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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
19/2019, de 08.08.2019
Data do Parecer: 
08-08-2019
Número de sessões: 
2
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Educação
Relator: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Catarina Teresa Rola Sarmento e Castro

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
ESCOLAS PROFISSIONAIS PRIVADAS
ENSINO PROFISSIONAL
ENSINO PARTICULAR
AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO
COMPARTICIPAÇÃO FINANCEIRA PÚBLICA
ENCERRAMENTO COMPULSÓRIO
DIREITO SUBSIDIÁRIO
LACUNA
PROIBIÇÃO DE ANALOGIA
DIREITO DISCIPLINAR
CONTRA-ORDENAÇÃO
SANÇÃO ADMINISTRATIVA
MEDIDA DE POLICIA ADMINISTRATIVA
RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
 
Conclusões: 

  1.ª — As escolas profissionais juridicamente enquadradas pelo Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, prestam de forma integrada diferentes níveis de ensino e capacitação dos formandos para o mercado de trabalho, segundo as qualificações profissionais definidas pelo Estado e, em certa medida, pela União Europeia.

                              2.ª — Sem continuidade com uma longa tradição de ensino técnico, industrial e comercial prestado exclusivamente pelo Estado, e que remonta ao século XIX, o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro, abriu à iniciativa privada e cooperativa a criação de escolas profissionais.

                              3.ª — Tais escolas, conquanto sejam estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, encontram-se expressamente excluídas do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea d)).

                              4.ª — As penas disciplinares aplicadas aos proprietários e diretores de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, consignadas no que subsiste em vigor do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, mostram-se insuscetíveis de aplicação subsidiária aos proprietários e diretores pedagógicos de escolas profissionais, por infrações praticadas contra o regime do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho.

                              5.ª — Aplicá-las subsidiariamente representaria identificar lacunas sancionatórias e recorrer à analogia a fim de as integrar, o que se tem por atentatório dos princípios gerais de direito sancionatório, indissociáveis de um Estado de direito (cf. artigo 2.º da Constituição) senão mesmo das garantias constitucionais nullum crimen sine lege e nulla pœna sine lege (cf. artigo 29.º, n.º 1 da Constituição). No limite, quanto mais não fosse, a proibição de aplicar normas sancionatórias por analogia, sempre decorreria da proibição ínsita no artigo 11.º do Código Civil relativamente a normas excecionais.

                              6.ª — Ao contrário do que sugere a epígrafe do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, referindo-se a sanções, as medidas consignadas nas respetivas normas constituem medidas de polícia administrativa.

                              7.ª — Todas elas dispensam o apuramento de responsabilidade pessoal. São adotadas apenas em ordem a assegurar ou restabelecer a legalidade e a reintegrar o interesse público educativo lesado ou em risco de o ser, precedendo a verificação de quebra em pressupostos essenciais que sustentaram a autorização de funcionamento de certa escola profissional privada ou a celebração de um contrato-programa de comparticipação financeira.

                              8.ª — A sua aplicação compreende modulações seja por via de alguns poderes discricionários conferidos ao Ministro da Educação, seja na valoração própria que suscitam os conceitos indeterminados como o de manifesta degradação pedagógica, o de relevante oferta formativa ou o de funcionamento com qualidade.

                              9.ª — Tais poderes discricionários são compatíveis com a formulação de termos, modos, condições ou reservas apostos ao ato administrativo, nos termos do artigo 149.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

                              10.ª — E porque a advertência, designada como pena no artigo 99.ºâ€‘A do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, presta-se a constituir medida de polícia administrativa, pode subsidiariamente ser aplicada ao regime jurídico das escolas profissionais, em face da iminência de factos ilícitos ou perante infrações de menor gravidade que não afetem o normal funcionamento de uma escola, de modo a que os proprietários ou a direção empreendam as correções necessárias.

                              11.ª — Importa que de uma tal aplicação decorra inequivocamente tratar-se de aplicação subsidiária do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e com as devidas adaptações, o que significa não ir além de uma chamada de atenção para a necessidade de corrigir ou melhorar certo aspeto da atividade escolar, em termos tais que não represente uma sanção admonitória, que não se confunda com as penas de repreensão ou de admoestação.

                              12.ª — A advertência com este alcance estrito não faz precludir a ulterior revogação da autorização de funcionamento nem a resolução unilateral de eventual contrato-programa que vierem a mostrar-se necessários. Com efeito, se a advertência não surtir efeito e a perturbação do interesse público continuar a agravar-se podem tais providências ser adotadas pelo Ministro da Educação, pois entre medidas de polícia administrativa em sentido estrito não faz sentido invocar a garantia proibitiva non bis in idem.

                              13.ª — De igual modo, pode aplicar-se subsidiariamente às escolas profissionais privadas o regime do encerramento compulsório previsto no artigo 72.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, pois na eventualidade de funcionarem sem autorização ou com autorização revogada, encontram-se reduzidas à condição de estabelecimento de ensino ilegal ou clandestino.

                              14.ª — Não obstante o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, ter sido aprovado como decreto-lei de desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro) e de objetivamente desenvolver também as Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de março) a iniciativa legislativa que vier a estabelecer sanções administrativas haverá de respeitar a competência legislativa da Assembleia da República que é relativamente reservada em matéria de direitos, liberdades e garantias, segundo o disposto no artigo 165,º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

                              15.ª — A Assembleia da República exerceu a sua competência legislativa ao ter fixado nas Bases do Ensino Particular e Cooperativo a necessidade de autorização, como condição de abertura e funcionamento de todos os estabelecimentos que lhe dizem respeito (cf. artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 9/79, de 19 de março), algo que o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, transporta para a categoria especialíssima das escolas profissionais e do serviço público que prestam, ao desenvolver esta modalidade educativa prevista no artigo 18.º, n.º 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo.

                              16.ª — Apesar de o desenvolvimento da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo ter sido realizado por decreto-lei de desenvolvimento (o Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro) já no tocante a infrações e sanções a aplicar limitou-se a manter em vigor o regime que a Assembleia da República aprovara, pouco antes, através da Lei n.º 33/2012,de 23 de agosto, a qual aditara ao Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, os artigos 99.º-A e seguintes.

                              17.ª — O desenvolvimento de uma lei de bases por decreto-lei, ainda que em perfeita sintonia com os princípios respetivos e a eles se circunscrevendo, não se encontra dispensado de, quando for esse o caso, observar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição).

                              18.ª — Mesmo que se opte por introduzir contraordenações e que as normas a aprovar se revelem inteiramente conformes com o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, definido no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a intervenção legislativa incide em direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição) por efeito do artigo 43,º, n.º 4, da Constituição, que consigna o direito de criação de escolas cooperativas e particulares. O Governo só o pode efetuar sob autorização legislativa.

                              19.ª — Em alternativa, a optar-se pelo ilícito disciplinar ou por instituir sanções administrativas de outra categoria, o Governo deve igualmente propor à Assembleia da República que aprove lei de autorização legislativa, a qual fixará não apenas a duração da mesma, como também o sentido, alcance e extensão da competência derivada (cf. artigo 165.º, n.º 2, da Constituição).

                              20.ª — Se o regime de reconhecimento e fiscalização das escolas profissionais privadas ainda pode ser considerado no âmbito da regulamentação dos direitos económicos, sociais e culturais, à vista da incumbência ao Estado de reconhecer e fiscalizar os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, nos termos da lei (cf. artigo 75.º, n.º 2, da Constituição) já a imposição de constrangimentos punitivos seria invasiva do direito a criar escolas particulares e cooperativas (cf. artigo 43.º, n.º 4) e, por conseguinte, desconforme com a aludida reserva parlamentar de legislar nessa matéria.

                              21.ª — Tal reserva é integral. Não se limita à introdução de restrições a direitos, liberdades e garantias, pois compreende, de igual modo, normas que simplesmente condicionem ou limitem o direito a criar escolas, tanto quanto produzam uma inovação na ordem jurídica.

                              22.ª — É certo que as escolas profissionais, privadas ou públicas, fazem parte do serviço público de educação, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, e integram a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro.

                              23.ª — É certo, de igual modo, que o direito fundamental a criar escolas privadas e cooperativas (cf. artigo 43.º, n.º 4) não contempla a definição de qualificações públicas para efeitos profissionais, nem tão-pouco o direito a comparticipações financeiras do Estado ou de outras entidades de natureza pública.

                              24.ª — Contudo, a atividade das escolas profissionais privadas assenta sempre no exercício do direito à criação de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, decorrente da liberdade de aprender e de ensinar (cf. artigo 43.º, n.º 1, da Constituição), motivo por que não permanece confiada à esfera de proteção da livre iniciativa económica e cooperativa, cujas limitações encontram esteio constitucional alargado aos termos da lei e ao interesse geral (cf. artigo 61.º, n.º 1).

                              25.ª — Por conseguinte, pode revelar-se orgânica e formalmente inconstitucional um decreto-lei que, estribado na competência concorrente do Governo com a Assembleia da República ou na competência para desenvolver leis de bases (cf. artigo 198.º, n.º 1, alíneas a) e c), respetivamente) instituísse sanções administrativas sobre ilícitos praticados pelos proprietários ou diretores técnicos e pedagógicos das escolas profissionais privadas contra normas ou princípios do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho.

Texto Integral
Texto Integral: 

 Senhor Secretário de Estado da Educação,

  Excelência,
 

No exercício da faculdade que assiste aos membros do Governo de solicitarem pareceres de direito à Procuradoria-Geral da República, segundo o disposto na alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público[1], consulta-nos[2] Vossa Excelência a respeito de questão jurídica controvertida atinente ao Regime Jurídico das Escolas Profissionais Privadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, na sua relação com o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro.

Mais concretamente, solicita a pronúncia deste órgão da Procuradoria-Geral da República acerca das infrações ao cumprimento das normas enunciadas no primeiro dos referidos diplomas.

Considerando que tal regime não prevê ilícitos contraordenacionais, não determina coimas nem sanções acessórias, importa saber se, uma vez infringida determinada disposição, está ou não a Inspeção-Geral da Educação e Ciência circunscrita à aplicação das sanções previstas no artigo 63.º, a saber:

              — Revogação da autorização de funcionamento do estabelecimento de ensino,

              — Rescisão de contrato-programa eventualmente outorgado,

              — Cessação de benefícios atribuídos, e,

              — Revogação do reconhecimento da utilidade pública.

A Inspeção-Geral da Educação e Ciência, ao tomar conhecimento de certas infrações e depois de concluir pela sua menor gravidade tem considerado que constituiria um excesso aplicar tais sanções, motivo por que, nesses casos, tem vindo a determinar o arquivamento dos processos que visariam as entidades titulares ou as direções técnico-pedagógicas das escolas profissionais privadas.

Mas, porque o atual Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, conservou a vigência de normas sancionatórias que se encontravam no anterior Estatuto (Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro) há dúvidas sobre se é possível recorrer à aplicação de tais disposições.

