8/2025, de 27.03.2025
Número do Parecer
8/2025, de 27.03.2025
Data do Parecer
27-03-2025
Número de sessões
1
Tipo de Parecer
Parecer
Votação
Unanimidade
Iniciativa
Governo
Entidade
Ministério da Administração Interna
Relator
José Manuel Gonçalves Dias Ribeiro de Almeida
Votantes / Tipo de Voto / Declaração
Carlos Alberto Correia de Oliveira
Votou em conformidade
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votou em conformidade
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Votou em conformidade
João Conde Correia dos Santos
Votou em conformidade
José Joaquim Arrepia Ferreira
Votou em conformidade
José Manuel Gonçalves Dias Ribeiro de Almeida
Votou em conformidade
Amadeu Francisco Ribeiro Guerra
Votou em conformidade
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Votou em conformidade
Descritores
POLÍCIA MUNICIPAL
POLÍCIA ADMINISTRATIVA
SEGURANÇA INTERNA
FORÇAS DE SEGURANÇA
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
POLÍCIA MUNICIPAL DE LISBOA
POLÍCIA MUNICIPAL DO PORTO
PSP
ESTATUTO PESSOAL
ESTATUTO PROFISSIONAL
COMISSÃO DE SERVIÇO
INCOMPATIBILIDADE LEGAL
DUPLA HIERARQUIA
HIERARQUIA INTERNA
HIERARQUIA EXTERNA
RELAÇÃO DE SERVIÇO
RELAÇÃO ORGÂNICA
PODER DE DIREÇÃO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL
CONTRATO INTERADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
COORDENAÇÃO OPERACIONAL
REQUISIÇÃO DE MEIOS
ATO ADMINISTRATIVO
MEDIDAS CAUTELARES E DE POLÍCIA
DETENÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DE PARECER
INTERPRETAÇÃO OFICIAL
MATÉRIA DE LEGALIDADE
POLÍCIA ADMINISTRATIVA
SEGURANÇA INTERNA
FORÇAS DE SEGURANÇA
ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
POLÍCIA MUNICIPAL DE LISBOA
POLÍCIA MUNICIPAL DO PORTO
PSP
ESTATUTO PESSOAL
ESTATUTO PROFISSIONAL
COMISSÃO DE SERVIÇO
INCOMPATIBILIDADE LEGAL
DUPLA HIERARQUIA
HIERARQUIA INTERNA
HIERARQUIA EXTERNA
RELAÇÃO DE SERVIÇO
RELAÇÃO ORGÂNICA
PODER DE DIREÇÃO
PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL
CONTRATO INTERADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
COORDENAÇÃO OPERACIONAL
REQUISIÇÃO DE MEIOS
ATO ADMINISTRATIVO
MEDIDAS CAUTELARES E DE POLÍCIA
DETENÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DE PARECER
INTERPRETAÇÃO OFICIAL
MATÉRIA DE LEGALIDADE
Conclusões
III
(Conclusões)
1.ª — A competência, em razão da matéria, deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do Estatuto do Ministério Público (EMP), e da alínea a), do artigo 3.º (Competência), do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (RCCPGR), é “restrita a matéria de legalidade”, ou seja, às questões de Direito que, em essência, respeitam à determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos;
2.ª — As questões relativas à “atualidade” dos regimes e normas jurídicas submetidas à presente consulta são matéria de “política legislativa”, da exclusiva responsabilidade do legislador, segundo juízos de “oportunidade ou conveniência”, pelo que não podem ser objeto de pronúncia por parte deste corpo consultivo, a título da competência estabelecida nas citadas alínea a) do artigo 44.º do EMP e alínea a) do artigo 3.º do RCCPGR, porquanto é “restrita a matéria de legalidade”;
3.ª — Sobre questões similares àquelas agora em apreciação já anteriormente emitiu pronúncia o Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio, deste Conselho Consultivo, depois homologado pela entidade consulente, versando sobre disposições de ordem genérica, com ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade, pois não houve alterações substantivas no quadro legislativo relevante, pelo que na íntegra e como stare decisis, se reiteram os fundamentos e conclusões respetivas (Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008, pp. 35859 a 35875) [então, Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), art. 43.º, n.º 1, e hoje, art. 50.º, n.º 1, EMP);
4.ª — Nos termos do regime constitucional vigente, as polícias municipais estão integradas na organização das autarquias locais e têm, predominantemente, funções de polícia administrativa e, complementarmente, funções de segurança interna, restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (art. 237.º, n.º 3, preceito aditado ao normativo em causa por força do artigo 160.º da Lei Constitucional n.º 1/97 (IV Revisão Constitucional), de 20 de setembro);
5.ª — Este modelo constitucional, seja no plano dos princípios, seja também da sua aplicação prática, não institui antagonismo, mas antes complementaridade de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, no domínio da “segurança interna”, através de um regime de divisão e especialização de tarefas: ao criar e atribuir àquelas primeiras funções de polícia administrativa e, complementarmente, de cooperação na “manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”, desonera o efetivo das forças de segurança dessas tarefas, permitindo que o mesmo seja mobilizado, primordialmente, para funções de “segurança interna”;
6.ª — Os regimes legais vigentes estabelecem que as polícias municipais têm por função primordial a “defesa da legalidade democrática, no aspeto do cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos órgãos das autarquias locais”, pelo que a atividade de polícia municipal, de regime geral ou especial (Lisboa e Porto), é de caraterizar como polícia administrativa, em sentido funcional (arts. 2.º, n.º 1, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004 (“lei quadro”), de 20 de maio, art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017 (“regime especial”), de 26 de janeiro);
7.ª — Os regimes legais vigentes organizam as polícias municipais como “serviços municipais”, “atua[ndo] no quadro definido pelos órgãos representativos do município”, com “âmbito municipal”, funcionando “na dependência do presidente da câmara municipal”, e em particular as de Lisboa e Porto, como “um serviço da respetiva câmara municipal, equiparado a direção municipal”, o seu efetivo é de “polícias municipais” e, “sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto” os mesmos são “equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal”, a “criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal”, através da aprovação do “regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto”, “sendo que “das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa, a enumeração das respetivas competências e a área do território do município em que as exercem” e, finalmente, a determinação do efetivo é feita “tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respetivo município”), pelo que, tudo considerado, as mesmas são de caraterizar como polícia administrativa, em sentido organizatório [art. 1.º, n.ºs 1 e 2, 6.º, n.º 1, 8.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, arts. 2.º, n.º 1, 3.º, 15.º, n.ºs 1 e 2 , e 18.º, n.ºs 1 e 3, Decreto-Lei n.º 13/2017, arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, e 12.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa (RFOPML), arts. 4.º, 6.º, n.º 1, e 12.º, e 13.º A), Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal do Porto (RFOPMP)];
8.ª — A lei constitucional opõe-se à atribuição da qualificação, do estatuto e das competências legais próprias de “órgão de polícia criminal” às polícias municipais, pois lhes comete, exclusivamente, funções de polícia administrativa e de segurança interna, estas restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” mas, em todo o caso, disso é díspar, em essência, a figura jurídica da atribuição aos “polícias municipais” de permissões legais, individualizadas e tipificadas, para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos “órgãos de polícia criminal”, diretamente conexas com as funções de polícia administrativa;
9.ª — A lei quadro, em conformidade, recusa expressamente atribuir às polícias municipais, sejam de regime geral ou especial, a qualificação, o estatuto e as competências legais próprias “órgão de polícia criminal”, ao dispor que “(…) é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, todavia “sem prejuízo do disposto nos números anteriores”, ou seja, sem embargo das competências, excecionais e casuisticamente tipificadas, que nos termos da lei as mesmas poderão exercer e que são funcionalmente equivalentes a “medidas cautelares e de polícia”, no sentido da lei processual penal (art. 3.º, n.º 5);
10.ª — Na previsão legal dos n.ºs 1 a 4, do artigo 3.º (Órgãos de polícia criminal) da Lei n.º 49/2008 (Aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal), de 27 de agosto, não constam as polícias municipais;
11.ª — A lei constitucional recusa atribuir às polícias municipais as funções de “prevenção dos crimes”, as quais reserva para as polícias com âmbito nacional e funções típicas de “segurança interna”, ou seja, às forças de segurança (art. 272.º, n.ºs 3 e 4);
12.ª — A lei quadro, em conformidade, no n.º 4 do seu artigo 2.º (Atribuições), estabelece que “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança”;
13.ª — A Lei n.º 53/2008 (Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto, em conformidade, não faz constar as polícias municipais, de regime geral ou especial, do elenco legal de forças de segurança (art. 25.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4);
14.ª — As Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto, são, também elas, serviços municipais, “especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais”, ou seja, são também elas, como as de “regime geral”, polícias administrativas, de âmbito municipal, em sentido funcional e organizatório, embora “com as especificidades do presente decreto-lei”, que em nada descaraterizam ou exorbitam de tais funções (art. 2.º, n.º 1, e 2, in fine, 3.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, n.º 1, RFOPMP);
15.ª — Às Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto são, de plano, aplicáveis as interdições, constitucional e legal, de atribuição do estatuto e do exercício de funções de força de segurança e de “órgão de polícia criminal”, sem embargo, quanto as estas últimas, das permissões legais, estritamente tipificadas, atribuídas para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Decreto-Lei n.º 13/2017);
16.ª — Da letra e do pensamento legislativo, corroborado pela história da lei, decorre uma dicotomia entre o “estatuto funcional” (que os vincula, para esses efeitos, à PSP) e o “estatuto profissional” (que os vincula, para esses efeitos, apenas aos serviços municipais), do pessoal com funções policiais da PSP, que exclusivamente constitui o efetivo das polícias municipais de Lisboa e do Porto, e que a lei, sintomaticamente, designa por “polícias municipais” (art. 2.º, n.º 2, in fine, Decreto-Lei n.º 13/2017);
17.ª — Com efeito, o recrutamento para as Polícias Municipais de Lisboa (PML) e do Porto (PMP) é efetuado em comissão de serviço por três anos, renovável até ao limite de nove anos, pelo que tais polícias ficam assim vinculados a “exerce[r] as suas funções nos termos legalmente definidos para o cargo” em causa, que é o de “polícia municipal”, correspondente à “especial vocação do respetivo serviço municipal para o exercício de funções de polícia administrativa” (art. 79.º, n.º 3, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), ex vi arts. 5.º, n.º 2, 97.º, n.º 3, e 107.º, Decreto-Lei n.º 243/2015 (Aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública), de 19 de outubro [EPPFP da PSP], arts. 2.º, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004, artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/2017);
18.ª — Durante todo o período de desempenho dessa comissão de serviço os polícias em causa têm, exclusivamente, a condição de “polícias municipais” e o correspondente “estatuto funcional”, com as correlativas funções, atribuições e competências, predominantemente de polícia administrativa, e complementarmente, de “cooperação” na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das populações locais, ficando em consequência suspensa, interinamente, a respetiva competência funcional e o estatuto de “órgão de polícia criminal”, inerente ao pessoal com funções policiais da PSP, que todavia retomarão, ipso facto, por força da simples cessação dessa comissão de serviço ou, eventualmente, da “requisição de meios” prevista no artigo 6.º (Requisição de meios), n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro [art. 11.º, n.ºs 1 a 3, Lei n.º 53/2007 (Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública), de 31 de agosto LOPSP];
19.ª — A habilitação legal constante do artigo 5.º (Cooperação), do Decreto-Lei n° 13/2017, cit., é exercida na forma jurídica de “contrato interadministrativo”, a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto, com à relação interadministrativa de “cooperação”, a qual, no seu sentido técnico-jurídico próprio, é de tipo paritário e legitima a atuação conjunta da PSP e das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, na medida e apenas para efeitos da resolução de problemas que relevem das funções, atribuições ou competências de ambas (art. 5.º, n.º 3); quanto a certos aspetos da “cooperação” e da “coordenação” entre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da PMP com a PSP, nomeadamente em matéria de “segurança relativa a manifestações, comícios e outras reuniões de natureza pública”, importa chamar à colação o Parecer n.º 11/2021, de 28 de outubro, deste corpo consultivo, o qual foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, versa sobre disposições de ordem genérica, e teve ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito, pelo que aqui se reiteram, como stare decisis, os fundamentos (pp. 39 a 42, n.º V.6.) e conclusões (em particular, 9.ª a 11.ª, 17.ª) do mesmo, pertinentes para as questões de Direito agora em apreciação (art. 50.º, n.º 1, EMP);
20.ª — Esta habilitação legal respeita, portanto, estritamente à celebração de contratos interadministrativos de “cooperação”, assim «pressup[ondo] a prossecução e a manutenção das atribuições e competências» das partes contratantes e, por isso, interditando a transferência de atribuições ou competências entre as mesmas, de modo que: (i) «o quadro legal e a distribuição territorial de competências não pode ser objeto de qualquer alteração direta ou indiretamente» e, bem assim, (ii) «não podem ser atribuídos por via contratual a qualquer das partes, maxime, à PSP poderes de direção ou poderes de coordenação sobre a atividade da polícia municipal», pelo que, a “coordenação” constante da epígrafe oficial e da previsão legal do n.º 2 do artigo 6.º (Dependência orgânica e coordenação), da lei quadro, e a “coordenação operacional” mencionada no artigo 1.º dos dois contratos interadministrativos em causa, devem ambas ser lidas, interpretadas e aplicadas, neste âmbito, como “cooperação” (maxime, como “cooperação operacional”), em sentido formal, técnico-jurídico, como referido na anterior conclusão 19.ª [art. 111.º, n.º 2, Constituição, e arts. 3.º, n.ºs 1 e 2, e 36.º, Código do Procedimento Administrativo (CPA)];
21.ª — Quanto às “áreas” que podem ser objeto da “cooperação” entre as PML e PMP e a PSP, constam das alíneas a) a i), do n.º 2 do artigo 5.º em apreço, mediante a cláusula: “O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas: (…)”, portanto através de uma enumeração legal, de caráter exemplificativo (“entre outras”), mas há ainda a considerar as duas “áreas de cooperação” previstas do n.º 2 do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, em particular a “satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados”, pois não tendo sido expressamente levada à enumeração legal do n.º 2 deste artigo 5.º, como foi o caso da “partilha de informação relevante para o desenvolvimento das respetivas funções”, está implícita, mas necessariamente, integrada na respetiva enumeração legal;
22.ª — A competência para eleição dessas “outras áreas” é, por definição, estabelecida por consenso, sendo assim “assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.” (art. 5.º, n.º 1 e 3), e tem de ser realizada à luz do “princípio da legalidade da competência”, ou seja, apenas podem ser definidas “áreas” estritamente correspondentes a funções, atribuições e competências, próprias ou concorrentes, das entidades policiais em causa, tal como previamente definidas na Constituição, na lei e nos regulamentos, ou seja, do ponto de vista das Polícias Municipais, a habilitação legal procede da Constituição (art. 237.º, n.º 3), da lei quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º), do “regime especial” (art. 4.º, n.º 1 e 2) e dos regulamentos de funcionamento e organização (art.º 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, e art. 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPMP), sendo fulminadas de nulidade as cláusulas contratuais que consagrem “áreas de cooperação” que extravasem desses limites de legalidade (art. 266.º, n.º 2, Constituição, arts. 3.º, n.º 1, e 36.º, n.ºs 1 e 2, CPA, e art. 284.º, n.º 2, Código dos Contratos Públicos, conjugado com o art. 161.º, n.º 2, alínea d), CPA);
23.ª — Uma dessas “áreas de eleição” poderá ser justamente aquela credenciada pela habilitação constitucional das polícias municipais, nos termos do n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa) da Constituição (“As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”), pois estas são funções próprias das polícias municipais mas que, necessariamente, têm de ser exercidas em “cooperação”, no sentido técnico-jurídico referido, ou seja, uma atuação de caráter paritário, que interdita qualquer relação de supremacia entre as entidades policiais em causa, nomeadamente por parte da PSP, sem embargo da atuação das Polícias Municipais neste domínio, em certo sentido, ser “complementar” daquelas forças de segurança, conforme os expressos termos e limites estabelecidos do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, a saber: “A cooperação (…) exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de atuação próprias (…)” (n.º 3) e “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.” (n.º 4);
24.ª — A “requisição de meios” (scl., de “polícias municipais”), prevista no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, e reiterada no artigo 15.º (Requisição de meios) dos dois contratos interadministrativos em causa, é uma figura jurídica diversa da (i) “requisição civil” (Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro, da (ii) “requisição temporária de bens e serviços” (artigo 24.º da Lei da Lei n.º 27/2006 (Aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de julho, e (iii) da “requisição administrativa [art. 84.º, n.º 1, Lei n.º 168/99 (Aprova o Código das Expropriações), de 18 de setembro];
25.ª — A “requisição de meios” é um “ato administrativo” (“plural”), pois corresponde à definição estipulativa estabelecida na lei procedimental (“decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”), sendo que a competência para a prática do mesmo está legalmente deferida ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, como “competência própria” (art. 6.º, n.º 1), mas enquanto tal pode ser delegada, “em todos os níveis de pessoal dirigente as suas competências próprias”, nos termos do n.º 3 do artigo 21.º (Competência), da LOPSP, observados ainda os demais termos gerais de Direito [v.g., arts. 44.º, n.ºs 1 a 3, e 5, 47.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, alíneas a) e b), e 148.º, CPA];
26.ª — Relativamente ao procedimento, a lei não prevê qualquer prazo, ato, ou formalidade especificamente tendente à formação (ou manifestação) do ato administrativo da “requisição de meios”, o que indicia o caráter desprocedimentalizado, por premente, do mesmo;
27.ª — O pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” é fixado por remissão legal, para as “situações previstas na Lei de Segurança Interna” sendo finalidade do mesmo o “reforço da sua [da PSP] capacidade operacional”, mas a Lei n.º 53/2008 (Aprova a Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto (LSI), todavia, não prevê no respetivo articulado qualquer suposto de “requisição de meios”, pelo que o pressuposto de facto desse ato administrativo remete para a ocorrência de alguma ou algumas das “situações de segurança interna” descritas no n.º 3 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna) daquele diploma legal, que define as finalidades das medidas de polícia de “segurança interna”, a saber: “em especial, a[s de] proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública.” (art. 6.º, n.º 1);
28.ª — Não é, porém, qualquer umas dessas “situações de segurança interna”, por “ligeira, potencial e remota” que seja, que constitui o pressuposto de facto em causa, apenas o será na medida em que ocorra, objetivamente, “perigo grave, atual e iminente” para as mesmas (art. 3.º, n.º 1);
29.ª — O fim legal da “requisição de meios” é o do “reforço da capacidade operacional” da PSP”, no caso para acorrer às referidas situações de “segurança interna”, mas a emissão do ato administrativo em causa deve sempre observância ao princípio da proporcionalidade, ou seja, nomeadamente o mesmo deve ser necessário (não há alternativa viável à requisição do efetivo de “polícias municipais”) e proporcional, em sentido estrito (os benefícios esperados para a segurança interna com o “reforço da capacidade operacional” da PSP superam, objetivamente, os custos infligidos ao bem-estar, tranquilidade pública e proteção da comunidade local em causa) [art. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 7.º, n.º 1, CPA, art. 1.º, n.º 3, LSI, e art. 6.º, n.º 1 e 2];
30.ª — Quanto ao conteúdo típico do ato administrativo de “requisição de meios” deve dispor sobre (i) a determinação do número de agentes requisitados, (ii) o tempo previsível da requisição, e (iii) a informação do presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita (art. 6.º, n.º 2), sendo que pontifica também aqui o princípio da proporcionalidade, no sentido em que o (i) número de agentes requisitados, e o (ii) tempo previsível da requisição devem ser, nomeadamente, os necessários e proporcionais, em sentido estrito, para debelar a situação de urgência;
31.ª — O efeito jurídico externo típico da “requisição de meios”, redunda em produzir, unilateral e imediatamente, como decorre do conceito de “ato administrativo”, a suspensão da comissão de serviço dos “polícias municipais” em causa que, consequentemente, regressam e passam a “ficar[…] na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, situação funcional esta, para a qual os mesmos estão habilitados em virtude do seu “estatuto profissional” de polícias da PSP, que tem caráter transitório (enquanto vigorar a “requisição de meios”) e não determina a ocupação de lugar no quadro de origem da PSP (art. 6.º, n.º 2);
32.ª — Quanto à forma, o ato administrativo de “requisição de meios”, deve ser praticado por escrito, e quanto às menções obrigatórias, além do mais exigido na lei, deve constar, nomeadamente, a fundamentação expressa, através de sucinta exposição das razões de facto e de direito da decisão, de modo claro, congruente e sucinto, pois o ato administrativo de “requisição de meios” consubstancia a suspensão (administrativa) dos atos administrativos de colocação, em comissão de serviço, dos “polícias municipais” em causa [arts. 150.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, alíneas a) a g), e 152.º, n.º 1, alínea e), CPA];
33.ª — Em matéria de “medidas cautelares e de polícia” também rege o “princípio de legalidade da competência”, de modo que a habilitação legal das polícias municipais para o efeito procede, exclusiva e estritamente, dos seguintes artigos da lei quadro: 3.º (Funções de polícia), n.º 3 (“Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativa”) n.º 4 (identificação e revista de suspeitos); 4.º (Competências) n.º 1, alínea e) “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; alínea f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.”;
34.ª — O “regime especial” — e bem entendido, em razão da sua função “executiva”, o RFOPML e o RFOPMP — não contém qualquer habilitação legal “especial” com respeito aos “policiais municipais”, nomeadamente quanto a competências em matéria de “medidas cautelares e de polícia”, antes remete, na íntegra, para a lei-quadro, i.e, em essência, o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia” aplicáveis aos “polícias municipais” é o dos artigos 3.º a 5.º da lei quadro (art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 6.º, n.º 1, RFOPML, e art. 7.º, n.º 1, RFOPMP);
35.ª — Nos termos e com os fundamentos constantes da conclusão 3.ª, supra, são de reiterar, sempre como stare decisis, os fundamentos e conclusões do Parecer n.º 28/2008, deste corpo consultivo, em particular no que diz respeito à doutrina sobre o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia”, ali tratada de modo incisivo, nomeadamente nas conclusões 4.ª a 10.ª, 13.ª e 15.ª;
36.ª — Para os presentes efeitos, importa reiterar que “os agentes das polícias municipais [somente] podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal”, ou seja, os “polícias municipais” nesses casos — embora somente nesses casos, tipificados na lei — têm competência para “deter suspeitos”, mais sendo certo que têm ativamente de providenciar pela “imediata” entrega do detido à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal competentes pata tanto (art. 4.º, n.º 1, alínea e), Lei 19/2004);
37.ª — Havendo, genuína e reiteradamente, dificuldades operacionais na articulação das competências próprias dos “polícias municipais” e da PSP na boa execução desta medida de polícia, a mesma poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, entre as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto e a PSP, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “imediata entrega” do detido, em particular à PSP, bem como a composição de todo o expediente policial envolvido;
38.ª — O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto a eventuais dificuldades operacionais relativamente à “prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do “órgão de polícia criminal competente” pois que esta também poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “chegada da PSP”, bem como a composição de todo o expediente envolvido (art. 4.º, n.º 1, alínea f), Lei n.º 19/2004);
39.ª — A “incompatibilidade legal”, nos usos legislativos e doutrinários nacionais, respeita à tendencial exclusividade do exercício de cargos, empregos ou funções públicas, proibindo assim o titular em causa de os desempenhar simultaneamente com outros cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, tudo em ordem a prevenir conflitos de interesses e a promover a eficiência na prestação do serviço público;
40.ª — Na espécie, porém, não estará em causa uma “incompatibilidade legal”, pois é único e exclusivo o exercício de funções em causa, mas antes a questão de saber se um mesmo “polícia municipal”, de Lisboa ou do Porto, e com respeito ao concreto modo de exercer as mesmas competências funcionais de que está legalmente investido, pode estar sujeito a uma “dupla hierarquia”, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, por uma parte, e da “hierarquia de comando da PSP”, por outra parte, tudo em virtude de manter o seu “estatuto profissional” de “pessoal com funções policiais da PSP”.
41.ª — A resposta a esta questão é, prima facie, de sentido negativo, pois uma “dupla hierarquia”, sobre o mesmo agente e quanto à mesma competência funcional, virtualmente minaria o princípio hierárquico, congenial à estruturação das organizações policiais, na medida em que este tem por função, em particular, assegurar a unidade de direção, preterindo justamente a dualidade de direção da organização em causa (art. 4.º, n.º 1, al. d), EPPFP da PSP);
42.ª — O modelo de organização das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é disposto “hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, mais “estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP”, sendo, naturalmente, decalcado do modelo hierárquico de organização vigente na PSP, pois o efetivo das referidas Polícias Municipais é composto, exclusivamente, por pessoal com funções policiais da PSP (art. 18.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 12.º, n.º 2, RFOPML, art. 12.º, RFOPMP);
43.ª — E também natural que os “polícias municipais” estejam sujeitos às “regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, determinadas pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais”, pois, de contrário, ao serem colocados na PML ou na PMP poderia ocorrer a disrupção da regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, que são estruturantes da função e da carreira policial de origem — e na qual se mantêm, pois se trata de colocação em comissão de serviço, temporária por natureza —, de modo tal que viesse a permitir que na PML ou na PMP, v.g. um polícia de categoria profissional subalterna ficasse investido em cargo de comando sobre um polícia de categoria profissional superior (art. 2.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, e art. 61.º, n.ºs 1 e 2, EPPFP da PSP, com referência ao artigo 62.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do mesmo diploma legal);
44.ª — Aliás, só esta “estruturação hierárquica à semelhança dos comandos distritais da PSP”, com “sujeição dos polícias municipais às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP” é consonante com o ato administrativo de “requisição de meios”, tal como está estruturado na lei, na medida em que apenas assim o efetivo das Polícias Municipais pode transitar imediatamente, em solução de continuidade, para a estrutura hierárquica e o comando operacional do comando metropolitano da PSP de Lisboa ou do Porto (art. 6.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017);
45.ª – Do ponto de vista jurídico-administrativo, a figura jurídica antes referida respeita à ”hierarquia interna”, enquanto estrutura do modelo de organização, ou seja, o que está aqui em causa é a organização hierarquizada da PML ou da PMP (e não já a competência para dirigir essas organizações); diversa é já a figura jurídica da “hierarquia externa”, agora o que está em causa é a competência para dirigir as organizações (enquanto estruturas hierarquizadas), e quanto a essa a lei quadro, o “regime especial”, e os regulamentos de funcionamento e organização, são categóricos ao atribuírem aos presidentes da câmara, exclusivamente, tal competência diretiva: “A polícia municipal é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara” (arts. 6.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, cit., art. 3.º, Decreto–Lei n.º 13/2017, 4.º, n.º 2, RFOPML, e art. 4.º);
46.ª — Por outra parte, nos termos da lei, “A coordenação entre a ação da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município”, donde decorre que apenas o presidente da câmara, não o Diretor Nacional da PSP, está investido de poderes hierárquicos sobre os “polícias municipais”, pois de contrário este último não entraria em “coordenação”, exerceria, sem mais, “poderes de direção” sobre os “polícias municipais” (art. 6.º, n.º 2, Lei n.º 19/2004);
47.ª — E, por último, o “regime especial”, ao prever a “requisição de meios” dos efetivos da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, igualmente corrobora este entendimento, pois só através deste ato administrativo os “polícias municipais” requisitados “ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, ou seja, a contrario sensu se deduz que antes de tal momento não o estavam (art. 6.º, n.º 2);
48.ª — Finalmente, neste contexto pode ser chamada à colação a distinção entre “relação de serviço / relação orgânica”: com efeito, os “polícias municipais”, no que diz respeito aos seus direitos e deveres estatuários, uma vez que estão em comissão de serviço, mantêm uma “relação de serviço” com a PSP, mas no que diz respeito ao exercício das respetivas competências funcionais, estão antes integrados numa “relação orgânica” tendo como contraparte exclusivamente o serviço municipal de polícia, o qual “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”;
49.ª — Quer dizer: quanto à “relação de serviço” — mas apenas quanto a esta — que originariamente os vincula à PSP, os “polícias municipais” devem naturalmente obediência às decisões, legítimas, dos órgãos competentes da PSP (p. ex., a não renovação da comissão de serviço, na PML ou na PMP); mas já quanto à “relação funcional”, enquanto “polícias municipais” e no desempenho das respetivas funções, de polícia administrativa ou de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais, estão exclusivamente na dependência hierárquica dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, e portanto apenas vinculados, em particular, ao respetivo poder de direção, nomeadamente através das respetivas ordens e instruções;
50.ª — Em conclusão, enquanto “polícias municipais”, de Lisboa e do Porto, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, não há “dupla hierarquia”, pois a “relação orgânica” dos mesmos tem como contraparte, única e exclusivamente, o serviço municipal de polícia, o qual, por seu turno, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”, o qual está assim investido dos inerentes poderes, em particular do “poder de direção” sobre os “polícias municipais”, de Lisboa ou do Porto.
Texto Integral
8/2025
Proc.º 29/24
JMRA
Senhora Ministra da Administração Interna,
Excelência:
I
(Relatório)
1. Em 10 de outubro de 2024, deu entrada nos serviços, dirigido à Senhora Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Procurador-Geral da República, o ofício n.º 6419/2024, de 18-10-2024, do Exmo. Chefe do Gabinete de Vossa Excelência, intitulado “Pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República”, remetendo o V/ Despacho de 18 de outubro p.p., epigrafado “Solicitação de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República relativo à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e Lei-Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do Decreto-Lei n.º 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto.” (fls. 1 a 3).
2. Embora tal informação não conste do aludido ofício n.º 6419/2024, em anexo consta mais o seguinte expediente:
a) fotocópia do “Contrato Interadministrativo entre a Polícia de Segurança Pública e a Câmara Municipal do Porto [homologado em 20 de dezembro de 2018]” (5 fls.);
b) fotocópia do “Contrato Interadministrativo entre a Polícia de Segurança Pública e o Município de Lisboa [homologado em 16 de setembro de 2019] (5 fls.);
c) parecer n.º 08/Out24, de 8 de outubro de 2024, da Exma. Auditora Jurídica do Ministério da Administração Interna, sobre: “densificação interpretativa sobre as funções, atribuições e competências em que estão investidos os agentes das polícias municipais de Lisboa e Porto, enquadrados no regime especial do DL nº 13/2017, de 26 de janeiro, por força da Lei-quadro nº 19/2004, de 20 de maio, designadamente, o âmbito da natureza de serviço municipal com funções estritamente de polícia administrativa dos respetivos municípios, habilitada a cooperar complementarmente com as forças de segurança, não dispondo das competências próprias dos órgãos de polícia criminal” (23 fls.).
3. O aludido Despacho de 18 de outubro de 2024, discorre assim: “A atividade das polícias municipais a nível nacional vem assumindo uma importância crescente, face ao crescimento da atividade social e económica das cidades em todas as suas dimensões, que implicam necessariamente responsabilidades acrescidas de fiscalização das matérias da competência dos municípios, no âmbito do policiamento comunitário e da fiscalização, bem como ao nível da mobilidade urbana, da prevenção e segurança rodoviárias, no âmbito do urbanismo, do espaço público e da fiscalização das atividades económicas e outras.
Neste contexto venho, nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada) solicitar a Vossa Excelência se digne determinar a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, relativamente à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto, na sequência da adesão ao parecer emitido pela Senhora Auditora Jurídica junto do MAI, nomeadamente, quanto às seguinte áreas concretas:
1-Âmbito e enquadramento do quadro de cooperação e coordenação operacional das polícias municipais de Lisboa e Porto com a Polícia de Segurança Pública, nos termos do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e suportado nos Regulamentos de Funcionamento e Organização próprios de Lisboa e Porto (Regulamento/Aviso n° 11359/2018, DR, 2ª serie n° 157 de 16 de agosto 2018 e Regulamento n.º 343/2017, Diário da República, 2.ª série, n.º 121 de 26 de junho de 2017) aprovados e publicados, por deliberação das respetivas assembleias municipais, sob proposta dos presidentes de Câmara de Lisboa e Porto, e em contratos interadministrativos, aprovados e celebrados, em 16 de Setembro de 2019 e em 20 de dezembro de 2018, respetivamente, entre os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2-Âmbito e enquadramento da requisição de meios das polícias municipais de Lisboa e Porto para reforço da capacidade operacional da Polícia de Segurança Publica previstos no artigo 6.° do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
3-Âmbito e enquadramento das medidas cautelares de polícia enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
4-Análise e enquadramento de incompatibilidades legais decorrentes da dependência administrativa, funcional e hierárquica ao respetivo Presidente de Câmara de Lisboa e Porto e simultaneamente sujeição às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública (n.º 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro) (…)”.
4. O presente pedido de Parecer foi redistribuído ao ora relator, por despacho de 10 de dezembro de 2024, do Exmo. Senhor Vice Procurador-Geral da República [art. 12.º, Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (RCCPGR)[1]].
Em função da ulterior distribuição ao relator de um processo classificado de “urgente”, que deu lugar ao Parecer n.º 4/25, de 6 de fevereiro de 2025, só depois foi retomada a elaboração desta matéria (art. 16.º, n.º 2, RCCPGR).
5. Como consta da fundamentação do aludido Despacho ministerial, o pedido de Parecer é solicitado “nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada)” (§ 2.º).
É, pois, pedido por um membro do Governo, e emitido nos termos do artigo 44.º (Competência), da alínea a), do Estatuto do Ministério Público[2] (“EMP”), e do artigo 3.º (Competência, alínea a), do RCCPGR, ou seja, é “restrito a matéria de legalidade”.
6. Cumpre, assim, emitir o solicitado parecer nos termos legal e regimentalmente estabelecidos, ou seja, fundamentado e com as pertinentes conclusões, claras e expressas, sobre todas as questões solicitadas na consulta (art. 44.º, alínea a), EMP, e arts. 3.º, alínea a), e 14.º, n.º 3, RCCPGR).
II
(Fundamentação)
a) Âmbito
7. Importa encetar delimitando com precisão o âmbito do pedido de Parecer de Sua Excelência a Senhora Ministra da Administração Interna, ou seja, nas palavras regimentais, “identificando as questões suscitadas” (art. 14.º, n.º 3, RCCPGR).
8. Na fundamentação do Despacho ministerial, consta que o pedido respeita à “emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto (…)”.
Importa assim começar por tratar duas questões prévias, relativas aos critérios de apreciação denotados pelos termos “atualidade” e “conformidade jurídico-administrativa”, considerados do ponto de vista do critério legal e regimental expresso pela cláusula “restrito a matéria de legalidade”, que delimita o âmbito da competência material deste Conselho Consultivo para emissão de Parecer nos termos solicitados pela Exma. entidade consulente, i.e., “nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada)”.
b) Idem: “Restrito a matéria de legalidade”
9. A cláusula “restrito a matéria de legalidade”, estabelecida na hipótese legal da alínea a), do artigo 44.º (Competência), do EMP — e reiterada na hipótese normativa da alínea a), do artigo 3.º do RCCPGR — desempenha duas funções diversas, embora estreitamente conexas, a saber: (i) delimitar a competência, em razão da matéria e (ii) estabelecer o critério do juízo opinativo deste órgão consultivo, para estes efeitos.
10. Como premissa geral, válida para qualquer desses casos, importa preliminarmente frisar que o adjetivo “restrito”, denota insofismavelmente o escopo limitativo da referida cláusula legal, no sentido em que a pronúncia deste corpo consultivo, a este título, está circunscrita ou localizada, estritamente, às “matérias” ou “questões de Direito”.
c) Idem: competência, em razão da matéria
11. Quanto ao aspeto da competência, em razão da matéria, i. e., o tipo de questões sobre as quais pode incidir o juízo opinativo do Parecer, emitido nos termos e para os efeitos da citadas disposições, legal e regimental, a lei — no caso, o EMP — não oferece uma noção de “matéria de legalidade” (ou de “matéria de direito”).
Relativamente ao precedente consultivo, tem reiterado esta expressão de “matéria de legalidade” e o comando nele contido sem, no entanto, aduzir ulteriores considerações sobre o seu alcance.
Por conseguinte, convém ponderar, sumariamente, este tópico.
12. Na interpretação desta expressão “matéria de legalidade”, como prescreve a lei, importa ter em conta, muito particularmente, a “unidade do sistema jurídico” [art. 9.º, n.º 1, Código Civil (CC)[3]].
Por conseguinte, quanto ao que seja “matéria de direito”, há que atentar no “lugar paralelo” do direito processual civil, onde este tópico é, de há muito a esta parte, minuciosamente tratado, na lei, na jurisprudência e na doutrina.
13. A lei, pelo prisma do erro, alude à interpretação, aplicação ou determinação da norma jurídica aplicável [arts. 639.º, n.º 2, alíneas a) a c), e 674.º, n.º 1, alínea a), Código de Processo Civil (CPC)[4]].
14. A jurisprudência suprema, numa formulação sintética e constante, dita: “(…) é certo que matéria de facto e matéria de direito são questões de alguma dificuldade de destrinça e nem sempre é fácil distinguir entre uma e outra, mas é consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Quarta Secção (Social), proc.º n.º 313/09.3YFLSB, de 20 de outubro de 2011, n.º 3)[5].
15. Na doutrina, uma noção já centenária, que mantém toda a atualidade, em virtude do seu rigor analítico, discorre assim: «É evidente que constitui matéria de direito tudo o que se decida e se discuta ou possa discutir no processo àcêrca da existência e validade das normas jurídicas, sua aplicação aos factos, interpretação delas, determinação do seu valor — imperativo, proibitivo, permissivo, supletivo ou interpretativo — e integração das suas lacunas»[6].
16. Em suma, numa fórmula necessariamente inspirada naquelas que ficaram recenseadas, temos que para os presentes efeitos a expressão “matéria de legalidade” tem por referente a “determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos”.
17. Bem entendido, por exclusão de partes, é de evidência afirmar que a apreciação de “matéria de facto” ou de “questões de facto” é estranha ao âmbito de competência material deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, consabidamente “restrito a matéria de legalidade”.
Esta é a doutrina pacífica deste corpo consultivo, a justo título, e que agora novamente se reitera.
Invocamos em abono, por todos, o Parecer n.º 20/2017, de 26 de outubro, nesta passagem: “Sendo certo que em sede de pareceres sobre legalidade existe um dado pacífico, múltiplas vezes reiterado, no sentido de que «não cabe a este corpo consultivo averiguar e fixar matéria de facto» — v.g. pareceres n.º 31/1992, de 25-2-1993, n.º 4/2012, de 19-4-2012 e n.º 38/2011, de 10-10-2013”[7].
18. Em suma, para os presente efeitos é de concluir, quanto à competência, em razão da matéria, deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência) do RCCPGR, que a mesma é “restrita a matéria de legalidade”, ou seja, visto pela positiva, é restrita a responder a questões de Direito, relativas à determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos.
d) Critério de apreciação
19. Quanto ao critério do juízo do Parecer, o mesmo pode ser imediatamente deduzido do facto da competência em causa ser “restrita a matéria de legalidade” ou a “questões de Direito”.
20. Na verdade, porque se trata de apreciar questões de determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos, o critério respetivo, por definição, terá de ser normativo, isto é, baseado em “normas jurídicas”, entendidas como “disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes” (art. 1.º, n.º 1, CC).
Noutra formulação legal, mais precisa — embora adaptada aos presentes efeitos, de modo a congregar a lei substantiva e a lei processual — “consideram-se como lei as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.” (art. 674.º, n.º 2, CPC).
21. Assim sendo, estão excluídos, como padrão do juízo opinativo do Parecer, os critérios não normativos, como sejam aqueles baseados na “equidade” (art. 4.º, CC), ou na “conveniência ou oportunidade” (“mérito”, hoc sensu).
Como nota JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, «uma solução generalizadora é necessariamente uma solução normativa. Tem a escudá-la a justiça legal, se assim podemos dizer: todos serão igualmente tratados pela lei», frisando o ilustre A., mais adiante: «quando o critério é dado pela pura equidade, (…) não há então norma para a decisão do caso» e, bem assim, «A atribuição de um poder discricionário a um ente público também origina soluções não normativas»[8].
No mesmo sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA explica: «Um caso com relevância jurídica pode ser resolvido através de critérios normativos ou não normativos. Os critérios normativos baseiam-se em leis e abstractas e gerais e assentam num princípio de universalização: todos os casos semelhantes devem ser decididos do mesmo modo” e, mais adiante, identificando os valores fundamentais em causa, refere que «A utilização de um critério normativo privilegia a confiança em detrimento da justiça, dado que o recurso a uma lei abstracta e geral torna previsível a solução do caso concreto» e, mais, «a discricionariedade atribui ao órgão decisório a possibilidade de decidir segundo o que for mais conveniente e oportuno para a prossecução de um determinado interesse (…) A equidade (em grego, epieikeia e, em latim, aequitas) é a justiça do caso concreto»[9].
De um ponto de vista diverso, pois combina, numa formulação sintética, o objeto e o critério do juízo opinativo, RUI SOARES PEREIRA / INÊS SÍTMA CRAVEIRO, propugnam «(…) que o Conselho Consultivo da PGR não tem poderes de pronúncia (tão pouco poderes instrutórios) sobre matéria de facto, de simples oportunidade ou de mérito»[10].
22. Em suma, é de concluir, quanto ao critério do juízo opinativo do Parecer emitido nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência) do RCCPGR, que o mesmo, pela natureza das coisas, é de “legalidade”, portanto um critério normativo baseado em “normas jurídicas”, entendidas como princípios (expressos ou implícitos) ou regras jurídicas, concretamente “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum” e, bem assim, “os princípios e as disposições genéricas, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais os usos (nos termos previstos na lei)” (art. 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, CC, e art. 674.º, n.º 2, CPC), excluindo, consequentemente, os critérios não normativos, nomeadamente a equidade e oportunidade ou conveniência (“mérito, hoc sensu) [v.g., arts. 988.º, n.º 2, CPC, e 3.º, n.º 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)[11]].
23. Importa agora aplicar os princípios que ficaram expostos à apreciação dos dois critérios de apreciação invocados na fundamentação do pedido de consulta (“atualidade” e “conformidade jurídico-administrativa”).
e) Idem: “atualidade”
24. Como ficou exposto, na fundamentação do Despacho ministerial, por uma parte, vem solicitada a “emissão de parecer deste Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à atualidade do regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei-quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho)”.
O sentido do termo “atualidade” não vem expressamente concretizado, mas pode ser definido em função do teor do introito do Despacho ministerial: por força do decurso do tempo, houve mutação das circunstâncias sociais e económicas das cidades – scl., nomeadamente de Lisboa e do Porto – que, assim, implicam “responsabilidades acrescidas de fiscalização das matérias da competência dos municípios”, em particular quanto à “mobilidade urbana, prevenção e segurança rodoviárias, urbanismo, espaço público e fiscalização das atividades económicas”.
25. Para usar linguagem figurada, a questão suscitada pelo termo “atualidade” em causa redunda em ajuizar se o regime jurídico ou certas disposições constantes daqueles dois diplomas legais “estão à altura dos tempos”.
