informação, designadamente o número de alunos a frequentar, junto dos serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares em momentos do ano letivo a definir por este serviço» (n.º 6).
São os conselhos gerais dos agrupamentos que deliberam sobre os domínios de oferta das AEC e fixam a duração diária e semanal, «mediante parecer do conselho pedagógico e auscultação da entidade promotora, no caso de esta não ser o agrupamento de escolas» (artigo 10.º), como são também os conselhos gerais a definirem os meios de avaliação da aprendizagem nas AEC (artigo 12.º, n.º 1).
O número de alunos por turma e por atividade é estabelecido de acordo com as características desta e com o espaço a usar, mas sempre em conformidade com o regime de constituição de turmas do 1.º ciclo do ensino básico (artigo 11.º).
Podem ser promotoras de AEC: a) o agrupamento de escolas; b) o município ou a freguesia; c) as associações de pais e encarregados de educação; ou d) instituições particulares de solidariedade social (artigo 13.º), mas excetuando o caso da promoção caber ao próprio agrupamento, outras entidades públicas ou privadas, ainda possuindo fins lucrativos, podem associar-se em parceria, «designadamente, para a seleção e recrutamento dos profissionais que venham a assegurar o desenvolvimento das atividades» (artigo 14.º).
A entidade promotora que não seja o próprio agrupamento deve outorgar um contrato com o agrupamento de escolas em que se discriminam as atividades, a duração semanal de cada uma, os locais onde decorrem, «as responsabilidades e competências de cada uma das partes», o número de alunos por atividade e a identificação do pessoal necessário ao funcionamento das AEC (artigo 15.º).
Quando o promotor seja o próprio agrupamento, apenas se o pessoal próprio e disponível não for suficiente podem recrutar profissionais, e desde que observando o disposto no Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro[133], nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da Portaria n.º 644/2015, de 24 de agosto.
No entanto, caso os promotores sejam autarquias locais, associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social ou outros agentes do setor particular ou cooperativo, determina o artigo 16.º, n.º 2, que «os órgãos competentes dos agrupamentos de escolas participam na seleção dos profissionais a afetar por essas entidades em cada AEC, observando-se os seguintes procedimentos:
a) Se o agrupamento de escolas dispõe de recursos docentes de carreira para a realização de uma ou mais AEC após o cumprimento do disposto no despacho normativo relativo à distribuição do serviço docente, estabelece no protocolo com a entidade promotora a forma de estes serem afetos àquelas AEC;
b) Nas situações em que o município seja a entidade promotora das AEC e não seja possível promover as atividades com os recursos identificados na alínea anterior, quando recruta diretamente os profissionais, utiliza, em matéria de recrutamento e contratação dos respetivos profissionais, os mecanismos previstos no Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro, na sua redação atual.
Além disso, os promotores têm de prestar aos serviços competentes do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) informação relativa ao perfil dos profissionais por si contratados ou por entidade em parceria (n.º 3).
Profissionais que, para serem dinamizadores de AEC, «devem possuir formação profissional ou especializada adequada ao desenvolvimento das atividades programadas e ao escalão etário do público-alvo ou curriculum vitae relevante para o efeito» (artigo 17.º, n.º 1), competindo sempre ao diretor do agrupamento de escolas a última palavra, tomando em consideração o perfil do candidato, a natureza da atividade a desenvolver, o projeto educativo do agrupamento de escolas e o curriculum vitæ (n.º 2).
As AEC são diferentes de escola para escola, pois, de acordo com o artigo 18.º, n.º 1, as propostas apresentadas são selecionadas de acordo com os objetivos definidos no projeto educativo do agrupamento de escolas, atendendo «ao contexto da escola com o objetivo de atingir o equilíbrio entre os interesses dos alunos, a formação e perfil dos profissionais que as asseguram e os recursos materiais e imateriais de cada território» (artigo 9.º, n.º 1) e devem constar no respetivo plano anual de atividades.
O seu planeamento deve, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, «salvaguardar o tempo diário de interrupção da componente curricular e de recreio» e «considerar as condições de frequência das AEC pelos alunos com necessidades educativas especiais, constantes no seu programa educativo individual».
Aqui está um ponto sensível em matéria de possíveis práticas discriminatórias em razão da deficiência da criança ou do seu estado de saúde sob risco agravado, mas que compete aos órgãos do agrupamento prevenir e sanar.
O planeamento das AEC deve envolver os departamentos curriculares e as entidades promotoras e ser aprovado pelo conselho geral sob proposta do conselho pedagógico dos agrupamentos de escolas envolvidos (artigo 18.º, n.º 3), tomando em linha de conta, «sempre que possível, (…) os recursos existentes na comunidade, nomeadamente através de autarquias locais, IPSS, associações culturais e outros» (n.º 4).
Os promotores das AEC dispõem de uma autonomia muito relativa, pois, de acordo com o artigo 18.º, n.º 5, «a supervisão e o acompanhamento das AEC são da responsabilidade dos órgãos competentes do agrupamento de escolas, em termos a definir no regulamento interno».
Mais ainda, encontram-se sob o escrutínio de uma Comissão Coordenadora, designada pelo Ministro da Educação, Ciência e Inovação, a qual integra dois representantes da Direção-Geral da Educação, dois representantes da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, dois representantes da Direção-Geral da Administração Escolar e dois representantes do Instituto de Gestão Financeira da Educação, I. P. (artigo 19.º, n.º 1), sendo presidida por um dos representantes da Direção-Geral da Educação, a quem assiste voto de qualidade (n.º 2).
Compete-lhe, nos termos do artigo 19.º, n.º 4:
«a) Analisar, avaliar e aprovar as planificações e respetivas propostas de financiamento;
b) Tornar pública, nas páginas eletrónicas dos organismos que a constituem, a lista das entidades promotoras com as quais o MEC celebrou contrato-programa para a implementação das AEC;
c) Acompanhar a execução das AEC;
d) Apresentar propostas de medidas que verifique necessárias para a execução das AEC;
e) Produzir um relatório anual de avaliação das AEC contendo recomendações para a sua melhoria nos anos subsequentes».
O financiamento das AEC, de acordo com o artigo 20.º, n.º 1, «consiste numa comparticipação financeira a conceder pelo MECI às entidades promotoras», mas com a descentralização que veio a ser levada a cabo na sequência do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, essa incumbência encontra-se em trânsito para as finanças municipais.
Determina-se no artigo 25.º que «os acidentes ocorridos no local e durante as AEC, bem como em trajeto para e de volta dessas atividades, ainda que realizadas fora do espaço escolar, nomeadamente no âmbito de parcerias, são cobertos por seguro escolar, nos termos legais».
É, pois, neste contexto que, a ocorrerem práticas discriminatórias contra pessoas com deficiência ou com doença prolongada, surgiram dúvidas em relação a quem compete instaurar o procedimento contraordenacional, aplicar a coima e, a ser caso disso, a sanção acessória.
XII.6. As atividades de enriquecimento curricular há muito que se encontram consagradas na estrutura curricular do ensino básico, tal como fora definida pelo Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro[134] (artigo 9.º), na estrutura curricular do ensino básico e secundário e, mais tarde, delineada pelo Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho[135] (artigo 14.º).
E, atualmente, pelo Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho[136], o qual «estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário, os princípios orientadores da sua conceção, operacionalização e avaliação das aprendizagens, de modo a garantir que todos os alunos adquiram os conhecimentos e desenvolvam as capacidades e atitudes que contribuem para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória».
Assim, «a oferta de Atividades de Enriquecimento Curricular no ensino básico, com natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural, a regulamentar, designadamente quanto ao seu âmbito, por portaria do membro do Governo responsável pela área da educação» [artigo 6.º, n.º 2, alínea l)] encontra-se entre os princípios orientadores em vista do objetivo primordial do currículo: «garantir que todos os alunos, independentemente da oferta educativa e formativa que frequentam, alcançam as competências definidas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória» (n.º 1).
E determina-se no artigo 11.º do Anexo I que, «tomando por referência a matriz curricular-base e as opções relativas à autonomia e flexibilidade curricular, as escolas organizam o trabalho de integração e articulação curricular com vista ao desenvolvimento do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória», de modo que o 1.º ciclo do ensino básico integre «nos quatro anos de escolaridade, a oferta obrigatória de Atividades de Enriquecimento Curricular, de frequência facultativa, com uma carga horária semanal de cinco horas, a desenvolver no ensino básico, com natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural» [alínea a)].
XII.7. A natureza particular, social ou cooperativa dos promotores em nada impede a sua integração no sistema educativo, ainda que sujeita a contingências, designadamente de ordem financeira.
Devem ser considerados agentes privados a exercer funções públicas.
Como ensina PEDRO COSTA GONÇALVES[137], «a entrega a estas entidades particulares da responsabilidade pela execução de funções e tarefas da responsabilidade do Estado coloca estas entidades numa situação que, mais do que colaboração, assume as feições de uma substituição do Estado na execução de responsabilidades deste».
Não se trata de simples cocontratantes ou prestadores de serviços, pois praticam um verdadeiro exercício da função administrativa[138], mediante concessão ou delegação[139].
XIII
DA DESCENTRALIZAÇÃO EDUCATIVA NOS MUNICÍPIOS E FREGUESIAS
XIII.1. Em concomitância com a desconcentração que ocorreu com as escolas e agrupamentos de escolas, assistiu-se a um programa, não isento de impasses, com vista à descentralização de atribuições educativas – do Estado para os municípios[140].
A descentralização, contudo, não poderia ser de modo a que o município tomasse o antigo lugar do Ministério e deitasse a perder a autonomia das escolas e seus agrupamentos, consagrada no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril.
Por outro lado, a descentralização não poderia prejudicar a coordenação da política relativa ao sistema educativo, da competência do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (artigo 1.º, n.º 5, da Lei de Bases do Sistema Educativo), até porque o sistema educativo tem por âmbito territorial todo o país por igual (n.º 4) e, por conseguinte, os fatores de diferenciação não podem comprometer a necessária unidade.
XIII.2. A um primeiro tempo, o Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de julho[141], nos termos do artigo 3.º, n.º 1, enquadrou a transferência para os municípios de atribuições e competências em matéria de educação nas seguintes áreas:
a) Pessoal não docente das escolas básicas e da educação pré-escolar;
b) Componente de apoio à família, designadamente o fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário na educação pré-escolar;
c) Atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico;
d) Gestão do parque escolar no 2.º ciclo e no 3.º do ensino básico;
e) Ação social escolar no 2.º ciclo e no 3.º ciclo do ensino básico;
f) Transportes escolares relativos ao 3.º ciclo do ensino básico.
A transferência de atribuições e competências em matéria de atividades de enriquecimento curricular, de pessoal não docente e gestão do parque escolar dependeria, porém, «da existência de carta educativa e da celebração de contratos de execução por cada município» (n.º 2).
Por outro lado, passaram a considerar-se «feitas às câmaras municipais as referências constantes de outros diplomas legais sobre atribuições e competências de entidades e organismos da administração central, previstas no presente artigo» (n.º 3).
No tocante à educação pré-escolar, determinara-se especificamente o seguinte:
«Artigo 10.º
(Educação pré-escolar da rede pública)
1 — São transferidas para os municípios as seguintes atribuições em matéria de educação pré-escolar da rede pública:
a) Gestão de pessoal não docente, nas condições previstas no artigo 4.º;
b) Componente de apoio à família, designadamente o fornecimento de refeições e apoio ao prolongamento de horário;
c) Aquisição de material didático e pedagógico.
2 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas a que se referem as alíneas a) e c) do número anterior.
3 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social para pagamento das despesas a que se refere a alínea b) do n.º 1.
4 — Em 2019, as transferências de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo não são atualizadas.
5 — A partir de 2020, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no FSM e atualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.»
A descentralização operada, concretamente, em matéria de atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, obedeceria às seguintes disposições:
«Artigo 11.º
(Atividades de enriquecimento curricular)
1 — São transferidas para os municípios as atribuições em matéria de atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, sem prejuízo das competências do Ministério da Educação relativamente à tutela pedagógica, orientações programáticas e definição do perfil de formação e habilitações dos professores.
2 — Consideram-se atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico as que incidam nos domínios desportivo, artístico, científico, tecnológico e das tecnologias da informação e comunicação, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e voluntariado e da dimensão europeia da educação, nomeadamente:
a) Ensino do Inglês;
b) Ensino de outras línguas estrangeiras;
c) Atividade física e desportiva;
d) Ensino da música;
e) Outras expressões artísticas e atividades que incidam nos domínios identificados.
3 — São transferidas para os municípios as dotações inscritas no orçamento do Ministério da Educação para pagamento das despesas a que se refere o n.º 1.
4 — Em 2019, as transferências de recursos para pagamento das despesas a que se refere o presente artigo não são atualizadas.
5 — A partir de 2020, as transferências de recursos financeiros a que se refere o presente artigo são incluídas no FSM e atualizadas segundo as regras aplicáveis às transferências para as autarquias locais.
6 — O regime que define as normas sobre as atividades de enriquecimento curricular é desenvolvido em diploma próprio.»
O já citado Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro, viria definir o regime aplicável à contratação de técnicos, por parte dos municípios e agrupamentos de escolas da rede pública, que asseguram o desenvolvimento das atividades de enriquecimento curricular (AEC) no 1.º ciclo do ensino básico (artigo 1.º), aplicando-se este regime tanto aos municípios como aos agrupamentos de escolas da rede pública «quando estes selecionem, recrutem e contratem os técnicos que venham a prestar funções no âmbito das AEC» (artigo 2.º, n.º 1), sem prejuízo de os municípios constituírem parcerias com outras entidades para assegurar o desenvolvimento e concretização das AEC (n.º 2).
No entanto, as competências municipais de seleção, recrutamento e contratação de técnicos seriam exercidas pelo diretor do agrupamento de escolas (n.º 4).