A não ser esse o caso e havendo necessidade de procedimento legislativo destinado a enunciar com tipicidade factos ilícitos suscetíveis de aplicação de sanções por parte da Inspeção-Geral da Educação e Ciência às escolas profissionais privadas, pergunta Vossa Excelência se o Governo precisa de obter autorização parlamentar ou se o pode fazer no exercício da competência legislativa própria.

Para delimitar com precisão o objeto da consulta, transcrevem-se as duas questões suscitadas nos termos exatos em que vêm formuladas:

«(i) Em caso de incumprimento pelas escolas profissionais privadas do disposto no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho e demais legislação e regulamentação aplicável, a Administração Educativa apenas pode aplicar as sanções previstas no artigo 63.º do mesmo diploma, estando-lhe vedada a aplicação subsidiária das sanções previstas nos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, e mantidas em vigor pelo n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro?

(ii) Caso se venha a concluir pela necessidade de criar um novo regime sancionatório para as escolas profissionais privadas, atenta a natureza da matéria em causa, dispõe o Governo de competência legislativa ou carece de autorização legislativa da Assembleia da República?»

Mais considera Vossa Excelência haver um amplo interesse objetivo verificado reiteradamente, de par com a relevância social, motivo por que solicita que nos pronunciemos com prioridade[3].

Apresentados os termos do pedido de consulta, cumpre-nos emitir parecer, conforme solicitado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 39.º do Estatuto do Ministério Público[4].

II

O ensino profissional, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro[5], constitui uma das modalidades da educação escolar, ao lado da educação especial, do ensino recorrente de adultos, do ensino à distância e do ensino português no estrangeiro[6].

Pretende-se com a educação escolar profissional oferecer formação especialmente ordenada ao ingresso no mercado de trabalho. Trata-se de fomentar «a formação prática em contexto de trabalho, o envolvimento das empresas nessa prática e no apoio à transição dos jovens para o mercado de trabalho», como pode ler-se no preâmbulo ao Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho. A adequação e idoneidade da formação prática obtida nas escolas profissionais permitem ao mercado reconhecer aspetos objetivos da aptidão procurada pelos agentes económicos. Em suma, qualificação profissional.

Por qualificação deve, neste âmbito, entender-se «o resultado formal de um processo de avaliação e validação, comprovado por um órgão competente, reconhecendo que um indivíduo adquiriu competências, em conformidade com os referenciais estabelecidos», segundo a definição enunciada pela alínea q), do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro[7].

No passado mais recente, as escolas profissionais no âmbito do ensino não superior tiveram como primeiro regime jurídico o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro, em cujas considerações preambulares, se falava de «relançamento do ensino profissional», pois este tivera antecedentes de relevo, mas conhecera entretanto um declínio.

Pouco antes, chegara a ser criado pelo Decreto-Lei n.º 397/88, de 8 de novembro, o Gabinete de Educação Tecnológica, Artística e Profissional (GETAP), com atribuições de conceção, orientação e coordenação no âmbito do ensino não superior e que se considerou estar vocacionado para prover às modalidades de educação tecnológica, artística e profissional em toda a educação escolar não superior, em melhores condições do que as comissões regionais para o ensino técnico-profissional, instituídas pelo Despacho n.º 88/ME/83, de 28 de setembro[8].

A este, seguira-se o Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de outubro, que aprovara um plano de emergência para a reorganização do ensino técnico e que visava dotar o País com mão-de-obra qualificada.

O aludido relançamento, contudo, ainda não teria ocorrido ou não alcançara o sucesso desejado.

A citada expressão — relançamento — referia-se provavelmente a uma longa tradição de ensino industrial e comercial cuja retrospetiva se acha excelentemente traçada no exórdio do Decreto n.º 5 029, de 5 de dezembro de 1918[9], o qual reorganizou tal ensino a partir das escolas de artes e ofícios, das escolas industriais, preparatórias e de arte aplicada, das aulas e escolas comerciais, e dos institutos superiores, nomeadamente o Instituto Superior Técnico de Lisboa.

O ensino profissional industrial e comercial conheceu nova reforma com as bases aprovadas pela Lei n.º 2 025 de 19 de junho de 1947, desenvolvidas pelo Estatuto do Ensino Profissional, Industrial e Comercial, aprovado pelo Decreto n.º 37 029, de 25 de agosto de 1948[10].

A citada Lei de Bases estabelecia dois graus no ensino profissional, industrial e comercial. O primeiro, subsequente à conclusão da instrução primária, seria constituído «por um ciclo preparatório elementar de educação e pré-aprendizagem geral, com a duração de dois anos, destinado a ministrar a habilitação necessária para admissão aos cursos profissionais diferentes do de aperfeiçoamento» (alínea a), da Base I). O segundo, nos termos da alínea b) da Base I, iria compreender formações de duração não superior a quatro anos:

  1. — Os cursos, industriais e comerciais, complementares de aprendizagem;
  2. — Os cursos, industriais e comerciais, de formação profissional;
  3. — Os cursos, industriais e comerciais, de aperfeiçoamento profissional;
  4. — Os cursos industriais de mestrança;
  5. — As secções preparatórias para a matrícula nos institutos médios e nas escolas de belas-artes;
  6. — Outros cursos que viessem a ser organizados em seguimento ao ciclo preparatório.

A rede de escolas, de acordo com a Base II, repartia-se do modo seguinte:

  1. Escolas técnicas elementares: ordenadas exclusivamente ao ensino preparatório;
  2. Escolas industriais: oferecendo o curso complementar de aprendizagem, o de aperfeiçoamento profissional, o industrial de formação, o de mestrança e secções preparatórias, associados ou não ao ciclo preparatório;
  3. Escolas comerciais: proporcionando o ensino comercial de formação profissional, o ensino complementar de aprendizagem, o ensino de aperfeiçoamento e o das secções preparatórias, associados ou não ao ciclo preparatório;
  4. Escolas industriais e comerciais: prestando o ensino descrito nas duas categorias precedentes.

A instalação das chamadas escolas não superiores técnicas, industriais e comerciais, fez-se progressivamente, ao longo de mais de duas décadas, quer por adaptação de escolas que já existissem quer pela fundação de escolas de raiz.

A produção legislativa, por mais de 20 anos, conheceu continuidade e é reveladora de uma expansão da rede pública de escolas técnicas, industriais e comerciais.

De modo paradigmático, a título de justificação para se ajustar a rede à demografia — ao tempo, em crescimento — pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 457/71, de 28 de outubro, o seguinte:

                  «Na sequência de estudos realizados, dotam-se com um segundo estabelecimento de ensino algumas cidades ou núcleos populacionais onde a frequência excede ou se aproxima dos 3000 alunos e deixou, portanto, de poder ser satisfatoriamente atendida por um único quadro institucional. É o que ocorre em Almada, Braga, Coimbra e Sintra. (…) Para situação semelhante à que fica referida se caminha no Barreiro, em Setúbal e em Vila Nova de Gaia, pelo que terão certamente de preparar-se, em breve, os correspondentes desdobramentos. (…) Para servir os núcleos demográficos, quer dos novos bairros de Lisboa, quer das zonas suburbanas, tanto de Lisboa como do Porto, todos constituídos por muitas dezenas de milhares de pessoas, são criadas novas escolas. Juntam-se-lhe a da Horta, prevista desde 1947, que as circunstâncias não têm permitido instalar, e a do concelho de Felgueiras, presentemente com população superior a 40 000 habitantes, cuja multiforme atividade carece de conveniente apoio escolar, como ficou cabalmente averiguado em inquérito local realizado há já anos».

A Lei n.º 5/73, de 25 de julho, marcaria uma nova reforma da educação e do ensino, acentuando na Base I-2 que «a educação compreende não só as atividades integradas no sistema educativo, mas quaisquer outras que contribuam para a formação dos indivíduos, nomeadamente as que se desenvolvem no âmbito da família e das demais sociedades primárias e outros grupos sociais e profissionais».

Ali se previa a formação profissional como alternativa proposta aos alunos que tivessem completado o ensino básico ou, mais tarde, depois de completarem o curso geral ou complementar do ensino secundário» (cf. Base IV‑4).

Sempre, em qualquer caso, através de escolas públicas sob a direção da Administração Central do Estado.

Contudo, o ensino orientado para profissões técnicas, industriais ou comerciais parece ter entrado num certo declínio, a avaliar pelas reiteradas exortações ao seu relançamento que começaram a fazer‑se ouvir alguns anos após o processo revolucionário de 1974/1976.

III

Uma das primeiras iniciativas de relançamento, e que já referimos (Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de junho), curiosamente não se estribava no corpo legislativo que vimos de identificar. Antes invocava como habilitação regulamentar o Decreto-Lei n.º 47 587, de 10 de março de 1967. Tinha este diploma permitido experiências pedagógicas em estabelecimentos de ensino público — ensaios de novos métodos didáticos — compreendendo eventualmente o funcionamento de escolas-piloto.

A Lei Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), em sua redação originária, absteve-se de fixar uma linha de continuidade com o ensino técnico, comercial e industrial, optando por modelos institucionais de formação profissional como componente do processo educativo[11]:

Artigo 19.º

(Formação profissional)

              1 — A formação profissional, para além de complementar a preparação para a vida ativa iniciada no ensino básico, visa uma integração dinâmica no mundo do trabalho pela aquisição de conhecimentos e de competências profissionais, por forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica.

                  2 — Têm acesso à formação profissional:

                  a) Os que tenham concluído a escolaridade obrigatória;

                  b) Os que não concluíram a escolaridade obrigatória até à idade limite desta;

                  c) Os trabalhadores que pretendam o aperfeiçoamento ou a reconversão profissionais.

                  3 — A formação profissional estrutura-se segundo um modelo institucional e pedagógico suficientemente flexível que permita integrar os alunos com níveis de formação e características diferenciados.

                  4 — A formação profissional estrutura-se por forma a desenvolver ações de:

                  a) Iniciação profissional;

                  b) Qualificação profissional;

                  c) Aperfeiçoamento profissional;

                  d) Reconversão profissional.

                  5 — A organização dos cursos de formação profissional deve adequar-se às necessidades conjunturais nacionais e regionais de emprego, podendo integrar módulos de duração variável e combináveis entre si, com vista à obtenção de níveis profissionais sucessivamente mais elevados.

                  6 — O funcionamento dos cursos e módulos pode ser realizado segundo formas institucionais diversificadas, designadamente:

                  a) Utilização de escolas de ensino básico e secundário;

                  b) Protocolos com empresas e autarquias;

                  c) Apoios a instituições e iniciativas estatais e não estatais;

                  d) Dinamização de ações comunitárias e de serviços à comunidade;

                  e) Criação de instituições específicas.

                  7 — A conclusão com aproveitamento de um módulo ou curso de formação profissional confere direito à atribuição da correspondente certificação.

                  8 — Serão estabelecidos processos que favoreçam a recorrência e a progressão no sistema de educação escolar dos que completarem cursos de formação profissional».

Por conseguinte, o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro, ao determinar a criação de escolas profissionais no âmbito do ensino não superior, já pôde afirmar-se como desenvolvimento da citada Lei de Bases, em especial do n.º 6 do transcrito artigo 19.º.