Por conseguinte, na medida em que assim é sugerida a eventual oportunidade da modernização e reforma — aggiornamento — daqueles dois diplomas legislativos, em particular do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, vem então submetida a consulta uma questão de política legislativa ou legiferação.
É o que, de modo agudo, elucida a melhor doutrina: «A ordem jurídica é ilimitadamente aperfeiçoável. Basta o simples evoluir das circunstâncias para obrigar dia a dia a rever as soluções alcançadas. A Política do Direito, ou Política Legislativa, estuda as formas de melhorar essa ordem jurídica através da legiferação. Em si, é um mero aspecto da política, como arte do bem comum” (…)»[12] (itálicos nossos).
26. A questão de ajuizar da “atualidade” dos diplomas legislativos em causa respeita, portanto, a matéria de “política legislativa” ou de “legiferação”, que é da exclusiva competência e responsabilidade do legislador, cabendo a ele apenas resolver, segundo critérios de oportunidade ou conveniência, e de harmonia com “liberdade de conformação” de que está investido, se é ou não de empreender a modernização e reforma legislativa em causa.
Ou seja, esta matéria não é de “legalidade”, norteada por critérios normativos, mas antes de “atualidade”, i.e., é matéria de “política legislativa” ou de “legiferação”, norteada por critérios de oportunidade ou conveniência, e cometida à responsabilidade exclusiva do legislador, no exercício da sua inerente “liberdade constitutiva”.
27. Em suma, na conceituação da melhor doutrina, o Parecer de “matéria de legalidade”, emitido nos termos e para os efeitos agora em causa, configura um “parecer de técnica jurídica” e não um “parecer de oportunidade”.
Concretamente, explica a melhor doutrina, o “parecer de técnica jurídica”, «(…) formula diretamente uma opinião técnica em ligação com a competência de quem o emite. Essa opinião elucida, dá segurança, tem vocação de ser exata (…) pertence a um domínio particular, especializado de atividade ou de conhecimento, que respeita aos mecanismos necessários à ação, à decisão», tendo por objeto “questões de direito”. Já o “parecer de oportunidade” incide «diretamente sobre a oportunidade da decisão, quando quem é responsável pela decisão dispunha já de todos os elementos de apreciação» necessários para uma decisão informada[13].
28. Exemplifiquemos, com uma classe de questões que, embora não venham expressamente formuladas, podem ser induzidas, razoavelmente, do texto e do contexto do pedido de consulta.
Assim, perguntas vinculadas à cláusula “convém e é oportuno” abrogar o “regime especial”, constante do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro? Ou convém e é oportuno apenas derrogar certas das suas disposições ? Ou, ao invés, convém e é oportuno generalizar tal “regime especial” a todas ou certas cidades do país? Convém e é oportuno investir as autoridades ou agentes de polícia municipal no estatuto de “órgãos de polícia criminal” ? Se sim, apenas as de “regime especial” ou um leque mais amplo?
A resposta para estas e outras perguntas de teor similar, está bem de ver, é da exclusiva competência do legislador, através da legiferação, no exercício da sua “liberdade constitutiva“, à luz de juízos de conveniência ou oportunidade (rectius, de “política legislativa”), não já de juízos de “legalidade estrita”.
Isto, bem entendido, sempre no quadro geral da observância devida pelo legislador aos vínculos constitucionais, i. e., às competências, imposições legiferantes, valores, princípios (nomeadamente da igualdade e da proporcionalidade), tarefas e programas constitucionais que enquadram o seu poder legislativo, em particular neste domínio (v.g., arts. 13.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea aa), e 237.º, n.º 3, Constituição).
29. Finalmente, hic et nunc, não está em causa a competência prevista na alínea f), do artigo 44.º (Competência), do EMP, reiterada na alínea f), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, com o seguinte teor: “Informar o membro do Governo responsável pela área da justiça, através do Procurador-Geral da República, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais, propondo as devidas alterações.”.
Sobretudo porque tal “informação” respeita não a juízos de política legislativa, mas, antes, à “correção do Direito incorreto”, segundo juízos de técnica legislativa. KARL ENGISCH alude aqui, incisivamente, «a uma das faces do princípio da unidade [do ordenamento jurídico]» que «é justamente o postulado da exclusão das contradições no seio da ordem jurídica. As contradições apresentam-se como erros ou incorreções no seio da ordem jurídica» e mais adiante refere, em particular as «1) Contradições de técnica legislativa. Estas consistem, na verdade, numa falta de uniformidade da terminologia adoptada pela lei»[14].
30. Tudo ponderado, concluímos que a invocada questão de “atualidade” respeita ao domínio da “política legislativa”, sendo norteada por critérios de oportunidade ou conveniência, e da responsabilidade do legislador, agindo com a sua congenial “liberdade constitutiva”.
Sendo assim, nada mais será necessário aduzir para concluir que não cabe a este corpo consultivo emitir pronúncia sobre tal questão, pois a mesma é estranha à competência material prevista na alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e na alínea a), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, “restrita a matéria de legalidade”, com base na qual, justamente, foi solicitado o presente pedido de Parecer.
f) Idem: “conformidade jurídico-administrativa”
31. Finalmente, ainda na fundamentação do Despacho ministerial, vem solicitada a emissão de parecer deste Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à “conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/20)”.
32. Ora, por uma parte, não é claro, no plano sintático e semântico, o sentido da expressão “conformidade jurídico-administrativa previsto, etc.”.
Por outra parte, o sentido jurídico de “conformidade” pressupõe uma comparação entre dois atos jurídicos, sendo um o critério de validade do outro, tipicamente em função do seu grau hierárquico superior. No caso, invocada que está a “conformidade jurídico-administrativa”, tal critério de validade estaria consubstanciado em normas jurídicas da função administrativa (“normas regulamentares”).
Na verdade, porém, nenhuma das questões submetidas na consulta respeita, especificamente, à “conformidade” com normas jurídicas da função administrativa (“normas regulamentares”), mas apenas a questões atinentes, sobretudo, a normas jurídicas da função legislativa (“lei quadro” e “regime especial”) pelo que, em conclusão, tal matéria de “conformidade jurídico-administrativa” não é passível de ser apreciada neste parecer.
g) Razão de ordem
33. Fechadas estas duas questões prévias, importa agora responder às dúvidas, em essência interpretativas, sobre os regimes e normas jurídicas (legais e regulamentares) em causa, formuladas em relação a todas e cada uma das quatro questões submetidas a consulta.
34. Antes, porém, a título de enquadramento do subsequente discurso, por uma parte importa recordar — e reiterar — a doutrina deste Conselho Consultivo que versou sobre a interpretação da Lei n.º 19/2004 (Revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais), de 20 de maio (“lei quadro”)[15], em geral, e em particular quanto a certos pontos homólogos aos que agora constituem objeto da presente consulta.
35. E, depois, convém expor os quadros legislativos basilares em ordem a elucidar o que é (polícia administrativa, em sentido funcional e organizatório), e o que não é (força de segurança e órgão de polícia criminal) a polícia municipal, em geral, e em particular as de Lisboa e do Porto, pois estes temas constituem o substrato necessário para responder, fundamentadamente, às quatro questões formuladas na consulta.
h) Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio
36. Com efeito, importa encetar dando nota de que o tema agora em apreço — em essência, as funções, atribuições e competências das “polícias municipais”, em particular no domínio da prevenção e investigação criminal — não é matéria inédita no labor deste Conselho Consultivo.
Bem pelo contrário, sobre questões similares àquelas agora em apreciação já foi firmada doutrina no parecer em epígrafe identificado[16].
As conclusões do mesmo, recordemos, são as seguintes:
“1.ª – As polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município;
2.ª – As polícias municipais exercem funções que se inserem nas atribuições dos municípios, actuando prioritariamente na fiscalização do cumprimento quer das normas regulamentares municipais, quer das normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja cometida ao município e ainda na aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004);
3.ª – Nos termos do artigo 237, n.º 3, da Constituição da República, as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, exercendo, em cooperação com as forças de segurança, funções de segurança pública nos domínios contemplados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004;
4.ª – As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 19/2004;
5.ª – A identificação e revista de suspeitos, medidas cautelares de polícia previstas no artigo 3.º, n.º 3 [rectius, n.º 4], da Lei n.º 19/2004, podem ser adoptadas pelos órgãos de polícia municipal unicamente em situação de flagrante delito;
6.ª – Os órgãos de polícia municipal podem proceder à revista de segurança no momento da detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, desde que existam razões para crer que as pessoas visadas ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência – artigos 251.º, n.º 1, alínea b), e 174.º, n.º 5, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP);
7.ª – Os agentes de polícia municipal podem exigir a identificação dos infractores quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes (artigos 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, e 49.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro;
8.ª – O não acatamento dessa ordem pode integrar a prática do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, e 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
9.ª – As polícias municipais, no exercício das suas competências de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária [artigos 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004, e 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], podem exigir aos agentes das contra-ordenações que verifiquem a respectiva identificação, podendo a sua recusa implicar o cometimento de um crime de desobediência, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada e das disposições legais citadas na conclusão anterior;
10.ª – O infractor que tenha recusado identificar-se pode ser detido em caso de flagrante delito pelo agente de polícia municipal para ser apresentado ao Ministério Público e, eventualmente, ser submetido a julgamento sob a forma de processo sumário, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004;
11.ª – Os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal;
12.ª – Não sendo as polícias municipais órgãos de polícia criminal, está vedado aos respectivos agentes a competência para a constituição de arguido, a não ser nos inquéritos penais que podem desenvolver, conforme disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004;
13.ª – De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP, os órgãos de polícia municipal devem, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, competindo-lhes, nomeadamente, proceder à apreensão dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova (artigo 178.º, n.º 1, do CPP);
14.ª – Os agentes de polícia municipal, relativamente às infracções às normas regulamentares cuja fiscalização lhes está cometida, que revistam natureza de contra-ordenações, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, podem ordenar a apreensão dos objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tais ilícitos, ou que por eles foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova;
15.ª – O regime jurídico quanto às atribuições e competências das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é o que se encontra definido pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio.”.
37. Mais sendo certo que “(Este parecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Administração Interna, em 23 de Junho de 2008)” [loc. cit., p. 35875].
Assim, nos termos da lei, homologado que foi pela Exma. entidade consulente, versando sobre disposições de ordem genérica e tendo sido publicado na 2.ª série do Diário da República, ficou assim revestido de valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer (art. 43.º, n.º 1, EMP[17], e hoje, art. 50.º, n.º 1, EMP).
38. Ou seja, sobre questões similares àquelas agora em apreciação já anteriormente emitiu pronúncia o Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio, deste Conselho Consultivo.
Assim, em virtude dessa homologação, que o revestiu do valor jurídico de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava esclarecer e, não menos importante, porque as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade, pois não houve alterações de monta no quadro legislativo relevante, importa ora reiterar, como stare decisis, os fundamentos e as conclusões respetivas — sendo que a solução jurídica das dúvidas agora submetidas a consulta, em medida não despicienda, pode ser, expressa ou tacitamente (embora de modo inteligível), deduzida das rationes decidendi deste Parecer, como melhor discriminaremos (infra, n.º130).
39. Importa finalmente referir que a informação constante do já identificado parecer n.º 08/Out24, da Exma. Auditora Jurídica do Ministério da Administração Interna, contém profusa informação, de real interesse para os presentes efeitos, e o respetivo sentido de fundo é convergente com aquele perfilhado, subsequentemente, no presente Parecer.
i) Polícia Municipal: quadro normativo
40. Convém começar por recensear os preceitos normativos, constitucionais e legais, mais relevantes para tratar o ponto em epígrafe, em ordem a caraterizar, positivamente, o que é (organicamente) e o que faz (funcionalmente) a polícia municipal, em particular as de Lisboa e do Porto (“PML” e “PMP”).
41. Assim, quanto à lei constitucional, a Parte III (Organização do poder político), Título VIII (Poder local), Capítulo I (Princípios gerais), da Constituição, integra o seguinte preceito:
“Artigo 237.º
Descentralização administrativa
1. As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.
2. Compete à assembleia da autarquia local o exercício dos poderes atribuídos pela lei, incluindo aprovar as opções do plano e o orçamento.
3. As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”
42. Importa referir que o aludido n.º 3, foi aditado à redação deste preceito constitucional por virtude do artigo 160.º da Lei Constitucional n.º 1/97 (IV Revisão Constitucional), de 20 de setembro, a saber:
“Artigo 160.º
1 - O artigo 239.º da Constituição passa a artigo 237.º
2 - A epígrafe do mesmo artigo é substituída por '(Descentralização administrativa)'.
3 - É aditado ao mesmo artigo um novo n.º 2, com a seguinte redacção:
'2. Compete à assembleia da autarquia local o exercício dos poderes atribuídos pela lei, incluindo aprovar as opções do plano e o orçamento.'
4 - É aditado ao mesmo artigo um novo n.º 3, com a seguinte redacção:
'3. As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.”
43. Já no subsequente, e diverso, título IX (Administração Pública) do texto da lei fundamental, consta o seguinte preceito:
Artigo 272.º
Polícia
“1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.”.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.”
44. Quanto às leis, convém começar por considerar a citada lei quadro, Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, nomeadamente os seguintes preceitos:
“CAPÍTULO I
Das atribuições dos municípios
Artigo 1.º
Natureza e âmbito
1- As polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na presente lei.
2-As polícias municipais têm âmbito municipal e não são susceptíveis de gestão associada ou federada.
CAPÍTULO II
Das polícias municipais
Artigo 2.º
Atribuições
1-No exercício de funções de polícia administrativa, é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos.
2- As polícias municipais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
3- A cooperação referida no número anterior exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados.
4-As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.
Artigo 3.º
Funções de polícia
1-As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, prioritariamente nos seguintes domínios:
a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município;
c) Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.
2- As polícias municipais exercem, ainda, funções nos seguintes domínios:
a) Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança;
b) Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança;
c) Intervenção em programas destinados à acção das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos;
d) Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade;
e) Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
3- Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.
4- Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.os 1 e 2, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente.
5- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
Artigo 4.º
Competências
1- As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de:
a) Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
c) Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais;
d) Adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º;
h) Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
i) Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência;
j) Acções de polícia ambiental;
l) Acções de polícia mortuária;
m) Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.
2 - As polícias municipais, por determinação da câmara municipal, promovem, por si ou em colaboração com outras entidades, acções de sensibilização e divulgação de matérias de relevante interesse social no concelho, em especial nos domínios da protecção do ambiente e da utilização dos espaços públicos, e cooperam com outras entidades, nomeadamente as forças de segurança, na prevenção e segurança rodoviária.
3 - As polícias municipais procedem ainda à execução de comunicações, notificações e pedidos de averiguações por ordem das autoridades judiciárias e de outras tarefas locais de natureza administrativa, mediante protocolo do Governo com o município.
4 - As polícias municipais integram, em situação de crise ou de calamidade pública, os serviços municipais de protecção civil.
Artigo 5.º
Competência territorial
1 - A competência territorial das polícias municipais coincide com a área do município.
2 - Os agentes de polícia municipal não podem actuar fora do território do respectivo município, excepto em situações de flagrante delito ou em emergência de socorro, mediante solicitação da autoridade municipal competente.
Artigo 6.º
Dependência orgânica e coordenação
1 - A polícia municipal actua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara.
2 - A coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.
3 - A aplicação da presente lei não prejudica o exercício de quaisquer competências das forças de segurança.
Artigo 7.º
Designação e distintivo
1 - As polícias municipais designam-se pela expressão «Polícia Municipal», seguida do nome do município.
2 - O modelo de uniforme do pessoal das polícias municipais é único para todo o território nacional e deverá ser concebido de molde a permitir identificar com facilidade os agentes de polícia municipal, distinguindo-os, simultaneamente, dos agentes das forças de segurança.
3 - Os distintivos heráldicos e gráficos próprios de cada polícia municipal, a exibir nos uniformes e nas viaturas, deverão permitir a fácil identificação do município a que dizem respeito e distingui-los dos utilizados pelas forças de segurança.
4 - Os modelos de uniforme e distintivos heráldicos e gráficos a que aludem os números anteriores são aprovados por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e das autarquias locais.
Artigo 8.º
Efectivos
O efectivo das polícias municipais é objecto de regulamentação por decreto-lei, tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respectivo município.
(….)
Artigo 10.º
Tutela administrativa
1 - A verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos por parte dos municípios, em matéria de organização e funcionamento das respectivas polícias municipais, compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.
2 - Sem prejuízo dos poderes de tutela previstos na lei geral sobre as autarquias locais, compete ao membro do Governo responsável pela administração interna, por iniciativa própria ou mediante proposta do membro do Governo responsável pelas autarquias locais, determinar a investigação de factos indiciadores de violação grave de direitos, liberdades e garantias de cidadãos praticados pelo pessoal das polícias municipais no exercício das suas funções policiais.
Artigo 11.º
Criação
1 - A criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.
2 - A deliberação a que se refere o número anterior formaliza-se pela aprovação do regulamento da polícia municipal e do respectivo quadro de pessoal.
3 - A eficácia da deliberação a que se referem os números anteriores depende de ratificação por resolução do Conselho de Ministros.
(…)
CAPÍTULO III
Dos agentes de polícia municipal
Artigo 14.º
Poderes de autoridade
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente de polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência.
2-Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.
Artigo 16.º
Meios coercivos
1- Os agentes de polícia municipal só podem utilizar os meios coercivos previstos na lei que tenham sido superiormente colocados à sua disposição, na estrita medida das necessidades decorrentes do exercício das suas funções, da sua legítima defesa ou de terceiros.
2- Quando o interesse público determine a indispensabilidade do uso de meios coercivos não autorizados ou não disponíveis para a polícia municipal, os agentes devem solicitar a intervenção das forças de segurança territorialmente competentes.
3- O recurso a arma de fogo é regulado por lei.
(…)
Artigo 19.º
Estatuto
1- Os agentes das polícias municipais estão sujeitos ao regime geral dos funcionários da administração local, com as adaptações adequadas às especificidades decorrentes das suas funções e a um estatuto disciplinar próprio, nos termos definidos em decreto-lei.
2- As denominações das categorias que integrarem a carreira dos agentes de polícia municipal não podem, em caso algum, ser iguais ou semelhantes às adoptadas pelas forças de segurança.
(…)
Artigo 21.º
Regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e Porto
O regime das Polícias Municipais de Lisboa e Porto é objecto de regras especiais a aprovar em decreto-lei.
(…)”.
45. Quanto ao último preceito legal referido, importa justamente considerar o Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro (doravante, “Regime especial”)[18], que merecerá atenção particular.
46. Da exposição de motivos desse diploma legal, consta que “As polícias municipais dos municípios de Lisboa e Porto, criadas em 1891 e 1938, respetivamente, têm um estatuto próprio, diferente das demais polícias municipais. A sua principal missão é contribuir para a qualidade de vida dos cidadãos, fiscalizando o cumprimento das leis e regulamentos nas áreas da sua competência, cooperando com as Forças e Serviços de Segurança na manutenção da ordem e tranquilidade públicas das comunidades que servem e regulando e fiscalizando o trânsito, melhorando a circulação de veículos nas vias públicas dos respetivos municípios. As polícias municipais dos municípios de Lisboa e Porto são constituídas por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, sujeito ao estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, devendo o seu recrutamento obedecer ao disposto no artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro. (…)”.
47. Do articulado deste diploma legal, respigamos os seguintes preceitos:
“CAPÍTULO I
(Natureza, composição e atribuições)
(…)
Artigo 2.º
Natureza e composição)
1 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais, com as especificidades do presente decreto-lei.
2 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados polícias municipais.
3 - Os polícias municipais de Lisboa e do Porto mantêm o estatuto profissional de polícia da Polícia de Segurança Pública, a sujeição ao regulamento disciplinar e de avaliação, regem-se pelo Código Deontológico e pelo regime de continências e honras policiais da Polícia de Segurança Pública.
4 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto estão organizadas hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública.
Artigo 3.º
Dependência)
As polícias municipais de Lisboa e do Porto são organizadas na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.
Artigo 4.º (
Atribuições e competências)
1 - As atribuições, funções e competências das polícias municipais de Lisboa e do Porto são as decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, bem como as demais previstas na lei.
2 - Às polícias municipais de Lisboa e do Porto compete a regulação e fiscalização do trânsito nas vias públicas sob jurisdição do município, bem como o exercício das demais competências legais nos respetivos municípios.
Artigo 5.º
Cooperação
1 - A cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e do Porto e a Polícia de Segurança Pública é assegurada, respetivamente, pelo Presidente de Câmara Municipal e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2 - O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas:
a) Formação;
b) Partilha de informação relevante para o desempenho das respetivas funções;
c) Tecnologias e sistemas de monitorização rodoviária;
d) Prevenção e segurança rodoviária;
e) Proteção do ambiente;
f) Programas de interesse social;
g) Fiscalização de normas e regulamentos;
h) Eventos de natureza social, cultural, desportiva e outras;
i) Regulação e fiscalização de trânsito.
3 - A cooperação referida nos números anteriores é definida por contrato interadministrativo a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto.
Artigo 6.º
Requisição de meios
1 - Nas situações previstas na Lei de Segurança Interna e sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública pode requisitar, para reforço da sua capacidade operacional, efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto.
2 - Nos casos previstos no número anterior, os polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente.
3 - No ato de requisição, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública determina o número de agentes requisitados e o tempo previsível da requisição, informando o presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita.
(…)
CAPÍTULO II (Direitos e deveres dos polícias municipais de Lisboa e do Porto)
Artigo 9.º
Princípio geral
Os polícias a exercer funções nas polícias municipais de Lisboa e do Porto estão sujeitos aos deveres e gozam dos direitos previstos estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
Artigo 10.º
Recrutamento
1 - O recrutamento para as polícias municipais de Lisboa e Porto é realizado nos termos e condições previstos no n.º 3 do artigo 97.º e do artigo 107.º do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro.
2 - O Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública estabelece, por despacho, as condições e os critérios a que deve obedecer o recrutamento de polícias a integrar nas polícias municipais de Lisboa e do Porto.
Artigo 11.º
Efetivo
1 - O mapa dos efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado, sob proposta do respetivo Presidente da Câmara, pelo membro do Governo responsável pela área da administração interna, após parecer obrigatório do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2 - Sempre que o mapa dos efetivos das polícias municipais aprovado não se encontrar totalmente preenchido, o Presidente da Câmara propõe ao membro do Governo responsável pela área da administração interna, a abertura de procedimento com vista ao respetivo provimento, nos termos do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
3 - Os custos de formação correspondentes ao provimento dos postos de trabalho autorizados são suportados pela respetiva Câmara Municipal, nos termos a definir por contrato interadministrativo.
(…)
Artigo 15.º
Equiparação
1 - Sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto são equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal.
2 – (…).
(…)
CAPÍTULO IV
Organização
Artigo 18.º
Estrutura
1 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são um serviço da respetiva câmara municipal, equiparadas a direção municipal.
2 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto compreendem o comando, os serviços e as subunidades, estruturadas hierarquicamente à semelhança dos comandos distritais da Polícia de Segurança Pública.
3 - O regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado pelas respetivas assembleias municipais, sob proposta do Presidente de Câmara.
(…).”
48. Há ainda que considerar o “Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal de Lisboa” (RFOPML)[19], nomeadamente os seus artigos 4.º (Natureza), n.ºs 1 e 4, 5.º (Composição), n.º 1, 6.º (Atribuições, competências e funções), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a h), 7.º (Princípio geral), n.º 2, 8.º (Recrutamento), n.ºs 1 a 3, 12.º (Estrutura), n.ºs 1 e 2, 13.º (Cargos dirigentes), n.ºs 1 e 2, e o “Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal do Porto (RFOPMP)[20], nomeadamente os seus artigos 4.º (Natureza), 5.º (Composição), n.º 1, 6.º (Atribuições), n.ºs 1 a 3, 7.º (Competências), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a g), 12.º (Organização) e 13.º (Unidades Orgânicas), alínea A), pois não contendo disposições (substancialmente) inovatórias, em virtude do respetivo caráter “executivo”, por razões de economia expositiva aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
49. Posto isto, importa agora deixar claro, pela positiva, o que fazem e o que são as polícias municipais, e, pela negativa, o que as mesmas não são.
j) Polícias municipais: o que fazem (sentido funcional: “polícia administrativa”)
50. Quanto ao texto da lei constitucional, o n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa), estabelece como funções da polícia municipal, expressis verbis, unicamente as de “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”.
Todavia, a locução “polícia municipal” que consta do texto desse preceito constitucional, ao fazer uso do adjetivo “municipal”, denota, implicitamente, que essa atividade é de “polícia administrativa”.
O sistema da lei constitucional, ao colocar tal preceito no título VIII, epigrafado “Poder Local”, e em normativo intitulado “Descentralização administrativa”, dispondo sobre matéria das atribuições e competências das autarquias locais, corrobora tal sentido, ou seja, que a função das “polícias municipais” é uma atividade de “polícia administrativa”.
Por outra parte, neste exato sentido, os trabalhos preparatórios da lei quadro vigente discorrem assim: “A alteração fundamental que esta revisão constitucional [IV Revisão Constitucional] veio introduzir está, pois, na possibilidade expressa da criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios. Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios. Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de polícia próprios a quem, para além das competências ordinárias de polícia administrativa, a Constituição atribuiu competências para, em cooperação com as forças de segurança, actuar no âmbito da segurança interna” (“Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”, Diário da Assembleia da República (DAR), II Série-A – Número 28, 15 de janeiro de 2004, pp. 1609 e 1610, itálicos nossos).
51. Há também que considerar, neste contexto, a norma constitucional de “função” (ou de “atribuição”), que vale como como regra geral, e dispõe: ”A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.” (art. 272.º, n.º 1).
52. Quanto às leis e regulamentos, estabelecem, expressa e enfaticamente, que a polícia municipal está “especialmente vocacionada para o exercício de funções de polícia administrativa”, bem entendido, no âmbito municipal (art. 1.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, cit., e art. 2.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017).
53. Finalmente, numa expressiva síntese interpretativa, escreve a melhor doutrina: «As polícias municipais têm, essencialmente, funções de (ï) fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e das leis cuja aplicação ou fiscalização caiba aos municípios [por exemplo, a legislação do urbanismo e da construção, protecção da natureza, segurança de elevadores, etc. - cfr. artigos 3.°, n.º 1, alínea b), e 4.°, alínea a)]; e de (ii) execução das decisões dos órgãos municipais (artigo 3.°, n.º 1, alínea c]. Complementarmente, desempenham funções de (iii) vigilância de espaços públicos ou abertos ao público e nos transportes urbanos locais; de (iv) guarda de edifícios e equipamentos municipais; e de (v) regulação e fiscalização do trânsito na área de jurisdição municipal (artigo 3.°, n.ºs 1 e 2).». E estas são, tipicamente, funções de “polícia administrativa” (geral), na medida em que esta modalidade da atividade policial, na conceituação do A., se consubstancia justamente em «(…) garantir a segurança de pessoas e bens, a ordem pública, e os direitos dos cidadãos (polícia administrativa geral ou de segurança pública) (…)»[21].
Mais analiticamente, “polícia administrativa”, em sentido funcional é a «actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica».[22]
No mesmo sentido, com particular interesse para o nosso caso, em virtude de estar na decorrência de uma análise minuciosa do elenco de atribuições (artigo 2.º), funções (artigo 3.º) e competências (artigo 4.º) da lei quadro, CATARINA SARMENTO E CASTRO conclui, com bom fundamento, segundo nós, que «Em resumo, excluídas as funções de polícia judiciária, a polícia municipal exerce funções gerais de polícia administrativa, assim como funções de segurança no aspecto restritivo de protecção das populações e tranquilidade pública, afastando-se a prevenção criminal. Exceptuam-se ainda as restantes tarefas de segurança interna»[23] (itálicos nossos).
54. Em conclusão, a atividade de “polícia municipal”, nos termos constitucionais, legais e regulamentares vigentes, na medida em que tem por função, primordialmente, a defesa da legalidade democrática e a garantia dos direitos dos cidadãos, em particular:
(i) fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e das leis cuja aplicação ou fiscalização caiba aos municípios;
(ii) execução das decisões dos órgãos municipais;
iii) vigilância de espaços públicos ou abertos ao público e nos transportes urbanos locais;
(iv) guarda de edifícios e equipamentos municipais, é assim de caraterizar como “polícia administrativa”, em sentido funcional (arts. 237.º, n.º 3, e 272.º, n.º 1, Constituição, arts. 2.º, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004, art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, 4.º, n.º 1, 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, arts. 4.º, 6.º, nºs 1 a 3, e 7.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a g), RFOPMP).
k) Idem: o que são (sentido organizatório: “serviços administrativos”)
55. Relativamente à estrutura organizatória da polícia municipal, os trabalhos preparatórios, bem como o sistema e a letra das leis e dos regulamentos, concorrem no sentido da criação de um “serviço municipal”.
56. Com efeito, o sistema da lei constitucional, ao localizar o preceito do n.º 3 do artigo 237.º no Título VIII, epigrafado “Poder Local” e em normativo intitulado “Descentralização administrativa”, dispondo sobre matéria das atribuições e competências das autarquias locais autoriza que a lei venha a organizar a polícia municipal como “serviço municipal”.
57. Por outra parte, os trabalhos preparatórios da lei quadro vigente, discorrem no mesmo sentido, como resulta desta passagem já transcrita: “A alteração fundamental que esta revisão constitucional [IV Revisão Constitucional] veio introduzir está, pois, na possibilidade expressa da criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios (…)” (DAR, II Série-A – Número 28, 15 de janeiro de 2004, pp. 1609 e 1610).
58. E a lei quadro, em conformidade, é taxativa a instituir um “serviço municipal”, o qual “atua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizado na dependência do presidente da câmara municipal” (art. 6.º, n.º 1).
No mesmo sentido, do caráter municipalizado deste serviço de polícia, concorrem, de modo particularmente expressivo, as disposições que regem quanto ao modo de criação (“compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.”), de fixação das competências e sua área de exercício (Das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa, a enumeração das respetivas competências e a área do território do município em que as exercem.”) e ainda da determinação do efetivo (“tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respetivo município”), das polícias municipais (arts. 11.º, n.º 1, 12.º, n.º 1, e 8.º).
59. Mais especificamente, quanto ao caráter municipalizado das unidades de regime especial, são “serviços municipais”, “organizados na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara” (art. 2.º, n.º 1, e 3.º) e, ainda mais concretamente “As polícias municipais de Lisboa e do Porto são um serviço da respetiva câmara municipal, equiparadas a direção municipal”, o seu efetivo é de “polícias municipais” e, “sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto” os mesmos são “equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal” e, finalmente, “O regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado pelas respetivas assembleias municipais, sob proposta do Presidente de Câmara.” (art. 18.º, n.ºs 1 e 3), pelo que são de caraterizar como polícia administrativa, em sentido organizatório.
60. Quanto aos regulamentos, bem entendido, como “normas de execução”, afinam pelo mesmo diapasão, ao atribuírem às Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, invariavelmente, a “natureza de serviço municipal”, organizado como “departamento municipal”, na “dependência hierárquica” do respetivo Presidente da Câmara Municipal, sendo que os “cargos de Comandante e de 2.º Comandante da Polícia Municipal são equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal” (arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, 12.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, RFOPML, arts. 4.º, 6.º, n.º 1, e 12.º, e 13.º A), RFOPMP).
61. Atento este quadro, constitucional, legal e regulamentar, concluímos que as polícias municipais, em particular as de Lisboa e do Porto, são polícia em sentido organizatório, ou seja, na definição da melhor doutrina, constituem um “(…) serviço administrativo que, nos termos da lei, te[m] como tarefa exclusiva ou predominante o exercício de uma atividade policial”[24].
l) Idem: o que não são (“órgãos de polícia criminal”)
62. Nos termos da lei constitucional, como vimos, a função predominante das polícias municipais é a de “polícia administrativa”, com âmbito municipal, como decorre, implícita mas inequivocamente, do enquadramento da norma constitucional que as instituiu [Parte III (organização do poder político), título VIII (Poder local), capítulo I (Princípios gerais), da Constituição, artigo 237.º (descentralização administrativa), n.º 3].
A mais dessa função, atribui ainda a lei constitucional às mesmas, complementarmente, a função de “cooperar[em] na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”, com as entidades constitucional e legalmente competentes para tanto (art. 237.º, n.º 3).
63. Ora, por uma parte, quanto à noção de “tranquilidade pública”, a doutrina francesa, de onde a noção é oriunda, refere que «em nome da tranquilidade pública, a autoridade administrativa impede as perturbações (“troubles”) que vão além dos inconvenientes normais da vida em sociedade. Ela impede igualmente as desordens provocadas pelos ajuntamentos, pelos alaridos ou ruídos excessivos. Com este fundamento, o presidente da câmara pode limitar as atividades profissionais ou privadas.»[25]. E, como decorre do n.º 1 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna),da Lei de Segurança Interna (LSI)[26], e advoga a melhor doutrina, «(..) faz parte da segurança interna, nomeadamente, a garantia da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas»[27].
Por seu turno, quanto ao que seja “proteção das comunidades locais”, a melhor doutrina explica que esta redunda em «zela[r] pela segurança de pessoas e bens, desde que o problema tenha uma especificidade local. A existência de um interesse local de polícia é inquestionável quando esteja em causa, v.g. a vigilância dos edifícios locais (…)»[28].
64. Por conseguinte, das cláusulas constitucionais “manutenção da tranquilidade pública” e “proteção das comunidades locais” não decorre a atribuição às polícias municipais, sequer mesmo em “cooperação” com as forças de segurança, de funções em matéria de “prevenção do crime”.
65. Em suma, a lei constitucional opõe-se à atribuição da qualificação, do estatuto e ao exercício de competências próprias dos “órgão de polícia criminal” às polícias municipais, pois lhes comete, exclusivamente, funções de polícia administrativa e de segurança interna, estas restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (art. 237.º, n.º 3).
Em todo o caso, em essência, é figura jurídica diversa da outorga da qualificação, do estatuto e de certas competências legais próprias de “autoridade” ou “órgão de polícia criminal”, a atribuição aos “polícias municipais” de permissões legais, individualizadas e tipificadas, para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, diretamente conexas com as funções de polícia administrativa.
Finalmente, importa frisar que este modelo constitucional, não institui antagonismo, mas antes complementaridade de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, no domínio da “segurança interna”, através de uma divisão e especialização de tarefas: as polícias municipais, quer em virtude do desempenho de funções de “polícia administrativa”, eximindo as forças de segurança das correspondentes funções, quer em virtude de, complementarmente, “cooperarem” nomeadamente no desempenho de funções de “manutenção da tranquilidade pública e de proteção das comunidades locais”, desonera o efetivo das forças de segurança daquelas tarefas, permitindo que o mesmo seja mobilizado, primordialmente, para funções de “segurança interna”.
66. Por outra parte, quanto à história legislativa, importa frisar que da “Nota justificativa” do Projecto de Lei n.º 366/IX (Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais), constava, a propósito, o seguinte: “Neste campo, a experiência vem demonstrando uma crescente utilização, pelas autoridades judiciárias, das Polícias Municipais para a execução de actos processuais penais como detenções, levantamento de autos sobre factos de natureza criminal, entre outros. A adequada cobertura legal para esta prática fica agora expressamente estabelecida, aproveitando-se para clarificar que as «vestes» de autoridade de polícia criminal assentam [à]s Polícias Municipais apenas e só para os actos que se inscrevam no estrito âmbito das competências municipais.” (DAR, 5 de Novembro de 2003, II Série-A, Número 12, p. 454).
Em conformidade, o n.º 3 do artigo 3.º (Funções de polícia) do texto originário desse Projecto de Lei n.º 366/IX tinha o seguinte teor: “Para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, a hierarquia e os agentes das polícias municipais consideram-se órgãos de polícia criminal para os efeitos previstos na lei processual penal.”
67. Porém, logo o “Parecer” do Governo Regional dos Açores sobre tal projeto de lei n.º 366/IX, observou que “1 – A proposta de diploma em apreço apresenta algumas soluções que podem suscitar dúvidas quanto à sua legalidade e até constitucionalidade, como será o caso do n.º 3 do artigo 3.º (…)” (DAR, II Série-A, Número 29, p. 1644).
68. Quanto ao “Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”, que apreciou tal projeto de lei n.º 366/IX, do mesmo consta, nomeadamente, esta passagem: “(…) As polícias municipais actuam, no âmbito da segurança interna, unicamente nos termos delimitados pelo n.º 3 do artigo 237.º da Constituição, isto é, na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, em cooperação com as forças de segurança, não dispondo de competências nem para a prevenção nem para a investigação criminal. Afigura-se, pois, que as polícias municipais não podem ser qualificadas como órgãos de polícia criminal, mesmo para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, uma vez que a Constituição lhes exclui competências que excedam os limites consignados no n.º 3 do artigo 237.º.” (DAR, II Série-A, Número 28, 15 de janeiro de 2004, p. 1611, 1.ª coluna).
69. Na discussão do projeto de lei n.º 366/IX, na generalidade, o Deputado Luís Marques Guedes (PSD), mesmo em face da projetada redação do n.º 3 do artigo 3.º, cit., advogou: “Não se defende, nem pretende, minimamente, que as polícias municipais possam ter qualquer tipo de intervenção no plano da investigação criminal — o que seria, desde logo, um absurdo e atentaria mesmo com os contornos constitucionais definidos para as polícias municipais. O que se visa é, tão-só, reforçar a sua autoridade e melhorar a sua eficácia operacional no estrito plano das suas competências de polícia administrativa. Trata-se de dotar as polícias municipais de poderes de autoridade absolutamente imprescindíveis à prática de actos processuais penais, como o levantamento de autos, a execução de mandados ou detenções em situações de emergência, tudo sempre no estrito âmbito das suas competências próprias de polícia administrativa. Igualmente, no que respeita à necessária coordenação das polícias municipais com as forças de segurança, conforme postulado na Constituição da República, o que agora queremos clarificar na lei é que essa coordenação pressupõe um trabalho conjunto, permanente e num plano de igualdade, procurando-se a articulação operacional no território do município entre forças que são municipais e as forças de segurança que, naturalmente, são nacionais.” (DAR, I Série-A, Número 38, 15 de janeiro de 2004, p. 2174, itálicos nossos).
70. Já o Deputado Vitalino Canas (PS), numa primeira intervenção, afirmou, nomeadamente, que”(…) toda esta discussão terá de ser travada, tendo como pano de fundo uma realidade que a Constituição define com clareza, que é o facto de as polícias municipais não serem forças de segurança e, portanto, não terem a possibilidade constitucional de exercer funções idênticas às das forças de segurança” (idem, p. 2175) e, ulteriormente, que “A criação de polícias municipais estava prevista no Programa do XIII Governo Constitucional e foi legitimada pela Revisão Constitucional de 1997. Era uma fórmula de aprofundamento da opção pelo policiamento de proximidade — que havia sido eleita como prioritária pelo governo de então — e de reforço da intervenção dos municípios em matéria de segurança. O governo definiu, então, os princípios em que deveria assentar este novo instrumento de polícia e vale a pena aqui relembrá-los. As polícias municipais deveriam: ter natureza administrativa; ser criadas por decisão municipal; ter a sua área de actuação circunscrita à área do município respectivo; e ser complementares e subsidiárias em relação às forças de segurança. Bem definido ficou que as polícias municipais não são, nem podem ser, à luz da Constituição, forças de segurança.” e, adiante, “Há outras opções assumidas pelo projecto que, em meu entender, não são viáveis, desde logo pelos motivos adiantados há quatro anos, justamente por aqueles que, agora, propõem esta iniciativa. São essencialmente as questões relacionadas com a transformação das polícias municipais — dos seus agentes e da sua hierarquia, aqui um pouco imprecisamente — em órgãos de polícia criminal. Creio que a Constituição não o consente e, portanto, deveremos evoluir neste ponto.” (idem, p. 2179).
O Deputado António Filipe (PCP) afirmou: “Quero ainda dizer que discordamos profundamente de algumas propostas deste projecto de lei, como seja a de considerar, para determinados efeitos, as polícias municipais como órgãos de polícia criminal. Porém, creio haver disponibilidade da maioria (isso foi anunciado hoje de manhã) para rever esta questão e colocá-la nos seus devidos termos, disponibilidade essa que registo.” (idem, p. 2178).
Por seu turno, o Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS) disse: “O CDS sempre recusou qualquer iniciativa legislativa que visasse cometer a polícias municipais competências que só podem ser desempenhadas por forças de segurança” (idem, p. 2180).
71. De modo que, face a estes pronunciamentos dos referidos Deputados, de diferentes partidos, em oposição à “transformação das polícias municipais em polícias com competência criminal”, ocorreu o corolário natural: no Decreto n.º 168/IX (Revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais) foi substituído o texto originário do n.º 3 pela redação hoje constante da Lei, n.º 19/2004, cit., e aditados os n.ºs 4 e 5, também com a redação hoje vigente.
Por conseguinte, mesmo a residual e vinculada qualificação da “hierarquia e dos agentes das polícias municipais” como “órgãos de polícia criminal”, que constava originariamente do texto do n.º 3 do artigo 3.º, não transitou para o texto da lei quadro.
72. Em conclusão, a intenção declarada do legislador da lei quadro, à luz da interpretação da lei constitucional que perfilhou sobre esta matéria, foi a de recusar atribuir às “polícias municipais” o estatuto de “órgão de polícia criminal”.
73. A lei quadro, em conformidade, no seu articulado é categórica em “vedar às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, sem embargo das competências, excecionais e casuisticamente tipificadas, que as mesmas poderão exercer e que funcionalmente correspondem a “medidas cautelares e de polícia” no sentido da lei processual penal (art. 3.º, n.º 5).
74. Por seu turno, na previsão legal dos n.ºs 1 a 4, do artigo 3.º (Órgãos de polícia criminal) da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC), não constam as “polícias municipais”[29] .
75. No mesmo sentido, de que as polícias municipais não são “órgãos de polícia criminal”, concorrem o Parecer n.º 28/208, cit. (conclusão 14.ª) e a communis opinio doutrinária, p. ex. CATARINA SARMENTO E CASTRO[30], PAULO DÁ MESQUITA[31] e JORGE DOS REIS BRAVO / PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[32] / [33].
m) Idem: o que não são (“forças de segurança”)
76. As “polícias municipais”, bem entendido, também não são “forças de segurança”, no sentido constitucional do termo, pois são criadas e têm âmbito municipal, com funções predominantemente de “polícia administrativa”, e ainda, complementarmente, “cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (arts. 165.º, n.º 1, alínea aa), e 237.º, n.º 3).
Já as forças de segurança são criadas e têm o seu regime fixado por lei, com organização única para todo o território nacional, e com funções, nomeadamente, de “prevenção dos crimes” (arts. 165.º, alínea u), e 272.º, n.º 4).
77. A lei quadro, no por seu turno e em conformidade, no n.º 4, do seu artigo 2.º (Atribuições), estabelece que “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.”
