11/2024, de 11.04.2024
Carlos Alberto Correia de Oliveira
Votou em conformidade
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votou em conformidade
Helena Isabel Ribeiro Carmelo Dias Bolieiro
Votou em conformidade
João Conde Correia dos Santos
Votou em conformidade
José Joaquim Arrepia Ferreira
Votou em conformidade
Maria Carolina Durão Pereira
Votou em conformidade
Maria de Fátima Cortes Pereira Belchior de Sousa
Votou em conformidade
Ricardo Jorge Bragança de Matos
Votou em conformidade
Ricardo Lopes Dinis Pedro
Votou em conformidade
Carlos Adérito da Silva Teixeira
Votou em conformidade
QUALIFICAÇÃO
PLATAFORMA DIGITAL
TRABALHO DIGNO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
PODER DE DIREÇÃO
PODER DISCIPLINAR
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO
CONTRAORDENAÇÕES LABORAIS
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
CONCLUSÕES
Pelo exposto, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República formula as seguintes conclusões:
1.ª A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT) é uma ação declarativa de simples apreciação positiva, para reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e a fixação da data do seu início.
2.ª Segue a forma de processo especial prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-Q do Código de Processo do Trabalho (CPT), reveste natureza urgente e oficiosa (artigo 26.º, n.º 1, alínea i), do CPT), apontando-se-lhe ainda o cariz publicista que resulta da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social (RPCLSS).
3.ª A intervenção do Ministério Público nesta ação é oficiosa, no sentido de que é exercida em nome próprio, e não a solicitação de qualquer pessoa ou entidade, sendo independente da vontade ou consentimento do trabalhador.
4.ª O Ministério Público tem legitimidade ativa nesta ação (artigo 5.º-A, alínea c), do CPT), sendo, portanto, parte principal no processo, tendo em vista a defesa da legalidade e a prossecução de um interesse público, interesse do Estado coletividade ou interesse geral da comunidade.
5.ª A ação tem subjacente o referido procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, no qual, se a ACT verificar, na relação entre a pessoa que presta atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, e na falta de regularização da situação pelo presumido empregador (beneficiário da atividade), remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, para fins de instauração da mencionada ação.
6.ª Sem a participação da ACT não há sequer início da instância jurisdicional nem, por conseguinte, legitimação do Ministério Público para agir em nome próprio e propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
7.ª Uma participação da ACT remetida a juízo que não é suportada por um procedimento administrativo nos termos do disposto no artigo 15.º-A do RPCLSS, porque, pura e simplesmente, o procedimento não existiu, é sinónimo de que foi omitido um pressuposto especial da ação, um pressuposto processual inominado cuja falta configura uma exceção dilatória atípica, nos termos dos artigos 576.º, n.os 1 e 2, e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC).
8.ª O mesmo sucede com a notificação da entidade beneficiária da atividade para regularizar a situação, nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, que constitui, assim, um verdadeiro pressuposto processual para instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
9.ª Remetida ao Ministério Público a participação acompanhada de todos os meios de prova recolhidos e constando da mesma a indicação dos factos verificados pela ACT que são subsumíveis no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho e suportam a presunção de existência de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, relativamente a quem, em primeira linha, surge previsto na norma mencionada – a plataforma digital –, então nada se afigura obstar a que o Ministério Público, no cumprimento do que constitucional e estatutariamente lhe incumbe, tendo em vista a defesa da lei e a prossecução do interesse público, proponha a ação contra a plataforma digital, nos termos previstos nos artigos 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L do CPT.
10.ª Estando em causa a qualificação de uma relação que envolve atividade em plataforma digital e é subsumível na previsão legal do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, o Ministério Público deve dar concretização aos termos da participação da ACT, propondo a pertinente ação, sempre que os elementos recolhidos (em sede inspetiva e, se for o caso, também em sede complementar conduzida pelo Ministério Público, dentro do prazo para propor a ação) revelem aptidão para fazer operar a presunção do referido normativo, mediante a verificação de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas nas respetivas alíneas.
11.ª Efeito presuntivo que se dirige, em primeira linha, à plataforma digital, nos termos ditados pelo comando legal do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
12.ª Por isso, a existência de intermediário não é, por si só, razão para o Ministério Público não agir, pois se os elementos recolhidos cumprem as exigências ditadas pela presunção do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, relativamente à plataforma digital, deve aquele propor a ação.
13.ª A lei não cometeu ao Ministério Público competência para, no âmbito da ARECT, sob a sua iniciativa processual e à margem de qualquer procedimento prévio, introduzir em juízo a temática do intermediário, demandando-o.
14.ª Se, pelo contrário, a participação da ACT e os elementos de prova que a acompanham não cumprem ou não revelam qualquer aptidão para cumprir as condições fixadas na norma em que se funda a competência específica do Ministério Público para intentar a ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho – ou seja, a existência de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, a suportar a presunção aí estabelecida –, num estado de coisas que se revela insuprível dentro dos limites ditados pela urgência da tramitação e pelo prazo imposto pelo artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, então é de concluir que não se verificam os pressupostos de defesa da legalidade e de prossecução do interesse público em que assenta tal competência e o inerente dever de o Ministério Público agir, propondo a referida ação.
15.ª Assim, não obstante o impulso da ACT, pode haver lugar a ponderação diversa pelo Ministério Público, na estrita medida em que factualmente não existe suporte presuntivo para demandar a plataforma digital numa ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não a instaurando por não dispor de elementos demonstrativos da existência de contrato de trabalho, por referência aos critérios estatuídos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
16.ª Resta, então, ao Ministério Público decidir não propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a plataforma digital, dando conhecimento dessa sua decisão ao processo judicial que se encontra pendente desde o recebimento da participação, nos termos do artigo 26.º, n.º 6, do CPT, no qual será, consequentemente, julgada extinta a instância.
17.ª E, no caso de ter conhecimento da existência de intermediário da plataforma digital e de características de contrato de trabalho descritas no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, em relação a ele, o Ministério Público efetua a comunicação prevista no artigo 186.º-K, n.º 2, do CPT, para que a ACT instaure procedimento nos termos do artigo 15.º-A do RPCLSS, quanto ao intermediário.
18.ª Encerrada a fase prévia da competência da ACT que integra o âmbito processual das contraordenações laborais e de segurança social, obedecendo ao regime respetivo, com as especificidades previstas no artigo 15.º-A do RPCLSS, e remetida que lhe foi a participação prevista no n.º 3 da mesma norma, não pode o Ministério Público devolver o correspondente expediente à autoridade administrativa para realização de diligências que modifiquem o objeto do procedimento, mormente introduzindo novos sujeitos destinatários da intervenção inspetiva não abrangidos pelo procedimento concluído e, como tal, ausentes da participação devolvida.
19.ª O prazo de 20 dias para o Ministério Público propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, consiste num prazo para prática de um ato processual numa instância que já se iniciou (artigo 26.º, n.º 6, do CPT), pelo que se trata de um prazo processual perentório, que se rege pelas normas constantes dos artigos 138.º e seguintes do CPC, aplicáveis subsidiariamente aos processos de natureza laboral, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, ou seja, o seu decurso extingue o direito de praticar o ato, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC, e os efeitos preclusivos desse decurso podem ser evitados com a prática do ato dentro do prazo máximo suplementar previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC.
20.ª Uma vez que a notificação do beneficiário da prestação (o intermediário), nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, constitui pressuposto necessário para instaurar a ARECT, sem a qual o Ministério Público não pode propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se afigura expetável que o Ministério Público venha a encontrar razões de fundo, ou sequer condições legais, que lhe permitam fazer uso da figura da pluralidade subjetiva subsidiária, prevista no artigo 39.º do CPC, instaurando a ação com um pedido principal, relativamente à plataforma judicial, e um pedido subsidiário, relativamente ao intermediário.
21.ª Com o figurino simplificado que a carateriza, a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não contempla a intervenção de qualquer outro beneficiário da atividade que não o próprio visado pelo procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS (o presumido empregador), contra o qual o Ministério Público propôs a ação.
22.ª No entanto, com a Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, o regime substantivo passou a prever expressamente que, por iniciativa da plataforma digital ou do próprio trabalhador, cabe ao tribunal determinar quem, de entre os dois – plataforma e intermediário –, é a entidade empregadora (artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho).
23.ª Um tal cenário de carência de resposta na ARECT para uma situação criada pela reforma da lei substantiva, requer uma iniciativa legislativa que venha completar o regime da referida ação, estabelecendo de forma geral e abstrata qual a tramitação processual a seguir quando a questão do intermediário for levada aos autos pela plataforma digital, pelo prestador de atividade, ou por ambos, e em que cabe ao juiz determinar quem é a entidade empregadora.
24.ª Não obstante, no sistema processual vigente é possível ao juiz, ao abrigo do dever de gestão processual, plasmado no artigo 27.º do CPT, e do dever de adequação formal que dele decorre, fazer uso de um mecanismo que, nos termos da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 27.º, permite assegurar a intervenção do intermediário na ARECT, na justa medida do exigido pelo artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho.
25.ª Para efeitos da propositura da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o tribunal territorialmente competente é o do lugar da prestação da atividade, nos termos da norma especial prevista no artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS.
26.ª Sendo a atividade prestada em mais de um lugar, pode a ação ser intentada no tribunal de qualquer um desses lugares, em conformidade com o critério geral constante do artigo 14.º, n.º 3, do CPT.
Parecer n.º 11/2024
HB
Senhora Conselheira
Procuradora-Geral da República,
Excelência,
I
No exercício da faculdade que lhe confere o artigo 44.º, alínea d), do Estatuto do Ministério Público[1], dignou-se Vossa Excelência incumbir o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de se pronunciar sobre um conjunto de questões que, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, ao Código do Trabalho[2], à Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro[3], que aprova o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, e ao Código de Processo do Trabalho[4], vêm sendo suscitadas na prática judiciária, relativamente à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Tendo para tanto Vossa Excelência proferido despacho[5] com o teor que a seguir se reproduz:
«A Lei n.º 13/2023 introduz um conjunto de alterações significativas ao Código do Trabalho, entre as quais as que reforçam os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Uma dessas alterações prende-se com o disposto no artigo 12.º-A, do Código do Trabalho, ao prever uma presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma se verifiquem algumas das circunstâncias ali enumeradas.
Não obstante sobejarem dificuldades na delimitação deste tipo de atividade, maxime, quanto à distinção entre trabalhadores diretamente empregados pelas plataformas digitais e trabalhadores cuja atividade é apenas mediada pelas plataformas, veio ainda o legislador prever a possibilidade de o prestador de atividade levar a cabo a sua atividade perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital.
Tendo em vista a regulação da atividade, e ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, (com a redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril), que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e da segurança social, o legislador atribuiu à ACT a competência para a instauração de procedimento previsto no artigo 15.º-A, do mesmo diploma legal, sempre que verifique a existência de características de contrato de trabalho.
Do que parece resultar que a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho assenta num procedimento contraordenacional e fundamenta-se na não regularização voluntária da situação considerada ilícita por parte da ACT.
Todavia, na prática judiciária vêm-se suscitando questões que importa clarificar e, bem assim, potenciar uma tendencial uniformização de procedimentos.
Razão por que se submetem ao Conselho Consultivo as seguintes questões:
1ª A notificação da entidade beneficiária da atividade para regularizar a situação, nos termos do artigo 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, constitui um verdadeiro pressuposto processual para instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho?
2ª Neste âmbito e no seguimento do impulso da ACT, está o Ministério Público (MP) vinculado à instauração da ação? Ou pode o MP, em ponderação diversa, não instaurar a ação por entender que não estão reunidos os pressupostos para tal, designadamente, por não dispor de elementos demonstrativos da existência de contrato de trabalho ou por considerar que o prestador está vinculado ao intermediário e não à plataforma?
3ª Nessas circunstâncias, pode /deve o MP devolver os autos à ACT para completar e/ou realizar diligências? E qual a consequência da inação ou da falta de resultados, em tempo útil, da atividade da ACT? Ou pode o MP, simplesmente, determinar o arquivamento dos autos, com fundamento em falta de notificação do intermediário, nos termos do artigo 15.º-A da Lei n.º 7/2009?
4ª Qual a natureza do prazo (de 20 dias) para a instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – prazo perentório ou indicativo?
5ª Entendendo-se que a notificação não constitui pressuposto necessário para a instaurar a ação, não será admissível a instauração da ação com um pedido principal, relativamente à plataforma judicial, e um pedido subsidiário, relativamente ao intermediário ou, eventualmente, considerar-se que se trata de um litisconsórcio passivo? Ou pode o juiz, ao abrigo do disposto no artigo 27° do CPT, mandar intervir qualquer pessoa, convidar as partes a corrigir ou completar os articulados ou, em geral, determinar o suprimento de pressupostos processuais (que possam ser sanados)?
6ª Para efeitos da instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, qual é o tribunal territorialmente competente (por referência, designadamente, às disposições do artigo 15.º-A da Lei n.º 7/2009 e do artigo 13.º do CPT): qualquer tribunal da área onde o trabalhador desempenhe as suas funções?; o tribunal da área onde o trabalhador foi encontrado pelo inspetor do trabalho?; ou o tribunal da sede da plataforma digital ou da sede do intermediário?»
Cumpre, pois, emitir parecer, começando por um breve enquadramento geral sobre o conceito de trabalho digno, que serviu de mote à reforma introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, no contexto do novo modelo de organização do trabalho gerado pela economia das plataformas (II), procedendo, depois, à análise das soluções da reforma, no que concerne à presunção de laboralidade que o diploma de 2023 passou a consagrar no artigo 12.º-A do Código do Trabalho e à articulação deste mecanismo probatório de direito substantivo com o regime jurídico-processual aplicável à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (III), e debruçando-nos, por fim, sobre a análise de cada uma das questões para que este órgão de consulta foi indigitado para pronúncia (IV).
II
1. A Lei n.º 13/2023, de 3 de abril (doravante, Lei n.º 13/2023), veio alterar o Código do Trabalho e diversos diplomas conexos, entre os quais a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprova o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social (doravante, RPCLSS), e o Código de Processo do Trabalho (doravante, CPT).
Estas alterações de 2023 fazem parte de um quadro programático que o legislador designou por “Agenda do Trabalho Digno”.
A origem da designação remete-nos para o conceito de decent work, introduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1999, com o qual esta instituição das Nações Unidas procurou enfatizar a importância de fazer do trabalho digno um objetivo estratégico internacional e de promover uma globalização justa.[6]
Instituindo o que passou a chamar de “Agenda para o Trabalho Digno da OIT”, a organização passou a orientar todo o seu programa de ação em função de quatro objetivos estratégicos, estruturantes da atuação que se propõe desenvolver à escala global: a promoção do emprego e das empresas, a garantia dos direitos no trabalho, a extensão da proteção social e a promoção do diálogo social, sendo a igualdade de género um tema transversal àqueles quatro pilares.
Assim, segundo a definição da OIT, trabalho digno significa «oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens».[7]
Pela relevância que reveste para o tema que aqui nos ocupa, importa destacar a Recomendação n.º 198 da OIT, relativa à relação de trabalho (2006), que apela à formulação e aplicação de políticas nacionais que visem rever, a intervalos adequados, e, se necessário, clarificar e adaptar, o âmbito de aplicação das leis e dos regulamentos pertinentes, a fim de garantir uma proteção eficaz dos trabalhadores que exercem a sua atividade no contexto de uma relação de trabalho, nomeadamente no que se refere à identificação e à luta contra as relações de trabalho dissimuladas, devendo os Estados, para o efeito de facilitar a determinação da existência de uma relação de trabalho, prever no seu ordenamento jurídico uma presunção legal de que existe uma relação de trabalho sempre que estejam presentes um ou mais indicadores relevantes, dando primazia aos factos relativos à execução do trabalho e à remuneração do trabalhador, independentemente da qualificação jurídica que as partes acordaram dar ao contrato celebrado entre elas.[8]
No presente parecer interessa-nos sobretudo o conceito de trabalho digno aplicado à atividade nas plataformas digitais, enquanto objetivo estratégico fundamental que encerra as linhas estruturantes de qualquer sociedade moderna, pautada pelos valores do Estado de direito e, como tal, serve de critério orientador da atuação cometida ao Ministério Público no domínio jusboral, tendo em vista a defesa da legalidade e a prossecução do interesse público a que obedece a sua intervenção.
Neste contexto, conforme se assinala num dos primeiros relatórios da OIT sobre o trabalho na economia das plataformas digitais[9]:
«Uma das principais transformações verificadas no mundo do trabalho na última década foi o surgimento de plataformas digitais de trabalho online. Esta nova forma de trabalho criou disrupções face aos modelos de negócio até então conhecidos e ao modelo de emprego no qual aqueles assentam. O trabalho nas plataformas digitais oferece aos trabalhadores a oportunidade de trabalhar em qualquer lugar, em qualquer momento e de assumir as tarefas que lhes convierem. No entanto, comporta igualmente alguns riscos, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de vínculo contratual, se recebem um rendimento adequado, se beneficiam de proteção social e usufruem de outros benefícios.
(…)
[E]mbora o trabalho nas plataformas digitais seja um produto dos avanços tecnológicos, também representa um regresso ao trabalho ocasional do passado nas economias industrializadas, ao passo que, nas economias em desenvolvimento, contribui para aumentar a mão-de-obra ocasional já existente. Atualmente, a maioria do trabalho realizado nas plataformas digitais não está sujeita à regulamentação laboral, pelo que os trabalhadores têm pouco controlo sobre quando terão trabalho ou sobre as suas condições de trabalho. Adicionalmente, têm opções limitadas de recurso em casos de tratamento injusto».
Em jeito de introdução às principais modalidades de trabalho que hoje podemos encontrar na economia das plataformas digitais, sabendo-se, no entanto, que estamos perante uma realidade muito dinâmica e em constante evolução, o mesmo relatório diz-nos o seguinte:
«O trabalho nas plataformas digitais é algo de novo e é emblemático do trabalho do futuro. Assume a forma de trabalho realizado em plataformas digitais online (comummente designado por crowdwork) e em plataformas de trabalho baseadas numa localização, em que o trabalho é distribuído através de aplicações de software (apps). O trabalho nas plataformas digitais surgiu no início dos anos 2000, em resposta ao crescimento da Internet e à necessidade de intervenção humana nas tarefas necessárias ao bom funcionamento das indústrias baseadas na web. Os trabalhadores podem trabalhar a partir de qualquer lugar do mundo, desde que tenham uma ligação fiável à Internet. Os trabalhos vão desde operações sofisticadas de programação informática, análise de dados e design gráfico a «microtarefas» relativamente simples e de natureza administrativa.
(…)
Atualmente, as plataformas digitais suportam uma grande variedade de tarefas (…). Algumas delas são plataformas baseadas na web, atribuindo tarefas à multidão (microtarefas ou tarefas criativas baseadas em concursos) ou diretamente a indivíduos recorrendo a um mercado de trabalho freelance (…). Além disso, também há trabalho baseado numa dada localização e em aplicações informáticas; a maioria dessas tarefas é confiada a indivíduos (por exemplo, transporte, entrega e serviços domésticos) e poucas são atribuídas à multidão (por exemplo, microtarefas locais)».
Perante a crescente relevância do fenómeno e a necessidade de a ele se dirigir através de uma resposta normativa adequada às exigências do desafio, a OIT, muito recentemente, reconheceu ter de ir mais além nas suas iniciativas e decidiu incluir o tema do trabalho nas plataformas digitais na agenda de trabalhos da sua Conferência de 2025-2026[10], o que representa um importante passo no sentido da prossecução, por via normativa, do objetivo estratégico de promoção do trabalho digno aplicado a este fenómeno que, à escala global, se manifesta sob formas nunca antes vistas, integrado em modelos de organização e relacionais também eles inovadores.
2. Ao nível da União Europeia (UE), o reforço da dimensão social que carateriza a base deste conceito de trabalho digno, encontra-se refletido no Pilar Europeu dos Direitos Sociais e, mais concretamente, nas principais iniciativas desenvolvidas nesse âmbito, com particular destaque para a Diretiva (UE) 2019/1552 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na UE, que foi, aliás, objeto de transposição para o nosso ordenamento jurídico através da Lei n.º 13/2023, aqui em estudo.
Este instrumento normativo da União visa assegurar um nível básico de proteção universal em todas as formas de relação de trabalho, garantindo que também nas novas formas de emprego os trabalhadores não estejam desprotegidos e beneficiem de direitos mínimos. Assim, todos os trabalhadores, incluindo os que estão vinculados a relações de trabalho ocasional e de curta duração, devem beneficiar de informações claras sobre as suas condições de trabalho e as novas normas mínimas aplicáveis. O objetivo geral é o de melhorar e harmonizar as condições de trabalho e os objetivos específicos dizem respeito à proteção dos direitos dos trabalhadores e ao reforço da transparência do mercado de trabalho.
Pela sua pertinência para o tema, sinalizamos o enfoque que é dado às novas formas de emprego, que tanto favorecem a inovação, a criação de postos de trabalho e o crescimento, como podem distanciar-se significativamente, na sua previsibilidade, das relações de trabalho tradicionais, criando incerteza quanto aos direitos aplicáveis e à proteção social dos trabalhadores. Existindo, pois, neste contexto evolutivo, uma necessidade acrescida de informação plena aos trabalhadores sobre os aspetos essenciais das condições de trabalho, o que deverá ocorrer em tempo útil e por escrito, de uma forma que lhes seja facilmente acessível (cf. considerando 4 da diretiva).
Realce também para o apelo expresso à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tendo em vista a definição do conceito de «trabalhador» na aceção do direito da União, nomeadamente a já alcançada através dos acórdãos proferidos nos processos C-66/85, C-428/09, C-229/14, C-413/13 e C-216/15[11], noção que deve ser definida segundo critérios objetivos em que a característica essencial da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em benefício de outra e sob sua direção, as prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração. Desde que preenchidos tais critérios, os trabalhadores de plataformas, além de outros, podem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação da diretiva. É também relevante a referência à problemática do abuso do estatuto de trabalhador independente, tal como é definido no direito nacional, tanto à escala nacional como em situações transfronteiriças, o qual constitui uma forma de trabalho falsamente declarado. Verifica-se uma situação de falso trabalho independente quando uma pessoa preenche as condições típicas de uma relação de trabalho, mas está declarada como trabalhador independente, a fim de evitar o cumprimento de certas obrigações legais ou fiscais, situação que deve ser abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva. E, dando palco à Recomendação da OIT n.º 198, anteriormente referida, o legislador da União salienta ainda que a determinação da existência de uma relação de trabalho deve basear-se nos factos relativos à prestação efetiva de trabalho e não no modo como as partes descrevem a relação (cf. considerando 8 da diretiva).
A merecer particular destaque, temos a Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais [COM/2021/762 final][12], cujo processo legislativo[13] passou já por vicissitudes várias, mas que, não obstante, ganhou recentemente novo fôlego.
Assim, em 9 de dezembro de 2021, a Comissão apresentou a referida proposta de diretiva com um texto consagrando um regime que visava melhorar as condições de trabalho das pessoas que trabalham nas plataformas, o que, passava por, além do mais, facilitar a correta determinação do seu estatuto profissional através de uma presunção legal ilidível da existência de relação contratual de trabalho relativamente à relação entre uma plataforma de trabalho digital, que controla a execução do trabalho, e uma pessoa que o executa, entendendo-se que existe controlo da execução do trabalho quando se verificam, pelo menos, dois dos seguintes critérios: (a) efetiva determinação, ou fixação de limites máximos, do nível de remuneração; (b) imposição à pessoa que trabalha na plataforma de regras específicas de aparência ou conduta em relação ao destinatário ou relativas à execução do trabalho; (c) supervisão da execução do trabalho ou verificação da qualidade dos resultados; (d) restrição efetiva, incluindo através de sanções, da liberdade de organizar o trabalho, em especial o poder para determinar o horário de trabalho ou os períodos de ausência, aceitar ou recusar tarefas ou recorrer a subcontratantes ou substitutos; (e) restrição efetiva da possibilidade de desenvolver uma carteira de clientes ou de executar trabalho para terceiros (artigos 4.º e 5.º).
Ora, após negociações complexas, foi possível chegar a um acordo, em 8 de fevereiro de 2024, sobre o novo texto de compromisso provisório da diretiva[14], o qual inclui uma abordagem alternativa à presunção legal consagrada na proposta da Comissão e em que deixa aos Estados-Membros a decisão sobre os critérios e modalidades de uma presunção legal efetiva a introduzir no seu direito nacional. E foi, finalmente, aprovado sob a Presidência belga, na sessão do Conselho realizada no passado dia 11 de março de 2024, tendo o documento seguido para o Parlamento Europeu tomar posição, em primeira leitura, previsivelmente na sessão plenária de 22 de abril de 2024[15], estando, pois, agora do lado desta instituição concluir o longo caminho percorrido.