IV

Ao lado de escolas profissionais públicas, seriam admitidas escolas profissionais privadas que podiam beneficiar do estatuto de utilidade pública (cf. n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro).

A iniciativa pertencia às autarquias locais, cooperativas, empresas, sindicatos, associações, fundações, instituições particulares de solidariedade social, como também a «organismos especialmente vocacionados para esse fim dos Ministérios da Educação, do Emprego e da Segurança Social e outros, preferencialmente associados e segundo um regime de contrato-programa ou protocolo» (cf. artigo 5.º).

A criação de cada escola profissional dependeria, pois, de um contrato administrativo ou interadministrativo, cuja proposta seria apreciada pelo Ministro do Emprego e da Segurança Social (cf. n.º 1 do artigo 6.º), competindo‑lhe conjuntamente com o Ministro da Educação autorizar a criação dos cursos (cf. n.º 2) tendo em conta a articulação com outras iniciativas de ensino e de formação profissional» (cf. n.º 3).

Quanto ao acesso, dispunha-se o seguinte:

«Artigo 7.º

(Regime de acesso)

                  1 — Têm acesso às escolas profissionais:

                  a) Os jovens que concluíram o 3.º ciclo do ensino básico (9.º ano) ou a iniciação profissional e procuram um percurso educativo alternativo, orientado para a inserção no mundo do trabalho;

                  b) Até à efetivação da escolaridade obrigatória de nove anos, os jovens que tenham concluído o 2.º ciclo do ensino básico (6.º ano) ou abandonado o 3.º ciclo sem o concluir.

                  2 — Poderão ainda ter acesso os trabalhadores que pretendam elevar o nível de escolaridade e de qualificação profissional, em regime pós-laboral».

Por seu turno, os diplomas e certificados seriam equivalentes, para todos os efeitos legais, «aos que lhe correspondem no sistema regular de ensino» (cf. artigo 12.º), mesmo para aceder ao ensino superior (cf. artigo 13.º).

As escolas profissionais, segundo este regime, podiam revestir natureza privada (particular ou cooperativa). Celebravam contratos individuais de trabalho com o pessoal docente e com o pessoal administrativo (cf. artigo 14.º), recrutado independentemente de concurso (cf. artigo 15.º) e a gestão, podendo embora ser participada pelos vários promotores, seria de tipo privado (cf. n.º 1 do artigo 16.º). Apenas as escolas resultantes da transformação de instituições já existentes teriam a sua gestão assumida pelo Estado, «sem prejuízo da celebração de protocolos com outras entidades públicas ou privadas ou da eventual cedência do direito de gestão em regime de concessão» (cf. n.º 2 do artigo 16.º).

Ao menos uma vez por ano seria levada a cabo uma auditoria pelos serviços dos Ministérios da Educação e do Emprego e Segurança Social (cf. artigo 18.º).

V

Tal regime veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 70/93, de 10 de março, considerando que, decorridos mais de três anos, a experiência revelara a utilidade de modificações ao regime de criação e funcionamento das escolas profissionais.

Reafirmava-se a caracterização das escolas profissionais como «modalidade especial de educação escolar» (cf. artigo 1.º).

E, pela primeira vez, estabelecia-se a matriz, para umas, no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo[12] e, quanto a outras, na rede oficial. São estes os precisos termos:

«Artigo 2.º

(Natureza e regime)

                  1 — As escolas profissionais, exceto as referidas no número seguinte, são pessoas coletivas de fim não lucrativo e gozam das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública, nos termos do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.

                  2 — As escolas profissionais públicas pertencentes à administração estadual e regional integram-se na rede dos estabelecimentos de ensino oficial, aplicando-se-lhes, todavia, o regime de organização e funcionamento constante do presente diploma.

                  3 — As escolas profissionais gozam de autonomia administrativa, financeira e pedagógica e regem-se, nas suas relações para com terceiros, pelas normas de direito privado».

Do mesmo passo, instituía-se uma tutela «científica, pedagógica e funcional do Ministro da Educação» (cf. artigo 3.º) com o que se pretendia significar um controlo prévio dos cursos e das condições para os pôr em prática ou modificar.

A abertura de novas escolas ficava condicionada a um concurso anual (cf. n.º 1 do artigo 5.º) excetuando-se as «escolas profissionais integradas na rede dos estabelecimentos de ensino oficial» (cf. n.º 4) e os casos de transformação de estabelecimentos de ensino e formação que já existissem (cf. n.º 5).

O contrato-programa continuava a apresentar-se como o eixo do regime próprio de cada escola, em matéria de estatutos, projeto educativo, áreas e perfis de formação, recursos humanos e materiais, financiamento e gestão, natureza e objetivos, denominação e regime de acesso (cf. n.º 1 do artigo 6.º).

Em matéria de iniciativa, passou a permitir-se a Estados estrangeiros e a organizações internacionais de que Portugal fizesse parte, criarem escolas profissionais (cf. n.º 2 do artigo 7.º).

Por outro lado, o âmbito foi ampliado a «cursos de especialização tecnológica ou artística em contacto direto com a atividade produtiva e empresarial» (cf. n.º 1 do artigo 14.º). Tais cursos deviam, no entanto, envolver «uma instituição de ensino superior e uma associação profissional ou empresarial do respetivo sector de atividade» (cf. n.º 2).

A periodicidade anual das auditorias cedia lugar, nos termos do artigo 21.º, a um critério de necessidade («sempre que se considere necessário») e com o desiderato de verificar as condições pedagógicas, administrativas, financeiras e o funcionamento das escolas profissionais.

Bem assim, passou a prever-se o encerramento compulsivo de escolas profissionais por despacho fundamentado do Ministro da Educação, nos termos que se reproduzem:

«Artigo 24.º

(Encerramento)

                  1 — Em caso de grave incumprimento do contrato-programa ou sempre que o funcionamento da escola decorra em condições de manifesta degradação pedagógica, comprovada pelos serviços de inspeção do Ministério da Educação, pode ser decidido o seu encerramento compulsivo, mediante despacho fundamentado do Ministro da Educação.

                  2 — Em caso de encerramento das escolas profissionais, o respetivo património reverterá, sem prejuízo da responsabilidade em face do Estado, para as respetivas entidades promotoras, exceto em relação aos bens que hajam sido afetados pelo Estado às finalidades do ensino profissional, os quais serão atribuídos a outra escola profissional, de preferência da mesma região e área de formação».

Por último, no artigo 26.º, estabelecia-se como direito subsidiário, sem prejuízo das necessárias adaptações, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo. Apenas, evidentemente, no que dissesse respeito às escolas profissionais privadas (ou cooperativas).

O regime que vimos de descrever sumariamente revelar-se-ia pouco menos efémero do que o antecedente.

VI

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de janeiro, seria, em menos de uma década, o terceiro regime de criação, organização e funcionamento das escolas profissionais[13].

As razões da revogação do Decreto-Lei n.º 70/93, de 10 de março, surgiam expostas a título preambular:

              «[M]ais de quatro anos após a entrada em vigor deste último diploma, a experiência da sua aplicação revelou algumas fragilidades e ambiguidades relativas, nomeadamente, ao processo de criação das escolas, à natureza jurídica dos promotores, à relação destes com os órgãos de direção, à responsabilização pedagógica e financeira dos órgãos da escola, bem como ao modelo de financiamento.

                  Torna-se, pois, urgente a definição de uma estratégia corretiva, com vista a combater as fragilidades existentes, não perdendo, antes consolidando, as potencialidades contidas no ensino profissional.

                  Pretende-se, assim, com a publicação do presente diploma, renovar a aposta no ensino profissional, consolidar as escolas profissionais como instituições educativas e aperfeiçoar e alterar o modelo de financiamento em vigor».

Entre as motivações específicas do novo regime jurídico, pode encontrar-se a seguinte:

                  «Refira-se também a este respeito a caracterização das escolas profissionais, em regra, como estabelecimentos privados de ensino, dotados da mais ampla autonomia, mas sujeitos à tutela científica, pedagógica e funcional do Ministério da Educação».

Na verdade, as escolas profissionais públicas passavam a constituir uma exceção (cf. n.º 2 do artigo 2.º). As que existissem seriam, de qualquer modo, tidas como escolas secundárias (cf. n.º 3).

O contrato-programa deixaria de constituir o centro da relação entre o Estado e as escolas profissionais de iniciativa privada ou cooperativa. Teria doravante como propósito ajustar plurianualmente a comparticipação do Estado nas despesas depois de uma prévia apreciação e seleção de candidaturas por critérios de pertinência e qualidade (cf. artigo 19.º e 20.º).

Tais escolas passam contudo a sujeitar-se a um regime de autorização pelo Ministro da Educação (cf. n.º 1 do artigo 14.º).

Como consequência da preterição de normas imperativas por parte das escolas profissionais, o Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de janeiro, tal como os seus dois antecedentes, absteve-se de prever contraordenações.

Definiu-se um regime denominado sancionatório cujos termos eram os seguintes:

«Artigo 23.º

(Sanções)

                  1 — Verificado o incumprimento dos requisitos referidos no n.º 2 do artigo 14.º, ou sempre que o funcionamento da escola decorra em condições de manifesta degradação pedagógica, comprovada pelos serviços do Ministério da Educação, deve ser revogada a autorização de funcionamento.

                  2 — Verificado o incumprimento das competências previstas nos artigos 16.º e 17.º do presente diploma, comprovado pelos serviços do Ministério da Educação, pode ser revogada a autorização de funcionamento.

                  3 — O incumprimento do previsto no n.º 3 do artigo 20.º do presente diploma, bem como a existência de irregularidades financeiras graves, comprovadas pelos serviços inspetivos da Administração Pública, determina a rescisão do contrato-programa, podendo ainda determinar a sanção referida no n.º 1 do presente artigo.

                  4 — Comprovando-se as irregularidades referidas no número anterior cessam imediatamente os benefícios previstos no artigo 21.º, bem como o estatuto referido no n.º 4 do artigo 14.º do presente diploma.

                  5 — O incumprimento do plano de viabilidade[14] a apresentar pela escola nos termos da alínea b) do n.º 8 do artigo 30.º determina a não aplicação dos n.os 8 e 9 do artigo 30.º a essa escola, podendo ainda implicar a rescisão do contrato-programa previsto no artigo 20.º».

Tratava-se, na designação conferida pelo legislador, de sanções administrativas, mas que, apesar de imporem ao infrator uma privação, visam a título principal fazer cessar de imediato a perturbação do interesse público: revogação da autorização de funcionamento, rescisão de contrato-programa, pondo termo a eventuais comparticipações financeiras do Estado, e perda de benefícios, nomeadamente tributários.

Relativamente ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, manteve‑se a aplicação subsidiária, com as devidas adaptações, «ao que não se encontrar expressamente regulado no presente diploma relativamente às escolas profissionais» (cf. artigo 32.º).