78. Quanto à LSI, na enumeração legal do seu artigo 25.º, n.ºs 1 a 3 (Forças e serviços de segurança), não há menção às polícias municipais.
79. No mesmo sentido, de que as polícias municipais não são forças de segurança, concorrem o Parecer n.º 28/2008, cit. (conclusão 4.ª) e a communis opinio doutrinária, p. ex. JORGE MIRANDA[34], CATARINA SARMENTO E CASTRO[35] e VITALINO CANAS[36].
n) Idem: Polícias municipais de “regime especial” (Lisboa e Porto)
80. Importa, finalmente, para concluir este enquadramento geral, fazer um breve excurso para caraterizar, no plano funcional e organizatório, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto.
E ainda, e sobretudo, por ser relevante para os efeitos deste parecer, considerar uma dúvida quanto à eventual comunicabilidade do estatuto profissional para o estatuto funcional dos polícias municipais de Lisboa e do Porto.
Mais precisamente, a dúvida seria esta: na exata medida em que as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto são “constituídas [exclusivamente] por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública” (art. 2.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 5.º, n.º 1, RFOPML e art. 5.º, n.º 1, RFOPMP, cuja formulação omite o advérbio “exclusivamente”), manteriam assim o originário estatuto e competências de “autoridades e órgãos de polícia criminal” (art. 11.º, LOPSP[37]). Por conseguinte, nos elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) que, exclusivamente, constituem as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, ocorreria um “cúmulo de competências”, de polícia administrativa e de órgão de polícia criminal.
81. Esta hipótese, porém, é uma falsa ideia, negada pela história, pela letra e pelo pensamento legislativo.
A chave de leitura da lei, quanto a nós, está em manter presente a dicotomia entre o “estatuto funcional” e o “estatuto profissional” dos “polícias municipais” de Lisboa e do Porto, nos termos seguidamente discriminados (e que, outrossim, são também relevantes para enfrentarmos, ulteriormente, a questão da suposta “dupla hierarquia”).
82. Primeiramente importa referir que, redundando a questão agora em causa em determinar quais são as funções, atribuições e competências cometidas aos “polícias municipais” de Lisboa e do Porto, enquanto pessoal com funções policiais da PSP, é imperioso encetar o discurso chamando à colação o “princípio da legalidade da competência” pois, como escreve a melhor doutrina, «a competência das estruturas administrativas resulta diretamente da Constituição, da lei, ou de princípios gerais de Direito»[38].
Na verdade, as funções, atribuições e competências da “Polícia”, enquanto serviço público (sentido organizatório) e, para os nossos efeitos, em particular enquanto função administrativa (sentido funcional), estão “subordinadas à Constituição e à lei”, de modo que também a “Polícia” “deve atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins” [arts. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 3.º, n.º 1, Código do Procedimento Administrativo (CPA)[39]].
83. Este “princípio da legalidade da administração” — ou, melhor, “princípio da juridicidade”, pois a obediência é não apenas à “lei” mais também ao “Direito” — está materializado, como frisa a melhor doutrina, no “princípio da reserva de lei”, nomeadamente no aspeto de prevalência da lei, pois «são proscritas actuações administrativas que contrariem a lei» e, bem assim, no princípio da “reserva de lei restritiva de direitos fundamentais”, na medida em que a atividade administrativa “restritiva” dos direitos liberdades e garantias (e de natureza análoga) tem de estar «habilitada – ou seja, precedida – por lei»[40].
Mais especificamente, com respeito ao regime constitucional da “Polícia”, VITALINO CANAS elucida que o princípio da precedência de lei «(…) implica que todas as medidas de polícia têm de estar primariamente definidas na lei, não sendo admissíveis medidas criadas por outros instrumentos que não a lei (precedência de lei). Por outro lado, as normas que fundam ou definam as medidas de polícia têm de possuir um grau de pormenorização ou densificação que permita a antecipação mínima, pelos eventuais destinatários, da actuação policial (reserva de densificação normativa) (…). Do princípio da legalidade da actividade administrativa decorre ainda a prevalência de lei, que inviabiliza a criação de medidas de polícia que contrariem a lei»[41].
84. É esse, justamente, o regime constitucional vigente, pois as medidas de polícia, sendo tipicamente “restritivas” dos direitos, liberdade e garantias, têm de estar previamente previstas e definidas, com conteúdo suficientemente preciso, pela lei (em sentido formal e material, geral e abstrata) [arts. 18.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea b), e 272.º, n.º 1].
Em conformidade, importa recordar o princípio constitucional material da tipicidade legal das medidas de polícia — que, no fundo, é uma manifestação do “princípio de legalidade da competência” da administração —, o qual, nas palavras da melhor doutrina, «significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas (…)»[42].
85. Em suma, parafraseando a doutrina germânica, que mais profundamente tem trabalhado a matéria do direito policial, «A ação das autoridades de polícia e de “polícia administrativa local” (“Ordnungsbehörde”) está vinculada a numerosas exigências constitucionais. Especialmente, devem ser observados os princípios da prevalência e da reserva de lei assim como o princípio da proibição do excesso. (…) Do princípio da reserva de lei estabelecido no art. 20 III da Lei Fundamental [“O poder legislativo está sujeito à ordem constitucional, os poderes executivo e judiciário à lei e ao Direito”], decorre que uma afetação do cidadão não pode ocorrer sem uma lei (…). A atividade das autoridades de polícia e de “polícia administrativa local” (“Ordnungsbehörde”) deve ser classificada como “administração agressiva”. Por conseguinte é necessária uma habilitação (norma de competência) na qual a autoridade pode basear as suas medidas»[43].
86. Ora, como se deduz do que já anteriormente ficou exposto, as Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto, são, também elas, nos termos da lei, serviços municipais, que estão “especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei quadro, ou seja, são também elas, como as de “regime geral”, polícias administrativas, de âmbito municipal, em sentido funcional e organizatório, embora “com as especificidades do presente decreto-lei (art. 2.º, n.º 1, e 2, in fine, 3.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, n.º 1, RFOPMP).
87. Bem entendido, às Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto são, de plano, aplicáveis, as interdições, constitucional e legal, de atribuição do estatuto e do exercício de funções de força de segurança e, em assim, da qualificação, do estatuto e das competências próprias de “órgão de polícia criminal”, sem embargo, quanto as estas últimas, das permissões legais, estritamente tipificadas, atribuídas para prática de medidas cautelares e de polícia funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, e diretamente conexas com o desempenho das respetivas funções de polícia administrativa (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Decreto-Lei n.º 13/2017).
88. Relativamente ao tópico do “estatuto profissional” do pessoal com funções policiais da PSP, no que respeita à história legislativa, há a assinalar que no decurso dos trabalhos preparatórios da lei quadro, o Deputado Luís Marques Guedes (PSD), que foi um dos subscritores do já mencionado “Projecto de Lei n.º 366/IX (Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais)”, nesta passagem da sua intervenção de apresentação do mesmo, disse : “No que diz respeito às Polícias Municipais de Lisboa e Porto, como se sabe, estas têm um regime transitório por uma razão que não tem propriamente a ver com as respectivas funções e a sua natureza mas, sim, com a situação do respectivo pessoal. Trata-se de uma situação que vem de trás e é muitíssimo pesada — em Lisboa, há mais de 300 elementos da polícia municipal dos quadros da PSP; no Porto existe, pelo menos, mais de uma centena desses elementos nessa circunstância. Portanto, atendendo, nomeadamente, à necessidade de resolução deste problema do pessoal são situações que ultrapassam, largamente, a capacidade de uma lei-quadro da Assembleia da República, pelo que terão de ser resolvidas através de regulamentação própria do Governo” (DAR, I Série, Número 38, 15 de janeiro de 2004, p. 2176, itálico nosso).
89. Ou seja, deste relevante elemento da história legislativa podem ser retiradas duas ilações, quanto à intenção declarada do legislador, a saber: (i) as Polícias Municipais de Lisboa e Porto têm, como as demais, “funções e natureza” de “polícias administrativas”, de caráter municipal; (ii) unicamente para efeitos de ulterior “resolução do problema do pessoal” da PSP, que integrava historicamente os quadros desses serviços municipais, ficou acautelado um regime que expressamente se reputava "transitório”, através de “regulamentação própria do Governo” (Projeto de Lei cit., art. 21.º).
90. Esse “regime transitório” veio a ficar consagrado in littera legis, como “regime especial”, justamente no Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
Tal “regime especial”, porém, de harmonia com o entendimento dos AA. do Projeto de Lei n.º 366/IX, reitera a natureza, as atribuições e as competências predominantemente de “polícia administrativa”, de âmbito municipal, das “Polícias Municipais” de Lisboa e Porto, como ditada pelo regime constitucional e pela lei quadro, nos termos que ficaram expostos.
Com efeito, as atribuições e competências das mesmas são, justamente, aquelas “decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, bem como as demais previstas na lei”, que se referem à “regulação e fiscalização do trânsito nas vias públicas sob jurisdição do município, bem como o exercício das demais competências legais nos respetivos municípios.” (art. 4.º, n.ºs 1 e 2)[44].
De modo inteiramente consonante, depõem ambos os regulamentos municipais: “A Polícia Municipal é um serviço municipal especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidas na Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, com as especificidades do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro” (art. 4.º, n.º 1, RFOPML); e “A PMP é um serviço municipal especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definido na lei das polícias municipais e no regime das polícias municipais de Lisboa e do Porto, organizada na dependência hierárquica do Presidente da Câmara” (art. 4.º, RFOPMP).
Em suma, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto assumiram, na sua exatamente e na plenitude, as funções, atribuições e competências passíveis de serem desempenhadas pelas mesmas, segundo o regime da lei quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º, cits.).
91. Assim sendo, o “regime especial” destes serviços municipais redunda, em essência, no facto de serem “constituídas [exclusivamente] por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, sujeito ao estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, devendo o seu recrutamento obedecer ao disposto no artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro” e no regime remuneratório respetivo, concretamente do “suplemento especial de serviços mensal“ (Exposição de motivos, Decreto-Lei n.º 13/2017).
Princípios estes que ficaram consagrados, ipsis verbis, em letra de lei, como discriminaremos, já de seguida.
92. Na verdade, este “regime especial” tem caráter puramente “profissional”, no sentido em que as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto “são constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados polícias municipais” (itálico nosso), que
“mantêm o estatuto profissional de polícia da Polícia de Segurança Pública, a sujeição ao regulamento disciplinar e de avaliação, regem-se pelo Código Deontológico e pelo regime de continências e honras policiais da Polícia de Segurança Pública.” (art. 2.º, n.ºs 2 e 3, ibidem, art. 7.º, n.ºs 1 e 2, RFOPML, e art. 8.º, RFOPMP).
Ou seja, da letra e do pensamento legislativo, corroborado pela história da lei, resulta uma inequívoca dicotomia entre o “estatuto funcional” e o “estatuto profissional”, do pessoal com funções policiais da PSP, que exclusivamente constitui o efetivo das polícias municipais de Lisboa. Esse efetivo, que a lei sintomaticamente designa por “polícias municipais”, por virtude do ato de recrutamento fica ipso facto, e exclusivamente, investido do “estatuto funcional” correspondente à “especial vocação” desse serviço municipal para o “exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais” (art. 2.º, n.º 1, ibidem, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, RFOPMP).
Mais concretamente: “O recrutamento para as polícias municipais de Lisboa e Porto é realizado nos termos e condições previstos no n.º 3 do artigo 97.º e do artigo 107.º do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro” (art. 10.º, n.º 1, ibidem, art. 8.º, n.ºs 1 e 2, RFOPML, e art. 4.º, RFOPMP). Ou seja, é feito na “modalidade de colocação por convite”, sendo que a nomeação dos polícias em causa é efetuada em comissão de serviço por três anos, renováveis até ao limite de nove anos” [art. 97.º, n.º 3, e 107.º, n.º 3, Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da PSP (EPPFP da PSP)[45]].
E sendo a nomeação em comissão de serviço, os polícias em causa “exercem as suas funções nos termos legalmente definidos para o cargo [que vão ocupar]” (79.º, n.º 3, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTPF)[46], ex vi art. 5.º, n.º 2, EPPFP da PSP). Consequentemente, durante todo o período de duração da comissão de serviço, e para efeitos funcionais, os mesmos em causa têm, única e exclusivamente, a condição de “polícia municipal” e o correspondente estatuto funcional, com as inerentes funções, atribuições e competências, tal como estabelecidas nas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1 (remissão para o regime da lei quadro) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
93. Por outras palavras, e em suma: durante todo o período de duração da comissão de serviço como Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, está legal e expressamente interdito aos mesmos o exercício das competências próprias das “autoridades” ou “órgãos de polícia criminal”, salvo as que textualmente constam das permissões legais, legalmente tipificadas, atribuídas para prática de medidas cautelares e de polícia funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, e diretamente conexas com o desempenho das respetivas funções de polícia administrativa (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Lei n.º 19/2004, cit., ex vi do art. 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017). Bem entendido, ipso facto, por força da simples cessação da comissão de serviço ou, eventualmente, da “requisição de meios” prevista no artigo 6.º (Requisição e meios), n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 13/2017, retomarão a capacidade de exercício das competências próprias das “autoridades” ou “órgão de polícia criminal”, que são inerentes ao estatuto funcional de “pessoal com funções policiais da PSP” (art. 11.º, n.ºs 1 a 3, LOPSP).
Enfim, para absoluta clareza, convirá frisar que em consonância com tal interdição o efetivo das polícias municipais, nomeadamente das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, não integra – nem pode integrar – entidades com as competências próprias de “autoridades de polícia criminal”, no sentido da alínea d), do artigo 1.º (Definições legais) do Código de Processo Penal (CPP)[47], com referência, v.g. ao artigo 11.º (Autoridades e órgãos de polícia criminal), n.ºs 1 a 3, da LOPSP. Nas palavras de RUI CARDOSO, em geral quanto às “polícias municipais”, «Não está legalmente prevista a atribuição de estatuto de APC [Autoridades de Polícia Criminal]’s a qualquer tipo de agente de polícia municipal, pelo que nelas não poderá haver nenhum funcionário com os poderes atribuídos a essas autoridades – artigos 1.º, alínea d), 85.º, n.º 1, 91.º, n.º 3, 92.º, n.º 7, 252.º-A, n.º 1, 257.º, n.º 2, 268.º, n.º 2, 270.º, n.º 3, 273.º, n.º 1, 385.º, n.º 3, do CPP. Isto impede, por exemplo, a detenção fora de flagrante delito por iniciativa dessas polícias.»[48].
94. Estabelecido este enquadramento geral, estamos agora em condições de empreender a resposta às questões submetidas a consulta, pela ordem mesma por que as mesmas foram apresentadas.
o) “Questão 1- Âmbito e enquadramento do quadro de cooperação e coordenação operacional das municipais de Lisboa e Porto com a Polícia de Segurança Pública, nos termos do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e suportado nos Regulamentos de Funcionamento e Organização próprios de Lisboa e Porto (Regulamento/Aviso n° 11359/2018, DR, 2.ª série n° 157 de 16 de agosto 2018 e Regulamento n.º 343/2017, Diário da República, 2.ª série, n.º 121 de 26 de junho de 2017) aprovados e publicados, por deliberação das respetivas assembleias municipais, sob proposta dos presidentes de Câmara de Lisboa e Porto e em contratos interadministrativos, aprovados e celebrados, em 16 de Setembro de 2019 e em 20 de dezembro de 2018, respetivamente, entre os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.”.
95. O artigo 5.º (Cooperação), nas passagem agora diretamente relevante, dispõe:
“(…).
2- O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas:
a) Formação;
b) Partilha de informação relevante para o desempenho das respetivas funções;
c) Tecnologias e sistemas de monitorização rodoviária;
d) Prevenção e segurança rodoviária;
e) Proteção do ambiente;
f) Programas de interesse social;
g) Fiscalização de normas e regulamentos;
h) Eventos de natureza social, cultural, desportiva e outras;
i) Regulação e fiscalização de trânsito.
3- A cooperação referida nos números anteriores é definida por contrato interadministrativo a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto.”.
Mas é ainda relevante o n.º 3 do artigo 2.º (Atribuições), da lei quadro, o qual dispõe: “A cooperação referida no número anterior [em matéria de na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais] exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados.”
96. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal da “cooperação” entre as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto e a Polícia de Segurança Pública, tal como estabelecido neste artigo 5.º (Cooperação), do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
97. A primeira nota a registar quanto ao enunciado legal desta norma de habilitação legal, respeita ao seu objeto, o qual está expressamente circunscrito à “cooperação” (interadministrativa), não mencionando, como consta da consulta, a “coordenação operacional”.
Importa, assim, em ordem à clareza das ideias, começar por definir, na quadro das relações jurídicas interadministrativas, a noção jurídica de “cooperação”, para depois a destrinçar da noção de “colaboração” e, sobretudo, da noção de “coordenação”.
98. Poderemos dizer, grosso modo, face ao critério da paridade ou supremacia das relações jurídicas administrativas em causa, que as noções de “coordenação” e de “colaboração” são de género próximo, pois lhe subjazem relações paritárias, já a noção de “coordenação” tem com elas uma diferença específica, pois lhe subjaz uma relação de supremacia.
Assim, ALEXANDRA LEITÃO, começa por frisar que «(…) a distinção entre os conceitos de cooperação, colaboração e coordenação [é] matéria que assume alguma complexidade devido à grande imprecisão terminológica existente quer ao nível da legislação, nacional e estrangeira, quer ao nível doutrinário».
Em qualquer caso, do seu ponto de vista a «colaboração é uma relação que se estabelece entre duas entidades que actuam conjuntamente para a resolução de um problema ou para a realização de um investimento que recai no âmbito das atribuições ou competências de uma delas. Por sua vez, a cooperação é uma relação que pressupõe a actuação conjunta de duas entidades para a resolução de um problema ou para a realização de um investimento que releva das atribuições ou competências de ambas(…)» (itálicos nossos).
Já a “coordenação”, esclarece a A., «é uma relação na qual as partes se encontram num situação de “supraordenação”, em função de uma prévia planificação geral cuja execução pertence ao ente coordenador (…) visa traçar uma actuação funcionalmente coincidente de vários órgãos com vista a uma finalidade comum, determinada pela entidade que possui, nos termos da lei, o poder de coordenar (…) reduzindo à unidade as partes de um todo (…)» sendo que a coordenação se distingue claramente dos conceitos de “cooperação e de colaboração” na medida em que se traduz «numa relação não igualitária e não voluntária, que se caracteriza exatamente pela concessão à entidade coordenante de capacidade directiva e decisória, traduzindo-se num limite ao exercício das competências das entidades coordenadas(…) (…) a coordenação é, em regra, sempre vertical e em sentido descendente, ou seja, existe uma entidade supra-ordenada que exerce funções de coordenação sobre entidades que estão num nível inferior (…)», em suma «enquanto a coordenação pode conduzir à integração, a cooperação e a colaboração, pelo contrário, partem de diversidade e pressupõem a manutenção desta»[49] (itálicos nossos).
Discorrendo no quadro conceitual do Direito Municipal — que, justamente, é uma área de estreita interseção com esta da polícia municipal — ANDRÉ FOLQUE, em sentido consonante e com indubitável interesse para o caso, já antes tinha propugnado que «A colaboração deve ser compreendida enquanto acepção genérica que compreende: a) a coordenação; b) a cooperação; e c) a colaboração em sentido estrito(…)”, sendo que «(…) por cooperação deve entender-se uma relação de base voluntária (…) que tem lugar entre o Estado e os municípios e que se traduz na celebração de contratos interadministrativos (…)» e, adiante, «Entendemos a coordenação administrativa como a relação jurídica de compatibilização entre o exercício de competências que concorrem sobre um mesmo objeto, ou objectos próximos, tendo em vista a eficácia na prossecução dos interesses públicos em causa»[50].
Finalmente, por igualmente constituir bom Direito, há aqui que reiterar a doutrina deste corpo consultivo estabelecida no Parecer n.º 11/2021, de 28 de outubro, quanto a certos aspetos da “cooperação” e da “coordenação” entre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da PMP com a PSP, nomeadamente em matéria de “segurança relativa a manifestações, comícios e outras reuniões de natureza pública”, o qual foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, versa sobre disposições de ordem genérica, e teve ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito, pelo que aqui se reiteram, como stare decisis, os fundamentos (pp. 39 a 42, n.º V.6.) e conclusões (em particular, 9.ª a 11.ª, 17.ª) do mesmo, pertinentes para as questões de Direito agora em apreciação (art. 50.º, n.º 1, EMP)[51].
99. Por conseguinte, visto do seu aspeto positivo, o objeto da habilitação legal em causa deve ser entendido precisamente no seus termos literais, e no sentido técnico-jurídico próprio, ou seja, estando circunscrito à “cooperação” entre entidades policiais, nos termos que ficaram definidos: “atuação conjunta de duas entidades, no caso a PSP e, por outra parte, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, para a resolução de problemas que relevem das atribuições ou competências de ambas”.
Por outras palavras, visto do aspeto negativo, o objeto da habilitação legal em causa não credencia a PSP e as Polícias Municipais para estabelecerem relações jurídicas interadministrativas de “coordenação“.
Assim sendo, duas ilações, respeitantes à semântica dos termos legais relevantes, cumpre a extrair para os nossos efeitos:
— a “coordenação” constante da epígrafe oficial e da previsão legal do n.º 2 do artigo 6.º (Dependência orgânica e coordenação), da lei quadro, com respeito ao modus faciendi da “ação da polícia municipal e das forças de segurança”, foi usado em sentido informal, mas deverá, antes, ser lido, interpretado e aplicado no seu sentido formal, técnico-jurídico, nos termos que ficaram enunciados, ou seja, como relação interadministrativa de caráter paritário, inidónea para atribuir posições jurídicas de supremacia, como resulta da dita previsão legal ao aludir à “articulação” – que não à “supraordenação” – entre os poderes funcionais dos presidentes das câmaras e dos comandantes das forças de segurança[52];
— o termo “coordenação operacional” constante dos artigos 1.º (Objeto) e 14.º (Coordenação e planeamento operacional), dos dois contratos interadministrativos em causa, sendo embora idóneo como poder funcional integrado no quadro da hierarquia interna da PSP, neste âmbito do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, cit., deverá, outrossim, antes ser lido, interpretado e aplicado como “cooperação operacional”, no seu sentido formal, técnico-jurídico, nos termos que ficaram enunciados, ou seja, como relação interadministrativa, de caráter paritário, inidónea para atribuir posições jurídicas de supremacia de qualquer uma das partes contratantes, seja dos presidentes das câmaras e dos comandantes das forças de segurança.
100. Por outra parte, quanto à forma jurídica dessa “cooperação”, ainda nos termos da habilitação legal em causa, a mesma reveste caráter contratual, nas palavras da lei é “definida por contrato interadministrativo” — a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto (art. 5.º, n.º 3).
Ora, uma vez que a habilitação legal em causa respeita estritamente à celebração de contratos interadministrativos de “cooperação”, tal “pressupõe a prossecução e a manutenção das atribuições e competências” das partes contratantes. Por outras palavras, tomados do ponto de vista das competências, estes são “contratos interadministrativos sobre as competências” de cada um dos entes policiais em causa.
E assim, como frisa a melhor doutrina, «Existindo uma ampla margem de livre estipulação quanto aos modos, termos e condições da cooperação entre a PSP e a Polícia Municipal de Lisboa e do Porto, está [porém] vedada qualquer transferência de competências face à ausência de uma lei habilitante, sob pena de nulidade por violação do princípio da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência, consagrado no artigo 111.º, n.º 2 da Constituição e no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro” [e, acrescentamos nós, ainda pelo artigo 36.º (Irrenunciabilidade e inalienabilidade) do CPA, que dispõe: “A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição” (n.º 1) e “É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas” (n.º 2)]. O quadro legal e a distribuição territorial de competências não pode ser objeto de qualquer alteração direta ou indiretamente. Assim, não podem ser atribuídos por via contratual a qualquer das partes, maxime, à PSP poderes de direção ou poderes de coordenação sobre a atividade da polícia municipal.».
Por conseguinte, prossegue a A., com manifesto interesse para o nosso caso, «O contrato interadministrativo pode ter como objetivo clarificar a repartição de competências, delimitando a esfera exclusiva de atuação da polícia municipal e da PSP naqueles domínios em que se suscitem dúvidas interpretativas, procurando esclarecer e firmar uma interpretação conjunta do âmbito das respetivas competências, sem alteração do quadro legal de competências. O seu escopo natural, porém, é o de regular a articulação de competências, quer se trate de competências próprias e exclusivas de cada uma das partes mas que, em prol da unidade e eficácia da atividade administrativa, devem ser exercidas de forma concertada (contratos de cooperação com objeto de colaboração), quer se trate de competências concorrentes, estabelecendo formas de parceria e mecanismos de atuação conjunta de modo a evitar sobreposições e vazios de atuação (contratos de cooperação de articulação de competências)»[53].
101. Quanto ao “âmbito” — ou seja, às “áreas” ou “domínios” — que podem ser objeto da cooperação entre as Polícias Municipais de Lisboa e Porto e a PSP, está estabelecido nas alíneas a) a i), do n.º 2 do artigo 5.º em apreço através desta cláusula: “O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas: (…)”. Procede, pois, através de uma enumeração exemplificativa (“entre outras”).
Para a economia do presente parecer será pertinente centrar a atenção, justamente, neste tópico, com algumas breves notas relativamente a esta “cláusula aberta” do corpo do preceito, pois as que constam das alíneas a) a i) são, em boa medida, objetivamente concretizáveis.
Não sem antes darmos devida nota de que importa ainda atender à já transcrita previsão do n.º 3 do artigo 2.º (Atribuições), da lei quadro, sendo que que a matéria da “partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições” ali prevista consta expressamente da enumeração legal das “áreas” típicas integradas no âmbito da “cooperação” [art. 5.º, n.º 2, alínea b)], mas outro tanto já não sucede com a “satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados”, pelo que esta se deve considerar como constante, implícita mas necessariamente, da dita enumeração legal.
102. Assim, primeiramente, a competência para eleição dessas “outras áreas” é, por natureza, consensual, assumindo naturalmente a forma de contrato interadministrativo, sendo por conseguinte, “assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.” (art. 5.º, n.º 1).
103. Depois, a concreta definição dessas “outras áreas” tem de ser realizada à luz do já amiudadamente referido “princípio da legalidade da competência”, enquanto habilitação legal, ou seja, apenas podem ser definidas “áreas” estritamente correspondentes a funções, atribuições e competências, próprias ou concorrentes, das entidades policiais em causa, tal como previamente definidas na Constituição, na lei e nos regulamentos em causa (arts. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 3.º, n.º 1, CPA).
Do ponto de vista das Polícias Municipais, a habilitação legal procede da Constituição (art. 237.º, n.º 3), da lei-quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º), do “regime especial” (art. 4.º, n.º 1 e 2) e dos regulamentos (art. 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, e arts. 6.º e 7.º, RFOPMP), sendo fulminadas de nulidade as cláusulas contratuais que consagrarem “áreas de cooperação” que extravasem desses limites de legalidade. Tudo nos termos gerais de Direito, nomeadamente das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 284.º (Invalidade própria do contrato), do Código dos Contratos Públicos (CCP)[54]: “Os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos (…) no artigo 161.º (Atos nulos) do Código do Procedimento Administrativo (…)”, e da alínea b), do n.º 2 do aludido artigo 161.º (Atos nulos), do CPA: “Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre”.
104. Uma dessas “áreas de eleição” poderá ser, justamente, aquela credenciada pela habilitação constitucional das Polícias Municipais, nos termos do n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa), da Constituição: “As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”.
Estas são atribuições — e competências ordenadas à prossecução das daquelas — próprias das Polícias Municipais mas que, necessariamente, têm de ser exercidas em “cooperação”, no sentido técnico-jurídico que ficou referido, com as forças de segurança, no caso com a PSP, ou seja, através de uma atuação de caráter paritário, que assim interdita qualquer relação de supremacia entre as entidades policiais em causa, nomeadamente por parte da PSP — sem embargo das funções das polícias municipais neste domínio, segundo alguma doutrina de referência, e, bem assim, do Parecer n.º 28/2008 cit., poderem ser qualificadas, em certo sentido, como «complementares, e não substitutivas da polícia e das forças de segurança»[55].
Parafraseando ANA GOUVEIA MARTINS, «Não sendo substitutiva da atuação das forças de segurança, afigura-se-nos que se trata de uma atuação que releva das atribuições próprias das polícias municipais, muito embora não possa ser desenvolvida sem a devida articulação com as forças de segurança».[56].
105. É isso que decorre, inequivocamente, dos expressos e estritos limites do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, conforme as locuções legais de “respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias” e “sem prejuízo”, a saber: “A cooperação referida no número anterior exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados” (n.º 3) e “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.” (n.º 4).
p) “Questão 2 - Âmbito e enquadramento da requisição de meios das polícias municipais de Lisboa e Porto para reforço da capacidade operacional da Polícia de Segurança Pública previstos no artigo 6.° do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de Janeiro.”
106. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, também aqui, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal, para a prática do ato administrativo de “requisição de meios”, tal como delineado no referido artigo 6.º (Requisição de meios), do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
O preceito legal em causa, o artigo 6.º (Requisição de meios) do referido diploma legal, dispõe:
“1- Nas situações previstas na Lei de Segurança Interna e sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública pode requisitar, para reforço da sua capacidade operacional, efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto.
2- Nos casos previstos no número anterior, os polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente.
3- No ato de requisição, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública determina o número de agentes requisitados e o tempo previsível da requisição, informando o presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita.”
q) “Requisição de meios” vs. requisição civil, requisição temporária de bens e serviços e requisição administrativa
107. Importa frisar, a título preliminar e antes de entrar propriamente na análise do regime jurídico da “requisição de meios”, que esta figura é singular, do ponto de vista do seu objeto, pois que incide sobre “meios pessoais (policiais) ”, ou seja, sobre o “efetivo das polícias municipais de Lisboa e do Porto” (art. 6.º, cit., n.ºs 1, 2 e 3), não encontrando assim paralelo em figuras jurídicas cognatas, em particular na “requisição civil”, na “requisição temporária de bens e serviços” e na “requisição administrativa”, que na verdade são “falsos amigos”, pois têm objeto, pessoal ou real, diverso.
Vejamos, sucintamente.
108. Sem embargo do parentesco terminológico, não se trata aqui da “requisição civil”, cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro.
No que aqui mais releva, ainda que tenha um aspeto de “requisição civil de pessoas”, estas são apenas aquelas afetas aos “serviços públicos” enumerados no n.º 1 do artigo 3.º deste diploma legal, do qual não constam, por definição, as forças e serviços de segurança e respetivo pessoal, em particular o pessoal da PSP com funções policiais, e os “polícias municipais”.
Na síntese de JOÃO ALFAIA, nesta “requisição civil” «não se trata de criar relações jurídicas de emprego público, mesmo com caráter precário, mas, antes e apenas, de assegurar o exercício de funções — é uma mera requisição de serviços (e não requisição de funcionários) (…)»[57].
109. Igualmente não é aqui o caso da “requisição temporária de bens e serviços”, prevista no artigo 24.º da Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC)[58] com essa epígrafe oficial, por isso que, como resulta dos n.ºs 1 a 3 deste preceito legal, esta incide sobre “bens (móveis ou imóveis) e serviços”.
110. Também não se trata agora, bem entendido, da “requisição administrativa”, pois, no que aqui mais releva, esta tem por objeto “bens imóveis” (arts. 80.º a 87.º, Código das Expropriações[59]).
111. Um lugar paralelo desta “requisição de meios”, em certa medida, poderia ser a figura jurídica da “requisição” (tout court), in illo tempore prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 165/82 (Implementa um sistema de gestão previsional conducente à criação e reorganização de serviços, quadros e carreiras de pessoal e introduz novas concepções de mobilidade interdepartamental e interprofissional), de 10 de maio, porém, esse diploma legal foi entretanto revogado, sem caráter substitutivo.
r) “Requisição de meios”: regime jurídico
112. Feitas estas precisões, importa reverter ao cerne da questão que agora nos ocupa, qual seja a de determinar, nos seus grandes rasgos, o regime jurídico da “requisição de meios”, no sentido do artigo 6.º, cit..
113. Começaremos por referir que a norma jurídica expressa neste preceito do aludido artigo 6.º, à luz da conceituação da melhor doutrina[60], é de caraterizar como “norma de competência”, pois confere e disciplina, nomeadamente definindo os respetivos pressupostos, o poder para a prática de um ato administrativo (plural”) de “requisição de meios” (do efetivo policial da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto).
Na verdade, tal “requisição de meios” corresponde à definição estipulativa de “ato administrativo” estabelecida na lei, pois é uma “decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta” (art. 148.º, CPA).
Assim sendo, para os nossos efeitos e parafraseando JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, importa agora «(…) estabelecer um esquema descritivo dos aspetos significativos do acto [in casu, de “requisição de meios”], capaz de fornecer uma explicação coerente do seu regime de funcionamento» e, mais, que permita «identificar os momentos que sejam relevantes para efeitos de localização dos diversos tipos de vícios de que o acto pode padecer»[61].
114. Assim, quanto à competência para a prática deste ato administrativo de “requisição de meios”, está legalmente deferida ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, como “competência própria” (art. 6.º, n.º 1).
Poderá, todavia, justamente enquanto “competência própria” do mesmo, ser delegada, “em todos os níveis de pessoal dirigente as suas competências próprias”, nos termos do n.º 3 do artigo 21.º (Competência), da LOPSP, observados ainda os demais termos gerais de Direito [v.g., arts. 44.º, n.ºs 1 a 3, e 5, 47.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.ºs 1 e 2, e 50.º, alíneas a) e b), CPA].
115. Relativamente ao procedimento, a lei não prevê qualquer prazo, ato, ou formalidade especificamente tendente à formação (ou manifestação) do ato administrativo de “requisição de meios”, o que indicia o caráter desprocedimentalizado, por premente, do mesmo.
116. O pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” é fixado por remissão legal, para as “situações previstas na Lei de Segurança Interna” (art. 6.º, n.º 1), sendo finalidade do mesmo o “reforço da sua [da PSP] capacidade operacional”.
117. Porém, a LSI, não prevê, no respetivo articulado, qualquer suposto de “requisição de meios”.
Assim sendo, a remissão legal em causa estará referida à previsão legal que define as finalidades das medidas de polícia de “segurança interna”, ou seja, “em especial, a[s de] proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública. “ (art. 1.º, n.º 3, LSI).
Isto no sentido em que é pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” a ocorrência de alguma ou algumas das “situações de segurança interna” descritas no n.º 3 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna), da LSI, que assim se constitui como um requisito de validade de tal providência administrativa.
118. Mas, cremos, não é qualquer uma dessas “situações de segurança interna” descritas na lei, por “ligeira, potencial e remota” que seja, que constitui o pressuposto de facto em causa.
Não: apenas o será na medida em que ocorra, objetivamente, “perigo grave, atual e iminente” as mesmas.
119. Com efeito, por uma parte, que se trata de uma “situação de urgência” é o que pode ser depreendido do próprio texto e espírito da lei: não vem previsto qualquer procedimento específico ou prazo para a emissão da “requisição de meios”, sendo certo que o próprio presidente da câmara apenas contextual e concomitantemente (e não previamente) é “informando pela via mais expedita” (art. 6.º, n.º 3).
120. E, por outra parte, a emissão do concreto ato administrativo de “requisição de meios”, deve observância ao princípio da proporcionalidade, que norteia toda a conduta administrativa.
Ou seja, nomeadamente terá de ser necessário (não há alternativa viável à requisição do efetivo de “polícias municipais”) e proporcional, em sentido estrito (os benefícios esperados para a segurança interna com o “reforço da capacidade operacional” da PSP superam, objetivamente, os custos infligidos ao bem-estar, tranquilidade pública e proteção da comunidade local em causa) [art. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 7.º, n.º 1, CPA].
121. Quanto ao fim legal, como vimos, é o do “reforço da capacidade operacional” da PSP para acorrer às situações de “segurança interna” descritas na LSI (art. 6.º, n.º 1).
122. Quanto ao conteúdo típico do ato administrativo de “requisição de meios”, deve dispor quanto (i) à determinação o número de agentes requisitados, (ii) ao tempo previsível da requisição, e (iii) à informação ao presidente da câmara municipal respetiva, pela via mais expedita (art. 6.º, n.º 2).
Bem entendido também aqui pontifica o princípio da proporcionalidade, no sentido em que o (i) número de agentes requisitados, e o (ii) tempo previsível da requisição devem ser os necessários e proporcionais, em sentido estrito, para debelar a “situação de urgência”.
123. O efeito jurídico externo típico da “requisição de meios”, redunda em produzir, unilateral e imediatamente, como decorre do conceito de “ato administrativo”, a suspensão da comissão de serviço dos “polícias municipais” em causa que, consequentemente, passam a “ficar[…] na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente” (art. 6.º n.º 2).
Esta é uma “situação funcional”, para a qual os mesmos estão habilitados em virtude do seu “estatuto profissional” de polícias da PSP, que tem caráter transitória (enquanto vigorar a “requisição de meios”) e não determina a ocupação de lugar no quadro de origem da PSP[62].
124. Quanto à forma, o ato administrativo de “requisição de meios”, deve ser praticado por escrito (art. 150.º, n.º 1, CPA).
125. Finalmente, quanto às menções obrigatórias, convém referir, além do mais exigido por lei, que dele deve constar fundamentação expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, de modo claro, congruente e sucinto, na medida em que o ato administrativo de “requisição de meios” consubstancia a suspensão (administrativa) dos atos administrativos de colocação, em comissão de serviço, dos “polícias municipais” em causa (arts. 150.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, alíneas a) a g), e 152.º, n.º 1, alínea e), CPA).
s) “Questão 3 - Âmbito e enquadramento das medidas cautelares de polícia enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.”.
126. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, também aqui, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal, das “medidas cautelares de polícia” enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e do Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
127. Convém encetar com uma precisão terminológica, para fazer corresponder o âmbito desta questão à “vontade presumida” da Exma. entidade consulente quanto às “medidas cautelares de polícia”, no sentido em que pretenderá saber o “regime jurídico” das “medidas cautelares” (que visam preservar os meios de prova) e, ainda, das “medidas de polícia”, lato sensu (detenção, revista e identificação e denúncia) em causa.
128. Entrando assim no exame do tema, é imperioso começar por frisar que as “medidas cautelares e de polícia” em causa são, apenas e exclusivamente, aquelas previstas na lei quadro, uma vez que também aqui prepondera o “princípio de legalidade da competência”.
Portanto, estão especificamente em causa as “medidas cautelares e de polícia” (lato sensu) previstas e reguladas nos seguintes artigos desse diploma legal:
- 3.º (Funções de polícia), n.º 3 (“Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativa”) e n.º 4 (identificação e revista de suspeitos);
- 4.º (Competências) n.º 1, alínea e) “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; alínea f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.”.
129. Com efeito, o “regime especial” — e bem entendido, em razão da sua função “executiva”, o RFOPML e o RFOPMP — não contém qualquer habilitação legal “especial” com respeito às competências legais em matéria das “medidas cautelares e de polícia” dos “polícias municipais” (no sentido da qualificação legal constante do n.º 2 do artigo 2.º, in fine).
Como antes já ficou explanado, embora mantenham o “estatuto profissional” de polícias da PSP, o respetivo “estatuto funcional”, na vigência da colocação em comissão de serviço, nas Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, é, na sua plenitude, justamente, o de “polícias municipais”, especialmente vocacionados para o exercício de funções de “polícia administrativa”.
Pois que “As atribuições, funções e competências da Polícia Municipal [de Lisboa e do Porto] são as decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, e as previstas na demais legislação aplicável.” (art. 6.º, n.º 1, RFOPML, e art. 7.º, n.º 1, RFOPMP), ou seja, em essência, o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia” aplicáveis aos “polícias municipais” é, precisa e exclusivamente, o da lei quadro (cf. supra, a nota de rodapé n.º 44).
130. Como também já referido, em virtude da respetiva homologação, que o revestiu do valor jurídico interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava esclarecer e, não menos importante, porque as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade[63], em conclusão, importa reiterar, na íntegra e como stare decisis, os fundamentos e conclusões do parecer n.º 28/2008, deste corpo consultivo, já identificado, em particular no que diz respeito à doutrina sobre o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia”, ali tratada com assinalável profundidade, frisando, muito em particular, as conclusões 4.ª a 11.ª, 13.ª, e 15.ª (supra transcritas, n.º 36, e que aqui se dão por inteira e expressamente reproduzidas).
131. O mais que hic et nunc, se pode reiterar, em face de afirmações que têm sido propaladas sobre o tema, é que, na verdade, “Os agentes das polícias municipais [somente] podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal”.
Ou seja, nomeadamente os “polícias municipais” nesses casos — embora somente nesses casos, tipificados na lei — têm competência para “deter suspeitos”; mais sendo certo que não ficam a aguardar pela chegada do órgão de polícia criminal, bem pelo contrário, têm de, ativamente, proceder à “imediata” entrega do detido à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal competentes (art. 4.º, n.º 1, alínea e), lei quadro).
Se há, genuína e reiteradamente, dificuldades operacionais na articulação das competências próprias dos polícias municipais e da PSP na boa execução desta medida de polícia, a mesma poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, entre as Polícias Municipais e a PSP, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “imediata entrega” do detido, em particular à PSP, bem como a composição de todo o expediente policial envolvido.
132. O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto a eventuais dificuldades operacionais em matéria da “prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente” [art. 4.º, n.º 1, alínea f)].
Também esta poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “chegada da PSP”, bem como a composição de todo o expediente envolvido (art. 4.º, n.º 1, alínea f), lei quadro).
t) “Questão 4 - Análise e enquadramento de incompatibilidades legais decorrentes da dependência administrativa, funcional e hierárquica ao respetivo Presidente de Câmara de Lisboa e do Porto e simultaneamente sujeição às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública (n.º 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro) (…)”.
133. Finalmente, com esta questão a Exma. entidade consulente pretenderá saber, em essência, se os “polícias municipais” estão sujeitos a uma “dupla hierarquia”, dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto e, por outra parte, da “hierarquia de comando” da PSP.
134. A “incompatibilidade legal”, nos usos legislativos e doutrinários nacionais, respeita à tendencial exclusividade do exercícios de cargos, empregos ou funções públicas, proibindo assim o titular em causa de os desempenhar simultaneamente com outros cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, em ordem a prevenir conflitos de interesses e a promover a eficiência no desempenho do serviço público.
Nas palavras de JOÃO ALFAIA «Denomina-se incompatibilidade a impossibilidade de desempenhar, além do cargo correspondente ao lugar ocupado, outras funções, ou de ocupar outro lugar».
Não será essa, cremos, a dúvida subjacente à questão sub iudicio, pois no caso há um único e exclusivo exercício de funções, mas antes a de saber se um mesmo “polícia municipal”, de Lisboa ou do Porto, e com respeito ao concreto modo de exercer as mesmas competências funcionais de que está legalmente investido, pode estar sujeito a uma “dupla hierarquia”, do Presidente da Câmara de Lisboa ou do Porto, por uma parte, e da “hierarquia de comando da PSP”, por outra parte, em virtude de manter o seu “estatuto profissional” de “pessoal com funções policiais da PSP”.