Para o que importa agora considerar, no texto de compromisso aprovado passa a estar prevista a figura do intermediário, aspeto que não constava da proposta inicialmente apresentada pela Comissão, o qual é definido como a pessoa singular ou coletiva que, para efeitos de disponibilização de trabalho numa plataforma de trabalho digital ou através dela: a) estabelece uma relação contratual com essa plataforma de trabalho digital e com a pessoa que nela trabalha; ou b) está numa cadeia de subcontratação entre essa plataforma de trabalho digital e a pessoa que nela trabalha [artigo 2.º, n.º 1, (5)], determinando-se que os Estados-Membros tomam as medidas adequadas para assegurar que, quando uma plataforma de trabalho digital recorre a essa figura, as pessoas que trabalham na plataforma e têm uma relação contratual com um intermediário beneficiam do mesmo nível de proteção conferido às pessoas que têm uma relação contratual direta com a plataforma. Para o efeito, os Estados-Membros tomam medidas, em conformidade com o direito e as práticas nacionais, para estabelecer mecanismos adequados que incluam, se for caso disso, sistemas de responsabilidade solidária (artigo 3.º).
Por outro lado, o capítulo relativo ao estatuto profissional foi o que registou as alterações mais significativas, relativamente à proposta inicial, tendo a presunção de laboralidade prevista no texto original sido substituída pela solução de consagrar a obrigação de os Estados-Membros estabelecerem uma presunção legal de emprego ilidível e efetiva. No essencial, prevê-se que a relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que trabalha através dessa plataforma é legalmente presumida como uma relação de trabalho quando se verificarem factos que indiquem o controlo e a direção, de acordo com o direito nacional, as convenções coletivas ou as práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Se a plataforma de trabalho digital pretender refutar a presunção legal, cabe-lhe provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pela legislação, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Essa presunção legal deve constituir uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham nas plataformas e os Estados-Membros asseguram que a mesma não terá por efeito aumentar o ónus dos requisitos para tais pessoas ou os seus representantes, nos processos que determinem o seu estatuto profissional (artigo 5.º, n.os 1 e 2).
Procurou-se que o conceito de efetividade resultante do compromisso levado ao texto da referida (proposta final de) norma saia reforçado com o sentido que se retira do considerando 32, no âmbito do qual se sublinha que, para além de a presunção legal não dever ser onerosa, deverão diminuir as dificuldades que as pessoas que trabalham nas plataformas possam ter em fornecer elementos de prova que indiquem a existência de uma relação de trabalho numa situação de desequilíbrio de poder face à plataforma de trabalho digital. O objetivo da presunção legal é o de resolver e corrigir eficazmente o desequilíbrio de poder entre as plataformas digitais e os seus trabalhadores e a sua aplicação não deverá conduzir automaticamente à reclassificação das pessoas que trabalham nas plataformas.
3. A realidade que é passível de se subsumir aos instrumentos normativos aqui descritos (o último dos quais ainda por aprovar), apresenta uma ordem de grandeza avassaladora, sendo também significativos os dados que se conhecem sobre este fenómeno no nosso país.
Assim, numa rápida passagem pelo que se divulga ao nível na União Europeia, os dados fornecidos pelo Conselho no documento “Infografia – A economia das plataformas na UE”[16], dizem-nos que a economia das plataformas é uma realidade que está a crescer rapidamente, sendo que de um valor estimado de 3 mil milhões de euros, em 2016, as receitas desta atividade atingiram, em 2020, 14 mil milhões de euros.
Por outro lado, atualmente, existem mais de 500 plataformas de trabalho digitais ativas na UE, facilitando o acesso dos clientes aos serviços e criando oportunidades de negócio para empresas e particulares, a maioria das quais criada na Europa.
Segundo o documento “Infografia – Os trabalhadores das plataformas digitais na UE em destaque”[17], também do Conselho da União Europeia, os trabalhadores das plataformas representam uma parte substancial da população ativa na UE. Em 2022, o número ascendia já a 28,3 milhões, semelhante ao dos trabalhadores da indústria transformadora (29 milhões), prevendo-se que aquele valor aumente rapidamente, atingindo, em 2025, um resultado estimado de 43 milhões de trabalhadores que prestam atividade nas plataformas digitais, o que representa um crescimento de 52% em três anos.
Quanto a Portugal, segundo dados recolhidos e analisados pelo Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia (COLLEEM), com referência a 2017 e 2018, estima-se que cerca de 11,5% da população adulta já prestou algum serviço através das plataformas digitais[18], sendo que cerca de 2% tem nesta forma de prestação de trabalho a sua fonte de rendimento principal (50% ou mais do rendimento mensal)[19]. Comparativamente com os restantes 13 países da UE abrangidos pelo mesmo inquérito, Portugal regista a maior percentagem de trabalhadores que prestam serviços on location (10%), ou seja, a modalidade em que os serviços são promovidos através de aplicações móveis e realizados num determinado espaço, durante um determinado período (como é o caso das entregas por estafetas), e a terceira maior percentagem de trabalhadores que prestam serviços digitais (11%).[20]
Olhando agora para a realidade dos números que estão a chegar ao sistema judiciário no nosso país, é de assinalar que, de acordo com um balanço provisório divulgado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)[21], na campanha inspetiva que realizou em 2023, esta entidade identificou, entre junho e dezembro do referido ano, 2 609 alegados prestadores de atividade (estafetas) nas plataformas digitais, em 16 plataformas e 593 locais de trabalho.
Neste contexto, foram feitas 1 133 notificações e 861 participações ao Ministério Público para ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.[22]
O crescente número de casos reportados aos nossos tribunais representa um enorme desafio, a requerer da prática judiciária respostas eficazes, céleres e, ao mesmo tempo, tecnicamente seguras, dando, assim, satisfação às legítimas expetativas de quem conta com a justiça laboral para resolver os seus problemas, não para os avolumar.
III
1. O artigo 1152.º do Código Civil[23] define o contrato de trabalho como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direcção desta».
Esta definição foi retomada no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, e, posteriormente, manteve os seus aspetos essenciais no artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003, com apenas algumas alterações, de modo a acomodar o facto de se admitir a pluralidade de empregadores («a outra ou outras pessoas»), e a opção por não se distinguir os vários tipos de prestadores de trabalho subordinado, abolindo-se a referência ao trabalho manual e intelectual («prestar a sua actividade a outra pessoa») .
O artigo 11.º do atual Código do Trabalho deu continuidade ao enunciado do diploma de 2003, clarificando, no entanto, dois aspetos: por um lado, especificou que o trabalhador é uma pessoa singular, afastando, assim, expressamente a possibilidade de ser uma pessoa coletiva; por outro, substituiu-se a expressão “sob a autoridade e direcção” por “no âmbito de organização e sob a autoridade”, passando o contrato de trabalho a ser definido como «aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas».
A este respeito, conforme se realçou no Livro Branco das Relações Laborais[24], documento de onde partiu a proposta de quadro normativo que esteve na origem do processo legislativo de 2009, não se pretendeu com aquela substituição de vocábulos afastar o poder de direção, consagrado expressamente no Código do Trabalho, caraterística através da qual o empregador pode estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, tratando-se, sim, de corresponder à evolução que a realidade sofreu neste domínio.
Seja como for, pese embora na definição legal de contrato de trabalho o Código de 2009 tivesse optado por «uma imagem mais focada da realidade atual das relações laborais», tal não representou qualquer ampliação ou redução dos respetivos contornos, sendo, pois, seguro afirmar que o tipo negocial que é qualificável como contrato de trabalho e ao qual se aplicam as normas juslaborais é, nos seus elementos essenciais, o mesmo desde a lei de 1969.[25]
Assim, como assinalam JOÃO LEAL AMADO e TERESA COELHO MOREIRA[26]:
«[t]rata-se de uma nuance legislativa que acentua o elemento organizativo, em regra empresarial, típico do contrato de trabalho. A tónica é colocada no elemento da hetero-organização, na inserção funcional do trabalhador numa estrutura organizativa predisposta e dirigida por outrem. Dir-se-ia que a componente organizacional do contrato de trabalho, antes implícita, foi agora explicitada pelo legislador».
A subordinação jurídica constitui o critério essencial da qualificação do contrato de trabalho, que permite efetuar a destrinça entre o trabalho subordinado e o trabalho autónomo ou independente, figura na qual se inclui o contrato de prestação de serviço, definido no artigo 1154.º do Código Civil, como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». O contrato de prestação de serviço abrange, além de outras, a modalidade típica do mandato, cujo regime jurídico fixado nos artigos 1157.º a 1184.º do Código Civil é extensivo, com as necessárias adaptações, às modalidades que a lei não regule especialmente.[27]
A prestação de serviço é o contrato que mais frequentemente surge na prática, sendo em muitos casos aquele que as partes formalmente configuram e assumem existir, quando, na realidade, o vínculo que caracteriza a sua relação negocial reveste natureza laboral.
Trata-se, por outro lado, do tipo contratual que maior dificuldade suscita ao nível da distinção relativamente ao contrato de trabalho.
Com efeito, para além de, em ambos os contratos, poder haver lugar à remuneração, a própria destrinça entre atividade e resultado nem sempre surge assim tão evidente, ao ponto de permitir delimitar o conteúdo da obrigação que recai sobre o trabalhador, face àquela que vincula o prestador de serviço.[28]
Conforme dispõe o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, «[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
O ónus da prova está a cargo do trabalhador, cabendo a ele demonstrar a existência dos elementos constitutivos do contrato de trabalho: retribuição, prestação de trabalho e factos que habilitem o tribunal a concluir pela presença de subordinação jurídica.
Ónus esse que também recai sobre o Ministério Público, quer quando exerce o patrocínio judiciário do trabalhador, quer quando age em nome próprio, como sucede na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Assim, a qualificação, como contrato de trabalho, de um negócio jurídico que foi formalmente configurado pelas partes como de prestação de serviço depende da alegação e prova, pelo prestador da atividade, dos termos subordinados em que esta é, na realidade, desempenhada.
Ora, se a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho é, muitas das vezes, difícil, para se obviar a essa dificuldade, a solução passa por recorrer a uma presunção legal de existência de contrato de trabalho, baseada em indícios relevantes, conforme consta, aliás, da Recomendação n.º 198 da OIT, a que atrás já fizemos referência.
Foi o que veio a ser feito com o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009.[29]
2. A reforma juslaboral introduzida pelo diploma de 2023 foi fruto de um longo processo legislativo desencadeado pelo “Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021”[30], cuja versão preliminar foi apresentada para consulta pública, em 2 de junho de 2021, tendo a sua versão final sido publicada em 25 de março de 2022.[31]
Sobre o trabalho em plataformas digitais, destaca-se naquele documento a referência aos seguintes aspetos que contextualizam o tema:
«O trabalho nas plataformas digitais, em expansão acelerada desde o início do século XXI, é um dos elementos mais nevrálgicos das discussões sobre o futuro do trabalho. Nas plataformas digitais, estão muitas vezes concentradas características como a extrema flexibilidade, a individualização, a atipicidade ou a fragmentação das relações de trabalho, bem como o distanciamento e dispersão espacial das atividades, tendências que interpelam diretamente vários dos pressupostos dos sistemas tradicionais de relações laborais e as políticas públicas para enquadrar estas novas realidades.
Longe de ser uma realidade homogénea, o trabalho nas plataformas reveste-se de enorme complexidade e diversidade, incluindo desde logo plataformas baseadas na web em que o trabalho é externalizado por meio de um convite aberto a potenciais candidatos geograficamente dispersos, e aplicações baseadas numa localização específica que atribuem trabalho (ou “tarefas”) a pessoas numa determinada área geográfica. O trabalho nas plataformas pode, pois, ser segmentado em dois grandes grupos: um grupo em que o trabalho é realizado de forma completamente remota, e um outro grupo, porventura mais visível, que implica o desempenho presencial de tarefas.
(…)
As plataformas digitais podem gerar novas oportunidades do ponto de vista da criação de emprego, da adoção de regimes de trabalho flexíveis, da ampliação das fontes de rendimento de trabalhadores e famílias e do alargamento do acesso ao emprego, nomeadamente em grupos com maiores dificuldades a este nível. Por outro lado, porém, elas comportam múltiplos riscos, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de vínculo laboral e à garantia de um rendimento adequado, com implicações na instabilidade do emprego e das perspetivas de vida, bem como desigualdades no acesso a proteção social ou outros direitos como a formação profissional ou a segurança e saúde ocupacional.
Uma das questões-chave na discussão sobre esta temática é a qualificação da relação jurídica que se estabelece entre a empresa que opera através da plataforma tecnológica e os que através dela prestam serviços remunerados, com questões em torno do grau de autonomia e/ou subordinação do desempenho das atividades».[32]
Face ao contexto e aos dados enunciados em cada uma das dimensões do futuro do trabalho analisadas neste documento, o Livro Verde 2021, na sua versão final, elegeu como uma das principais linhas de reflexão das políticas públicas a desenvolver em Portugal, relativamente à temática que aqui nos ocupa, a criação de «uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital»[33]
No âmbito do processo de discussão a que foi sujeito, o Livro Verde deu origem à “Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho”, conhecida pela designação abreviada “Agenda do Trabalho Digno”, que, no decurso do ano 2021, foi «sinalizada em várias das suas dimensões fundamentais aos parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social»[34]. Em 21 de outubro de 2021, ainda durante o XXII Governo Constitucional, o referido documento foi aprovado em Conselho de Ministros sob a forma de “Proposta de Lei que procede à alteração de legislação laboral no âmbito da Agenda do Trabalho Digno”. Anunciou, então, o executivo que esta proposta vinha dar cumprimento às prioridades por si estabelecidas «no que respeita à regulação do mercado de trabalho com vista à promoção do trabalho digno, através de um conjunto de medidas que promovam o emprego e a sua qualidade, que combatam e reduzam a precariedade, que reforcem os direitos dos trabalhadores, que fortaleçam a negociação coletiva, que aumentem a proteção dos jovens e que melhorem a conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar».[35]
A proposta foi, de seguida, publicada para apreciação pública no Boletim do Trabalho e Emprego[36], sendo que, no que importa aqui considerar, a versão do artigo 12.º-A a aditar ao Código do Trabalho apresentava então o seguinte teor:
«Artigo 12.º-A
Presunção de contrato de trabalho entre prestador de atividade
e operador de plataforma digital
1- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e o operador de plataforma digital, se verifiquem algumas das características identificadas em cada um dos seguintes âmbitos:
a) Na relação entre o operador de plataforma digital e o prestador de atividade:
i) O operador de plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na mesma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
ii) O operador de plataforma digital controla em tempo real a atividade realizada pelo prestador da atividade, nomeadamente através de um sistema de geolocalização contínuo e de uma gestão algorítmica;
iii) O operador de plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador da atividade, nomeadamente o poder disciplinar;
iv) O operador de plataforma digital pode excluir o prestador de futuras atividades via plataforma, através da desativação da conta quando considere que este tem uma avaliação insuficiente;
v) O prestador de atividade não pode subcontratar ou fazer-se substituir por outrem perante o operador sem o conhecimento deste;
b) Na relação entre o prestador de atividade e o utilizador dos serviços:
i) O operador fixa o preço pago pelo utilizador para a atividade realizada pelo prestador de serviço;
ii) O operador de plataforma digital processa o pagamento entre os utilizadores e o prestador de atividade das plataformas;
iii) O prestador de atividade não atua em nome próprio, antes presta a sua atividade inserido na organização do operador de plataforma digital e sob a marca que o mesmo utiliza no mercado;
iv) A comunicação entre os utilizadores e prestador de atividade é realizada e gerida exclusivamente pelo operador de plataforma digital;
v) O operador de plataforma digital controla a qualidade do trabalho e dos resultados atingidos pelo prestador da atividade e fornece aos seus utilizadores a avaliação ou o rating dos mesmos.
2- A presunção prevista no número 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente, se o operador de plataforma digital fizer prova que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo e direção e poder disciplinar de quem o contrata.
3- Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, apenas se aplicam as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada.
4- Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
5- Em caso de reincidência são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
6- Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o número 2 do artigo 335.º».
Na sequência da dissolução da Assembleia da República, em 5 de dezembro de 2021[37], o referido processo legislativo foi interrompido e retomado na nova legislatura, tendo, em 6 de junho de 2022, o XXIII Governo Constitucional apresentado no Parlamento a Proposta de Lei n.º 15/XV.[38]
Em relação à matéria que constitui o objeto do presente parecer, a Exposição de Motivos refere que a proposta de lei vem aprofundar a regulação de novas formas de prestação de trabalho associadas às transformações no trabalho, à economia digital e, desde logo, ao trabalho nas plataformas, propondo-se, neste âmbito, a criação de uma presunção de existência de contrato de trabalho com os operadores de plataforma.
Sendo para tanto aditado ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A, com a seguinte redação proposta:
«Artigo 12.º-A
Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e o operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, se verifiquem algumas das características identificadas em cada um dos seguintes âmbitos:
a) O operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, fixa a retribuição para o trabalho efetuado na mesma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) O operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, exerce poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) O operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, supervisiona a prestação da atividade ou verifica a qualidade da atividade prestada, incluindo através de meios eletrónicos;
d) O operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos ou através da aplicação de sanções;
e) O operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, restringe a possibilidade de escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere, ou por estes sejam explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por operador de plataforma digital a pessoa singular ou coletiva que executa a sua operação no âmbito de uma plataforma digital destinada a prestar ou disponibilizar serviços à distância, através de meios eletrónicos, a pedido de um utilizador e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos, independentemente desse trabalho ser prestado online ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - Nas situações em que o prestador de atividade esteja afeto à execução de um contrato celebrado entre uma pessoa singular ou coletiva beneficiária e o operador de plataforma digital, é aplicável o disposto no n.º 1, independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se o operador de plataforma digital ou outra pessoa singular ou coletiva beneficiária que nela opere fizer prova que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo e direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, apenas se aplicam as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada.
6 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
7 - Em caso de reincidência são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
8 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º».
A Proposta de Lei n.º 15/XV foi objeto de um longo debate no decurso do qual conheceu sucessivas versões até àquela que veio a ser aprovada, em 10 de fevereiro de 2023, como Lei n.º 13/2023, que, após promulgação pelo Presidente da República, em 22 de março de 2022, foi publicada no Diário da República de 3 de abril de 2023[39], tendo entrado em vigor no dia 1 de maio de 2023, em conformidade com o disposto no artigo 37.º, n.º 1, do diploma.
O artigo 12.º-A sofreu também ele diversas modificações, tendo sido proposta uma primeira alteração, em 20 de outubro de 2022, a que se seguiu uma segunda, em 15 de dezembro, convertida em versão final com a sua aprovação parlamentar, na qual a norma em análise passou a compreender doze números, que tomaram a seguinte redação:
«Artigo 12.º-A
Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 - A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 - No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.
7 - A plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
8 - A plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos.
9 - Nos casos em que se considere a existência de contrato de trabalho, aplicam-se as normas previstas no presente Código que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.
10 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere, a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
11 - Em caso de reincidência, são ainda aplicadas ao empregador as seguintes sanções acessórias:
a) Privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, designadamente de natureza fiscal ou contributiva ou proveniente de fundos europeus, por período até dois anos;
b) Privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
12 - A presunção prevista no n.º 1 aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica».
3. Tendo como antecedente o artigo 12.º do Código do Trabalho, o artigo 12.º-A foi aditado ao diploma com o fundamento de que era necessário dar resposta juslaboral às novas formas de organização e prestação de trabalho surgidas com a economia das plataformas digitais, cujas características essenciais, em termos do que normalmente as define, não encontram correspondência nos índices de subordinação que estão na base da presunção consagrada no artigo 12.º, presentes nos modelos tradicionais de organização e prestação de trabalho que pertencem à “pré-(r)evolução tecnológica”[40], nas relações laborais que são típicas da “era pré-digital” e logram obter demonstração através dos indícios clássicos de subordinação jurídica que se referem à propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho, à existência de um horário de trabalho determinado pelo beneficiário da atividade e ao pagamento de uma retribuição certa[41].
A propósito dos novos contornos que a questão da qualificação contratual adquiriu com o surgimento de formas de organizar o trabalho apoiadas na digitalização, como é caso do trabalho suportado em plataformas digitais, que se tem manifestado sobretudo em atividades como o transporte de passageiros e a entrega domiciliária de refeições, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES[42] assinala que os traços que singularizam esta modalidade de organização do trabalho podem ser enunciados do seguinte modo:
«- A exploração empresarial (a título lucrativo) de uma plataforma digital, activada por algoritmos;
- A oferta de um serviço, susceptível de ser prestado por pessoas não previamente identificadas, a “clientes” também não previamente definidos;
- O estabelecimento e a regulação desta prestação de serviços por incertos a incertos pela entidade exploradora da plataforma, através de dois instrumentos: a definição de regras quanto ao comportamento dos prestadores e quanto ao preço dos serviços, e o desenho dos algoritmos que geram o encaixe entre oferta e procura em cada caso;
- A atribuição aos prestadores de actividade de certas margens de liberdade de decisão quanto à disponibilidade de tempos e de serviços, sendo o exercício dessa liberdade condicionante da sua relação com a plataforma, nomeadamente no que toca à oferta de oportunidades de trabalho e de rendimento».
Conclui, assim, o referido autor que:
«Esta forma de organização do trabalho, não obstante as margens de autonomia que oferece aos prestadores de atividade, implica um grau de dependência destes relativamente à entidade detentora e gestora da plataforma digital (que é, afinal, uma estrutura de software), o qual pode ser suficientemente elevado para que deva considerar-se a existência de subordinação – numa versão diferente da clássica, mas nem por isso menos relevante do ponto de vista da carência de tutela jurídica das pessoas sujeitas».
3.1. Tal como a própria epígrafe indica, o artigo 12.º-A veio consagrar uma presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, fornecendo mecanismos probatórios que permitem qualificar estas novas formas de prestar trabalho, orientados pelo princípio de que a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria se deve fazer mediante critérios que dão primazia à realidade dos factos, em conformidade com as orientações da OIT plasmadas na Recomendação n.º 198 (cf. supra, II-1 e 2)
A norma do artigo 12.º-A desenrola-se numa estatuição composta por doze números, o primeiro dos quais com seis alíneas, sendo que, para o que agora importa considerar, a presunção de laboralidade que aí encontra consagração vem regulada nos seus números 1 a 6, com a seguinte redação:
«1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
2 – Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios.
3 – O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico.
4 – A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata.
5 – A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
6 – No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora.
(…)».
Conforme já foi referido em III-2, o artigo 12.º-A foi objeto de modificação durante o processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei n.º 13/2023.
As sucessivas versões que a norma teve ao longo desse percurso e o resultado alcançado com a adoção do texto em vigência são relevantes para o sentido interpretativo a dar à solução que se tornou lei, particularmente no que diz respeito à figura do intermediário que opera em plataforma digital e ao modo como atua o mecanismo presuntivo aplicável à qualificação da sua relação com o prestador de atividade.
Assim, na 1.ª versão da Agenda do Trabalho Digno, ainda sob o XXII Governo, a presunção era estabelecida no quadro de uma relação a dois, entre a plataforma digital e o prestador de atividade (o artigo 12.º-A, reproduzido supra, em III-2, tinha, nessa versão, seis números).
Já na 2.ª versão da Agenda, apresentada na nova legislatura (com a redação reproduzida em III-2), a presunção de existência de contrato de trabalho tanto podia ser estabelecida com a plataforma digital, como com o intermediário que nela operasse, criando-se aqui um terceiro ente que não estava presente no Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021 nem na proposta de lei “Agenda do Trabalho Digno”, divulgada no final do mesmo ano.
Entretanto, conforme já foi descrito em III-2, em 20 de outubro de 2022, surge uma proposta de alteração ao artigo 12.º-A e, depois, foi o mesmo sujeito a uma nova modificação que se tornou definitiva, passando a constar da versão final aprovada.
Em resultado da discussão na especialidade, realizada em sede parlamentar, vingou uma solução que JOÃO LEAL AMADO apelida de tese compromissória, que prevê, em primeira linha, a existência de uma relação de trabalho entre o prestador de atividade e a plataforma digital (n.º 1), mas admite que o sujeito dessa relação contratual seja, não a plataforma, mas a pessoa singular ou coletiva que nela opere, atuando como intermediário para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores (n.os 5 e 6).[43]
Neste contexto, conforme salienta TERESA COELHO MOREIRA, ao desaparecer o intermediário do n.º 1 do artigo 12.º-A, a presunção passou a estabelecer-se entre a plataforma digital e o prestador de atividade que nela opera.[44]
Contudo, a figura do intermediário não desaparece totalmente do artigo 12.º-A, surgindo no seu n.º 5, mas apenas a título subsidiário, como um meio de a plataforma tentar ilidir a presunção que lhe é aplicável, nos termos do n.º 1.[45]
Surge também prevista no n.º 6, para o caso em que o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital.
O n.º 6 estabelece ainda que, em ambas as hipóteses, cabe ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora, aplicando para o efeito o regime da presunção prevista no n.º 1, independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico (n.º 3).
3.2. Aqui chegados, importa dar conta de alguns aspetos que caracterizam a presunção consagrada no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho que, no plano do quadro jurídico geral que lhe é aplicável, enquanto mecanismo que encontra previsão no artigo 350.º do Código Civil e dispõe que, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz (n.º 1), podendo, todavia, ser ilidida mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir (n.º 2).
Na sua função de presunção legal, ela «transporta-nos de um facto conhecido para um facto desconhecido, porque a lei vê naquele a revelação deste; quer dizer, a lei formula a presunção, porque acha que o facto desconhecido acompanha normalmente, conforme a lição da experiência, o facto conhecido».[46]
A presunção legal facilita a prova ao onerado, mas não o dispensa de provar o facto base.