VII

Somos, por fim, chegados ao atual regime e que se encontra consagrado no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, contando-se entre as inovações que introduziu um tratamento próprio a conceder às escolas profissionais de referência empresarial, «criadas por empresas ou entidades empresariais em setores de atividade económica estratégicos para o desenvolvimento do país e ou da região em que se inserem, isoladamente ou em parceria» (cf. artigo 35.º).

De acordo com o preâmbulo, pretendeu-se, uma vez mais, reforçar e valorizar o ensino profissional.

Lê-se, a este propósito, o seguinte:

              «As escolas profissionais, a par das escolas do ensino particular e cooperativo e da rede de escolas públicas, assumem-se como as principais entidades no desenvolvimento de cursos de ensino e formação profissional dual para os jovens abrangidos pela escolaridade obrigatória e, complementarmente, para os jovens com idade superior a 18 anos ou não abrangidos pela escolaridade obrigatória, em que os centros da rede do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., de gestão direta e gestão participada, e as entidades de educação e formação profissional certificadas são os principais promotores».

O trecho parece inculcar uma distinção entre escolas profissionais, por um lado, e por outro, escolas do ensino particular, cooperativo ou da rede pública, o que pode sugerir equivocamente um divórcio.

 Na verdade, a repartição deve ser lida no contexto próprio da dualidade entre o ensino profissional e o ensino geral ou comum. O dualismo a que se refere não representa uma clivagem com as demais escolas. Antes significa que tais estabelecimentos assumem de forma integrada o ensino geral e a formação profissional.

De resto, logo após, destaca-se no citado preâmbulo o que vai seguidamente transcrito:

                  «Importa agora criar condições que permitam uma resposta mais consentânea com as novas exigências de um ensino profissional dual de qualidade, no que respeita, nomeadamente, à autonomia e flexibilidade na gestão das escolas e ao envolvimento direto e permanente das empresas e de entidades de referência empresarial no ensino dual, de forma a garantir que este responda efetivamente a um ensino de qualidade, adequado às expectativas profissionais dos alunos e às necessidades atuais e emergentes das empresas e dos setores económicos».

Mais importante ainda para a economia do parecer é a explicação do motivo por que não se adotaram inovações no plano sancionatório:

                  «No que respeita ao regime sancionatório, optou-se por manter as sanções previstas no regime anterior até à aprovação do novo regime sancionatório em diploma autónomo».

E, com efeito, tal como consta do pedido de consulta, o quadro normativo apenas prevê a revogação da autorização de funcionamento, a rescisão de contrato-programa e a privação de benefícios, designadamente aqueles que possam decorrer do estatuto de utilidade pública. É esta a redação da norma que se transcreve integralmente:

«Artigo 63.º

(Sanções)

                  1 — O incumprimento pelas escolas profissionais privadas dos requisitos referidos no n.º 1 do artigo 14.º ([15]), ou sempre que o funcionamento das escolas decorra em condições de manifesta degradação pedagógica, comprovada pelos serviços do MEC, deve ser revogada a autorização de funcionamento.

                  2 — Verificado o incumprimento do estabelecido nos artigos 21.º e 26.º ([16]), comprovado pelos serviços do MEC, pode ser revogada a autorização de funcionamento.

                  3 — O incumprimento do previsto no artigo 55.º ([17]), bem como a existência de irregularidades financeiras graves, comprovadas pelos serviços inspetivos da Administração Pública, determina a rescisão do contrato-programa, podendo ainda determinar a sanção referida no n.º 1.

                  4 — Comprovando-se as irregularidades referidas no número anterior cessam de imediato os benefícios previstos no artigo 56.º ([18]), bem como o estatuto referido no artigo 19.º ([19])».

Ressalta da comparação entre o disposto no n.º 1 e no n.º 2 que este último confere um poder discricionário — de revogar ou não a autorização de funcionamento — por incumprimento do disposto nos artigos 21.º e 26.º.

O desiderato do n.º 2 é garantir o cumprimento pelo proprietário da escola e pela direção pedagógica dos deveres respetivos e que se encontram estabelecidos nos termos seguintes:

Artigo 21.º

(Obrigações da entidade proprietária)

                  Compete à entidade proprietária da escola profissional privada, designadamente:

                  a) Representar a escola junto dos serviços de administração educativa do MEC em todos os assuntos de natureza administrativa e financeira;

                  b) Assegurar os recursos financeiros indispensáveis ao funcionamento da escola e proceder à sua gestão económica e financeira;

                  c) Responder pela correta aplicação dos apoios financeiros públicos concedidos;

                  d) Garantir a instrumentalidade dos meios administrativos e financeiros face a objetivos educativos e pedagógicos;

                  e) Prestar aos serviços do MEC as informações que estes solicitarem;

                  f) Incentivar a participação dos diferentes intervenientes das comunidades escolar e local na atividade da escola, de acordo com o regulamento interno, o projeto educativo e o plano anual de atividades;

                  g) Criar e assegurar as condições necessárias ao normal funcionamento da escola;

                  h) Contratar o pessoal que presta serviço na escola;

                  i) Manter os registos escolares dos alunos, em condições de autenticidade e segurança».

«Artigo 26.º

(Competências do órgão de direção pedagógica)

                  Além das competências atribuídas nos estatutos da escola, compete ao órgão de direção pedagógica:

                  a) Organizar os cursos e demais atividades de formação e certificar os conhecimentos adquiridos;

                  b) Conceber e formular, sob orientação da entidade proprietária, o projeto educativo da escola, adotar os métodos necessários à sua realização, assegurar e controlar a avaliação de conhecimentos dos alunos e promover e assegurar um ensino de qualidade;

                  c) Representar a escola profissional junto da respetiva tutela em todos os assuntos de natureza pedagógica;

                  d) Planificar e acompanhar as atividades curriculares;

                  e) Promover o cumprimento dos planos e programas de estudos;

                  f) Garantir a qualidade de ensino;

                  g) Zelar pelo cumprimento dos direitos e deveres dos professores e alunos da escola».

Como o poder de revogar ou deixar de revogar a autorização de funcionamento é de natureza discricionária, o Ministro da Educação deve ponderar segundo o fim da norma (o fim de cada um dos deveres que possam ter sido infringidos) a medida em que se justifica, ou não, impedir que a escola prossiga a sua atividade.

A discricionariedade de escolha permite-lhe, por outro lado, sujeitar a revogação à condição suspensiva de o infrator reintegrar o cumprimento do dever infringido, o que lhe permite afeiçoar ao princípio da proporcionalidade a consequência ablativa que resultaria da revogação imediata e incondicional.

Com efeito, a prática de atos administrativos sujeitos a condição, termo, modo ou reserva é bastante mais ampla no âmbito da discricionariedade administrativa do que no exercício de poderes vinculados (ou tendencialmente vinculados), tal como decorre do Código do Procedimento Administrativo[20]:

«Artigo 149.º

(Cláusulas acessórias)

                  1 — Os atos administrativos podem ser sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a condição, termo, modo ou reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se destina, tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.

                  2 — A aposição de cláusulas acessórias a atos administrativos de conteúdo vinculado só é admissível quando a lei o preveja ou quando vise assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática do ato». 

A fixação de um termo certo para a direção pedagógica ou o proprietário da escola profissional inverterem certo comportamento ilícito pode introduzir na aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, aquilo que lhe seria facultado de outro modo através de medidas de menor impacto nas situações de incumprimento consideradas menos graves.

À partida, a sujeição do ato a termo ou condição, desde que adequados à reintegração da legalidade, providencia pelo fim que se descortina na norma.

Pelo contrário, a revogação da autorização de funcionamento por inobservância dos requisitos fixados no n.º 1 do artigo 14.º ou por se verificar que o funcionamento decorre em condições de manifesta degradação pedagógica, comprovada pelos serviços, já consiste no exercício de um poder vinculado.

Ainda assim, e conquanto a determinação de cláusulas acessórias se revele mais condicionada, não é completamente inviabilizada pelo n.º 2 do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo, mas depende de dois requisitos bastante mais restritivos, como se compreende:

  1. — Previsão na lei; ou,
  2. — Propósito de assegurar, no futuro, a verificação de pressupostos legais não preenchidos ao tempo da prática do ato.

No caso em análise, a previsão legal parece afastada, pois não se encontra sequer determinado no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, o procedimento administrativo que precede e conforma a aplicação das medidas consignadas no artigo 63.º ([21]).

Tão-pouco parece de admitir o desígnio de vir a assegurar futuramente os pressupostos não preenchidos no momento da verificação[22]. Tal poderia revelar-se uma verificação sujeita a condição suspensiva e, de certo modo, contraditória nos seus termos com a natureza vinculada do poder.

Assim, a conclusão em procedimento inspetivo de que ocorre manifesta degradação pedagógica não é meramente declarativa. Trata-se de verificação que, uma vez praticada no exercício de poderes vinculados, importa um efeito individual e concreto.

Nas palavras de JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA[23] a verificação é própria dos atos que reconhecem «certas qualidades nas pessoas, propriedades nas coisas ou situações de facto de cuja existência ou falta dependem necessariamente certas consequências no âmbito de situações jurídico‑administrativas. Os autores italianos falam então de accertamento constitutivo. MARCELLO CAETANO de verificação constitutiva. Os administrativistas alemães de festsellender Verwaltungsakt. Todos concordam em que nesses casos se está perante um verdadeiro ato administrativo».

Queremos com isto afirmar que decorre do n.º 2 do artigo 149.º do Código do Procedimento Administrativo a possibilidade de praticar atos precários sujeitos a uma confirmação de certos pressupostos que, embora permitindo um juízo de prognose, só podem ser avaliados no futuro, por exemplo, depois de um estabelecimento de ensino abrir portas.

De outro modo, o ato vinculado deixaria de sê-lo, como observa LUÍS CABRAL DE MONCADA[24]:

                  «A lei admite apenas que determinados pressupostos pela lei previstos no momento da prática do ato como condicionantes de uma conduta administrativa não estejam ainda suficientemente esclarecidos e que o respetivo preenchimento se verifique apenas no futuro à medida p. ex., da evolução dos conhecimentos aplicáveis».

Ainda assim, apesar de vinculado, o poder enunciado no n.º 1 do artigo 63.º concede ao órgão uma margem de livre apreciação relativamente ampla, sobretudo ao nível do preenchimento do conceito de «degradação pedagógica» e ao nível da sua valoração como «manifesta», ostensiva ou incontroversa.

Mas também os próprios requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, concedem ao aplicador margem para contemplar a maior ou menor gravidade da infração.

Vejamos os requisitos cuja preterição importa tal consequência:

«Artigo 14.º

(Requisitos da autorização de funcionamento)

                  1 — Constituem requisitos cumulativos de concessão da autorização de funcionamento:

                  a) A idoneidade civil das pessoas singulares, bem como dos titulares dos órgãos de administração de pessoas coletivas;

                  b) Um projeto educativo próprio e regulamento interno;

                  c) A relevância da oferta formativa proposta para o desenvolvimento económico e social a nível local, regional e nacional;

                  d) O envolvimento institucional de entidades do setor económico e social, designadamente através da participação destas entidades em órgãos da escola, na definição da oferta dos cursos, na organização das atividades de formação e na inserção profissional dos diplomados;

                  e) A existência de instalações, equipamentos e recursos humanos e financeiros que comprovadamente garantam o funcionamento, com qualidade, das ofertas formativas a desenvolver;

                  f) A existência de alvará ou licença de utilização emitida pela entidade administrativa competente;

                  g) Uma direção pedagógica constituída nos termos do artigo seguinte.