135. A resposta a esta questão é, prima facie, negativa.
Pois uma “dupla hierarquia”, sobre o mesmo agente e quanto à mesma competência funcional, virtualmente minaria o princípio hierárquico, que é congenial à estruturação das organizações policiais (art. 4.º, n.º 1, al. d), EPPFP da PSP).
Com efeito, ao perguntar «Em que fundamentos se louva o princípio hierárquico?» JOÃO BAPTISTA MACHADO explica, incisivamente, deste ponto de vista, que «Face à divisão do trabalho ou à repartição de tarefas, importa imprimir unidade e coerência às actividades dos diversos agentes, dirigir e coordenar o trabalho, por forma a realizar o objectivo final de modo eficiente. Por isso a impulsão vem de cima, as orientações são decididas no cume, onde também se faz a coordenação. A subordinação hierárquica permite realizar a unidade de comando e atribuir a cada órgão ou agente uma responsabilidade definida»[64].
136. O exame dos dados legais e regulamentares pertinentes, bem como dos contributos doutrinais, corroboram essa primeira intuição, ou seja, a resposta é negativa, nomeadamente à luz da consideração dos pares de conceitos contrapostos “hierarquia interna / hierarquia externa” e de “relação de serviço / relação orgânica”, nomeadamente no que respeita à Polícia Municipal de Lisboa e do Porto.
137. Com efeito, a lei quadro estabelece que as “polícias municipais são “serviços municipais com inserção hierárquica” definida na mesma, ou seja “organizados na dependência hierárquica do presidente da câmara” (art. 1.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1).
Nos termos do “regime especial”, as polícias municipais de Lisboa e do Porto “são organizadas na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara” embora com a ressalva “sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei”, ressalva essa que redunda em serem “organizadas hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, à semelhança dos comandos distritais da PSP, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública” (arts. 2.º, n.º 1, e 18.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º, n.º 1, 12.º, n.ºs 1 e 2).
Finalmente, quanto aos regulamentos em causa, o artigo 5.º (Composição), do RFOPML dispõe: “A Polícia Municipal é constituída exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (adiante designado polícias municipais), e está organizada hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP.” Já o mesmo preceito do RFOPMP dispõe: “A PMP é constituída por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados por polícias municipais, sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública“.
E os artigos 12.º (Estrutura / Organização) do RFOPML e do RFOPMP dispõem que as estruturas respetivas “compreendem o comando, os serviços e as subunidades, estruturadas hierarquicamente à semelhança dos comandos distritais da PSP”.
138. Ou seja, o modelo de organização das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é disposto “hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, mais “estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP”.
E é natural que tal estrutura organizatória seja decalcado do modelo hierárquico de organização vigente na PSP, pois como sabemos o efetivo das referidas Polícias Municipais é composto, exclusivamente, por pessoal com funções policiais da PSP.
E é também natural que os “polícias municipais” estejam sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, “determinada pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais.” (art. 61.º, n.ºs 1 e 29, EPPFP da PSP). Pois, de contrário, ao serem colocados nas Polícias Municipais de Lisboa ou do Porto poderia ocorrer a disrupção das regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, que são estruturantes da função e da carreira policial de origem — e na qual se mantêm, pois se trata de colocação em comissão de serviço, temporária por natureza —, de modo tal que viesse a permitir, v.g., que na Polícia Municipal de Lisboa ou do Porto, um polícia de categoria profissional subalterna ficasse investido em cargo de comando sobre um polícia de categoria profissional superior.
Aliás, só esta “estruturação hierárquica à semelhança dos comandos distritais da PSP”, com “sujeição dos polícias municipais às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP” é consonante com o ato administrativo de “requisição de meios”, tal como está estruturado na lei, na medida em que assim o efetivo das Polícias Municipais pode transitar imediatamente, em solução de continuidade, para a estrutura hierárquica e o comando operacional do comando metropolitano da PSP de Lisboa ou do Porto (art. 6.º, n.º 2).
139. Em suma, para usar uma metáfora, diremos que ex rerum natura, “polícia”, por uma parte, e regras de “hierarquia” e de “comando”, por outra parte, são indissociáveis, gémeos que não podem ser apartados.
Nas palavras eloquentes da lei, a este propósito, dispõe o artigo 61.º (Hierarquia de comando): “Os polícias estão sujeitos à hierarquia de comando, nos termos previstos na respetiva lei orgânica” (n.º 1) e, sobretudo, “A hierarquia de comando tem por finalidade estabelecer, em todas as circunstâncias de serviço, relações de autoridade e subordinação entre os polícias e é determinada pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais.” (n.º 2), do EPPFP da PSP, com referência ao artigo (62.º Carreiras e categorias), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do mesmo diploma legal.
140. Do ponto de vista jurídico-administrativo a figura jurídica aqui em causa é a ”hierarquia interna”, ou seja, «aquele modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos», no qual «Não está em causa directamente o exercício da competência de uma pessoa colectiva pública, mas o desempenho regular das tarefas de um serviço público: prossecução de actividades, portanto, e não prática de actos jurídicos»[65].
Ou seja, o que está aqui em causa é a organização hierarquizada da PML e da PMP (e não já a competência para dirigir as mesmas).
141. Figura jurídica bem diversa é já a “hierarquia externa”, em que «Também aqui, é certo, se toma a estrutura vertical como directriz, mas desta feita para estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência jurídica consiste: a hierarquia externa é uma hierarquia de órgãos. Os vínculos de superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da Administração. Já não está em causa a divisão do trabalho entre agentes, mas a repartição de competência ente aqueles a quem está confiado o poder de tomar decisões em nome da pessoa coletiva»[66].
Ou seja, o que agora está em causa é a competência para dirigir a PML ou a PMP (enquanto organizações hierarquizadas).
142. E neste particular, a lei quadro, o “regime especial”, e os regulamentos de funcionamento e organização, como vimos, são inequívocos e categóricos ao atribuírem aos presidentes da câmara, exclusivamente, tal competência diretiva: “A polícia municipal é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara” (respetivamente arts. 6.º, n.º 1; 3.º; 4.º, n.º 2; 4.º).
Mais: “A coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município” (arts. 6.º, n.º 2, lei quadro, art. 5.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017). O que comprova que apenas o Presidente da Câmara, não já o Diretor Nacional da PSP, está investido de poderes hierárquicos sobre os “polícias municipais”, pois de contrário este último não entraria em “coordenação”, exerceria, sem mais, “poderes de direção” sobre os “polícias municipais”.
E, finalmente, o “regime especial”, ao prever a “requisição de meios” dos efetivos da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, igualmente corrobora este entendimento, pois só através deste ato administrativo os “polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente” (art. 6.º, n.º 2), ou seja, a contrario sensu se deduz que antes de tal momento não o estavam.
143. Finalmente, neste contexto pode ser chamado à colação a distinção a “relação de serviço / relação orgânica”.
Com efeito, os “polícias municipais”, no que diz respeito aos seus direitos e deveres estatuários, uma vez que estão em comissão de serviço, mantêm uma “relação de serviço” com a PSP.
Porém, enquanto “polícias municipais”, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, estão antes integrados numa “relação orgânica”, exclusivamente com o serviço municipal de polícia, o qual, como sabemos, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”.
144. Ou seja, nas palavras da melhor doutrina, «Em termos ampliativos, dir-se-á que existe hierarquia, aí, onde quer que um agente administrativo possa dirigir ordens a outros agentes administrativos e estes estejam constituídos no dever jurídico de as respeitar. Quando se faz o estudo da repartição inter-orgânica de competências ao falar-se em relação hierárquica tem-se, contudo, em vista outro sentido, mais restrito, de hierarquia: aqui, ela só existirá quando a mencionada relação se estabelece entre órgãos administrativos e a propósito do exercício da sua competência funcional. Se bem repararmos trata-se de dois momentos distintos: no primeiro, a hierarquia respeita à relação de serviço que os agentes mantêm com a Administração relação que os obriga a respeitar, enquanto trabalhadores, as ordens da entidade patronal, constituindo-se em responsabilidade disciplinar quando o não façam. No segundo caso, a hierarquia estende-se à relação orgânica dos agentes com a Administração atingindo-os não como «trabalhadores», mas como titulares de um órgão administrativo, nomeadamente no que respeita ao exercício da sua competência. Não é difícil distinguir entre as duas formas de hierarquia: suponhamos que um técnico do quadro de funcionários de uma Direcção-Geral do Ministério X é colocado em comissão de serviço no órgão directivo de um estabelecimento público dependente do Ministro Y. Ora, enquanto funcionário, ele está colocado na dependência hierárquica do Ministro X ficando, portanto, vinculado a obedecer às ordens que lhe der respeitantes à sua relação de serviço, ainda que já esteja a desempenhar as suas funções no órgão directivo do estabelecimento público: assim, nomeadamente, estará obrigado a respeitar a ordem do Ministro X para que regresse às suas funções de origem. Há hierarquia, mas cingida à posição de serviço do funcionário. Ë por isso que o Ministro X não lhes pode dar ordens em matérias relacionadas com a competência legal do órgão directivo do estabelecimento público. Agora, suponhamos que, nos termos da Lei Orgânica deste estabelecimento, o exercício da competência do respectivo órgão directivo está sujeito numa ou noutra matéria, às instruções e ordens dimanadas do Ministro Y: aqui, a hierarquia não deriva da relação de serviço do funcionário, antes tem o seu fundamento (e também a sua projeção) na relação orgânica que o liga ao estabelecimento público»[67].
Quer dizer: quanto à “relação de serviço” — mas só quanto a esta — que originariamente os vincula à PSP, os “polícias municipais” devem naturalmente obediência às decisões, legítimas, dos órgãos competentes da PSP (p. ex., a não renovação da comissão de serviço, na PML ou na PMP).
Mas já quanto à “relação funcional”, enquanto “polícias municipais” e no desempenho das respetivas funções, de polícia administrativa ou de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais, estão exclusivamente na dependência hierárquica dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, e portanto apenas vinculados ao respetivo “poder de direção”, nomeadamente através das ordens e instruções dos mesmos[68].
145. Em conclusão, enquanto “polícias municipais”, de Lisboa e do Porto, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, não há “dupla hierarquia”, pois a “relação orgânica” dos mesmos tem como contraparte, única e exclusivamente, o serviço municipal de polícia, o qual, por seu turno, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”, o qual está assim investido dos inerentes poderes, em particular, do “poder de direção” sobre os “polícias municipais” de Lisboa e do Porto.
III
(Conclusões)
1.ª — A competência, em razão da matéria, deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do Estatuto do Ministério Público (EMP), e da alínea a), do artigo 3.º (Competência), do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (RCCPGR), é “restrita a matéria de legalidade”, ou seja, às questões de Direito que, em essência, respeitam à determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos;
2.ª — As questões relativas à “atualidade” dos regimes e normas jurídicas submetidas à presente consulta são matéria de “política legislativa”, da exclusiva responsabilidade do legislador, segundo juízos de “oportunidade ou conveniência”, pelo que não podem ser objeto de pronúncia por parte deste corpo consultivo, a título da competência estabelecida nas citadas alínea a) do artigo 44.º do EMP e alínea a) do artigo 3.º do RCCPGR, porquanto é “restrita a matéria de legalidade”;
3.ª — Sobre questões similares àquelas agora em apreciação já anteriormente emitiu pronúncia o Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio, deste Conselho Consultivo, depois homologado pela entidade consulente, versando sobre disposições de ordem genérica, com ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade, pois não houve alterações substantivas no quadro legislativo relevante, pelo que na íntegra e como stare decisis, se reiteram os fundamentos e conclusões respetivas (Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008, pp. 35859 a 35875) [então, Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), art. 43.º, n.º 1, e hoje, art. 50.º, n.º 1, EMP);
4.ª — Nos termos do regime constitucional vigente, as polícias municipais estão integradas na organização das autarquias locais e têm, predominantemente, funções de polícia administrativa e, complementarmente, funções de segurança interna, restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (art. 237.º, n.º 3, preceito aditado ao normativo em causa por força do artigo 160.º da Lei Constitucional n.º 1/97 (IV Revisão Constitucional), de 20 de setembro);
5.ª — Este modelo constitucional, seja no plano dos princípios, seja também da sua aplicação prática, não institui antagonismo, mas antes complementaridade de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, no domínio da “segurança interna”, através de um regime de divisão e especialização de tarefas: ao criar e atribuir àquelas primeiras funções de polícia administrativa e, complementarmente, de cooperação na “manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”, desonera o efetivo das forças de segurança dessas tarefas, permitindo que o mesmo seja mobilizado, primordialmente, para funções de “segurança interna”;
6.ª — Os regimes legais vigentes estabelecem que as polícias municipais têm por função primordial a “defesa da legalidade democrática, no aspeto do cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos órgãos das autarquias locais”, pelo que a atividade de polícia municipal, de regime geral ou especial (Lisboa e Porto), é de caraterizar como polícia administrativa, em sentido funcional (arts. 2.º, n.º 1, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004 (“lei quadro”), de 20 de maio, art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017 (“regime especial”), de 26 de janeiro);
7.ª — Os regimes legais vigentes organizam as polícias municipais como “serviços municipais”, “atua[ndo] no quadro definido pelos órgãos representativos do município”, com “âmbito municipal”, funcionando “na dependência do presidente da câmara municipal”, e em particular as de Lisboa e Porto, como “um serviço da respetiva câmara municipal, equiparado a direção municipal”, o seu efetivo é de “polícias municipais” e, “sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto” os mesmos são “equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal”, a “criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal”, através da aprovação do “regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto”, “sendo que “das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa, a enumeração das respetivas competências e a área do território do município em que as exercem” e, finalmente, a determinação do efetivo é feita “tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respetivo município”), pelo que, tudo considerado, as mesmas são de caraterizar como polícia administrativa, em sentido organizatório [art. 1.º, n.ºs 1 e 2, 6.º, n.º 1, 8.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, arts. 2.º, n.º 1, 3.º, 15.º, n.ºs 1 e 2 , e 18.º, n.ºs 1 e 3, Decreto-Lei n.º 13/2017, arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, e 12.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa (RFOPML), arts. 4.º, 6.º, n.º 1, e 12.º, e 13.º A), Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal do Porto (RFOPMP)];
8.ª — A lei constitucional opõe-se à atribuição da qualificação, do estatuto e das competências legais próprias de “órgão de polícia criminal” às polícias municipais, pois lhes comete, exclusivamente, funções de polícia administrativa e de segurança interna, estas restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” mas, em todo o caso, disso é díspar, em essência, a figura jurídica da atribuição aos “polícias municipais” de permissões legais, individualizadas e tipificadas, para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos “órgãos de polícia criminal”, diretamente conexas com as funções de polícia administrativa;
9.ª — A lei quadro, em conformidade, recusa expressamente atribuir às polícias municipais, sejam de regime geral ou especial, a qualificação, o estatuto e as competências legais próprias “órgão de polícia criminal”, ao dispor que “(…) é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, todavia “sem prejuízo do disposto nos números anteriores”, ou seja, sem embargo das competências, excecionais e casuisticamente tipificadas, que nos termos da lei as mesmas poderão exercer e que são funcionalmente equivalentes a “medidas cautelares e de polícia”, no sentido da lei processual penal (art. 3.º, n.º 5);
10.ª — Na previsão legal dos n.ºs 1 a 4, do artigo 3.º (Órgãos de polícia criminal) da Lei n.º 49/2008 (Aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal), de 27 de agosto, não constam as polícias municipais;
11.ª — A lei constitucional recusa atribuir às polícias municipais as funções de “prevenção dos crimes”, as quais reserva para as polícias com âmbito nacional e funções típicas de “segurança interna”, ou seja, às forças de segurança (art. 272.º, n.ºs 3 e 4);
12.ª — A lei quadro, em conformidade, no n.º 4 do seu artigo 2.º (Atribuições), estabelece que “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança”;
13.ª — A Lei n.º 53/2008 (Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto, em conformidade, não faz constar as polícias municipais, de regime geral ou especial, do elenco legal de forças de segurança (art. 25.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4);
14.ª — As Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto, são, também elas, serviços municipais, “especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais”, ou seja, são também elas, como as de “regime geral”, polícias administrativas, de âmbito municipal, em sentido funcional e organizatório, embora “com as especificidades do presente decreto-lei”, que em nada descaraterizam ou exorbitam de tais funções (art. 2.º, n.º 1, e 2, in fine, 3.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, n.º 1, RFOPMP);
15.ª — Às Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto são, de plano, aplicáveis as interdições, constitucional e legal, de atribuição do estatuto e do exercício de funções de força de segurança e de “órgão de polícia criminal”, sem embargo, quanto as estas últimas, das permissões legais, estritamente tipificadas, atribuídas para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Decreto-Lei n.º 13/2017);
16.ª — Da letra e do pensamento legislativo, corroborado pela história da lei, decorre uma dicotomia entre o “estatuto funcional” (que os vincula, para esses efeitos, à PSP) e o “estatuto profissional” (que os vincula, para esses efeitos, apenas aos serviços municipais), do pessoal com funções policiais da PSP, que exclusivamente constitui o efetivo das polícias municipais de Lisboa e do Porto, e que a lei, sintomaticamente, designa por “polícias municipais” (art. 2.º, n.º 2, in fine, Decreto-Lei n.º 13/2017);
17.ª — Com efeito, o recrutamento para as Polícias Municipais de Lisboa (PML) e do Porto (PMP) é efetuado em comissão de serviço por três anos, renovável até ao limite de nove anos, pelo que tais polícias ficam assim vinculados a “exerce[r] as suas funções nos termos legalmente definidos para o cargo” em causa, que é o de “polícia municipal”, correspondente à “especial vocação do respetivo serviço municipal para o exercício de funções de polícia administrativa” (art. 79.º, n.º 3, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), ex vi arts. 5.º, n.º 2, 97.º, n.º 3, e 107.º, Decreto-Lei n.º 243/2015 (Aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública), de 19 de outubro [EPPFP da PSP], arts. 2.º, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004, artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/2017);
18.ª — Durante todo o período de desempenho dessa comissão de serviço os polícias em causa têm, exclusivamente, a condição de “polícias municipais” e o correspondente “estatuto funcional”, com as correlativas funções, atribuições e competências, predominantemente de polícia administrativa, e complementarmente, de “cooperação” na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das populações locais, ficando em consequência suspensa, interinamente, a respetiva competência funcional e o estatuto de “órgão de polícia criminal”, inerente ao pessoal com funções policiais da PSP, que todavia retomarão, ipso facto, por força da simples cessação dessa comissão de serviço ou, eventualmente, da “requisição de meios” prevista no artigo 6.º (Requisição de meios), n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro [art. 11.º, n.ºs 1 a 3, Lei n.º 53/2007 (Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública), de 31 de agosto LOPSP];
19.ª — A habilitação legal constante do artigo 5.º (Cooperação), do Decreto-Lei n° 13/2017, cit., é exercida na forma jurídica de “contrato interadministrativo”, a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto, com à relação interadministrativa de “cooperação”, a qual, no seu sentido técnico-jurídico próprio, é de tipo paritário e legitima a atuação conjunta da PSP e das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, na medida e apenas para efeitos da resolução de problemas que relevem das funções, atribuições ou competências de ambas (art. 5.º, n.º 3); quanto a certos aspetos da “cooperação” e da “coordenação” entre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da PMP com a PSP, nomeadamente em matéria de “segurança relativa a manifestações, comícios e outras reuniões de natureza pública”, importa chamar à colação o Parecer n.º 11/2021, de 28 de outubro, deste corpo consultivo, o qual foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, versa sobre disposições de ordem genérica, e teve ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito, pelo que aqui se reiteram, como stare decisis, os fundamentos (pp. 39 a 42, n.º V.6.) e conclusões (em particular, 9.ª a 11.ª, 17.ª) do mesmo, pertinentes para as questões de Direito agora em apreciação (art. 50.º, n.º 1, EMP);
20.ª — Esta habilitação legal respeita, portanto, estritamente à celebração de contratos interadministrativos de “cooperação”, assim «pressup[ondo] a prossecução e a manutenção das atribuições e competências» das partes contratantes e, por isso, interditando a transferência de atribuições ou competências entre as mesmas, de modo que: (i) «o quadro legal e a distribuição territorial de competências não pode ser objeto de qualquer alteração direta ou indiretamente» e, bem assim, (ii) «não podem ser atribuídos por via contratual a qualquer das partes, maxime, à PSP poderes de direção ou poderes de coordenação sobre a atividade da polícia municipal», pelo que, a “coordenação” constante da epígrafe oficial e da previsão legal do n.º 2 do artigo 6.º (Dependência orgânica e coordenação), da lei quadro, e a “coordenação operacional” mencionada no artigo 1.º dos dois contratos interadministrativos em causa, devem ambas ser lidas, interpretadas e aplicadas, neste âmbito, como “cooperação” (maxime, como “cooperação operacional”), em sentido formal, técnico-jurídico, como referido na anterior conclusão 19.ª [art. 111.º, n.º 2, Constituição, e arts. 3.º, n.ºs 1 e 2, e 36.º, Código do Procedimento Administrativo (CPA)];
21.ª — Quanto às “áreas” que podem ser objeto da “cooperação” entre as PML e PMP e a PSP, constam das alíneas a) a i), do n.º 2 do artigo 5.º em apreço, mediante a cláusula: “O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas: (…)”, portanto através de uma enumeração legal, de caráter exemplificativo (“entre outras”), mas há ainda a considerar as duas “áreas de cooperação” previstas do n.º 2 do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, em particular a “satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados”, pois não tendo sido expressamente levada à enumeração legal do n.º 2 deste artigo 5.º, como foi o caso da “partilha de informação relevante para o desenvolvimento das respetivas funções”, está implícita, mas necessariamente, integrada na respetiva enumeração legal;
22.ª — A competência para eleição dessas “outras áreas” é, por definição, estabelecida por consenso, sendo assim “assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.” (art. 5.º, n.º 1 e 3), e tem de ser realizada à luz do “princípio da legalidade da competência”, ou seja, apenas podem ser definidas “áreas” estritamente correspondentes a funções, atribuições e competências, próprias ou concorrentes, das entidades policiais em causa, tal como previamente definidas na Constituição, na lei e nos regulamentos, ou seja, do ponto de vista das Polícias Municipais, a habilitação legal procede da Constituição (art. 237.º, n.º 3), da lei quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º), do “regime especial” (art. 4.º, n.º 1 e 2) e dos regulamentos de funcionamento e organização (art.º 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, e art. 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPMP), sendo fulminadas de nulidade as cláusulas contratuais que consagrem “áreas de cooperação” que extravasem desses limites de legalidade (art. 266.º, n.º 2, Constituição, arts. 3.º, n.º 1, e 36.º, n.ºs 1 e 2, CPA, e art. 284.º, n.º 2, Código dos Contratos Públicos, conjugado com o art. 161.º, n.º 2, alínea d), CPA);
23.ª — Uma dessas “áreas de eleição” poderá ser justamente aquela credenciada pela habilitação constitucional das polícias municipais, nos termos do n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa) da Constituição (“As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”), pois estas são funções próprias das polícias municipais mas que, necessariamente, têm de ser exercidas em “cooperação”, no sentido técnico-jurídico referido, ou seja, uma atuação de caráter paritário, que interdita qualquer relação de supremacia entre as entidades policiais em causa, nomeadamente por parte da PSP, sem embargo da atuação das Polícias Municipais neste domínio, em certo sentido, ser “complementar” daquelas forças de segurança, conforme os expressos termos e limites estabelecidos do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, a saber: “A cooperação (…) exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de atuação próprias (…)” (n.º 3) e “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.” (n.º 4);
24.ª — A “requisição de meios” (scl., de “polícias municipais”), prevista no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, e reiterada no artigo 15.º (Requisição de meios) dos dois contratos interadministrativos em causa, é uma figura jurídica diversa da (i) “requisição civil” (Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro, da (ii) “requisição temporária de bens e serviços” (artigo 24.º da Lei da Lei n.º 27/2006 (Aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de julho, e (iii) da “requisição administrativa [art. 84.º, n.º 1, Lei n.º 168/99 (Aprova o Código das Expropriações), de 18 de setembro];
25.ª — A “requisição de meios” é um “ato administrativo” (“plural”), pois corresponde à definição estipulativa estabelecida na lei procedimental (“decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”), sendo que a competência para a prática do mesmo está legalmente deferida ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, como “competência própria” (art. 6.º, n.º 1), mas enquanto tal pode ser delegada, “em todos os níveis de pessoal dirigente as suas competências próprias”, nos termos do n.º 3 do artigo 21.º (Competência), da LOPSP, observados ainda os demais termos gerais de Direito [v.g., arts. 44.º, n.ºs 1 a 3, e 5, 47.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, alíneas a) e b), e 148.º, CPA];
26.ª — Relativamente ao procedimento, a lei não prevê qualquer prazo, ato, ou formalidade especificamente tendente à formação (ou manifestação) do ato administrativo da “requisição de meios”, o que indicia o caráter desprocedimentalizado, por premente, do mesmo;
27.ª — O pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” é fixado por remissão legal, para as “situações previstas na Lei de Segurança Interna” sendo finalidade do mesmo o “reforço da sua [da PSP] capacidade operacional”, mas a Lei n.º 53/2008 (Aprova a Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto (LSI), todavia, não prevê no respetivo articulado qualquer suposto de “requisição de meios”, pelo que o pressuposto de facto desse ato administrativo remete para a ocorrência de alguma ou algumas das “situações de segurança interna” descritas no n.º 3 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna) daquele diploma legal, que define as finalidades das medidas de polícia de “segurança interna”, a saber: “em especial, a[s de] proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública.” (art. 6.º, n.º 1);
28.ª — Não é, porém, qualquer umas dessas “situações de segurança interna”, por “ligeira, potencial e remota” que seja, que constitui o pressuposto de facto em causa, apenas o será na medida em que ocorra, objetivamente, “perigo grave, atual e iminente” para as mesmas (art. 3.º, n.º 1);
29.ª — O fim legal da “requisição de meios” é o do “reforço da capacidade operacional” da PSP”, no caso para acorrer às referidas situações de “segurança interna”, mas a emissão do ato administrativo em causa deve sempre observância ao princípio da proporcionalidade, ou seja, nomeadamente o mesmo deve ser necessário (não há alternativa viável à requisição do efetivo de “polícias municipais”) e proporcional, em sentido estrito (os benefícios esperados para a segurança interna com o “reforço da capacidade operacional” da PSP superam, objetivamente, os custos infligidos ao bem-estar, tranquilidade pública e proteção da comunidade local em causa) [art. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 7.º, n.º 1, CPA, art. 1.º, n.º 3, LSI, e art. 6.º, n.º 1 e 2];
30.ª — Quanto ao conteúdo típico do ato administrativo de “requisição de meios” deve dispor sobre (i) a determinação do número de agentes requisitados, (ii) o tempo previsível da requisição, e (iii) a informação do presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita (art. 6.º, n.º 2), sendo que pontifica também aqui o princípio da proporcionalidade, no sentido em que o (i) número de agentes requisitados, e o (ii) tempo previsível da requisição devem ser, nomeadamente, os necessários e proporcionais, em sentido estrito, para debelar a situação de urgência;
31.ª — O efeito jurídico externo típico da “requisição de meios”, redunda em produzir, unilateral e imediatamente, como decorre do conceito de “ato administrativo”, a suspensão da comissão de serviço dos “polícias municipais” em causa que, consequentemente, regressam e passam a “ficar[…] na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, situação funcional esta, para a qual os mesmos estão habilitados em virtude do seu “estatuto profissional” de polícias da PSP, que tem caráter transitório (enquanto vigorar a “requisição de meios”) e não determina a ocupação de lugar no quadro de origem da PSP (art. 6.º, n.º 2);
32.ª — Quanto à forma, o ato administrativo de “requisição de meios”, deve ser praticado por escrito, e quanto às menções obrigatórias, além do mais exigido na lei, deve constar, nomeadamente, a fundamentação expressa, através de sucinta exposição das razões de facto e de direito da decisão, de modo claro, congruente e sucinto, pois o ato administrativo de “requisição de meios” consubstancia a suspensão (administrativa) dos atos administrativos de colocação, em comissão de serviço, dos “polícias municipais” em causa [arts. 150.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, alíneas a) a g), e 152.º, n.º 1, alínea e), CPA];
33.ª — Em matéria de “medidas cautelares e de polícia” também rege o “princípio de legalidade da competência”, de modo que a habilitação legal das polícias municipais para o efeito procede, exclusiva e estritamente, dos seguintes artigos da lei quadro: 3.º (Funções de polícia), n.º 3 (“Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativa”) n.º 4 (identificação e revista de suspeitos); 4.º (Competências) n.º 1, alínea e) “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; alínea f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.”;
34.ª — O “regime especial” — e bem entendido, em razão da sua função “executiva”, o RFOPML e o RFOPMP — não contém qualquer habilitação legal “especial” com respeito aos “policiais municipais”, nomeadamente quanto a competências em matéria de “medidas cautelares e de polícia”, antes remete, na íntegra, para a lei-quadro, i.e, em essência, o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia” aplicáveis aos “polícias municipais” é o dos artigos 3.º a 5.º da lei quadro (art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 6.º, n.º 1, RFOPML, e art. 7.º, n.º 1, RFOPMP);
35.ª — Nos termos e com os fundamentos constantes da conclusão 3.ª, supra, são de reiterar, sempre como stare decisis, os fundamentos e conclusões do Parecer n.º 28/2008, deste corpo consultivo, em particular no que diz respeito à doutrina sobre o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia”, ali tratada de modo incisivo, nomeadamente nas conclusões 4.ª a 10.ª, 13.ª e 15.ª;
36.ª — Para os presentes efeitos, importa reiterar que “os agentes das polícias municipais [somente] podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal”, ou seja, os “polícias municipais” nesses casos — embora somente nesses casos, tipificados na lei — têm competência para “deter suspeitos”, mais sendo certo que têm ativamente de providenciar pela “imediata” entrega do detido à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal competentes pata tanto (art. 4.º, n.º 1, alínea e), Lei 19/2004);
37.ª — Havendo, genuína e reiteradamente, dificuldades operacionais na articulação das competências próprias dos “polícias municipais” e da PSP na boa execução desta medida de polícia, a mesma poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, entre as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto e a PSP, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “imediata entrega” do detido, em particular à PSP, bem como a composição de todo o expediente policial envolvido;
38.ª — O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto a eventuais dificuldades operacionais relativamente à “prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do “órgão de polícia criminal competente” pois que esta também poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “chegada da PSP”, bem como a composição de todo o expediente envolvido (art. 4.º, n.º 1, alínea f), Lei n.º 19/2004);
39.ª — A “incompatibilidade legal”, nos usos legislativos e doutrinários nacionais, respeita à tendencial exclusividade do exercício de cargos, empregos ou funções públicas, proibindo assim o titular em causa de os desempenhar simultaneamente com outros cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, tudo em ordem a prevenir conflitos de interesses e a promover a eficiência na prestação do serviço público;
40.ª — Na espécie, porém, não estará em causa uma “incompatibilidade legal”, pois é único e exclusivo o exercício de funções em causa, mas antes a questão de saber se um mesmo “polícia municipal”, de Lisboa ou do Porto, e com respeito ao concreto modo de exercer as mesmas competências funcionais de que está legalmente investido, pode estar sujeito a uma “dupla hierarquia”, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, por uma parte, e da “hierarquia de comando da PSP”, por outra parte, tudo em virtude de manter o seu “estatuto profissional” de “pessoal com funções policiais da PSP”.
41.ª — A resposta a esta questão é, prima facie, de sentido negativo, pois uma “dupla hierarquia”, sobre o mesmo agente e quanto à mesma competência funcional, virtualmente minaria o princípio hierárquico, congenial à estruturação das organizações policiais, na medida em que este tem por função, em particular, assegurar a unidade de direção, preterindo justamente a dualidade de direção da organização em causa (art. 4.º, n.º 1, al. d), EPPFP da PSP);
42.ª — O modelo de organização das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é disposto “hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, mais “estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP”, sendo, naturalmente, decalcado do modelo hierárquico de organização vigente na PSP, pois o efetivo das referidas Polícias Municipais é composto, exclusivamente, por pessoal com funções policiais da PSP (art. 18.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 12.º, n.º 2, RFOPML, art. 12.º, RFOPMP);
43.ª — E também natural que os “polícias municipais” estejam sujeitos às “regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, determinadas pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais”, pois, de contrário, ao serem colocados na PML ou na PMP poderia ocorrer a disrupção da regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, que são estruturantes da função e da carreira policial de origem — e na qual se mantêm, pois se trata de colocação em comissão de serviço, temporária por natureza —, de modo tal que viesse a permitir que na PML ou na PMP, v.g. um polícia de categoria profissional subalterna ficasse investido em cargo de comando sobre um polícia de categoria profissional superior (art. 2.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, e art. 61.º, n.ºs 1 e 2, EPPFP da PSP, com referência ao artigo 62.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do mesmo diploma legal);
44.ª — Aliás, só esta “estruturação hierárquica à semelhança dos comandos distritais da PSP”, com “sujeição dos polícias municipais às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP” é consonante com o ato administrativo de “requisição de meios”, tal como está estruturado na lei, na medida em que apenas assim o efetivo das Polícias Municipais pode transitar imediatamente, em solução de continuidade, para a estrutura hierárquica e o comando operacional do comando metropolitano da PSP de Lisboa ou do Porto (art. 6.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017);
45.ª – Do ponto de vista jurídico-administrativo, a figura jurídica antes referida respeita à ”hierarquia interna”, enquanto estrutura do modelo de organização, ou seja, o que está aqui em causa é a organização hierarquizada da PML ou da PMP (e não já a competência para dirigir essas organizações); diversa é já a figura jurídica da “hierarquia externa”, agora o que está em causa é a competência para dirigir as organizações (enquanto estruturas hierarquizadas), e quanto a essa a lei quadro, o “regime especial”, e os regulamentos de funcionamento e organização, são categóricos ao atribuírem aos presidentes da câmara, exclusivamente, tal competência diretiva: “A polícia municipal é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara” (arts. 6.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, cit., art. 3.º, Decreto–Lei n.º 13/2017, 4.º, n.º 2, RFOPML, e art. 4.º);
46.ª — Por outra parte, nos termos da lei, “A coordenação entre a ação da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município”, donde decorre que apenas o presidente da câmara, não o Diretor Nacional da PSP, está investido de poderes hierárquicos sobre os “polícias municipais”, pois de contrário este último não entraria em “coordenação”, exerceria, sem mais, “poderes de direção” sobre os “polícias municipais” (art. 6.º, n.º 2, Lei n.º 19/2004);
47.ª — E, por último, o “regime especial”, ao prever a “requisição de meios” dos efetivos da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, igualmente corrobora este entendimento, pois só através deste ato administrativo os “polícias municipais” requisitados “ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, ou seja, a contrario sensu se deduz que antes de tal momento não o estavam (art. 6.º, n.º 2);
48.ª — Finalmente, neste contexto pode ser chamada à colação a distinção entre “relação de serviço / relação orgânica”: com efeito, os “polícias municipais”, no que diz respeito aos seus direitos e deveres estatuários, uma vez que estão em comissão de serviço, mantêm uma “relação de serviço” com a PSP, mas no que diz respeito ao exercício das respetivas competências funcionais, estão antes integrados numa “relação orgânica” tendo como contraparte exclusivamente o serviço municipal de polícia, o qual “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”;
49.ª — Quer dizer: quanto à “relação de serviço” — mas apenas quanto a esta — que originariamente os vincula à PSP, os “polícias municipais” devem naturalmente obediência às decisões, legítimas, dos órgãos competentes da PSP (p. ex., a não renovação da comissão de serviço, na PML ou na PMP); mas já quanto à “relação funcional”, enquanto “polícias municipais” e no desempenho das respetivas funções, de polícia administrativa ou de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais, estão exclusivamente na dependência hierárquica dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, e portanto apenas vinculados, em particular, ao respetivo poder de direção, nomeadamente através das respetivas ordens e instruções;
50.ª — Em conclusão, enquanto “polícias municipais”, de Lisboa e do Porto, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, não há “dupla hierarquia”, pois a “relação orgânica” dos mesmos tem como contraparte, única e exclusivamente, o serviço municipal de polícia, o qual, por seu turno, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”, o qual está assim investido dos inerentes poderes, em particular do “poder de direção” sobre os “polícias municipais”, de Lisboa ou do Porto.
[1] Aprovado pela Deliberação n.º 991/2023, de 9 de outubro.
[2] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto (Aprova Estatuto do Ministério Público), com a alteração estabelecida pelo artigo 388.º (Alteração ao anexo II à Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), da Lei n.º 2/2020 (Orçamento do Estado para 2020), de 31 de março.
[3] Aprovado pelo artigo 1.º (Aprovação do Código Civil) do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 48/2024 (Limita as situações em que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca), de 25 de julho.
[4] Aprovado pelo artigo 1.º (Objeto) da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 87/2024 (Regula a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, determinando que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica), de 7 de novembro.
[5] Cf. https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2011:140.02.1GAVLP.P1.S1.D2?search=_lmrj315WBubhskdG1U
[6] Revista de Legislação e Jurisprudência, 62.° ano (1929 a 1930), n.º 2381, “Resposta a consulta” (não assinada), p. 51 [1.ª coluna].
[7] Diário da República, n.º 219/2019, Série II de 2019-11-14, pp. 324 – 353.
[8] O Direito / Introdução e Teoria Geral (Uma perspectiva Luso-Brasileira), 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pp. 297 e 298 (n.ºs 136, I e II, e 137, n.º III; não relevam agora, para os nossos fins, as modalidades não normativas da «ordem individual» e da «”fonte” individual» ali identificadas nos n.º I e II).
[9] Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 413 e 414 § 22 (I, n.ºs 1 e 2, e II, n.º 1 e 2).
[10] Sobre os Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, Almedina, Coimbra, 2012, p. 20 (n.º V).
[11] Aprovado pelo artigo 1.º (Aprovação) da Lei n.º 15/2002 (Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) e procede à quarta alteração do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelas Leis n.ºs 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de dezembro), de 22 de fevereiro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 87/2024 (Regula a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, determinando que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica), de 7 de novembro.
[12] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 97 e 98 (n.º I).
[13] JACQUES RAYNARD, “Domaine et thèmes des avis”, THIERRY REVET (dir.), L'inflation des avis en droit, Economica, Paris, 1986, pp. 12 e 13 [trad. nossa].
[14] Introdução ao pensamento jurídico, trad. portuguesa, de J. Baptista Machado, 6.ª ed., FCG, Lisboa, 1988, pp. 310 e 311 ( = Einführung in das juristische Denken, 8.ª ed, Kohlhammer, Estugarda, 1983, pp. 160 e 161).
[15] Com a redação da Lei n.º 50/2019 (Sexta alteração à Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições, transpondo a Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, primeira alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, sobre a revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro, que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal), de 24 de julho, cujo artigo 5.º (Alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio), alterou a redação do n.º 1 do artigo 9.º (Armamento e equipamento) da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, e o artigo 9.º (Norma revogatória), que revogou os n.ºs 3 e 4 do preceito legal antes mencionado.
[16] Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008, pp. 35859 a 35875 (Polícia — Polícia municipal — Polícia administrativa — Medidas de polícia — Órgão de polícia criminal — Crime de desobediência — Identificação — Revista — Detenção — Poder de autoridade — Fiscalização).
[17] Lei n.º 47/86 (Estatuto do Ministério Público), de 15 de outubro, com a redação que, por último lhe foi conferida pela Lei n.º 114/2017 (Orçamento do Estado para 2018), de 29 de dezembro.
[18] Regula, nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, o regime especial das polícias municipais de Lisboa e do Porto, constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, doravante “Regime especial”
[19] Aviso n.º 11359/2018 (Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa), de 16 de agosto, Diário da República n.º 157/2018, Série II de 2018-08-16, páginas 22638 – 22645.
[20] Regulamento n.º 343/2017 (Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal do Porto), Diário da República n.º 121/2017, Série II de 2017-06-26, páginas 12880 – 12887.
[21] JOÃO RAPOSO, Direito Policial I, Almedina, Coimbra, 2006, p. 96 e 29 (itálicos e sublinhados no original).
[22] SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, DJAP, vol. VI, Lisboa, 1994, p. 394 (§ 2.º, n.º 2, 2.ª coluna).
[23] A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 340 a 355 [355].
[24] SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, ob. cit., p. 406 (§ 4., n.º 5, 2.ª coluna).
[25] ANTOINE DELBOND, La police administrative, L’ Hermès, Lyon, 1997, p. 36 (n.º 2) [trad. nossa].
[26] Lei n.º 53/2008 (Aprova a Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 99-A/2023 (Aprova a orgânica da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros), de 27 de outubro.
[27] ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “a Polícia na Constituição Portuguesa”, II Colóquio de Segurança Interna, Manuel Monteiro Guedes Valente (coord.), Almedina, Coimbra, 2006, p. 37 (itálicos nossos), e nota de rodapé n.º 3 (onde remata escrevendo «Nos nossos dias, seria de omitir a referência à ‘tranquilidade pública’ já que, em rigor, esta é parte da ordem e segurança públicas». No mesmo sentido, PIETRO VIRGA, Diritto Amministrativo / Attivitá e prestazioni, Vol. 4, Giuffrè, Milão, s.d., p. 330 (n.º 2), elucida que «As finalidades da polícia administrativa estão compendiadas no art. 1 do Texto Único das Leis da Polícia de Segurança, o qual as vislumbra na tutela da segurança pública e da ordem pública», sendo que este A. integra na “ordem pública”, em particular, justamente a «(…) ordem material e exterior (…) sinónimo de ausência de desordem material» [trad .e itálicos nossos].
[28] CATARINA SARMENTO E CASTRO, Competências dos serviços de polícia municipal : sentido e limites de actuação, CEFA, Coimbra, 2002, p. 43, sendo que, na anterior p. 34, explica que «A ordem pública, que em muitos contextos aparece associada à tranquilidade pública e com ela se confunde, surge como uma ordenação externa, como um conjunto de circunstâncias externas indispensáveis ao exercício dos direitos dos cidadãos e ao funcionamento das instituições», e na cit. ob., A questão das Polícias Municipais, p. 330, em termos idênticos.
[29] Lei n.º 49/2008 (Aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal), de 27 de agosto, na redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 6.º (Alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto) da Lei n.º 2/2023, de 16 de janeiro.
[30] Competências dos serviços de polícia municipal, cit., p. 28.
[31] Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I – Artigos 1.º a 123.º, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, comentário ao artigo 1.º, p. 53 (§ 16).
[32] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (org.), Comentário do Código de Processo Penal / À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, 2023, NOTA PRÉVIA ao Artigo 55.º, p. 189 (n.º 1).