XIII.3. Sem prejuízo destas medidas de descentralização, a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, delineou um novo quadro de progressiva transferência de atribuições para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, a qual, nos termos do artigo 2.º, haveria de pautar-se pelos seguintes princípios e garantias:
a) A transferência efetua-se para a autarquia local ou entidade intermunicipal que, de acordo com a sua natureza, se mostre mais adequada ao exercício da competência em causa;
b) A preservação da autonomia administrativa, financeira, patrimonial, e organizativa das autarquias locais;
c) A garantia de qualidade no acesso aos serviços públicos;
d) A coesão territorial e a garantia da universalidade e da igualdade de oportunidades no acesso ao serviço público;
e) A eficiência e eficácia da gestão pública;
f) A garantia da transferência para as autarquias locais dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais adequados, considerando os atualmente aplicados nos serviços e competências descentralizados;
g) A estabilidade de financiamento no exercício das atribuições cometidas.
Ao contrário do modelo contratual por que optara a lei anterior, a transferência passou a ser universal (artigo 3.º, n.º 1), ainda que gradual e com respeito pelos contratos interadministrativos de delegação de “competências” ainda celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro.
No domínio com interesse para o parecer, prevê-se o seguinte:
«Artigo 11.º
(Educação)
1 — É da competência dos órgãos municipais participar no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos aos estabelecimentos públicos de educação e de ensino integrados na rede pública dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, incluindo o profissional, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção.
2 — Compete igualmente aos órgãos municipais, no que se refere à rede pública de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, incluindo o ensino profissional:
a) Assegurar as refeições escolares e a gestão dos refeitórios escolares;
b) Apoiar as crianças e os alunos no domínio da ação social escolar;
c) Participar na gestão dos recursos educativos;
d) Participar na aquisição de bens e serviços relacionados com o funcionamento dos estabelecimentos e com as atividades educativas, de ensino e desportivas de âmbito escolar;
e) Recrutar, selecionar e gerir o pessoal não docente inserido nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico.
3 — Compete ainda aos órgãos municipais:
a) Garantir o alojamento aos alunos que frequentam o ensino básico e secundário, como alternativa ao transporte escolar;
b) Assegurar as atividades de enriquecimento curricular, em articulação com os agrupamentos de escolas;
c) Promover o cumprimento da escolaridade obrigatória;
d) Participar na organização da segurança escolar.
4 — As competências previstas no presente artigo são exercidas no respeito das competências dos órgãos de gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.»
Importa realçar «no que se refere à rede pública de educação pré-escolar e de ensino básico» (n.º 2) a incumbência aos municípios de assegurarem «as atividades de enriquecimento curricular, em articulação com os agrupamentos de escolas» [n.º 3, alínea b)], sempre, no entanto, com respeito pelas competências das escolas e dos seus agrupamentos (n.º 4).
Isto, sem prejuízo da delegação de atribuições nas freguesias, por contrato interadministrativo, «em todos os domínios dos interesses próprios das populações das freguesias» (artigo 29.º, n.º 1). Delegação que, de acordo com o artigo 29.º, n.º 2, se cumpre nos termos previstos na Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, observando:
— Os princípios da universalidade e da equidade, de modo a que, em regra, todas as freguesias do mesmo município beneficiem das mesmas atribuições e, em termos proporcionais, de recursos equivalentes (n.º 3);
— A contenção da despesa pública global prevista no ano da concretização (n.º 4);
— A duração dos contratos por todo o mandato autárquico (n.º 5), sem embargo de cessação antecipada «caso ocorram situações de incumprimento grave, mediante decisão tomada pela assembleia municipal, por maioria dos membros em efetividade de funções» (n.º 6).
Mais se previu na Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, o seguinte:
«Artigo 31.º
(Educação, ensino e formação profissional)
1 — É da competência dos órgãos das entidades intermunicipais o planeamento intermunicipal da rede de transporte escolar.
2 — Compete igualmente aos órgãos das entidades intermunicipais o planeamento da oferta educativa de nível supramunicipal de acordo com os critérios definidos pelos departamentos governamentais com competência nos domínios da educação e formação profissional.
3 — A definição de prioridades na oferta de cursos de formação profissional a nível intermunicipal efetua-se em articulação com o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I. P.»
XIII.4. Coube ao Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, e às alterações a que em pouco tempo foi sujeito, concretizar a transferência de atribuições e competências para os órgãos municipais e das entidades intermunicipais no domínio da educação, ao abrigo dos artigos 11.º e 31.º da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto.
Transferência que não pode deixar de ser compreendida em linha com a Lei de Bases do Sistema Educativo e com o Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril.
E que não pode, igualmente, deixar de ser vista à luz do que se determina no próprio Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, quanto ao exercício das competências nele previstas, ao consagrar a possibilidade de uma delegação de poderes pelas câmaras municipais em órgãos que, embora desconcentrados e periféricos, pertencem à administração direta do Estado — o diretor do agrupamento ou da escola não agrupada:
«Artigo 4.º
(Exercício das competências)
1 — Salvo indicação em contrário, todas as competências previstas no presente decreto-lei são exercidas pela câmara municipal, com faculdade de delegação no diretor do agrupamento de escolas ou escola não agrupada.
2 — No exercício das competências previstas no presente decreto-lei, os órgãos dos municípios e das entidades intermunicipais, devem respeitar:
a) O direito à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar;
b) O cumprimento do currículo e orientações pedagógicas nacionais;
c) A equidade territorial e a solidariedade intermunicipal e inter-regional no planeamento das ofertas educativas e formativas e na afetação dos recursos públicos, no quadro da correção de desigualdades e assimetrias locais e regionais;
d) O respeito pela autonomia curricular e pedagógica dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas;
e) A salvaguarda da autonomia pedagógica no exercício da atividade docente;
f) A gestão pública da rede de estabelecimentos públicos de ensino, existentes ou a criar, através dos órgãos próprios dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas.
3 — A contratualização ou cedência, a qualquer título, da criação e gestão de oferta pública da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário a entidades de natureza privada, cooperativa, solidária ou afim, cabe exclusivamente aos departamentos governamentais com competência na matéria.»
A transferência de atribuições para os municípios no setor da educação iria mostrar-se das mais complexas, pois se de um lado se corria o risco de diminuir a autonomia das escolas, do outro, opunham as autarquias limitar-se a compromete-las com encargos financeiros.
XIII.5. Como tal, e sem prejuízo das atribuições de fomento descentralizadas, os municípios assumiriam algumas incumbências de administração ativa, como veremos em seguida.
O eixo da descentralização assenta na carta educativa, de que cada município deve dispor, enquanto «instrumento de planeamento e ordenamento prospetivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no município, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e socioeconómico de cada município» (artigo 5.º).
Um instrumento que virá a integrar o plano diretor municipal (artigo 14.º, n.º 7) e que, deste modo, deixa de constituir uma condicionante avulsa e extravagante ao ordenamento do território.
A assembleia municipal aprova a carta educativa sob proposta da câmara municipal, depois de submetida a parecer do conselho municipal de educação e do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (artigo 14.º, n.º 1).
Encontra-se igualmente atribuído aos municípios providenciar pela organização e controlo do transporte escolar (artigo 36.º), aprovando um plano «da oferta de serviço de transporte entre o local da residência e o local dos estabelecimentos de ensino da rede pública, frequentados pelos alunos da educação pré-escolar, do ensino básico e do ensino secundário, salvo quando existam estabelecimentos de ensino que sirvam vários concelhos, casos em que tal instrumento assume nível intermunicipal» (artigo 17.º) e pela rede da oferta educativa, definida no artigo 23.º como sendo «a organização territorial, a nível intermunicipal, dos cursos e grupos-turmas para a frequência da educação pré-escolar, dos ensinos básico e secundário, das modalidades especiais de educação escolar, da educação extraescolar e das ofertas de formação de dupla certificação, nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, bem como, nos estabelecimentos da rede solidária, privada e cooperativa com contrato celebrado com o Estado para a criação de oferta pública de ensino e formação».
Uma outra atribuição de fomento a ter transitado encontra-se na construção, requalificação e modernização dos edifícios escolares, «em execução do planeamento definido pela carta educativa respetiva» (artigo 31.º, n.º 1), assim como «a aquisição de equipamento básico, mobiliário, material didático e equipamentos desportivos, laboratoriais, musicais e tecnológicos, utilizados para a realização das atividades educativas» (artigo 32.º, n.º 1).
No artigo 33.º, cuida-se da ação social escolar, a desenvolver pelos municípios (n.º 1) compreendendo «a organização e gestão dos procedimentos de atribuição de apoios de aplicação universal e de aplicação diferenciada ou restrita, diretos ou indiretos, integrais ou parciais, gratuitos ou comparticipados» (n.º 2), mas não «a anterior à organização, desenvolvimento e execução dos programas de distribuição gratuita e reutilização de manuais escolares» (n.º 3).
No artigo 35.º, consignou-se a transferência dos refeitórios escolares, não obstante o fornecimento de refeições poder ser concessionado a terceiros (n.º 2) e no artigo 37.º das residências escolares, cuja gestão, funcionamento, conservação, manutenção e equipamento foram municipalizados (n.º 1 e n.º 2).
Transferidos foram, ainda, «o recrutamento e seleção do pessoal não docente para exercer funções nos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas da rede escolar pública do Ministério da Educação, localizados nos respetivos territórios, nos termos previstos na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas» (artigo 41.º, n.º 2) e toda a gestão do funcionamento dos edifícios escolares, nomeadamente «a contratação de fornecimentos e serviços externos essenciais ao normal funcionamento dos estabelecimentos educativos, designadamente eletricidade, combustível, água, outros fluidos e comunicações» (artigo 46.º), organizar a vigilância e segurança dos equipamentos educativos, designadamente do edificado, respetivo recheio e espaços exteriores incluídos no seu perímetro, em articulação com as forças de segurança presentes no seu território e com os órgãos de administração e gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas (artigo 49.º)
XIII.6. E, no que mais de perto diz respeito às atividades complementares não letivas, determinou-se o seguinte:
«Artigo 39.º
(Escola a tempo inteiro)
Compete às câmaras municipais promover e implementar medidas de apoio à família e que garantam uma escola a tempo inteiro, designadamente:
a) Atividades de animação e apoio à família, destinadas a assegurar o acompanhamento das crianças na educação pré-escolar antes e ou depois do período diário de atividades educativas e durante os períodos de interrupção destas;
b) Componente de apoio à família, através de atividades destinadas a assegurar o acompanhamento dos alunos do 1.º ciclo do ensino básico antes e ou depois das componentes do currículo e das atividades de enriquecimento curricular, bem como durante os períodos de interrupção letiva;
c) Atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo do ensino básico, de caráter facultativo e de natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural que incidam, nomeadamente, nos domínios desportivo, artístico, científico e tecnológico, de ligação da escola com o meio, de solidariedade e de voluntariado e da dimensão europeia da educação.
Artigo 40.º
(Organização e funcionamento)
1 — A planificação das atividades de apoio à família, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular é desenvolvida conjuntamente pelas câmaras municipais e pelos órgãos de administração e gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, considerando as necessidades dos alunos e das famílias, a formação e o perfil dos profissionais que as asseguram e os recursos materiais e imateriais de cada território.
2 — A supervisão pedagógica e a avaliação das atividades de apoio à família, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular cabe ao conselho pedagógico de cada agrupamento de escolas ou escola não agrupada.
Artigo 41.º
(Regime específico)
As regras a observar na organização e funcionamento das atividades de apoio à família, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular são estabelecidas em decreto-lei próprio, que institui o respetivo regime específico».
O que resulta das disposições transcritas não permite afirmar que as atividades de apoio à família, a componente de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular tenham passado a ser administradas pelos municípios. Longe disso. A intervenção municipal é de promoção e incremento de medidas de apoio à família (artigo 39.º), mas que garantam «uma escola a tempo inteiro».
Acresce a participação municipal no planeamento destas atividades, cujo desenvolvimento é feito «conjuntamente pelas câmaras municipais e pelos órgãos de administração e gestão dos agrupamentos de escolas» (artigo 40.º, n.º 1), competindo exclusivamente aos conselhos pedagógicos «a supervisão pedagógica e a avaliação das atividades» (n.º 2).
Além do mais, determina-se uma condição suspensiva das disposições transcritas:
«Artigo 74.º
(Escola a tempo inteiro)
Até ao início de vigência do decreto-lei previsto no artigo 41.º, mantêm-se em vigor toda a legislação e regulamentação aplicável às atividades de apoio à família, componente de apoio à família e atividades de enriquecimento curricular, em tudo o que não for contrário ao presente decreto-lei».
Como continua por publicar o decreto-lei a que se refere o artigo 41.º, subsiste a aplicação da Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto, mesmo nos seus aspetos financeiros.
De acordo com o artigo 47.º, n.º 1, a gestão da utilização dos espaços que integram os estabelecimentos escolares, fora do período das atividades escolares, incluindo o tempo dedicado às atividades de enriquecimento curricular, compete aos municípios.
A cedência de utilização, nesses termos, é, obrigatoriamente, onerosa[142] (n.º 2), salvo se for «pelo agrupamento de escolas ou escola não agrupada em atividades educativas, pelos próprios municípios no desenvolvimento das suas atribuições e competências, bem como pela freguesia em cujo território se situar o estabelecimento escolar e ainda pelas respetivas associações de pais» (n.º 3).
Por último, ocorreram transferências dominiais, nos termos seguintes:
«Artigo 62.º
(Titularidade de equipamentos educativos)
1 — São transferidos para a titularidade dos municípios os equipamentos educativos que integram a rede pública do Ministério da Educação e a rede oficial de residências para estudantes.
2 — Excluem-se do número anterior:
a) Os equipamentos educativos que integram o património próprio da Parque Escolar, E. P. E., nos termos previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 41/2007, de 21 de fevereiro, na sua redação atual;
b) As escolas profissionais agrícolas e de desenvolvimento rural e as escolas profissionais agrícolas que integram a rede pública do Estado.