                  2 — As escolas profissionais privadas podem funcionar na sede e em polos ou delegações».

Vale a pena recensear alguns dos conceitos mais ou menos vagos e indeterminados que tais normas contêm nos seus enunciados:

  1. Idoneidade civil, a comprovar nos termos do artigo 15.º;
  2. Relevância, a aferir pela oferta formativa proposta pela escola profissional em ordem ao desenvolvimento económico, segundo três graus ou âmbitos territoriais;
  3. Envolvimento institucional do setor económico e social, a aferir por indicadores quantitativos e qualitativos não estabelecidos, de adesão e compromisso;
  4. Adequação das instalações, equipamentos, pessoal e meios financeiros ao funcionamento com qualidade.

Por sua vez, no n.º 3 do artigo 63.º, do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, encontramos duas diferentes medidas, cuja adoção é vinculada no primeiro caso e discricionária no segundo, ou seja, a rescisão do contrato‑programa como ato tendencialmente vinculado e a revogação da autorização como opção ponderada autonomamente.

Determina-se a rescisão de contrato-programa de financiamento público se este for incumprido em aspetos discriminados ou se forem verificadas graves irregularidades financeiras, mas permite-se que a escola, não obstante, conserve a autorização de funcionamento.

Uma vez mais, o órgão dispõe aqui de competência para sujeitar o ato revogatório a condição suspensiva, por exemplo, de os responsáveis providenciarem pelo saneamento das irregularidades financeiras dentro de um certo prazo. No termo, averigua-se o que foi ou deixou de ser feito para sanar as disfunções.

Por último, e de acordo com o n.º 4 do artigo 63.º, a cessação de benefícios reconhecidos à escola profissional, passando pelos que decorrem do estatuto de utilidade pública, mostra-se de aplicação vinculada, na hipótese de ser verificada infração que justifique a rescisão do contrato‑programa.

A discricionariedade que encerram os poderes de aplicação e a margem de autonomia concedida por conceitos vagos e indeterminados permitem ao Ministro da Educação, de modo a não infringir a proibição do excesso, exercer tais poderes em linha com a gravidade que ostentem as infrações diante das finalidades da escola e do primado do interesse público (que passa naturalmente pelo interesse da comunidade educativa, no seu todo).

VIII

Fica claro que o legislador absteve-se de instituir, por via do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, um elenco de contraordenações ou de quaisquer outras sanções administrativas, sem embargo de ter dotado o regime de garantias direcionadas ao cumprimento das suas disposições, pelo menos, aquelas que entendeu mais significativas para o interesse público, direta ou indiretamente prosseguido por meio das escolas profissionais (cf. artigo 63.º).

Legislador que, conforme se viu, não ocultou no preâmbulo, a conveniência de um regime sancionatório, a relegar para momento ulterior e em diploma autónomo.

Uma tal hesitação deve-se porventura ao facto de as sanções administrativas a aplicar a estabelecimentos do ensino particular e cooperativo terem conhecido um percurso atribulado.

Assim, a Lei n.º 9/79, de 19 de março[25], ao delinear as Bases do Ensino Particular e Cooperativo, nada estabeleceu como quadro de referência sancionatório. Tão-pouco a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro) o viria a realizar

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, ao desenvolver a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, apesar de ter estabelecido as sanções a aplicar às entidades proprietárias dos estabelecimentos de ensino (cf. artigo 99.º, n.º 1) e aos diretores pedagógicos (cf. artigo 99.º, n.º 2) deixou ao cuidado do poder regulamentar especificar os pressupostos de aplicação de cada uma (cf. artigo 99.º, n.º 4).

O Governo veio a fazê-lo, muito depois, através da Portaria n.º 207/98, de 28 de março, a qual prontamente fez suscitar dúvidas de conformidade constitucional da norma habilitante.

E, com efeito, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 398/2008, de 29 de julho de 2008[26], julgou inconstitucional a norma de remissão regulamentar, por devolver à função administrativa a tarefa essencial de «determinar a que tipos de comportamentos seria aplicável cada uma das sanções, identificando portanto os ilícitos típicos que a lei não identificara e estabelecendo as graduações sancionatórias que ela própria não estabelecera».

De igual modo, no Acórdão n.º 410/2011, de 27 de setembro de 2011[27], o Tribunal Constitucional abonou a desaplicação por inconstitucionalidade da referida norma do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, que permitira a um ato regulamentar estabelecer «restrições ou condicionalismos essenciais ao exercício de liberdades fundamentais [onde] só são constitucionalmente admissíveis os regulamentos de execução[28]». A norma constitucional considerada infringida foi a do n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, a qual proíbe aos atos legislativos conferirem a uma portaria ou a qualquer outro regulamento o poder «de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

Voltaria a julgar inconstitucional a norma incompleta por via do Acórdão n.º 533/2011, de 15 de novembro de 2011[29], acentuando que, apesar de a norma constitucional infringida ser superveniente ao Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, o certo é que, já antes da I Revisão Constitucional, entendia-se vedada a deslegalização, como também a interpretação «autêntica» de ato legislativo por via regulamentar. A inconstitucionalidade revelava-se material, motivo por que a superveniência da norma constitucional infringida (Revisão Constitucional de 1982) era despicienda.

Ao alterar o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, através da Lei n.º 33/2012, a Assembleia da República chamou à sua competência legislativa as normas da citada portaria, incorporando-as em ato legislativo e aditando-as ao Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, o qual passou, deste modo, a compreender um corpo de normas sancionatórias (cf. artigo 99.º-B e seguintes).

A revogação global do Estatuto, a cargo do Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro[30], absteve-se de aprovar um novo quadro sancionatório, preferindo excetuar à revogação do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, o disposto nos artigos 99.º e seguintes, que permanecem a desempenhar tal função:

«Artigo 6.º

(Norma transitória)

                  1 — (…).

                  2 — (…).

                  3 — (…).

                  4 — Até à aprovação de um novo regime sancionatório, mantêm-se em vigor as disposições dos artigos 99.º a 99.º-M do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, considerando-se feitas para as normas do Estatuto aprovado em anexo ao presente decreto-lei que tratem da mesma matéria as remissões para diplomas revogados».

Como tal, importa saber se, na qualidade de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo — quando o sejam, naturalmente — as escolas profissionais estão sujeitas ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e às sanções previstas para a violação de normas ali consignadas ou se, pelo contrário, a relação de subsidiariedade a que o Estatuto se presta repudia a aplicação de normas sancionatórias por essa via.

Ao contrário do que se determinava nos diplomas que o antecederam, o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, aparentemente, deixara de especificar a título subsidiário o referido Estatuto.

Com efeito, vem disposto o seguinte:

«Artigo 63.º

(Direito subsidiário)

                  Em tudo o que não esteja especialmente regulado e não contrarie o disposto no presente decreto-lei são aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições constantes na legislação educativa».

Ao definir porém o regime jurídico por que se regem as escolas profissionais, assoma uma referência muito próxima da anterior:

«Artigo 4.º

(Regime jurídico)

                  1 — As escolas profissionais regem-se pelo presente decreto-lei e demais legislação aplicável.

                  2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, as escolas profissionais privadas regem-se ainda pelos respetivos estatutos e regulamentos internos e, subsidiariamente, pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, nos aspetos não previstos no presente decreto-lei e que não forem incompatíveis com as disposições do presente diploma.

                  3 — Às escolas profissionais públicas é ainda aplicável, a respetiva portaria de criação e, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, o disposto no Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, republicado pelo Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho, que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.»

Temos, pois, que a norma relativa ao direito subsidiário aplicável, no tocante ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não se perdeu, encontrando-se num dos segmentos do n.º 2 do artigo 4.º.

As normas do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo aplicam-se às escolas profissionais privadas quanto a aspetos pertinentes e que não disponham de tratamento normativo no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho. Isto, se de tal aplicação não resultar incompatibilidade com outras normas.

Mas, não decerto todas as normas, ainda que a sua aplicação subsidiária se revelasse compatível e pertinente.

Nada veio ulteriormente a ser disposto com relação a normas sancionatórias cuja aplicação requer outros cuidados para lá daqueles que foram considerados na norma transcrita.

O regime jurídico conheceu uma alteração, mas sem repercussões em tal domínio. Referimo-nos à Lei n.º 69/2015, de 16 de julho, que aditou ao regime das escolas profissionais um novo artigo, mas que em nada diz respeito a infrações. Note-se porém que relativamente à aplicação subsidiária do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo ampliou reflexamente o âmbito respetivo:

«Artigo 42.º-A

(Criação de escolas profissionais de âmbito municipal ou intermunicipal)

                  As escolas profissionais de âmbito municipal ou intermunicipal são criadas pelos respetivos órgãos autárquicos, sendo-lhes aplicável, com as devidas adaptações, o regime previsto no presente diploma.»

A dicotomia entre escolas profissionais privadas e públicas deixa, assim, de poder identificar o regime próprio de cada conjunto, uma vez que passou a haver escolas profissionais públicas de regime privado: as escolas profissionais de âmbito municipal ou intermunicipal.

IX

Pudemos verificar que o Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro (atual Estatuto do ensino Particular e Cooperativo) apesar de no artigo 7.º dar por revogado o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, conservou as normas que identificavam infrações e as respetivas penas. Até à aprovação de um novo regime sancionatório, segundo se dispõe na citada norma.

Importa, assim, passar em revista tais disposições sancionatórias do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, em ordem a detetar no seu teor a suscetibilidade de aplicação — por si ou subsidiariamente — às escolas profissionais de regime privado.

Ali se estabelece, em primeiro lugar, a advertência para situações consideradas de menor gravidade e que o regime das escolas profissionais privadas não parece sancionar:

«Artigo 99.º-A

                  A pena de advertência é aplicada em casos de incumprimento de determinações legais não suscetíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola, a inscrição ou o aproveitamento dos alunos»

Antecipamos com relação à norma transcrita sérias dúvidas da nossa parte em considerá-la verdadeiramente uma pena, uma sanção, contrariamente ao que ocorreria na previsão, por exemplo, da admoestação[31] ou da repreensão[32]. A este ponto voltaremos infra oportunamente.