[33] Diversamente, porém, distinguindo casos positivos (são órgãos de polícia criminal) e negativos (não são órgãos de polícia criminal), em função dos concretos poderes definidos na deliberação municipal de criação polícia municipal, num artigo de referência, RUI CARDOSO advoga que «Deste modo, sendo EP [Entidades Policiais] e competentes para levar a cabo actos de recolha e conservação de prova de crime, na dependência funcional das AJ’s, podem ser consideradas OPC’s […], ainda que com competências limitadas (específicas não reservadas). A competência de cada concreta PMu é definida taxativamente na deliberação municipal que a criar – artigo 12.º, n.º 1, da LQPMu e artigo 3.º, alínea a), do DL 197/2008. Tais concretas competências podem ser menores do que as definidas no artigo 4.º da LQPMu, podendo assim não ter as competências próprias de OPC. Ou seja, só caso a caso se pode determinar se uma concreta PMu é ou não OPC.», cf. “Órgãos de Polícia Criminal: o que são, os que são e os que não são”, Revista do Ministério Público, n.º 161: janeiro: março 2020, pp. 208 e 209 [209] (itálicos no original).
[34] JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. III, 2.ª ed. revista, UCE, Lisboa, 2020, anotação ao artigo 237.º, p. 396 (n.º XI) [JORGE MIRANDA].
[35] Competências dos serviços de polícia municipal, cit., pp. 44 e 45 [45].
[36] “A actividade de polícia e a atividade policial como atividades limitadoras de comportamentos e de posições jurídicas subjectivas”, Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 1274.
[37] Lei n.º 53/2007 (Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública), de 31 de agosto, com a redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 53/2023 (Transpõe a Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado, alterando as Leis n.ºs 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho, e 73/2021, de 12 de novembro), de 31 de agosto.
[38] PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2013, p. 193 [n.º 8.6.6. (b) (i)].
[39] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015 (No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/2014, de 11 de julho, aprova o novo Código do Procedimento Administrativo), de 7 de janeiro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 30.º (Alteração ao Código do Procedimento Administrativo) do Decreto-Lei n.º 11/2023 (Procede à reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais), de 10 de fevereiro.
[40] MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral / Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 5.ª ed., reimpressão, D. Quixote, Lisboa, 2014, p. 163 (n.º 10) e 169 (n.º 23).
[41] “A actividade de polícia e a atividade policial como atividades limitadoras de comportamentos e de posições jurídicas subjectivas”, cit., pp. 1275 e 1276, e ainda CATARINA SARMENTO E CASTRO, Competências dos serviços de polícia municipal, cit., p. 89.
[42] GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014 [artigo 272.º], p. 860 (n.º VII) [itálico nosso].
[43] MANUELA SCHMIDT, Verwaltungsrecht BT 1 / Polizei –und Ordnungsrecht, 3.ª ed., Niederele Media, Altenberge, p. 14 (F. e G. II). [trad. nossa, itálicos no original].
[44] Aliás, quanto a este ponto do “regime especial”, o citado Parecer n.º 27/2008, deste Conselho Consultivo, premonitória e a justo título vaticinou: “(…) afigura-se-nos que o regime jurídico quanto às atribuições e limites das suas competências deverá ser o que se encontra definido na Lei n.º 19/2004. Os regulamentos das polícias municipais daquelas autarquias, em obediência ao princípio da legalidade da actividade administrativa, não podem contrariar actos de valor legislativo, e, desde logo a Constituição, devendo, portanto, respeito à disciplina jurídica essencial e injuntiva contida naquele diploma.” (loc. cit., p. 35872, 1.ª coluna).
[45] Decreto-Lei n.º 243/2015 (Aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública), de 19 de outubro, com a redação, que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 50-A/2024 (Procede à atualização dos montantes da componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda Nacional Republicana e pelo pessoal policial da Polícia de Segurança Pública), de 23 de agosto, itálico nosso.
[46] Aprovada pelo artigo1.º (Objeto) da Lei n.º 35/2014 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), de 20 de junho, com a redação, que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 13/2024 (Aprova medidas de valorização de trabalhadores da Administração Pública), de 10 de janeiro.
[47] Aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 78/87 (Aprova o Código do Processo Penal. Revoga o Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929), de 17 de fevereiro, na redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 52/2023 (Completa a transposição da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho de 2002, da Diretiva (UE) 2010/64, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, da Diretiva (UE) 2012/13, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, e da Diretiva (UE) 2013/48, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativas ao processo penal e ao mandado de detenção europeu, e altera a Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, e o Código de Processo Pena), de 28 de agosto.
[48] “Órgãos de Polícia Criminal: o que são, os que são e os que não são”, cit., p. 209.
[49] Contratos Interadministrativos, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 81, 82 e 83 (invocando doutrina portuguesa, espanhola, francesa, italiana e suíça) e, em geral sobre o tema, nesta linha de pensamento, o Parecer n.º 22/2010, deste corpo consultivo, Diário da República, 2.ª série — N.º 224 — 19 de novembro de 2013, pp. 33913 a 33935 (Autoridade Florestal Nacional — Município — Protocolo — Contrato interadministrativo — Princípio da colaboração interadministrativas — Princípio da cooperação interadministrativas — Transferência de gestão — Contrato público — Regime florestal — Decreto simples — Princípio da permissibilidade geral e recurso ao contrato — Princípio da fungibilidade entre ato e contrato — v.g., n.ºs III, IV e V).
[50] A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 436 e 437 e, em particular quanto à “cooperação” entre
[51] Cf. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/parecer-extrato/11-2021-173516680 e o texto integral em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/pp2021011.pdf
[52] Assim, ANA GOUVEIA MARTINS, O Regime Jurídico das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto / Anotado, 2.ª ed., AAVV., Nova Causa, Lisboa, 2023, anotação ao artigo 5.º (Cooperação), pp. 64 e 65 (n.º 7).
[53] ANA GOUVEIA MARTINS, ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), p. 66 (n.º 8).
[54] Decreto-Lei n.º 18/2008 (Aprova o Código dos Contratos Públicos, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo), de 29 de Janeiro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 3.º (Alteração ao Código dos Contratos Públicos) do Decreto-Lei n.º 111-B/2017 (Procede à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e transpõe as Diretivas n.ºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014), de 31 de agosto.
[55] JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, ob. cit., p. 396, e cit. Parecer n.º 28/2008, cit., p. 35865 (n.º 3, 1.ª coluna).
[56] Ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), p. 65 (n.º 7).
[57] Conceitos fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1985, pp. 244 e 245 [n.º 111, A)].
[58] Lei n.º 27/2006 (Aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de julho, com a redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 80/2015 (Segunda alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de agosto.
[59] Lei n.º 168/99 (Aprova o Código das Expropriações), de 18 de setembro, com a redação que, por último, lhe conferiu a Lei n.º 56/2008 (Procede à quarta alteração ao Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro), de 4 de setembro.
[60] PAULO OTERO, ob. cit., pp. 190 a 195 [191, 192, 193 e 194 (n.º 8.6.1. a 8.6.7)].
[61] Lições de Direito Administrativo, 6.ª ed., IUC, Coimbra, 2020, p. 206 (n.º 7.1).
[62] Assim, ANA GOUVEIA MARTINS, ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), pp. 56 e 57 (n.º 3).
[63] Pois que as alterações ao articulado da lei quadro, concretamente a revogação dos n.ºs 3 e 4, do respetivo artigo 9.º (Armamento e equipamento), operada pela alínea a) do artigo 9.º (Norma revogatória) da Lei n.º Lei n.º 50/2019 (Sexta alteração à Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições, transpondo a Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, primeira alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, sobre a revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro, que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal), de 24 de julho, não são relevantes para os presentes efeitos.
[64] “Lições de Introdução ao Direito Público”, Obra Dispersa, Vol. II, Scientia Ivridica, Braga, 1993, p. 217.
[65] DIOGO FREITAS DO AMARAL, colab. LUÍS FÁBRICA / JORGE PEREIRA DA SILVA / TIAGO MACIEIRINHA, Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., Vol. I, Almedina Coimbra, 2016, p. 671 (itálicos no original).
[66] DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., p. 672.
[67] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 1980, pp. 279 e 280 (itálicos nossos) e, antes, logo na p. 227.
[68] Cf., aludindo a “relação de base” e “relação derivada”, RUI DUARTE / LUÍS ALVES, O Regime Jurídico das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto / Anotado, ob. cit., anotação ao artigo 3.º (Dependência), pp. 37 a 42 (n.ºs 10 a 16).
Proc.º 29/24
JMRA
Senhora Ministra da Administração Interna,
Excelência:
I
(Relatório)
1. Em 10 de outubro de 2024, deu entrada nos serviços, dirigido à Senhora Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Procurador-Geral da República, o ofício n.º 6419/2024, de 18-10-2024, do Exmo. Chefe do Gabinete de Vossa Excelência, intitulado “Pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República”, remetendo o V/ Despacho de 18 de outubro p.p., epigrafado “Solicitação de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República relativo à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e Lei-Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do Decreto-Lei n.º 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto.” (fls. 1 a 3).
2. Embora tal informação não conste do aludido ofício n.º 6419/2024, em anexo consta mais o seguinte expediente:
a) fotocópia do “Contrato Interadministrativo entre a Polícia de Segurança Pública e a Câmara Municipal do Porto [homologado em 20 de dezembro de 2018]” (5 fls.);
b) fotocópia do “Contrato Interadministrativo entre a Polícia de Segurança Pública e o Município de Lisboa [homologado em 16 de setembro de 2019] (5 fls.);
c) parecer n.º 08/Out24, de 8 de outubro de 2024, da Exma. Auditora Jurídica do Ministério da Administração Interna, sobre: “densificação interpretativa sobre as funções, atribuições e competências em que estão investidos os agentes das polícias municipais de Lisboa e Porto, enquadrados no regime especial do DL nº 13/2017, de 26 de janeiro, por força da Lei-quadro nº 19/2004, de 20 de maio, designadamente, o âmbito da natureza de serviço municipal com funções estritamente de polícia administrativa dos respetivos municípios, habilitada a cooperar complementarmente com as forças de segurança, não dispondo das competências próprias dos órgãos de polícia criminal” (23 fls.).
3. O aludido Despacho de 18 de outubro de 2024, discorre assim: “A atividade das polícias municipais a nível nacional vem assumindo uma importância crescente, face ao crescimento da atividade social e económica das cidades em todas as suas dimensões, que implicam necessariamente responsabilidades acrescidas de fiscalização das matérias da competência dos municípios, no âmbito do policiamento comunitário e da fiscalização, bem como ao nível da mobilidade urbana, da prevenção e segurança rodoviárias, no âmbito do urbanismo, do espaço público e da fiscalização das atividades económicas e outras.
Neste contexto venho, nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada) solicitar a Vossa Excelência se digne determinar a emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, relativamente à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto, na sequência da adesão ao parecer emitido pela Senhora Auditora Jurídica junto do MAI, nomeadamente, quanto às seguinte áreas concretas:
1-Âmbito e enquadramento do quadro de cooperação e coordenação operacional das polícias municipais de Lisboa e Porto com a Polícia de Segurança Pública, nos termos do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e suportado nos Regulamentos de Funcionamento e Organização próprios de Lisboa e Porto (Regulamento/Aviso n° 11359/2018, DR, 2ª serie n° 157 de 16 de agosto 2018 e Regulamento n.º 343/2017, Diário da República, 2.ª série, n.º 121 de 26 de junho de 2017) aprovados e publicados, por deliberação das respetivas assembleias municipais, sob proposta dos presidentes de Câmara de Lisboa e Porto, e em contratos interadministrativos, aprovados e celebrados, em 16 de Setembro de 2019 e em 20 de dezembro de 2018, respetivamente, entre os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2-Âmbito e enquadramento da requisição de meios das polícias municipais de Lisboa e Porto para reforço da capacidade operacional da Polícia de Segurança Publica previstos no artigo 6.° do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
3-Âmbito e enquadramento das medidas cautelares de polícia enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
4-Análise e enquadramento de incompatibilidades legais decorrentes da dependência administrativa, funcional e hierárquica ao respetivo Presidente de Câmara de Lisboa e Porto e simultaneamente sujeição às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública (n.º 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro) (…)”.
4. O presente pedido de Parecer foi redistribuído ao ora relator, por despacho de 10 de dezembro de 2024, do Exmo. Senhor Vice Procurador-Geral da República [art. 12.º, Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (RCCPGR)[1]].
Em função da ulterior distribuição ao relator de um processo classificado de “urgente”, que deu lugar ao Parecer n.º 4/25, de 6 de fevereiro de 2025, só depois foi retomada a elaboração desta matéria (art. 16.º, n.º 2, RCCPGR).
5. Como consta da fundamentação do aludido Despacho ministerial, o pedido de Parecer é solicitado “nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada)” (§ 2.º).
É, pois, pedido por um membro do Governo, e emitido nos termos do artigo 44.º (Competência), da alínea a), do Estatuto do Ministério Público[2] (“EMP”), e do artigo 3.º (Competência, alínea a), do RCCPGR, ou seja, é “restrito a matéria de legalidade”.
6. Cumpre, assim, emitir o solicitado parecer nos termos legal e regimentalmente estabelecidos, ou seja, fundamentado e com as pertinentes conclusões, claras e expressas, sobre todas as questões solicitadas na consulta (art. 44.º, alínea a), EMP, e arts. 3.º, alínea a), e 14.º, n.º 3, RCCPGR).
II
(Fundamentação)
a) Âmbito
7. Importa encetar delimitando com precisão o âmbito do pedido de Parecer de Sua Excelência a Senhora Ministra da Administração Interna, ou seja, nas palavras regimentais, “identificando as questões suscitadas” (art. 14.º, n.º 3, RCCPGR).
8. Na fundamentação do Despacho ministerial, consta que o pedido respeita à “emissão de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à atualidade e conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho) aplicável apenas às polícias municipais de Lisboa e Porto (…)”.
Importa assim começar por tratar duas questões prévias, relativas aos critérios de apreciação denotados pelos termos “atualidade” e “conformidade jurídico-administrativa”, considerados do ponto de vista do critério legal e regimental expresso pela cláusula “restrito a matéria de legalidade”, que delimita o âmbito da competência material deste Conselho Consultivo para emissão de Parecer nos termos solicitados pela Exma. entidade consulente, i.e., “nos termos e para os efeitos do artigo 44.° alínea a) do Estatuto do Ministério Público (Lei n° 68/2019 na versão atualizada)”.
b) Idem: “Restrito a matéria de legalidade”
9. A cláusula “restrito a matéria de legalidade”, estabelecida na hipótese legal da alínea a), do artigo 44.º (Competência), do EMP — e reiterada na hipótese normativa da alínea a), do artigo 3.º do RCCPGR — desempenha duas funções diversas, embora estreitamente conexas, a saber: (i) delimitar a competência, em razão da matéria e (ii) estabelecer o critério do juízo opinativo deste órgão consultivo, para estes efeitos.
10. Como premissa geral, válida para qualquer desses casos, importa preliminarmente frisar que o adjetivo “restrito”, denota insofismavelmente o escopo limitativo da referida cláusula legal, no sentido em que a pronúncia deste corpo consultivo, a este título, está circunscrita ou localizada, estritamente, às “matérias” ou “questões de Direito”.
c) Idem: competência, em razão da matéria
11. Quanto ao aspeto da competência, em razão da matéria, i. e., o tipo de questões sobre as quais pode incidir o juízo opinativo do Parecer, emitido nos termos e para os efeitos da citadas disposições, legal e regimental, a lei — no caso, o EMP — não oferece uma noção de “matéria de legalidade” (ou de “matéria de direito”).
Relativamente ao precedente consultivo, tem reiterado esta expressão de “matéria de legalidade” e o comando nele contido sem, no entanto, aduzir ulteriores considerações sobre o seu alcance.
Por conseguinte, convém ponderar, sumariamente, este tópico.
12. Na interpretação desta expressão “matéria de legalidade”, como prescreve a lei, importa ter em conta, muito particularmente, a “unidade do sistema jurídico” [art. 9.º, n.º 1, Código Civil (CC)[3]].
Por conseguinte, quanto ao que seja “matéria de direito”, há que atentar no “lugar paralelo” do direito processual civil, onde este tópico é, de há muito a esta parte, minuciosamente tratado, na lei, na jurisprudência e na doutrina.
13. A lei, pelo prisma do erro, alude à interpretação, aplicação ou determinação da norma jurídica aplicável [arts. 639.º, n.º 2, alíneas a) a c), e 674.º, n.º 1, alínea a), Código de Processo Civil (CPC)[4]].
14. A jurisprudência suprema, numa formulação sintética e constante, dita: “(…) é certo que matéria de facto e matéria de direito são questões de alguma dificuldade de destrinça e nem sempre é fácil distinguir entre uma e outra, mas é consensual, na doutrina e na jurisprudência, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - Quarta Secção (Social), proc.º n.º 313/09.3YFLSB, de 20 de outubro de 2011, n.º 3)[5].
15. Na doutrina, uma noção já centenária, que mantém toda a atualidade, em virtude do seu rigor analítico, discorre assim: «É evidente que constitui matéria de direito tudo o que se decida e se discuta ou possa discutir no processo àcêrca da existência e validade das normas jurídicas, sua aplicação aos factos, interpretação delas, determinação do seu valor — imperativo, proibitivo, permissivo, supletivo ou interpretativo — e integração das suas lacunas»[6].
16. Em suma, numa fórmula necessariamente inspirada naquelas que ficaram recenseadas, temos que para os presentes efeitos a expressão “matéria de legalidade” tem por referente a “determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos”.
17. Bem entendido, por exclusão de partes, é de evidência afirmar que a apreciação de “matéria de facto” ou de “questões de facto” é estranha ao âmbito de competência material deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, consabidamente “restrito a matéria de legalidade”.
Esta é a doutrina pacífica deste corpo consultivo, a justo título, e que agora novamente se reitera.
Invocamos em abono, por todos, o Parecer n.º 20/2017, de 26 de outubro, nesta passagem: “Sendo certo que em sede de pareceres sobre legalidade existe um dado pacífico, múltiplas vezes reiterado, no sentido de que «não cabe a este corpo consultivo averiguar e fixar matéria de facto» — v.g. pareceres n.º 31/1992, de 25-2-1993, n.º 4/2012, de 19-4-2012 e n.º 38/2011, de 10-10-2013”[7].
18. Em suma, para os presente efeitos é de concluir, quanto à competência, em razão da matéria, deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência) do RCCPGR, que a mesma é “restrita a matéria de legalidade”, ou seja, visto pela positiva, é restrita a responder a questões de Direito, relativas à determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos.
d) Critério de apreciação
19. Quanto ao critério do juízo do Parecer, o mesmo pode ser imediatamente deduzido do facto da competência em causa ser “restrita a matéria de legalidade” ou a “questões de Direito”.
20. Na verdade, porque se trata de apreciar questões de determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos, o critério respetivo, por definição, terá de ser normativo, isto é, baseado em “normas jurídicas”, entendidas como “disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes” (art. 1.º, n.º 1, CC).
Noutra formulação legal, mais precisa — embora adaptada aos presentes efeitos, de modo a congregar a lei substantiva e a lei processual — “consideram-se como lei as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais.” (art. 674.º, n.º 2, CPC).
21. Assim sendo, estão excluídos, como padrão do juízo opinativo do Parecer, os critérios não normativos, como sejam aqueles baseados na “equidade” (art. 4.º, CC), ou na “conveniência ou oportunidade” (“mérito”, hoc sensu).
Como nota JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, «uma solução generalizadora é necessariamente uma solução normativa. Tem a escudá-la a justiça legal, se assim podemos dizer: todos serão igualmente tratados pela lei», frisando o ilustre A., mais adiante: «quando o critério é dado pela pura equidade, (…) não há então norma para a decisão do caso» e, bem assim, «A atribuição de um poder discricionário a um ente público também origina soluções não normativas»[8].
No mesmo sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA explica: «Um caso com relevância jurídica pode ser resolvido através de critérios normativos ou não normativos. Os critérios normativos baseiam-se em leis e abstractas e gerais e assentam num princípio de universalização: todos os casos semelhantes devem ser decididos do mesmo modo” e, mais adiante, identificando os valores fundamentais em causa, refere que «A utilização de um critério normativo privilegia a confiança em detrimento da justiça, dado que o recurso a uma lei abstracta e geral torna previsível a solução do caso concreto» e, mais, «a discricionariedade atribui ao órgão decisório a possibilidade de decidir segundo o que for mais conveniente e oportuno para a prossecução de um determinado interesse (…) A equidade (em grego, epieikeia e, em latim, aequitas) é a justiça do caso concreto»[9].
De um ponto de vista diverso, pois combina, numa formulação sintética, o objeto e o critério do juízo opinativo, RUI SOARES PEREIRA / INÊS SÍTMA CRAVEIRO, propugnam «(…) que o Conselho Consultivo da PGR não tem poderes de pronúncia (tão pouco poderes instrutórios) sobre matéria de facto, de simples oportunidade ou de mérito»[10].
22. Em suma, é de concluir, quanto ao critério do juízo opinativo do Parecer emitido nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e da alínea a), do artigo 3.º (Competência) do RCCPGR, que o mesmo, pela natureza das coisas, é de “legalidade”, portanto um critério normativo baseado em “normas jurídicas”, entendidas como princípios (expressos ou implícitos) ou regras jurídicas, concretamente “as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum” e, bem assim, “os princípios e as disposições genéricas, emanadas dos órgãos de soberania, nacionais ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados internacionais os usos (nos termos previstos na lei)” (art. 1.º, n.º 2, e 3.º, n.º 1, CC, e art. 674.º, n.º 2, CPC), excluindo, consequentemente, os critérios não normativos, nomeadamente a equidade e oportunidade ou conveniência (“mérito, hoc sensu) [v.g., arts. 988.º, n.º 2, CPC, e 3.º, n.º 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)[11]].
23. Importa agora aplicar os princípios que ficaram expostos à apreciação dos dois critérios de apreciação invocados na fundamentação do pedido de consulta (“atualidade” e “conformidade jurídico-administrativa”).
e) Idem: “atualidade”
24. Como ficou exposto, na fundamentação do Despacho ministerial, por uma parte, vem solicitada a “emissão de parecer deste Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à atualidade do regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei-quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/2019 de 24 de julho)”.
O sentido do termo “atualidade” não vem expressamente concretizado, mas pode ser definido em função do teor do introito do Despacho ministerial: por força do decurso do tempo, houve mutação das circunstâncias sociais e económicas das cidades – scl., nomeadamente de Lisboa e do Porto – que, assim, implicam “responsabilidades acrescidas de fiscalização das matérias da competência dos municípios”, em particular quanto à “mobilidade urbana, prevenção e segurança rodoviárias, urbanismo, espaço público e fiscalização das atividades económicas”.
25. Para usar linguagem figurada, a questão suscitada pelo termo “atualidade” em causa redunda em ajuizar se o regime jurídico ou certas disposições constantes daqueles dois diplomas legais “estão à altura dos tempos”.
Por conseguinte, na medida em que assim é sugerida a eventual oportunidade da modernização e reforma — aggiornamento — daqueles dois diplomas legislativos, em particular do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, vem então submetida a consulta uma questão de política legislativa ou legiferação.
É o que, de modo agudo, elucida a melhor doutrina: «A ordem jurídica é ilimitadamente aperfeiçoável. Basta o simples evoluir das circunstâncias para obrigar dia a dia a rever as soluções alcançadas. A Política do Direito, ou Política Legislativa, estuda as formas de melhorar essa ordem jurídica através da legiferação. Em si, é um mero aspecto da política, como arte do bem comum” (…)»[12] (itálicos nossos).
26. A questão de ajuizar da “atualidade” dos diplomas legislativos em causa respeita, portanto, a matéria de “política legislativa” ou de “legiferação”, que é da exclusiva competência e responsabilidade do legislador, cabendo a ele apenas resolver, segundo critérios de oportunidade ou conveniência, e de harmonia com “liberdade de conformação” de que está investido, se é ou não de empreender a modernização e reforma legislativa em causa.
Ou seja, esta matéria não é de “legalidade”, norteada por critérios normativos, mas antes de “atualidade”, i.e., é matéria de “política legislativa” ou de “legiferação”, norteada por critérios de oportunidade ou conveniência, e cometida à responsabilidade exclusiva do legislador, no exercício da sua inerente “liberdade constitutiva”.
27. Em suma, na conceituação da melhor doutrina, o Parecer de “matéria de legalidade”, emitido nos termos e para os efeitos agora em causa, configura um “parecer de técnica jurídica” e não um “parecer de oportunidade”.
Concretamente, explica a melhor doutrina, o “parecer de técnica jurídica”, «(…) formula diretamente uma opinião técnica em ligação com a competência de quem o emite. Essa opinião elucida, dá segurança, tem vocação de ser exata (…) pertence a um domínio particular, especializado de atividade ou de conhecimento, que respeita aos mecanismos necessários à ação, à decisão», tendo por objeto “questões de direito”. Já o “parecer de oportunidade” incide «diretamente sobre a oportunidade da decisão, quando quem é responsável pela decisão dispunha já de todos os elementos de apreciação» necessários para uma decisão informada[13].
28. Exemplifiquemos, com uma classe de questões que, embora não venham expressamente formuladas, podem ser induzidas, razoavelmente, do texto e do contexto do pedido de consulta.
Assim, perguntas vinculadas à cláusula “convém e é oportuno” abrogar o “regime especial”, constante do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro? Ou convém e é oportuno apenas derrogar certas das suas disposições ? Ou, ao invés, convém e é oportuno generalizar tal “regime especial” a todas ou certas cidades do país? Convém e é oportuno investir as autoridades ou agentes de polícia municipal no estatuto de “órgãos de polícia criminal” ? Se sim, apenas as de “regime especial” ou um leque mais amplo?
A resposta para estas e outras perguntas de teor similar, está bem de ver, é da exclusiva competência do legislador, através da legiferação, no exercício da sua “liberdade constitutiva“, à luz de juízos de conveniência ou oportunidade (rectius, de “política legislativa”), não já de juízos de “legalidade estrita”.
Isto, bem entendido, sempre no quadro geral da observância devida pelo legislador aos vínculos constitucionais, i. e., às competências, imposições legiferantes, valores, princípios (nomeadamente da igualdade e da proporcionalidade), tarefas e programas constitucionais que enquadram o seu poder legislativo, em particular neste domínio (v.g., arts. 13.º, n.ºs 1 e 2, 18.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea aa), e 237.º, n.º 3, Constituição).
29. Finalmente, hic et nunc, não está em causa a competência prevista na alínea f), do artigo 44.º (Competência), do EMP, reiterada na alínea f), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, com o seguinte teor: “Informar o membro do Governo responsável pela área da justiça, através do Procurador-Geral da República, acerca de quaisquer obscuridades, deficiências ou contradições dos textos legais, propondo as devidas alterações.”.
Sobretudo porque tal “informação” respeita não a juízos de política legislativa, mas, antes, à “correção do Direito incorreto”, segundo juízos de técnica legislativa. KARL ENGISCH alude aqui, incisivamente, «a uma das faces do princípio da unidade [do ordenamento jurídico]» que «é justamente o postulado da exclusão das contradições no seio da ordem jurídica. As contradições apresentam-se como erros ou incorreções no seio da ordem jurídica» e mais adiante refere, em particular as «1) Contradições de técnica legislativa. Estas consistem, na verdade, numa falta de uniformidade da terminologia adoptada pela lei»[14].
30. Tudo ponderado, concluímos que a invocada questão de “atualidade” respeita ao domínio da “política legislativa”, sendo norteada por critérios de oportunidade ou conveniência, e da responsabilidade do legislador, agindo com a sua congenial “liberdade constitutiva”.
Sendo assim, nada mais será necessário aduzir para concluir que não cabe a este corpo consultivo emitir pronúncia sobre tal questão, pois a mesma é estranha à competência material prevista na alínea a), do artigo 44.º (Competência) do EMP, e na alínea a), do artigo 3.º (Competência), do RCCPGR, “restrita a matéria de legalidade”, com base na qual, justamente, foi solicitado o presente pedido de Parecer.
f) Idem: “conformidade jurídico-administrativa”
31. Finalmente, ainda na fundamentação do Despacho ministerial, vem solicitada a emissão de parecer deste Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, relativamente à “conformidade jurídico-administrativa previsto no regime especial do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro e Lei Quadro n.º 19/2004, de 20 de maio (com a alteração do DL 50/20)”.
32. Ora, por uma parte, não é claro, no plano sintático e semântico, o sentido da expressão “conformidade jurídico-administrativa previsto, etc.”.
Por outra parte, o sentido jurídico de “conformidade” pressupõe uma comparação entre dois atos jurídicos, sendo um o critério de validade do outro, tipicamente em função do seu grau hierárquico superior. No caso, invocada que está a “conformidade jurídico-administrativa”, tal critério de validade estaria consubstanciado em normas jurídicas da função administrativa (“normas regulamentares”).
Na verdade, porém, nenhuma das questões submetidas na consulta respeita, especificamente, à “conformidade” com normas jurídicas da função administrativa (“normas regulamentares”), mas apenas a questões atinentes, sobretudo, a normas jurídicas da função legislativa (“lei quadro” e “regime especial”) pelo que, em conclusão, tal matéria de “conformidade jurídico-administrativa” não é passível de ser apreciada neste parecer.
g) Razão de ordem
33. Fechadas estas duas questões prévias, importa agora responder às dúvidas, em essência interpretativas, sobre os regimes e normas jurídicas (legais e regulamentares) em causa, formuladas em relação a todas e cada uma das quatro questões submetidas a consulta.
34. Antes, porém, a título de enquadramento do subsequente discurso, por uma parte importa recordar — e reiterar — a doutrina deste Conselho Consultivo que versou sobre a interpretação da Lei n.º 19/2004 (Revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais), de 20 de maio (“lei quadro”)[15], em geral, e em particular quanto a certos pontos homólogos aos que agora constituem objeto da presente consulta.
35. E, depois, convém expor os quadros legislativos basilares em ordem a elucidar o que é (polícia administrativa, em sentido funcional e organizatório), e o que não é (força de segurança e órgão de polícia criminal) a polícia municipal, em geral, e em particular as de Lisboa e do Porto, pois estes temas constituem o substrato necessário para responder, fundamentadamente, às quatro questões formuladas na consulta.
h) Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio
36. Com efeito, importa encetar dando nota de que o tema agora em apreço — em essência, as funções, atribuições e competências das “polícias municipais”, em particular no domínio da prevenção e investigação criminal — não é matéria inédita no labor deste Conselho Consultivo.
Bem pelo contrário, sobre questões similares àquelas agora em apreciação já foi firmada doutrina no parecer em epígrafe identificado[16].
As conclusões do mesmo, recordemos, são as seguintes:
“1.ª – As polícias municipais são, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio, serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa no espaço territorial correspondente ao do respectivo município;
2.ª – As polícias municipais exercem funções que se inserem nas atribuições dos municípios, actuando prioritariamente na fiscalização do cumprimento quer das normas regulamentares municipais, quer das normas de âmbito nacional cuja competência de aplicação ou de fiscalização esteja cometida ao município e ainda na aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004);
3.ª – Nos termos do artigo 237, n.º 3, da Constituição da República, as polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, exercendo, em cooperação com as forças de segurança, funções de segurança pública nos domínios contemplados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 19/2004;
4.ª – As polícias municipais não constituem forças de segurança, estando-lhes vedado o exercício de competências próprias de órgãos de polícia criminal, excepto nas situações referidas no artigo 3.º, n.os 3 e 4, da Lei n.º 19/2004;
5.ª – A identificação e revista de suspeitos, medidas cautelares de polícia previstas no artigo 3.º, n.º 3 [rectius, n.º 4], da Lei n.º 19/2004, podem ser adoptadas pelos órgãos de polícia municipal unicamente em situação de flagrante delito;
6.ª – Os órgãos de polícia municipal podem proceder à revista de segurança no momento da detenção de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, desde que existam razões para crer que as pessoas visadas ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência – artigos 251.º, n.º 1, alínea b), e 174.º, n.º 5, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP);
7.ª – Os agentes de polícia municipal podem exigir a identificação dos infractores quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes (artigos 14.º, n.º 2, da Lei n.º 19/2004, e 49.º do regime geral das contra-ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro;
8.ª – O não acatamento dessa ordem pode integrar a prática do crime de desobediência previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2004, 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, e 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;
9.ª – As polícias municipais, no exercício das suas competências de fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária [artigos 4.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 19/2004, e 5.º, n.os 1, alínea d), e 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro], podem exigir aos agentes das contra-ordenações que verifiquem a respectiva identificação, podendo a sua recusa implicar o cometimento de um crime de desobediência, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do Código da Estrada e das disposições legais citadas na conclusão anterior;
10.ª – O infractor que tenha recusado identificar-se pode ser detido em caso de flagrante delito pelo agente de polícia municipal para ser apresentado ao Ministério Público e, eventualmente, ser submetido a julgamento sob a forma de processo sumário, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, e 4.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 19/2004;
11.ª – Os agentes das polícias municipais somente podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respectivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal;
12.ª – Não sendo as polícias municipais órgãos de polícia criminal, está vedado aos respectivos agentes a competência para a constituição de arguido, a não ser nos inquéritos penais que podem desenvolver, conforme disposto no artigo 3.º, n.º 3, da Lei n.º 19/2004;
13.ª – De acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 19/2004, e do artigo 249.º, n.os 1 e 2, alínea c), do CPP, os órgãos de polícia municipal devem, perante os crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, até à chegada do órgão de polícia criminal competente, competindo-lhes, nomeadamente, proceder à apreensão dos objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir a prova (artigo 178.º, n.º 1, do CPP);
14.ª – Os agentes de polícia municipal, relativamente às infracções às normas regulamentares cuja fiscalização lhes está cometida, que revistam natureza de contra-ordenações, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, podem ordenar a apreensão dos objectos que serviram ou estavam destinados a servir para a prática de tais ilícitos, ou que por eles foram produzidos, e bem assim quaisquer outros que forem susceptíveis de servir de prova;
15.ª – O regime jurídico quanto às atribuições e competências das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é o que se encontra definido pela Lei n.º 19/2004, de 20 de Maio.”.
37. Mais sendo certo que “(Este parecer foi homologado por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Administração Interna, em 23 de Junho de 2008)” [loc. cit., p. 35875].
Assim, nos termos da lei, homologado que foi pela Exma. entidade consulente, versando sobre disposições de ordem genérica e tendo sido publicado na 2.ª série do Diário da República, ficou assim revestido de valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer (art. 43.º, n.º 1, EMP[17], e hoje, art. 50.º, n.º 1, EMP).
38. Ou seja, sobre questões similares àquelas agora em apreciação já anteriormente emitiu pronúncia o Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio, deste Conselho Consultivo.
Assim, em virtude dessa homologação, que o revestiu do valor jurídico de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava esclarecer e, não menos importante, porque as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade, pois não houve alterações de monta no quadro legislativo relevante, importa ora reiterar, como stare decisis, os fundamentos e as conclusões respetivas — sendo que a solução jurídica das dúvidas agora submetidas a consulta, em medida não despicienda, pode ser, expressa ou tacitamente (embora de modo inteligível), deduzida das rationes decidendi deste Parecer, como melhor discriminaremos (infra, n.º130).
39. Importa finalmente referir que a informação constante do já identificado parecer n.º 08/Out24, da Exma. Auditora Jurídica do Ministério da Administração Interna, contém profusa informação, de real interesse para os presentes efeitos, e o respetivo sentido de fundo é convergente com aquele perfilhado, subsequentemente, no presente Parecer.
i) Polícia Municipal: quadro normativo
40. Convém começar por recensear os preceitos normativos, constitucionais e legais, mais relevantes para tratar o ponto em epígrafe, em ordem a caraterizar, positivamente, o que é (organicamente) e o que faz (funcionalmente) a polícia municipal, em particular as de Lisboa e do Porto (“PML” e “PMP”).
41. Assim, quanto à lei constitucional, a Parte III (Organização do poder político), Título VIII (Poder local), Capítulo I (Princípios gerais), da Constituição, integra o seguinte preceito:
“Artigo 237.º
Descentralização administrativa
1. As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.
2. Compete à assembleia da autarquia local o exercício dos poderes atribuídos pela lei, incluindo aprovar as opções do plano e o orçamento.
3. As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”
42. Importa referir que o aludido n.º 3, foi aditado à redação deste preceito constitucional por virtude do artigo 160.º da Lei Constitucional n.º 1/97 (IV Revisão Constitucional), de 20 de setembro, a saber:
“Artigo 160.º
1 - O artigo 239.º da Constituição passa a artigo 237.º
2 - A epígrafe do mesmo artigo é substituída por '(Descentralização administrativa)'.
3 - É aditado ao mesmo artigo um novo n.º 2, com a seguinte redacção:
'2. Compete à assembleia da autarquia local o exercício dos poderes atribuídos pela lei, incluindo aprovar as opções do plano e o orçamento.'
4 - É aditado ao mesmo artigo um novo n.º 3, com a seguinte redacção:
'3. As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.”
43. Já no subsequente, e diverso, título IX (Administração Pública) do texto da lei fundamental, consta o seguinte preceito:
Artigo 272.º
Polícia
“1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.”.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
4. A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional.”
44. Quanto às leis, convém começar por considerar a citada lei quadro, Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, nomeadamente os seguintes preceitos:
“CAPÍTULO I
Das atribuições dos municípios
Artigo 1.º
Natureza e âmbito
1- As polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, com as competências, poderes de autoridade e inserção hierárquica definidos na presente lei.
2-As polícias municipais têm âmbito municipal e não são susceptíveis de gestão associada ou federada.
CAPÍTULO II
Das polícias municipais
Artigo 2.º
Atribuições
1-No exercício de funções de polícia administrativa, é atribuição prioritária dos municípios fiscalizar, na área da sua jurisdição, o cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos seus órgãos.
2- As polícias municipais cooperam com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
3- A cooperação referida no número anterior exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados.
4-As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.
Artigo 3.º
Funções de polícia
1-As polícias municipais exercem funções de polícia administrativa dos respectivos municípios, prioritariamente nos seguintes domínios:
a) Fiscalização do cumprimento das normas regulamentares municipais;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de âmbito nacional ou regional cuja competência de aplicação ou de fiscalização caiba ao município;
c) Aplicação efectiva das decisões das autoridades municipais.
2- As polícias municipais exercem, ainda, funções nos seguintes domínios:
a) Vigilância de espaços públicos ou abertos ao público, designadamente de áreas circundantes de escolas, em coordenação com as forças de segurança;
b) Vigilância nos transportes urbanos locais, em coordenação com as forças de segurança;
c) Intervenção em programas destinados à acção das polícias junto das escolas ou de grupos específicos de cidadãos;
d) Guarda de edifícios e equipamentos públicos municipais, ou outros temporariamente à sua responsabilidade;
e) Regulação e fiscalização do trânsito rodoviário e pedonal na área de jurisdição municipal.
3- Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito de mera ordenação social, de transgressão ou criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativas.
4- Quando, por efeito do exercício dos poderes de autoridade previstos nos n.os 1 e 2, os órgãos de polícia municipal directamente verifiquem o cometimento de qualquer crime podem proceder à identificação e revista dos suspeitos no local do cometimento do ilícito, bem como à sua imediata condução à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal competente.
5- Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal.
Artigo 4.º
Competências
1- As polícias municipais, na prossecução das suas atribuições próprias, são competentes em matéria de:
a) Fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e da aplicação das normas legais, designadamente nos domínios do urbanismo, da construção, da defesa e protecção da natureza e do ambiente, do património cultural e dos recursos cinegéticos;
b) Fiscalização do cumprimento das normas de estacionamento de veículos e de circulação rodoviária, incluindo a participação de acidentes de viação que não envolvam procedimento criminal;
c) Execução coerciva, nos termos da lei, dos actos administrativos das autoridades municipais;
d) Adopção das providências organizativas apropriadas aquando da realização de eventos na via pública que impliquem restrições à circulação, em coordenação com as forças de segurança competentes, quando necessário;
e) Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal;
f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente;
g) Elaboração dos autos de notícia, autos de contra-ordenação ou transgressão por infracções às normas referidas no artigo 3.º;
h) Elaboração dos autos de notícia, com remessa à autoridade competente, por infracções cuja fiscalização não seja da competência do município, nos casos em que a lei o imponha ou permita;
i) Instrução dos processos de contra-ordenação e de transgressão da respectiva competência;
j) Acções de polícia ambiental;
l) Acções de polícia mortuária;
m) Garantia do cumprimento das leis e regulamentos que envolvam competências municipais de fiscalização.
2 - As polícias municipais, por determinação da câmara municipal, promovem, por si ou em colaboração com outras entidades, acções de sensibilização e divulgação de matérias de relevante interesse social no concelho, em especial nos domínios da protecção do ambiente e da utilização dos espaços públicos, e cooperam com outras entidades, nomeadamente as forças de segurança, na prevenção e segurança rodoviária.
3 - As polícias municipais procedem ainda à execução de comunicações, notificações e pedidos de averiguações por ordem das autoridades judiciárias e de outras tarefas locais de natureza administrativa, mediante protocolo do Governo com o município.
4 - As polícias municipais integram, em situação de crise ou de calamidade pública, os serviços municipais de protecção civil.
Artigo 5.º
Competência territorial
1 - A competência territorial das polícias municipais coincide com a área do município.
2 - Os agentes de polícia municipal não podem actuar fora do território do respectivo município, excepto em situações de flagrante delito ou em emergência de socorro, mediante solicitação da autoridade municipal competente.
Artigo 6.º
Dependência orgânica e coordenação
1 - A polícia municipal actua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara.
2 - A coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.
3 - A aplicação da presente lei não prejudica o exercício de quaisquer competências das forças de segurança.
Artigo 7.º
Designação e distintivo
1 - As polícias municipais designam-se pela expressão «Polícia Municipal», seguida do nome do município.
2 - O modelo de uniforme do pessoal das polícias municipais é único para todo o território nacional e deverá ser concebido de molde a permitir identificar com facilidade os agentes de polícia municipal, distinguindo-os, simultaneamente, dos agentes das forças de segurança.
3 - Os distintivos heráldicos e gráficos próprios de cada polícia municipal, a exibir nos uniformes e nas viaturas, deverão permitir a fácil identificação do município a que dizem respeito e distingui-los dos utilizados pelas forças de segurança.
4 - Os modelos de uniforme e distintivos heráldicos e gráficos a que aludem os números anteriores são aprovados por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e das autarquias locais.
Artigo 8.º
Efectivos
O efectivo das polícias municipais é objecto de regulamentação por decreto-lei, tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respectivo município.
(….)
Artigo 10.º
Tutela administrativa
1 - A verificação do cumprimento das leis e dos regulamentos por parte dos municípios, em matéria de organização e funcionamento das respectivas polícias municipais, compete aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais.
2 - Sem prejuízo dos poderes de tutela previstos na lei geral sobre as autarquias locais, compete ao membro do Governo responsável pela administração interna, por iniciativa própria ou mediante proposta do membro do Governo responsável pelas autarquias locais, determinar a investigação de factos indiciadores de violação grave de direitos, liberdades e garantias de cidadãos praticados pelo pessoal das polícias municipais no exercício das suas funções policiais.