3 — Os imóveis transferidos ao abrigo do presente decreto-lei não podem ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado, enquanto estiverem afetos a funções educativas e formativas, nos termos do artigo 8.º do presente decreto-lei.
4 — O presente decreto-lei constitui título bastante para o registo de imóveis transferidos, nos termos do presente artigo, a favor dos municípios, os quais ficam isentos de quaisquer taxas ou emolumentos.
5 — A restrição legal constante do n.º 3 está sujeita a registo, sob pena de nulidade do ato.
6 — O registo efetuado nos termos do presente artigo é comunicado ao departamento governamental com competência na gestão dos bens imóveis do domínio privado do Estado.»
Não encontramos razões, como tal, para afirmar que as atividades de apoio à família, a componente de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular, seja quem for que as promova, tenham deixado de encontrar-se sob competência da IGEC.
Em todo o caso, apreciaremos sumariamente o estatuto da ASAE, de modo a verificar se as atribuições do Estado que lhe estão confiadas, no âmbito do ministério que integra, e se a competência do Inspetor-Geral e dos órgãos e agentes que dirige compreende, ou não, a prevenção e repressão de práticas discriminatórias contra os direitos e interesses legalmente protegidos das pessoas com deficiência nas atividades de enriquecimento curricular, na componente de apoio à família e nas atividades de animação e apoio à família, quando imputadas, não ao pessoal dos estabelecimentos, nem aos membros dos órgãos de gestão, mas a terceiros.
XIV
DA AUTORIDADE DE SEGURANÇA ALIMENTAR E ECONÓMICA
XIV.1. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica tem o seu regime de organização e funcionamento assente no Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto, constituindo, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, «um serviço central da administração direta do Estado dotado de autonomia administrativa» — a bem dizer, um complexo de órgãos e serviços dirigidos pelo Inspetor-Geral — e dispõe de três unidades orgânicas desconcentradas, designadas por unidades regionais: Norte, Centro e Sul (n.º 2).
Tem por finalidade «a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora do exercício das atividades económicas, nos setores alimentar e não alimentar, bem como a avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, sendo o organismo nacional de ligação com as suas entidades congéneres, a nível europeu e internacional» (artigo 2.º, n.º 1), o que se concretiza em atribuições «na área da fiscalização das atividades económicas» [n.º 2, alínea a)], na área da segurança alimentar [alínea b)], na área da cooperação interna e externa [alínea c)], na área da instrução e aplicação de sanções em processos de contraordenação [alínea d)] e nas áreas da divulgação e informação e da valorização profissional [alínea e)].
De forma não inteiramente precisa, a instrução e aplicação de sanções em processos de contraordenação surgem configuradas como uma atribuição, quando, na verdade, se trata de competências a exercer em função das atribuições, em sentido próprio.
É, aliás, o que resulta da formulação usada na subalínea i) da alínea d):
«Proceder à investigação e instrução de processos por contraordenação cuja competência lhe esteja legalmente atribuída, bem como arquivá-los sempre que se verificar que os factos que constam dos autos não constituem infração ou não existam elementos de prova suscetíveis de imputar a prática da infração a um determinado agente».
Vejamos, pois, nos setores de intervenção que lhe estão confiados se descortinamos alguma conexão com as práticas discriminatórias de pessoas com deficiência em contexto escolar ou pré-escolar, ainda que implicando agentes económicos que prestem serviços educativos.
A respeito de atividades económicas, pode ler-se no n.º 2, alínea a), competir à ASAE o seguinte:
i) Fiscalizar todos os locais onde se proceda a qualquer atividade industrial, designadamente de produtos acabados e ou intermédios, turística, comercial, agrícola, pecuária, de abate, piscatória, incluindo a atividade de pesca lúdica ou qualquer atividade de prestação de serviços, armazéns, escritórios, notários, meios de transporte, entrepostos frigoríficos, empreendimentos turísticos, alojamento local, agências de viagens, empresas de animação turística, campos de férias, casinos e bingos, estabelecimentos de restauração e bebidas, discotecas e bares, cantinas e refeitórios, clínicas médicas e dentárias, clínicas veterinárias, farmácias e armazéns de produtos médico-farmacêuticos, cabeleireiros e centros de estética, recintos de diversão ou de espetáculos, espaços de jogos e recreio, infraestruturas, equipamentos e espaços desportivos, health clubs, portos, gares e aerogares, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades;
ii) Executar, em colaboração com outros organismos competentes, as medidas destinadas a assegurar o abastecimento do País em bens e serviços considerados essenciais, tendo em vista prevenir situações de açambarcamento, desenvolvendo ações de combate à economia paralela e à venda de produtos falsificados ou copiados;
iii) Elaborar, executar e divulgar periodicamente o programa de fiscalização do mercado, nos termos do Regulamento (CE) n.º 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de julho[143], bem como adotar medidas restritivas de proibição, de restrição da disponibilização, de retirada ou de recolha de produtos no mercado, ao abrigo do mesmo regulamento;
iv) Fiscalizar a venda de produtos e serviços nos termos legalmente previstos tendo em vista garantir a segurança e saúde dos consumidores, bem como fiscalizar o cumprimento das obrigações legais dos agentes económicos;
v) Desenvolver ações de natureza preventiva e repressiva em matéria de jogo ilícito e apoiar as demais autoridades policiais na prevenção e punição nesta matéria, em articulação com o Serviço de Inspeção de Jogos do Turismo de Portugal, I. P.;
vi) Exercer as competências que lhe são cometidas relativamente ao tratamento de reclamações lavradas em livros de reclamações, nos termos em que as mesmas estão previstas no Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 371/2007, de 6 de novembro, 118/2009, de 19 de maio, e 317/2009, de 30 de outubro».
Por seu turno, a matéria de segurança alimentar (artigo 2.º, n.º 2, alínea b), exorbita o objeto da consulta, pelo que nos permitimos dispensar a sua análise. Apenas se dirá que o interesse público na segurança alimentar prevalece a título especial sobre o setor ou instituição em causa.
XIV.2. Sem nos serem dados pormenores acerca da motivação, o certo é que tanto a Informação da Secretaria-Geral como o parecer da IGEC que acompanham o pedido de consulta dão conta de haver quem sustente pertencer a competência contraordenacional enunciada no Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, à ASAE, não em razão da matéria, mas das entidades promotoras: associações de pais e encarregados de educação, instituições particulares de solidariedade social ou outras entidades que ofereçam «este tipo de resposta social», convocando o transcrito teor da subalínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto.
Contudo, tal preceito não enuncia propriamente sujeitos, mas locais onde se proceda «a qualquer atividade industrial, (…), turística, comercial, agrícola, pecuária, de abate, piscatória, (…) ou qualquer atividade de prestação de serviços, armazéns, escritórios, notários, meios de transporte, entrepostos frigoríficos, empreendimentos turísticos, alojamento local, agências de viagens, empresas de animação turística, campos de férias, casinos e bingos, estabelecimentos de restauração e bebidas, discotecas e bares, cantinas e refeitórios, clínicas médicas e dentárias, clínicas veterinárias, farmácias e armazéns de produtos médico-farmacêuticos, cabeleireiros e centros de estética, recintos de diversão ou de espetáculos, espaços de jogos e recreio, infraestruturas, equipamentos e espaços desportivos, health clubs, portos, gares e aerogares».
E, de qualquer modo, nenhum destes locais ostenta uma conexão funcional com as atividades educativas em análise.
Mesmo a referência a espaços de jogos e recreio, infraestruturas, equipamentos e espaços desportivos não é de modo algum suficiente. É não mais de que uma afinidade eventual, pois, trata-se de espaços autónomos ou independentes, abertos ao público, em geral, contrariamente ao que sucede na rede escolar.
Já as cantinas e refeitórios, naturalmente que compreendem as das escolas e estabelecimentos do pré-escolar, sejam públicos, particulares ou cooperativos. O interesse público determinante é o da higiene e segurança alimentar.
Por outro lado, o trecho final é bem claro na ressalva «das competências atribuídas por lei a outras entidades» e que decorrem de relações de especialidade ou de critérios institucionais: a escola, o hospital, o quartel de bombeiros.
A admitir-se uma competência pessoal (v.g. agentes económicos, empresas), contrária ao critério material da competência da autoridade administrativa que se encontra no artigo 34.º do RGCO, ela teria de estar bem expressa na lei.
Como tal, ainda que as atividades denominadas “Escola a Tempo Inteiro“ se enquadrassem no conceito de prestação de serviços [artigo 2.º, alínea a), subalínea i)] sempre prevaleceria a competência conferida de modo especial a outra «entidade».
Essa prestação de serviços, de resto, decorre de uma concessão ou delegação de tarefas por parte do Estado ou do município, fazendo dos seus agentes entidades particulares no exercício de funções administrativas.
XV
DA INSPEÇÃO-GERAL DE FINANÇAS: A TUTELA INSPETIVA
XV.1. As atividades de apoio à família, a componente de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular integram-se na escola e no sistema educativo, não obstante o seu fomento (e apenas o fomento) se encontrar em transição para as atribuições municipais e de os municípios poderem ser os promotores diretos deste conjunto de apoios às famílias.
É certamente por conta desta ligação que somos consultados acerca da eventual competência da Inspeção-Geral de Finanças para aplicar as contraordenações previstas e sancionadas pela Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
XV.2. Com a extinção da Inspeção-Geral da Administração Local pelo Decreto-Lei n.º 96/2012, de 23 de abril, ficou incumbida a Inspeção-Geral de Finanças, não só de «assegurar o controlo estratégico da administração financeira do Estado, compreendendo o controlo da legalidade e a auditoria financeira e de gestão», mas também «a avaliação de serviços e organismos, atividades e programas» e a prestação de «apoio técnico especializado, abrangendo todas as entidades do setor público administrativo, incluindo autarquias locais, entidades equiparadas e demais formas de organização territorial autárquica, e empresarial, bem como dos setores privado e cooperativo, neste caso quando sejam sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado ou com a União Europeia ou quando se mostre indispensável ao controlo indireto de quaisquer entidades abrangidas pela sua ação» (artigo 2.º, n.º 1).
O artigo 3.º, n.º 3, confia-lhe, sem prejuízo da tutela exercida pelos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, em matéria de autarquias locais e setor empresarial respetivo, as atribuições seguintes:
a) Efetuar ações, as quais se consubstanciam, nos termos da lei, na realização de inspeções, inquéritos e sindicâncias aos órgãos e serviços das autarquias locais e entidades equiparadas;
b) Propor a instauração de processos disciplinares resultantes da atividade inspetiva, nos termos da lei;
c) Proceder à instrução dos processos no âmbito da tutela sobre a administração autárquica e entidades equiparadas;
d) Contribuir para a boa aplicação das leis e regulamentos, instruindo os órgãos e serviços das autarquias locais sobre os procedimentos mais adequados;
e) Estudar e propor medidas que visem uma maior eficiência do exercício da tutela sobre as autarquias locais;
f) Colaborar, em especial com a Direção-Geral das Autarquias Locais e com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, na aplicação da legislação respeitante às autarquias locais e entidades equiparadas;
g) Assegurar a ação inspetiva no domínio do ordenamento do território, em articulação com a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e Ordenamento do Território;
h) Solicitar informações aos órgãos e serviços da administração autárquica e entidades equiparadas nos termos da lei;
i) Analisar as queixas, denúncias, participações e exposições respeitantes à atividade desenvolvida pelas entidades tuteladas, propondo, quando necessário, a adoção das medidas tutelares adequadas;
j) Assegurar a elaboração de estudos, informações e pareceres sobre matérias com incidência nas suas atribuições respeitantes à administração autárquica, assim como participar na elaboração de diplomas legais, sempre que para tal for solicitada;
k) Assegurar a divulgação dos resultados da atividade operacional de inspeção e colaborar no cumprimento de medidas adequadas e na proposta de medidas tendentes à eliminação das deficiências e irregularidades encontradas;
l) Promover a divulgação das normas em vigor, assegurando a realização das ações de comunicação adequadas.
Mais se determina que a intervenção da IGF «incide sobre as entidades do setor público administrativo, incluindo autarquias locais, entidades equiparadas e demais formas de organização territorial autárquica, e empresarial, bem como dos setores privado e cooperativo, quando sejam sujeitos de relações financeiras ou tributárias com o Estado ou com a União Europeia ou quando se mostre indispensável ao controlo indireto de quaisquer entidades abrangidas pela sua ação» (n.º 5), o que não significa, porém, uma atribuição exclusiva sobre a atividade desenvolvida por municípios e freguesias.
A Inspeção-Geral de Finanças, segundo o artigo 3.º, n.º 6, «prossegue as atribuições respeitantes às autarquias locais e entidades equiparadas na dependência funcional do membro do Governo responsável pela área das finanças, em articulação com o membro do Governo responsável pela área da administração local autárquica».
Quer isto dizer que a «verificação do cumprimento das leis e regulamentos por parte dos órgãos e dos serviços das autarquias locais e entidades equiparadas» (artigo 2.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto[144]-[145]), sob a direção do Governo a quem compete exercer a tutela sobre a administração autónoma (artigo 199.º, alínea d) da Constituição) assenta, fundamentalmente, nas inspeções, inquéritos e sindicâncias executadas pela Inspeção-Geral de Finanças.
Inspeções que consistem «na verificação da conformidade dos atos e contratos dos órgãos e serviços com a lei» [artigo 3.º, n.º 2, alínea a)], inquéritos que procedem ao controlo da legalidade dos atos e contratos concretos dos órgãos e serviços apontados em «fundada denúncia apresentada por quaisquer pessoas singulares ou coletivas ou de inspeção» [alínea b)] e sindicâncias que empreendem uma «indagação aos serviços quando existam sérios indícios de ilegalidades de atos de órgãos e serviços que, pelo seu volume e gravidade, não devam ser averiguados no âmbito de inquérito» [alínea c)].