Logo após, estabelece-se uma pena de multa — sem par no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho — e cuja determinação quantitativa permite ao órgão competente ponderar a gravidade da infração, em concreto:

«Artigo 99.º-B

                  A pena de multa de valor entre 2 e 20 salários mínimos nacionais[33] é aplicada às pessoas singulares ou coletivas titulares de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem disposições legais, nomeadamente quando:

                  a) Violem o estabelecido no artigo 94.º da presente lei, relativo à publicidade das escolas;

                  b) Suspendam, sem a necessária comunicação do Ministério da Educação e Ciência, quer o funcionamento da escola, quer algum curso ou nível de ensino;

                  c) Não prestem as informações solicitadas, nos termos da lei, pelo Ministério da Educação e Ciência;

                  d) Não dotem o estabelecimento do respetivo regulamento;

                  e) Não cumpram as regras estabelecidas para constituição dos órgãos pedagógicos e designação do diretor/direção pedagógica, bem como para a contratação do pessoal docente;

                  f) Não zelem pela segurança e conservação da documentação relativa ao funcionamento do estabelecimento, nomeadamente a relativa a alunos;

                  g) Apliquem indevidamente os apoios financeiros concedidos;

                  h) Excedam o número máximo de alunos ou não cumpram as demais especificações previstas na autorização de funcionamento concedida pelo Ministério da Educação e Ciência;

                  i) Pratiquem reiteradamente os atos descritos no artigo anterior».

Seguidamente, determinam-se duas penas de encerramento — o encerramento temporário (até dois anos) e o encerramento definitivo:

«Artigo 99.º-C

                  A sanção de encerramento de um estabelecimento de ensino particular e cooperativo por período até dois anos letivos é aplicada em casos graves de incumprimento das disposições legais, nomeadamente:

                  a) Quando o funcionamento do estabelecimento decorrer em condições de manifesta degradação pedagógica ou desvirtuamento das suas finalidades educacionais;

                  b) Quando ocorram outras perturbações graves no funcionamento do estabelecimento que impliquem o desaparecimento dos pressupostos em que se fundamenta a autorização de funcionamento, em especial no tocante à salubridade e segurança;

                  c) Quando, reiteradamente, pratiquem atos puníveis nos termos do artigo anterior.

Artigo 99.º-D

                  A sanção de encerramento definitivo é aplicada quando, decorrido o período de encerramento temporário, não forem repostas as condições normais de funcionamento do estabelecimento ou quando, reiteradamente, sejam praticados atos puníveis nos termos do artigo anterior»

Quer o encerramento temporário quer o definitivo não correspondem exatamente à revogação da autorização de funcionamento. Com efeito, o encerramento, além de impedir imediatamente a atividade da escola, traz consigo a vinculação de indeferir nova autorização enquanto perdurar a aplicação da pena.

Nos artigos imediatamente subsequentes, cuida-se das sanções a aplicar aos diretores pedagógicos, o que também não possui correspondência no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, posto que nas normas que se transcrevem individualiza-se uma responsabilidade pessoal de tais agentes sem atingir diretamente a escola ou o seu dono:

«Artigo 99.º-E

                  Aos diretores pedagógicos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que violem o disposto na presente lei e em demais legislação aplicável são aplicadas, pelo Ministro da Educação e Ciência, as seguintes sanções:

                  a) Advertência;

                  b) Multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais;

                  c) Suspensão de funções por período de um mês a um ano;

                  d) Proibição definitiva do exercício de funções de direção.

Artigo 99.º-F

                  A pena de advertência é aplicada aos diretores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas não suscetíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola ou o aproveitamento dos alunos.

Artigo 99.º-G

                  A pena de multa de valor entre 1 e 10 salários mínimos nacionais é aplicada aos diretores pedagógicos em casos de incumprimento de determinações legais ou pedagógicas, nomeadamente quando:

                  a) Não promovam o cumprimento dos planos e programas de estudos;

                  b) Não respeitem as regras estabelecidas para os atos de matrícula, inscrição e avaliação dos alunos;

                  c) Não cumpram as regras estabelecidas para a feitura dos horários;

                  d) Não prestem as informações solicitadas, nos termos da lei, pelo Ministério da Educação e Ciência;

                  e) Não assegurem a guarda e conservação da documentação em uso na escola;

                  f) Não enviem ao Ministério da Educação e Ciência, nas datas estabelecidas, as relações de docentes e alunos, nomeadamente as relativas a matrículas e aproveitamento;

                  g) Na sua relação funcional com alunos, colegas e encarregados de educação, não usarem do necessário respeito e correção;

                  h) Pratiquem reiteradamente os atos descritos no artigo anterior.

Artigo 99.º-H

                  A pena de suspensão de funções por período de um mês a um ano é aplicada aos diretores pedagógicos em caso de negligência grave ou grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, nomeadamente quando:

                  a) Prestarem ao Ministério da Educação e Ciência declarações falsas relativas a si próprios ou relativas ao corpo docente e discente;

                  b) No exercício das suas funções demonstrarem falta de isenção e imparcialidade, nomeadamente em matéria relativa à avaliação dos alunos;

                  c) Não cumprirem as obrigações que lhes cabem decorrentes dos contratos e apoios financeiros estabelecidos pelo Estado;

                  d) Não cumprirem as condições estabelecidas para a autonomia e o paralelismo pedagógico;

                  e) Incumprirem as suas obrigações de velar pela qualidade do ensino e de zelar pela educação e disciplina dos alunos;

                  f) Quando, reiteradamente, pratiquem infrações previstas no artigo 99.ºG da presente lei.

Artigo 99.º-I

                  A sanção de proibição definitiva do exercício da função de direção é aplicada aos diretores pedagógicos que incorrerem novamente nas situações previstas no artigo anterior e ainda:

                  a) Nos casos de comprovada incompetência profissional;

                  b) Nos casos de comprovada falta de idoneidade moral para o exercício das funções».

Confirma-se a consignação nestas disposições de um regime de responsabilidade disciplinar do diretor pedagógico, mas que não atinge o funcionamento da escola, pelo menos, de modo necessário.

Ao invés, com base no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, apesar de previstas medidas contra comportamentos ilícitos dos diretores pedagógicos das escolas profissionais, a consequência recai igualmente sobre o proprietário, por meio da revogação da autorização.

Encontram-se em seguida disposições concernentes à repartição de competências e ao procedimento administrativo sancionatório:

«Artigo 99.º-J

                  A aplicação das sanções previstas na presente lei é precedida de processo disciplinar, a instaurar pelo serviço do ministério que tutele a educação que seja territorialmente competente na área onde se situa a escola e a instruir pela Inspeção-Geral da Educação.

Artigo 99.º-K

                  O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro[34], deve aplicar-se, subsidiariamente e com as devidas adaptações, às situações não previstas expressamente na presente lei».

Acresce a punição própria dos estabelecimentos clandestinos de ensino particular ou cooperativo, além do critério de distribuição das receitas arrecadadas com multas aplicadas:

«Artigo 99.º-L

                  Às escolas clandestinas, além do encerramento, será aplicada, pelo Ministério da Educação e Ciência, multa entre 4 e 40 salários mínimos nacionais.

Artigo 99.º-M

                  As receitas provenientes das multas aplicadas nos termos da presente lei revertem em 60 /prct. para os cofres do Estado e em 40 /prct. para o serviço do ministério que tutele a educação que seja territorialmente competente na área geográfica em que se encontre situado o estabelecimento de ensino sancionado, destinados à ação social escolar prevista no artigo 91.º».

Como é bem de ver, o legislador optou por não adotar o modelo contraordenacional.

Trata-se de um regime que se pretende disciplinar. No artigo 99.º-K remete-se subsidiariamente para o direito disciplinar dos trabalhadores em funções públicas e no artigo 99.º-J incumbe-se a prévia instrução de procedimento disciplinar à Inspeção-Geral da Educação e Ciência.

Deparamo-nos com um conjunto relativamente variado de normas sancionatórias: algumas tradicionalmente disciplinares; outras estabelecidas não raras vezes no direito contraordenacional, como sanções acessórias; a advertência, por outro lado, a suscitar dúvidas quanto à sua natureza punitiva.

Agrupando-as de forma sistemática temos as seguintes estatuições:

             

  1. — Advertência (cf. artigo 99.º-A, artigo 99.º-E, alínea a), e artigo 99.º-F);
  2. — Multa de valor mínimo equivalente ao salário mínimo nacional, elevado ao dobro, e elevado a 20 vezes, como máximo (cf. artigo 99.º-B);
  3. — Multa de valor equivalente ao salário mínimo nacional, pelo menos, e ao seu décuplo, como máximo (cf. artigo 99.º-E, alínea b), artigo 99.º-G);
  4. — Multa de valor equivalente ao quádruplo do salário mínimo nacional, pelo menos, e quarenta vezes esse valor, como máximo, aplicada cumulativamente com o encerramento de estabelecimento clandestino (cf. artigo 99.º-L);
  5. — Suspensão de funções (artigo 99.º-E, alínea c), e artigo 99.º-H);
  6. — Proibição de exercício de funções (cf. artigo 99.º-E, alínea d), e artigo 99.º-I);
  7. — Encerramento a termo certo do estabelecimento de ensino (cf. artigo 99.º-D);
  8. — Encerramento definitivo do estabelecimento de ensino (cf. artigo 99.º-E);
  9. — Encerramento do estabelecimento de ensino clandestino, i.e., desprovido de autorização válida e eficaz (cf. artigo 99.º-L);

Tais medidas recaem sobre dois diferentes sujeitos — o proprietário e o diretor pedagógico do estabelecimento de ensino particular ou cooperativo — repartindo-se nos termos seguintes:

  1. — O encerramento sobre o estabelecimento a funcionar lícita ou clandestinamente recai, em primeira linha, sobre o proprietário;
  2. — A advertência, a suspensão e a proibição do exercício de funções sobre o diretor pedagógico;
  3. — As multas podem recair sobre o proprietário e sobre o diretor pedagógico.

Contrariamente ao encerramento compulsório, previsto no artigo 72.º, e ao qual regressaremos, o encerramento definitivo de estabelecimentos clandestinos, mais severo do que as demais sanções previstas, mostra-se verdadeiramente uma pena disciplinar.

Tanto pode aplicar-se a escolas particulares ou cooperativas criadas integralmente à margem da lei, como pode incidir em outras que, possuindo autorização de funcionamento, a viram ser revogada, anulada ou suspensa por uma medida de encerramento transitório ou definitivo.

Neste último caso, a diferença encontra-se na multa cumulativamente prevista.

Tal multa, que acresce ao encerramento de escolas clandestinas, tem em vista acrescentar um sacrifício patrimonial ao infrator ora para prevenir que este ou terceiros cometam a mesma ilegalidade ora para o privar no todo ou em parte do aproveitamento económico que a abertura ilegal da escola lhe possa ter proporcionado.

X

As medidas que recenseámos configuram sanções disciplinares, não obstante a relação jurídica administrativa entre o Estado e os sujeitos punidos não configurar uma relação hierárquica nem de nenhuma outra forma de proeminência funcional.

Com efeito, os proprietários e os diretores pedagógicos de estabelecimentos do ensino particular e cooperativo, não obstante a colaboração prestada com a sua atividade, não se encontram integrados na Administração Pública nem se encontram ao seu serviço.