Assim, «[q]uem alega o facto presumido ou a situação jurídica presumida, carece de provar apenas o facto a que a presunção está ligada, a chamada base da presunção».[47]
O regime das presunções reveste natureza substantiva, não tem autonomia processual, pois a sua aplicação não dá lugar à realização de diligências probatórias próprias, sendo o facto base provado pelos meios de prova comuns e o facto presumido determinado por disposição legal.[48]
O modo de ilisão é, por regra, o da prova do contrário (significado da expressão legal “prova em contrário”, constante do artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil), cabendo a presunção legal no âmbito da definição de prova legal plena, descrita no artigo 347.º do Código Civil.
Em rigor, a presunção legal prevista no artigo 12.º-A (assim como a que consta do artigo 12.º), pertence à categoria presuntiva mais restrita das presunções de direito, reservadas para os casos em que da base da presunção se infere, não um facto propriamente dito, mas a existência ou inexistência de um direito, relação ou estado jurídico.[49]
Com efeito, com a presunção de laboralidade conclui-se a existência de um negócio jurídico – o contrato de trabalho – ou, visto de uma outra perspetiva, uma relação jurídica – a relação de trabalho subordinado.
De todo o modo, obedecendo ao mesmo funcionamento da presunção de factos, quem alega uma situação jurídica presumida «carece de provar apenas o facto a que a presunção está ligada, a chamada base da presunção».[50]
Na presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (assim como na do artigo 12.º) aplica-se o regime regra de ilisão por meio de prova do contrário (artigo 12.º-A, n.º 3: “pode ser ilidida os termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia”).
Acresce que, como assinala LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, «[a]s presunções de direito podem também ser invalidadas mediante outra presunção com a qual estejam em conflito. Ocorrerá uma colisão de presunções de direito quando as mesmas se referem ao mesmo estado de coisas, sendo os efeitos próprios de cada presunção inconciliáveis. Nessa situação, deve ponderar-se a força das presunções em conflito e, de acordo com a mesma, decidir-se qual delas deve ser aplicada com preferência sobre as demais».[51] [52]
Este quadro pode ter lugar no âmbito da presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, precisamente quando o caso envolve a existência de intermediário e se suscitam factos-base da presunção de laboralidade, quer em relação a ele, quer em relação à plataforma digital.
Será, aliás, um dos eventuais efeitos do uso do meio de defesa, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 5, que a plataforma digital tem ao seu alcance, ao abrigo do qual invocará que a atividade em questão é prestada perante quem atua como seu intermediário para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
Assim, de um lado, podemos ter duas ou mais características da relação que, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º-A, fazem presumir a existência de vínculo laboral com a plataforma digital, do outro, surgem alegadas pela plataforma, ou pelo prestador de atividade, duas ou mais caraterísticas da relação que, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, ex vi n.º 6 do mesmo normativo, fazem presumir a existência de vínculo laboral com o intermediário. Sendo este um caso em que cabe ao tribunal decidir, determinando quem é a entidade empregadora (artigo 12.º-A, n.º 6).
3.3. O reconhecimento do intermediário em matéria de trabalho no âmbito de plataforma digital não é novidade no nosso ordenamento jurídico[53], pois com a Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto (doravante, Lei n.º 45/2018), aquele passou a assumir um papel essencial no sistema normativo que regula a atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma (TVDE).
O intermediário, que a Lei n.º 45/2018 apelida de operador de TVDE, é a pessoa coletiva que efetua transporte individual remunerado de passageiros, nos termos e condições previstas no referido diploma (artigo 2.º), nas quais se inclui, nomeadamente, o licenciamento pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes, I. P., sem o que não poderá iniciar atividade (artigo 3.º), e a observância das vinculações legais e regulamentares decorrentes da legislação laboral, de segurança e saúde no trabalho e de segurança social (artigo 9.º, n.º 2).
Por sua vez, no que concerne ao motorista de TVDE, este presta serviço ao operador de TVDE, mas apenas pode desenvolver a respetiva atividade de condução de veículos se estiver inscrito junto de plataforma eletrónica (artigo 10.º, n.os 1 e 2). No entanto, o vínculo jurídico estabelece-se entre o operador de TVDE e o motorista, devendo ser titulado por contrato escrito assinado pelas partes, o qual, independentemente da denominação que aquelas tenham adotado no documento, dará origem, consoante os casos, à posição jurídica de motorista vinculado por contrato de trabalho ou então de motorista independente (artigo 10.º, n.os 10 e 12). Nesta equação surgem ainda as plataformas eletrónicas que, segundo a Lei n.º 45/2018, consistem nas «infraestruturas eletrónicas da titularidade ou sob exploração de pessoas coletivas que prestam, segundo um modelo de negócio próprio, o serviço de intermediação entre utilizadores e operadores de TVDE aderentes à plataforma, na sequência efetuada pelo utilizador por meio de aplicação informática dedicada» (artigo 16.º). Pese embora a sua classificação como prestador de «serviço de intermediação»[54]) e todo o regime instituído em torno do operador de TVDE e da sua relação contratual com o motorista, a verdade é que a Lei n.º 45/2018 não deixou de fazer recair sobre o operador de plataforma eletrónica um conjunto de deveres que são típicos da entidade empregadora, com destaque para os que se referem ao controlo do tempo de trabalho dos motoristas e cumprimento dos respetivos limites (cf. artigos 13.º e 20.º, n.º 3).[55] Deveres esse que, de resto, só a ele será possível cumprir, uma vez que é o titular ou a entidade que explora o sistema informático de gestão da plataforma – o algoritmo –, fazendo-o no âmbito de um modelo de negócio próprio (cf. artigo 16.º).
A este respeito, conforme ilustra ANTÓNIO MANUEL ABRANTES[56]:
“[U]m motorista que possua um contrato escrito com a empresa «Transportes Urbanos Lda.» (operador de TVDE) e que preste serviços de transporte através da plataforma operada pela empresa Uber (operador da plataforma eletrónica de reserva), irá ser considerado como um trabalhador da empresa «Transportes Urbanos Lda.» e não como um trabalhador da empresa Uber. Esta tomada de posição expressa do legislador dá resposta a uma questão bastante problemática que tem vindo a ser intensamente debatida noutros ordenamentos jurídicos, nomeadamente o Reino Unido e os Estados Unidos da América, onde tem sido discutido se os motoristas que prestam serviços de transporte através de plataformas eletrónicas de reserva são simples colaboradores ou verdadeiros trabalhadores das empresas que exploram estas plataformas, de forma a determinar se os mesmos beneficiam, ou não, dos direitos laborais típicos de uma relação de trabalho. A solução contida nesta norma parece situar-se a meio caminho entre as duas possibilidades equacionadas no direito comparado: são reconhecidos direitos laborais ao motorista que presta o serviço de TVDE, mas os mesmos devem ser assegurados pelo operador de TVDE para o qual trabalha e não pelo da plataforma eletrónica de reserva».
Importa, no entanto, fazer notar que, com a reforma de 2023, o artigo 12.º-A veio dispor no seu n.º 12 que a presunção prevista no n.º 1 se aplica às atividades de plataformas digitais, designadamente as que estão reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.
Como se observa, este n.º 12 «implica uma rutura clara» com o regime jurídico instituído pela Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, a qual, como acima foi dito, apenas previa a hipótese de contratação do motorista por parte do intermediário operador de TVDE.[57]
Ora, na falta de uma revogação expressamente determinada pela Lei n.º 13/2023, a norma do n.° 1 do artigo 12.°-A que, por remissão do n.º 12, se aplica ao setor do TVDE, ao estabelecer uma presunção de existência de contrato de trabalho entre o prestador de atividade de motorista e a plataforma digital, contrariando o referido modelo instituído em 2018, que apenas prevê a formação de vínculo jurídico com o operador de TVDE, representa uma incompatibilidade de regimes que, à luz do que dispõe o artigo 7.º do Código Civil, não pode deixar de ser considerada uma revogação tácita da norma do artigo 10.º, n.os 2, 10 e 11 da Lei n.º 45/2018, na parte em que a existência da relação contratual fica limitada à que se estabelece com o referido operador intermediário.[58]
Assim, com a entrada em vigor do artigo 12.°-A, n.° 12, abre-se desde já a possibilidade de contratação direta entre a plataforma digital e o motorista, não ficando tal possibilidade na dependência de uma futura revisão da Lei n.º 45/2018.[59]
Não obstante, tendo em conta os aspetos não abrangidos por qualquer tipo de revogação e que se revelam essenciais para a harmonização dos regimes coexistentes, verifica-se que é necessária a revisão da Lei n.º 45/2018, por forma a compatibilizar as soluções da nova lei, centradas na aplicabilidade, em primeira linha, de uma presunção dirigida à própria plataforma digital, com o modelo em que o acesso e exercício da atividade é sempre intermediado por pessoa coletiva diversa da que assume a qualidade de operadora da plataforma digital.
De resto, no âmbito da avaliação de regime cuja realização se exige no artigo 31.º da Lei n.º 45/2018, que se encontra em curso, a revisão e clarificação da relação laboral entre os motoristas e os operadores de plataformas eletrónicas, tendo por referência o artigo 10.º do diploma, constitui precisamente um dos aspetos indicados no relatório final[60] elaborado ao abrigo da mencionada norma dedicada ao apontado processo avaliativo.[61]
Merece ainda referência a circunstância de a proposta de diretiva relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, na versão que recentemente foi aprovada pelo Conselho da União Europeia, ter passado a incluir a figura do intermediário (cf. supra, II-2), assinalando-se na respetiva sede preambular que «[e]m alguns casos, as pessoas que trabalham nas plataformas não têm uma relação contratual direta com a plataforma de trabalho digital, mas têm uma relação com um intermediário através do qual trabalham nas plataformas de trabalho digitais. Esta forma de organizar o trabalho nas plataformas digitais resulta frequentemente numa vasta série de relações diferentes e complexas entre várias partes, incluindo cadeias de subcontratação, bem como em responsabilidades pouco definidas entre a plataforma de trabalho digital e os intermediários. As pessoas que trabalham nas plataformas através de intermediários estão expostas aos mesmos riscos relacionados com a classificação incorreta do seu estatuto profissional e com os sistemas automatizados de monitorização ou tomada de decisões que as pessoas que trabalham diretamente para as plataformas de trabalho digitais» (cf. considerando 25).
Daí que neste instrumento da União (ainda sujeito a aprovação, nos termos referidos em II-2) se preveja que os Estados-Membros tomem as medidas adequadas para assegurar que, quando uma plataforma de trabalho digital recorre a intermediários, as pessoas que trabalham nas plataformas que têm uma relação contratual com um intermediário beneficiam do mesmo nível de proteção conferido pela presente diretiva que as pessoas que têm uma relação contratual direta com uma plataforma de trabalho digital, para o efeito adoptando medidas, em conformidade com o direito e as práticas nacionais, para estabelecer mecanismos adequados que incluam, se for caso disso, sistemas de responsabilidade solidária (artigo 3.º da Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, texto de compromisso final na perspetiva de um acordo, aprovado pelo Conselho, em 11 de março de 2024).
O que, aliás, o ordenamento jurídico português passou a consagrar com a Lei n.º 13/2023, quando no artigo 12.º-A, n.os 7 e 8, veio dispor que «[a] plataforma digital não pode estabelecer termos e condições de acesso à prestação de atividade, incluindo na gestão algorítmica, mais desfavoráveis ou de natureza discriminatória para os prestadores de atividade que estabeleçam uma relação direta com a plataforma, comparativamente com as regras e condições definidas para as pessoas singulares ou coletivas que atuem como intermediários da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores» (n.º 7) e que «[a]plataforma digital e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com estas se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelos créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, celebrado entre o trabalhador e a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital, pelos encargos sociais correspondentes e pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral relativos aos últimos três anos» (n.º 8).
3.4. Conforme já foi referido, o artigo 12.º-A, aditado ao Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, consagra uma presunção de laboralidade específica para os trabalhadores de plataformas digitais, que tem como finalidade essencial facilitar a qualificação do respetivo vínculo como um contrato de trabalho.
Trata-se de uma das medidas do compromisso que o legislador assumiu no sentido do combate à precariedade do vínculo dos trabalhadores que prestam atividade nas plataformas digitais, fenómeno que, atentos os números a que já fizemos referência (cf. supra, II-3), é recorrente neste setor da economia, promovendo-se, assim, a criação de condições que permitam superar a situação de desproteção em que muitos se encontram, fazendo com que o conceito de trabalho digno, mais do que uma designação inscrita nos textos normativos, seja um princípio fundamental efetivamente posto em prática.
À semelhança do que sucede com o mecanismo presuntivo previsto no artigo 12.º, a presunção legal consagrada no artigo 12.º-A opera mediante o preenchimento de alguns (pelo menos dois[62]) dos factos base elencados nas alíneas a) a f) do seu n.º 2 que, de acordo com as regras da experiência, correspondem aos que o legislador considerou serem elementos que mais frequentemente ocorrem nas relações de trabalho subordinado no âmbito da atividade em questão[63].
Não é este o lugar para a valoração crítica acerca do rigor técnico do texto do artigo 12.º-A, quando, em vez de elencar factos-índice, faz uso de conceitos jurídicos que definem a própria relação laboral cuja demonstração a norma visa assegurar através da presunção legal instituída e, muito menos, nos cabe ajuizar da opção que o legislador tomou relativamente à escolha dos critérios que, no seu entendimento, são materialmente reveladores da existência de um vínculo de subordinação jurídica, essência da relação laboral, base factual de que existe um contrato de trabalho.
Ainda assim, há que sinalizar o que, no essencial, a doutrina tem apontado a este respeito:
Segundo JOÃO LEAL AMADO, o preceito merece críticas quando nalgumas das suas alíneas, ao invés de se referir a elemento de facto indiciário do qual se infere a existência de um contrato de trabalho, o legislador alude ao exercício de “poder de direção” [alínea a)] e de “poder disciplinar” [alínea e)], por parte da plataforma digital, o que constitui uma autêntica petição de princípio, pois se para efeitos de uma presunção legal, nos termos do artigo 349.º do Código Civil, o prestador de atividade provar que a plataforma digital exerce sobre ele, tanto o poder de direção, como o poder disciplinar, não parece que tenha nada mais a provar para que o tribunal conclua que está perante um contrato de trabalho, não havendo aqui qualquer ilação a efetuar, conforme é suposto acontecer no regime da presunção legal.[64]
Por outro lado, para o mesmo autor também é de criticar o preceito pois não prevê a circunstância de o prestador não dispor, perante o cliente, de uma organização empresarial própria, encontrando-se inserido numa organização de trabalho alheia, o que é tanto mais relevante quanto se sabe que na própria noção legal de contrato de trabalho, constante do artigo 11.º do Código do Trabalho, o termo “direção” patronal, foi substituído pela ideia de inserção do trabalhador no “âmbito de organização” da entidade empregadora.
Estas observações são, no essencial, secundadas por TERESA COELHO MOREIRA[65], a qual, a propósito da redação da alínea c), questiona ainda se controlar e supervisionar em tempo real, nomeadamente através da gestão algorítmica, não bastaria, por si só, para fazer funcionar a presunção. Para esta autora, o legislador deveria ter tido mais cuidado ao redigir os referidos índices, denominados de características, até porque da forma como estão enunciados, mesmo que uma das apontadas alíneas esteja preenchida, tal não será suficiente pois devem verificar-se, pelo menos, duas características, para que a presunção opere. Segundo ainda a autora, não se consegue vislumbrar que, uma vez provada a existência de um poder de direção – alínea b) – e de um poder disciplinar – alínea e) – o tribunal não possa considerar estar perante um verdadeiro contrato de trabalho e não apenas uma presunção ilidível de que ele existe.
No mesmo sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ[66] assinala que, ao contrário do que sucede com o artigo 12.º, que recorre a termos neutros, sem conotação jurídica, para a presunção do artigo 12.º-A, n.º 1 são utilizados termos técnicos do direito do trabalho, podendo ler-se “retribuição” na alínea a), “poder de direção” na alínea b), “horário de trabalho” na alínea d), “sanções” na alínea e), “poderes laborais” e “poder disciplinar” na alínea e).
Por fim, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO[67] reforça ainda que na indicação dos indícios de laboralidade a norma confunde indícios de subordinação com elementos essenciais do contrato de trabalho, designadamente, quando se refere ao poder de direção e ao poder disciplinar, e, em compensação, não refere outros indícios de subordinação que poderiam ser úteis neste contexto, como as restrições impostas pela plataforma à organização própria do trabalhador e à possibilidade de ele constituir a sua base própria de clientes, o que apontaria para a sua autonomia.
Ideia também destacada por TERESA COELHO MOREIRA, para a qual no n.º 1 do artigo 12.º-A falta um índice/característica bastante importante que se traduz no facto de o prestador da atividade não dispor de uma atividade empresarial própria, mas sim, estar inserido numa alheia, até porque tem sido um critério valorizado pela jurisprudência de outros países[68], assim como pela própria redação do artigo 11º, n.º 2 do Código do Trabalho.
4. Como já foi dito, a presunção de laboralidade plasmada no artigo 12.º-A vem facilitar a qualificação do vínculo de prestador de atividade no âmbito de plataforma digital como um contrato de trabalho.
Para além de, no plano probatório, ter consagrado uma solução que assegura a tutela da parte mais vulnerável na relação jurídica com a plataforma digital (artigo 12.º-A, n.º 1), sendo invariavelmente o prestador de atividade quem tem maior dificuldade de fazer prova de que a relação é de contrato de trabalho[69], e de sancionar como contraordenação muito grave imputável ao empregador (seja ele a plataforma digital ou a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores que nela opere), a contratação da prestação de atividade, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado (artigo 12.º-A, n.º 10)[70], a Lei n.° 13/2023 veio ainda alterar o artigo 2.° da Lei n.° 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável à contraordenações laborais e de segurança social (RPCLSS), atribuindo à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) competência para o procedimento previsto no artigo 15.°-A do mesmo diploma, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nos termos do n.° 1 do artigo 12.°-A do Código do Trabalho, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal (artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do RPCLSS).
Ora, o procedimento previsto no artigo 15.º-A inscreve-se no âmbito do processo contraordenacional regulado pelo regime aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (RPCLSS), e tem inserção sistemática no complexo normativo dedicado à tramitação da fase administrativa do procedimento por contraordenação laboral (bem como por contraordenação de segurança social). Trata-se de um procedimento introduzido no referido regime pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que veio instituir «mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado», mais tarde alterada pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, e depois com a Lei n.º 13/2023, que estendeu os referidos mecanismos de combate às situações de contratação da prestação de atividade em plataforma digital, de forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho.
Por outro lado, em conexão com a referida norma do artigo 15.º-A, a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, alterou também o Código de Processo do Trabalho, introduzindo uma nova forma de processo especial, denominada ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, regulada nos artigos 186.º-K a 186.º-R e igualmente prevista no artigo 26.º, n.º 1, alínea i), do referido Código.
Este regime de tramitação processual sofreu alterações com a Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, que modificou o artigo 186.º-O, eliminando a diligência de audiência de partes destinada a conciliação (nova redação do n.º 1 e revogação do n.º 2), e identificando que a comunicação da sentença ao Instituto da Segurança Social, I.P., tem em vista a regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral fixada na decisão (n.º 9). Este diploma de 2017 também aditou ao Código de Processo do Trabalho o artigo 186.º-S, dedicado a uma nova figura – o procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspeção previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Posteriormente, a Lei n.º 107/2019, de 9 de setembro, veio alterar os artigos 186.º-K, 186.º-L, 186.º-N (com a redação dada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto), 186.º-O (com a redação dada pela Lei n.º 63/2013, de 27 e agosto e pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho), 186.º-Q (com a redação dada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto) e 186.º-S (aditado pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho). No essencial, a modificações que o diploma de 2019 introduziu nos refeitos preceitos do Código de Processo do Trabalho foram sobretudo de ordem formal, salvo no que diz respeito ao artigo 168.º-O, cujas alterações revestiram significado mais determinante no contexto da tramitação da ação em análise: assim, em relação ao n.º 7 do artigo 168.º-O, dedicado à sentença, substitui-se a indicação de que a mesma seria «logo ditada», pela previsão de que passaria a ser gravada e transcrita para a ata, em conformidade com o disposto nos artigos 68.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho e 155.º do Código de Processo Civil[71] (doravante, CPC); no que concerne ao n.º 9, este passou a incluir o trabalhador entre os destinatários da comunicação aí prevista e a indicar a finalidade visada com a comunicação que é feita à Segurança Social (com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral fixada na decisão).
Finalmente, a Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que aditou o artigo 12.º-A ao Código do Trabalho, veio alterar os artigos 2.º e 15º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (diploma que aprova o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social) e (apenas) o artigo 186.º-N (com a redação dada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto) do Código de Processo do Trabalho, cujo n.º 3 passou a determinar a notificação das testemunhas indicadas pelas partes, em lugar de estas as apresentarem em audiência.
Aqui chegados, e tendo por referência a versão atualmente em vigor, é o momento de apresentarmos o conjunto de normas que importa ter em atenção na análise do objeto do presente parecer, cujo texto passamos, pois, a reproduzir:
Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprova o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social:
«Artigo 2.º
Competência para o procedimento de contraordenações
1 — O procedimento das contraordenações abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente lei compete às seguintes autoridades administrativas:
a) À Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), quando estejam em causa contraordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima;
b) Ao Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), quando estejam em causa contraordenações praticadas no âmbito do sistema de segurança social.
2 — Sempre que se verifique uma situação de prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado ou a falta de comunicação do trabalhador na segurança social, qualquer uma das autoridades administrativas referidas no número anterior é competente para o procedimento das contraordenações por esse facto.
3 — A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente:
a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º -A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como
empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal; e
(…)».
«Artigo 15.º -A
Procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho
1 — Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.os 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 — O procedimento é imediatamente arquivado caso o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral, mas não dispensa a aplicação das contraordenações previstas no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 10 do artigo 12.º -A do Código do Trabalho.
3 — Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
4 — A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.»
Código de Processo do Trabalho
«Artigo 5.º-A
Legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público tem legitimidade ativa nas seguintes ações e procedimentos:
(…)
c) Ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e procedimentos cautelares de suspensão de despedimento regulados no artigo 186.º-S.»
«Artigo 26.º
Processos com natureza urgente e oficiosa
1 — Têm natureza urgente:
(…)
i) A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
(…)
6 — Na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação.»
«Capítulo VIII
Ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho
Artigo 186.º-K
Início do processo
1 — Após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
2 — Caso o Ministério Público tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação análoga à referida no n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, comunica-a à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no prazo de 20 dias, para instauração do procedimento previsto no artigo 15.º-A daquela lei.
Artigo 186.º-L
Petição inicial e contestação
1 — Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.
2 — O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias.
3 — A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentadas em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil.
4 — Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.
Artigo 186.º-M
Falta de contestação
Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.
Artigo 186.º-N
Termos posteriores aos articulados
1 — Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.
2 — A audiência final realiza-se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.os 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil.
3 — As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte indicar até três testemunhas a notificar nos termos do artigo 66.º.
Artigo 186.º-O
Julgamento
1 — O julgamento inicia-se com a produção das provas que ao caso couberem.
2 — (Revogado).
3 — Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou dos seus mandatários.
4 — Quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz.
5 — Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência, suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir-se dentro de 30 dias.
6 — Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.
7 — A sentença é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no artigo 155.º do Código de Processo Civil.
8 — A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.
9 — A decisão proferida é comunicada oficiosamente pelo tribunal ao trabalhador, à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P., com vista à regularização das contribuições desde a data de início da relação laboral fixada nos termos do número anterior.
Artigo 186.º-P
Recurso
Da decisão proferida nos termos do presente capítulo é sempre admissível recurso de apelação para a Relação, com efeito meramente devolutivo.
Artigo 186.º-Q
Valor da causa e responsabilidade pelo pagamento das custas
1 — Para efeitos de pagamento de custas, aplica-se à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.
2 — O valor da causa é sempre fixado a final pelo juiz tendo em conta a utilidade económica do pedido.
3 — Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho que admita o recurso.
4 — O trabalhador só pode ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer quantia a título de custas se, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 186.º-L, tiver apresentado articulado próprio e se houver decaimento.
Artigo 186.º-R
Prazos
Os prazos previstos no n.º 1 do artigo 337.º e no n.º 2 do artigo 387.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, contam-se a partir da decisão final transitada em julgado.
Artigo 186.º-S
Procedimento cautelar de suspensão de despedimento subsequente a auto de inspeção previsto no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009,
de 14 de setembro
1 — Sempre que o trabalhador tenha sido despedido entre a data de notificação do empregador do auto de inspeção a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, que presume a existência de contrato de trabalho e o trânsito em julgado da decisão judicial da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o Ministério Público intenta procedimento cautelar de suspensão de despedimento, nos termos da alínea c) do artigo 5.º-A deste Código.
2 — O Ministério Público, caso tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de despedimento na situação a que se refere o n.º 1 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, interpõe oficiosamente o procedimento cautelar.
3 — O disposto no número anterior é aplicável sempre que a pessoa ou pessoas a quem a atividade é prestada aleguem que o contrato que titula a referida atividade cessou, a qualquer título, durante o período referido no n.º 1.