Atos (compreendendo os regulamentares) e contratos, sem qualquer referência à aplicação de sanções contraordenacionais, são portanto o objeto da tutela inspetiva.
XV.3. As medidas restritivas da autonomia local que possam decorrer das inspeções, inquéritos e sindicâncias executadas pela Inspeção-Geral de Finanças não são de natureza contraordenacional nem penal e encontram-se reservadas à jurisdição dos tribunais administrativos (artigo 11.º, n.º 1), mediante ações propostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2).
As ações de perda de mandato ou dissolução têm caráter urgente e seguem os termos do processo do contencioso eleitoral, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (artigo 15.º, n.º 1).
Perda de mandato ou dissolução recaem sempre sobre eleitos locais e não têm a natureza patrimonial das coimas.
A perda do mandato atinge individualmente um ou vários membros dos órgãos executivos ou deliberativos e a dissolução, prevista no artigo 242.º, n.º 3, da Constituição, como a sanção reservada a «ações ou omissões graves», atinge todos os membros de um dos órgãos colegiais.
Nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, determinam a perda de mandato dos membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas as seguintes infrações tutelares:
— Falta de comparência, sem motivo justificativo, a três sessões ou seis reuniões seguidas ou a seis sessões ou doze reuniões interpoladas [n.º 1, alínea a)];
— Inelegibilidade, quer superveniente à eleição, quer anterior, mas ainda subsistente, cujos elementos reveladores só posteriormente tenham sido detetados [n.º 1, alínea b)];
— Inscrição em partido político diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral e eleitos [n.º 1, alínea c)];
— Prática ou responsabilidade individual no mandato em curso ou no mandato anterior (n.º 3) por os atos que, a serem deliberados colegialmente, podem levar à dissolução [n.º 1, alínea d)];
— A intervenção, no exercício das suas funções, ou por causa delas, ainda que no mandato anterior (n.º 3), em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado sob impedimento legal e com o propósito de obter vantagem patrimonial para si ou para outrem (n.º 2).
A medida tutelar mais drástica, reservada nos termos do artigo 242.º, n.º 3, da Constituição; aos atos ou omissões mais graves, encontra-se prevista nos termos do preceito que passamos a transcrever:
«Artigo 9.º
(Dissolução de órgãos)
Qualquer órgão autárquico ou de entidade equiparada pode ser dissolvido quando:
a) Sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais;
b) Obste à realização de inspeção, inquérito ou sindicância, à prestação de informações ou esclarecimentos e ainda quando recuse facultar o exame aos serviços e a consulta de documentos solicitados no âmbito do procedimento tutelar administrativo;
c) Viole culposamente instrumentos de ordenamento do território ou de planeamento urbanístico válidos e eficazes;
d) Em matéria de licenciamento urbanístico exija, de forma culposa, taxas, mais-valias, contrapartidas ou compensações não previstas na lei;
e) Não elabore ou não aprove o orçamento de forma a entrar em vigor no dia 1 de janeiro de cada ano, salvo ocorrência de facto julgado justificativo;
f) Não aprecie ou não apresente a julgamento, no prazo legal, as respetivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo;
g) Os limites legais de endividamento da autarquia sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto julgado justificativo ou regularização superveniente;
h) Os limites legais dos encargos com o pessoal sejam ultrapassados, salvo ocorrência de facto não imputável ao órgão visado;
i) Incorra, por ação ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.»
É este, por conseguinte, o domínio em que se move a denominada tutela inspetiva, exercida a título principal pela IGF, de todo em todo alheia ao processamento de coimas por práticas discriminatórias das pessoas com deficiência em estabelecimentos de educação pré-escolar ou em escolas do ensino básico, quer em atividades letivas, quer em atividades não letivas.
XVI
DA APLICAÇÃO DE SANÇÕES CONTRAORDENACIONAIS A MUNICÍPIOS
XVI.1. Falta saber, no entanto, se a aplicação de coimas e sanções acessórias aos municípios pela IGEC não infringe os contornos muito estritos da tutela administrativa do Governo para salvaguarda da autonomia local. E, antes disso, se faz parte do que se convencionou chamar tutela sancionatória.
O Regime Geral das Contraordenações mostra-se bastante aberto à imputação de infrações contraordenacionais a pessoas coletivas[146] e à aplicação, pelo menos, de coimas, ao dispor o seguinte:
«Artigo 7.º
(Da responsabilidade das pessoas coletivas ou equiparada)
1 — As coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas, bem como às associações sem personalidade jurídica.
2 — As pessoas coletivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contraordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.»
Com efeito, e como concluiu este corpo consultivo no Parecer n.º 10/94, de 7 de julho:
«As pessoas coletivas ou equiparadas atuam necessariamente através dos titulares dos seus órgãos ou dos seus representantes, pelo que os factos ilícitos que estes pratiquem, em seu nome e interesse, são tratados pelo direito como factos daquelas, nomeadamente quando deles advenha responsabilidade criminal, contraordenacional ou civil».
Por razões meramente pragmáticas, como também ali se concluiu, o ilícito de mera ordenação social abandonou progressivamente o entendimento tradicionalmente cunhado pelo brocardo ‘societas delinquere non potest’.
Já no Parecer n.º 11/2013, de 10 de julho[147], descortina-se um padrão de censurabilidade que não se confina à atuação do comissário ou do dirigente, como pode ler-se na 5.ª conclusão, mas se estende à falta de organização (faute de service).
«A responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas assenta numa imputação direta e autónoma, quer o fundamento dessa responsabilidade se encontre num “defeito estrutural da organização empresarial” (defective corporate organization) ou “culpa autónoma por défice de organização”, quer pela imputação a uma pessoa singular funcionalmente ligada à pessoa coletiva, mas que não precisa de ser identificada nem individualizada».
O que, porém, o artigo 7.º omite é a especificação das pessoas coletivas públicas, quando, ao invés, o Código Penal[148], no artigo 11.º, n.º 2, se mostra particularmente restritivo, quanto à sua punibilidade:
«As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 144.º-B, 150.º, 152.º-A, 152.º-B, 156.º, 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 177.º, 203.º a 206.º, 209.º a 223.º, 225.º, 226.º, 231.º, 232.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 359.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 377.º, quando cometidos:
a) Em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja em seu nome ou por sua conta e no seu interesse direto ou indireto, sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior, em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.»
Contudo, o artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao determinar que as práticas discriminatórias enunciadas nos artigos 4.º e 5.º constituem contraordenações, admite expressamente a possibilidade de serem praticadas «por pessoa coletiva de direito privado ou de direito público[149]».
Há, em todo o caso, um amplo consenso, no afastamento da punibilidade sempre que o ilícito contraordenacional seja imputado ao Estado ou às regiões autónomas ou decorra do exercício de poderes de autoridade (prerrogativas de poder público, na expressão do artigo 11.º, n.º 2, do Código Penal).
De certo modo, assim entendeu esta instância consultiva, no Parecer n.º 102/89, de 27 de setembro de 1990[150], em que se pronunciou nos termos seguidamente reproduzidos:
«1 — Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro - regime geral das contraordenações -, as pessoas coletivas são suscetíveis de responsabilidade contraordenacional;
2 — São abrangidos no conceito de pessoa coletiva para os efeitos das disposições referidas na conclusão precedente, em princípio, quaisquer entes não singulares a que o ordenamento jurídico atribua personalidade jurídica, inclusive de direito público;
3 — Excluem-se do âmbito desse conceito, para tais efeitos, o Estado, enquanto pessoa coletiva de direito interno que tem por órgão o Governo, e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
4 — Excluem-se, também, do âmbito desse conceito e para os mesmos efeitos, no tocante a responsabilidade contraordenacional por violação de certos deveres sancionáveis por contraordenações instituídas com vista à eficaz realização de certas atribuições administrativas, as pessoas coletivas que integrem a Administração central, regional e local e que a seu cargo tenham tais atribuições.
(…)».
Relativamente a um corte de sobreiros praticado por serviços municipais, mas não autorizado pela competente autoridade florestal, acordou o Tribunal da Relação de Lisboa, em 4 de fevereiro de 2004[151], em condenar o município no pagamento de coima. Apesar de a operação, alegadamente, ter em vista facilitar o acesso de pessoa com deficiência a sua casa, foi entendido não se encontrar justificada a ilicitude.
Por acórdão de 11 de outubro de 2011, o Tribunal da Relação de Évora[152] não apenas considerou responderem contraordenacionalmente as pessoas coletivas públicas, como também que não era necessária expressa previsão na lei, em concreto: na Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais[153], posto que o artigo 7.º do RGCO «admite a responsabilidade das pessoas coletivas sem distinção», contrariamente ao artigo 11.º do Código Penal, que a exclui.
Ainda recentemente, o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão tirado em 25 de outubro de 2024[154], admitiu a responsabilidade contraordenacional de um município «pela omissão dos deveres que sobre si impendiam de gestão de uma determinada faixa de combustível».
De igual modo, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de fevereiro de 2025[155], entendeu que a Autoridade para as Condições de Trabalho, em aplicação da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, dispõe de competência «para perseguir contraordenacionalmente autarquias locais».
Na doutrina, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[156] subscreve a tese da punibilidade, inclinando-se, no entanto, para a circunscrever às condutas não associadas ao exercício de poderes públicos.
Por seu turno, JOÃO MIGUEL VILAS-BOAS PINTO[157] não equaciona sequer tal ressalva, dando como exemplo paradigmático a aplicação de coimas a pessoas coletivas de direito público em matéria de proteção de dados, visto que o artigo 44.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, determina que as coimas previstas no Regulamento Geral de Proteção de Dados, assim como «na presente lei aplicam-se de igual modo às entidades públicas e privadas».
XVI.2. Tão-pouco deve confundir-se o exercício de poderes contraordenacionais com o poder tutelar sobre as autarquias locais, ainda quando as medidas restritivas da autonomia local assumam natureza sancionatória ou sejam percecionadas como tal[158].
Se a tutela administrativa, em qualquer uma das suas modalidades (integrativa, anulatória, substitutiva) importa sempre «intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação[159]», então, a instrução de um procedimento contraordenacional, a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória[160] em nada se prestam a um efeito invasivo. Ocorre apenas um juízo de reprovação e uma despesa imprevista, mas sem condicionar o desempenho da função político-administrativa do município ou da freguesia.
Sublinha PEDRO GONÇALVES[161] o caráter invasivo, ainda que externo, do poder tutelar: o órgão tutelar é autorizado «a intervir, por uma forma definida na lei, num espaço de autonomia conferido ou reconhecido a outra entidade».
A instrução pela IGEC de procedimento contraordenacional e a aplicação de coima a um município ou a uma freguesia não comportam qualquer intervenção ou ingerência. Não são expressão do poder tutelar que o Governo exerce sobre a administração autónoma [artigo 199.º, alínea d), da Constituição], pelo que não se confronta com os limites que, para salvaguarda da autonomia local, foram inscritos na Constituição em matéria tutelar:
«Artigo 242.º
(Tutela administrativa)
1 — A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei.
2 — As medidas tutelares restritivas da autonomia local são precedidas de parecer de um órgão autárquico, nos termos a definir por lei.
3 — A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves.»
A tutela administrativa exercida sobre as autarquias locais não incide sobre a sua atividade, designadamente sobre operações materiais, mas tão-só nos atos, contratos, regulamentos ou respetivas omissões[162].
E quando as medidas sancionatórias atinjam a relação orgânica dos eleitos locais por violação dos seus deveres estatutários mais importantes, não é o município nem a freguesia que são visados.
O escopo fundamental de tais medidas «é o de repor as condições de regular gestão das autarquias locais, criando-se, se necessário for, comissões administrativas que assegurem interinamente a gestão corrente e os assuntos inadiáveis[163]» e se a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, sugere uma consequência aflitiva, em lugar de um cunho compulsório ou reintegrador, então, porventura, é porque se afastou da matriz constitucional.
O que verdadeiramente está em causa é preservar o município da prática de atos ilegais especialmente graves: o fim destas medidas, vistas como sancionatórias[164], é remover da condução dos negócios públicos da autarquia pessoas que, embora legitimadas pelo voto popular, não mostram condições para continuar a exercer o mandato. Trata-se, pois, de convocar a população local para novo sufrágio, uma vez comprometida pelos eleitos a legitimidade de exercício.
A perda de mandato e a dissolução, mesmo quando decorram da violação de deveres estatutários pelos eleitos locais (v.g. violação do dever de assiduidade às sessões) não punem o município ou a freguesia. Configuram, de certo modo, sanções de natureza disciplinar[165] aos eleitos locais, apesar de inteiramente desobrigados para com a obediência hierárquica.[166]
Em todo o caso, sanções disciplinares que, nos termos da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, só podem ser aplicadas pelos tribunais[167] (administrativos) e obedecem a regras processuais com plenas garantias dos visados.
Por último, como sustenta PEDRO MONIZ LOPES[168], o poder tutelar é um poder discricionário (autorizar ou não, aprovar ou não). Só o exercício da competência é vinculado, «não habilitando a uma inação da parte do órgão competente do ente tutelar». O princípio da legalidade contraordenacional, embora consinta uma margem de livre apreciação, não consente juízos de oportunidade ou de conveniência.
Em suma, a competência contraordenacional da IGEC em relação a uma prática discriminatória prevista no artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, é exercida de modo igual em relação ao agrupamento de escolas ou a outro qualquer promotor das atividades de apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular.