Artigo 11.º
Criação
1 - A criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.
2 - A deliberação a que se refere o número anterior formaliza-se pela aprovação do regulamento da polícia municipal e do respectivo quadro de pessoal.
3 - A eficácia da deliberação a que se referem os números anteriores depende de ratificação por resolução do Conselho de Ministros.
(…)
CAPÍTULO III
Dos agentes de polícia municipal
Artigo 14.º
Poderes de autoridade
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos que tenham sido regularmente comunicados e emanados do agente de polícia municipal será punido com a pena prevista para o crime de desobediência.
2-Quando necessário ao exercício das suas funções de fiscalização ou para a elaboração de autos para que são competentes, os agentes de polícia municipal podem identificar os infractores, bem como solicitar a apresentação de documentos de identificação necessários à acção de fiscalização, nos termos da lei.
Artigo 16.º
Meios coercivos
1- Os agentes de polícia municipal só podem utilizar os meios coercivos previstos na lei que tenham sido superiormente colocados à sua disposição, na estrita medida das necessidades decorrentes do exercício das suas funções, da sua legítima defesa ou de terceiros.
2- Quando o interesse público determine a indispensabilidade do uso de meios coercivos não autorizados ou não disponíveis para a polícia municipal, os agentes devem solicitar a intervenção das forças de segurança territorialmente competentes.
3- O recurso a arma de fogo é regulado por lei.
(…)
Artigo 19.º
Estatuto
1- Os agentes das polícias municipais estão sujeitos ao regime geral dos funcionários da administração local, com as adaptações adequadas às especificidades decorrentes das suas funções e a um estatuto disciplinar próprio, nos termos definidos em decreto-lei.
2- As denominações das categorias que integrarem a carreira dos agentes de polícia municipal não podem, em caso algum, ser iguais ou semelhantes às adoptadas pelas forças de segurança.
(…)
Artigo 21.º
Regime especial das Polícias Municipais de Lisboa e Porto
O regime das Polícias Municipais de Lisboa e Porto é objecto de regras especiais a aprovar em decreto-lei.
(…)”.
45. Quanto ao último preceito legal referido, importa justamente considerar o Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro (doravante, “Regime especial”)[18], que merecerá atenção particular.
46. Da exposição de motivos desse diploma legal, consta que “As polícias municipais dos municípios de Lisboa e Porto, criadas em 1891 e 1938, respetivamente, têm um estatuto próprio, diferente das demais polícias municipais. A sua principal missão é contribuir para a qualidade de vida dos cidadãos, fiscalizando o cumprimento das leis e regulamentos nas áreas da sua competência, cooperando com as Forças e Serviços de Segurança na manutenção da ordem e tranquilidade públicas das comunidades que servem e regulando e fiscalizando o trânsito, melhorando a circulação de veículos nas vias públicas dos respetivos municípios. As polícias municipais dos municípios de Lisboa e Porto são constituídas por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, sujeito ao estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, devendo o seu recrutamento obedecer ao disposto no artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro. (…)”.
47. Do articulado deste diploma legal, respigamos os seguintes preceitos:
“CAPÍTULO I
(Natureza, composição e atribuições)
(…)
Artigo 2.º
Natureza e composição)
1 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais, com as especificidades do presente decreto-lei.
2 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados polícias municipais.
3 - Os polícias municipais de Lisboa e do Porto mantêm o estatuto profissional de polícia da Polícia de Segurança Pública, a sujeição ao regulamento disciplinar e de avaliação, regem-se pelo Código Deontológico e pelo regime de continências e honras policiais da Polícia de Segurança Pública.
4 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto estão organizadas hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública.
Artigo 3.º
Dependência)
As polícias municipais de Lisboa e do Porto são organizadas na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.
Artigo 4.º (
Atribuições e competências)
1 - As atribuições, funções e competências das polícias municipais de Lisboa e do Porto são as decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, bem como as demais previstas na lei.
2 - Às polícias municipais de Lisboa e do Porto compete a regulação e fiscalização do trânsito nas vias públicas sob jurisdição do município, bem como o exercício das demais competências legais nos respetivos municípios.
Artigo 5.º
Cooperação
1 - A cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e do Porto e a Polícia de Segurança Pública é assegurada, respetivamente, pelo Presidente de Câmara Municipal e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2 - O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas:
a) Formação;
b) Partilha de informação relevante para o desempenho das respetivas funções;
c) Tecnologias e sistemas de monitorização rodoviária;
d) Prevenção e segurança rodoviária;
e) Proteção do ambiente;
f) Programas de interesse social;
g) Fiscalização de normas e regulamentos;
h) Eventos de natureza social, cultural, desportiva e outras;
i) Regulação e fiscalização de trânsito.
3 - A cooperação referida nos números anteriores é definida por contrato interadministrativo a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto.
Artigo 6.º
Requisição de meios
1 - Nas situações previstas na Lei de Segurança Interna e sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública pode requisitar, para reforço da sua capacidade operacional, efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto.
2 - Nos casos previstos no número anterior, os polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente.
3 - No ato de requisição, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública determina o número de agentes requisitados e o tempo previsível da requisição, informando o presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita.
(…)
CAPÍTULO II (Direitos e deveres dos polícias municipais de Lisboa e do Porto)
Artigo 9.º
Princípio geral
Os polícias a exercer funções nas polícias municipais de Lisboa e do Porto estão sujeitos aos deveres e gozam dos direitos previstos estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
Artigo 10.º
Recrutamento
1 - O recrutamento para as polícias municipais de Lisboa e Porto é realizado nos termos e condições previstos no n.º 3 do artigo 97.º e do artigo 107.º do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro.
2 - O Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública estabelece, por despacho, as condições e os critérios a que deve obedecer o recrutamento de polícias a integrar nas polícias municipais de Lisboa e do Porto.
Artigo 11.º
Efetivo
1 - O mapa dos efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado, sob proposta do respetivo Presidente da Câmara, pelo membro do Governo responsável pela área da administração interna, após parecer obrigatório do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.
2 - Sempre que o mapa dos efetivos das polícias municipais aprovado não se encontrar totalmente preenchido, o Presidente da Câmara propõe ao membro do Governo responsável pela área da administração interna, a abertura de procedimento com vista ao respetivo provimento, nos termos do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
3 - Os custos de formação correspondentes ao provimento dos postos de trabalho autorizados são suportados pela respetiva Câmara Municipal, nos termos a definir por contrato interadministrativo.
(…)
Artigo 15.º
Equiparação
1 - Sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto são equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal.
2 – (…).
(…)
CAPÍTULO IV
Organização
Artigo 18.º
Estrutura
1 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto são um serviço da respetiva câmara municipal, equiparadas a direção municipal.
2 - As polícias municipais de Lisboa e do Porto compreendem o comando, os serviços e as subunidades, estruturadas hierarquicamente à semelhança dos comandos distritais da Polícia de Segurança Pública.
3 - O regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado pelas respetivas assembleias municipais, sob proposta do Presidente de Câmara.
(…).”
48. Há ainda que considerar o “Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal de Lisboa” (RFOPML)[19], nomeadamente os seus artigos 4.º (Natureza), n.ºs 1 e 4, 5.º (Composição), n.º 1, 6.º (Atribuições, competências e funções), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a h), 7.º (Princípio geral), n.º 2, 8.º (Recrutamento), n.ºs 1 a 3, 12.º (Estrutura), n.ºs 1 e 2, 13.º (Cargos dirigentes), n.ºs 1 e 2, e o “Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal do Porto (RFOPMP)[20], nomeadamente os seus artigos 4.º (Natureza), 5.º (Composição), n.º 1, 6.º (Atribuições), n.ºs 1 a 3, 7.º (Competências), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a g), 12.º (Organização) e 13.º (Unidades Orgânicas), alínea A), pois não contendo disposições (substancialmente) inovatórias, em virtude do respetivo caráter “executivo”, por razões de economia expositiva aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
49. Posto isto, importa agora deixar claro, pela positiva, o que fazem e o que são as polícias municipais, e, pela negativa, o que as mesmas não são.
j) Polícias municipais: o que fazem (sentido funcional: “polícia administrativa”)
50. Quanto ao texto da lei constitucional, o n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa), estabelece como funções da polícia municipal, expressis verbis, unicamente as de “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”.
Todavia, a locução “polícia municipal” que consta do texto desse preceito constitucional, ao fazer uso do adjetivo “municipal”, denota, implicitamente, que essa atividade é de “polícia administrativa”.
O sistema da lei constitucional, ao colocar tal preceito no título VIII, epigrafado “Poder Local”, e em normativo intitulado “Descentralização administrativa”, dispondo sobre matéria das atribuições e competências das autarquias locais, corrobora tal sentido, ou seja, que a função das “polícias municipais” é uma atividade de “polícia administrativa”.
Por outra parte, neste exato sentido, os trabalhos preparatórios da lei quadro vigente discorrem assim: “A alteração fundamental que esta revisão constitucional [IV Revisão Constitucional] veio introduzir está, pois, na possibilidade expressa da criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios. Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios. Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de polícia próprios a quem, para além das competências ordinárias de polícia administrativa, a Constituição atribuiu competências para, em cooperação com as forças de segurança, actuar no âmbito da segurança interna” (“Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”, Diário da Assembleia da República (DAR), II Série-A – Número 28, 15 de janeiro de 2004, pp. 1609 e 1610, itálicos nossos).
51. Há também que considerar, neste contexto, a norma constitucional de “função” (ou de “atribuição”), que vale como como regra geral, e dispõe: ”A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.” (art. 272.º, n.º 1).
52. Quanto às leis e regulamentos, estabelecem, expressa e enfaticamente, que a polícia municipal está “especialmente vocacionada para o exercício de funções de polícia administrativa”, bem entendido, no âmbito municipal (art. 1.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, cit., e art. 2.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017).
53. Finalmente, numa expressiva síntese interpretativa, escreve a melhor doutrina: «As polícias municipais têm, essencialmente, funções de (ï) fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e das leis cuja aplicação ou fiscalização caiba aos municípios [por exemplo, a legislação do urbanismo e da construção, protecção da natureza, segurança de elevadores, etc. - cfr. artigos 3.°, n.º 1, alínea b), e 4.°, alínea a)]; e de (ii) execução das decisões dos órgãos municipais (artigo 3.°, n.º 1, alínea c]. Complementarmente, desempenham funções de (iii) vigilância de espaços públicos ou abertos ao público e nos transportes urbanos locais; de (iv) guarda de edifícios e equipamentos municipais; e de (v) regulação e fiscalização do trânsito na área de jurisdição municipal (artigo 3.°, n.ºs 1 e 2).». E estas são, tipicamente, funções de “polícia administrativa” (geral), na medida em que esta modalidade da atividade policial, na conceituação do A., se consubstancia justamente em «(…) garantir a segurança de pessoas e bens, a ordem pública, e os direitos dos cidadãos (polícia administrativa geral ou de segurança pública) (…)»[21].
Mais analiticamente, “polícia administrativa”, em sentido funcional é a «actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica».[22]
No mesmo sentido, com particular interesse para o nosso caso, em virtude de estar na decorrência de uma análise minuciosa do elenco de atribuições (artigo 2.º), funções (artigo 3.º) e competências (artigo 4.º) da lei quadro, CATARINA SARMENTO E CASTRO conclui, com bom fundamento, segundo nós, que «Em resumo, excluídas as funções de polícia judiciária, a polícia municipal exerce funções gerais de polícia administrativa, assim como funções de segurança no aspecto restritivo de protecção das populações e tranquilidade pública, afastando-se a prevenção criminal. Exceptuam-se ainda as restantes tarefas de segurança interna»[23] (itálicos nossos).
54. Em conclusão, a atividade de “polícia municipal”, nos termos constitucionais, legais e regulamentares vigentes, na medida em que tem por função, primordialmente, a defesa da legalidade democrática e a garantia dos direitos dos cidadãos, em particular:
(i) fiscalização do cumprimento dos regulamentos municipais e das leis cuja aplicação ou fiscalização caiba aos municípios;
(ii) execução das decisões dos órgãos municipais;
iii) vigilância de espaços públicos ou abertos ao público e nos transportes urbanos locais;
(iv) guarda de edifícios e equipamentos municipais, é assim de caraterizar como “polícia administrativa”, em sentido funcional (arts. 237.º, n.º 3, e 272.º, n.º 1, Constituição, arts. 2.º, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004, art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, 4.º, n.º 1, 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, arts. 4.º, 6.º, nºs 1 a 3, e 7.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a g), RFOPMP).
k) Idem: o que são (sentido organizatório: “serviços administrativos”)
55. Relativamente à estrutura organizatória da polícia municipal, os trabalhos preparatórios, bem como o sistema e a letra das leis e dos regulamentos, concorrem no sentido da criação de um “serviço municipal”.
56. Com efeito, o sistema da lei constitucional, ao localizar o preceito do n.º 3 do artigo 237.º no Título VIII, epigrafado “Poder Local” e em normativo intitulado “Descentralização administrativa”, dispondo sobre matéria das atribuições e competências das autarquias locais autoriza que a lei venha a organizar a polícia municipal como “serviço municipal”.
57. Por outra parte, os trabalhos preparatórios da lei quadro vigente, discorrem no mesmo sentido, como resulta desta passagem já transcrita: “A alteração fundamental que esta revisão constitucional [IV Revisão Constitucional] veio introduzir está, pois, na possibilidade expressa da criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios (…)” (DAR, II Série-A – Número 28, 15 de janeiro de 2004, pp. 1609 e 1610).
58. E a lei quadro, em conformidade, é taxativa a instituir um “serviço municipal”, o qual “atua no quadro definido pelos órgãos representativos do município e é organizado na dependência do presidente da câmara municipal” (art. 6.º, n.º 1).
No mesmo sentido, do caráter municipalizado deste serviço de polícia, concorrem, de modo particularmente expressivo, as disposições que regem quanto ao modo de criação (“compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal.”), de fixação das competências e sua área de exercício (Das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa, a enumeração das respetivas competências e a área do território do município em que as exercem.”) e ainda da determinação do efetivo (“tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respetivo município”), das polícias municipais (arts. 11.º, n.º 1, 12.º, n.º 1, e 8.º).
59. Mais especificamente, quanto ao caráter municipalizado das unidades de regime especial, são “serviços municipais”, “organizados na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara” (art. 2.º, n.º 1, e 3.º) e, ainda mais concretamente “As polícias municipais de Lisboa e do Porto são um serviço da respetiva câmara municipal, equiparadas a direção municipal”, o seu efetivo é de “polícias municipais” e, “sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto” os mesmos são “equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal” e, finalmente, “O regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto é aprovado pelas respetivas assembleias municipais, sob proposta do Presidente de Câmara.” (art. 18.º, n.ºs 1 e 3), pelo que são de caraterizar como polícia administrativa, em sentido organizatório.
60. Quanto aos regulamentos, bem entendido, como “normas de execução”, afinam pelo mesmo diapasão, ao atribuírem às Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, invariavelmente, a “natureza de serviço municipal”, organizado como “departamento municipal”, na “dependência hierárquica” do respetivo Presidente da Câmara Municipal, sendo que os “cargos de Comandante e de 2.º Comandante da Polícia Municipal são equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal” (arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, 12.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, RFOPML, arts. 4.º, 6.º, n.º 1, e 12.º, e 13.º A), RFOPMP).
61. Atento este quadro, constitucional, legal e regulamentar, concluímos que as polícias municipais, em particular as de Lisboa e do Porto, são polícia em sentido organizatório, ou seja, na definição da melhor doutrina, constituem um “(…) serviço administrativo que, nos termos da lei, te[m] como tarefa exclusiva ou predominante o exercício de uma atividade policial”[24].
l) Idem: o que não são (“órgãos de polícia criminal”)
62. Nos termos da lei constitucional, como vimos, a função predominante das polícias municipais é a de “polícia administrativa”, com âmbito municipal, como decorre, implícita mas inequivocamente, do enquadramento da norma constitucional que as instituiu [Parte III (organização do poder político), título VIII (Poder local), capítulo I (Princípios gerais), da Constituição, artigo 237.º (descentralização administrativa), n.º 3].
A mais dessa função, atribui ainda a lei constitucional às mesmas, complementarmente, a função de “cooperar[em] na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”, com as entidades constitucional e legalmente competentes para tanto (art. 237.º, n.º 3).
63. Ora, por uma parte, quanto à noção de “tranquilidade pública”, a doutrina francesa, de onde a noção é oriunda, refere que «em nome da tranquilidade pública, a autoridade administrativa impede as perturbações (“troubles”) que vão além dos inconvenientes normais da vida em sociedade. Ela impede igualmente as desordens provocadas pelos ajuntamentos, pelos alaridos ou ruídos excessivos. Com este fundamento, o presidente da câmara pode limitar as atividades profissionais ou privadas.»[25]. E, como decorre do n.º 1 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna),da Lei de Segurança Interna (LSI)[26], e advoga a melhor doutrina, «(..) faz parte da segurança interna, nomeadamente, a garantia da ordem, da segurança e da tranquilidade públicas»[27].
Por seu turno, quanto ao que seja “proteção das comunidades locais”, a melhor doutrina explica que esta redunda em «zela[r] pela segurança de pessoas e bens, desde que o problema tenha uma especificidade local. A existência de um interesse local de polícia é inquestionável quando esteja em causa, v.g. a vigilância dos edifícios locais (…)»[28].
64. Por conseguinte, das cláusulas constitucionais “manutenção da tranquilidade pública” e “proteção das comunidades locais” não decorre a atribuição às polícias municipais, sequer mesmo em “cooperação” com as forças de segurança, de funções em matéria de “prevenção do crime”.
65. Em suma, a lei constitucional opõe-se à atribuição da qualificação, do estatuto e ao exercício de competências próprias dos “órgão de polícia criminal” às polícias municipais, pois lhes comete, exclusivamente, funções de polícia administrativa e de segurança interna, estas restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (art. 237.º, n.º 3).
Em todo o caso, em essência, é figura jurídica diversa da outorga da qualificação, do estatuto e de certas competências legais próprias de “autoridade” ou “órgão de polícia criminal”, a atribuição aos “polícias municipais” de permissões legais, individualizadas e tipificadas, para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, diretamente conexas com as funções de polícia administrativa.
Finalmente, importa frisar que este modelo constitucional, não institui antagonismo, mas antes complementaridade de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, no domínio da “segurança interna”, através de uma divisão e especialização de tarefas: as polícias municipais, quer em virtude do desempenho de funções de “polícia administrativa”, eximindo as forças de segurança das correspondentes funções, quer em virtude de, complementarmente, “cooperarem” nomeadamente no desempenho de funções de “manutenção da tranquilidade pública e de proteção das comunidades locais”, desonera o efetivo das forças de segurança daquelas tarefas, permitindo que o mesmo seja mobilizado, primordialmente, para funções de “segurança interna”.
66. Por outra parte, quanto à história legislativa, importa frisar que da “Nota justificativa” do Projecto de Lei n.º 366/IX (Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais), constava, a propósito, o seguinte: “Neste campo, a experiência vem demonstrando uma crescente utilização, pelas autoridades judiciárias, das Polícias Municipais para a execução de actos processuais penais como detenções, levantamento de autos sobre factos de natureza criminal, entre outros. A adequada cobertura legal para esta prática fica agora expressamente estabelecida, aproveitando-se para clarificar que as «vestes» de autoridade de polícia criminal assentam [à]s Polícias Municipais apenas e só para os actos que se inscrevam no estrito âmbito das competências municipais.” (DAR, 5 de Novembro de 2003, II Série-A, Número 12, p. 454).
Em conformidade, o n.º 3 do artigo 3.º (Funções de polícia) do texto originário desse Projecto de Lei n.º 366/IX tinha o seguinte teor: “Para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, a hierarquia e os agentes das polícias municipais consideram-se órgãos de polícia criminal para os efeitos previstos na lei processual penal.”
67. Porém, logo o “Parecer” do Governo Regional dos Açores sobre tal projeto de lei n.º 366/IX, observou que “1 – A proposta de diploma em apreço apresenta algumas soluções que podem suscitar dúvidas quanto à sua legalidade e até constitucionalidade, como será o caso do n.º 3 do artigo 3.º (…)” (DAR, II Série-A, Número 29, p. 1644).
68. Quanto ao “Relatório, conclusões e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”, que apreciou tal projeto de lei n.º 366/IX, do mesmo consta, nomeadamente, esta passagem: “(…) As polícias municipais actuam, no âmbito da segurança interna, unicamente nos termos delimitados pelo n.º 3 do artigo 237.º da Constituição, isto é, na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais, em cooperação com as forças de segurança, não dispondo de competências nem para a prevenção nem para a investigação criminal. Afigura-se, pois, que as polícias municipais não podem ser qualificadas como órgãos de polícia criminal, mesmo para os efeitos estritamente conexos com as suas funções e o exercício das suas competências, uma vez que a Constituição lhes exclui competências que excedam os limites consignados no n.º 3 do artigo 237.º.” (DAR, II Série-A, Número 28, 15 de janeiro de 2004, p. 1611, 1.ª coluna).
69. Na discussão do projeto de lei n.º 366/IX, na generalidade, o Deputado Luís Marques Guedes (PSD), mesmo em face da projetada redação do n.º 3 do artigo 3.º, cit., advogou: “Não se defende, nem pretende, minimamente, que as polícias municipais possam ter qualquer tipo de intervenção no plano da investigação criminal — o que seria, desde logo, um absurdo e atentaria mesmo com os contornos constitucionais definidos para as polícias municipais. O que se visa é, tão-só, reforçar a sua autoridade e melhorar a sua eficácia operacional no estrito plano das suas competências de polícia administrativa. Trata-se de dotar as polícias municipais de poderes de autoridade absolutamente imprescindíveis à prática de actos processuais penais, como o levantamento de autos, a execução de mandados ou detenções em situações de emergência, tudo sempre no estrito âmbito das suas competências próprias de polícia administrativa. Igualmente, no que respeita à necessária coordenação das polícias municipais com as forças de segurança, conforme postulado na Constituição da República, o que agora queremos clarificar na lei é que essa coordenação pressupõe um trabalho conjunto, permanente e num plano de igualdade, procurando-se a articulação operacional no território do município entre forças que são municipais e as forças de segurança que, naturalmente, são nacionais.” (DAR, I Série-A, Número 38, 15 de janeiro de 2004, p. 2174, itálicos nossos).
70. Já o Deputado Vitalino Canas (PS), numa primeira intervenção, afirmou, nomeadamente, que”(…) toda esta discussão terá de ser travada, tendo como pano de fundo uma realidade que a Constituição define com clareza, que é o facto de as polícias municipais não serem forças de segurança e, portanto, não terem a possibilidade constitucional de exercer funções idênticas às das forças de segurança” (idem, p. 2175) e, ulteriormente, que “A criação de polícias municipais estava prevista no Programa do XIII Governo Constitucional e foi legitimada pela Revisão Constitucional de 1997. Era uma fórmula de aprofundamento da opção pelo policiamento de proximidade — que havia sido eleita como prioritária pelo governo de então — e de reforço da intervenção dos municípios em matéria de segurança. O governo definiu, então, os princípios em que deveria assentar este novo instrumento de polícia e vale a pena aqui relembrá-los. As polícias municipais deveriam: ter natureza administrativa; ser criadas por decisão municipal; ter a sua área de actuação circunscrita à área do município respectivo; e ser complementares e subsidiárias em relação às forças de segurança. Bem definido ficou que as polícias municipais não são, nem podem ser, à luz da Constituição, forças de segurança.” e, adiante, “Há outras opções assumidas pelo projecto que, em meu entender, não são viáveis, desde logo pelos motivos adiantados há quatro anos, justamente por aqueles que, agora, propõem esta iniciativa. São essencialmente as questões relacionadas com a transformação das polícias municipais — dos seus agentes e da sua hierarquia, aqui um pouco imprecisamente — em órgãos de polícia criminal. Creio que a Constituição não o consente e, portanto, deveremos evoluir neste ponto.” (idem, p. 2179).
O Deputado António Filipe (PCP) afirmou: “Quero ainda dizer que discordamos profundamente de algumas propostas deste projecto de lei, como seja a de considerar, para determinados efeitos, as polícias municipais como órgãos de polícia criminal. Porém, creio haver disponibilidade da maioria (isso foi anunciado hoje de manhã) para rever esta questão e colocá-la nos seus devidos termos, disponibilidade essa que registo.” (idem, p. 2178).
Por seu turno, o Deputado Nuno Teixeira de Melo (CDS) disse: “O CDS sempre recusou qualquer iniciativa legislativa que visasse cometer a polícias municipais competências que só podem ser desempenhadas por forças de segurança” (idem, p. 2180).
71. De modo que, face a estes pronunciamentos dos referidos Deputados, de diferentes partidos, em oposição à “transformação das polícias municipais em polícias com competência criminal”, ocorreu o corolário natural: no Decreto n.º 168/IX (Revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais) foi substituído o texto originário do n.º 3 pela redação hoje constante da Lei, n.º 19/2004, cit., e aditados os n.ºs 4 e 5, também com a redação hoje vigente.
Por conseguinte, mesmo a residual e vinculada qualificação da “hierarquia e dos agentes das polícias municipais” como “órgãos de polícia criminal”, que constava originariamente do texto do n.º 3 do artigo 3.º, não transitou para o texto da lei quadro.
72. Em conclusão, a intenção declarada do legislador da lei quadro, à luz da interpretação da lei constitucional que perfilhou sobre esta matéria, foi a de recusar atribuir às “polícias municipais” o estatuto de “órgão de polícia criminal”.
73. A lei quadro, em conformidade, no seu articulado é categórica em “vedar às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, sem embargo das competências, excecionais e casuisticamente tipificadas, que as mesmas poderão exercer e que funcionalmente correspondem a “medidas cautelares e de polícia” no sentido da lei processual penal (art. 3.º, n.º 5).
74. Por seu turno, na previsão legal dos n.ºs 1 a 4, do artigo 3.º (Órgãos de polícia criminal) da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC), não constam as “polícias municipais”[29] .
75. No mesmo sentido, de que as polícias municipais não são “órgãos de polícia criminal”, concorrem o Parecer n.º 28/208, cit. (conclusão 14.ª) e a communis opinio doutrinária, p. ex. CATARINA SARMENTO E CASTRO[30], PAULO DÁ MESQUITA[31] e JORGE DOS REIS BRAVO / PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[32] / [33].
m) Idem: o que não são (“forças de segurança”)
76. As “polícias municipais”, bem entendido, também não são “forças de segurança”, no sentido constitucional do termo, pois são criadas e têm âmbito municipal, com funções predominantemente de “polícia administrativa”, e ainda, complementarmente, “cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (arts. 165.º, n.º 1, alínea aa), e 237.º, n.º 3).
Já as forças de segurança são criadas e têm o seu regime fixado por lei, com organização única para todo o território nacional, e com funções, nomeadamente, de “prevenção dos crimes” (arts. 165.º, alínea u), e 272.º, n.º 4).
77. A lei quadro, no por seu turno e em conformidade, no n.º 4, do seu artigo 2.º (Atribuições), estabelece que “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.”
78. Quanto à LSI, na enumeração legal do seu artigo 25.º, n.ºs 1 a 3 (Forças e serviços de segurança), não há menção às polícias municipais.
79. No mesmo sentido, de que as polícias municipais não são forças de segurança, concorrem o Parecer n.º 28/2008, cit. (conclusão 4.ª) e a communis opinio doutrinária, p. ex. JORGE MIRANDA[34], CATARINA SARMENTO E CASTRO[35] e VITALINO CANAS[36].
n) Idem: Polícias municipais de “regime especial” (Lisboa e Porto)
80. Importa, finalmente, para concluir este enquadramento geral, fazer um breve excurso para caraterizar, no plano funcional e organizatório, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto.
E ainda, e sobretudo, por ser relevante para os efeitos deste parecer, considerar uma dúvida quanto à eventual comunicabilidade do estatuto profissional para o estatuto funcional dos polícias municipais de Lisboa e do Porto.
Mais precisamente, a dúvida seria esta: na exata medida em que as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto são “constituídas [exclusivamente] por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública” (art. 2.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 5.º, n.º 1, RFOPML e art. 5.º, n.º 1, RFOPMP, cuja formulação omite o advérbio “exclusivamente”), manteriam assim o originário estatuto e competências de “autoridades e órgãos de polícia criminal” (art. 11.º, LOPSP[37]). Por conseguinte, nos elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) que, exclusivamente, constituem as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, ocorreria um “cúmulo de competências”, de polícia administrativa e de órgão de polícia criminal.
81. Esta hipótese, porém, é uma falsa ideia, negada pela história, pela letra e pelo pensamento legislativo.
A chave de leitura da lei, quanto a nós, está em manter presente a dicotomia entre o “estatuto funcional” e o “estatuto profissional” dos “polícias municipais” de Lisboa e do Porto, nos termos seguidamente discriminados (e que, outrossim, são também relevantes para enfrentarmos, ulteriormente, a questão da suposta “dupla hierarquia”).
82. Primeiramente importa referir que, redundando a questão agora em causa em determinar quais são as funções, atribuições e competências cometidas aos “polícias municipais” de Lisboa e do Porto, enquanto pessoal com funções policiais da PSP, é imperioso encetar o discurso chamando à colação o “princípio da legalidade da competência” pois, como escreve a melhor doutrina, «a competência das estruturas administrativas resulta diretamente da Constituição, da lei, ou de princípios gerais de Direito»[38].
Na verdade, as funções, atribuições e competências da “Polícia”, enquanto serviço público (sentido organizatório) e, para os nossos efeitos, em particular enquanto função administrativa (sentido funcional), estão “subordinadas à Constituição e à lei”, de modo que também a “Polícia” “deve atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins” [arts. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 3.º, n.º 1, Código do Procedimento Administrativo (CPA)[39]].
83. Este “princípio da legalidade da administração” — ou, melhor, “princípio da juridicidade”, pois a obediência é não apenas à “lei” mais também ao “Direito” — está materializado, como frisa a melhor doutrina, no “princípio da reserva de lei”, nomeadamente no aspeto de prevalência da lei, pois «são proscritas actuações administrativas que contrariem a lei» e, bem assim, no princípio da “reserva de lei restritiva de direitos fundamentais”, na medida em que a atividade administrativa “restritiva” dos direitos liberdades e garantias (e de natureza análoga) tem de estar «habilitada – ou seja, precedida – por lei»[40].
Mais especificamente, com respeito ao regime constitucional da “Polícia”, VITALINO CANAS elucida que o princípio da precedência de lei «(…) implica que todas as medidas de polícia têm de estar primariamente definidas na lei, não sendo admissíveis medidas criadas por outros instrumentos que não a lei (precedência de lei). Por outro lado, as normas que fundam ou definam as medidas de polícia têm de possuir um grau de pormenorização ou densificação que permita a antecipação mínima, pelos eventuais destinatários, da actuação policial (reserva de densificação normativa) (…). Do princípio da legalidade da actividade administrativa decorre ainda a prevalência de lei, que inviabiliza a criação de medidas de polícia que contrariem a lei»[41].
84. É esse, justamente, o regime constitucional vigente, pois as medidas de polícia, sendo tipicamente “restritivas” dos direitos, liberdade e garantias, têm de estar previamente previstas e definidas, com conteúdo suficientemente preciso, pela lei (em sentido formal e material, geral e abstrata) [arts. 18.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea b), e 272.º, n.º 1].
Em conformidade, importa recordar o princípio constitucional material da tipicidade legal das medidas de polícia — que, no fundo, é uma manifestação do “princípio de legalidade da competência” da administração —, o qual, nas palavras da melhor doutrina, «significa que os actos de polícia, além de terem um fundamento necessário na lei, devem ser medidas ou procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei, independentemente da natureza dessas medidas (…)»[42].
85. Em suma, parafraseando a doutrina germânica, que mais profundamente tem trabalhado a matéria do direito policial, «A ação das autoridades de polícia e de “polícia administrativa local” (“Ordnungsbehörde”) está vinculada a numerosas exigências constitucionais. Especialmente, devem ser observados os princípios da prevalência e da reserva de lei assim como o princípio da proibição do excesso. (…) Do princípio da reserva de lei estabelecido no art. 20 III da Lei Fundamental [“O poder legislativo está sujeito à ordem constitucional, os poderes executivo e judiciário à lei e ao Direito”], decorre que uma afetação do cidadão não pode ocorrer sem uma lei (…). A atividade das autoridades de polícia e de “polícia administrativa local” (“Ordnungsbehörde”) deve ser classificada como “administração agressiva”. Por conseguinte é necessária uma habilitação (norma de competência) na qual a autoridade pode basear as suas medidas»[43].
86. Ora, como se deduz do que já anteriormente ficou exposto, as Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto, são, também elas, nos termos da lei, serviços municipais, que estão “especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei quadro, ou seja, são também elas, como as de “regime geral”, polícias administrativas, de âmbito municipal, em sentido funcional e organizatório, embora “com as especificidades do presente decreto-lei (art. 2.º, n.º 1, e 2, in fine, 3.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, n.º 1, RFOPMP).
87. Bem entendido, às Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto são, de plano, aplicáveis, as interdições, constitucional e legal, de atribuição do estatuto e do exercício de funções de força de segurança e, em assim, da qualificação, do estatuto e das competências próprias de “órgão de polícia criminal”, sem embargo, quanto as estas últimas, das permissões legais, estritamente tipificadas, atribuídas para prática de medidas cautelares e de polícia funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, e diretamente conexas com o desempenho das respetivas funções de polícia administrativa (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Decreto-Lei n.º 13/2017).
88. Relativamente ao tópico do “estatuto profissional” do pessoal com funções policiais da PSP, no que respeita à história legislativa, há a assinalar que no decurso dos trabalhos preparatórios da lei quadro, o Deputado Luís Marques Guedes (PSD), que foi um dos subscritores do já mencionado “Projecto de Lei n.º 366/IX (Revisão da lei-quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais)”, nesta passagem da sua intervenção de apresentação do mesmo, disse : “No que diz respeito às Polícias Municipais de Lisboa e Porto, como se sabe, estas têm um regime transitório por uma razão que não tem propriamente a ver com as respectivas funções e a sua natureza mas, sim, com a situação do respectivo pessoal. Trata-se de uma situação que vem de trás e é muitíssimo pesada — em Lisboa, há mais de 300 elementos da polícia municipal dos quadros da PSP; no Porto existe, pelo menos, mais de uma centena desses elementos nessa circunstância. Portanto, atendendo, nomeadamente, à necessidade de resolução deste problema do pessoal são situações que ultrapassam, largamente, a capacidade de uma lei-quadro da Assembleia da República, pelo que terão de ser resolvidas através de regulamentação própria do Governo” (DAR, I Série, Número 38, 15 de janeiro de 2004, p. 2176, itálico nosso).
89. Ou seja, deste relevante elemento da história legislativa podem ser retiradas duas ilações, quanto à intenção declarada do legislador, a saber: (i) as Polícias Municipais de Lisboa e Porto têm, como as demais, “funções e natureza” de “polícias administrativas”, de caráter municipal; (ii) unicamente para efeitos de ulterior “resolução do problema do pessoal” da PSP, que integrava historicamente os quadros desses serviços municipais, ficou acautelado um regime que expressamente se reputava "transitório”, através de “regulamentação própria do Governo” (Projeto de Lei cit., art. 21.º).
90. Esse “regime transitório” veio a ficar consagrado in littera legis, como “regime especial”, justamente no Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
Tal “regime especial”, porém, de harmonia com o entendimento dos AA. do Projeto de Lei n.º 366/IX, reitera a natureza, as atribuições e as competências predominantemente de “polícia administrativa”, de âmbito municipal, das “Polícias Municipais” de Lisboa e Porto, como ditada pelo regime constitucional e pela lei quadro, nos termos que ficaram expostos.
Com efeito, as atribuições e competências das mesmas são, justamente, aquelas “decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, bem como as demais previstas na lei”, que se referem à “regulação e fiscalização do trânsito nas vias públicas sob jurisdição do município, bem como o exercício das demais competências legais nos respetivos municípios.” (art. 4.º, n.ºs 1 e 2)[44].
De modo inteiramente consonante, depõem ambos os regulamentos municipais: “A Polícia Municipal é um serviço municipal especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidas na Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, com as especificidades do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro” (art. 4.º, n.º 1, RFOPML); e “A PMP é um serviço municipal especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definido na lei das polícias municipais e no regime das polícias municipais de Lisboa e do Porto, organizada na dependência hierárquica do Presidente da Câmara” (art. 4.º, RFOPMP).
Em suma, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto assumiram, na sua exatamente e na plenitude, as funções, atribuições e competências passíveis de serem desempenhadas pelas mesmas, segundo o regime da lei quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º, cits.).
91. Assim sendo, o “regime especial” destes serviços municipais redunda, em essência, no facto de serem “constituídas [exclusivamente] por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, sujeito ao estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, devendo o seu recrutamento obedecer ao disposto no artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro” e no regime remuneratório respetivo, concretamente do “suplemento especial de serviços mensal“ (Exposição de motivos, Decreto-Lei n.º 13/2017).
Princípios estes que ficaram consagrados, ipsis verbis, em letra de lei, como discriminaremos, já de seguida.
92. Na verdade, este “regime especial” tem caráter puramente “profissional”, no sentido em que as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto “são constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados polícias municipais” (itálico nosso), que
“mantêm o estatuto profissional de polícia da Polícia de Segurança Pública, a sujeição ao regulamento disciplinar e de avaliação, regem-se pelo Código Deontológico e pelo regime de continências e honras policiais da Polícia de Segurança Pública.” (art. 2.º, n.ºs 2 e 3, ibidem, art. 7.º, n.ºs 1 e 2, RFOPML, e art. 8.º, RFOPMP).
Ou seja, da letra e do pensamento legislativo, corroborado pela história da lei, resulta uma inequívoca dicotomia entre o “estatuto funcional” e o “estatuto profissional”, do pessoal com funções policiais da PSP, que exclusivamente constitui o efetivo das polícias municipais de Lisboa. Esse efetivo, que a lei sintomaticamente designa por “polícias municipais”, por virtude do ato de recrutamento fica ipso facto, e exclusivamente, investido do “estatuto funcional” correspondente à “especial vocação” desse serviço municipal para o “exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais” (art. 2.º, n.º 1, ibidem, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, RFOPMP).
Mais concretamente: “O recrutamento para as polícias municipais de Lisboa e Porto é realizado nos termos e condições previstos no n.º 3 do artigo 97.º e do artigo 107.º do estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19 de outubro” (art. 10.º, n.º 1, ibidem, art. 8.º, n.ºs 1 e 2, RFOPML, e art. 4.º, RFOPMP). Ou seja, é feito na “modalidade de colocação por convite”, sendo que a nomeação dos polícias em causa é efetuada em comissão de serviço por três anos, renováveis até ao limite de nove anos” [art. 97.º, n.º 3, e 107.º, n.º 3, Estatuto profissional do pessoal com funções policiais da PSP (EPPFP da PSP)[45]].
E sendo a nomeação em comissão de serviço, os polícias em causa “exercem as suas funções nos termos legalmente definidos para o cargo [que vão ocupar]” (79.º, n.º 3, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTPF)[46], ex vi art. 5.º, n.º 2, EPPFP da PSP). Consequentemente, durante todo o período de duração da comissão de serviço, e para efeitos funcionais, os mesmos em causa têm, única e exclusivamente, a condição de “polícia municipal” e o correspondente estatuto funcional, com as inerentes funções, atribuições e competências, tal como estabelecidas nas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1 (remissão para o regime da lei quadro) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
93. Por outras palavras, e em suma: durante todo o período de duração da comissão de serviço como Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, está legal e expressamente interdito aos mesmos o exercício das competências próprias das “autoridades” ou “órgãos de polícia criminal”, salvo as que textualmente constam das permissões legais, legalmente tipificadas, atribuídas para prática de medidas cautelares e de polícia funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal, e diretamente conexas com o desempenho das respetivas funções de polícia administrativa (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Lei n.º 19/2004, cit., ex vi do art. 4.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017). Bem entendido, ipso facto, por força da simples cessação da comissão de serviço ou, eventualmente, da “requisição de meios” prevista no artigo 6.º (Requisição e meios), n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 13/2017, retomarão a capacidade de exercício das competências próprias das “autoridades” ou “órgão de polícia criminal”, que são inerentes ao estatuto funcional de “pessoal com funções policiais da PSP” (art. 11.º, n.ºs 1 a 3, LOPSP).
Enfim, para absoluta clareza, convirá frisar que em consonância com tal interdição o efetivo das polícias municipais, nomeadamente das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, não integra – nem pode integrar – entidades com as competências próprias de “autoridades de polícia criminal”, no sentido da alínea d), do artigo 1.º (Definições legais) do Código de Processo Penal (CPP)[47], com referência, v.g. ao artigo 11.º (Autoridades e órgãos de polícia criminal), n.ºs 1 a 3, da LOPSP. Nas palavras de RUI CARDOSO, em geral quanto às “polícias municipais”, «Não está legalmente prevista a atribuição de estatuto de APC [Autoridades de Polícia Criminal]’s a qualquer tipo de agente de polícia municipal, pelo que nelas não poderá haver nenhum funcionário com os poderes atribuídos a essas autoridades – artigos 1.º, alínea d), 85.º, n.º 1, 91.º, n.º 3, 92.º, n.º 7, 252.º-A, n.º 1, 257.º, n.º 2, 268.º, n.º 2, 270.º, n.º 3, 273.º, n.º 1, 385.º, n.º 3, do CPP. Isto impede, por exemplo, a detenção fora de flagrante delito por iniciativa dessas polícias.»[48].
94. Estabelecido este enquadramento geral, estamos agora em condições de empreender a resposta às questões submetidas a consulta, pela ordem mesma por que as mesmas foram apresentadas.
o) “Questão 1- Âmbito e enquadramento do quadro de cooperação e coordenação operacional das municipais de Lisboa e Porto com a Polícia de Segurança Pública, nos termos do regime especial do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro e suportado nos Regulamentos de Funcionamento e Organização próprios de Lisboa e Porto (Regulamento/Aviso n° 11359/2018, DR, 2.ª série n° 157 de 16 de agosto 2018 e Regulamento n.º 343/2017, Diário da República, 2.ª série, n.º 121 de 26 de junho de 2017) aprovados e publicados, por deliberação das respetivas assembleias municipais, sob proposta dos presidentes de Câmara de Lisboa e Porto e em contratos interadministrativos, aprovados e celebrados, em 16 de Setembro de 2019 e em 20 de dezembro de 2018, respetivamente, entre os presidentes das Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto e o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública.”.
95. O artigo 5.º (Cooperação), nas passagem agora diretamente relevante, dispõe:
“(…).
2- O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas:
a) Formação;
b) Partilha de informação relevante para o desempenho das respetivas funções;
c) Tecnologias e sistemas de monitorização rodoviária;
d) Prevenção e segurança rodoviária;
e) Proteção do ambiente;
f) Programas de interesse social;
g) Fiscalização de normas e regulamentos;
h) Eventos de natureza social, cultural, desportiva e outras;
i) Regulação e fiscalização de trânsito.