4 — Caso o despedimento ocorra antes da receção da participação dos factos prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, o Ministério Público, até dois dias após o conhecimento da existência do despedimento, requer à ACT para, no prazo de cinco dias, remeter a referida participação, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos.
5 — Em tudo o que não seja regulado no presente artigo, é aplicável o regime previsto nos artigos 33.º-A a 40.º-A, com as necessárias adaptações.»
5. Como já se disse, o procedimento administrativo da competência da ACT, previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, e o processo judicial que consiste na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, sujeito à tramitação estabelecida nos artigos 186.º-K a 186.º-R do CPT, que regem a qualificação oficiosa do vínculo laboral presumido nos termos do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, foram introduzidos com a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, nascida com o propósito de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviço em relações de trabalho subordinado, a partir da matriz substantiva que o Código do Trabalho de 2009 acolhe, desde o seu início, na presunção de laboralidade do artigo 12.º[72].
A intervenção do Estado neste domínio assenta em razões de interesse público, que levam a que se proceda «a um escrutínio (e mesmo à punição) das situações em que se pretenda, de modo fraudulento, impedir a aplicação do regime laboral a uma relação jurídica que, substancialmente, tem as características de um contrato de trabalho» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/2015, de 3 de fevereiro de 2015[73]).
Acresce ainda a prossecução de outro interesse da sociedade, no seu conjunto, pois como assinala ALBERTINA PEREIRA[74]:
«[O] Estado, por essa via, se vê impedido de cobrar as devidas contribuições à segurança social, bem como os pertinentes impostos, com os inerentes prejuízos no que toca, quer à sustentabilidade do próprio sistema de segurança social, quer à salvaguarda do bem comum. Tal situação consubstancia também uma modalidade de concorrência desleal entre empresas, pois que ao invés das outras que cumprem tais obrigações, não suportam as prevaricadoras os encargos referentes aos trabalhadores subordinados, como são os relativos a férias, feriados e demais acréscimos retributivos, indemnizações ou compensações pela cessação do contrato, prémios de seguros e os demais encargos devidos pela implementação das medidas de segurança e saúde no trabalho».
De todo o modo, como reforça ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, «[o]ponto central a considerar é que a dissimulação do contrato de trabalho redunda na inaplicação em concreto das normas laborais, na neutralização da sua efetividade, o que não pode deixar de considerar-se lesivo do interesse público».[75]
Focando-nos agora nos mecanismos instituídos para o trabalho nas plataformas digitais, diremos que, numa primeira fase – a fase administrativa – coexistem dois procedimentos que, embora legitimados pela prossecução dos mesmos interesses, já identificados, e seguindo uma tramitação conexa, pertencente ao universo processual dedicado às contraordenações, servem, todavia, finalidades, quer materiais, quer adjetivas, diversas.
Assim, temos, por um lado, o procedimento contraordenacional, destinado a apurar e sancionar a responsabilidade pela infração tipificada no artigo 12.º-A, n.º 10, do Código do Trabalho, ou seja, a contratação da prestação de atividade em plataforma digital, de forma aparentemente autónoma, em condições caraterísticas de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao Estado ou ao trabalhador, punida como contraordenação muito grave e, em caso de reincidência, cominada ainda com as sanções acessórias previstas no n.º 11 da mesma norma.
Contraordenação que, conforme determina o artigo 12.º-A, n.º 10, é imputável ao empregador, seja ele a plataforma digital ou a pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores.
Procedimento contraordenacional para o qual ambas as autoridades administrativas – a ACT e o ISS, I. P. – têm, nessa fase, competência, nos termos previstos no artigo 2.º, n.º 2, do RPCLSS, com referência ao n.º 1 do mesmo preceito, cabendo a decisão do processo ao inspetor-geral da ACT, quando o respetivo procedimento tiver sido realizado pela ACT, e ao conselho diretivo do ISS, I. P., quando tiver sido realizado pelo ISS, I. P. (artigo 3.º, n.º 2 do RPCLSS)[76].
Por outro lado, temos o procedimento inspetivo previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, destinado aos casos de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho, o qual é da competência exclusiva da ACT, que o deve instaurar sempre que numa situação de prestação de atividade contratada por forma aparentemente autónoma se verifique a existência de caraterísticas de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
Sendo esta a vertente a que dedicaremos atenção, enquanto etapa prévia de uma ação que se inicia a juízo com a participação dos factos que foram objeto da atividade inspetiva que a ACT desenvolveu no referido procedimento.
Para além da instauração oficiosa e do óbvio impulso que cumpre ao ISS, I. P., assegurar, comunicando à ACT os processos contraordenacionais a que deu início, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do RPCLSS[77], e do pedido de intervenção inspetiva submetido por qualquer interessado, o trabalhador, que tem sempre a possibilidade de optar pela ação de processo comum para ver reconhecido o seu vínculo laboral e satisfeitas outras pretensões, mormente de natureza patrimonial, pode, em alternativa, suscitar a intervenção ao «participar à ACT que, na sequência dessa queixa, caso verifique que a situação se enquadra nos pressupostos previstos no artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, dará seguimento à mesma no sentido de ser proposta a competente ação»[78].
De notar, ainda, que, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 186.º-K do CPT, o Ministério Público, quando tenha conhecimento, por qualquer meio, da existência de uma situação análoga à referida no n.º 3 do artigo 2.º do RPCLSS, comunica-a à ACT, no prazo de 20 dias, para instauração do procedimento previsto no artigo 15.º-A do mesmo diploma.
No âmbito da sua atuação, a ACT, serviço integrado na administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que desenvolve a sua ação inspetiva no âmbito de poderes de autoridade pública[79], encontra-se vinculada ao concreto procedimento formal estabelecido no artigo 15.º-A, o qual é caracterizado por uma tramitação simples e orientada pela celeridade, sobressaindo, nesse contexto, os curtos prazos – de 10 e 5 dias – que a norma prevê (cf. n.os 1 e 3).
Segundo o figurino descrito no artigo 15.º-A, caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º-A do Código do Trabalho (ou no artigo 12.º), elabora um auto – auto de inspeção, conforme é designado pelo n.º 1 do artigo 186.º-S do CPT, ou auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade no âmbito de plataforma digital, conforme, na prática, a ACT o tem identificado (sendo como tal notificado ao “empregador”) – em que, além do mais, descreve os factos integradores dos indícios de laboralidade que considera ter verificado[80], tendo por referência as características enumeradas nas alíneas do n.º 1 do artigo 15.º-A do Código do Trabalho[81]. Verificação que naturalmente impõe exigência e rigor na análise das situações e na recolha dos correspondentes meios de prova, conferindo-se também um mais elevado grau de segurança quanto ao resultado da apreciação da ACT, traduzido no procedimento inspectivo»[82]. Sem esquecer, ainda, que o resultado dessa apreciação inspetiva deve, a final, apresentar-se sustentado em elementos que objetivamente se revelem aptos à função probatória que lhes cumpre assegurar na ação judicial.
Lavrado o auto, o inspetor do trabalho notifica o “empregador” (rectius, o beneficiário da atividade[83]) para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do trabalhador, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente (artigo 15.º-A, n.º 1). A prova de que regularizou faz-se, designadamente, mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da sua existência, reportada à data do início da relação laboral.
Importa aqui destacar a importância do auto e da sua notificação ao “empregador”, no contexto do procedimento descrito no artigo 15.º-A, uma vez que é com essa notificação que se assegura o contraditório.
No caso em que o “empregador” faça prova da regularização da situação do trabalhador, o procedimento é imediatamente arquivado. Consequência extintiva que, todavia, não se estende ao procedimento contraordenacional, que se mantém, se bem que o início da instância na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT) venha a ter como efeito a suspensão do mesmo procedimento até ao trânsito em julgado da sentença (cf. artigo 15.º-A, n.º 2).
Para além da relevância que reveste, quer para o exercício do contraditório, quer para a eventual regularização voluntária do vínculo, a notificação do auto de inspeção é ainda elemento temporal integrante da previsão contida no n.º 1 do artigo 186.º-S do CPT[84], nos termos da qual, se o trabalhador tiver sido despedido entre a data da referida notificação e o trânsito em julgado da ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho, o Ministério Público intenta oficiosamente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no exercício da competência própria que lhe é atribuída pela alínea c) do artigo 5.º-A do CPT.
6. A propositura, pelo Ministério Público, da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é independente da vontade ou consentimento do trabalhador, o qual, aliás, só tem intervenção no processo numa fase adiantada da tramitação, após a apresentação dos articulados pelo Ministério Público e pelo empregador, com a notificação da data de julgamento e, simultaneamente, com a advertência expressa de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (cf. artigo 186.º-L, n.º 4 do CPT).
O Ministério Público tem legitimidade ativa nesta ação (artigo 5º-A, alínea c), do CPT), sendo, portanto, parte principal no processo. Não patrocina o trabalhador (artigo 7.º, alínea b), do CPT), como também não atua na veste de representante do Estado (artigo 7.º, alínea a), do CPT).
Não se trata, pois, de uma intervenção em representação do Estado ou de qualquer outra pessoa ou entidade, nem do exercício do patrocínio judiciário de quem quer que seja. A intervenção do Ministério Público é oficiosa, no sentido de que é exercida em nome próprio, e não a solicitação de qualquer pessoa ou entidade. Quando intenta a ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho, como nas demais intervenções oficiosas legalmente previstas, é o Ministério Público o autor, o sujeito ativo da relação jurídica processual.
Em suma, tendo por base uma competência que lhe foi especificamente atribuída pela lei, o Ministério Público atua aqui em nome próprio, a título principal e como parte ativa, na prossecução de um interesse público, no sentido de um interesse geral da comunidade, “com vista à «defesa da legalidade» e ao «combate à precariedade», fruto das «situações de trabalho dependente dissimulado», nomeadamente através dos «falsos recibos verdes»”[85], na prossecução dos valores inerentes ao trabalho digno, fazendo prevalecer a verdade na tutela das relações jurídicas, de modo a que nenhum vínculo que realmente revista natureza laboral fique à margem do direito do trabalho, deixando desprotegida a parte mais vulnerável da relação.
Neste contexto, conforme dispõe o artigo 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, «[a]o Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática».
Por seu turno, segundo o n.º 2 da mesma norma constitucional, «[o] Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei».
O artigo 2.º do Estatuto do Ministério Público apresenta-nos uma definição que constitui praticamente a reprodução do texto constitucional, ao estabelecer que «[o] Ministério Público representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do presente Estatuto e da Lei».
O artigo 4.º do mesmo Estatuto, dedicado às suas atribuições, num elenco de competências que enuncia em dezoito alíneas do seu n.º 1, dispõe nas alíneas a), m) e r), que compete, especialmente, ao Ministério Público:
«a) Defender a legalidade democrática;
(…)
m) Intervir nos processos de insolvência e afins, bem como em todos os que envolvam interesses públicos;
(…)
r) Exercer as demais funções conferidas por lei».
A defesa da lei é imanente a todas as atribuições que estão cometidas ao Ministério Público.
Ora, a menção autonomizada, na alínea a), à defesa da legalidade democrática «“significa a exigência de que, pelo menos em determinados âmbitos (...) ao Ministério Público – ainda que não deva intervir a qualquer outro título – seja aberto o espaço para a promoção processual em puro favor da legalidade” (Miranda, J.; Medeiros, R., Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 219.º, pp. 236-237). (…) Incumbindo ao Ministério Público a defesa da legalidade, de acordo com critérios de objetividade, torna-se necessário que o regime adjetivo ordinário propicie os meios processuais indispensáveis à prossecução de tal objetivo».[86]
Pela norma da alínea m), «o Ministério Público fica habilitado a intervir em qualquer processo que envolva interesse público», sendo que a referência aos processos de insolvência e afins «ilustra o tipo de acção em que, não existindo necessariamente pessoas que ao Ministério Público cumpra representar, se impõe a sua intervenção em homenagem a valores que podem circunscrever-se à segurança do comércio jurídico e à paz cívica».[87]
Por sua vez, pela norma da alínea r) podem ser atribuídas outras competências ao Ministério Público, dentro do critério de escopo institucional que resulta da Constituição e do artigo 2.º do Estatuto, entendendo-se que «[a] tendência é para que esta cláusula aberta, demarcando um espaço em que se postulam intervenções de interesse público, seja o embrião de futuras competências explícitas» que o Estatuto venha a absorver.[88]
Se o artigo 4.º determina a competência do Ministério Público, os artigos 9.º e 10.º do Estatuto definem a que título intervém em juízo – se a título principal, se a título acessório – estabelecendo-se no n.º 1 do artigo 9.º, alíneas a), e) e g), que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos:
«a) Quando representa o Estado;
(…)
e) Quando exerce o patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de caráter social;
(…)
g) Nos demais casos em que a lei lhe atribua competência para intervir nessa qualidade».
A competência do Ministério Público para intervir a título principal e em nome próprio nas ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alíneas a), m) e r), e nos termos previstos no artigo 9.º, n.º 1, alínea g), do respetivo Estatuto, é atribuída pelo artigo 5.º-A, alínea c), do CPT[89] e resulta ainda do preceituado nos artigos 15.º-A, n.º 3 do RPCLSS, 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L do CPT[90].
Não sendo caso único no nosso ordenamento jurídico (nem tão-pouco no domínio da jurisdição laboral), regista-se aqui que existem diversos preceitos legais que atribuem, direta e autonomamente, ao Ministério Público, competência específica para, na prossecução do interesse público, desencadear determinadas atuações jurisdicionais, com reflexo na esfera jurídica dos particulares.
Conforme assinala CARLOS LOPES DO REGO, «trata-se, pois, da atuação de uma competência específica, fundada em norma especial, que apenas permite ao Ministério Público intentar determinada ação quando se verifiquem os pressupostos legalmente definidos (caráter taxativo das intervenções oficiosas)».[91]
Continuando a acompanhar este autor:
«Tal poder de atuação vem, por outro lado, conferido direta e autonomamente ao Ministério Público, sem a interposição de qualquer entidade administrativa em cuja esfera jurídica se situe o direito exercido através da ação. Não se trata, deste modo, de mera atuação em juízo de direitos ou faculdades pertencentes a entidades públicas, a solicitação dos respetivos órgãos dirigentes e no patrocínio ou representação judiciária daquelas – mas antes de exercer um verdadeiro poder de intervenção em relações jurídico-privadas, que o ordenamento jurídico, em certas circunstâncias, reserva ao Estado-Coletividade. Este vai, pois, atuar, através do Ministério Público, como verdadeiro substituto processual, solicitando uma providência jurisdicional com reflexo na esfera dos particulares, mas com vista à realização direta de certo interesse público».[92]
O fundamento da atuação processual que agora nos ocupa radica na defesa e na promoção jurisdicional do interesse público da comunidade, de um interesse que o legislador considera especialmente relevante para a mesma. Daí que cometa ao Ministério Público a promoção da sua defesa em juízo.
Importa ainda sublinhar que o Ministério Público, nesta área de intervenção, atuará se e na medida em que exista norma que, para tanto, lhe atribua tal legitimidade. Trata-se, por conseguinte, do exercício de uma competência prevista na lei, que lhe fixará o objeto e limites.
Ou seja, a atuação do Ministério Público no domínio da intervenção oficiosa terá de se reportar à propositura de providências judiciais específicas, definidas pela norma atribuidora de competência e revestindo, portanto, caráter taxativo.
São, pois, como refere ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, «intervenções especificadas na lei», para quem esta é uma questão «de competência, ou legitimidade representativa», competência que depende de atribuição operada pela lei, «[p]or forma que o Estado só intervirá quando a lei o permitir. Assim se evitam intromissões abusivas e arbitrárias pouco controláveis».[93]
No mesmo sentido, CARLOS LOPES DO REGO sustenta que a intervenção principal do Ministério Público neste âmbito depende «de uma específica previsão normativa». Salientando tratar-se «da atuação de uma competência específica, fundada em norma especial, que apenas permite ao Ministério Público intentar determinada ação quando se verifiquem os pressupostos legalmente definidos (caráter taxativo das intervenções oficiosas)».[94]
Também no parecer n.º 21/1990, de 10 de maio de 1990, deste Conselho Consultivo, se examina «o poder de agir em defesa da legalidade democrática» a exercer pelo Ministério Público nos tribunais.[95]
Sendo «indubitável que o Ministério Público deve pautar a ação que desenvolve com respeito pela legalidade democrática», afirma-se ali que «isso não significa que lhe assista, em regra, legitimidade/competência para intervir judicialmente como parte principal sempre que se lhe afigure a violação daquela legalidade».
A intervenção processual do Ministério Público em defesa da legalidade democrática ou do interesse público depende da existência de quadro legal que o "determine e dimensione”, como se considera no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 182/85, de 17 de outubro de 1985.[96]
Entendimento que se encontra também presente nos pareceres deste Conselho Consultivo n.os 131/2001[97], 10/2007[98] e 38/2009[99], tendo sido reafirmado no parecer n.º 5/2014[100].
IV
1. Conforme acima se deixou exposto, a legitimação outorgada ao Ministério Público no artigo 5.º-A, alínea c), do CPT, encontra arrimo no papel que a Constituição e o Estatuto lhe cometem, de defesa da legalidade e de prossecução do interesse público, concretizado nas finalidades descritas de combate à precariedade resultante das situações de trabalho dependente dissimulado, prestado em plataformas digitais, e de promoção dos valores fundamentais inerentes ao trabalho digno, nestas novas formas de atividade laboral.
Na senda do que se sustenta nos pareceres e jurisprudência a que nos referimos, a existência de um quadro legal habilitante não só é necessária para que o Ministério Público disponha de legitimidade para intervir, propondo em juízo a pertinente ação, como é essencial para a fixação do objeto e limites da sua intervenção.
O que, transpondo para a matéria aqui em análise, significa que a iniciativa processual do Ministério Público apenas tem lugar na hipótese prevista na lei, ou seja, quando for precedida do procedimento administrativo regulado no artigo 15.º-A do RPCLSS, em que, tendo verificado a existência de características de contrato de trabalho numa situação de prestação de atividade em plataforma digital, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, e na falta de regularização da situação pela (plataforma) beneficiária da atividade, a ACT remeteu participação dos factos ao Ministério Público para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência do correspondente contrato de trabalho.
Trata-se de uma ação declarativa que segue a forma de processo especial prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-Q do CPT (cf. ainda o artigo 48.º do mesmo diploma), reveste natureza urgente e oficiosa (artigo 26.º, n.º 1, alínea i), do CPT)[101], apontando-se-lhe ainda o cariz publicista que resulta da intervenção da ACT no procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, sendo o escopo desta ação de índole marcadamente pública[102].
Como já foi dito, esta ação especial tem, em primeira linha, em vista a prossecução de um interesse público consubstanciado «[n]a defesa da legalidade, através do combate à utilização fraudulenta do contrato de prestação de serviço (ou de outros, afins) para titular situações de prestação subordinada de atividade»[103], o que, no fundo, se reconduz à ideia, também já analisada, de que «[a] intervenção do Estado neste âmbito tem subjacentes razões de interesse público, visando fundamentalmente a prossecução de interesses coletivos para defesa da legalidade democrática»[104].
Finalmente, quanto ao seu objeto imediato ou tipo de pretensão que tem por fim satisfazer, trata-se de uma ação de simples apreciação positiva que, segundo os termos descritos no artigo 10.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil, visa unicamente obter a declaração de existência de um direito (ou melhor, de uma relação jurídica), sendo (apenas) a isso que se reconduzem o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e a fixação da data do seu início, a decidir na sentença prevista para o processo, quando o desfecho for o da procedência da pretensão deduzida pelo Ministério Público (cf. artigo 186.º-O, n.º 8, do CPT).
A este respeito, a jurisprudência tem entendido que, tratando-se de uma ação com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente e, caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho, fixar a data do início da relação laboral, ficam fora da discussão todas as questões que não estejam relacionadas com a qualificação do vínculo e a determinação temporal do início da relação.
Se a ação for julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, está, então, aberto o caminho para se poder, eventualmente, discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como, por exemplo, a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador, o mesmo se dizendo quanto às consequências da eventual nulidade do contrato, que só faz sentido discutir caso se chegue à conclusão de que se está perante uma relação laboral.
Concluindo, assim, a referida jurisprudência que a discussão de todas estas questões só poderá ter lugar a jusante da primeira etapa, dedicada à qualificação do vínculo.[105]
Pois bem.
2. Segundo dispõe o artigo 26.º, n.º 6, do CPT, na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação.
Por sua vez, de acordo com preceituado no artigo 186.º-K, n.º 1, do mesmo diploma, após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro (RPCLSS), o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Ora, conforme acima deixámos exposto, a iniciativa processual do Ministério Público, mediante a propositura da ARECT, nos termos previstos no artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, apenas pode ter lugar quando for precedida do procedimento administrativo previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, sendo, pois, por ele desencadeada e ficando dependente da sua existência para que processualmente se torne uma realidade e siga a respetiva tramitação em juízo. A fase judicial, sob o impulso do Ministério Público, que atua em nome próprio, nos moldes e pelos fundamentos já descritos, assenta na prévia realização da fase administrativa, nos casos em que esta culmina na elaboração, pela ACT, da participação que é remetida aos serviços do Mistério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação do reconhecimento da existência de contrato de trabalho (artigo 15.º-A, n.º 3 do RPCLSS).
No âmbito da tramitação que a lei prevê para a referida fase administrativa, destaca-se, conforme já referido, a importância do auto de inspeção (ou «auto por inadequação do vínculo que titula a prestação de atividade», como, na prática, a ACT o designa) e da sua notificação ao “empregador”, no contexto do procedimento descrito no artigo 15.º-A, uma vez que é com essa notificação que se assegura o direito ao contraditório, constitucionalmente garantido[106], sendo também com a mesma notificação que se dá a oportunidade ao beneficiário da atividade (“empregador”) para regularizar a situação do trabalhador e assim pôr termo ao procedimento, evitando que contra ele seja instaurada uma ação em tribunal.
Também já foi dito que, para além da relevância que reveste, quer para o exercício do contraditório, quer para a eventual regularização voluntária do vínculo, a notificação do auto de inspeção é ainda elemento temporal integrante da previsão contida no artigo 186.º-S, n.º 1 do CPT, nos termos da qual, se o trabalhador tiver sido despedido entre a data da referida notificação e o trânsito em julgado da ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho, o Ministério Público intenta oficiosamente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no exercício da competência própria que lhe é atribuída pela alínea c) do artigo 5.º-A do CPT.
Assim, sem a participação da ACT não há sequer início da instância jurisdicional nem, por conseguinte, legitimação do Ministério Público para agir em nome próprio e propor a ARECT.
Por outro lado, a hipótese de uma participação da ACT remetida a juízo que não seja suportada por um procedimento administrativo ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A do RPCLSS, porque, pura e simplesmente, o procedimento não existiu, é sinónimo de que foi omitido um pressuposto especial da ação, um pressuposto processual inominado cuja falta configura uma exceção dilatória atípica, nos termos dos artigos 576.º, n.os 1 e 2 e 278.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC.
A propósito de uma figura inominada com contornos que revelam pontos de similitude com os que caracterizam o instituto ora em análise (embora não esteja em causa o mesmo tipo de lide), diz-nos ANSELMO DE CASTRO que «[h]á ainda situações litigiosas, sobretudo questões em que entram em jogo interesses do Estado, em que se impõe como necessário o recurso a outras vias, antes da propositura da acção, isto é, antes de se proceder à solução jurisdicional do conflito. Também aqui o recurso a essas outras vias, funcionará como pressuposto especial da acção».[107]
Pressuposto processual que, como salientam CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, diz respeito a qualquer requisito «de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante», na falta do qual «o juiz só pode e deve declarar isso mesmo, abstendo-se de estatuir sobre o mérito»[108].
Segundo MANUEL DE ANDRADE, os pressupostos «condicionam a admissibilidade do processo e, portanto, o conhecimento do mérito», sendo positivos aqueles que têm de estar preenchidos para que a decisão de mérito seja admissível e que, quando em falta, constituem uma exceção dilatória. Isto nos termos previstos nos artigos 576.º, n.os 1 e 2, e 577.º do atual CPC. Perante uma exceção dilatória, o juiz deve recusar ocupar-se do mérito da causa e, em regra, deve absolver o réu da instância. A generalidade das exceções dilatórias é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 578.º do CPC, o que se verifica mesmo em relação àquelas que não constam da enumeração do artigo 577.º do CPC, que não é taxativa.[109]
Estaremos perante uma exceção inominada de conhecimento oficioso que, pelas características que reveste, não é suscetível de sanação (desde logo, porque se a exceção se refere a uma fase procedimental de natureza administrativa que se encontra encerrada e sem que se divise qualquer viabilidade lógica ou prática, nem apoio legal, de a ela se “retornar” para sanação da falta verificada, realizando toda uma tramitação que foi preterida no seu tempo próprio) e conduz à absolvição da instância, absolvição essa que, sendo uma decisão que versa sobre matéria processual, produz apenas caso julgado formal, nos termos previstos no artigo 620.º, n.º 1, do CPC.
Ademais, a notificação da entidade beneficiária da atividade para regularizar a situação, nos termos do artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, na medida em que constitui um dos elementos integrantes do contraditório previsto na referida norma, sem o qual não é legítimo concluir que esta disposição legal imperativa foi cumprida em todos os seus aspetos essenciais, consiste num requisito que condiciona a admissibilidade do processo de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e, por conseguinte, o conhecimento do mérito da ação, sendo, portanto, um pressuposto processual para a sua instauração.