O interesse público a proteger encontra-se nos direitos ou interesses legalmente protegidos do ofendido, ao ser-lhe recusado, de modo arbitrário, total ou parcialmente, fruir de tais atividades, em razão da deficiência ou do estado de saúde sob risco agravado, ao ser-lhe recusado ou limitado o acesso «a qualquer meio de compensação/apoio adequado às necessidades específicas dos alunos com deficiência», ao ser arbitrariamente segregado por medidas de organização interna das referidas atividades, segundo critérios de discriminação em razão da deficiência, desprovidos ou inadequados a fins de igualdade, designadamente por adaptação, ou se for condicionado ou limitado no exercício de um direito no contexto das sempre referidas atividades educativas por «prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração direta ou indireta do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais» [artigo 4.º, alíneas a), h), i) e j), da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto].
Por conseguinte, o interesse público faz parte dos que são atribuídos à IGEC na medida do exercício das suas competências de inspeção e fiscalização: assegurar o acesso da pessoa com deficiência à educação e ao ensino.
XVII
CONCLUSÕES
Em face de quanto vem exposto, e a fim de conceder resposta, de forma sistematizada, às questões enunciadas, formulam-se as conclusões seguintes:
1.ª — Uma autoridade administrativa só é competente para instruir procedimentos contraordenacionais, aplicar as pertinentes sanções e, se for caso disso, proceder à sua anulação administrativa, se a própria lei a identificar como tal ou se, apesar da falta de menção, já dispuser de poderes de inspeção ou de fiscalização sobre a matéria ou o objeto da infração.
2.ª — Se a competência material se reconhece a partir do objeto, não dispensa, antes pressupõe, conhecer as atribuições da pessoa coletiva pública, do ministério ou secretaria regional de que o órgão faz parte.
3.ª — Justamente por esse motivo, o artigo 34.º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) confia a especificação da autoridade administrativa, em caso de dúvida, ao poder de direção ou de superintendência de cada membro do Governo, no âmbito das atribuições do Estado que são confiadas ao ministério que dirige e que a lei designa por “tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover”.
4.ª — As atribuições são delimitadas por enunciados normativos que indicam um setor ou instituição da vida económica, social ou cultural, um conjunto de necessidades coletivas ou de bens e serviços aptos à sua satisfação, mas, não raro, o legislador inscreve conjuntamente o fim ou o interesse público que ordena teleologicamente o exercício dos poderes e o desempenho das tarefas que integram a competência dos órgãos.
5.ª — A competência material de cada órgão e as atribuições da respetiva pessoa coletiva pública ou ministério complementam-se, não apenas na delimitação da função do órgão e serviços que dele dependem — um certo domínio (v.g. saúde) ou uma determinada política pública (v.g. transição energética) —, como também na identificação do fim, o qual deve sempre constituir o motivo principalmente determinante dos seus atos.
6.ª — A Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao ter estatuído que as práticas discriminatórias de pessoas com deficiência ou sob risco agravado de saúde, sem prejuízo da ilicitude que representam para efeitos de responsabilidade civil, constituem ilícito de mera ordenação social, é conforme com a diretriz programática inscrita no artigo 71.º, n.º 2, da Constituição, como é conforme, igualmente, à incumbência de o Estado garantir o respeito universal pelos direitos e liberdades fundamentais [artigo 9.º, alínea b)], de efetivar os direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação das estruturas económicas e sociais e de promover uma igualdade não meramente formal [artigo 9.º, alínea d)].
7.ª — De harmonia com o objetivo de uma política integrada e transversal, consignado pelo artigo 3.º das Bases Gerais da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto), optou o legislador, no Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, por fazer da prevenção e perseguição de tais práticas discriminatórias uma incumbência transversal, conservando o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., nas suas atribuições, um papel de recolha e tratamento de informação, estudo, conceção, análise e promoção da inclusão das pessoas com deficiência.
8.ª — É, assim, uma política pública que, além de comprometer as administrações autónomas, percorre múltiplas atribuições do Estado, repartidas por vários departamentos da administração direta ou indireta, em relação hierárquica ou de superintendência com um determinado membro do Governo, tanto quanto na sua atividade se deparem com práticas discriminatórias da pessoa com deficiência e tenham ao seu alcance meios para as prevenir e reprimir.
9.ª — Entre esses meios relevam a proximidade aos diversos circunstancialismos institucionais ou setoriais em que a discriminação é praticada, os saberes técnico-científicos aplicados, o conhecimento do contexto e a experiência adquirida: numa palavra, razões que justificam o princípio da especialidade das pessoas coletivas públicas, dos ministérios e secretarias regionais e das atribuições confiadas a cada um, assim como a repartição da competência entre os diversos órgãos.
10.ª — No artigo 4.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, encontram-se descritas práticas discriminatórias que podem ocorrer em qualquer serviço ou estabelecimento público, particular ou cooperativo [alíneas a), b), d), e), j) e m)] ou mesmo no espaço público ou comunicacional [alínea l)], ao passo que outras encontram-se adstritas a elementos típicos que as circunscrevem ao mercado imobiliário, à banca e seguros [alínea c)], aos transportes públicos [alínea f)], aos cuidados de saúde [alínea g)] ou à educação, incluindo o ensino particular e cooperativo [alíneas h) e i)].
11.ª — Uma vez que os artigos 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de fevereiro, acolheram um critério material e objetivo, conferindo competência contraordenacional às inspeções-gerais, entidades reguladoras, «ou outra entidade com competências de natureza inspetiva ou sancionatória, cujas atribuições incidam sobre a matéria objeto da infração», excluiu como critério de apuramento da competência a natureza jurídica ou estatuto do agente contraordenacional. Por outras palavras, excluiu todo e qualquer critério subjetivo na identificação da autoridade administrativa competente.
12.ª — É este, aliás, o critério preferencial e subsidiário do RGCO, pois, como se viu, o artigo 34.º, n.º 2, determina que, «no silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover».
13.ª — Como tal, é indiferente que os promotores das atividades de animação e apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular sejam qualificados como prestadores de serviços, sem mais, tratando-se de associações de pais e encarregados de educação, de instituições particulares de solidariedade social ou de outros agentes para reconhecer competência à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) com base no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto, quanto mais não seja, pelo caráter residual dessa disposição, dando preferência às «competências atribuídas por lei a outras entidades».
14.ª — As referidas atividades, designadas “Escola a Tempo Inteiro”, sem embargo de uma componente lúdica e recreativa que podem e devem ter e não obstante o seu principal escopo consistir no apoio às famílias, prolongando a permanência das crianças na escola, creche ou infantário, fora dos horários letivos e durante as férias escolares, fazem parte do sistema educativo, sejam elas promovidas pelo agrupamento de escolas ou por terceiros.
15.ª — A descentralização de atribuições educativas para os municípios, compreendendo o fomento de medidas de apoio à família que garantam uma escola a tempo inteiro (artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro) além de se encontrar parcialmente suspensa, nos termos do artigo 74.º, não subtraiu tais atividades ao sistema educativo.
16.ª — As atividades de animação e apoio à família, a componente de apoio à família e as atividades de enriquecimento curricular, ainda quando promovidas pelas autarquias locais, devem conformar-se com as diretrizes aprovadas pelos órgãos da escola, do estabelecimento de educação pré-escolar ou do agrupamento de escolas, designadamente através do plano educativo e do regulamento interno e encontram-se sob supervisão do conselho pedagógico [artigo 33.º, alínea g), do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril] e do diretor [artigo 20.º, n.º 2, alínea h)].
17.ª — Sem prejuízo da ampla autonomia que assiste aos agrupamentos escolares e às escolas que permanecem não agrupadas, os seus órgãos continuam a ser órgãos do Estado que, embora desconcentrados e periféricos se encontram hierarquicamente subordinados ao Ministro da Educação, Ciência e Inovação.
18.ª — Se os promotores das atividades de animação e apoio à família, da componente de apoio à família ou das atividades de enriquecimento curricular não forem os próprios agrupamentos, mas, sim, os municípios ou as freguesias, tais atividades não se tornam independentes, antes se constituindo uma relação interadministrativa de cooperação entre o Estado e as autarquias locais.
19.ª — A ser promotora uma associação de pais e encarregados de educação, uma instituição particular de solidariedade social ou um prestador comercial ou cooperativo de serviços de atividades em tempos livres, ocorre uma delegação de funções públicas em agentes privados cujo desempenho é conformado pelos órgãos escolares e pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, nos termos da Portaria n.º 644-A/2015, de 24 de agosto, e no que concerne ao recrutamento de técnicos profissionais, pelo Decreto-Lei n.º 212/2009, de 3 de setembro.
20.ª — Por outro lado, não teve lugar nem se encontra prevista qualquer transferência de competências inspetivas do Ministério da Educação, Ciência e Inovação ou das secretarias regionais de educação das regiões autónomas para as autarquias locais.
21.ª — Competindo exclusivamente à Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC), no território continental, fiscalizar o sistema educativo «no âmbito da educação pré-escolar, da educação escolar, compreendendo os ensinos básico, secundário e superior e integrando as modalidades especiais de educação» (artigo 11.º, n.º 1, do regime orgânico do Ministério da Educação e Ciência) e fiscalizar também as escolas particulares e cooperativas (artigo 7.º, n.º 2, do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) é este o órgão especialmente vocacionado para perseguir as práticas discriminatórias que possam verificar-se contra as pessoas com deficiência ou em risco agravado de saúde no acesso ou frequência das atividades denominadas “Escola a Tempo Inteiro”.
22.ª — E nada obsta a que a IGEC aplique coimas por tais práticas discriminatórias a municípios ou freguesias, visto o artigo 9.º, n.º 2, da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, ao estabelecer o ilícito de mera ordenação social, referir-se, expressamente, a pessoas coletivas, quer de direito privado quer de direito público.
23.ª — Nem tão-pouco se encontra a IGEC a praticar atos de tutela administrativa ou a invadir as atribuições do Estado confiadas, nesse domínio, à Inspeção-Geral de Finanças.
24.ª — Embora a tutela sobre a administração autónoma integre a competência administrativa do Governo [artigo 199.º, alínea d)) da Constituição], a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, confiou aos tribunais administrativos decretarem a perda de mandato dos eleitos locais e dissolverem órgãos colegiais do município ou da freguesia que tiverem praticado ilícitos tutelares (artigo 11.º, n.º 1) em ação a propor pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2).
25.ª — Pelo contrário, a aplicação de coimas e de sanções acessórias aos municípios e às freguesias permaneceu na função administrativa do Estado, sem prejuízo de a última palavra caber sempre aos tribunais por via da impugnação ou do recurso que possam vir a ter lugar
26.ª — E, a partir de outro ângulo, observamos que a tutela administrativa, a começar pelas modalidades integrativas, de autorização ou aprovação de certos atos, contratos e regulamentos (tutela integrativa a priori ou a posteriori), embora não possa fundamentar-se em considerações de mérito ou oportunidade, mas só de estrita legalidade (artigo 242.º, n.º 1, da Constituição) compreende sempre uma intervenção mais ou menos restritiva na autonomia do município ou da freguesia (n.º 2), o que não sucede com a aplicação de coimas.
27.ª — As autarquias locais arguidas em procedimento contraordenacional conhecem os mesmos direitos e garantias que as pessoas coletivas privadas ou de direito privado, sem lhes ser legítimo opor a autonomia local à aplicação de coimas por uma autoridade administrativa do Estado, das regiões autónomas ou por uma entidade reguladora independente.
28.ª — A IGEC não deve ver diminuída a sua competência nos casos de concurso de contraordenações compreendidos na previsão do artigo 36.º, n.º 1, do RGCO, nem no caso de comparticipação, tal como é previsto no n.º 2.
29.ª — A norma que confere competência a qualquer uma das autoridades a quem incumba processar qualquer uma das contraordenações em concurso tem de ser interpretada restritivamente, de modo a não inquinar a decisão com nulidade por incompetência absoluta [artigo 161.º, n.º 2, alínea b)] do Código do Procedimento Administrativo), sem que possa sequer vir a ser ratificada pelo órgão competente (artigo 166.º, n.º 1 e n.º 2, a contrario sensu).
30.ª — Assim, o reconhecimento da competência por conexão deve circunscrever-se ao interior da mesma pessoa coletiva, ministério ou secretaria regional, de modo a que um seu órgão se limite às atribuições da estrutura orgânica da qual faz parte, sendo que a anulabilidade decorrente da incompetência relativa pode ser sanada por ratificação do órgão competente ou pelo decurso dos prazos para a sua impugnação ou anulação oficiosa.
31.ª — De outro modo, as normas do artigo 36.º do RGCO incorreriam em inconstitucionalidade material ao desobrigarem um órgão para com o concreto interesse público que deve prosseguir (artigo 266.º, n.º 1, da Constituição), na exata medida do exercício das suas funções (n.º 2), subvertendo o princípio da competência e, por conseguinte, o princípio da legalidade (artigo 3.º, n.º 2).
[1] Ofício n.º 1996/2025, de 23 de abril de 2025 (Proc. N.º 13.6/2025). O expediente deu entrada na Procuradoria-Geral da República, por correio eletrónico, em 28 de abril de 2025, tendo sido organizado o proc. 14/2025, para projeto de parecer da 2.ª espécie, nos termos do artigo 11.º, n.º 4, do Regimento do Conselho Consultivo, e exarado despacho de designação do Relator por Sua Excelência o Conselheiro Procurador-Geral da República em 5 de maio de 2025.
[2] O referenciado ofício faz-se acompanhar da Informação n.º G/97/2025/DSAJ, da Secretaria-Geral da Educação e Ciência, aprovada por despacho do Senhor Secretário-Geral de 20 de março de 2025, assim como do Parecer I/08/700/DSJ/24, de 18 de dezembro de 2024, aprovado, no mesmo dia, por despacho da Senhora Inspetora-Geral da Educação e Ciência.
[3] Proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde. A atual redação incorpora as alterações introduzidas pela Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro, a qual, por sua vez, visou reforçar o acesso ao crédito e contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, proibindo práticas discriminatórias e consagrando o direito ao esquecimento.