Algo que decorre da proteção constitucional concedida ao direito de criar escolas particulares e cooperativas (cf. n.º 4 do artigo 43.º da Constituição) escolas essas que o Estado se limita a reconhecer e fiscalizar (cf. n.º 2 do artigo 75.º) ao invés do que ocorre com a rede de estabelecimentos públicos de ensino e que programaticamente haverá de cobrir «as necessidades de toda a população» (cf. n.º 1).

O ensino particular e cooperativo não é, entre nós, uma simples extensão da rede pública de escolas confiada a agentes alheios à Administração Pública. Faz parte das garantias do pluralismo democrático fomentado pela ordem constitucional (cf. artigo 2.º da Constituição).

Note-se porém que o ensino prestado nas escolas particulares e cooperativas é considerado de interesse público, pelo disposto no artigo 2.º da Lei n.º 9/79, de 19 de março (Bases do Ensino Particular e Cooperativo):

«Artigo 2.º

                  «As atividades e os estabelecimentos de ensino enquadrados no sistema nacional de educação são consideradas de interesse público».

De todo o modo, o direito disciplinar não tem de confinar-se ao campo das relações funcionais de subordinação hierárquica[35], apesar de ser esse o mais comum: nas relações de trabalho subordinado, quer na empresa quer no exercício de funções públicas, sendo que a intensidade do poder de direção e do dever de obediência geram disciplinas específicas, como sucede no quadro das instituições militares ou das forças de segurança.

Ensina DIOGO FREITAS DO AMARAL[36] que o direito disciplinar assenta na ordenação necessária ao bom andamento do serviço público e, no limite, à preservação do domínio público. Por isso, também os utentes dos serviços públicos (v.g. hospitais, escolas, arquivos e bibliotecas) e os utilizadores do domínio público (v.g. monumentos, praias) estão sujeitos a normas de conduta de matriz disciplinar.

De igual modo, as sanções disciplinares aplicadas pelas ordens profissionais[37] ou pelas federações desportivas[38] aos respetivos associados encontram-se à margem de relações funcionais de subordinação e o seu quadro normativo, obviamente, é outro e bem diferente daquele que enquadra o exercício do poder disciplinar pelas mesmas entidades sobre os trabalhadores respetivos.  

XI

As escolas profissionais privadas (conjunto menor do que o das escolas profissionais de regime privado[39]) são, por definição, estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo.

À partida, nada no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo obrigaria a excluir tais escolas do seu âmbito, pelo que, independentemente da remissão efetuada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, sempre seria de o aplicar às escolas profissionais, sem prejuízo das necessárias adaptações, a título de direito geral ou comum.

Sucede porém ter sido outra a opção do legislador. Assim, ao delimitar o seu próprio campo de aplicação, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo determinou o seguinte:

Artigo 2.º

(Âmbito de aplicação)

                  1 — O presente Estatuto aplica-se a todas as escolas do ensino particular e cooperativo de nível não superior com as exceções previstas no número seguinte.

                  2 — O presente Estatuto não se aplica a:

                  a) Estabelecimentos de formação e cultura eclesiástica, cujo regime está previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, nem aos estabelecimentos de ensino destinados à formação de ministros pertencentes a outras confissões religiosas;

                  b) Estabelecimentos de ensino que, exercendo a sua atividade no País, tenham sido regularmente instituídos, sejam mantidos por Estados estrangeiros e não adotem o sistema educativo português;

                  c) Escolas de formação de quadros de partidos ou outras organizações políticas;

                  d) Escolas profissionais privadas;

                  e) Estabelecimentos em que se ministre ensino intensivo, o simples adestramento em qualquer técnica ou arte, o ensino prático das línguas ou a extensão cultural.

                  3 — O presente Estatuto não se aplica ainda ao ensino individual e ao ensino doméstico.

                  4 — A não aplicabilidade do presente Estatuto aos estabelecimentos e modalidades a que se referem os números anteriores não prejudica a sua aplicação subsidiária, com as necessárias adaptações, aos referidos estabelecimentos e modalidades, sempre que a regulamentação específica expressamente a preveja ou a não exclua».

Ali se encontra excetuado o universo das escolas profissionais privadas (cf. alínea d) do n.º 2), sem prejuízo da aplicação subsidiária, com as adaptações que se justifiquem e sempre que o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, o preveja ou não impeça (cf. n.º 4).

Tal norma, ao excluir do âmbito de aplicação as escolas profissionais privadas vem quebrar uma relação de generalidade e especialidade que, de outro modo, haveríamos de descortinar entre os dois regimes.

A aplicação subsidiária de normas do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo às escolas profissionais privadas tem de passar por um crivo bastante mais apertado: o crivo da lacuna, da sua identificação e integração segundo os cânones próprios.

É dentro destes pressupostos, por conseguinte, que vamos retomar a análise do regime contido no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, e determinar até que ponto pode ir a subsidiariedade reconhecida ao Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, posto que repudia a sua vocação de lei geral com relação às escolas profissionais privadas.

XII

No artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, optou-se — e tudo indica que deliberadamente — por não consignar algumas das medidas previstas para a generalidade das escolas particulares e cooperativas. Não se estatuíram medidas sobre os diretores pedagógicos (suspensão, proibição do exercício de funções) medidas de carácter patrimonial (multas) nem a advertência.

Ao definirem-se as competências do Ministro da Educação para aplicar sanções administrativas às escolas profissionais privadas, poderia porventura encontrar-se algum indício extensivo às infrações e sanções previstas exclusivamente no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

Mas, não. Antes pelo contrário, dispõe-se na alínea f) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, competir-lhe «fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar as sanções nela previstas relativamente às escolas profissionais privadas e públicas».

Tão-pouco se estabeleceu no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, o encerramento das escolas profissionais privadas, medida que não é igual à revogação da autorização de funcionamento, pois esta pressupõe que a escola dela dispusesse.

Pode dar-se o caso de, uma vez revogada a autorização de funcionamento, o proprietário não fechar portas voluntariamente e a escola prosseguir a sua atividade. Nessa, como em outras hipóteses, descortina-se a diferença entre a revogação da autorização de funcionamento e o encerramento, verdadeira medida de polícia administrativa destinada a reintegrar a legalidade.

Privada de autorização, a escola profissional que continue a funcionar pode e deve ser tratada simplesmente como um estabelecimento de ensino particular e cooperativo, em termos tais que importa encerrá-lo, não com base no artigo 99.º-L do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, mas com base no artigo 72.º, cujo teor se transcreve:

«Artigo 72º

(Encerramento compulsivo)

                  1 — Constituem causas de encerramento compulsivo de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo:

                  a) A não existência de autorização de funcionamento nos termos previstos no presente Estatuto;

                  b) O funcionamento em condições de grave degradação institucional ou pedagógica.

                  2 – O procedimento de encerramento compulsivo é instruído pela IGEC e tem lugar por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área da educação, o qual fixa as condições e os prazos em que o mesmo pode ocorrer.

                  3 – A competência referida no número anterior pode ser delegada.

                  4 – A decisão de encerramento compulsivo é precedida da audição da entidade proprietária do estabelecimento de ensino particular e cooperativo, sob pena de nulidade.

                  5 – O encerramento compulsivo dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo pode ser solicitado às autoridades administrativas e policiais, com comunicação do despacho correspondente».

 A escola profissional não autorizada é, perante a ordem jurídica, um estabelecimento de ensino particular ou cooperativo ilegal ou clandestino.

A aplicação do artigo 72.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não leva a recorrer subsidiariamente a uma norma sancionatória, pois o encerramento ali previsto representa uma medida de polícia administrativa e não uma pena, ainda que, nos termos da alínea b) do n.º 1 esteja em causa a degradação institucional ou pedagógica.

Ao invés, nos artigos 99.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, encontramo-nos no campo de um verdadeiro e próprio direito sancionatório que, embora não revestido de todas as garantias próprias que incidem na norma incriminadora ou no ilícito de mera ordenação social, ainda assim, não consente uma tal aplicação[40].

Algo que, reiteradamente é afirmado na jurisprudência do Tribunal Constitucional: não sendo aplicáveis à punição do ilícito administrativo todos os institutos e garantias do processo penal, sem mais[41], decorrem da consagração constitucional de um Estado de direito democrático várias exigências que revestem grande afinidade[42].

É possível e desejável até ir mais longe, diante da parcimónia constitucional em matéria sancionatória não penal. Assim, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[43] consignam ao Estado de direito a função de pedra angular de todos os procedimentos sancionatórios, mesmo de natureza privada (laboral, associativa).

Numa síntese particularmente conseguida, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 41/2004, de 14 de janeiro de 2004[44], precisamente o seguinte:

              «É certo que a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediatamente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo parlamentar que atribuiu aos crimes.

                  Está, porém, consolidado no pensamento constitucional que o direito sancionatório público, enquanto restrição relevante de direitos fundamentais, participa do essencial das garantias consagradas explicitamente para o direito penal, isto é, do núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos (…). E se tal não resulta diretamente dos preceitos da chamada Constituição Penal, resultará, certamente, do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição».

Aquilo que ali se afirma com relação ao ilícito de mera ordenação social vale — decerto sem diferenças de vulto — para o ilícito disciplinar e para todas as demais normas sancionatórias aplicadas no desempenho da função administrativa.

É certo que a interdição da analogia para o ilícito contraordenacional ou disciplinar não dispõe de consagração expressa em norma constitucional, visto que no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, cuida-se apenas das garantias processuais[45] (direitos de audiência e defesa) e no artigo 165.º, n.º 1, alínea d), consigna-se à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República o «regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo».

E é verdade que a doutrina sugere duas leituras diversas da tipicidade contraordenacional. Por um lado, há quem de certo modo a relativize, considerando que o ilícito de mera ordenação social é alheio a fundamentos éticos ou morais, assentando apenas na necessidade de um mínimo de organização no mercado e nas relações sociais. Há por outro lado um outro sector da doutrina que no domínio contraordenacional entende valerem por princípio as exigências da tipicidade criminal, de tal forma que só por exceção os desvios são de consentir.

A primeira linha converge, em geral, com alguma retração em filiar a tipicidade do ilícito de mera ordenação social, pelo menos diretamente, na garantia consagrada pelo artigo 29.º, n.º 1, da Constituição[46].

Assim, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[47] sugere alguma reticência em reconhecer que a proibição de aplicar por analogia normas que definam ilícitos de mera ordenação social e os sancionem dispõe de assento constitucional. Não obstante, reconhece o valor constitucional da proibição, mas enquanto corolário do princípio da legalidade.

O Autor manifesta o entendimento seguinte:

                  «A CRP não estabelece a garantia da tipicidade, nem proíbe a analogia no âmbito das contraordenações. Aquela garantia e esta proibição decorrem do princípio da legalidade, mas a omissão da proibição expressa da analogia revela um ‘enfraquecimento da tipicidade’ e mesmo do princípio da legalidade derivado da menor ressonância ética deste ilícito e da menor gravidade das suas sanções».