Diferentemente do que sucede com a ausência de procedimento administrativo nos termos do artigo 15.º-A do RPCLSS, a omissão de notificação para regularização voluntária da situação situa-se no que o Acórdão da Relação do Porto, de 22 de janeiro de 2021[110] diz ser o plano de uma invalidade ocorrida na fase meramente administrativa, que leve a considerar não ser possível vir a conhecer de mérito no processo de natureza cível que é o da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Neste contexto, segundo se sustenta no aludido aresto, para se poder falar de invalidade que obsta ao conhecimento do mérito da ARECT, impõe-se que o exercício do contraditório previsto no artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS tenha sido, senão impedido, pelo menos perturbado de forma relevante, constrangendo o seu exercício na fase administrativa, ao ponto de afetar o valor do ato praticado e influído na participação remetida a juízo e subsequente petição inicial com que o Ministério Público veio propor a ação. Verificando-se, por conseguinte, em tais casos, uma preterição de formalidades legais que consubstancia irregularidade, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal[111] (aplicável pela via subsidiária prevista no artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, para a qual remete o artigo 60.º do RPCLSS), e que determina a invalidade da participação que a ACT elaborou e remeteu aos serviços do Ministério Público.
Assim, liminarmente falando, a resposta à primeira questão da presente consulta não pode deixar de ser afirmativa, ou seja, que a notificação da entidade beneficiária da atividade para regularizar a situação, nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, constitui um verdadeiro pressuposto processual para instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Acontece que o objeto da questão, embora sob uma aparente simplicidade, envolve outras dimensões que requerem que a abordagem se faça com um alcance reforçado, por forma a que a problemática subjacente, nascida da prática judiciária, seja efetivamente analisada em toda a extensão exigida pelo tema da presente consulta.
2.1. Ao que nos é dado a conhecer pelo teor das informações que servem de suporte à decisão que determinou a intervenção deste órgão consultivo[112], a questão suscitada a propósito da notificação da entidade beneficiária da atividade inscreve-se no âmbito de um problema maior que é, por assim dizer, transversal ao conjunto de matérias que, no domínio do trabalho em plataforma digital, tem suscitado maior debate, no qual, de resto, também entroncam as questões n.os 2, 3 e 5 da presente consulta.
Pelos seus termos inovadores, face à matriz presuntiva que, em 2009, o Código do Trabalho acolheu no artigo 12.º, esta é uma das vertentes do novo regime jurídico que mais sobressai no artigo 12.º-A, em resultado de aí ter sido introduzido um terceiro elemento na relação cuja qualificação se discute e que a norma define como a pessoa singular ou coletiva que atua como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores (artigo 12.º-A, n.os 5 e 6).
Assim, no essencial, segundo se informa nos elementos de suporte referidos, o problema mais premente nas ARECT que têm por objeto a qualificação da prestação de atividade em plataforma digital, tem lugar quando a relação não se circunscreve apenas ao prestador da atividade e ao detentor da plataforma, existindo ainda um intermediário, que é quem muitas vezes paga a remuneração ao primeiro. Nestes casos, informa-se ainda que é frequente a participação ser remetida pela ACT sem que o intermediário tenha sido notificado. Ora, se o artigo 12.°-A do Código do Trabalho cria uma presunção de laboralidade entre o estafeta (o prestador de atividade) e o detentor da plataforma digital, importa não esquecer que estamos perante uma presunção iuris tantum, nos termos do artigo 350.º do Código Civil, que, consequentemente, admite prova em contrário. O artigo 12.°-A veio afastar o intermediário da presunção de laboralidade do n.º 1, ficando esta circunscrita à plataforma digital e ao prestador de atividade. Contudo, a figura do intermediário existe de facto e nos n.os 5 e 6 da mesma norma o legislador reconhece que a relação laboral pode ser triangular, cabendo ao tribunal determinar quem, efetivamente, é o empregador.
Donde, uma parte dos magistrados do Ministério Público na jurisdição laboral, reconhecendo a importância de o intermediário ser também demandado no âmbito da ARECT, tem entendido que, caracterizando-se essas ações por uma tramitação muito simplificada e tendo sempre subjacente o procedimento prévio previsto no artigo 15.°-A do RPCLSS, exigindo uma atuação da ACT, nos casos em que as participações remetidas por esta entidade descrevem uma relação triangular (plataforma digital – intermediário que paga ao prestador de atividade – prestador de atividade), foram as mesmas devolvidas sem instauração da ação (nem registo e entrada da participação em juízo) para que , entre outros aspetos, a ACT confirmasse se o intermediário se encontra registado como parceiro de frota da sociedade detentora da plataforma digital, juntasse o contrato que o trabalhador celebrou com o intermediário, apurasse a percentagem do valor da comissão do estafeta (prestador de atividade) que o intermediário retém, juntasse cópia dos recibos emitidos pelo trabalhador relativos ao valor que lhe foi pago pelo intermediário e procedesse à notificação deste, nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 3, e 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS.
Vejamos.
Conforme anteriormente referimos, o artigo 12.º-A do Código do Trabalho foi objeto de modificação durante o processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei n.º 13/2023.
Processo esse cujas etapas que merecem destaque neste parecer já foram identificadas em III-2, onde demos conta das diversas alterações que foram sendo propostas para o texto do artigo 12.º-A, até à sua versão final, adotada pelo Parlamento em fevereiro de 2023.
Ora, as sucessivas versões que o preceito teve ao longo desse processo e o resultado alcançado com a adoção do texto em vigência, naquilo que o seu teor literal nos fornece, são, à luz dos critérios interpretativos plasmados no artigo 9.º do Código Civil, relevantes e, em concreto, suficientes, para se poder concluir de forma segura quanto ao sentido a dar às normas que preveem o intermediário que opera em plataforma digital e ao modo como atua o mecanismo presuntivo aplicável à qualificação da sua relação com o prestador de atividade.
Quanto ao elemento literal (“a letra da lei” – artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), é de referir que a formulação do texto do artigo 12.º-A, em particular dos números diretamente implicados com o tema em análise (n.os 1, 4, 5 e 6) , apresenta regular clareza quanto à opção do legislador pela secundarização da figura do intermediário, surgindo, assim, na presunção ditada pelo preceito, numa posição subsidiária face à plataforma digital.
Quanto ao elemento histórico, (“as circunstâncias em que a lei foi elaborada” – artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), temos presente o que nos diz J. BATISTA MACHADO quando, a propósito dos trabalhos preparatórios, detalha que «[m]uitas vezes, o cotejo da fórmula finalmente adoptada e promulgada como lei com as fórmulas propostas nos projetos, nas emendas, proposta, etc., é de grande valia para definir a atitude final e a opção do legislador, servindo, assim, para afastar interpretações que se devem considerar rejeitadas (pelo mesmo legislador) justamente pelo facto de ele ter alterado a fórmula do projeto, ter recusado a sua adesão a uma proposta de emenda ou ter considerado impertinente uma crítica movida ao texto submetido a aprovação».[113]
Assim, atendendo a todas as vicissitudes por que passou o (longo) processo legislativo em questão e às diversas versões que nele se sucederam, variando sempre na solução dada à figura do intermediário e à sua relação com o prestador de atividade, é de concluir que a história da elaboração do preceito vem confirmar o que nos comunica o seu texto, sustentando, desse modo, o que expressamente afirma a doutrina referida em III-3.1., ou seja:
Que o artigo 12.º-A prevê, em primeira linha, a existência de uma relação de trabalho entre o prestador de atividade e a plataforma digital (n.º 1), mas admite que o sujeito dessa relação contratual seja, não a plataforma, mas a pessoa singular ou coletiva que nela opere, atuando como intermediário para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores (n.os 5 e 6).[114]
Que a presunção do n.º 1 do artigo 12.º-A se estabelece entre a plataforma digital e o prestador de atividade que nela opera.
Que a figura do intermediário não desaparece totalmente do artigo 12.º-A, surgindo no seu n.º 5, mas apenas a título subsidiário, como um meio de a plataforma digital tentar ilidir a presunção que, nos termos do n.º 1, opera em relação a ela.
Que surge no n.º 6, onde se prevê o caso em que o prestador de atividade alega que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital.
Que o n.º 6 estabelece também que, em ambas as hipóteses – quando invocada pela plataforma digital ou por alegação do prestador de atividade – cabe ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora, aplicando para o efeito o regime da presunção prevista no n.º 1 e o comando do n.º 3, no sentido de que essa determinação se faz independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico (n.º 3).[115]
Como já foi dito (III-3.2.), a presunção legal juris tantum consagrada no artigo 12.º-A do Código do Trabalho (assim como a que consta do artigo 12.º), pertence à categoria mais restrita das presunções de direito, reservadas para os casos em que da base da presunção se infere, não um facto propriamente dito, mas a existência ou inexistência de um direito, relação ou estado jurídico.[116]
Com efeito, com a presunção de laboralidade fixada na referida norma conclui-se a existência de um negócio jurídico – o contrato de trabalho – ou, visto de uma outra perspetiva, uma relação jurídica – a relação de trabalho subordinado.
De todo o modo, obedecendo ao mesmo funcionamento da presunção de factos, regulada no artigo 350.º do Código Civil, quem alega uma situação jurídica presumida «carece de provar apenas o facto a que a presunção está ligada, a chamada base da presunção».[117] Operando-se a presunção, esta pode, todavia, ser ilidida mediante prova do contrário (“prova em contrário”), nos termos do artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil.
A presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (assim como do artigo 12.º) é ilidível através de prova do contrário (artigo 12.º-A, n.º 4 – “pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia”) e pode ser invalidada mediante outra presunção com a qual esteja em conflito (artigo 12.º-A, n.º 5 – a plataforma digital pode invocar que a atividade é prestada perante intermediário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1).
Nesta última hipótese, «deve ponderar-se a força das presunções em conflito e, de acordo com a mesma, decidir-se qual delas deve ser aplicada com preferência sobre as demais».[118]
Trata-se, como já foi dito, de um quadro que pode ter lugar no âmbito da presunção do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, precisamente quando o caso envolve a existência de intermediário e se suscitam factos-base da presunção de laboralidade, quer em relação a ele, quer em relação à plataforma digital.
Assim, de um lado, podemos ter duas ou mais características da relação que, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º-A, fazem presumir a existência de vínculo laboral com a plataforma digital; do outro, surgem alegadas pela plataforma, ou pelo prestador de atividade, duas ou mais caraterísticas da relação que, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, ex vi n.º 6 do mesmo normativo, fazem presumir a existência de vínculo laboral com o intermediário.
De todo o modo, sublinhamos de novo, é preciso não esquecer que o n.º 6 estabelece ainda que, em ambas as hipóteses – quando invocada pela plataforma digital ou quando alegada pelo prestador de atividade – cabe ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora, aplicando para o efeito o regime da presunção prevista no n.º 1, independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico (n.º 3).
Cumpre, pois, reter que, sendo a presunção do artigo 12.º-A, n.º 1 do Código do Trabalho aplicável à ARECT (cf. artigo 2.º, n.º 3, alínea a), do RPCLSS), e resultando claramente do artigo 12.º-A que a laboralidade que aí se presume convoca, em primeira linha, a plataforma digital como sujeito da relação, assumindo o intermediário uma posição subsidiária, nos termos já referidos, é de concluir que a “problemática do intermediário” e da “relação triangular” que parece existir nesse contexto, tal como vem indicada nos apontados elementos que acompanham o despacho de solicitação do presente parecer, não devem suscitar tantas dificuldades como as que têm sido identificadas por uma parte dos magistrados do Ministério Público na jurisdição laboral.
Expliquemos.
Conforme já se disse em passagens anteriores deste parecer, a ação de reconhecimento de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital tem subjacente o procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, no qual, se o inspetor do trabalho verificar, na relação entre a pessoa que presta a atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, e na falta de regularização da situação pelo presumido empregador (beneficiário da prestação), a ACT remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público para fins de instauração da referida ação.
Essa primeira fase (meramente administrativa), consiste apenas na recolha de indícios e no facultar a possibilidade de o beneficiário da atividade regularizar a situação ou dizer o que tiver por conveniente sobre os factos verificados pelo inspetor do trabalho, vertidos no auto de inspeção que lhe é notificado, sendo muito clara a tramitação que o artigo 15.º-A do RPCLSS estabelece para o procedimento: o inspetor do trabalho, perante indícios de características indicadas no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, lavra auto, que notifica ao beneficiário da atividade, e, depois, ocorre uma de duas hipóteses – ou é regularizada a situação e o procedimento é arquivado, ou a situação não é regularizada e é remetida participação aos serviços do Ministério Público para ser proposta a ação especial do foro laboral.
Remetida a participação acompanhada de todos os meios de prova recolhidos e constando da mesma a indicação dos factos verificados pela ACT que são subsumíveis no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho e suportam, assim, a presunção de existência de contrato de trabalho relativamente a quem, em primeira linha, surge previsto na norma mencionada – a plataforma digital –, então nada se afigura obstar a que o Ministério Público, no cumprimento do que constitucional e estatutariamente lhe incumbe, tendo em vista a defesa da lei e a prossecução do interesse público já referido, proponha a ARECT contra a plataforma digital, nos termos previstos nos artigos 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L do CPT.
A participação estribada na laboralidade presumida, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, com a indicação dos factos base dos quais a mesma se retira, acompanhada dos meios de prova que os suportam, no pressuposto de que tudo isto foi precedido da necessária fase administrativa em que a ACT observou a tramitação legal e cumpriu, assim, a notificação que lhe impõe o artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, fornece tudo quanto basta para que o Ministério Público instaure a referida ação especial de natureza urgente e oficiosa, ao abrigo da competência que lhe é outorgada pelo artigo 5.º-A, alínea c), do CPT.
A não ser nos casos em que tal tenha sido objeto de uma presunção de laboralidade devidamente participada pela ACT, em cumprimento do disposto no 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, nas restantes situações a lei não cometeu ao Ministério Público competência para, no âmbito de ARECT, sob a sua iniciativa processual e à margem de qualquer procedimento prévio, introduzir em juízo a temática do intermediário, demandando-o.
Por outro lado, encerrada a fase prévia da competência da ACT que, como já foi referido, integra o âmbito processual das contraordenações laborais e de segurança social, obedecendo ao regime respetivo, com as especificidades previstas no artigo 15.º-A do diploma atrás citado, e remetida que lhe foi a participação prevista no n.º 3 da mesma norma, não pode o Ministério Público devolver o correspondente expediente à autoridade administrativa para realização de diligências que modifiquem o objeto do procedimento, mormente introduzindo novos sujeitos destinatários da intervenção inspetiva não abrangidos pelo procedimento concluído e, como tal, ausentes da participação devolvida.
A este respeito há que recordar a doutrina do Parecer n.º 5/2020, deste Conselho Consultivo[119], transposta para a Diretiva n.º 4/21, emanada da Procuradoria-Geral da República, em 23 de setembro de 2021[120], da qual, com as devidas adaptações[121], se retira que, não estando aqui (apenas) em causa vícios sanáveis da participação ou do referido procedimento prévio[122], o Ministério Público, face à inexistência de indícios suficientes de características de contrato de trabalho nos termos do disposto no artigo 12.º-A, n.º 1 do Código do Trabalho, relativamente ao intermediário da plataforma digital, não pode ordenar à entidade administrativa a repetição ou a realização de novas diligências inspetivas de recolha de prova, nem pode devolver-lhe os autos para realização dessas diligências, uma vez que não existe qualquer relação de subordinação hierárquica entre a autoridade administrativa e o Ministério Público (cf. conclusões 11.ª e 16.ª do parecer).[123]
Isto sendo certo que é também óbvio que a hipótese identificada extravasa os limites do dever de colaborar com o Ministério Público, a que estão vinculadas todas as entidades públicas e privadas, facultando documentos e prestando informações e os esclarecimentos solicitados que a competência a exercer justifica (cf. artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público).[124]
Assim sendo, à questão, colocada na consulta, de saber se pode/deve o Ministério Público devolver os autos (participação e restante expediente que a acompanha) à ACT, para completar e/ou realizar diligências, a resposta é necessariamente negativa.
2.2. Na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação dos factos remetida pela ACT aos serviços do Ministério Público (artigos 26.º, n.º 6, do CPT, com referência ao artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS), momento a partir do qual também se inicia o prazo para o Ministério Público propor a referida ação (artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT).
Em relação à dinâmica processual subsequente ao recebimento da participação nos serviços do Ministério Público, subscreve-se o entendimento de que esse recebimento marca, não só o início da instância e o dies a quo do prazo para a propositura da ação, como ainda o começo da suspensão do procedimento contraordenacional, que só cessará com o trânsito em julgado da decisão (artigo 15.º-A, n.º 4, do RPCLSS).[125]
Por outro lado, da norma no artigo 26.º, n.º 6, do CPT resulta ainda o caráter imperativo de se proceder ao registo, distribuição e autuação como ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, assim que a participação dá entrada nos serviços do Ministério Público, impondo-se que, para o efeito, o magistrado providencie pela sua imediata e célere apresentação em juízo, remetendo-a à secretaria[126], sendo que, uma vez distribuído, o processo não terá de voltar aos serviços do Ministério Público, devendo aguardar na secção judicial a apresentação da petição inicial ou o decurso do prazo de 20 dias que a lei estabelece para a prática de tal ato (artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT). Isto sem prejuízo, claro está, da organização de dossiê administrativo[127] (DA), através do registo e autuação do expediente composto pela (cópia da) participação da ACT e elementos anexos, tendo em vista a instauração e acompanhamento da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Na consulta é questionado se, no seguimento do impulso da ACT, o Ministério Público está vinculado à instauração da ação ou se pode, em ponderação diversa, não a instaurar por entender que não estão reunidos os pressupostos para tal, designadamente, por não dispor de elementos demonstrativos da existência de contrato de trabalho ou por considerar que o prestador está vinculado ao intermediário e não à plataforma.
Quanto a esta matéria, é de considerar que o Ministério Público tem o dever de propor a ação sempre que, diante dos «elementos de prova até ao momento recolhidos» (artigo 186.º-L, n.º 1 do CPT), conclua pela viabilidade da mesma, devendo para tanto elaborar e apresentar, no prazo legalmente fixado, a petição inicial (artigos 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L, n.º 1, do CPT).
Quer isto dizer que, estando em causa a qualificação de uma relação que envolve atividade em plataforma digital e é subsumível na previsão legal do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, o Ministério Público deve dar concretização aos termos da participação da ACT, propondo a pertinente ação, sempre que os elementos recolhidos (em sede inspetiva e, se for o caso, também em sede complementar conduzida pelo Ministério Público, dentro do referido prazo de 20 dias), revelem aptidão para fazer operar a presunção do referido normativo, mediante a verificação de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas nas respetivas alíneas. Efeito presuntivo esse que, como já foi dito, se dirige, em primeira linha, à plataforma digital, sendo naturalmente em função da primazia assim ditada pelo referido comando legal que se desenvolve a ação inspetiva conduzida pela ACT, na fase prévia administrativa.
Se, pelo contrário, a participação da ACT e os elementos de prova que a acompanham não cumprem ou não revelam qualquer aptidão para cumprir as condições fixadas na norma em que se funda a «competência específica» do Ministério Público para intentar a ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho – ou seja, a existência de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, a suportar a presunção aí estabelecida –, num estado de coisas que se revela insuprível dentro dos limites ditados pela urgência da tramitação e pelo prazo imposto pelo n.º 3 do artigo 186.º-K do CPT, então é de concluir que não se verificam os pressupostos de defesa da legalidade e de prossecução do interesse público em que assenta tal competência e o inerente dever de o Ministério Público agir, propondo a referida ação.
Donde, e em reposta ao primeiro segmento da questão colocada, é de considerar que, não obstante o impulso da ACT, pode haver lugar a ponderação diversa pelo Ministério Público, na estrita medida em que factualmente não exista suporte presuntivo para demandar a plataforma digital numa ARECT, não a instaurando por não dispor de elementos demonstrativos da existência de contrato de trabalho, por referência aos critérios estatuídos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
Por sua vez, a existência de intermediário não é, por si só, razão para o Ministério Público não agir, pois se os elementos recolhidos cumprem as exigências ditadas pela presunção do artigo 12.º-A, n.º 1, relativamente à plataforma digital, então vale a resposta que acima foi dada e a solução terá necessariamente de passar por instaurar a ação contra quem se presume empregador à luz da referida norma da legislação laboral.
Se não for esse o caso, porque, por um lado, os elementos recolhidos não permitem sujeitar a plataforma digital aos efeitos da presunção prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, e, por outro, a relação do prestador de atividade com o verificado intermediário apresenta características tais que fazem presumir a existência de vínculo laboral com quem, todavia, não foi visado na fase inspetiva nem, obviamente, destinatário da notificação prevista no artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, resta, então, ao Ministério Público: a) decidir não propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a plataforma digital, dando conhecimento dessa sua decisão ao processo judicial pendente desde o recebimento da participação, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 6, do CPT, no qual será, consequentemente, julgada extinta a instância; e b) efetuar a comunicação prevista no artigo 186.º-K, n.º 2, do CPT, para que a ACT instaure procedimento nos termos do artigo 15.º-A do RPCLSS, relativamente ao intermediário.
Sublinhe-se que a última hipótese referida assenta no pressuposto de que os elementos recolhidos não permitem sujeitar a plataforma digital aos efeitos da presunção prevista no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, situação que não se confunde com a insuficiência suprível por meio de diligências complementares compatíveis com o prazo disponível para intentar a ação, nem com o cenário, já por nós abordado, em que ocorre um conflito de presunções que, de acordo com a lei, só pode ser dirimido por decisão judicial.
Ora, perante o que até ao momento se conhece da economia das plataformas digitais e respetivos modelos de negócio, cremos estar perante uma hipótese formulável sobretudo no plano teórico e, portanto, sem grande expressão prática.
Do que fica exposto resulta o entendimento, que sufragamos, no sentido de que é legalmente admissível e constitucionalmente suportada a possibilidade de o Ministério Público, nos casos que se situam dentro das condições referidas, se abster de instaurar a ARECT (casos esses que, repete-se, serão residuais).
Assim, como se realça no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2015, e é reafirmado nos seus Acórdãos de 14 e 26 do mesmo mês e ano[128]:
“[R]ecebida a sobredita participação [da ACT], o Ministério Público dispõe de todas as informações necessárias para avaliar da existência de indícios de uma situação de prestação de actividade aparentemente autónoma em condições análogas ao contrato de trabalho e para apresentar a correspondente petição inicial em juízo, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito.
Tal valoração desenvolve-se no quadro da autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida (artigo 219.º, n.º 2, da Constituição) e reafirmada no respectivo Estatuto (…), que estabelece, no artigo 2.º, que o Ministério Público «goza de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local» (n.º 1) e caracteriza a mencionada autonomia pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei (n.º 2).
Importa ainda referir que, no Acórdão n.º 204/2015, de 25 de março de 2015[129], um de vários arestos que se debruçaram sobre a conformidade constitucional do regime jurídico da ARECT, tal como foi introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, os quais invariavelmente concluíram no sentido de que é conforme, o Tribunal Constitucional começou por assinalar que tem sido seu entendimento que a garantia da autonomia do Ministério Público tem o seu campo de eleição no âmbito do processo penal, sendo que, no caso concreto, se está perante uma intervenção na área da jurisdição laboral, concluindo desse modo que, face aos interesses em causa, a atuação processual do Ministério Público no referido domínio não reclama uma autonomia com um grau de intensidade idêntico ao que é exigido no âmbito do exercício da ação penal, e que, mesmo que se admita que, na sequência da participação efetuada pela ACT nos termos do artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público tem necessariamente de instaurar a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tal não basta para se concluir que o regime legal em causa é violador do princípio da autonomia do Ministério Público. Ainda assim, no mesmo acórdão o Tribunal Constitucional não deixou de expressar uma linha de fundamentação da qual se retira sem hesitações que aquele Tribunal, embora ressalvando que não lhe cabe censurar a correção das interpretações perfilhadas na decisão recorrida, não comunga do entendimento ali vertido, segundo o qual é a ACT, entidade administrativa, quem determina a propositura da ARECT, retirando ao Ministério Público qualquer autonomia para decidir da respetiva viabilidade, o qual não tem, pois, liberdade para analisar a participação da ACT e promover o arquivamento do processo, no caso de concluir não existirem os elementos necessários para instaurar a respetiva ação judicial.
Em suma, na linha do que é a posição da jurisprudência e de um leque alargado da doutrina[130], é de concluir, conforme acima se expôs, que se o Ministério Público entender não ser viável a instauração da ARECT, o caminho se faz por uma de duas vias que conduzem à decisão judicial de extinção da instância: a) dentro do prazo para propor a ação, vem ao processo cuja instância já se iniciou tomar posição expressa no sentido de que não irá instaurar a ação[131]; b) deixa correr o prazo de 20 dias previsto na lei sem propor a ação e, ultrapassado o mesmo, o juiz profere despacho no processo a determinar a extinção da instância, pelo decurso do prazo para a prática do ato que foi omitido, em resultado do que ficou precludido o direito de o praticar, mostrando-se, por isso, impossível o prosseguimento da lide (artigo 277.º, alínea e), do CPC)[132].