[4] Em complemento da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, estabelece quais as entidades administrativas competentes para procederem à instrução dos processos de contraordenações, bem como a autoridade administrativa com poderes de aplicação das coimas e das sanções acessórias pela prática de atos discriminatórios, em razão da deficiência ou de um risco agravado de saúde. A redação originária conserva-se inalterada.
[5] De acordo com o artigo 46.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, os pareceres solicitados com declaração de urgência têm prioridade sobre os demais.
[6] Estabeleceu um novo regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem., revogando a Lei n.º 134/99, de 28 de agosto, que determinara a criação de uma Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, a funcionar junto da estrutura governamental responsável pela imigração e minorias étnicas. A Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, sofreu alterações com a Lei n.º 3/2024, de 15 de janeiro, que a recriou como entidade administrativa independente, dotada de poderes de autoridade, extinguindo a que funcionava junto do Alto Comissariado para as Migrações, I.P. É a esta comissão que compete a instrução dos procedimentos contraordenacionais e a decisão final dos processos, incluindo a aplicação de coimas e sanções acessórias (artigo 18.º da Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto).
[7] Cuja missão e atribuições se encontram no Decreto-Lei n.º 31/2012, de 9 de fevereiro. Os estatutos do IRN, IP, foram aprovados pela Portaria n.º 220/2012, de 20 de julho.
[8] Alterado pela Lei n.º 60/2018, de 21 de agosto.
[9] Referimo-nos, salvo indicação em contrário à Constituição da República Portuguesa, aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, na sua atual redação, fruto das revisões constitucionais sucessivamente aprovadas pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de novembro, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro, pela Lei Constitucional n.º 1/2001, de 12 de dezembro, pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de julho, e pela Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12 de agosto.
[10] V. JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de Proteção de Direitos Fundamentais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, em especial, sobre a proteção por meio de normas sancionatórias, p. 641 e seguinte; sobre função administrativa e o seu papel no cumprimento de tais deveres de proteção, p. 655 e seguintes.
[11] V. Declaração de Retificação n.º 10/2019, de 25 de março. Concretizou o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da educação, em cumprimento da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, tendo sido modificado pelo Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho, pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, pelo Decreto-Lei n.º 56/2020, de 12 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 16/2023, de 27 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 125/2023, de 26 de dezembro (Declaração de Retificação n.º 11/2024, de 16 de fevereiro).
[12] Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (Cf. Declaração de Retificação in Diário da República, I Série, de 6 de janeiro de 1983), alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro (Declaração de Retificação in Diário da República, I Série, de 31 de outubro de 1989), Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/2001, de 16 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 27/2006, de 3 de março, pelo Decreto-Lei n.º 91/2024, de 22 de novembro.
[13] Acerca da evolução internacional e nacional do direito das pessoas com deficiência, v. FILIPE VENADE DE SOUSA, Direitos Fundamentais das Pessoas com Deficiência (e Jurisprudência Multinível), Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, p. 11 e seguintes. Centrando-se na jurisprudência constitucional, v. ANTÓNIO ARAÚJO, Cidadãos Portadores de Deficiência: o seu lugar na Constituição da República, Coimbra Editora, Coimbra, 2001.
[14] Revogou a Lei n.º 9/89, de 2 de maio (Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência) que, por sua vez, revogara a Lei n.º 6/71, de 8 de novembro (Bases relativas à Reabilitação e Integração Social de Indivíduos Deficientes).
[15] A redação originária mantém-se inalterada.
[16] A terminologia vem sofrendo oscilações ao longo dos tempos. A redação originária da Constituição de 1976 referia-se no artigo 71.º a cidadãos física ou mentalmente deficientes (n.º 1) ou simplesmente aos deficientes (n.º 2), tendo a 1.ª Revisão Constitucional (1982) aditado às incumbências educativas do Estado a de «Promover e apoiar o ensino especial para deficientes» [n.º 2, alínea g)] e a 2.ª Revisão (1989) inscrito o apoio do Estado às associações de deficientes (artigo 71.º, n.º 3). A 4.ª Revisão (1997) substituiria cidadãos deficientes por «cidadãos portadores de deficiência» (artigo 71.º, n.º 1) e mitigaria a incumbência do Estado em matéria de educação especial: «Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário» [artigo 74.º n.º 2, alínea g)]. Todavia, a Lei de Bases protagoniza a pessoa com deficiência, como sucedia já na Lei n.º 9/89, de 2 de maio. Até então, vigorara a Lei n.º 6/71, de 8 de novembro, referindo-se a «indivíduos deficientes», definidos como aqueles que, «por motivo de lesão, deformidade ou enfermidade, congénita ou adquirida, se encontrem diminuídos permanentemente para o exercício da sua atividade profissional ou para a realização das atividades correntes da vida diária» (Base I – 3).
[17] Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 47, de 7 de setembro de 2005.
[18] Estabeleceu um primeiro regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.
[19] Nas palavras do Sr. Deputado Pedro Mota Soares (Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 52, de 1 de outubro de 2005.
[20] Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 129, de 20 de julho de 2006.
[21] Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 147, de 21 de julho de 2006.
[22] Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 133, de 5 de agosto de 2006.
[23] Acerca destes conceitos, v. FILIPE VENADE, Direitos Fundamentais…., p. 82 e seguintes; FERNANDO REY MARTINEZ, Parte Geral in Direito Antidiscriminatório (coordenação de Fernando Rey Martinez e Luísa Neto), Editora AAFDL, Lisboa, 2021, p. 103 e seguintes. O Autor menciona as discriminações erróneas, ocultas e por associação (p. 104), as discriminações institucionais e sistemáticas, como a segregação (p. 106), as discriminações que decorrem da interação de dois ou mais níveis protegidos (p. 109) e as discriminações múltiplas ou interseccionais (p. 110); MILENA ROUXINOL, Direito da Discriminação nas Relações Laborais, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 27 e seguintes.
[24] O seu fim não justifica diferenciações desmesuradas, pois também neste domínio vale o princípio constitucional da proporcionalidade das restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
[25] V. MILENA ROUXINOL, Direito da Discriminação nas Relações Laborais, citado, p. 169 e seguintes; JOANA NETO, A Adaptação Razoável do Posto de Trabalho e a Tutela Laboral na Doença e na Deficiência, Editora Gestlegal, Coimbra, 2024.
[26] V. Declaração de Retificação n.º 32-A/2008, de 13 de junho, e Declaração de Retificação n.º 39/2008, de 23 de julho. A atual redação compreende alterações introduzidas pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, pela Lei n.º 75/2021, de 18 de novembro, e pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro.
[27] Tal acordo, nos termos do n.º 2, visa: o acesso sem discriminação ao crédito à habitação e ao crédito aos consumidores por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência; a garantia de que as instituições de crédito ou sociedades financeiras tenham em conta os direitos, liberdades e garantias das pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência; a definição de categorias específicas de dados e informações que possam ser exigidas e operações de tratamento desses dados e informações e das suas garantias de sigilo; o desenvolvimento de um mecanismo de mediação entre os seguradores e as instituições de crédito e as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência; e a estipulação de orientações gerais relativamente à informação a divulgar obrigatoriamente nos sítios da Internet das instituições de crédito, das sociedades financeiras, das sociedades mútuas, das instituições de previdência e dos seguradores. O acordo deixa de fora os beneficiários de crédito bonificado à habitação a pessoa com deficiência, pois dispõem de um regime próprio (Lei n.º 64/2014, de 26 de agosto).
[28] V. Artigos 19.º e 36.º do Regime Geral das Contraordenações.
[29] Com alterações decorrentes da Lei n.º 37/2004, de 13 de agosto, e da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho.
[30] Por sua vez, alterado pelo Decreto-Lei n.º 108/93, de 7 de abril.
[31] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro.
[32]Derecho Administrativo (tradução para castelhano de Luis Ortega, Diritto amministrativo, I, Ed, Giuffrè, Milão, 1970), Ministerio para las Administraciones Publicas, Instituto Nacional de Administración Pública, Madrid, 1991, p. 129 e seguinte.
[33] Sobre a crescente pluralidade de interesses públicos a cargo da administração pública, v. ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Lições de Direito Administrativo – I, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 112 e seguintes.
[34] Idem, p. 133.
[35] Lecciones de Derecho Administrativo, 5.ª edição, Editora Tirant lo Blanch, Valência, 2012, p. 726.
[36] Idem, p. 727.
[37] Seguimos a trilogia de DIOGO FREITAS DO AMARAL, a propósito da relação entre necessidades coletivas e administração pública, in Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2015, p. 25 e seguintes.
[38] Direito Administrativo – Relatório de uma disciplina apresentado no concurso para professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1998, Lisboa, p. 381.
[39] Lições de Direito Administrativo, Volume I, Editora Lex, Lisboa, 1999, p. 240.
[40] Por isso, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA (Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Editora Almedina, Coimbra, 1987, p. 490 e seguintes) sustenta que o princípio da legalidade é bem menos exigente quanto à atividade prestacional da administração pública, o que tem expressão no artigo 199.º, alínea g), da Constituição: «Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas: (…) Praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas».
[41] Com efeito, o Autor reduz as atribuições a propósitos, sem projeção na capacidade das pessoas coletivas públicas, v. PEDRO COSTA GONÇALVES, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Editora Almedina, Coimbra, 2019, p. 668.
[42] Competencias, funciones y potestades en el ordenamento juridico español, in Estudios sobre la Constitucion Española – Homenaje al Professor Eduardo Garcia de Enterria, Tomo III, Editorial Civitas, Madrid, 1991, p. 2458. Esta conceção não é estranha aos administrativistas franceses, v. GEORGES DUPUIS/ MARIE-JOSÉ GUÉDON/ PATRICE CHRÉTIEN, Droit administratif, 8.ª edição, Ed. Armand Colin, Paris, 2002, p. 7, ao considerarem que as atribuições são dos agentes administrativos. «Apenas alguns dispõem de verdadeiros poderes de decisão: praticam atos que criam direitos ou obrigações para os administrados ou para outros agentes públicos. São titulares de uma competência».
[43] V. AFONSO QUEIRÓ, Atribuições, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, I, Coimbra, 1965, p. 587 e seguintes; ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Lições…, I, p. 310 e seguintes; FERNANDA PAULA OLIVEIRA/ JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 5.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2017, p. 66 e seguinte; FRANCISCO ANTÓNIO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Administrativo, Editora Almedina, Coimbra, 2018, p. 58; JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª edição, Âncora Editora, Lisboa, 2016, p. 151; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 6.ª edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2020, p. 95 e seguinte; JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA/ FRANCISCO PAES MARQUES, Noções de Direito Administrativo, Volume I, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 334 e seguinte; JOSÉ MELO ALEXANDRINO, Uma Década de Reformas do Poder Local? Editora AAFDL, 2018, p. 181 e seguintes; LUÍS PEREIRA COUTINHO, “O problema das atribuições e das competências das autarquias locais (e do seu possível esvaziamento) ”, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (www.icjp/sites), MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 240 e seguintes; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 216; MARTA PORTOCARRERO, Atribuições in Dicionário da Organização Administrativa (coordenação de Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 111 e seguintes; PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Volume I, Editora Almedina, Coimbra, 2016, p. 438; ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo – Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano letivo de 1977/78, policopiado, Coimbra, 1978, p. 239 e seguintes.
[44] Além da bibliografia citada, V. GIULIO NAPOLITANO, La logica del diritto amministrativo, Editora Il Mulino, Bolonha, 2014, p. 47 e seguintes; FRANCESCO MERLONI, Istituizoni di diritto amministrativo, 3.ª edição (com a colaboração de Enrico Carloni e Benedetto Ponti), Editora G. Giappichelli, Turim, 2018, p. 83 e seguintes; EUGENIO PICOZZA, Introduzione al diritto amministrativo, 2.ª edição, Editora CEDAM (Wolter Kluwer), Milão, 2018, p. 143 e seguintes; STELIO VALENTINI, Tratatto di diritto amministrativo (direção de Giuseppe Santaniello), volume IV (Figure, rapporti, modeli organizzatori: lineamenti di teoria dell’organizzazione), Editora CEDAM, Milão, 1996, p. 7 e seguintes.
[45] V. HARTMUT MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht, tradução para língua francesa de Michel Fromont (Droit administratif Allemand), LGDJ, Paris, 1994, 245; PIERRE MOOR, Droit administratif, III, Edições Stæmpfli & Cie SA Berna, 1992, p. 16, Acolhida, entre nós, primeiro, por VITAL MOREIRA, v. Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 81.
[46] Lineamenti di diritto amministrativo, 6.ª edição, G. Giappichelli Editore, Turim, 2017, p. 96.
[47] Que o Código de Procedimento Administrativo acolhe no artigo 161.º, n.º 2, alínea b).
[48] Elementi di diritto amministrativo – Principi e organizzazione, G. Giappichelli Editore, Turim, 2017, p. 147.
[49] Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina, 10.ª edição, 2.ª Reimpressão, Coimbra, 1982, p. 202.
[50] Curso de Direito Administrativo, Volume I, 4.ª edição (com a colaboração de Luís Fábrica, Jorge Pereira da Silva e Tiago Macieirinha), 4.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2015, p. 639.
[51] Itálico no original.
[52] Manuale di diritto amministrativo, 9.ª edição, G. Giappichelli Editor, Turim, 2020, p. 9.
[53] Daí os ministérios serem tradicionalmente designados pelo setor da atividade administrativa que diz respeito a cada um (Saúde, Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros), ou pela função que desempenham (Presidência do Conselho de Ministros) mas também hodiernamente pelas finalidades programáticas de que se encontram investidos (Transição Energética, Reforma Administrativa).
[54] MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, Direito das Políticas Públicas, Editora Almedina, Coimbra, 2009.