3- A cooperação referida nos números anteriores é definida por contrato interadministrativo a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto.”.
Mas é ainda relevante o n.º 3 do artigo 2.º (Atribuições), da lei quadro, o qual dispõe: “A cooperação referida no número anterior [em matéria de na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais] exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados.”
96. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal da “cooperação” entre as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto e a Polícia de Segurança Pública, tal como estabelecido neste artigo 5.º (Cooperação), do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.
97. A primeira nota a registar quanto ao enunciado legal desta norma de habilitação legal, respeita ao seu objeto, o qual está expressamente circunscrito à “cooperação” (interadministrativa), não mencionando, como consta da consulta, a “coordenação operacional”.
Importa, assim, em ordem à clareza das ideias, começar por definir, na quadro das relações jurídicas interadministrativas, a noção jurídica de “cooperação”, para depois a destrinçar da noção de “colaboração” e, sobretudo, da noção de “coordenação”.
98. Poderemos dizer, grosso modo, face ao critério da paridade ou supremacia das relações jurídicas administrativas em causa, que as noções de “coordenação” e de “colaboração” são de género próximo, pois lhe subjazem relações paritárias, já a noção de “coordenação” tem com elas uma diferença específica, pois lhe subjaz uma relação de supremacia.
Assim, ALEXANDRA LEITÃO, começa por frisar que «(…) a distinção entre os conceitos de cooperação, colaboração e coordenação [é] matéria que assume alguma complexidade devido à grande imprecisão terminológica existente quer ao nível da legislação, nacional e estrangeira, quer ao nível doutrinário».
Em qualquer caso, do seu ponto de vista a «colaboração é uma relação que se estabelece entre duas entidades que actuam conjuntamente para a resolução de um problema ou para a realização de um investimento que recai no âmbito das atribuições ou competências de uma delas. Por sua vez, a cooperação é uma relação que pressupõe a actuação conjunta de duas entidades para a resolução de um problema ou para a realização de um investimento que releva das atribuições ou competências de ambas(…)» (itálicos nossos).
Já a “coordenação”, esclarece a A., «é uma relação na qual as partes se encontram num situação de “supraordenação”, em função de uma prévia planificação geral cuja execução pertence ao ente coordenador (…) visa traçar uma actuação funcionalmente coincidente de vários órgãos com vista a uma finalidade comum, determinada pela entidade que possui, nos termos da lei, o poder de coordenar (…) reduzindo à unidade as partes de um todo (…)» sendo que a coordenação se distingue claramente dos conceitos de “cooperação e de colaboração” na medida em que se traduz «numa relação não igualitária e não voluntária, que se caracteriza exatamente pela concessão à entidade coordenante de capacidade directiva e decisória, traduzindo-se num limite ao exercício das competências das entidades coordenadas(…) (…) a coordenação é, em regra, sempre vertical e em sentido descendente, ou seja, existe uma entidade supra-ordenada que exerce funções de coordenação sobre entidades que estão num nível inferior (…)», em suma «enquanto a coordenação pode conduzir à integração, a cooperação e a colaboração, pelo contrário, partem de diversidade e pressupõem a manutenção desta»[49] (itálicos nossos).
Discorrendo no quadro conceitual do Direito Municipal — que, justamente, é uma área de estreita interseção com esta da polícia municipal — ANDRÉ FOLQUE, em sentido consonante e com indubitável interesse para o caso, já antes tinha propugnado que «A colaboração deve ser compreendida enquanto acepção genérica que compreende: a) a coordenação; b) a cooperação; e c) a colaboração em sentido estrito(…)”, sendo que «(…) por cooperação deve entender-se uma relação de base voluntária (…) que tem lugar entre o Estado e os municípios e que se traduz na celebração de contratos interadministrativos (…)» e, adiante, «Entendemos a coordenação administrativa como a relação jurídica de compatibilização entre o exercício de competências que concorrem sobre um mesmo objeto, ou objectos próximos, tendo em vista a eficácia na prossecução dos interesses públicos em causa»[50].
Finalmente, por igualmente constituir bom Direito, há aqui que reiterar a doutrina deste corpo consultivo estabelecida no Parecer n.º 11/2021, de 28 de outubro, quanto a certos aspetos da “cooperação” e da “coordenação” entre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da PMP com a PSP, nomeadamente em matéria de “segurança relativa a manifestações, comícios e outras reuniões de natureza pública”, o qual foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, versa sobre disposições de ordem genérica, e teve ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito, pelo que aqui se reiteram, como stare decisis, os fundamentos (pp. 39 a 42, n.º V.6.) e conclusões (em particular, 9.ª a 11.ª, 17.ª) do mesmo, pertinentes para as questões de Direito agora em apreciação (art. 50.º, n.º 1, EMP)[51].
99. Por conseguinte, visto do seu aspeto positivo, o objeto da habilitação legal em causa deve ser entendido precisamente no seus termos literais, e no sentido técnico-jurídico próprio, ou seja, estando circunscrito à “cooperação” entre entidades policiais, nos termos que ficaram definidos: “atuação conjunta de duas entidades, no caso a PSP e, por outra parte, as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, para a resolução de problemas que relevem das atribuições ou competências de ambas”.
Por outras palavras, visto do aspeto negativo, o objeto da habilitação legal em causa não credencia a PSP e as Polícias Municipais para estabelecerem relações jurídicas interadministrativas de “coordenação“.
Assim sendo, duas ilações, respeitantes à semântica dos termos legais relevantes, cumpre a extrair para os nossos efeitos:
— a “coordenação” constante da epígrafe oficial e da previsão legal do n.º 2 do artigo 6.º (Dependência orgânica e coordenação), da lei quadro, com respeito ao modus faciendi da “ação da polícia municipal e das forças de segurança”, foi usado em sentido informal, mas deverá, antes, ser lido, interpretado e aplicado no seu sentido formal, técnico-jurídico, nos termos que ficaram enunciados, ou seja, como relação interadministrativa de caráter paritário, inidónea para atribuir posições jurídicas de supremacia, como resulta da dita previsão legal ao aludir à “articulação” – que não à “supraordenação” – entre os poderes funcionais dos presidentes das câmaras e dos comandantes das forças de segurança[52];
— o termo “coordenação operacional” constante dos artigos 1.º (Objeto) e 14.º (Coordenação e planeamento operacional), dos dois contratos interadministrativos em causa, sendo embora idóneo como poder funcional integrado no quadro da hierarquia interna da PSP, neste âmbito do artigo 5.º, n.ºs 1 a 3, cit., deverá, outrossim, antes ser lido, interpretado e aplicado como “cooperação operacional”, no seu sentido formal, técnico-jurídico, nos termos que ficaram enunciados, ou seja, como relação interadministrativa, de caráter paritário, inidónea para atribuir posições jurídicas de supremacia de qualquer uma das partes contratantes, seja dos presidentes das câmaras e dos comandantes das forças de segurança.
100. Por outra parte, quanto à forma jurídica dessa “cooperação”, ainda nos termos da habilitação legal em causa, a mesma reveste caráter contratual, nas palavras da lei é “definida por contrato interadministrativo” — a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto (art. 5.º, n.º 3).
Ora, uma vez que a habilitação legal em causa respeita estritamente à celebração de contratos interadministrativos de “cooperação”, tal “pressupõe a prossecução e a manutenção das atribuições e competências” das partes contratantes. Por outras palavras, tomados do ponto de vista das competências, estes são “contratos interadministrativos sobre as competências” de cada um dos entes policiais em causa.
E assim, como frisa a melhor doutrina, «Existindo uma ampla margem de livre estipulação quanto aos modos, termos e condições da cooperação entre a PSP e a Polícia Municipal de Lisboa e do Porto, está [porém] vedada qualquer transferência de competências face à ausência de uma lei habilitante, sob pena de nulidade por violação do princípio da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência, consagrado no artigo 111.º, n.º 2 da Constituição e no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro” [e, acrescentamos nós, ainda pelo artigo 36.º (Irrenunciabilidade e inalienabilidade) do CPA, que dispõe: “A competência é definida por lei ou por regulamento e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição” (n.º 1) e “É nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins legalmente previstas” (n.º 2)]. O quadro legal e a distribuição territorial de competências não pode ser objeto de qualquer alteração direta ou indiretamente. Assim, não podem ser atribuídos por via contratual a qualquer das partes, maxime, à PSP poderes de direção ou poderes de coordenação sobre a atividade da polícia municipal.».
Por conseguinte, prossegue a A., com manifesto interesse para o nosso caso, «O contrato interadministrativo pode ter como objetivo clarificar a repartição de competências, delimitando a esfera exclusiva de atuação da polícia municipal e da PSP naqueles domínios em que se suscitem dúvidas interpretativas, procurando esclarecer e firmar uma interpretação conjunta do âmbito das respetivas competências, sem alteração do quadro legal de competências. O seu escopo natural, porém, é o de regular a articulação de competências, quer se trate de competências próprias e exclusivas de cada uma das partes mas que, em prol da unidade e eficácia da atividade administrativa, devem ser exercidas de forma concertada (contratos de cooperação com objeto de colaboração), quer se trate de competências concorrentes, estabelecendo formas de parceria e mecanismos de atuação conjunta de modo a evitar sobreposições e vazios de atuação (contratos de cooperação de articulação de competências)»[53].
101. Quanto ao “âmbito” — ou seja, às “áreas” ou “domínios” — que podem ser objeto da cooperação entre as Polícias Municipais de Lisboa e Porto e a PSP, está estabelecido nas alíneas a) a i), do n.º 2 do artigo 5.º em apreço através desta cláusula: “O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas: (…)”. Procede, pois, através de uma enumeração exemplificativa (“entre outras”).
Para a economia do presente parecer será pertinente centrar a atenção, justamente, neste tópico, com algumas breves notas relativamente a esta “cláusula aberta” do corpo do preceito, pois as que constam das alíneas a) a i) são, em boa medida, objetivamente concretizáveis.
Não sem antes darmos devida nota de que importa ainda atender à já transcrita previsão do n.º 3 do artigo 2.º (Atribuições), da lei quadro, sendo que que a matéria da “partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições” ali prevista consta expressamente da enumeração legal das “áreas” típicas integradas no âmbito da “cooperação” [art. 5.º, n.º 2, alínea b)], mas outro tanto já não sucede com a “satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados”, pelo que esta se deve considerar como constante, implícita mas necessariamente, da dita enumeração legal.
102. Assim, primeiramente, a competência para eleição dessas “outras áreas” é, por natureza, consensual, assumindo naturalmente a forma de contrato interadministrativo, sendo por conseguinte, “assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.” (art. 5.º, n.º 1).
103. Depois, a concreta definição dessas “outras áreas” tem de ser realizada à luz do já amiudadamente referido “princípio da legalidade da competência”, enquanto habilitação legal, ou seja, apenas podem ser definidas “áreas” estritamente correspondentes a funções, atribuições e competências, próprias ou concorrentes, das entidades policiais em causa, tal como previamente definidas na Constituição, na lei e nos regulamentos em causa (arts. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 3.º, n.º 1, CPA).
Do ponto de vista das Polícias Municipais, a habilitação legal procede da Constituição (art. 237.º, n.º 3), da lei-quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º), do “regime especial” (art. 4.º, n.º 1 e 2) e dos regulamentos (art. 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, e arts. 6.º e 7.º, RFOPMP), sendo fulminadas de nulidade as cláusulas contratuais que consagrarem “áreas de cooperação” que extravasem desses limites de legalidade. Tudo nos termos gerais de Direito, nomeadamente das disposições conjugadas do n.º 2 do artigo 284.º (Invalidade própria do contrato), do Código dos Contratos Públicos (CCP)[54]: “Os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos previstos (…) no artigo 161.º (Atos nulos) do Código do Procedimento Administrativo (…)”, e da alínea b), do n.º 2 do aludido artigo 161.º (Atos nulos), do CPA: “Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre”.
104. Uma dessas “áreas de eleição” poderá ser, justamente, aquela credenciada pela habilitação constitucional das Polícias Municipais, nos termos do n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa), da Constituição: “As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”.
Estas são atribuições — e competências ordenadas à prossecução das daquelas — próprias das Polícias Municipais mas que, necessariamente, têm de ser exercidas em “cooperação”, no sentido técnico-jurídico que ficou referido, com as forças de segurança, no caso com a PSP, ou seja, através de uma atuação de caráter paritário, que assim interdita qualquer relação de supremacia entre as entidades policiais em causa, nomeadamente por parte da PSP — sem embargo das funções das polícias municipais neste domínio, segundo alguma doutrina de referência, e, bem assim, do Parecer n.º 28/2008 cit., poderem ser qualificadas, em certo sentido, como «complementares, e não substitutivas da polícia e das forças de segurança»[55].
Parafraseando ANA GOUVEIA MARTINS, «Não sendo substitutiva da atuação das forças de segurança, afigura-se-nos que se trata de uma atuação que releva das atribuições próprias das polícias municipais, muito embora não possa ser desenvolvida sem a devida articulação com as forças de segurança».[56].
105. É isso que decorre, inequivocamente, dos expressos e estritos limites do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, conforme as locuções legais de “respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias” e “sem prejuízo”, a saber: “A cooperação referida no número anterior exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de actuação próprias, nomeadamente através da partilha da informação relevante e necessária para a prossecução das respectivas atribuições e na satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados” (n.º 3) e “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.” (n.º 4).
p) “Questão 2 - Âmbito e enquadramento da requisição de meios das polícias municipais de Lisboa e Porto para reforço da capacidade operacional da Polícia de Segurança Pública previstos no artigo 6.° do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de Janeiro.”
106. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, também aqui, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal, para a prática do ato administrativo de “requisição de meios”, tal como delineado no referido artigo 6.º (Requisição de meios), do Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
O preceito legal em causa, o artigo 6.º (Requisição de meios) do referido diploma legal, dispõe:
“1- Nas situações previstas na Lei de Segurança Interna e sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública pode requisitar, para reforço da sua capacidade operacional, efetivos das polícias municipais de Lisboa e do Porto.
2- Nos casos previstos no número anterior, os polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente.
3- No ato de requisição, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública determina o número de agentes requisitados e o tempo previsível da requisição, informando o presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita.”
q) “Requisição de meios” vs. requisição civil, requisição temporária de bens e serviços e requisição administrativa
107. Importa frisar, a título preliminar e antes de entrar propriamente na análise do regime jurídico da “requisição de meios”, que esta figura é singular, do ponto de vista do seu objeto, pois que incide sobre “meios pessoais (policiais) ”, ou seja, sobre o “efetivo das polícias municipais de Lisboa e do Porto” (art. 6.º, cit., n.ºs 1, 2 e 3), não encontrando assim paralelo em figuras jurídicas cognatas, em particular na “requisição civil”, na “requisição temporária de bens e serviços” e na “requisição administrativa”, que na verdade são “falsos amigos”, pois têm objeto, pessoal ou real, diverso.
Vejamos, sucintamente.
108. Sem embargo do parentesco terminológico, não se trata aqui da “requisição civil”, cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro.
No que aqui mais releva, ainda que tenha um aspeto de “requisição civil de pessoas”, estas são apenas aquelas afetas aos “serviços públicos” enumerados no n.º 1 do artigo 3.º deste diploma legal, do qual não constam, por definição, as forças e serviços de segurança e respetivo pessoal, em particular o pessoal da PSP com funções policiais, e os “polícias municipais”.
Na síntese de JOÃO ALFAIA, nesta “requisição civil” «não se trata de criar relações jurídicas de emprego público, mesmo com caráter precário, mas, antes e apenas, de assegurar o exercício de funções — é uma mera requisição de serviços (e não requisição de funcionários) (…)»[57].
109. Igualmente não é aqui o caso da “requisição temporária de bens e serviços”, prevista no artigo 24.º da Lei de Bases da Proteção Civil (LBPC)[58] com essa epígrafe oficial, por isso que, como resulta dos n.ºs 1 a 3 deste preceito legal, esta incide sobre “bens (móveis ou imóveis) e serviços”.
110. Também não se trata agora, bem entendido, da “requisição administrativa”, pois, no que aqui mais releva, esta tem por objeto “bens imóveis” (arts. 80.º a 87.º, Código das Expropriações[59]).
111. Um lugar paralelo desta “requisição de meios”, em certa medida, poderia ser a figura jurídica da “requisição” (tout court), in illo tempore prevista e regulada no Decreto-Lei n.º 165/82 (Implementa um sistema de gestão previsional conducente à criação e reorganização de serviços, quadros e carreiras de pessoal e introduz novas concepções de mobilidade interdepartamental e interprofissional), de 10 de maio, porém, esse diploma legal foi entretanto revogado, sem caráter substitutivo.
r) “Requisição de meios”: regime jurídico
112. Feitas estas precisões, importa reverter ao cerne da questão que agora nos ocupa, qual seja a de determinar, nos seus grandes rasgos, o regime jurídico da “requisição de meios”, no sentido do artigo 6.º, cit..
113. Começaremos por referir que a norma jurídica expressa neste preceito do aludido artigo 6.º, à luz da conceituação da melhor doutrina[60], é de caraterizar como “norma de competência”, pois confere e disciplina, nomeadamente definindo os respetivos pressupostos, o poder para a prática de um ato administrativo (plural”) de “requisição de meios” (do efetivo policial da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto).
Na verdade, tal “requisição de meios” corresponde à definição estipulativa de “ato administrativo” estabelecida na lei, pois é uma “decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta” (art. 148.º, CPA).
Assim sendo, para os nossos efeitos e parafraseando JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, importa agora «(…) estabelecer um esquema descritivo dos aspetos significativos do acto [in casu, de “requisição de meios”], capaz de fornecer uma explicação coerente do seu regime de funcionamento» e, mais, que permita «identificar os momentos que sejam relevantes para efeitos de localização dos diversos tipos de vícios de que o acto pode padecer»[61].
114. Assim, quanto à competência para a prática deste ato administrativo de “requisição de meios”, está legalmente deferida ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, como “competência própria” (art. 6.º, n.º 1).
Poderá, todavia, justamente enquanto “competência própria” do mesmo, ser delegada, “em todos os níveis de pessoal dirigente as suas competências próprias”, nos termos do n.º 3 do artigo 21.º (Competência), da LOPSP, observados ainda os demais termos gerais de Direito [v.g., arts. 44.º, n.ºs 1 a 3, e 5, 47.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.ºs 1 e 2, e 50.º, alíneas a) e b), CPA].
115. Relativamente ao procedimento, a lei não prevê qualquer prazo, ato, ou formalidade especificamente tendente à formação (ou manifestação) do ato administrativo de “requisição de meios”, o que indicia o caráter desprocedimentalizado, por premente, do mesmo.
116. O pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” é fixado por remissão legal, para as “situações previstas na Lei de Segurança Interna” (art. 6.º, n.º 1), sendo finalidade do mesmo o “reforço da sua [da PSP] capacidade operacional”.
117. Porém, a LSI, não prevê, no respetivo articulado, qualquer suposto de “requisição de meios”.
Assim sendo, a remissão legal em causa estará referida à previsão legal que define as finalidades das medidas de polícia de “segurança interna”, ou seja, “em especial, a[s de] proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública. “ (art. 1.º, n.º 3, LSI).
Isto no sentido em que é pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” a ocorrência de alguma ou algumas das “situações de segurança interna” descritas no n.º 3 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna), da LSI, que assim se constitui como um requisito de validade de tal providência administrativa.
118. Mas, cremos, não é qualquer uma dessas “situações de segurança interna” descritas na lei, por “ligeira, potencial e remota” que seja, que constitui o pressuposto de facto em causa.
Não: apenas o será na medida em que ocorra, objetivamente, “perigo grave, atual e iminente” as mesmas.
119. Com efeito, por uma parte, que se trata de uma “situação de urgência” é o que pode ser depreendido do próprio texto e espírito da lei: não vem previsto qualquer procedimento específico ou prazo para a emissão da “requisição de meios”, sendo certo que o próprio presidente da câmara apenas contextual e concomitantemente (e não previamente) é “informando pela via mais expedita” (art. 6.º, n.º 3).
120. E, por outra parte, a emissão do concreto ato administrativo de “requisição de meios”, deve observância ao princípio da proporcionalidade, que norteia toda a conduta administrativa.
Ou seja, nomeadamente terá de ser necessário (não há alternativa viável à requisição do efetivo de “polícias municipais”) e proporcional, em sentido estrito (os benefícios esperados para a segurança interna com o “reforço da capacidade operacional” da PSP superam, objetivamente, os custos infligidos ao bem-estar, tranquilidade pública e proteção da comunidade local em causa) [art. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 7.º, n.º 1, CPA].
121. Quanto ao fim legal, como vimos, é o do “reforço da capacidade operacional” da PSP para acorrer às situações de “segurança interna” descritas na LSI (art. 6.º, n.º 1).
122. Quanto ao conteúdo típico do ato administrativo de “requisição de meios”, deve dispor quanto (i) à determinação o número de agentes requisitados, (ii) ao tempo previsível da requisição, e (iii) à informação ao presidente da câmara municipal respetiva, pela via mais expedita (art. 6.º, n.º 2).
Bem entendido também aqui pontifica o princípio da proporcionalidade, no sentido em que o (i) número de agentes requisitados, e o (ii) tempo previsível da requisição devem ser os necessários e proporcionais, em sentido estrito, para debelar a “situação de urgência”.
123. O efeito jurídico externo típico da “requisição de meios”, redunda em produzir, unilateral e imediatamente, como decorre do conceito de “ato administrativo”, a suspensão da comissão de serviço dos “polícias municipais” em causa que, consequentemente, passam a “ficar[…] na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente” (art. 6.º n.º 2).
Esta é uma “situação funcional”, para a qual os mesmos estão habilitados em virtude do seu “estatuto profissional” de polícias da PSP, que tem caráter transitória (enquanto vigorar a “requisição de meios”) e não determina a ocupação de lugar no quadro de origem da PSP[62].
124. Quanto à forma, o ato administrativo de “requisição de meios”, deve ser praticado por escrito (art. 150.º, n.º 1, CPA).
125. Finalmente, quanto às menções obrigatórias, convém referir, além do mais exigido por lei, que dele deve constar fundamentação expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, de modo claro, congruente e sucinto, na medida em que o ato administrativo de “requisição de meios” consubstancia a suspensão (administrativa) dos atos administrativos de colocação, em comissão de serviço, dos “polícias municipais” em causa (arts. 150.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, alíneas a) a g), e 152.º, n.º 1, alínea e), CPA).
s) “Questão 3 - Âmbito e enquadramento das medidas cautelares de polícia enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.”.
126. Com esta questão, sobre o “âmbito e enquadramento”, a Exma. entidade consulente pretenderá, também aqui, em essência, saber qual o “regime jurídico” da habilitação legal, das “medidas cautelares de polícia” enquadráveis nas competências das polícias municipais de Lisboa e do Porto sujeitas ao regime especial do citado Decreto-Lei n° 13/2017, de 26 de janeiro.
127. Convém encetar com uma precisão terminológica, para fazer corresponder o âmbito desta questão à “vontade presumida” da Exma. entidade consulente quanto às “medidas cautelares de polícia”, no sentido em que pretenderá saber o “regime jurídico” das “medidas cautelares” (que visam preservar os meios de prova) e, ainda, das “medidas de polícia”, lato sensu (detenção, revista e identificação e denúncia) em causa.
128. Entrando assim no exame do tema, é imperioso começar por frisar que as “medidas cautelares e de polícia” em causa são, apenas e exclusivamente, aquelas previstas na lei quadro, uma vez que também aqui prepondera o “princípio de legalidade da competência”.
Portanto, estão especificamente em causa as “medidas cautelares e de polícia” (lato sensu) previstas e reguladas nos seguintes artigos desse diploma legal:
- 3.º (Funções de polícia), n.º 3 (“Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativa”) e n.º 4 (identificação e revista de suspeitos);
- 4.º (Competências) n.º 1, alínea e) “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; alínea f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.”.
129. Com efeito, o “regime especial” — e bem entendido, em razão da sua função “executiva”, o RFOPML e o RFOPMP — não contém qualquer habilitação legal “especial” com respeito às competências legais em matéria das “medidas cautelares e de polícia” dos “polícias municipais” (no sentido da qualificação legal constante do n.º 2 do artigo 2.º, in fine).
Como antes já ficou explanado, embora mantenham o “estatuto profissional” de polícias da PSP, o respetivo “estatuto funcional”, na vigência da colocação em comissão de serviço, nas Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, é, na sua plenitude, justamente, o de “polícias municipais”, especialmente vocacionados para o exercício de funções de “polícia administrativa”.
Pois que “As atribuições, funções e competências da Polícia Municipal [de Lisboa e do Porto] são as decorrentes da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, e as previstas na demais legislação aplicável.” (art. 6.º, n.º 1, RFOPML, e art. 7.º, n.º 1, RFOPMP), ou seja, em essência, o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia” aplicáveis aos “polícias municipais” é, precisa e exclusivamente, o da lei quadro (cf. supra, a nota de rodapé n.º 44).
130. Como também já referido, em virtude da respetiva homologação, que o revestiu do valor jurídico interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava esclarecer e, não menos importante, porque as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade[63], em conclusão, importa reiterar, na íntegra e como stare decisis, os fundamentos e conclusões do parecer n.º 28/2008, deste corpo consultivo, já identificado, em particular no que diz respeito à doutrina sobre o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia”, ali tratada com assinalável profundidade, frisando, muito em particular, as conclusões 4.ª a 11.ª, 13.ª, e 15.ª (supra transcritas, n.º 36, e que aqui se dão por inteira e expressamente reproduzidas).
131. O mais que hic et nunc, se pode reiterar, em face de afirmações que têm sido propaladas sobre o tema, é que, na verdade, “Os agentes das polícias municipais [somente] podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal”.
Ou seja, nomeadamente os “polícias municipais” nesses casos — embora somente nesses casos, tipificados na lei — têm competência para “deter suspeitos”; mais sendo certo que não ficam a aguardar pela chegada do órgão de polícia criminal, bem pelo contrário, têm de, ativamente, proceder à “imediata” entrega do detido à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal competentes (art. 4.º, n.º 1, alínea e), lei quadro).
Se há, genuína e reiteradamente, dificuldades operacionais na articulação das competências próprias dos polícias municipais e da PSP na boa execução desta medida de polícia, a mesma poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, entre as Polícias Municipais e a PSP, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “imediata entrega” do detido, em particular à PSP, bem como a composição de todo o expediente policial envolvido.
132. O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto a eventuais dificuldades operacionais em matéria da “prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente” [art. 4.º, n.º 1, alínea f)].
Também esta poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “chegada da PSP”, bem como a composição de todo o expediente envolvido (art. 4.º, n.º 1, alínea f), lei quadro).
t) “Questão 4 - Análise e enquadramento de incompatibilidades legais decorrentes da dependência administrativa, funcional e hierárquica ao respetivo Presidente de Câmara de Lisboa e do Porto e simultaneamente sujeição às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública (n.º 4 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro) (…)”.
133. Finalmente, com esta questão a Exma. entidade consulente pretenderá saber, em essência, se os “polícias municipais” estão sujeitos a uma “dupla hierarquia”, dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto e, por outra parte, da “hierarquia de comando” da PSP.
134. A “incompatibilidade legal”, nos usos legislativos e doutrinários nacionais, respeita à tendencial exclusividade do exercícios de cargos, empregos ou funções públicas, proibindo assim o titular em causa de os desempenhar simultaneamente com outros cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, em ordem a prevenir conflitos de interesses e a promover a eficiência no desempenho do serviço público.
Nas palavras de JOÃO ALFAIA «Denomina-se incompatibilidade a impossibilidade de desempenhar, além do cargo correspondente ao lugar ocupado, outras funções, ou de ocupar outro lugar».
Não será essa, cremos, a dúvida subjacente à questão sub iudicio, pois no caso há um único e exclusivo exercício de funções, mas antes a de saber se um mesmo “polícia municipal”, de Lisboa ou do Porto, e com respeito ao concreto modo de exercer as mesmas competências funcionais de que está legalmente investido, pode estar sujeito a uma “dupla hierarquia”, do Presidente da Câmara de Lisboa ou do Porto, por uma parte, e da “hierarquia de comando da PSP”, por outra parte, em virtude de manter o seu “estatuto profissional” de “pessoal com funções policiais da PSP”.
135. A resposta a esta questão é, prima facie, negativa.
Pois uma “dupla hierarquia”, sobre o mesmo agente e quanto à mesma competência funcional, virtualmente minaria o princípio hierárquico, que é congenial à estruturação das organizações policiais (art. 4.º, n.º 1, al. d), EPPFP da PSP).
Com efeito, ao perguntar «Em que fundamentos se louva o princípio hierárquico?» JOÃO BAPTISTA MACHADO explica, incisivamente, deste ponto de vista, que «Face à divisão do trabalho ou à repartição de tarefas, importa imprimir unidade e coerência às actividades dos diversos agentes, dirigir e coordenar o trabalho, por forma a realizar o objectivo final de modo eficiente. Por isso a impulsão vem de cima, as orientações são decididas no cume, onde também se faz a coordenação. A subordinação hierárquica permite realizar a unidade de comando e atribuir a cada órgão ou agente uma responsabilidade definida»[64].
136. O exame dos dados legais e regulamentares pertinentes, bem como dos contributos doutrinais, corroboram essa primeira intuição, ou seja, a resposta é negativa, nomeadamente à luz da consideração dos pares de conceitos contrapostos “hierarquia interna / hierarquia externa” e de “relação de serviço / relação orgânica”, nomeadamente no que respeita à Polícia Municipal de Lisboa e do Porto.
137. Com efeito, a lei quadro estabelece que as “polícias municipais são “serviços municipais com inserção hierárquica” definida na mesma, ou seja “organizados na dependência hierárquica do presidente da câmara” (art. 1.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1).
Nos termos do “regime especial”, as polícias municipais de Lisboa e do Porto “são organizadas na dependência hierárquica do respetivo presidente de câmara” embora com a ressalva “sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei”, ressalva essa que redunda em serem “organizadas hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, à semelhança dos comandos distritais da PSP, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública” (arts. 2.º, n.º 1, e 18.º, n.ºs 1 e 2, e 4.º, n.º 1, 12.º, n.ºs 1 e 2).
Finalmente, quanto aos regulamentos em causa, o artigo 5.º (Composição), do RFOPML dispõe: “A Polícia Municipal é constituída exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (adiante designado polícias municipais), e está organizada hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP.” Já o mesmo preceito do RFOPMP dispõe: “A PMP é constituída por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, adiante designados por polícias municipais, sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da Polícia de Segurança Pública“.
E os artigos 12.º (Estrutura / Organização) do RFOPML e do RFOPMP dispõem que as estruturas respetivas “compreendem o comando, os serviços e as subunidades, estruturadas hierarquicamente à semelhança dos comandos distritais da PSP”.
138. Ou seja, o modelo de organização das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é disposto “hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, mais “estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP”.
E é natural que tal estrutura organizatória seja decalcado do modelo hierárquico de organização vigente na PSP, pois como sabemos o efetivo das referidas Polícias Municipais é composto, exclusivamente, por pessoal com funções policiais da PSP.
E é também natural que os “polícias municipais” estejam sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, “determinada pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais.” (art. 61.º, n.ºs 1 e 29, EPPFP da PSP). Pois, de contrário, ao serem colocados nas Polícias Municipais de Lisboa ou do Porto poderia ocorrer a disrupção das regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, que são estruturantes da função e da carreira policial de origem — e na qual se mantêm, pois se trata de colocação em comissão de serviço, temporária por natureza —, de modo tal que viesse a permitir, v.g., que na Polícia Municipal de Lisboa ou do Porto, um polícia de categoria profissional subalterna ficasse investido em cargo de comando sobre um polícia de categoria profissional superior.
Aliás, só esta “estruturação hierárquica à semelhança dos comandos distritais da PSP”, com “sujeição dos polícias municipais às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP” é consonante com o ato administrativo de “requisição de meios”, tal como está estruturado na lei, na medida em que assim o efetivo das Polícias Municipais pode transitar imediatamente, em solução de continuidade, para a estrutura hierárquica e o comando operacional do comando metropolitano da PSP de Lisboa ou do Porto (art. 6.º, n.º 2).
139. Em suma, para usar uma metáfora, diremos que ex rerum natura, “polícia”, por uma parte, e regras de “hierarquia” e de “comando”, por outra parte, são indissociáveis, gémeos que não podem ser apartados.
Nas palavras eloquentes da lei, a este propósito, dispõe o artigo 61.º (Hierarquia de comando): “Os polícias estão sujeitos à hierarquia de comando, nos termos previstos na respetiva lei orgânica” (n.º 1) e, sobretudo, “A hierarquia de comando tem por finalidade estabelecer, em todas as circunstâncias de serviço, relações de autoridade e subordinação entre os polícias e é determinada pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais.” (n.º 2), do EPPFP da PSP, com referência ao artigo (62.º Carreiras e categorias), n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do mesmo diploma legal.
140. Do ponto de vista jurídico-administrativo a figura jurídica aqui em causa é a ”hierarquia interna”, ou seja, «aquele modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos», no qual «Não está em causa directamente o exercício da competência de uma pessoa colectiva pública, mas o desempenho regular das tarefas de um serviço público: prossecução de actividades, portanto, e não prática de actos jurídicos»[65].
Ou seja, o que está aqui em causa é a organização hierarquizada da PML e da PMP (e não já a competência para dirigir as mesmas).
141. Figura jurídica bem diversa é já a “hierarquia externa”, em que «Também aqui, é certo, se toma a estrutura vertical como directriz, mas desta feita para estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos em que a competência jurídica consiste: a hierarquia externa é uma hierarquia de órgãos. Os vínculos de superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da Administração. Já não está em causa a divisão do trabalho entre agentes, mas a repartição de competência ente aqueles a quem está confiado o poder de tomar decisões em nome da pessoa coletiva»[66].
Ou seja, o que agora está em causa é a competência para dirigir a PML ou a PMP (enquanto organizações hierarquizadas).
142. E neste particular, a lei quadro, o “regime especial”, e os regulamentos de funcionamento e organização, como vimos, são inequívocos e categóricos ao atribuírem aos presidentes da câmara, exclusivamente, tal competência diretiva: “A polícia municipal é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara” (respetivamente arts. 6.º, n.º 1; 3.º; 4.º, n.º 2; 4.º).
Mais: “A coordenação entre a acção da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município” (arts. 6.º, n.º 2, lei quadro, art. 5.º, n.º 1, Decreto-Lei n.º 13/2017). O que comprova que apenas o Presidente da Câmara, não já o Diretor Nacional da PSP, está investido de poderes hierárquicos sobre os “polícias municipais”, pois de contrário este último não entraria em “coordenação”, exerceria, sem mais, “poderes de direção” sobre os “polícias municipais”.
E, finalmente, o “regime especial”, ao prever a “requisição de meios” dos efetivos da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, igualmente corrobora este entendimento, pois só através deste ato administrativo os “polícias municipais requisitados ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente” (art. 6.º, n.º 2), ou seja, a contrario sensu se deduz que antes de tal momento não o estavam.
143. Finalmente, neste contexto pode ser chamado à colação a distinção a “relação de serviço / relação orgânica”.
Com efeito, os “polícias municipais”, no que diz respeito aos seus direitos e deveres estatuários, uma vez que estão em comissão de serviço, mantêm uma “relação de serviço” com a PSP.
Porém, enquanto “polícias municipais”, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, estão antes integrados numa “relação orgânica”, exclusivamente com o serviço municipal de polícia, o qual, como sabemos, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”.
144. Ou seja, nas palavras da melhor doutrina, «Em termos ampliativos, dir-se-á que existe hierarquia, aí, onde quer que um agente administrativo possa dirigir ordens a outros agentes administrativos e estes estejam constituídos no dever jurídico de as respeitar. Quando se faz o estudo da repartição inter-orgânica de competências ao falar-se em relação hierárquica tem-se, contudo, em vista outro sentido, mais restrito, de hierarquia: aqui, ela só existirá quando a mencionada relação se estabelece entre órgãos administrativos e a propósito do exercício da sua competência funcional. Se bem repararmos trata-se de dois momentos distintos: no primeiro, a hierarquia respeita à relação de serviço que os agentes mantêm com a Administração relação que os obriga a respeitar, enquanto trabalhadores, as ordens da entidade patronal, constituindo-se em responsabilidade disciplinar quando o não façam. No segundo caso, a hierarquia estende-se à relação orgânica dos agentes com a Administração atingindo-os não como «trabalhadores», mas como titulares de um órgão administrativo, nomeadamente no que respeita ao exercício da sua competência. Não é difícil distinguir entre as duas formas de hierarquia: suponhamos que um técnico do quadro de funcionários de uma Direcção-Geral do Ministério X é colocado em comissão de serviço no órgão directivo de um estabelecimento público dependente do Ministro Y. Ora, enquanto funcionário, ele está colocado na dependência hierárquica do Ministro X ficando, portanto, vinculado a obedecer às ordens que lhe der respeitantes à sua relação de serviço, ainda que já esteja a desempenhar as suas funções no órgão directivo do estabelecimento público: assim, nomeadamente, estará obrigado a respeitar a ordem do Ministro X para que regresse às suas funções de origem. Há hierarquia, mas cingida à posição de serviço do funcionário. Ë por isso que o Ministro X não lhes pode dar ordens em matérias relacionadas com a competência legal do órgão directivo do estabelecimento público. Agora, suponhamos que, nos termos da Lei Orgânica deste estabelecimento, o exercício da competência do respectivo órgão directivo está sujeito numa ou noutra matéria, às instruções e ordens dimanadas do Ministro Y: aqui, a hierarquia não deriva da relação de serviço do funcionário, antes tem o seu fundamento (e também a sua projeção) na relação orgânica que o liga ao estabelecimento público»[67].
Quer dizer: quanto à “relação de serviço” — mas só quanto a esta — que originariamente os vincula à PSP, os “polícias municipais” devem naturalmente obediência às decisões, legítimas, dos órgãos competentes da PSP (p. ex., a não renovação da comissão de serviço, na PML ou na PMP).
Mas já quanto à “relação funcional”, enquanto “polícias municipais” e no desempenho das respetivas funções, de polícia administrativa ou de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais, estão exclusivamente na dependência hierárquica dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, e portanto apenas vinculados ao respetivo “poder de direção”, nomeadamente através das ordens e instruções dos mesmos[68].
145. Em conclusão, enquanto “polícias municipais”, de Lisboa e do Porto, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, não há “dupla hierarquia”, pois a “relação orgânica” dos mesmos tem como contraparte, única e exclusivamente, o serviço municipal de polícia, o qual, por seu turno, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”, o qual está assim investido dos inerentes poderes, em particular, do “poder de direção” sobre os “polícias municipais” de Lisboa e do Porto.