No seguimento do que acima foi dito, é de assinalar que estão ultrapassadas de forma consolidada as dúvidas que, primeiramente, a doutrina e a jurisprudência colocaram sobre a natureza do prazo de propositura da ação previsto no artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, sendo pacífico desde as decisões que, em 2015, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu sobre o assunto[133], que, estando em causa um prazo para prática de um ato processual numa instância que já se iniciou (artigo 26.º, n.º 6, do CPT), o que se extingue é o prazo para apresentar a petição inicial, pelo que se trata de um prazo processual perentório, que se rege pelas normas constantes dos artigos 138.º e seguintes do CPC, aplicáveis subsidiariamente aos processos de natureza laboral, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, ou seja, o seu decurso extingue o direito de praticar o ato, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC, e os efeitos preclusivos desse decurso podem ser evitados com a prática do ato dentro do prazo máximo suplementar previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC.[134]
Para terminar, há que assinalar que a consagração, no nosso ordenamento jurídico, de uma ação especial com as características que a ARECT reveste, na qual se comete ao Ministério Público uma relevante função, como pivot da iniciativa processual, não anula as vantagens que a ação comum pode assumir no caso concreto e que podem não ser alcançadas com um processo que se destina apenas a obter um juízo de simples apreciação e está circunscrito a uma tramitação muito simplificada.
Ora, tendo presente que compete também ao Ministério Público exercer o patrocínio judiciário dos trabalhadores (artigo 7.º, alínea a), do CPT), patrocínio «que assenta na própria natureza dos valores em causa no domínio juslaboral, valores esses que são de interesse e ordem pública, destinando-se, no essencial, esse regime a assegurar a igualdade real e não meramente formal das partes, sendo seus beneficiários todos os trabalhadores, independentemente da sua condição económica e social»[135], é importante não perder de vista que a multiplicidade de desafios que esta nova forma de organização do trabalho coloca, mormente os que resultam da participação do intermediário como terceiro elemento na relação, a poder suscitar conflito de presunções de laboralidade, já para não falar das situações de pluriemprego, em que, em simultâneo, se presta atividade a diferentes beneficiários (veja-se o caso dos estafetas ligados ao mesmo tempo a várias plataformas), virá certamente exigir respostas processuais que extravasam o especial e limitado figurino da ARECT.[136]
2.3. Perante o desenho de ação que atrás se traçou e assente que se mostra que a notificação do beneficiário da prestação (o intermediário), nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, constitui pressuposto necessário para instaurar a ARECT, não se afigura expetável que o Ministério Público venha a encontrar razões de fundo, ou sequer condições legais, que lhe permitam fazer uso da figura da pluralidade subjetiva subsidiária, prevista no artigo 39.º do CPC e instaurar a ação com um pedido principal, relativamente à plataforma judicial, e um pedido subsidiário, relativamente ao intermediário.
O mesmo se dirá quanto à hipótese de uma demanda em litisconsórcio, aqui com a agravante de que a relação entre plataforma digital e intermediário não é certamente uma daquelas que suscita uma situação de litisconsórcio passivo necessário (artigo 33.º do CPC), sendo que, vistas as coisas do lado do Ministério Público autor, que pretende a qualificação de um vínculo que se estabelece entre o trabalhador e apenas um dos sujeitos referidos, excluindo-se o outro da equação, também não se divisa ser um caso de litisconsórcio passivo voluntário (artigo 32.º do CPC).
Em tese, quando o caso envolve dois potenciais demandados que devem ser levados à lide pois existem em relação eles presunções jurídicas em conflito e que importa, portanto, dirimir judicialmente, a figura que parece servir ao pleito que assim se cria será a da pluralidade subjetiva subsidiária, prevista no artigo 39.º do CPC, segundo o qual «[é] admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida».
Esta é, de resto, a solução que TERESA COELHO MOREIRA e MARCO CARVALHO GONÇALVES propugnam, quando afirmam que a redação dos n.os 5 e 6 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho «reforça a necessidade de recurso ao regime jurídico da pluralidade subjetiva subsidiária sempre que se encontrem preenchidos os respetivos pressupostos legais».[137]
Contudo, propõem-na, não para o âmbito da ARECT, mas para funcionar na ação comum em que é autor o prestador de atividade, por forma a evitar a duplicação de ações relativas à mesma relação jurídica controvertida, o risco de que venham a ser proferidas decisões contraditórias, bem como para obviar ao eventual surgimento de dilações desnecessárias no processo. Assim, por estas razões, dizem os referidos autores que será aconselhável que o prestador de atividade se socorra da figura da pluralidade subjetiva subsidiária, prevista no artigo 39.º do CPC, a qual encontra justificação no princípio da economia processual e dela resulta que, no caso de dúvida fundada, «quanto à qualidade em que o sujeito a demandar interveio na relação material controvertida», a lei permite ao autor propor uma única ação contra dois ou mais sujeitos, em situação de litisconsórcio voluntário.[138]
Sucede, porém, que, conforme atrás referimos (cf. 2.1.), a não ser nos casos em que tenha havido procedimento inspetivo e resultado da averiguação devidamente participado pela ACT, em cumprimento do disposto no 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, nas restantes situações a lei não cometeu ao Ministério Público competência para, no âmbito de ARECT, sob a sua iniciativa processual e à margem de qualquer procedimento prévio, introduzir em juízo a temática do intermediário, demandando-o.
Acresce que, como também já foi dito, o artigo 12.º-A prevê, em primeira linha, a existência de uma relação de trabalho entre o prestador de atividade e a plataforma digital (n.º 1), admitindo, todavia, que o sujeito dessa relação contratual seja, não a plataforma, mas a pessoa singular ou coletiva que nela opere, atuando como intermediário para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores (n.os 5 e 6).
Surgindo, pois, o intermediário no n.º 5 da norma, mas apenas a título subsidiário, como um meio de a plataforma digital tentar ilidir a presunção que, nos termos do n.º 1, opera em relação a ela, surgindo também no n.º 6, onde se prevê o caso em que o prestador de atividade alega que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital.
Em ambas as hipóteses – quando invocada pela plataforma digital ou por alegação do prestador de atividade – cabe ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora, aplicando para o efeito o regime da presunção prevista no n.º 1, independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico (n.º 3).
Conforme já tínhamos dito, a participação estribada na laboralidade presumida nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, com a indicação dos factos base dos quais a mesma se retira, acompanhada dos meios de prova que os suportam, no pressuposto de que tudo isto foi precedido da necessária fase administrativa em que a ACT observou a tramitação legal e cumpriu, assim, a notificação que lhe impõe o artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, fornece tudo quanto basta para que o Ministério Público instaure a referida ação especial de natureza urgente e oficiosa, ao abrigo da competência que lhe é outorgada pelo artigo 5.º-A, alínea c), do CPT.
Com exceção dos casos em que houve procedimento inspetivo e resultado dessa averiguação devidamente participado pela ACT, em cumprimento do disposto no 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, nas restantes situações a lei não cometeu ao Ministério Público competência para, no âmbito de ARECT, sob a sua iniciativa processual e à margem de qualquer procedimento prévio, demandar em juízo o intermediário.
Aliás, dos n.os 5 e 6 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho não resulta prevista qualquer solução pela qual se reconheça ao Ministério Público a possibilidade de, em sede de ARECT, demandar outro sujeito que não o que se presume empregador, por força do n.º 1 do mesmo normativo.
Assim sendo, atendendo a que falha, desde logo, o pressuposto relativo à prévia existência da fase administrativa e à notificação que nesse contexto é feita ao visado da intervenção inspetiva, é de concluir que não parece haver qualquer hipótese legalmente sustentada que permita ao Ministério Público propor a ARECT com um pedido principal, relativamente à plataforma judicial, e um pedido subsidiário, relativamente ao intermediário ou, eventualmente, considerar que se trata de um litisconsórcio passivo.
2.4. Já aqui se disse que a ARECT é uma ação especial de simples apreciação positiva que, segundo os termos descritos no artigo 10.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil, visa unicamente obter a declaração de existência de um direito (ou melhor, de uma relação jurídica), sendo (apenas) a isso que se reconduzem o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e a fixação da data do seu início, a decidir na sentença prevista para o processo, em caso de procedência (cf. artigo 186.º-O, n.º 8, do CPT). É ainda caraterizada por uma tramitação muito simplificada, para além do caráter urgente e da natureza oficiosa que a lei lhe atribui (artigo 26.º, n.º 1, alínea i), do CPT).
Dos princípios próprios do processo de trabalho que também inspiram esta ação, vemos com MANUELA FIALHO[139], o da simplicidade dos atos estar presente na circunstância de não se obrigar a forma articulada (artigo 186.º-L, n.º 3 do CPT), na exposição sucinta da pretensão e fundamentos (artigo 186.º-L, n.º 1), na desnecessidade de constituição de mandatário, se o valor não o exigir (artigo 186.º-O, n.º 4), e no caráter sucinto (artigo 186.º-O, n.º 7), e o da celeridade se manifestar no prazo para a contestação (artigo 186.º-L, n.º 2), no prazo para prolação de sentença intercalar (artigo186-M), na possibilidade de sentença final imediata (artigo 186.º-O, n.º 7), na marcação autónoma da audiência (artigo 186.º-N, n.º 2), no regime especial de oferecimento de provas (artigo 186.º-N, n.º 3) e no próprio regime de realização da audiência (artigo 186.º-O).
É certo que o figurino simplificado que a carateriza não contempla a intervenção de qualquer outro beneficiário da atividade que não o próprio visado pelo procedimento prévio do artigo 15.º-A do RPCLSS (o “empregador”, como a lei o designa), contra o qual o Ministério Público propôs a ação.
Não prevê, assim, qualquer mecanismo para fazer intervir um intermediário que se julgue ser o empregador, por força da presunção vertida no artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho.[140]
No entanto, a verdade é que, com a Lei n.º 13/2023, o regime substantivo passou a prever expressamente que, por iniciativa da plataforma digital ou do próprio trabalhador, cabe ao tribunal determinar quem, de entre os dois – plataforma e intermediário –, é a entidade empregadora (artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho).
Isto quando em lugar algum se exclui a possibilidade de esta faceta subsidiária da relação ser discutida em sede de ARECT, admitindo-a apenas na ação comum.
Tudo aponta, pois, para uma lacuna patente do regime processual previsto para a referida ação especial que, com a Lei n.º 13/2023, não logrou acompanhar o novo regime substantivo de presunção de laboralidade, relativamente ao intermediário, e do dever de o juiz decidir sobre eventuais presunções conflituantes, introduzindo na tramitação adjetiva um mecanismo destinado a garantir a intervenção de quem tem interesse direto em contradizer o que nos autos foi invocado ao abrigo do artigo 12.º-A, n.os 5 e 6, do Código do Trabalho.
Veja-se que, não obstante o modelo inovador introduzido pelo referido artigo 12.º-A, a única alteração que a Lei n.º 13/2023 trouxe ao regime da ARECT foi a que versou sobre a notificação das testemunhas a indicar pelas partes (artigo 186.º-N, n.º 3, do CPT).
Um tal cenário de carência de resposta na ARECT para uma situação criada pela reforma da lei substantiva, requer uma iniciativa legislativa que venha completar o regime da referida ação, estabelecendo de forma geral e abstrata qual a tramitação processual a seguir quando a questão do intermediário for levada aos autos pela plataforma digital, pelo prestador de atividade, ou por ambos, e em que cabe ao juiz determinar quem é a entidade empregadora.
Cremos, no entanto, que no sistema processual vigente é possível ao juiz, ao abrigo do dever de gestão processual, plasmado no artigo 27.º do CPT, e do dever de adequação formal que dele decorre[141], fazer uso de um mecanismo previsto nessa norma que permite assegurar a intervenção processual do intermediário na ARECT, na justa medida do exigido pelo artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho.
Assim, segundo dispõe o artigo 27.º do CPT:
«1 – Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 – O juiz deve, até à audiência final:
a) Mandar intervir na ação qualquer pessoa e determinar a realização dos atos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação;
b) Convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova».
Em concreto, a alínea a) do n.º 2 do artigo acima reproduzido, confere ao juiz o poder-dever de, até à audiência final, mandar intervir qualquer pessoa no processo, independentemente de, no caso, se colocar a necessidade de fazer intervir um terceiro para assegurar legitimidade das partes.[142]
A este respeito, sustentando que a possibilidade de o juiz mandar intervir na ação qualquer pessoa, prevista no artigo 27.º, n.º 2, alínea a), do CPT, não se restringe à função de assegurar a legitimidade e suprir a falta do correspondente pressuposto processual, MANUELA FIALHO assinala o seguinte:
«Na verdade, da norma em causa não emerge a necessidade de, com o chamamento de um terceiro, se assegurar a legitimidade. O que dela emerge é que, seja para assegurar a legitimidade (2.ª parte), seja para assegurar o sucesso da ação, pode ordenar-se a intervenção de um terceiro estranho à ação. Só assim fará sentido que ali se refira a intervenção tendo em vista o suprimento da falta de pressupostos processuais, entre os quais, o da legitimidade, e a intervenção de qualquer pessoa, sem outras condicionantes que não sejam a de obter o sucesso da ação (1.ª parte do dispositivo).
Assim, numa ação em que se discuta e existência de uma relação jurídica de emprego, se, na contestação o réu afirmar que quem contratou o autor foi um terceiro e não ele, o juiz pode, em face desta afirmação, mandar intervir este terceiro, devidamente identificado. O réu continua parte legítima na ação, dado que, tal como o autor a configurou, é patente o seu interesse em contradizer, e o terceiro, parte legítima será, dada a posição assumida pelo réu. A prova ditará se a ação há-de proceder em relação ao primitivo réu, se relativamente àquele cuja intervenção foi ordenada.
Esta é uma manifestação do princípio da adequação do processo aos fins que se pretendem acautelar”.[143]
Ora, se é certo que a solução deste modo preconizada tem subjacente o modelo de ação declarativa comum, certo é também que as razões que atrás deixámos expostas, mormente a que se prende com a circunstância de que o imperativo legal de o juiz determinar quem é a entidade empregadora, nos termos prescritos no n.º 6 do artigo 12.º-A, também se aplica à ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, justificam que, ao vazio de lei adjetiva criado pela reforma de 2023, seja dada resposta através de uma disposição geral e comum que se mostra talhada para uma situação como a que aqui foi identificada.
Assim, a norma consagrada no artigo 27.º, alínea a), do CPT, quando prevê que o juiz deve, até à audiência final, mandar intervir na ação qualquer pessoa, permite dar seguimento à alegação que, quer a plataforma, quer o prestador de atividade, venham fazer no processo, ao abrigo do artigo 12.º-A, n.os 5 e 6, do Código do Trabalho, dizendo que a atividade é prestada perante intermediário (invocação da plataforma) ou que o prestador de atividade é trabalhador subordinado do intermediário (alegação do prestador de atividade).
Esta solução, posto que se façam observar as exigências de contraditório, garante a oficiosidade da determinação judicial sobre quem é a entidade empregadora, mandatada pelo regime substantivo do artigo 12.º-A, n.º 6, do Código do Trabalho, evita a duplicação de ações, com os inerentes custos, delongas e risco de decisões contraditórias, e assegura que a decisão proferida num único processo produz efeito vinculativo em toda a extensão necessária, atendendo a quem está (e passar a estar) na ação e é, assim, abrangido pela força de caso julgado da sentença.
2.5. Segundo dispõe o artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, a ACT remete a participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Ação que, conforme resulta do preceituado no artigo 26.º, n.º 6, do CPT, inicia a instância com o recebimento da referida participação da ACT.
A norma do n.º 3 do artigo 15.º-A, introduzida no RPCLSS em 2013, foi objeto de alteração pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, em resultado da qual o critério da área de residência do trabalhador, que até então vigorava, foi substituído pelo do lugar da prestação da atividade.
Ora, quando se afigurava ser pacífico que, como norma especial que é, o artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS – quer na versão inicial, em que o fator que determinava a competência territorial era o da residência do trabalhador[144], quer na versão modificada em 2017 – afasta o regime da competência territorial fixado nas regras constantes dos artigos 13.º a 19.º-A, que formam a seção II, do capítulo II, título II, do CPT[145], surge, recentemente, um entendimento ao nível da 1.ª instância que tem levado a um número elevado de decisões, praticamente em todo o país, versando sobretudo (senão mesmo na totalidade) sobre situações de presunção de laboralidade nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, em que o tribunal se declara incompetente em razão do território para conhecer da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurada no juízo do trabalho do lugar da prestação da atividade, e determina o envio do processo ao juízo do trabalho da área de residência do réu, que é quase sempre o de Lisboa, local da sede da maioria das plataformas digitais[146] a operar no nosso país.
Decisões que, no essencial, têm sido tomadas com base nas seguintes razões:[147]
a) a regra geral relativamente à competência territorial dos tribunais do trabalho, por força do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do CPT, indica que as ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu;
b) no caso concreto, está afastada a possibilidade prevista no artigo 14.º, n.º 1, do citado código, que prevê que as ações emergentes de contrato de trabalho contra a entidade patronal podem ser instauradas pelo trabalhador no juízo do trabalho do seu domicílio ou no do lugar da prestação de trabalho, uma vez que a ARECT não é instaurada pelo trabalhador, mas pelo Ministério Público, no exercício de uma competência própria, deferida por lei, não em patrocínio do trabalhador;
c) o artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, não indica qual é o tribunal territorialmente competente para conhecer da ação que venha a ser instaurada na sequência da participação aí prevista, mas apenas que essa participação deve ser remetida pela ACT aos serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade;
d) na falta de regra especial em matéria de competência territorial para conhecer da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, vale a regra geral contida no artigo 13.º, n.º 1, do CPT, nos termos da qual a ação deve ser proposta no juízo do trabalho do domicílio do réu.
São já conhecidas decisões proferidas pelos Senhores Presidentes dos Tribunais da Relação do Porto e de Évora, em sede de reclamação que, ao abrigo do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC, algumas plataformas deduziram nas ações em que são demandadas.
Assim, na decisão proferida em 27 de fevereiro de 2024[148], na qual julgou procedente a reclamação deduzida pela sociedade ré e determinou que a ação prosseguisse no juízo do trabalho do lugar da prestação da atividade, onde havia sido instaurada pelo Ministério Público, o Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto ancorou-se nos fundamentos cujos aspetos essenciais passamos a reproduzir:
«Independentemente da questão de apurar se a exceção decretada é, ou não, de conhecimento oficioso, entendemos, até pela proliferação de ações idênticas interpostas ao longo do território nacional e relativas a este mesmo réu, numa perspetiva de fixar uma orientação uniforme sobre esta matéria que possa servir como referente para casos idênticos e também tendo em conta as funções de gestão macro cometidas aos presidentes dos tribunais superiores, iremos procurar conhecer substancialmente do conflito principal.
“In casu”: o de saber se, neste tipo de ações para reconhecimento da existência de contrato de trabalho interpostas pelo Ministério Público, a partir de uma participação remetida pela Autoridade para as Condições de Trabalho, o tribunal territorialmente competente deverá ser o do domicílio do réu ou o tribunal onde é prestada a atividade alegadamente acobertada por um contrato de trabalho.
Aventemos, desde já, que dissentimos da interpretação plasmada na decisão reclamada entendendo ter sido a presente ação corretamente proposta no Tribunal de Trabalho de Aveiro, aliás com o assentimento concordante das partes, demandado incluído.
Procuremos explicar porquê.
Presentemente, na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação – artigo 26.º, n.º 6 do CPT – a remeter aos serviços do Ministério Público junto do juízo do trabalho da “área de residência do trabalhador”, conforme decorria do artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Já desde então foi criada uma norma especial, que afasta o regime da competência territorial a que alude a seção II, do capítulo II, título II, do CPT.
Entretanto, a partir de 1 de agosto de 2017, data de entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, a participação dos factos será remetida para os serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho do lugar da prestação da atividade.
Nestes termos, de acordo com o n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, que prevê o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho e que veio a originar a presente ação para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, a ACT deve remeter “(…) participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”.
Depois, sequencialmente, esclarece o n.º 1 do artigo 186.º-K do Código do Processo do Trabalho que “após a receção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”.
Ou seja, os serviços do MP recebem a participação e dispõem de um prazo que é exigente para logo proporem a ação correspondente.
Não faria legalmente sentido que a ação fosse proposta pelo MP noutra comarca que não a que recebeu a participação até pela dificuldade operacional que tal opção implicaria num procedimento que o legislador quis expedito.
No nosso caso, o serviço do Ministério Público que recebeu a participação foi o serviço do Ministério Público do Juízo do Trabalho de Aveiro, que se encontra integrado na procuradoria do juízo especializado do trabalho de Aveiro, sedeado na Comarca de Aveiro – cfr. artigo 73.º, n.º 2 do Estatuto do Ministério Público. Nesta comarca, exerce as suas competências, obviamente, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro devendo a ação ser interposta na jurisdição especializada laboral da comarca de Aveiro.
Neste sentido, “ex abundanti”, atente-se na sequência pormenorizada constante do citado artigo 15º:
(…)
Aliás, note-se que, em rigor e repetindo-nos, uma vez recebida em juízo a participação – registada e distribuída nos serviços judiciais – logo se inicia, se fixa, a instância (art. 26.º, n.º 6, do CPT) sendo depois apresentada ao Ministério Público aquela participação para efeito de elaboração, sendo o caso, da petição inicial.
Esta é a conclusão que resulta a única consentânea com o explicitado na lei.
(…)
Consabidamente, existem centenas de ações interpostas contra este mesmo réu de natureza idêntica à presente; ora, tal como defende na sua reclamação o réu em causa “a remessa das centenas de ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, que se encontram a correr por todo o país, para o juízo do trabalho do domicílio da Ré, no caso, Lisboa, seria um enorme esforço de mobilização dos meios disponíveis que comportaria, necessariamente, o congestionamento dos recursos alocados ao Juízo do Trabalho de Lisboa.” Acrescentamos mesmo: um possível colapso.
A lei quis tratar esta questão localmente, por iniciativa dos serviços públicos a quem foi entregue essa missão, incluindo o Ministério Público; impõe-se que também em sede do órgão de soberania – tribunais – se concretize esse desiderato legislativo que incorpora, além do mais, uma clara mais valia gestionária, valor omnipresente nas decisões proferidas pela presidência de tribunais».
Em 21 de março de 2024, a Senhora Presidente do Tribunal da Relação de Évora decidiu reclamações deduzidas em processos com contornos idênticos[149], tendo concluído no mesmo sentido de que o tribunal territorialmente competente para conhecer das ações propostas pelo Ministério Público para reconhecimento da existência de contrato de trabalho do prestador de atividade, na sequência de participação remetida pela Autoridade para as Condições de Trabalho, é o do local onde é prestada a atividade que alegadamente constitui um contrato de trabalho, e não o do domicílio do réu. Para tanto aderiu aos fundamentos aduzidos pelo Tribunal da Relação do Porto e, assinalando que importa fixar a orientação da sua presidência, a respeito da identificada questão da competência territorial no tipo de ações em questão, uma vez que a situação em presença não é única, existindo neste momento centenas de ações idênticas intentadas no território nacional contra a mesma ré, acrescentou ainda as seguintes razões:
«Reiteramos que, em face dos cânones interpretativos que o artigo 9.º do Código Civil nos fornece, cremos ser esta a única interpretação consentânea com a letra e o espírito das normas convocadas, não fazendo qualquer sentido que o legislador quisesse afinal, como aconteceria se prevalecesse a decisão reclamada, que a ACT remetesse a participação à Procuradoria junto do tribunal da área de prestação do serviço, para que esta se limitasse a remetê-la para a Procuradoria da área da sede da ré, e esta instaurasse a ação.
Tal entendimento, por ser manifestamente arredado dos fins visados pelo legislador ao consagrar um procedimento especial neste tipo de ações, contraria frontalmente a presunção decorrente do n.º 3 do citado preceito legal de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Note-se finalmente que a consagração desta solução especial a respeito da determinação do tribunal competente nem sequer é inovadora no CPT, que igualmente a estabelece no artigo 14.º, n.º 1, para as ações emergentes de acidente [contrato] de trabalho, que podem ser propostas no juízo do trabalho do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor».
Perante o sentido uniforme que decorre já da jurisprudência de dois Tribunais da Relação, a expetativa é de que as questões em torno da aplicação da norma de competência do artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS sejam a breve trecho ultrapassadas e a marcha processual de muitas ações se estabilize territorialmente, de acordo com o legal critério do lugar da prestação da atividade.
Critério esse que, conforme se assinalou na decisão acima referida, nem sequer é inovador no CPT, uma vez que corresponde a um dos fatores de determinação da competência territorial que o artigo 14.º do CPT estabelece para as ações emergentes de contrato de trabalho intentada por trabalhador contra a entidade patronal, no qual é (justificadamente) designado por «lugar da prestação do trabalho».
Ora, segundo dispõe o artigo 14.º, n.º 3, do CPT, sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as ações referidas no n.º 1 ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares.