[55] Veja-se o Concurso “Escola Alerta!”, promovido pelo INR, IP (Regulamento n.º 858/2024, de 7 de agosto) «com o objetivo de sensibilizar e mobilizar os alunos para a igualdade de oportunidades e para os direitos humanos, em particular, os direitos das pessoas com deficiência, premiando projetos que evidenciem a participação e intervenção ativas dos mesmos no desenvolvimento dos princípios consignados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e na Lei de Bases da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação da Pessoa com Deficiência, mediante a apresentação e divulgação de propostas exequíveis e inovadoras que contribuam para a melhoria da qualidade de vida destas pessoas.»
[56] Acerca da distinção entre os princípios da igualdade e da universalidade, v. JORGE MIRANDA, Direitos Fundamentais, 3.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2020, p. 291 e seguintes.
[57] Aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 30 de julho, e ratificada pelo Presidente da República com o Decreto do Presidente da República n.º 51/2009, de 30 de julho.
[58] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 167-C/2013, de 31 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 28/2015, de 10 de fevereiro.
[59] O que não impede a IGMSESS de fiscalizar o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social, em geral. Dispõe-se no artigo 63.º, n.º 5, da Constituição: «O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a atividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objetivos de solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º 2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º e 72.º». Não se determina, porém, que a fiscalização caiba exclusivamente a uma só inspeção-geral.
[60] Sobre o conceito, v. JORGE MIRANDA, As associações públicas no direito português, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXVII, p. 57 e seguintes; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 23 e seguintes.
[61] Uma vez que, de entre as diversas pessoas coletivas públicas de direito interno, só o Estado é também sujeito de direito de internacional.
[62] Acerca de atribuições conjuntas ou concorrentes na doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, v. Parecer n.º 27/2023, de 12 de outubro (www.ministeriopublico.pt), Parecer n.º 45/2004, de 14 de outubro (inédito), Parecer n.º 115/2003, de 23 de setembro de 2004 (Diário da República, 2.ª Série, de 24 de fevereiro de 2005), Parecer n.º 46/2002, de 16 de janeiro de 2003 (Diário da República, 2.ª Série, de 7 de março de 2003), Parecer n.º 1/96, de 9 de julho de 1997 (Diário da República, n.º 288, 2.ª Série, de 15 de dezembro de 1997), Parecer n.º 71/93, de 14 de janeiro de 1994 (Diário da República, 2.ª Série, de 13 de setembro de 1994), Parecer n.º 124/90, de 21 de março de 1991 (Diário da República, n.º 155, 2.ª Série, de 9 de julho de 1991), Parecer n.º 34/90, de 21 de fevereiro de 1991 (Diário da República, 2.ª Série, de 7 de março de 2003),
[63] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e modificado pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10 de fevereiro (cf. Declaração de Retificação n.º 7-A/2023, de 28 de fevereiro, e Declaração de Retificação n.º 12-A/2023, de 10 de abril).
[64] Curso…, I, p. 640.
[65] Competências in Dicionário da Organização Administrativa (coordenação de Carla Amado Gomes, Ana F. Neves e Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 333.
[66] Não restam dúvidas, pelo menos, quanto às competências delegadas, pois o Código do Procedimento Administrativo, no artigo 44.º, n.º 1, dispõe o seguinte: «Os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um ato de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique atos administrativos sobre a mesma matéria». E logo acrescenta no n.º 2: «Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se agente aquele que, a qualquer título, exerça funções públicas ao serviço da pessoa coletiva, em regime de subordinação jurídica».
[67] Noções de Direito Administrativo, Volume I, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2021, p. 381.
[68] Idem, p. 382.
[69] V. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Comentário ao artigo 161.º, p. 341 e seguintes, in Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo (Fausto de Quadros, José Manuel Sérvulo Correia, Rui Chancerelle de Machete, José Carlos Vieira de Andrade, Maria da Glória Dias Garcia, Mário Aroso de Almeida, António Políbio Henriques e José Miguel Sardinha, com a colaboração de Tiago Macieirinha), 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 341 e seguintes; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO DE AMORIM, comentário ao artigo 133.º do anterior Código, VIII, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 1998, p. 644, e seguinte.
[70] A distinção entre revogação e anulação surgiu apenas com o atual Código do Procedimento Administrativo. Até então, distinguia-se revogação por ilegalidade e revogação por motivos de conveniência, mérito ou oportunidade.
[71] Trata-se de disposições que só muito escassamente têm merecido a atenção da doutrina, especialmente no que toca à natureza administrativa da autoridade cuja competência se procura identificar. Há, no entanto, exceções. V. ANTÓNIO LEONES DANTAS, Direito Processual das Contraordenações, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 78 e seguintes; TIAGO LOPES AZEVEDO, Lições de Direito das Contraordenações, Editora Almedina, Coimbra, 2020, p. 200 e seguintes. Observa este Autor que a incompetência material pode ser conhecida até a decisão transitar em julgado, por aplicação subsidiária do artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal. Por outro lado, faz notar que «o conhecimento da incompetência em razão da matéria implica a nulidade de todos os atos praticados pela autoridade incompetente, devendo os autos ser então remetidos para a autoridade materialmente competente». Merece também referência a recolha jurisprudencial de SÉRGIO PASSOS feita sobre a aplicação pelos tribunais superiores dos artigos 33.º e seguintes do RGCO, in Contraordenações e Coimas – Anotações ao Regime Geral, Nova Causa, Edições Jurídicas, Braga, 2020, p. 191 e seguintes.
[72] Equacionando a eventualidade de esse ser um traço essencial do ilícito de mera ordenação social, na própria configuração constitucional do instituto, v. Parecer n.º 10/2025, de 27 de março — com posição divergente enunciada em voto de vencido e declarações de voto (inédito).
[73] Não se deve, porém, confundir tais domínios da vida política, social, económica, cultural ou ambiental com as grandes áreas por que são repartidas as esferas governativas. Quanto a estas, a título de exemplo, sugere MIGUEL PRATA ROQUE: a) coordenação e modernização administrativa, b) assuntos de soberania, c) assuntos sociais, d) assuntos económicos, e) assuntos financeiros, f) assuntos culturais e de cidadania (Tratado de Governação Pública, Volume I, Editora AAFDL, 2021, p. 185).
[74] A este propósito, critica MARCELO REBELO DE SOUSA a qualificação da gestão de pessoal, da gestão financeira, da conceção ou planeamento como atribuições, ainda que auxiliares ou acessórias, considerando-as, preferencialmente, como tarefas instrumentais (Lições…, citado, p. 241). No entanto, essas tarefas podem constituir um setor da governação, como sucede com as finanças públicas.
[75] Principios de Derecho Administrativo General, I, 2.ª edição, Iustel, Madrid, 2009, p. 353.
[76] A ideia de setor é cara ao léxico constitucional para repartir domínios da vida económica, social e cultural: em matéria de participação das comissões de trabalhadores «na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respetivo sector (artigo 54.º, n.º 5, alínea d)), de contagem do tempo de serviço «para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de atividade em que tiver sido prestado» (artigo 63.º, n.º 4), no objetivo de «promover a integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial» (artigo 66.º, n.º 2, alínea f)), no objetivo de ser promovida, «através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar» (artigo 67.º, n.º 2, alínea h)), na incumbência estadual de «articular a política cultural e as demais políticas sectoriais» (artigo 78.º, n.º 2, alínea e)), na garantia de coexistência «do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção» (artigo 80.º, alínea b), e artigo 82.º), na incumbência estadual de «promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões (…)» (artigo 81.º, alínea d)) ou na possibilidade de a lei «definir sectores básicos nos quais seja vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza» (artigo 86.º, n.º 3), no direito de cada grupo parlamentar «provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou sectorial» (artigo 180.º, n.º 2, alínea d)), a relevância do setor empresarial do Estado (artigo 293, n.º 1, alínea b)).
[77] Comentário do Regime Geral das Contraordenações (à luz da Constituição da República, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2022, p. 160.
[78] Permanece inédito.
[79] 3.ª Secção, Processo n.º 778/02.
[80] 3.ª Secção, Processo n.º 948/04.
[81] 1.ª Secção, Processo n.º 446/96.
[82] MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina, 10.ª edição, 2.ª Reimpressão, Coimbra, 1982, p. 202.
[83] V. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de abril de 2022 (Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, proc. 202/21.9YUSTR.L1-PICRS).
[84] “Punição do concurso de contraordenações e conexão processual”, in Revista do Ministério Público, 176, 2023, p. 91 e seguinte. V. FREDERICO COSTA PINTO, O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade, in Direito Penal Económico e Europeu - Textos Doutrinários, Volume I (Problemas gerais), obra coletiva, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 246 e seguintes.
[85] “O ilícito de mera ordenação social e a erosão do princípio da subsidiariedade da intervenção penal”, in Revista Portuguesa de Ciências Criminais, Ano 7 (1997), n.º 1, p. 252.
[86] Direito das Contraordenações, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 178 e seguintes.
[87] V. FREDERICO MACHADO SIMÕES, A Infração Sucessiva no Direito das Contraordenações, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Editora Almedina, Coimbra, 2022.
[88] Direito das Contraordenações, citado, p. 185.
[89] Idem, p. 264.
[90] À margem, por completo, dos casos de substituição interorgânica: hierárquica, tutelar ou outra (cf. artigo 43.º do Código do Procedimento Administrativo: «Nos casos em que a lei habilita um órgão a suceder, temporária ou pontualmente, no exercício da competência que normalmente pertence a outro órgão, o órgão substituto exerce como competência própria e exclusiva os poderes do órgão substituído, suspendendo-se a aplicação da norma atributiva da competência deste último».
[91] V. ANTÓNIO GAMA, comentário aos artigos 24.º a 30.º, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, António Gama/António Latas/João Conde Correia/Luís Lemos Triunfante/Maria do Carmo Silva Dias/Paulo Dá Mesquita/Pedro Soares de Albergaria/Tiago Caiado Milheiro, Tomo I, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 365 e seguintes.
[92] Sem outra indicação da nossa parte, as referências abreviadas ao CPP identificam o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (Cf. Declaração de Retificação de 31 de março de 1987), na atual redação que conta com as modificações introduzidas, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º 397-E/87, de 29 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de junho, pela Lei n.º 57/91, de 13 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 343/93, de 1 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de novembro, pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, pela Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, pela Lei n.º 7/2000, de 27 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de fevereiro (Cf. Declaração de Retificação n.º 9-F/2001, de 31 de março), pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto (Cf. Declaração de Retificação n.º 16/2003, de 29 de outubro), pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (Cf. Declaração de Retificação n.º 100-A/2007, de 26 de outubro), pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 19 de abril (Cf. Declaração de Retificação n.º 21/2013, de 19 de abril), pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de junho, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de fevereiro, pela Lei n.º 40-A72016, de 22 de dezembro, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, pela Lei n.º 1/2018, de 29 de janeiro, pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março, pela Lei n.º 33/2019, de 22 de maio, pela Lei n.º 101/2019, de 6 de setembro, pela Lei n.º 102/2019, de 6 de setembro, pela Lei n.º 39/2020, de 18 de agosto, pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro, pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, pela Lei n.º 13/2022, de 1 de agosto, pela Lei n.º 2/2023, de 16 de janeiro, e pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto.
[93] Direito Administrativo, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 29.
[94] Manual…, Volume I, citado, p. 1069.
[95] Idem, p. 1034.
[96] Os Princípios de Atuação da Administração Pública Sancionatória – A fase administrativa do processo contraordenacional, Editora Almedina, Coimbra, 2024, p. 143.
[97] Sobre este tema debruçou-se recentemente, em dissertação de doutoramento, JOÃO MIGUEL VILAS-BOAS PINTO, in O Poder Administrativo Sancionatório: Contributo para a Consolidação da sua Dogmática Geral, Editora almedina, Coimbra, 2025, p. 423 e seguintes. Ali sustenta que a aplicação subsidiária de normas gerais ou comuns de direito administrativo deve-se simplesmente ao facto de a autoridade administrativa se encontrar no exercício da função administrativa (p. 433). V. Breves notas (jus-administrativistas) sobre o contencioso sancionatório contraordenacional: “é mais forte o que une daquilo que separa”, in ISABEL CELESTE M. FONSECA, Direito Administrativo Sancionatório — Um Problema e Muitos Desafios, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 275 e seguintes. JOÃO SOARES RIBEIRO, “Natureza da decisão administrativa em processo de contraordenação”, in Prontuário de Direito do Trabalho, 63, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 2003, p. 102 e seguintes; Sustentando a natureza verdadeiramente administrativa do procedimento contraordenacional (a fase administrativa) e a invalidade dos atos da autoridade administrativa que violem normas de procedimento administrativo, v. MIGUEL PRATA ROQUE, “O direito sancionatório público enquanto bissetriz (imperfeita) entre o direito penal e o direito administrativo – a pretexto de alguma jurisprudência constitucional”, in Revista de Concorrência e Regulação, Ano 4, n.º 14-15, 2013, p. 126, e seguintes.
[98] Se, de acordo com este preceito, os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição, não pode o Governo — «órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública» (artigo 182.º) — ser levado a subverter a ordem de atribuições e competências da Administração Pública a fim de cumprir literalmente o disposto nos artigos 36.º e 37.º do Regime Geral das Contraordenações.
[99] 6139/11.0ECLSB-C.L1-9.
[100] Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 1998, p. 107. V. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “A imparcialidade da Administração como princípio constitucional”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1974, p. 219 e seguintes.
[101] Acerca da distinção entre a imparcialidade nas funções administrativa e jurisdicional, na doutrina do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, V. Parecer n.º 10/2025, de 27 de março (aguarda edição).
[102] V. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de maio de 2025 (216/23.1YUSTR.L1 – PICRS), em que se concluiu o seguinte: «É plena a jurisdição exercida pelo Tribunal de Primeira Instância, face ao disposto no Artigo 67.º, n.º 3, dos Estatutos da ERS, o que significa que o Tribunal que julga o recurso de impugnação judicial está investido em poderes de cognição não estritamente limitados à factualidade descrita na fase administrativa, ainda que sempre com o limite da possibilidade de exercício do direito de defesa».