III
(Conclusões)
1.ª — A competência, em razão da matéria, deste corpo consultivo, nos termos e para os efeitos das normas jurídicas constantes da alínea a), do artigo 44.º (Competência) do Estatuto do Ministério Público (EMP), e da alínea a), do artigo 3.º (Competência), do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (RCCPGR), é “restrita a matéria de legalidade”, ou seja, às questões de Direito que, em essência, respeitam à determinação, interpretação, validade e aplicação de normas ou atos jurídicos;
2.ª — As questões relativas à “atualidade” dos regimes e normas jurídicas submetidas à presente consulta são matéria de “política legislativa”, da exclusiva responsabilidade do legislador, segundo juízos de “oportunidade ou conveniência”, pelo que não podem ser objeto de pronúncia por parte deste corpo consultivo, a título da competência estabelecida nas citadas alínea a) do artigo 44.º do EMP e alínea a) do artigo 3.º do RCCPGR, porquanto é “restrita a matéria de legalidade”;
3.ª — Sobre questões similares àquelas agora em apreciação já anteriormente emitiu pronúncia o Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio, deste Conselho Consultivo, depois homologado pela entidade consulente, versando sobre disposições de ordem genérica, com ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito e mantêm plena atualidade, pois não houve alterações substantivas no quadro legislativo relevante, pelo que na íntegra e como stare decisis, se reiteram os fundamentos e conclusões respetivas (Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008, pp. 35859 a 35875) [então, Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro (Estatuto do Ministério Público), art. 43.º, n.º 1, e hoje, art. 50.º, n.º 1, EMP);
4.ª — Nos termos do regime constitucional vigente, as polícias municipais estão integradas na organização das autarquias locais e têm, predominantemente, funções de polícia administrativa e, complementarmente, funções de segurança interna, restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” (art. 237.º, n.º 3, preceito aditado ao normativo em causa por força do artigo 160.º da Lei Constitucional n.º 1/97 (IV Revisão Constitucional), de 20 de setembro);
5.ª — Este modelo constitucional, seja no plano dos princípios, seja também da sua aplicação prática, não institui antagonismo, mas antes complementaridade de funções entre as polícias municipais e as forças de segurança, no domínio da “segurança interna”, através de um regime de divisão e especialização de tarefas: ao criar e atribuir àquelas primeiras funções de polícia administrativa e, complementarmente, de cooperação na “manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais”, desonera o efetivo das forças de segurança dessas tarefas, permitindo que o mesmo seja mobilizado, primordialmente, para funções de “segurança interna”;
6.ª — Os regimes legais vigentes estabelecem que as polícias municipais têm por função primordial a “defesa da legalidade democrática, no aspeto do cumprimento das leis e regulamentos que disciplinem matérias relativas às atribuições das autarquias e à competência dos órgãos das autarquias locais”, pelo que a atividade de polícia municipal, de regime geral ou especial (Lisboa e Porto), é de caraterizar como polícia administrativa, em sentido funcional (arts. 2.º, n.º 1, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004 (“lei quadro”), de 20 de maio, art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017 (“regime especial”), de 26 de janeiro);
7.ª — Os regimes legais vigentes organizam as polícias municipais como “serviços municipais”, “atua[ndo] no quadro definido pelos órgãos representativos do município”, com “âmbito municipal”, funcionando “na dependência do presidente da câmara municipal”, e em particular as de Lisboa e Porto, como “um serviço da respetiva câmara municipal, equiparado a direção municipal”, o seu efetivo é de “polícias municipais” e, “sem prejuízo das especificidades das funções dos cargos de comandante e de segundo comandante das polícias municipais de Lisboa e do Porto” os mesmos são “equiparados, respetivamente, às de diretor municipal e diretor de departamento municipal”, a “criação das polícias municipais compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal”, através da aprovação do “regulamento de funcionamento e organização das polícias municipais de Lisboa e do Porto”, “sendo que “das deliberações dos órgãos municipais que instituem a polícia municipal devem constar, de forma expressa, a enumeração das respetivas competências e a área do território do município em que as exercem” e, finalmente, a determinação do efetivo é feita “tendo em conta as necessidades do serviço e a proporcionalidade entre o número de agentes e o de cidadãos eleitores inscritos na área do respetivo município”), pelo que, tudo considerado, as mesmas são de caraterizar como polícia administrativa, em sentido organizatório [art. 1.º, n.ºs 1 e 2, 6.º, n.º 1, 8.º, 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, arts. 2.º, n.º 1, 3.º, 15.º, n.ºs 1 e 2 , e 18.º, n.ºs 1 e 3, Decreto-Lei n.º 13/2017, arts. 4.º, n.ºs 1 e 2, e 12.º, n.º 2, e 13.º, n.º 2, Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa (RFOPML), arts. 4.º, 6.º, n.º 1, e 12.º, e 13.º A), Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal do Porto (RFOPMP)];
8.ª — A lei constitucional opõe-se à atribuição da qualificação, do estatuto e das competências legais próprias de “órgão de polícia criminal” às polícias municipais, pois lhes comete, exclusivamente, funções de polícia administrativa e de segurança interna, estas restritas à “cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais” mas, em todo o caso, disso é díspar, em essência, a figura jurídica da atribuição aos “polícias municipais” de permissões legais, individualizadas e tipificadas, para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos “órgãos de polícia criminal”, diretamente conexas com as funções de polícia administrativa;
9.ª — A lei quadro, em conformidade, recusa expressamente atribuir às polícias municipais, sejam de regime geral ou especial, a qualificação, o estatuto e as competências legais próprias “órgão de polícia criminal”, ao dispor que “(…) é vedado às polícias municipais o exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal”, todavia “sem prejuízo do disposto nos números anteriores”, ou seja, sem embargo das competências, excecionais e casuisticamente tipificadas, que nos termos da lei as mesmas poderão exercer e que são funcionalmente equivalentes a “medidas cautelares e de polícia”, no sentido da lei processual penal (art. 3.º, n.º 5);
10.ª — Na previsão legal dos n.ºs 1 a 4, do artigo 3.º (Órgãos de polícia criminal) da Lei n.º 49/2008 (Aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal), de 27 de agosto, não constam as polícias municipais;
11.ª — A lei constitucional recusa atribuir às polícias municipais as funções de “prevenção dos crimes”, as quais reserva para as polícias com âmbito nacional e funções típicas de “segurança interna”, ou seja, às forças de segurança (art. 272.º, n.ºs 3 e 4);
12.ª — A lei quadro, em conformidade, no n.º 4 do seu artigo 2.º (Atribuições), estabelece que “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança”;
13.ª — A Lei n.º 53/2008 (Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto, em conformidade, não faz constar as polícias municipais, de regime geral ou especial, do elenco legal de forças de segurança (art. 25.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4);
14.ª — As Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto, são, também elas, serviços municipais, “especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa, tal como definidos na lei das polícias municipais”, ou seja, são também elas, como as de “regime geral”, polícias administrativas, de âmbito municipal, em sentido funcional e organizatório, embora “com as especificidades do presente decreto-lei”, que em nada descaraterizam ou exorbitam de tais funções (art. 2.º, n.º 1, e 2, in fine, 3.º, 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 4.º, n.º 1, RFOPML, e art. 4.º, n.º 1, RFOPMP);
15.ª — Às Polícias Municipais de “regime especial”, de Lisboa e do Porto são, de plano, aplicáveis as interdições, constitucional e legal, de atribuição do estatuto e do exercício de funções de força de segurança e de “órgão de polícia criminal”, sem embargo, quanto as estas últimas, das permissões legais, estritamente tipificadas, atribuídas para prática de “medidas cautelares e de polícia” funcionalmente equivalentes ao exercício de competências próprias dos órgãos de polícia criminal (arts. 2.º, n.º 5, e 3.º, maxime n.º 5, Decreto-Lei n.º 13/2017);
16.ª — Da letra e do pensamento legislativo, corroborado pela história da lei, decorre uma dicotomia entre o “estatuto funcional” (que os vincula, para esses efeitos, à PSP) e o “estatuto profissional” (que os vincula, para esses efeitos, apenas aos serviços municipais), do pessoal com funções policiais da PSP, que exclusivamente constitui o efetivo das polícias municipais de Lisboa e do Porto, e que a lei, sintomaticamente, designa por “polícias municipais” (art. 2.º, n.º 2, in fine, Decreto-Lei n.º 13/2017);
17.ª — Com efeito, o recrutamento para as Polícias Municipais de Lisboa (PML) e do Porto (PMP) é efetuado em comissão de serviço por três anos, renovável até ao limite de nove anos, pelo que tais polícias ficam assim vinculados a “exerce[r] as suas funções nos termos legalmente definidos para o cargo” em causa, que é o de “polícia municipal”, correspondente à “especial vocação do respetivo serviço municipal para o exercício de funções de polícia administrativa” (art. 79.º, n.º 3, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), ex vi arts. 5.º, n.º 2, 97.º, n.º 3, e 107.º, Decreto-Lei n.º 243/2015 (Aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública), de 19 de outubro [EPPFP da PSP], arts. 2.º, 3.º e 4.º, Lei n.º 19/2004, artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 13/2017);
18.ª — Durante todo o período de desempenho dessa comissão de serviço os polícias em causa têm, exclusivamente, a condição de “polícias municipais” e o correspondente “estatuto funcional”, com as correlativas funções, atribuições e competências, predominantemente de polícia administrativa, e complementarmente, de “cooperação” na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das populações locais, ficando em consequência suspensa, interinamente, a respetiva competência funcional e o estatuto de “órgão de polícia criminal”, inerente ao pessoal com funções policiais da PSP, que todavia retomarão, ipso facto, por força da simples cessação dessa comissão de serviço ou, eventualmente, da “requisição de meios” prevista no artigo 6.º (Requisição de meios), n.ºs 1 a 3, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro [art. 11.º, n.ºs 1 a 3, Lei n.º 53/2007 (Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública), de 31 de agosto LOPSP];
19.ª — A habilitação legal constante do artigo 5.º (Cooperação), do Decreto-Lei n° 13/2017, cit., é exercida na forma jurídica de “contrato interadministrativo”, a celebrar entre a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e os municípios de Lisboa e do Porto, com à relação interadministrativa de “cooperação”, a qual, no seu sentido técnico-jurídico próprio, é de tipo paritário e legitima a atuação conjunta da PSP e das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, na medida e apenas para efeitos da resolução de problemas que relevem das funções, atribuições ou competências de ambas (art. 5.º, n.º 3); quanto a certos aspetos da “cooperação” e da “coordenação” entre o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e da PMP com a PSP, nomeadamente em matéria de “segurança relativa a manifestações, comícios e outras reuniões de natureza pública”, importa chamar à colação o Parecer n.º 11/2021, de 28 de outubro, deste corpo consultivo, o qual foi homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de Sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, versa sobre disposições de ordem genérica, e teve ulterior publicação na 2.ª série do Diário da República, tomando assim valor de interpretação oficial, perante os respetivos serviços, das matérias que se destinava a esclarecer, acrescendo que as razões jurídicas ali aduzidas constituem bom Direito, pelo que aqui se reiteram, como stare decisis, os fundamentos (pp. 39 a 42, n.º V.6.) e conclusões (em particular, 9.ª a 11.ª, 17.ª) do mesmo, pertinentes para as questões de Direito agora em apreciação (art. 50.º, n.º 1, EMP);
20.ª — Esta habilitação legal respeita, portanto, estritamente à celebração de contratos interadministrativos de “cooperação”, assim «pressup[ondo] a prossecução e a manutenção das atribuições e competências» das partes contratantes e, por isso, interditando a transferência de atribuições ou competências entre as mesmas, de modo que: (i) «o quadro legal e a distribuição territorial de competências não pode ser objeto de qualquer alteração direta ou indiretamente» e, bem assim, (ii) «não podem ser atribuídos por via contratual a qualquer das partes, maxime, à PSP poderes de direção ou poderes de coordenação sobre a atividade da polícia municipal», pelo que, a “coordenação” constante da epígrafe oficial e da previsão legal do n.º 2 do artigo 6.º (Dependência orgânica e coordenação), da lei quadro, e a “coordenação operacional” mencionada no artigo 1.º dos dois contratos interadministrativos em causa, devem ambas ser lidas, interpretadas e aplicadas, neste âmbito, como “cooperação” (maxime, como “cooperação operacional”), em sentido formal, técnico-jurídico, como referido na anterior conclusão 19.ª [art. 111.º, n.º 2, Constituição, e arts. 3.º, n.ºs 1 e 2, e 36.º, Código do Procedimento Administrativo (CPA)];
21.ª — Quanto às “áreas” que podem ser objeto da “cooperação” entre as PML e PMP e a PSP, constam das alíneas a) a i), do n.º 2 do artigo 5.º em apreço, mediante a cláusula: “O âmbito da cooperação entre as polícias municipais de Lisboa e Porto e a Polícia de Segurança Pública abrange, entre outras, as seguintes áreas: (…)”, portanto através de uma enumeração legal, de caráter exemplificativo (“entre outras”), mas há ainda a considerar as duas “áreas de cooperação” previstas do n.º 2 do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, em particular a “satisfação de pedidos de colaboração que legitimamente forem solicitados”, pois não tendo sido expressamente levada à enumeração legal do n.º 2 deste artigo 5.º, como foi o caso da “partilha de informação relevante para o desenvolvimento das respetivas funções”, está implícita, mas necessariamente, integrada na respetiva enumeração legal;
22.ª — A competência para eleição dessas “outras áreas” é, por definição, estabelecida por consenso, sendo assim “assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município.” (art. 5.º, n.º 1 e 3), e tem de ser realizada à luz do “princípio da legalidade da competência”, ou seja, apenas podem ser definidas “áreas” estritamente correspondentes a funções, atribuições e competências, próprias ou concorrentes, das entidades policiais em causa, tal como previamente definidas na Constituição, na lei e nos regulamentos, ou seja, do ponto de vista das Polícias Municipais, a habilitação legal procede da Constituição (art. 237.º, n.º 3), da lei quadro (arts. 2.º, 3.º e 4.º), do “regime especial” (art. 4.º, n.º 1 e 2) e dos regulamentos de funcionamento e organização (art.º 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPML, e art. 6.º, n.ºs 1 a 3, RFOPMP), sendo fulminadas de nulidade as cláusulas contratuais que consagrem “áreas de cooperação” que extravasem desses limites de legalidade (art. 266.º, n.º 2, Constituição, arts. 3.º, n.º 1, e 36.º, n.ºs 1 e 2, CPA, e art. 284.º, n.º 2, Código dos Contratos Públicos, conjugado com o art. 161.º, n.º 2, alínea d), CPA);
23.ª — Uma dessas “áreas de eleição” poderá ser justamente aquela credenciada pela habilitação constitucional das polícias municipais, nos termos do n.º 3 do artigo 237.º (Descentralização administrativa) da Constituição (“As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais.”), pois estas são funções próprias das polícias municipais mas que, necessariamente, têm de ser exercidas em “cooperação”, no sentido técnico-jurídico referido, ou seja, uma atuação de caráter paritário, que interdita qualquer relação de supremacia entre as entidades policiais em causa, nomeadamente por parte da PSP, sem embargo da atuação das Polícias Municipais neste domínio, em certo sentido, ser “complementar” daquelas forças de segurança, conforme os expressos termos e limites estabelecidos do artigo 2.º (Atribuições) da lei quadro, a saber: “A cooperação (…) exerce-se no respeito recíproco pelas esferas de atuação próprias (…)” (n.º 3) e “As atribuições dos municípios previstas na presente lei são prosseguidas sem prejuízo do disposto na legislação sobre segurança interna e nas leis orgânicas das forças de segurança.” (n.º 4);
24.ª — A “requisição de meios” (scl., de “polícias municipais”), prevista no artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro, e reiterada no artigo 15.º (Requisição de meios) dos dois contratos interadministrativos em causa, é uma figura jurídica diversa da (i) “requisição civil” (Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro, da (ii) “requisição temporária de bens e serviços” (artigo 24.º da Lei da Lei n.º 27/2006 (Aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de julho, e (iii) da “requisição administrativa [art. 84.º, n.º 1, Lei n.º 168/99 (Aprova o Código das Expropriações), de 18 de setembro];
25.ª — A “requisição de meios” é um “ato administrativo” (“plural”), pois corresponde à definição estipulativa estabelecida na lei procedimental (“decisão que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”), sendo que a competência para a prática do mesmo está legalmente deferida ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, como “competência própria” (art. 6.º, n.º 1), mas enquanto tal pode ser delegada, “em todos os níveis de pessoal dirigente as suas competências próprias”, nos termos do n.º 3 do artigo 21.º (Competência), da LOPSP, observados ainda os demais termos gerais de Direito [v.g., arts. 44.º, n.ºs 1 a 3, e 5, 47.º, n.ºs 1 e 2, 48.º, n.ºs 1 e 2, 49.º, n.ºs 1 e 2, 50.º, alíneas a) e b), e 148.º, CPA];
26.ª — Relativamente ao procedimento, a lei não prevê qualquer prazo, ato, ou formalidade especificamente tendente à formação (ou manifestação) do ato administrativo da “requisição de meios”, o que indicia o caráter desprocedimentalizado, por premente, do mesmo;
27.ª — O pressuposto de facto do ato administrativo de “requisição de meios” é fixado por remissão legal, para as “situações previstas na Lei de Segurança Interna” sendo finalidade do mesmo o “reforço da sua [da PSP] capacidade operacional”, mas a Lei n.º 53/2008 (Aprova a Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto (LSI), todavia, não prevê no respetivo articulado qualquer suposto de “requisição de meios”, pelo que o pressuposto de facto desse ato administrativo remete para a ocorrência de alguma ou algumas das “situações de segurança interna” descritas no n.º 3 do artigo 1.º (Definição e fins da segurança interna) daquele diploma legal, que define as finalidades das medidas de polícia de “segurança interna”, a saber: “em especial, a[s de] proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública.” (art. 6.º, n.º 1);
28.ª — Não é, porém, qualquer umas dessas “situações de segurança interna”, por “ligeira, potencial e remota” que seja, que constitui o pressuposto de facto em causa, apenas o será na medida em que ocorra, objetivamente, “perigo grave, atual e iminente” para as mesmas (art. 3.º, n.º 1);
29.ª — O fim legal da “requisição de meios” é o do “reforço da capacidade operacional” da PSP”, no caso para acorrer às referidas situações de “segurança interna”, mas a emissão do ato administrativo em causa deve sempre observância ao princípio da proporcionalidade, ou seja, nomeadamente o mesmo deve ser necessário (não há alternativa viável à requisição do efetivo de “polícias municipais”) e proporcional, em sentido estrito (os benefícios esperados para a segurança interna com o “reforço da capacidade operacional” da PSP superam, objetivamente, os custos infligidos ao bem-estar, tranquilidade pública e proteção da comunidade local em causa) [art. 266.º, n.º 2, Constituição, e art. 7.º, n.º 1, CPA, art. 1.º, n.º 3, LSI, e art. 6.º, n.º 1 e 2];
30.ª — Quanto ao conteúdo típico do ato administrativo de “requisição de meios” deve dispor sobre (i) a determinação do número de agentes requisitados, (ii) o tempo previsível da requisição, e (iii) a informação do presidente da câmara municipal respetiva pela via mais expedita (art. 6.º, n.º 2), sendo que pontifica também aqui o princípio da proporcionalidade, no sentido em que o (i) número de agentes requisitados, e o (ii) tempo previsível da requisição devem ser, nomeadamente, os necessários e proporcionais, em sentido estrito, para debelar a situação de urgência;
31.ª — O efeito jurídico externo típico da “requisição de meios”, redunda em produzir, unilateral e imediatamente, como decorre do conceito de “ato administrativo”, a suspensão da comissão de serviço dos “polícias municipais” em causa que, consequentemente, regressam e passam a “ficar[…] na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, situação funcional esta, para a qual os mesmos estão habilitados em virtude do seu “estatuto profissional” de polícias da PSP, que tem caráter transitório (enquanto vigorar a “requisição de meios”) e não determina a ocupação de lugar no quadro de origem da PSP (art. 6.º, n.º 2);
32.ª — Quanto à forma, o ato administrativo de “requisição de meios”, deve ser praticado por escrito, e quanto às menções obrigatórias, além do mais exigido na lei, deve constar, nomeadamente, a fundamentação expressa, através de sucinta exposição das razões de facto e de direito da decisão, de modo claro, congruente e sucinto, pois o ato administrativo de “requisição de meios” consubstancia a suspensão (administrativa) dos atos administrativos de colocação, em comissão de serviço, dos “polícias municipais” em causa [arts. 150.º, n.º 1, 151.º, n.º 1, alíneas a) a g), e 152.º, n.º 1, alínea e), CPA];
33.ª — Em matéria de “medidas cautelares e de polícia” também rege o “princípio de legalidade da competência”, de modo que a habilitação legal das polícias municipais para o efeito procede, exclusiva e estritamente, dos seguintes artigos da lei quadro: 3.º (Funções de polícia), n.º 3 (“Para os efeitos referidos no n.º 1, os órgãos de polícia municipal têm competência para o levantamento de auto ou o desenvolvimento de inquérito por ilícito (…) criminal por factos estritamente conexos com violação de lei ou recusa da prática de acto legalmente devido no âmbito das relações administrativa”) n.º 4 (identificação e revista de suspeitos); 4.º (Competências) n.º 1, alínea e) “Detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal; alínea f) Denúncia dos crimes de que tiverem conhecimento no exercício das suas funções, e por causa delas, e competente levantamento de auto, bem como a prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do órgão de polícia criminal competente.”;
34.ª — O “regime especial” — e bem entendido, em razão da sua função “executiva”, o RFOPML e o RFOPMP — não contém qualquer habilitação legal “especial” com respeito aos “policiais municipais”, nomeadamente quanto a competências em matéria de “medidas cautelares e de polícia”, antes remete, na íntegra, para a lei-quadro, i.e, em essência, o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia” aplicáveis aos “polícias municipais” é o dos artigos 3.º a 5.º da lei quadro (art. 4.º, n.ºs 1 e 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 6.º, n.º 1, RFOPML, e art. 7.º, n.º 1, RFOPMP);
35.ª — Nos termos e com os fundamentos constantes da conclusão 3.ª, supra, são de reiterar, sempre como stare decisis, os fundamentos e conclusões do Parecer n.º 28/2008, deste corpo consultivo, em particular no que diz respeito à doutrina sobre o “regime jurídico” das “medidas cautelares e de polícia”, ali tratada de modo incisivo, nomeadamente nas conclusões 4.ª a 10.ª, 13.ª e 15.ª;
36.ª — Para os presentes efeitos, importa reiterar que “os agentes das polícias municipais [somente] podem deter suspeitos no caso de crime público ou semi-público punível com pena de prisão, em flagrante delito, cabendo-lhes proceder à elaboração do respetivo auto de notícia e detenção e à entrega do detido, de imediato, à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal”, ou seja, os “polícias municipais” nesses casos — embora somente nesses casos, tipificados na lei — têm competência para “deter suspeitos”, mais sendo certo que têm ativamente de providenciar pela “imediata” entrega do detido à autoridade judiciária, ou ao órgão de polícia criminal competentes pata tanto (art. 4.º, n.º 1, alínea e), Lei 19/2004);
37.ª — Havendo, genuína e reiteradamente, dificuldades operacionais na articulação das competências próprias dos “polícias municipais” e da PSP na boa execução desta medida de polícia, a mesma poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, entre as Polícias Municipais de Lisboa e do Porto e a PSP, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “imediata entrega” do detido, em particular à PSP, bem como a composição de todo o expediente policial envolvido;
38.ª — O mesmo se dirá, mutatis mutandis, quanto a eventuais dificuldades operacionais relativamente à “prática dos actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nos termos da lei processual penal, até à chegada do “órgão de polícia criminal competente” pois que esta também poderá ser uma “área” idónea (in casu, não tipificada, “entre outras”) a integrar no âmbito da “cooperação”, como cláusula de contrato interadministrativo, constituindo assim uma habilitação normativa, v.g. para a celebração de protocolos de procedimentos policiais, em ordem a tornar mais expedita a “chegada da PSP”, bem como a composição de todo o expediente envolvido (art. 4.º, n.º 1, alínea f), Lei n.º 19/2004);
39.ª — A “incompatibilidade legal”, nos usos legislativos e doutrinários nacionais, respeita à tendencial exclusividade do exercício de cargos, empregos ou funções públicas, proibindo assim o titular em causa de os desempenhar simultaneamente com outros cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, tudo em ordem a prevenir conflitos de interesses e a promover a eficiência na prestação do serviço público;
40.ª — Na espécie, porém, não estará em causa uma “incompatibilidade legal”, pois é único e exclusivo o exercício de funções em causa, mas antes a questão de saber se um mesmo “polícia municipal”, de Lisboa ou do Porto, e com respeito ao concreto modo de exercer as mesmas competências funcionais de que está legalmente investido, pode estar sujeito a uma “dupla hierarquia”, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, por uma parte, e da “hierarquia de comando da PSP”, por outra parte, tudo em virtude de manter o seu “estatuto profissional” de “pessoal com funções policiais da PSP”.
41.ª — A resposta a esta questão é, prima facie, de sentido negativo, pois uma “dupla hierarquia”, sobre o mesmo agente e quanto à mesma competência funcional, virtualmente minaria o princípio hierárquico, congenial à estruturação das organizações policiais, na medida em que este tem por função, em particular, assegurar a unidade de direção, preterindo justamente a dualidade de direção da organização em causa (art. 4.º, n.º 1, al. d), EPPFP da PSP);
42.ª — O modelo de organização das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto é disposto “hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura”, mais “estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP”, sendo, naturalmente, decalcado do modelo hierárquico de organização vigente na PSP, pois o efetivo das referidas Polícias Municipais é composto, exclusivamente, por pessoal com funções policiais da PSP (art. 18.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, art. 12.º, n.º 2, RFOPML, art. 12.º, RFOPMP);
43.ª — E também natural que os “polícias municipais” estejam sujeitos às “regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, determinadas pelas carreiras, categorias, antiguidades e precedências previstas na lei, sem prejuízo das relações que decorrem do exercício de cargos e funções policiais”, pois, de contrário, ao serem colocados na PML ou na PMP poderia ocorrer a disrupção da regras gerais de hierarquia e de comando da PSP, que são estruturantes da função e da carreira policial de origem — e na qual se mantêm, pois se trata de colocação em comissão de serviço, temporária por natureza —, de modo tal que viesse a permitir que na PML ou na PMP, v.g. um polícia de categoria profissional subalterna ficasse investido em cargo de comando sobre um polícia de categoria profissional superior (art. 2.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017, e art. 61.º, n.ºs 1 e 2, EPPFP da PSP, com referência ao artigo 62.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c), do mesmo diploma legal);
44.ª — Aliás, só esta “estruturação hierárquica à semelhança dos comandos distritais da PSP”, com “sujeição dos polícias municipais às regras gerais de hierarquia e de comando da PSP” é consonante com o ato administrativo de “requisição de meios”, tal como está estruturado na lei, na medida em que apenas assim o efetivo das Polícias Municipais pode transitar imediatamente, em solução de continuidade, para a estrutura hierárquica e o comando operacional do comando metropolitano da PSP de Lisboa ou do Porto (art. 6.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 13/2017);
45.ª – Do ponto de vista jurídico-administrativo, a figura jurídica antes referida respeita à ”hierarquia interna”, enquanto estrutura do modelo de organização, ou seja, o que está aqui em causa é a organização hierarquizada da PML ou da PMP (e não já a competência para dirigir essas organizações); diversa é já a figura jurídica da “hierarquia externa”, agora o que está em causa é a competência para dirigir as organizações (enquanto estruturas hierarquizadas), e quanto a essa a lei quadro, o “regime especial”, e os regulamentos de funcionamento e organização, são categóricos ao atribuírem aos presidentes da câmara, exclusivamente, tal competência diretiva: “A polícia municipal é organizada na dependência hierárquica do presidente da câmara” (arts. 6.º, n.º 1, Lei n.º 19/2004, cit., art. 3.º, Decreto–Lei n.º 13/2017, 4.º, n.º 2, RFOPML, e art. 4.º);
46.ª — Por outra parte, nos termos da lei, “A coordenação entre a ação da polícia municipal e as forças de segurança é assegurada, em articulação, pelo presidente da câmara e pelos comandantes das forças de segurança com jurisdição na área do município”, donde decorre que apenas o presidente da câmara, não o Diretor Nacional da PSP, está investido de poderes hierárquicos sobre os “polícias municipais”, pois de contrário este último não entraria em “coordenação”, exerceria, sem mais, “poderes de direção” sobre os “polícias municipais” (art. 6.º, n.º 2, Lei n.º 19/2004);
47.ª — E, por último, o “regime especial”, ao prever a “requisição de meios” dos efetivos da Polícias Municipais de Lisboa e do Porto, igualmente corrobora este entendimento, pois só através deste ato administrativo os “polícias municipais” requisitados “ficam na dependência e sob o comando operacional do comando metropolitano da Polícia de Segurança Pública de Lisboa ou do Porto, respetivamente”, ou seja, a contrario sensu se deduz que antes de tal momento não o estavam (art. 6.º, n.º 2);
48.ª — Finalmente, neste contexto pode ser chamada à colação a distinção entre “relação de serviço / relação orgânica”: com efeito, os “polícias municipais”, no que diz respeito aos seus direitos e deveres estatuários, uma vez que estão em comissão de serviço, mantêm uma “relação de serviço” com a PSP, mas no que diz respeito ao exercício das respetivas competências funcionais, estão antes integrados numa “relação orgânica” tendo como contraparte exclusivamente o serviço municipal de polícia, o qual “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”;
49.ª — Quer dizer: quanto à “relação de serviço” — mas apenas quanto a esta — que originariamente os vincula à PSP, os “polícias municipais” devem naturalmente obediência às decisões, legítimas, dos órgãos competentes da PSP (p. ex., a não renovação da comissão de serviço, na PML ou na PMP); mas já quanto à “relação funcional”, enquanto “polícias municipais” e no desempenho das respetivas funções, de polícia administrativa ou de cooperação na manutenção da tranquilidade pública e na proteção das comunidades locais, estão exclusivamente na dependência hierárquica dos Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ou do Porto, e portanto apenas vinculados, em particular, ao respetivo poder de direção, nomeadamente através das respetivas ordens e instruções;
50.ª — Em conclusão, enquanto “polícias municipais”, de Lisboa e do Porto, e no que diz respeito ao exercício da respetivas competências funcionais, não há “dupla hierarquia”, pois a “relação orgânica” dos mesmos tem como contraparte, única e exclusivamente, o serviço municipal de polícia, o qual, por seu turno, “é organizado na dependência hierárquica do presidente da câmara”, o qual está assim investido dos inerentes poderes, em particular do “poder de direção” sobre os “polícias municipais”, de Lisboa ou do Porto.
[1] Aprovado pela Deliberação n.º 991/2023, de 9 de outubro.
[2] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto (Aprova Estatuto do Ministério Público), com a alteração estabelecida pelo artigo 388.º (Alteração ao anexo II à Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto), da Lei n.º 2/2020 (Orçamento do Estado para 2020), de 31 de março.
[3] Aprovado pelo artigo 1.º (Aprovação do Código Civil) do Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 48/2024 (Limita as situações em que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca), de 25 de julho.
[4] Aprovado pelo artigo 1.º (Objeto) da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 87/2024 (Regula a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, determinando que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica), de 7 de novembro.
[5] Cf. https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2011:140.02.1GAVLP.P1.S1.D2?search=_lmrj315WBubhskdG1U
[6] Revista de Legislação e Jurisprudência, 62.° ano (1929 a 1930), n.º 2381, “Resposta a consulta” (não assinada), p. 51 [1.ª coluna].
[7] Diário da República, n.º 219/2019, Série II de 2019-11-14, pp. 324 – 353.
[8] O Direito / Introdução e Teoria Geral (Uma perspectiva Luso-Brasileira), 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pp. 297 e 298 (n.ºs 136, I e II, e 137, n.º III; não relevam agora, para os nossos fins, as modalidades não normativas da «ordem individual» e da «”fonte” individual» ali identificadas nos n.º I e II).
[9] Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 413 e 414 § 22 (I, n.ºs 1 e 2, e II, n.º 1 e 2).
[10] Sobre os Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, Almedina, Coimbra, 2012, p. 20 (n.º V).
[11] Aprovado pelo artigo 1.º (Aprovação) da Lei n.º 15/2002 (Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) e procede à quarta alteração do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelas Leis n.ºs 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de dezembro), de 22 de fevereiro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 87/2024 (Regula a citação e notificação por via eletrónica das pessoas singulares e das pessoas coletivas, determinando que a citação e notificação das pessoas coletivas é, em regra, efetuada por via eletrónica), de 7 de novembro.
[12] JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pp. 97 e 98 (n.º I).
[13] JACQUES RAYNARD, “Domaine et thèmes des avis”, THIERRY REVET (dir.), L'inflation des avis en droit, Economica, Paris, 1986, pp. 12 e 13 [trad. nossa].
[14] Introdução ao pensamento jurídico, trad. portuguesa, de J. Baptista Machado, 6.ª ed., FCG, Lisboa, 1988, pp. 310 e 311 ( = Einführung in das juristische Denken, 8.ª ed, Kohlhammer, Estugarda, 1983, pp. 160 e 161).
[15] Com a redação da Lei n.º 50/2019 (Sexta alteração à Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições, transpondo a Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, primeira alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, sobre a revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro, que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal), de 24 de julho, cujo artigo 5.º (Alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio), alterou a redação do n.º 1 do artigo 9.º (Armamento e equipamento) da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, e o artigo 9.º (Norma revogatória), que revogou os n.ºs 3 e 4 do preceito legal antes mencionado.
[16] Diário da República, 2.ª série — N.º 155 — 12 de Agosto de 2008, pp. 35859 a 35875 (Polícia — Polícia municipal — Polícia administrativa — Medidas de polícia — Órgão de polícia criminal — Crime de desobediência — Identificação — Revista — Detenção — Poder de autoridade — Fiscalização).
[17] Lei n.º 47/86 (Estatuto do Ministério Público), de 15 de outubro, com a redação que, por último lhe foi conferida pela Lei n.º 114/2017 (Orçamento do Estado para 2018), de 29 de dezembro.
[18] Regula, nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, o regime especial das polícias municipais de Lisboa e do Porto, constituídas exclusivamente por pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, doravante “Regime especial”
[19] Aviso n.º 11359/2018 (Regulamento de Funcionamento e Organização da Polícia Municipal de Lisboa), de 16 de agosto, Diário da República n.º 157/2018, Série II de 2018-08-16, páginas 22638 – 22645.
[20] Regulamento n.º 343/2017 (Regulamento de funcionamento e organização da Polícia Municipal do Porto), Diário da República n.º 121/2017, Série II de 2017-06-26, páginas 12880 – 12887.
[21] JOÃO RAPOSO, Direito Policial I, Almedina, Coimbra, 2006, p. 96 e 29 (itálicos e sublinhados no original).
[22] SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, DJAP, vol. VI, Lisboa, 1994, p. 394 (§ 2.º, n.º 2, 2.ª coluna).
[23] A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, pp. 340 a 355 [355].
[24] SÉRVULO CORREIA, “Polícia”, ob. cit., p. 406 (§ 4., n.º 5, 2.ª coluna).
[25] ANTOINE DELBOND, La police administrative, L’ Hermès, Lyon, 1997, p. 36 (n.º 2) [trad. nossa].
[26] Lei n.º 53/2008 (Aprova a Lei de Segurança Interna), de 29 de agosto, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 99-A/2023 (Aprova a orgânica da Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros), de 27 de outubro.
[27] ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “a Polícia na Constituição Portuguesa”, II Colóquio de Segurança Interna, Manuel Monteiro Guedes Valente (coord.), Almedina, Coimbra, 2006, p. 37 (itálicos nossos), e nota de rodapé n.º 3 (onde remata escrevendo «Nos nossos dias, seria de omitir a referência à ‘tranquilidade pública’ já que, em rigor, esta é parte da ordem e segurança públicas». No mesmo sentido, PIETRO VIRGA, Diritto Amministrativo / Attivitá e prestazioni, Vol. 4, Giuffrè, Milão, s.d., p. 330 (n.º 2), elucida que «As finalidades da polícia administrativa estão compendiadas no art. 1 do Texto Único das Leis da Polícia de Segurança, o qual as vislumbra na tutela da segurança pública e da ordem pública», sendo que este A. integra na “ordem pública”, em particular, justamente a «(…) ordem material e exterior (…) sinónimo de ausência de desordem material» [trad .e itálicos nossos].
[28] CATARINA SARMENTO E CASTRO, Competências dos serviços de polícia municipal : sentido e limites de actuação, CEFA, Coimbra, 2002, p. 43, sendo que, na anterior p. 34, explica que «A ordem pública, que em muitos contextos aparece associada à tranquilidade pública e com ela se confunde, surge como uma ordenação externa, como um conjunto de circunstâncias externas indispensáveis ao exercício dos direitos dos cidadãos e ao funcionamento das instituições», e na cit. ob., A questão das Polícias Municipais, p. 330, em termos idênticos.
[29] Lei n.º 49/2008 (Aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal), de 27 de agosto, na redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 6.º (Alteração à Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto) da Lei n.º 2/2023, de 16 de janeiro.
[30] Competências dos serviços de polícia municipal, cit., p. 28.
[31] Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo I – Artigos 1.º a 123.º, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, comentário ao artigo 1.º, p. 53 (§ 16).
[32] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (org.), Comentário do Código de Processo Penal / À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume I, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, 2023, NOTA PRÉVIA ao Artigo 55.º, p. 189 (n.º 1).
[33] Diversamente, porém, distinguindo casos positivos (são órgãos de polícia criminal) e negativos (não são órgãos de polícia criminal), em função dos concretos poderes definidos na deliberação municipal de criação polícia municipal, num artigo de referência, RUI CARDOSO advoga que «Deste modo, sendo EP [Entidades Policiais] e competentes para levar a cabo actos de recolha e conservação de prova de crime, na dependência funcional das AJ’s, podem ser consideradas OPC’s […], ainda que com competências limitadas (específicas não reservadas). A competência de cada concreta PMu é definida taxativamente na deliberação municipal que a criar – artigo 12.º, n.º 1, da LQPMu e artigo 3.º, alínea a), do DL 197/2008. Tais concretas competências podem ser menores do que as definidas no artigo 4.º da LQPMu, podendo assim não ter as competências próprias de OPC. Ou seja, só caso a caso se pode determinar se uma concreta PMu é ou não OPC.», cf. “Órgãos de Polícia Criminal: o que são, os que são e os que não são”, Revista do Ministério Público, n.º 161: janeiro: março 2020, pp. 208 e 209 [209] (itálicos no original).
[34] JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. III, 2.ª ed. revista, UCE, Lisboa, 2020, anotação ao artigo 237.º, p. 396 (n.º XI) [JORGE MIRANDA].
[35] Competências dos serviços de polícia municipal, cit., pp. 44 e 45 [45].
[36] “A actividade de polícia e a atividade policial como atividades limitadoras de comportamentos e de posições jurídicas subjectivas”, Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, p. 1274.
[37] Lei n.º 53/2007 (Aprova a orgânica da Polícia de Segurança Pública), de 31 de agosto, com a redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 53/2023 (Transpõe a Diretiva (UE) 2021/1883, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado, alterando as Leis n.ºs 23/2007, de 4 de julho, 53/2007, de 31 de agosto, 63/2007, de 6 de novembro, 27/2008, de 30 de junho, e 73/2021, de 12 de novembro), de 31 de agosto.
[38] PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2013, p. 193 [n.º 8.6.6. (b) (i)].
[39] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015 (No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/2014, de 11 de julho, aprova o novo Código do Procedimento Administrativo), de 7 de janeiro, com a redação que, por último, lhe foi conferida pelo artigo 30.º (Alteração ao Código do Procedimento Administrativo) do Decreto-Lei n.º 11/2023 (Procede à reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais), de 10 de fevereiro.
[40] MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral / Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 5.ª ed., reimpressão, D. Quixote, Lisboa, 2014, p. 163 (n.º 10) e 169 (n.º 23).
[41] “A actividade de polícia e a atividade policial como atividades limitadoras de comportamentos e de posições jurídicas subjectivas”, cit., pp. 1275 e 1276, e ainda CATARINA SARMENTO E CASTRO, Competências dos serviços de polícia municipal, cit., p. 89.
[42] GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2014 [artigo 272.º], p. 860 (n.º VII) [itálico nosso].
[43] MANUELA SCHMIDT, Verwaltungsrecht BT 1 / Polizei –und Ordnungsrecht, 3.ª ed., Niederele Media, Altenberge, p. 14 (F. e G. II). [trad. nossa, itálicos no original].
[44] Aliás, quanto a este ponto do “regime especial”, o citado Parecer n.º 27/2008, deste Conselho Consultivo, premonitória e a justo título vaticinou: “(…) afigura-se-nos que o regime jurídico quanto às atribuições e limites das suas competências deverá ser o que se encontra definido na Lei n.º 19/2004. Os regulamentos das polícias municipais daquelas autarquias, em obediência ao princípio da legalidade da actividade administrativa, não podem contrariar actos de valor legislativo, e, desde logo a Constituição, devendo, portanto, respeito à disciplina jurídica essencial e injuntiva contida naquele diploma.” (loc. cit., p. 35872, 1.ª coluna).
[45] Decreto-Lei n.º 243/2015 (Aprova o estatuto profissional do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública), de 19 de outubro, com a redação, que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 50-A/2024 (Procede à atualização dos montantes da componente fixa do suplemento por serviço e risco nas forças de segurança auferido pelos militares da Guarda Nacional Republicana e pelo pessoal policial da Polícia de Segurança Pública), de 23 de agosto, itálico nosso.
[46] Aprovada pelo artigo1.º (Objeto) da Lei n.º 35/2014 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), de 20 de junho, com a redação, que, por último, lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 13/2024 (Aprova medidas de valorização de trabalhadores da Administração Pública), de 10 de janeiro.
[47] Aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 78/87 (Aprova o Código do Processo Penal. Revoga o Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de Fevereiro de 1929), de 17 de fevereiro, na redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 52/2023 (Completa a transposição da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho de 2002, da Diretiva (UE) 2010/64, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, da Diretiva (UE) 2012/13, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, e da Diretiva (UE) 2013/48, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativas ao processo penal e ao mandado de detenção europeu, e altera a Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, e o Código de Processo Pena), de 28 de agosto.
[48] “Órgãos de Polícia Criminal: o que são, os que são e os que não são”, cit., p. 209.
[49] Contratos Interadministrativos, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 81, 82 e 83 (invocando doutrina portuguesa, espanhola, francesa, italiana e suíça) e, em geral sobre o tema, nesta linha de pensamento, o Parecer n.º 22/2010, deste corpo consultivo, Diário da República, 2.ª série — N.º 224 — 19 de novembro de 2013, pp. 33913 a 33935 (Autoridade Florestal Nacional — Município — Protocolo — Contrato interadministrativo — Princípio da colaboração interadministrativas — Princípio da cooperação interadministrativas — Transferência de gestão — Contrato público — Regime florestal — Decreto simples — Princípio da permissibilidade geral e recurso ao contrato — Princípio da fungibilidade entre ato e contrato — v.g., n.ºs III, IV e V).
[50] A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 436 e 437 e, em particular quanto à “cooperação” entre
[51] Cf. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/parecer-extrato/11-2021-173516680 e o texto integral em https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/pp2021011.pdf
[52] Assim, ANA GOUVEIA MARTINS, O Regime Jurídico das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto / Anotado, 2.ª ed., AAVV., Nova Causa, Lisboa, 2023, anotação ao artigo 5.º (Cooperação), pp. 64 e 65 (n.º 7).
[53] ANA GOUVEIA MARTINS, ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), p. 66 (n.º 8).
[54] Decreto-Lei n.º 18/2008 (Aprova o Código dos Contratos Públicos, que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo), de 29 de Janeiro, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 3.º (Alteração ao Código dos Contratos Públicos) do Decreto-Lei n.º 111-B/2017 (Procede à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e transpõe as Diretivas n.ºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014), de 31 de agosto.
[55] JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, ob. cit., p. 396, e cit. Parecer n.º 28/2008, cit., p. 35865 (n.º 3, 1.ª coluna).
[56] Ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), p. 65 (n.º 7).
[57] Conceitos fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1985, pp. 244 e 245 [n.º 111, A)].
[58] Lei n.º 27/2006 (Aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de julho, com a redação que, por último, lhe foi conferida pela Lei n.º 80/2015 (Segunda alteração à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, que aprova a Lei de Bases da Proteção Civil), de 3 de agosto.
[59] Lei n.º 168/99 (Aprova o Código das Expropriações), de 18 de setembro, com a redação que, por último, lhe conferiu a Lei n.º 56/2008 (Procede à quarta alteração ao Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro), de 4 de setembro.
[60] PAULO OTERO, ob. cit., pp. 190 a 195 [191, 192, 193 e 194 (n.º 8.6.1. a 8.6.7)].
[61] Lições de Direito Administrativo, 6.ª ed., IUC, Coimbra, 2020, p. 206 (n.º 7.1).
[62] Assim, ANA GOUVEIA MARTINS, ob. cit., anotação ao artigo 5.º (Cooperação), pp. 56 e 57 (n.º 3).
[63] Pois que as alterações ao articulado da lei quadro, concretamente a revogação dos n.ºs 3 e 4, do respetivo artigo 9.º (Armamento e equipamento), operada pela alínea a) do artigo 9.º (Norma revogatória) da Lei n.º Lei n.º 50/2019 (Sexta alteração à Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições, transpondo a Diretiva (UE) 2017/853 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2017, primeira alteração à Lei n.º 19/2004, de 20 de maio, sobre a revisão da lei quadro que define o regime e forma de criação das polícias municipais, e primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 239/2009, de 16 de setembro, que estabelece os direitos e os deveres dos agentes de polícia municipal), de 24 de julho, não são relevantes para os presentes efeitos.
[64] “Lições de Introdução ao Direito Público”, Obra Dispersa, Vol. II, Scientia Ivridica, Braga, 1993, p. 217.
[65] DIOGO FREITAS DO AMARAL, colab. LUÍS FÁBRICA / JORGE PEREIRA DA SILVA / TIAGO MACIEIRINHA, Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., Vol. I, Almedina Coimbra, 2016, p. 671 (itálicos no original).
[66] DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., p. 672.
[67] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, Almedina, Coimbra, 1980, pp. 279 e 280 (itálicos nossos) e, antes, logo na p. 227.
[68] Cf., aludindo a “relação de base” e “relação derivada”, RUI DUARTE / LUÍS ALVES, O Regime Jurídico das Polícias Municipais de Lisboa e do Porto / Anotado, ob. cit., anotação ao artigo 3.º (Dependência), pp. 37 a 42 (n.ºs 10 a 16).
Legislação
DL 13/2017 DE 2017/01/16; LEI QUADRO 19/2004 DE 2004/05/20; DL 50/2019 DE 2019/07/24; REGULAM 11359/2018 IN DR II S DE 2018/08/16; REGUL 343/2017 IN DR II S DE 2017/06/26; L 49/2008 DE 2008/08/27; L 53/2008 DE 2008/08/29; DL 18/2008 DE 2008/01/29.
Referências Complementares
DIR ADM.