O que, transposto para a aplicação da disposição especial do artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS, significa que fica a coberto desta norma de competência territorial qualquer foro laboral situado na área onde o prestador desempenha a atividade, ficando também a coberto o tribunal do local onde o prestador de atividade foi encontrado pelo inspetor do trabalho, posto que se trate de um dos lugares onde a respetiva atividade é prestada. Situação que, de resto, assume particular relevância no caso dos estafetas de entregas a exercer atividade no âmbito de plataforma digital, o que normalmente envolve uma multiplicidade de lugares.
V
CONCLUSÕES
Pelo exposto, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República formula as seguintes conclusões:
1.ª A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT) é uma ação declarativa de simples apreciação positiva, para reconhecimento da existência de um contrato de trabalho e a fixação da data do seu início.
2.ª Segue a forma de processo especial prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-Q do Código de Processo do Trabalho (CPT), reveste natureza urgente e oficiosa (artigo 26.º, n.º 1, alínea i), do CPT), apontando-se-lhe ainda o cariz publicista que resulta da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social (RPCLSS).
3.ª A intervenção do Ministério Público nesta ação é oficiosa, no sentido de que é exercida em nome próprio, e não a solicitação de qualquer pessoa ou entidade, sendo independente da vontade ou consentimento do trabalhador.
4.ª O Ministério Público tem legitimidade ativa nesta ação (artigo 5.º-A, alínea c), do CPT), sendo, portanto, parte principal no processo, tendo em vista a defesa da legalidade e a prossecução de um interesse público, interesse do Estado coletividade ou interesse geral da comunidade.
5.ª A ação tem subjacente o referido procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS, no qual, se a ACT verificar, na relação entre a pessoa que presta atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, e na falta de regularização da situação pelo presumido empregador (beneficiário da atividade), remete participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, para fins de instauração da mencionada ação.
6.ª Sem a participação da ACT não há sequer início da instância jurisdicional nem, por conseguinte, legitimação do Ministério Público para agir em nome próprio e propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
7.ª Uma participação da ACT remetida a juízo que não é suportada por um procedimento administrativo nos termos do disposto no artigo 15.º-A do RPCLSS, porque, pura e simplesmente, o procedimento não existiu, é sinónimo de que foi omitido um pressuposto especial da ação, um pressuposto processual inominado cuja falta configura uma exceção dilatória atípica, nos termos dos artigos 576.º, n.os 1 e 2, e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC).
8.ª O mesmo sucede com a notificação da entidade beneficiária da atividade para regularizar a situação, nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, que constitui, assim, um verdadeiro pressuposto processual para instauração da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
9.ª Remetida ao Ministério Público a participação acompanhada de todos os meios de prova recolhidos e constando da mesma a indicação dos factos verificados pela ACT que são subsumíveis no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho e suportam a presunção de existência de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, relativamente a quem, em primeira linha, surge previsto na norma mencionada – a plataforma digital –, então nada se afigura obstar a que o Ministério Público, no cumprimento do que constitucional e estatutariamente lhe incumbe, tendo em vista a defesa da lei e a prossecução do interesse público, proponha a ação contra a plataforma digital, nos termos previstos nos artigos 186.º-K, n.º 1, e 186.º-L do CPT.
10.ª Estando em causa a qualificação de uma relação que envolve atividade em plataforma digital e é subsumível na previsão legal do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, o Ministério Público deve dar concretização aos termos da participação da ACT, propondo a pertinente ação, sempre que os elementos recolhidos (em sede inspetiva e, se for o caso, também em sede complementar conduzida pelo Ministério Público, dentro do prazo para propor a ação) revelem aptidão para fazer operar a presunção do referido normativo, mediante a verificação de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas nas respetivas alíneas.
11.ª Efeito presuntivo que se dirige, em primeira linha, à plataforma digital, nos termos ditados pelo comando legal do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
12.ª Por isso, a existência de intermediário não é, por si só, razão para o Ministério Público não agir, pois se os elementos recolhidos cumprem as exigências ditadas pela presunção do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, relativamente à plataforma digital, deve aquele propor a ação.
13.ª A lei não cometeu ao Ministério Público competência para, no âmbito da ARECT, sob a sua iniciativa processual e à margem de qualquer procedimento prévio, introduzir em juízo a temática do intermediário, demandando-o.
14.ª Se, pelo contrário, a participação da ACT e os elementos de prova que a acompanham não cumprem ou não revelam qualquer aptidão para cumprir as condições fixadas na norma em que se funda a competência específica do Ministério Público para intentar a ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho – ou seja, a existência de, pelo menos, duas das características de contrato de trabalho elencadas no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, a suportar a presunção aí estabelecida –, num estado de coisas que se revela insuprível dentro dos limites ditados pela urgência da tramitação e pelo prazo imposto pelo artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, então é de concluir que não se verificam os pressupostos de defesa da legalidade e de prossecução do interesse público em que assenta tal competência e o inerente dever de o Ministério Público agir, propondo a referida ação.
15.ª Assim, não obstante o impulso da ACT, pode haver lugar a ponderação diversa pelo Ministério Público, na estrita medida em que factualmente não existe suporte presuntivo para demandar a plataforma digital numa ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não a instaurando por não dispor de elementos demonstrativos da existência de contrato de trabalho, por referência aos critérios estatuídos no artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho.
16.ª Resta, então, ao Ministério Público decidir não propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a plataforma digital, dando conhecimento dessa sua decisão ao processo judicial que se encontra pendente desde o recebimento da participação, nos termos do artigo 26.º, n.º 6, do CPT, no qual será, consequentemente, julgada extinta a instância.
17.ª E, no caso de ter conhecimento da existência de intermediário da plataforma digital e de características de contrato de trabalho descritas no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, em relação a ele, o Ministério Público efetua a comunicação prevista no artigo 186.º-K, n.º 2, do CPT, para que a ACT instaure procedimento nos termos do artigo 15.º-A do RPCLSS, quanto ao intermediário.
18.ª Encerrada a fase prévia da competência da ACT que integra o âmbito processual das contraordenações laborais e de segurança social, obedecendo ao regime respetivo, com as especificidades previstas no artigo 15.º-A do RPCLSS, e remetida que lhe foi a participação prevista no n.º 3 da mesma norma, não pode o Ministério Público devolver o correspondente expediente à autoridade administrativa para realização de diligências que modifiquem o objeto do procedimento, mormente introduzindo novos sujeitos destinatários da intervenção inspetiva não abrangidos pelo procedimento concluído e, como tal, ausentes da participação devolvida.
19.ª O prazo de 20 dias para o Ministério Público propor ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do artigo 186.º-K, n.º 1, do CPT, consiste num prazo para prática de um ato processual numa instância que já se iniciou (artigo 26.º, n.º 6, do CPT), pelo que se trata de um prazo processual perentório, que se rege pelas normas constantes dos artigos 138.º e seguintes do CPC, aplicáveis subsidiariamente aos processos de natureza laboral, por força do disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, ou seja, o seu decurso extingue o direito de praticar o ato, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC, e os efeitos preclusivos desse decurso podem ser evitados com a prática do ato dentro do prazo máximo suplementar previsto no artigo 139.º, n.º 5, do CPC.
20.ª Uma vez que a notificação do beneficiário da prestação (o intermediário), nos termos do artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS, constitui pressuposto necessário para instaurar a ARECT, sem a qual o Ministério Público não pode propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se afigura expetável que o Ministério Público venha a encontrar razões de fundo, ou sequer condições legais, que lhe permitam fazer uso da figura da pluralidade subjetiva subsidiária, prevista no artigo 39.º do CPC, instaurando a ação com um pedido principal, relativamente à plataforma judicial, e um pedido subsidiário, relativamente ao intermediário.
21.ª Com o figurino simplificado que a carateriza, a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não contempla a intervenção de qualquer outro beneficiário da atividade que não o próprio visado pelo procedimento prévio previsto no artigo 15.º-A do RPCLSS (o presumido empregador), contra o qual o Ministério Público propôs a ação.
22.ª No entanto, com a Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, o regime substantivo passou a prever expressamente que, por iniciativa da plataforma digital ou do próprio trabalhador, cabe ao tribunal determinar quem, de entre os dois – plataforma e intermediário –, é a entidade empregadora (artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho).
23.ª Um tal cenário de carência de resposta na ARECT para uma situação criada pela reforma da lei substantiva, requer uma iniciativa legislativa que venha completar o regime da referida ação, estabelecendo de forma geral e abstrata qual a tramitação processual a seguir quando a questão do intermediário for levada aos autos pela plataforma digital, pelo prestador de atividade, ou por ambos, e em que cabe ao juiz determinar quem é a entidade empregadora.
24.ª Não obstante, no sistema processual vigente é possível ao juiz, ao abrigo do dever de gestão processual, plasmado no artigo 27.º do CPT, e do dever de adequação formal que dele decorre, fazer uso de um mecanismo que, nos termos da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 27.º, permite assegurar a intervenção do intermediário na ARECT, na justa medida do exigido pelo artigo 12.º-A, n.os 1, 5 e 6, do Código do Trabalho.
25.ª Para efeitos da propositura da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o tribunal territorialmente competente é o do lugar da prestação da atividade, nos termos da norma especial prevista no artigo 15.º-A, n.º 3, do RPCLSS.
26.ª Sendo a atividade prestada em mais de um lugar, pode a ação ser intentada no tribunal de qualquer um desses lugares, em conformidade com o critério geral constante do artigo 14.º, n.º 3, do CPT.
[1] Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março.
[2] Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro (na redação da Declaração de Retificação n.º 21/2009, de 18 de março), alterada pela Lei n.º 105/2009, de 14 de setembro, pela Lei n.º 53/2011, de 14 de outubro, pela Lei n.º 23/2012, de 25 de junho (na redação da Declaração de Retificação n.º 38/2012, de 23 de julho), pela Lei n.º 47/2012, de 29 de agosto, pela Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto, pela Lei n.º 27/2014, de 8 de maio, pela Lei n.º 55/2014, de 25 de agosto, pela Lei n.º 28/2015, de 14 de abril pela Lei n.º 120/2015, de 1 de setembro, pela Lei n.º 8/2016, de 1 de abril, pela Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto (na redação da Declaração de Retificação n.º 28/2017, de 2 de outubro), pela Lei n.º 14/2018, de 19 de março, pela Lei n.º 90/2019, de 4 de setembro, pela Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro, pela Lei n.º 18/2021, de 8 de maio, pela Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, pela Lei n.º 1/2022, de 3 de janeiro e pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril (na redação da Declaração de Retificação n.º 13/2023, de 29 de maio).
[3] Alterada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, pela Lei n.º 55/2017, de 17 de junho, pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro (na redação da Declaração de Retificação n.º 1-A/2023, de 3 de janeiro, e da Declaração de Retificação n.º 7/2023, de 15 de fevereiro), e pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril (na redação da Declaração de Retificação n.º 13/2023, de 29 de maio).
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro (na redação da Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro), pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, e pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril (na redação da Declaração de Retificação n.º 13/2023, de 29 de maio).
[5] Despacho datado de 27 de janeiro de 2024.
[6] Cf. GILLIAN MACNAUGHTON e DIANE F. FREY, “Decent Work, Human Rights and the Sustainable Development Goals”, em Georgetown Journal of International Law, vol. 47, 2016, págs. 35-64, disponível em (consultado em 2 de março de 2024).
[7] Cf. (consultado em 2 de março de 2024).
[8] Sobre a Recomendação n.º 198 e os instrumentos normativos (as convenções) da OIT, cf. GUILHERME DRAY, “As convenções fundamentais da OIT: recepção normativa e dificuldades de aplicação”, em Doc. Labor., núm. 116, Año 2019, Vol. I, pág. 35, disponível em (consultado em 23 de fevereiro de 2024).
Cf. ainda o texto oficial da Recomendação n.º 198 em .
[9] Este relatório teve por base um estudo dedicado às condições de trabalho em cinco grandes plataformas de microtarefas com presença mundial. Documento disponível em , págs. v e 1 (consultado em 23 de fevereiro de 2024).
[10] Cf. o relatório preparatório da conferência, elaborado pela OIT, Realizing decent work in the platform economy International Labour Conference 113th Session, 2025, que fornece já informações com significativo interesse sobre a situação atual dos vários Estados-Membros, no que concerne às medidas legislativas e políticas adotadas por cada um, em matéria de trabalho nas plataformas digitais, disponível em (consultado em 25 de março de 2024).
[11] Acórdãos de 3 de julho de 1986, Deborah Lawrie-Blum v Land Baden-Württemberg, processo C-66/85, ECLI:EU:C:1986:284; 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, Processo C-428/09, ECLI:EU:C:2010:612; 9 de julho de 2015, Ender Balkaya v Kiesel Abbruch– und Recycling Technik GmbH, C-229/14, ECLI:EU:C:2015:455; 4 de dezembro de 2014, FNV Kunsten Informatie en Media v Staat der Nederlanden, C-413/13, ECLI:EU:C:2014:2411; e 17 de novembro de 2016, Betriebsrat der Ruhrlandklinik gGmbH v Ruhrlandklinik gGmbH, C-216/15, ECLI:EU:C:2016:883.
[12] Cf. a versão na língua portuguesa disponível em (consultado em 11 de março de 2024).
[13] A adoção deste ato segue o processo legislativo ordinário, nos termos previstos nos artigos 289.º, n.º 1, e 294.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
[14] Cf. texto de compromisso final na perspetiva de um acordo, disponível na língua portuguesa em , (consultado em 11 de março de 2024).
[15] Cf. informação sobre o percurso do processo legislativo em e situação no Parlamento Europeu em (consultados em 29 de março de 2024).
[16] Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, “Infografia – Os trabalhadores das plataformas digitais na UE em destaque”, disponível em (consultado em 11 de fevereiro de 2024).
[17] Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, “Infografia - A economia das plataformas na EU”, disponível em (consultado em 11 de fevereiro de 2024).
[18] M. C. URZÌ BRANCATI, A. PESOLE, E. FERNÁNDEZ-MACÍAS, Digital Labour Platforms in Europe: Numbers, Profiles, and Employment Status of Platform Workers, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2019, pág. 9, disponível em (consultado em 7 de março de 2024).
[19] A. PESOLE, M. C. URZÍ BRANCATI, E. FERNÁNDEZ-MACÍAS, F. BIAGI, I. GONZÁLEZ VÁZQUEZ, Platform Workers in Europe, EUR 29275 EN, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2018, pág. 19, disponível em (consultado em 7 de março de 2024).
[20] M. C. URZÍ BRANCATI, A. PESOLE, E. FERNÁNDEZ-MACÍAS, New evidence on platform workers in Europe. Results from the second COLLEEM survey, Publications Office of the European Union, Luxembourg, 2020, pág. 16, disponível em < https://publications.jrc.ec.europa.eu/repository/handle/JRC118570> (consultado em 7 de março de 2024).
Cf. ainda ALEXANDRE JOSÉ NOBRE GRAÇA, Plataformas digitais e trabalhadores: posição dos sujeitos e relevância laboral, dissertação de mestrado, Veritati - Repositório Institucional da Universidade Católica Portuguesa, 2023, págs. 11-12 disponível em (consultado em 7 de março de 2024).
[21] Cf., por exemplo, (consultado em 15 de fevereiro de 2024).
[22] Campanha realizada em cumprimento do comando legal constante do artigo 32.º, n.º 3, da Lei n.º 13/2023: [n]o âmbito das alterações e aditamentos ao Código do Trabalho, relativas ao trabalho através de plataforma digital, a Autoridade para as Condições do Trabalho desenvolve, no primeiro ano de vigência da presente lei, uma campanha extraordinária e específica de fiscalização deste setor, sobre a qual é elaborado um relatório a ser entregue à Assembleia da República».
[23] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com as alterações introduzidas até à 87.ª versão do diploma – atualmente em vigor –, resultante do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.
[24] Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, Livro Branco das Relações Laborais, Lisboa, Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, 2007, pág. 102, disponível em (consultado em 13 de março de 2024).
[25] Assim, cf. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 22.ª ed., Coimbra, Almedina, 2023, pág. 43. MARIA ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações laborais individuais, 9.ª ed., Coimbra, Almedina, 2023, págs. 40-43, e JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, págs. 51-53. Discordando deste entendimento, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 11.ª ed., Coimbra, Almedina, 2023, pág. 94, assinala que, na legislação de 2009, «a subordinação jurídica deixa de ser referenciada apenas pela autoridade e direção (do empregador), passando a ser enquadrada pela organização (empresarial)», pelo que, «[a]pesar de se poder continuar a atender à subordinação jurídica associada à autoridade e direção do empregador, alude-se a um novo elemento (organização), que pode alterar os parâmetros tradicionais. De facto, associado com a dependência económica, a organização pode constituir uma diretriz de para-subordinação». Cf. ainda LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2021, pág. 109, que considera a definição do artigo 11.º «manifestamente infeliz», pois «omite a referência à direcção do empregador, que constitui um elemento essencial do contrato do trabalho», e «faz referência à inserção numa organização» que, «embora constitua um elemento natural, não é um elemento essencial do contrato de trabalho».
[26] JOÃO LEAL AMADO e TERESA COELHO MOREIRA, “A lei sobre o TVDE e o contrato de trabalho: sujeitos, relações e presunções”, em Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 1, 1.º semestre 2019, Centro de Estudos Judiciários, pág. 84.
[27] Sobre a subordinação jurídica e o caráter decisivo do conceito para a distinção entre contrato de prestação de serviço e contrato de trabalho, ali à luz do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de novembro de 1969 (LCT), e do Código do Trabalho de 2003, ver os pareceres 5/2004 e 78/2004 deste Conselho Consultivo, respetivamente, de 1 de julho de 2004 e 23 de setembro do mesmo ano.
[28] Assim, cf. JOÃO LEAL AMADO e TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pág. 86.
[29] Por economia de exposição não se alude às duas supostas presunções legais que fizeram parte do Código do Trabalho de 2003, sucedendo-se no artigo 12.º do diploma, mas sem qualquer efeito útil como mecanismo presuntivo.
[30] Cf. Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021, disponível em (consultado em 4 de fevereiro de 2024).
[31] Cf. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, “A Reforma da legislação laboral introduzida pela L. n.º 13/2023 de 3 de Abril: progresso ou retrocesso na dignificação do trabalho e na sua regulamentação?”, em Reforma da Legislação Laboral, Trabalho Digno, Conciliação, Estudos APODIT 11, Lisboa, AAFDL Editora, 2023, págs. 13 e 14.
Cf. ainda Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão (10.ª), Nota técnica. Proposta de Lei n.º 15/XV/1.ª (GOV), 30-06-2022, págs. 17 e 18, disponível em linha em (consultado em 10 de fevereiro de 2024).
[32] Cf. Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021, págs. 66-67.
[33] Cf. Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021, pág. 172.
[34] Cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 15/XV.
[35]Comunicado do Conselho de Ministros de 21-10-2021, disponível em .
[36] Boletim do Trabalho e Emprego, Separata n.º 33, de 29 de outubro de 2021.
[37] Decreto do Presidente da República n.º 91/2021, de 5 de dezembro, Diário da República, 1.ª série n.º 234-B, de 5 de dezembro de 2021, pág. 2.
[38] Cf. Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão (10.ª), Nota técnica. Proposta de Lei n.º 15/XV/1.ª (GOV), 30-06-2022, págs. 17 e 18, disponível em linha em (consultado em 10 de fevereiro de 2024).
[39] Diário da República n.º 66/2023, Série I, de 3 de abril de 2023.
[40] Cf. JOANA VASCONCELOS, “Problemas de qualificação do contrato de trabalho. O caso das relações estabelecidas no contexto da economia on demand entre prestadores independentes (?) de serviços e empresas tecnológicas intermediárias (?) no mercado”, em Supremo Tribunal de Justiça e Associação Portuguesa do Direito do Trabalho (APODIT), VII Colóquio do Direito do Trabalho, Lisboa, 2015, pág. 8.
[41] Cf. TERESA COELHO MOREIRA, em AA.VV., Direito do Trabalho - Relação Individual, Coimbra, Almedina, 2023, pág. 112.
[42] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho …, págs. 162-163.
[43] Cf. JOÃO LEAL AMADO, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho: empreendendo ou trabalhando?”, em A REVISTA do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 3, janeiro a junho de 2023, pág. 99, nota 16, disponível em (consulta em 11 de março de 2024).
[44] Cf. TERESA COELHO MOREIRA, Direito do Trabalho na Era Digital, Coimbra, Almedina, 2023, pág. 122.
[45] Cf. TERESA COELHO MOREIRA, Direito do Trabalho na Era Digital …, pág. 123.
[46] Cf. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, vol. III, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 240.
[47] Cf. ADRIANO VAZ SERRA, Direito Material Probatório, BMJ, 110, págs. 181-182.
[48] Cf. RITA LYNCE DE FARIA (artigo 350.º), em AA. VV. (coord.), Comentário ao Código Civil, Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa, UCP Editora, 2023, pág. 1014.
[49] Cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho…, págs. 317-318, que as apelida de presunções jurídicas ou presunções iuris. Sobre as presunções de direito na civilística em geral, cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 215, nota 2, ADRIANO VAZ SERRA, ob. cit., págs. 181-182, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova por Presunção no Direito Civil, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2013, págs. 109-110, e LEO ROSENBERG, La carga de la prueba, 2.ª ed., trad. Ernesto Krotoschin, Montevideo - Buenos Aires, Editorial BdeF, 2019, págs. 230-248.
[50] Cf. ADRIANO VAZ SERRA, ob. cit., págs. 181-182.
[51] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, ob. cit., pág. 110.
[52] No âmbito específico do registo predial, veja-se o critério de resolução de conflito de presunções de direito acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2017, no termos do qual, «[v]erificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções» (Diário da República n.º 38/2017, Série I, de 22 de fevereiro de 2017).
[53] Veja-se que a pluralidade de sujeitos na relação com o prestador de atividade é uma questão que se tem suscitado um pouco por toda a parte, levando a propugnar no sentido da adoção de mecanismos que evitem a desresponsabilização das plataformas, no caso de subcontratação ou intermediação, conforme alerta CHRISTINA HIESSL, “Multiparty relationships in platform work: Cross-European case law developments and points of departure for (supranational) regulation”, em European Labour Law Journal, 2023, vol. 14, n.º 4, Sage, págs. 514-540, disponível em (consultado em 10 de março de 2024). Solução que, de resto, a nossa lei acolheu no artigo 12.º-A, n.os 7 e 8, sendo também nesse sentido a proposta de diretiva da UE que aguarda aprovação.
[54] Atente-se, todavia, ao decidido nos Acórdãos do TJUE de 20 de dezembro de 2017, proferido no processo C-434/15, Elite Taxi v Uber, ECLI:EU:C:2017:981, e de 10 de abril de 2018, proferido no processo C-320/16, Uber France SAS, ECLI:EU:C:2018:221. Nestes arestos, o TJUE considerou que o serviço de intermediação da Uber, como o em causa no processo principal, assenta na seleção de motoristas não profissionais que utilizam o seu próprio veículo, a quem a referida sociedade fornece uma aplicação sem a qual, por um lado, os motoristas não seriam levados a prestar serviços de transporte e, por outro, as pessoas que pretendessem efetuar uma deslocação urbana não teriam acesso aos serviços dos referidos motoristas. Além disso, a Uber exerce uma influência decisiva nas condições da prestação a executar pelos motoristas, verificando‑se, designadamente, que fixa, através da aplicação com o mesmo nome, pelo menos, o preço máximo da corrida, cobra esse preço ao cliente antes de entregar uma parte ao motorista não profissional do veículo e exerce um certo controlo sobre a qualidade dos veículos e dos respetivos motoristas, assim como sobre o comportamento destes últimos, que pode implicar, sendo caso disso, a sua exclusão. Tendo, por conseguinte, concluído o TJUE que o referido serviço de intermediação faz parte integrante de um serviço global cujo elemento principal é um serviço de transporte e, portanto, corresponde à qualificação, não de «serviço da sociedade da informação» na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 98/34, para o qual remete o artigo 2.º, alínea a), da Diretiva 2000/31, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico»), mas sim de «serviço no domínio dos transportes», na aceção do artigo 2.º, n.º 2, alínea d), da Diretiva 2006/123. Cf. JOÃO LEAL AMADO e TERESA COELHO MOREIRA, “A lei sobre o TVDE e o contrato de trabalho: sujeitos, relações e presunções”…, pág. 107, nota 42.
[55] Cf. JOÃO LEAL AMADO e TERESA COELHO MOREIRA, ob. cit., pág.107, nota 42.
[56] ANTÓNIO MANUEL ABRANTES, Regime Jurídico do TVDE: o transporte de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 228.
[57] Cf. JOÃO LEAL AMADO, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho”…, pág.101.
[58] Cf. CARLA SOUDO RUFINO, O vínculo contratual de trabalhadores em plataformas digitais: O caso concreto dos motoristas TVDE, dissertação de mestrado, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola do Porto, 2023, disponível em linha em , págs. 44-46, (consultado em 8 de março de 2024).
[59] JOÃO LEAL AMADO, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho”…, pág.101.
[60] Cf. IMTT, I.P., Relatório final de avaliação do regime TVDE, dezembro de 2021, pág. 39, disponível em (consultado em 20 de março de 2024).
[61] No Relatório sobre o Orçamento do Estado 2024, elaborado pelo XXIII Governo Constitucional, que, entretanto, cessou funções, foi feito constar que “[t]endo em consideração as alterações legislativas em curso na UE e as conclusões da avaliação realizada ao regime em vigor, prevê-se que em 2024 se conclua a revisão do regime jurídico do TVDE. Cf. versão consolidada do relatório, de 16 de outubro de 2023, pág. 296, disponível em (consultado em 28 de março de 2024).