[103] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, cuja redação se firmou nos termos da Declaração de Retificação n.º 17/2002, de 6 de abril, e que conheceu alterações sucessivamente levadas a cabo pelos seguintes diplomas: Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, Lei n.º 56/2021, de 16 de agosto, e Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de novembro.
[104] A doutrina francesa designa a renúncia e a alienação de poderes conferidos a um órgão como incompetência negativa. V. DIDIER TRUCHET, Droit administratif, 10.ª edição, Themis, Presses Universitaires de France (PUF), Paris, 2023, p. 236.
[105] ALEXANDRA VILELA, O Direito de Mera Ordenação Social: Entre a Ideia de “Recorrência” e a de “Erosão” do Direito Penal Clássico, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 380.
[106] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário…, p. 166.
[107] FREDERICO DA COSTA PINTO, “O ilícito de mera ordenação social…”, local citado, p. 261.
[108] Observando que o artigo 34.º, n.º 3, do RGCO, faculta aos dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída competência contraordenacional «podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior», e que esses «termos gerais» representam nem mais nem menos do que uma remissão para as normas do procedimento administrativo, v. JOÃO SOARES RIBEIRO, “Natureza da decisão administrativa em processo de contraordenação”, in Prontuário de Direito do Trabalho, 63, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 2003, p. 102 e seguintes.
[109] In Diário da República n.º 21, 1.ª Série A, de 25 de janeiro de 2003.
[110] In Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, volume III, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2020, p. 496.
[111] Funções e valores do direito administrativo, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, (organização de José Miguel Júdice/ António Lobo Xavier/ Pedro Costa Gonçalves/ Paulo Pinheiro/ Lino Torgal), Editora Almedina, Coimbra, 2017, p. 457.
[112] GUIDO CORSO, citado, p. 11.
[113] «Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior».
[114] Considerando o princípio da competência administrativa implícito na Constituição Espanhola de 1978, v. MARIANO BAENA DE ALCÁZAR, Competencias, funciones y potestades en el ordenamento juridico español, in Estudios sobre la Constitucion Española – Homenaje al Professor Eduardo Garcia de Enterria, Tomo III, Editorial Civitas, Madrid, 1991, p. 2454 e seguinte.
[115] Direito Processual das Contraordenações, Editora Almedina, Coimbra, 2022, p. 81.
[116] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, citado, p. 676.
[117] V. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, citado, p. 653 e seguintes; JOÃO CAUPERS/VERA EIRÓ, Introdução…, citado, p. 146 e seguintes.
[118] Estabelece os princípios e normas a que deve obedecer a organização da administração direta do Estado. A redação atual compreende as alterações decorrentes da Lei n.º 51/2005, de 30 de agosto, do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, do Decreto-Lei n.º 105/2007, de 3 de abril, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, da Lei n.º 57/2011, de 28 de novembro, do Decreto-Lei n.º 116/2011, de 5 de dezembro, da Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 43-A/2024, de 2 de julho.
[119] Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico. A redação originária só ficou assente com a Declaração de Retificação n.º 46-C/2013, de 1 de novembro, e com a Declaração de Retificação n.º 50-A/2013, de 11 de novembro. Conheceu entretanto alterações introduzidas pela Lei n.º 25/2015, de 30 de março, pela Lei n.º 69/2015, de 16 de julho, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, pela Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, pela Lei n.º 66/2020, de 4 de novembro, pela Lei n.º 24-A/2022, de 23 de dezembro, pela Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.
[120] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de fevereiro, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro.
[121] A respeito da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, na doutrina do Conselho Consultivo, v. Parecer n.º 19/2016, de 26 de janeiro de 2017 (Diário da República, 2.ª Série, de 25 de maio de 2017), Parecer n.º 35/2016, de 23 de março de 2017 (Diário da República, 2.ª Série, de 3 de novembro de 2017), Parecer n.º 23/2015, de 11 de setembro (Diário da República, 2.ª Série, de 16 de dezembro de 2015), Parecer n.º 17/2015, de 25 de junho (Diário da República, 2.ª Série, de 9 de setembro de 2015), Parecer n.º 53/96, de 9 de janeiro de 1997 (Diário da República, n.º 99, 2.ª Série, de 29 de abril de 1997).
[122] Sobre a função inspetiva da administração pública, v. ANA F. NEVES, Aproximação à atividade inspetiva: delimitação, princípios, poderes e deveres, in Estudos sobre a Atividade Inspetiva, coordenação de Carla Amado Gomes e Ana Fernanda Neves, Editora AAFDL, Lisboa, 2018, p. 11 e seguintes; JOÃO RAPOSO, Inspeção in Dicionário da Organização Administrativa (coordenação de Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 765 e seguintes.
[123] Aprovou a orgânica do Ministério da Educação e Ciência, definindo a sua missão, atribuições e estrutura orgânica (cf. Declaração de Retificação n.º 3/2012, de 26 de janeiro), tando sido alterado pelo Decreto-Lei n.º 266-G/2012, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 102/2013, de 25 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 96/2015, de 29 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 38/2022, de 30 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 36/2023, de 26 de maio.
[124] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, e modificado pela Lei n.º 36/2021, de 14 de junho.
[125] Na redação da Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto. Acerca da aplicação de tais sanções, deste Conselho, v. Parecer n.º 16/2020, de 8 de agosto (Diário da República, 2.ª Série, n.º 212, de 30 de novembro de 2020) e Parecer Complementar n.º 25/2020, de 1 de outubro (Diário da República, 2.ª Série, n.º 3, de 6 de janeiro de 2021). Conservou a vigência de normas do anterior Estado.
[126] Bases do Sistema Educativo. Alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, pela Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, e pela Lei n.º 16/2023, de 10 de abril.
[127] A atual redação compreende as alterações decorrentes da Lei n.º 116/2019, de 13 de setembro (Declaração de Retificação n.º 47/2019, de 3 de outubro) e pelo Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho.
[128] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho.
[129] Escolas e agrupamentos de escolas in Dicionário da Organização Administrativa (coordenação de Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 593.
[130] Direito da Organização Administrativa e Serviço Público, Editora Almedina, Coimbra, 2023, p. 163.
[131] Direito da Organização …, p. 164.
[132] Define as regras a observar no funcionamento dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, bem como na oferta das atividades de animação e de apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC). Revogou expressamente o Despacho n.º 9265-B/2013, de 15 de julho, e que continha as normas a observar no período de funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino público nos quais funcionem a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico, assim como a oferta das atividades de animação e de apoio à família (AAAF), da componente de apoio à família (CAF) e das atividades de enriquecimento curricular (AEC).
[133] Estabelece o regime de contratação de técnicos que asseguram o desenvolvimento das atividades de enriquecimento curricular (AEC) no 1.º ciclo do ensino básico nos agrupamentos de escolas da rede pública. Foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 169/2015, de 24 de agosto, de modo a permitir aos municípios a constituição de parcerias para a concretização das Atividades de Enriquecimento Curricular.
[134] Estabelecia os princípios orientadores da organização e da gestão curricular do ensino básico, bem como da avaliação das aprendizagens e do processo de desenvolvimento do currículo nacional. Cf. Declaração de Retificação n.º 4-A/2001, de 28 de fevereiro. Veio a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 209/2002, de 17 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de fevereiro (cuja vigência cessou por efeito da Resolução da Assembleia da República, n.º 60, de 23 de março, Decreto-Lei n.º 94/2011, de 3 de agosto, e revogado pelo Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho.
[135] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 176/2014, de 12 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril, seria revogado pelo Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho.
[136] Estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens. A redação originária foi objeto da Declaração de Retificação n.º 29-A/2018, de 4 de setembro, e a atual redação compreende as alterações veiculadas pelo Decreto-Lei n.º 70/2021, de 3 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 62/2023, de 25 de julho, e pelo Decreto-Lei n.º 12/2025, de 21 de fevereiro.
[137] Manual… I, citado, p. 740.
[138] Ibidem.
[139] Idem, p. 742.
[140] Sobre esta temática, v. ISABEL CELESTE M. FONSECA, Desafios Atuais das Autarquias Locais: a governação pública local sob o impacto da descentralização e da transição digital – entre Cila e Caríbdis, Editora Gestlegal, Coimbra, 2024; ANA RITA PRATA, Descentralização e Educação em Portugal: os (novos desafios) das Autarquias Locais, AEDREL, Braga, 2022, p. 117 e seguintes; ISABEL CELESTE FONSECA/ANA RITA PRATA, “A descentralização administrativa nos domínios da Educação: less is more”, in Questões Atuais de Direito Local, 32, 2021, p. 7 e seguintes; ANA RITA BABO PINTO, “O fenómeno da descentralização administrativa, em especial no setor da educação: O caso concreto do município do Porto”, in Questões Atuais de Direito Local, 27, 2020, p. 43 e seguintes; JOSÉ MELO ALEXANDRINO, Uma Década de Reformas do Poder Local? Editora AAFDL, 2018, p. 117 e seguintes; ANTÓNIO PEDRO BARBAS HOMEM; Regionalização, municipalização e localização da Educação, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, Coimbra Editora, 2001, p. 789 e seguintes; JUSTINO MAGALHÃES, “O Local e a Educação: para a História do município pedagógico”, in Revista de Administração Local, 215, 2006, p. 607 e seguintes.
[141] Até à sua revogação global pelo Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, foi alterado pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B72011, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.
[142] O fruto da receita da cedência é, nos termos do artigo 48.º, «consignado a despesas de beneficiação, conservação e manutenção dos equipamentos escolares públicos ou dos espaços exteriores incluídos no perímetro dos estabelecimentos localizados na área territorial do município.»
[143] Estabelece os requisitos de acreditação e fiscalização do mercado relativos à comercialização de produtos.
[144] Define o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como o respetivo regime sancionatório. A atual redação compreende as modificações operadas pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.
[145] Acerca da aplicação da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, v. Parecer n.º 110/2006, de 6 de novembro de 2008 (inédito), Parecer n.º 64/2004, de 14 de outubro (inédito), Parecer n.º 45/2004, de 14 de outubro (inédito), Parecer n.º 131/96, de 6 de fevereiro de 1997 (Diário da República, n.º 285, 2.ª Série, de 11 de dezembro de 1997).
[146] Neste sentido, AUGUSTO DA SILVA DIAS/RUI SOARES PEREIRA, citado, p. 107 e seguintes.
[147] Idem.
[148] Referimo-nos ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, amplamente revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, e que conhece, hoje, a sua 64.ª redação, dada pelas sucessivas alterações — última das quais, por via da Lei n.º 26/2025, de 19 de março.
[149] Ainda que lateralmente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 521/2022, de 14 de julho (3.ª Secção, Processo n.º 555/2022) versa sobre a aplicação de coima a um município em situação relativamente à qual não se descortina o exercício de poderes de autoridade.
[150] Diário da República, n.º 55, 2.ª Série, de 7 de março de 1991.
[151] Coletânea de Jurisprudência, 2004, 1, p. 126.
[152] Processo n.º 1779/09.0TBCTX.E1.
[153] Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto. A redação atual contemplas as sucessivas alterações decorrentes da Lei n.º 89/2009, de 31 de agosto, da Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, do Decreto-Lei n.º 42-A/2016, de 12 de agosto, da Lei n.º 25/2019, de 26 de março, e do Decreto-Lei n.º 87/2024, de 7 de julho.
[154] Processo n.º 634/23.5T9CNT.C1.
[155] Processo n.º 6490/23.6T8ALM.L1-4.
[156] Comentário…, citado, p. 64 e seguinte.
[157] Do Poder Administrativo Sancionatório – Contributo para a Consolidação da sua Dogmática Geral, Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 402 e seguinte.
[158] A respeito do caráter não sancionatório de algumas medidas tutelares, v. JOÃO MIGUEL VILAS-BOAS PINTO, Do Poder…, citado, p. 397 e seguintes.
[159] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, Volume I, citado, p. 729. De igual modo, PEDRO GONÇALVES tem por elemento essencial da tutela uma intervenção não orientadora (Manual…, citado, p. 911).
[160] Determinadas sanções acessórias podem, no entanto, infringir o princípio constitucional da autonomia local; aquelas, em particular, que possam privar um órgão municipais de exercer os seus poderes ou de levar a cabo as tarefas que lhe competem, nos termos da lei.
[161] Manual …, citado, p. 912.
[162] ANDRÉ FOLQUE, A Tutela Administrativa nas Relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, 2004, p. 351 e seguintes.
[163] MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA/ANDRÉ FOLQUE, Anotação ao Artigo 242.º, in Constituição Portuguesa Anotada, Volume III, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2020, p. 439.
[164] A dissolução do órgão atinge todos os membros, independentemente da sua conduta individual, o que mostra bem como se trata de uma medida de reintegração, não obstante poder ser lida como punição. De resto, os membros que não tenham responsabilidade nos atos ou omissões que justificaram a dissolução, contrariamente aos demais, podem integrar a comissão administrativa e apresentar-se, de novo, a sufrágio (artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto).
[165] Mas não de regime.
[166] No sentido de o poder disciplinar ser típico da hierárquica, mas poder estar presente em outras relações administrativas, v. PAULO OTERO, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora,1992, p. 138 e seguintes.
[167] Considerando que a perda de mandato e a dissolução devem estar reservadas à jurisdição, v. ISABEL CELESTE M. FONSECA, A tutela do Estado sobre as autarquias locais: comedida ou sem medida(s)?, in Direito das Autonomias (Locais), Estudos Reunidos, Núcleo de Estudos de Direito Ius Pubblicum, Braga, 2019, p. 167 e seguintes.
[168] Tutela, in Dicionário da Organização Administrativa (coordenação de Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Tiago Serrão), Editora Almedina, Coimbra, 2025, p. 1134.