[62] Assim, referindo-se à presunção do artigo 12.º, cf., v.g., ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, “Nótula sobre o ónus da prova nos litígios laborais”, em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 2, 2.º semestre 2021, Centro de Estudos Judiciários, pág.100, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 11.ª ed. …, pág. 318, JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 2014, pág. 89, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito do Trabalho II - Direito Individual, Coimbra, Almedina, 2019, pág. 163, e JOANA VASCONCELOS, “Problemas de qualificação do contrato de trabalho”…, pág. 5. Reportando-se a ambas as presunções (artigos 12.º e 12.º-A), cf. TERESA COELHO MOREIRA, Direito do trabalho na Era Digital …, págs. 87 e 125, e à presunção do artigo 12,º-A, JOÃO LEAL AMADO, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho”…, págs. 95-96. Na jurisprudência, sobre o artigo 12.º, cf., além de outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 19 de maio de 2014, proferido no processo n.º 321/12.0TTPRT.P1, da Relação de Guimarães de 25 de maio de 2023, proferido no processo n.º 4277/19.0T8GMR.G1, Relação de Coimbra de 21 de maio de 2015, proferido no processo n.º 725/14.3TTCBR.C1, da Relação de Lisboa de 8 de maio de 2018, proferido no processo n.º 417/17.1T8PDL.L1-4, da Relação de Évora de 12 de julho de 2018, proferido no processo n.º 1149/17.6T8PTG.E1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de julho de 2015, proferido no processo n.º 182/14.4TTGRD.C1.S1, todos disponíveis em .
[63] Cf. Livro Branco das Relações Laborais, pág.102.
[64] JOÃO LEAL AMADO, “As plataformas digitais e o novo artigo 12.º-A do Código do Trabalho”…, págs. 95-96.
[65] TERESA COELHO MOREIRA, Direito do Trabalho na Era Digital …, págs. 124-125.
[66] PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho …, pág. 320.
[67] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho …, págs. 61-62.
[68] Refere-se a autora à jurisprudência consolidada do Tribunal Supremo Espanhol, sobretudo o acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25 de setembro de 2020, que considerou como verdadeiros contratos de trabalho todos os contratos dos entregadores da Glovo. A este respeito, cf. TERESA COELHO MOREIRA e JOÃO LEAL AMADO, “A Glovo, os Riders/Estafetas e o Supremo Tribunal de Espanha: Another Brick in the wall?”, em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 2, 2.º semestre 2020, Centro de Estudos Judiciários, págs. 133-137.
[69] TERESA COELHO MOREIRA, Direito do Trabalho na Era Digital…, págs. 116-117.
[70] O diploma de 2023 veio ainda criminalizar o trabalho não declarado, aditando o artigo 106.º-A ao Regime Geral da Infrações Tributárias, com a epígrafe Omissão de comunicação de admissão de trabalhadores, o qual dispõe que «[a]s entidades empregadoras que não comuniquem à segurança social a admissão de trabalhadores nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 29.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado em anexo à Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, no prazo de seis meses subsequentes ao termo do prazo legalmente previsto, são punidas com as penas previstas no n.º 1 do artigo 105.º».
[71] Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, com as alterações introduzidas até à 14.ª versão do diploma – atualmente em vigor –, resultante da Lei n.º 3/2023, de 16 de janeiro.
[72] Não olvidando que a Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, alargou o âmbito da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e os mecanismos processuais de combate à ocultação de relações de trabalho subordinado a todas as formas de trabalho não declarado, incluindo falsos estágios e falso voluntariado, passando a fase administrativa regulada no artigo 15.º-A do RPCLSS a designar-se procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho.
[73] Proferido no processo n.º 822/2014.
[74] Cf. ALBERTINA PEREIRA em JOÃO CORREIA e ALBERTINA PEREIRA, Código de Processo do Trabalho Anotado à luz do novo Código do Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 319. Cf., ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/2015, de 3 de fevereiro de 2015.
[75] ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho …, pág. 161.
[76] Cf. ainda o artigo 248.º, n.os 2 e 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
[77] Cf. ainda o artigo 62.º, n.º 2 do RPCLSS.
[78] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 94/2015, de 3 de fevereiro de 2015, a este respeito mencionado por SUZANA RODRIGUES DUARTE, O Regime Jurídico do Procedimento Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social. Da (in)suficiência das Comunicações entre a ACT e o ISS, I. P. e Direito de Defesa do Arguido, Lisboa, Petrony Editora, 2021, págs. 38-39.
[79] Cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 326-B/2007, de 28 de setembro, diploma que aprova a orgânica da ACT. Para uma análise crítica das alterações legais introduzidas no âmbito da função inspetiva da ACT, nomeadamente em matéria de reconhecimento do contrato de trabalho, cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, “A autoridade para as condições do trabalho: de regulador administrativo a órgão jurisdicional”, em Revista Internacional de Direito do Trabalho, ano 1, n.º 1, 2021, págs. 1219-1254, disponível em linha em (consultado em 11 de março de 2024).
[80] Cf. ERNESTINA SILVA, “Notas sobre o regime jurídico da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ARECT), instituído pela Lei n.º 63/2013”, em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 2, 2.º Semestre 2018, Centro de Estudos Judiciários, pág. 313.
[81] Cf. JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2022, págs. 182-183, nota 663. Na linha do que assinala esta autora, é de notar que, na fiscalização a que procede, o inspetor do trabalho “indaga da ocorrência, no vínculo que analisa, das «características» enunciadas nas alíneas” a) a f) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, “em termos meramente indicativos (como se de uma checklist se tratasse)”, elaborando o auto a partir da mera convicção que formou no decurso da ação fiscalizadora levada a cabo. A entender-se de modo diverso, tal representaria aplicar a presunção de laboralidade fora do contexto para a qual foi criada, ou seja, o processo judicial, com contraditório e produção de prova, com base no que o juiz decide.
[82] Cf. VIRIATO REIS, “As Perplexidades Geradas pela Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho”, em Maria do Rosário Palma Ramalho e Teresa Coelho Moreira (coord.), O Novo Código de Processo Civil e o Processo do Trabalho – Estudos APODIT 2, Lisboa, AAFDL Editora, 2016, pág. 180.
[83] Conforme sublinha JOANA VASCONCELOS, ob. cit., pág. 165, nota 597, “[o]s artigos 186.º-K e segs. referem-se, de forma pouco feliz, ao «trabalhador» e ao «empregador» quando, no decurso desta ação especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho – e até que nela seja proferida decisão em tal sentido não existem senão um «prestador» de atividade e um «beneficiário» da mesma, na linguagem do artigo 12.º, n.º 1, do CT”.
[84] Sobre o procedimento cautelar previsto no artigo 186.º-S e as questões suscitadas pela sua natureza oficiosa, cf. JOSÉ JOAQUIM F. OLIVEIRA MARTINS, Código de Processo do Trabalho Anotado e Comentado – Os Processos Laborais na Prática Judiciária, Coimbra, Almedina, 2020, págs. 250-252.
[85] Cf. JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, págs. 165-168.
[86] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 436/16, de 13 de julho de 2016, proferido no processo n.º 558/13.
[87] CUNHA RODRIGUES, Em Nome do Povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, págs. 202-203.
[88] Idem, pág. 213.
[89] O Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro, veio, no uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 76/2009, de 13 de agosto, aditar o artigo 5.º-A ao Código de Processo do Trabalho, aditamento que, segundo o legislador, surgiu no sentido de explicitar, mediante uma enunciação taxativa, as ações relativas ao controlo da legalidade e da tutela de interesses coletivos para as quais o Ministério Público possui legitimidade ativa. Até à Lei n.º 55/2017, de 17 de julho, a norma era composta apenas pelas suas alíneas a) e b) da versão inicial, tendo com aquele diploma passado a compreender a alínea c), dedicada às ações de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e procedimentos cautelares de suspensão de despedimento regulados no artigo 186.º-S.
[90] Assim, cf. VIRIATO REIS, "As perplexidades geradas pela ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”…, pág. 186, e FILIPE FRAÚSTO DA SILVA, “As perplexidades geradas pela ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, em Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 42, Madrid, 2016, págs. 45-52, pág. 50. Cf. também JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho…, pág. 167.
[91] CARLOS LOPES DO REGO, “A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas”, em O Ministério Público a Democracia e a Igualdade dos Cidadãos, Lisboa, Edições Cosmos, 2000, pág. 88.
[92] Idem, p. 89.
[93] Cf. ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, O Estado nos tribunais: intervenção cível do Ministério Público em 1.ª instância, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1994, pág. 257.
[94] CARLOS LOPES DO REGO, “A intervenção do Ministério Público na área cível e o respeito pelo princípio da igualdade de armas”…, págs. 88-89.
[95] Conclusão 4.ª do Parecer n.º 21/1990: «O accionamento judicial pelo Ministério Público em defesa da legalidade democrática ou do interesse público depende da existência de lei que defina e concretize aquele poder-dever processual».
[96] Acórdão proferido no processo n.º 166/85. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 183/85, proferido no processo n.º 168/85, também de 17 de outubro de 1985.
[97] De 12 de julho de 2002 (Diário da República, 2.ª série, n.º 140, de 22 de julho de 2005).
[98] De 29 de março de 2007, (Diário da República, 2.ª série, n.º 130, de 9 de julho de 2007).
[99] De 12 de novembro de 2009, emitido na sequência de «divergências interpretativas surgidas no âmbito da magistratura do Ministério Público relativamente à postura a adotar após a entrada em vigor da Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, quanto ao controlo de legalidade dos atos de constituição e dos estatutos das associações e respetivas alterações».
[100] De 10 de abril de 2014 (Diário da República, 2.ª série, n.º 123, de 30 de junho de 2014).
[101] Pese embora a ausência de norma expressa, no contexto do artigo 26.º do CPT, que atribua carácter oficioso da ARECT (ao contrário do que sucede com a ação emergente de acidente de trabalho e de doença profissional, que conta com tal indicação no n.º 3 do artigo 26.º), certo é que a tramitação legal a que obedece, como é caso do início da instância determinado nos termos do n.º 6 do artigo 26.º, desencadeando ainda a participação da ACT a propositura da ação, pelo Ministério Público, que se inicia sem a intervenção processual do trabalhador, que pode, em fase posterior, aderir aos factos apresentados por aquele, apresentar articulado próprio e constituir mandatário (artigo 186.º-L, n.º 4 do CPT), revelam bem as características de oficiosidade presentes nesta ação.
[102] Cf. Acórdão do STJ de 21 de março de 2018, proferido no processo n.º 17082/17.9T8LSB.L1.S1 e disponível em linha em .
[103] JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, pág. 166.
[104] Cf. VERA SOTTOMAYOR, “As Perplexidades Geradas pela Ação Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho”, em Supremo Tribunal de Justiça e Associação Portuguesa do Direito do Trabalho (APODIT), VII Colóquio do Direito do Trabalho, Lisboa, 2015, pág. 4.
[105] Cf. Acórdão do STJ de 8 de março de 2018, proferido no processo n.º 17459/17.0T8LSB.L1.S1 e disponível em .
[106] Cf. artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República, densificado na notificação prevista no artigo 15.º-A, n.º 1, do RPCLSS. Como se assinala no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009, de 3 de março de 2009, proferido no processo n.º 11/CPP, «a norma do artigo 32.º, n.º 10 da CRP — introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contraordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios — implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. AC. n.º 659/06 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363)». De notar que, estando a norma do artigo 15.º-A inserida no regime processual aplicável às contraordenações laborais e da segurança social, ao procedimento nela previsto são aplicáveis as normas e princípios que regulam o procedimento contraordenacional, mormente os que se referem à garantia do contraditório e seu exercício, sendo igualmente aplicáveis, pela via subsidiária prevista no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), para a qual remete o artigo 60.º do RPCLSS. Neste contexto, releva ainda o que resulta da fundamentação do Assento do STJ n.º 1/2003, de 16 de outubro de 2002 (publicado no Diário da República n.º 21/2003, I Série-A, de 25 de janeiro de 2003), quando aí se refere que a omissão da notificação para a audição implica a nulidade sanável da decisão administrativa condenatória, arguível nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 1 [e também n.os 2, alínea d), e 3, alínea c)], do CPP, ex vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO. Neste sentido, cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 2.ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2022, págs. 259-260.
[107] Cf. ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Coimbra, Livraria Almedina, 1982, págs. 250-251, onde este autor refere ainda que «[e]xemplo de excepção inominada é também a constituída pelas acções cuja propositura tenha de ser precedida de outra e não o tenha sido», como ocorre «com a acção de investigação de paternidade, que tem de ser precedida ou simultânea com a acção de investigação de maternidade quando esta não esteja ainda legalmente reconhecida (C. Civ. art.1869.º)».
[108] Cf. JOÃO DE CASTRO MENDES e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Manual de Processo Civil, vol. I, Lisboa, AAFDL Editora, 2022, págs. 52-55.
[109] Cf. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, reimp., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, págs. 74-75, tendo, no entanto, por referência as correspondentes normas do CPC atualmente em vigor.
[110] Proferido no processo n.º 4757/20.0T8VNG.P1 e disponível em .
[111] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, com as alterações introduzidas até à Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto.
[112] O dossiê é constituído pelas informações remetidas pelas Procuradorias-Gerais Regionais de Lisboa, Évora, Porto e Coimbra, pela informação prestada pela Coordenação da Procuradoria da República da Comarca de Lisboa, sobre as implicações da Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, na atividade do Ministério Público, no que concerne às plataformas digitais, enquadrando a temática e identificando os aspetos que, no âmbito da prática judiciária, têm suscitado maiores questões. Isto para além da junção, pela Procuradoria-Geral Regional de Évora, de cópia de dois despachos a determinar a “devolução” da participação à ACT para que esta a complete com os elementos que permitam determinar a natureza da relação existente entre o prestador de atividade na plataforma e a sociedade intermediária, bem como de contestação apresentada por uma plataforma digital de entrega de refeições aos utilizadores clientes, no âmbito de ação pendente em juízo do trabalho, e pela cópia da sentença de uniformização de doutrina, proferida pelo Tribunal Supremo de Espanha, Sala de lo Social, em 25 de setembro de 2020, com que a Procuradoria-Geral Regional do Porto fez acompanhar a sua informação.
[113] Cf. J. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 185.
[114] Cf. supra, nota 43.
[115] Cf. supra, nota 44.
[116] Cf. supra, nota 49.
[117] Cf. ADRIANO VAZ SERRA, Direito Material Probatório…, págs. 181-182.
[118] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, ob. cit., pág. 110.
[119] De 21 de maio de 2020, disponível em .
[120] Diário da República, n.º 198, Série II-D, de 12 de outubro de 2021, págs. 157 a 159.
[121] Além de outros aspetos, ligados sobretudo às diferenças substantivas que se verificam entre um e outro instituto, tenha-se ainda em conta que, ao contrário da etapa que envolve o envio dos autos ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 62.º, n.º 1, do RGCO, sobre a qual versa o parecer em referência, na matéria aqui em análise, relativa à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a instância (cível) inicia-se com o recebimento da participação (artigo 26.º, n.º 6, do CPT) e o Ministério Público dispõe (apenas) de um prazo de vinte dias para propor ação (artigo 186.º-K, n.º 1 do CPT), prazo esse que, como adiante veremos, reveste natureza perentória.
[122] Vícios que não justificam o arquivamento da participação, abstendo-se o Ministério Público de interpor a ARECT, nem permitem a sua propositura (por exemplo, a falta ou ininteligibilidade da fundamentação da participação).
[123] No sentido do parecer, que o autor invoca expressamente na edição mais recente da sua obra, cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contraordenações …, pág. 316.
[124] Cf. ainda o artigo 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 102/2000, de 2 de junho, diploma que aprova o Estatuto da Inspeção-Geral do Trabalho, prevendo-se naquela norma o dever de colaboração com as autoridades judiciais e o Ministério Público, nos termos estabelecidos nos Códigos de Processo do Trabalho e de Processo Penal.
[125] No sentido de que o procedimento contraordenacional se suspende com o início da instância ditado pelo recebimento da participação da ACT, cf. VIRIATO REIS E DIOGO RAVARA, “Reforma do Processo Civil e do Processo do Trabalho”, em O Novo Processo Civil – Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, Lisboa Centro de Estudos Judiciários, 2014, pág. 106, em particular nota 67, JOÃO RATO, “A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – interrogações sobre a intervenção do Ministério Público e outras perplexidades”, em João Reis, Leal Amado, Liberal Fernandes e Regiana Redinha (coord.), Para Jorge Leite Estudos Jurídico-Laborais, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pág. 784, JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, pág. 169, nota 611, e ALCIDES MARTINS, Direito do Processo Laboral, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, pág. 291. Na Jurisprudência, para além do Acórdão da Relação do Porto de 25 de março de 2019, proferido no processo n.º 19/18.5T9VFR-A.P1, depreende-se que é também esse o entendimento sufragado nos Acórdãos do STJ de 6 de maio de 2015 (processo n.º 327/14.4TTLRA.C1.S1), de 14 de maio de 2015 (processo n.º 363/14.0TTLRA.C1.S1) e de 26 de maio de 2015 (processo n.º 325/14.8TTLRA.C1.S1). No sentido de que a suspensão só opera com a propositura da ação, cf. JORGE ARAÚJO E GAMA, “A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho: análise crítica da Lei nº 61/2013, de 27 de agosto. Um guia para a ação. Propostas de solução”, em Revista do Ministério Público, n.º 140, out.–dez. 2014, pág. 41.
[126] Assim, cf. VIRIATO REIS E DIOGO RAVARA, ob. cit., pág. 106, JOÃO RATO, ob. cit., pág. 789, JORGE ARAÚJO E GAMA, ob. cit., págs. 41-43 e VERA SOTTOMAYOR, ob. cit., pág. 5.
[127] Ainda apelidado de “processo administrativo”, no âmbito da aplicação informática CITIUS para os magistrados do Ministério Público na jurisdição laboral [onde o utilizador acede a «Espécie: (mp) Proc. Administrativo (Litígios Laborais)»], não obstante a designação “dossiê” que lhe foi atribuída no regime procedimental consagrado no artigo 11º, n.os 1 e 2, do Estatuto do Ministério Público.
[128] Arestos proferidos nos processos n.os 327/14.4TTLRA.C1.S1, 363/14.0TTLRA.C1.S1 e 325/14.8TTLRA.C1.S1, respetivamente, todos disponíveis em .
No mesmo sentido, cf., na doutrina, JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, pág. 167, nota 603, e autores aí referidos.
[129] Proferido no processo n.º 1054/2014.
[130] Cf., na doutrina, JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, pág. 167, nota 603, e autores aí referidos, CRISTINA MARTINS DA CRUZ, “A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho 2013-2021: de iure condito e de iure condendo”, em Julgar Online, abril de 2022, pág. 22, disponível em (consultado em 8 fevereiro de 2024), PAULA PONCES CAMANHO, “Ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho” em AA. VV., Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo Gama Xavier, vol. III, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, págs. 67-68, JOSÉ JOAQUIM F. OLIVEIRA MARTINS, Código de Processo do Trabalho Anotado e Comentado…, pág. 242, e ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho…, pág. 159. Contra, cf. JOÃO RATO, “A ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho – interrogações sobre a intervenção do Ministério Público e outras perplexidades” …, págs. 795-796. Cf. ainda PEDRO ROMANO MARTINEZ, “A Autoridade para as Condições do Trabalho, de Regulador Administrativo a Órgão Jurisdicional” …, pág. 1237.
[131] Cf. JORGE ARAÚJO E GAMA, ob. cit., pág. 44, VIRIATO REIS e DIOGO RAVARA, ob. cit. pág. 106.
[132] Cf. VERA SOTTOMAYOR, ob. cit., pág. 5.
[133] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2015 (processo n.º 327/14.4TTLRA.C1.S1), 14 de maio de 2015 (processo n.º 363/14.0TTLRA.C1.S1) e 26 de maio de 2015 (processo n.º 325/14.8TTLRA.C1.S1).
[134] Cf. VERA SOTTOMAYOR, ob. cit., pág. 6, e MANUELA BENTO FIALHO, “Processo especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, em Um ano de reforma do processo do trabalho: balanço e perspetivas, vol. VIII, Estudos APODIT, AAFDL, Lisboa, 2021, pág. 168, e CRISTINA MARTINS DA CRUZ, ob. cit., pág. 22, e JOANA VASCONCELOS, Direito Processual do Trabalho …, págs. 169-172.
[135] Cf. JOÃO MONTEIRO, “O Ministério Público e o Patrocínio dos Trabalhadores no Processo Declarativo Laboral”, em Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. V, Coimbra, Almedina, 2007, págs. 23-35.
[136] Cientes de que é diferente a intervenção do Ministério Público em cada uma das ações referidas (quando patrocina, a parte é o trabalhador, quando intervém na ARECT, é o próprio Ministério Público que é parte) e, sobretudo, que a disponibilidade para o trabalhador litigar está na maioria dos casos dependente de o (presumido) vínculo laboral ter, entretanto, cessado.
[137] Cf. TERESA COELHO MOREIRA e MARCO CARVALHO GONÇALVES, “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital: alguns aspetos materiais e processuais”, em Revista do Ministério Público, n.º 175, jul.–set., 2023, pág. 195.
[138] Idem, págs. 195-196.
[139] MANUELA FIALHO, “Processo especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho”…, pág. 158.
[140] Por exemplo, no âmbito do processo principal da ação emergente de acidente de trabalho, também uma ação especial com natureza urgente e oficiosa (artigo 26.º, n.os 1, alínea e), 3 e 4, do CPT), a lei prevê, no artigo 127.º, n.º 1, do CPT, que o juiz pode mandar intervir qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, para o que é citada, sendo-lhe entregue cópia dos articulados já oferecidos, e no artigo 129.º, n. 1, alínea b), do mesmo diploma, estatui que o réu, na contestação, pode indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar. Sobre o alcance destas normas, quando conjugadas com o que dispõe o artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que estabelece o regime substantivo de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais («[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais»), fundamentando uma interpretação no sentido de que a intervenção no processo, do lado passivo, pode não se cingir apenas ao empregador e sua seguradora, sendo suscetível de se estender a todos os responsáveis previstos no referido artigo 18.º, n.º 1, cf. MANUELA FIALHO, “Legitimidade processual laboral: apontamento”, em Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 2, 2.º semestre 2016, Centro de Estudos Judiciários, págs. 207-215, e ALBERTINA PEREIRA em JOÃO CORREIA e ALBERTINA PEREIRA, ob. cit., pág. 240.
[141] Dever de adequação formal que conta com consagração expressa no artigo 547.º do CPC (aplicável subsidiariamente à lide juslaboral, por remissão do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT),
[142] No mesmo sentido, tendo por referência a versão inicial da norma em questão, cujo texto se manteve inalterado, na parte que aqui importa considerar, cf. CARLOS ALEGRE, Código de Processo do Trabalho Anotado, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 114, e ABÍLIO NETO, Código de Processo do Trabalho Anotado, 5.ª ed., Lisboa, Ediforum, 2011, pág. 67.
[143] MANUELA FIALHO, “Legitimidade processual laboral: apontamento”…, págs. 203-204.
[144] Cf. CRISTINA MARTINS DA CRUZ, ob. cit., pág. 11.
[145] Ibidem.
[146] Plataforma digital entendida no sentido da «pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios», conforme a definição vertida no artigo 12º-A, n.º 2, do Código do Trabalho.
[147] Razões referidas na recente decisão proferida no âmbito de reclamação decidida pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que adiante, no texto, identificaremos. Ao que se sabe, e isso é confirmado pelo teor das decisões entretanto proferidas pela Senhora Presidente do Tribunal da Relação de Évora e que são conhecidas, os fundamentos da incompetência territorial que vem sendo declarada por vários – e muitos – juízos do trabalho do nosso país são basicamente os mesmos.
[148] Decisão proferida no processo n.º 4455/23.7T8AVR.P1, disponível em .
[149] Decisões proferidas nos processos n.os 1958/23.7T8TMR.E1 e 1908/23.08TMR.E1, disponíveis na plataforma SIMMP-Destaques (25-03-2024), sendo que a primeira também se encontra disponível em .
AC TRIB CONST n 183/85 de 17/10/1985
AC TRIB CONST n 182/85 de 17/10/1985
AC STJ de 6/05/2015
AC STJ de 26/05/2015
AC STJ de 25/03/2015
AC STJ de 14/06/2015
AC STJ de 21/03/2018
AC STJ de 8/03/2018
AC TRP de 19/05/2014
AC TRP de 25/03/2019
AC TRG de 25/05/2023
AC TRC de 21/05/2015
AC TRL de 08/05/2018
AC TRE de 12/07/2018
AC TJUE de 03/07/1986
AC TJUE de 14/10/2010
AC TJUE de 04/12/2014
AC TJUE de 09/07/2015
AC TJUE de 17/11/2016
DIRETIVA (UE) 2019/1552 do PE e do CONSELHO de 20/06/2019
RECOMENDAÇÃO OIT nº 198 de 2006
LIVRO VERDE SOBRE O FUTURO DO TRABALHO 2021