De modo aproximado, pronuncia-se AUGUSTO SILVA DIAS[48]:

                  «A exigência de lei estrita visa a proibição da analogia (da analogia legis, entenda-se, não da analogia juris) para qualificar um facto como contraordenação e para agravar a responsabilidade contraordenacional. Embora a proibição não esteja prevista expressamente na Constituição e no RGCO, o que pode sugerir um certo ‘enfraquecimento da tipicidade’, a doutrina e a jurisprudência nacionais conferem-lhe plena vigência no Direito das Contraordenações. Uma vigência que não é ditada pelo princípio da separação de poderes (legislativo/judicial/administrativo), pois (…) a Administração pode criar e aplicar contraordenações, mas por razões de segurança jurídica e de previsibilidade da atuação do poder punitivo, uma vez que está em causa a restrição de direitos patrimoniais e de liberdades económicas.

                  Tal como no Direito Penal, a chamada analogia in bonam partem não é abarcada por aquela proibição. Uma nota de metodologia jurídica para recordar que a integração analógica começa ali onde se conclui que a previsão legal em causa não inclui o facto candidato à subsunção: este não é abrangido pelo jogo de articulação entre a letra e o sentido normativo do tipo legal».

Já outras referências ancilares da dogmática criminal propendem a um condicionamento mais apertado das infrações contraordenacionais.

JORGE FIGUEIREDO DIAS[49] não hesita em filiar a proibição da analogia in mala partem no princípio da legalidade criminal, assim como as exigências de determinabilidade nos tipos legais, sem que uma pretensa neutralidade axiológica do ilícito de mera ordenação social tenha algo a dizer sobre o assunto[50].

Não se trata de um princípio genérico de legalidade, tão-pouco da legalidade administrativa — fundamento e limite da atividade administrativa (cf. artigo 266.º, n.º 2, da Constituição) — mas da legalidade que a norma constitucional do artigo 29.º, n.º 1, faz irradiar para os demais ramos do direito público sancionatório.

O citado Autor afirma-o de modo igualmente perentório com relação ao direito disciplinar:

                  «Contestada deve igualmente ser a doutrina segundo a qual a essência e o fundamento do ilícito disciplinar conduziriam à conclusão de que nele se trata de um direito referido ao agente[51](x), diversamente do que sucede com o direito penal próprio de um Estado de direito democrático que tem de ser por força um direito referido ao facto […]. O que estaria ligado sobretudo à circunstância de as exigências da tipicidade das infrações — e consequentemente também da culpa — se encontrarem no direito disciplinar extremamente amortecidas relativamente ao que sucede, por força do estrito princípio de legalidade […] no direito penal. Não deve ser assim; e não é assim segundo o direito disciplinar português vigente. Sem prejuízo de dever reconhecer-se que o direito disciplinar é, em maior medida que o direito penal, orientado para o agente, não pode esquecer-se que se trata aqui de direito sancionatório e que por isso uma consistente defesa dos direitos dos arguidos impõe que sejam respeitados no essencial os princípios garantísticos que presidem ao direito penal».

Bem assim, afirma TIAGO LOPES DE AZEVEDO[52] que «os pressupostos devem estar de tal forma especificados que não deixem margem ao agente que se praticar determinado ato, ele vai ser sancionado como contraordenação». E acrescenta[53] parecer-lhe inadmissível, por isso, haver tipos contraordenacionais meramente exemplificativos, lançando mão, a título complementar de advérbios como ‘nomeadamente’ ou ‘designadamente’.

NUNO BRANDÃO[54] descortina a proibição do recurso à analogia nos dois primeiros artigos do Regime Geral das Contraordenações[55], sem prejuízo de ele decorrer sem mais do artigo 29.º, n.º 1, da Constituição:

              «Uma condenação ditada pelo Estado, em regra acompanhada da aplicação de uma sanção típicas da intervenção do Estado através do seu braço sancionatório do direito de mera ordenação social, mesmo que desprovidas da carga ética que se usa adscrever à intervenção penal, revestem-se de um peso e de um significado negativos para a esfera pessoal do visado por si só suficientes para justificar que essa ação punitiva seja rodeada e condicionada pelo núcleo essencial das garantias instituídas pelo princípio constitucional da legalidade».

E, em prol da imediata ligação ao princípio da tipicidade criminal, num sentido crítico de vasta jurisprudência constitucional, acrescenta assertivamente[56]:

              «Temos para nós que, no seu núcleo irredutível, as razões que no domínio criminal fundamentam esta autonomia do princípio da legalidade valem para justificar a sua aplicabilidade ao direito contraordenacional. Além disso, a favor dessa aplicabilidade há ainda que levar em linha de consideração a fragilização da posição do cidadão perante o poder punitivo contraordenacional do Estado a que pode conduzir a sujeição do direito de mera ordenação social apenas às garantias genéricas de um princípio estruturante com uma amplitude tão lata e com um conteúdo tão fluído como é o princípio do Estado de direito»

Chega mesmo a equacionar-se, em determinada perspetiva, uma tipicidade originalmente mais intensa no ilícito de mera ordenação social. Escreve FREDERICO DA COSTA PINTO[57] que «enquanto o crime assenta num ilícito típico (identificável socialmente e enquadrado pelo tipo), a contraordenação corresponde, em regra, a um tipo de ilícito (preordenação normativa dos deveres com tutela sancionatória subsequente)», assinalando que «[d]este ponto de vista, a tipicidade do ilícito de mera ordenação social acaba por ser mais rigorosa e mais explícita de que a tipicidade do ilícito criminal».

A ciência do direito administrativo, nas ocasiões em que se ocupa dos corolários da tipicidade normativa, apresenta-se firmemente reativa a uma eventual atenuação do princípio.  

Qualquer que seja a fonte constitucional que se divise como abrigo da rejeição de lacunas por entre as infrações administrativas[58], a proibição da analogia não perde vigor.

Os elementos essenciais da conduta ilícita devem encontrar-se suficientemente expressos e em indubitável relação com uma determinada sanção.

DIOGO FREITAS DO AMARAL[59], para quem os poderes sancionatórios da Administração Pública têm como âncora constitucional as incumbências do Governo inscritas no artigo 199.º, em especial nas alíneas c) e f) — defesa da legalidade democrática e execução das leis — considera ser a analogia com as garantias penais que concita a proibição da analogia para criar ou agravar sanções administrativas[60]:

                  «No plano substantivo, o primeiro princípio a que está sujeito o poder sancionatório da Administração é, naturalmente, o princípio da legalidade, entendendo aqui a noção de legalidade em sentido amplo, como “bloco de legalidade”. De onde resulta, por exemplo, que podem estender-se, por analogia, ao Direito Administrativo sancionatório, o princípio nullum crimen sine lege e o princípio nulla pœna sine lege (entendendo, é claro, a palavra crimen como sinónimo de “ilícito”, e a palavra pœna como equivalente a “sanção”)».

Recentemente, PAULO OTERO[61] sustentou o afastamento da aplicação analógica em direito administrativo nas «situações que, à luz da unidade do sistema jurídico, apelam a uma tipicidade natural, expressa em razões decorrentes dos princípios constitucionais da tutela da segurança, da proteção da confiança e da igualdade».

E refere, neste âmbito, precisamente as normas sancionatórias, as normas ablativas ou lesivas de posições jurídicas subjetivas de natureza pessoal ou patrimonial e as normas excecionais[62].

Por mais ou menos controvertida que seja a tipicidade sancionatória administrativa na sua intensidade (igual ou menor do que a homóloga garantia penal — nullum crimen sine lege) o repúdio da aplicação analógica de normas sancionatórias desconhece hesitações.

Admitir a revelação de infrações ou do seu agravamento por analogia com base no reconhecimento de lacunas constituiria um golpe demasiado severo para as garantias dos administrados num Estado de direito.

Mais gravemente ainda se estiverem em causa restrições que comprimam a esfera de proteção de direitos, liberdades e garantias em vista do seu regime material enunciado pela Constituição:

«Artigo 18.º

(Força jurídica)

                  1 — Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

                  2 — A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

                  3 — As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».

A lei restritiva de direitos, liberdades e garantias tem de encontrar fundamento na Constituição. Como tal, e independentemente do que se considere ser a extensão de tal requisito[63], o que dali decorre, no mínimo, é a exigência de tipicidade às restrições contempladas pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, ora transcrito, é a interdição de restrições opostas aos direitos por analogia, muito além da mera interpretação extensiva.

E quanto mais não fosse, as normas sancionatórias são excecionais em Estado de direito.

Vale dizer pois, de acordo com o artigo 11.º do Código Civil, que as normas sancionatórias «não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva».

A partir do contraponto entre analogia e interpretação extensiva, precisamente no ilícito de mera ordenação social e no ilícito criminal, concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão tirado em 4 de outubro de 2007[64], ser inadmissível o recurso à aplicação analógica de normas contraordenacionais. E acordou-o nos seguintes termos:

                  «I — Em sede de interpretação jurídico-penal está excluído o recurso à analogia.

                  II — Por um lado, o direito penal não contém lacunas, devido às suas características de subsidiariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológico-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude.

                  III — De outro ângulo, o princípio da legalidade, exigindo a determinação, com o máximo de objetividade, de todas as componentes do facto que é objeto da incriminação, impõe que o tipo legal não possa conter zonas lacunosas ou vazias, que possam vir a ser integradas pelo recurso à solução conferida a casos análogos.

                  IV — Não está, porém, excluída a interpretação extensiva, pois sendo o texto legal constituído por palavras e sendo estas, quase sempre, polissémicas, «tal texto torna-se carente de interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, Tomo I, págs. 175 e s.).

                  V — Os princípios hermenêuticos acabados de referir aplicam-se às contraordenações, não obstante as diferenças que distinguem o direito penal primário ou secundário do regime contraordenacional.

                  […]             

                  XIII - Em conclusão: na previsão do artigo 212.º cabem, por interpretação extensiva, os órgãos de comunicação social. Com efeito, não se trata de lacuna que importasse preencher pelo recurso a outras normas ou aos princípios gerais do direito, mas de reconstituição do pensamento legislativo sem extravasar o teor verbal da lei.

                  XIV - E não se vê como tal interpretação seja inconstitucional, nomeadamente por referência ao artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, que se reporta ao chamado princípio da legalidade da lei criminal. É que não se trata de falta de lei ou de falta de previsão legal mas de lei já existente ao tempo da prática do facto e prevendo o mesmo facto, mas apenas sujeita a uma interpretação extensiva, permitida no âmbito da interpretação da lei criminal e, por maioria de razão, no âmbito contraordenacional.

Assim já o entendera o Supremo Tribunal de Justiça, ao concluir em acórdão de 9 de dezembro de 1988, o seguinte:

                  «Embora o mesmo facto ilícito possa dar origem, cumulativamente, a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, cada uma das formas de responsabilidade tem um enquadramento legal próprio e, por se tratar de normas excecionais, não é de aplicar analogicamente, porque a tal se opõe o artigo 11.º do Código Civil».

E, em especial, no domínio tributário, tem o Supremo Tribunal Administrativo, invocado contra a analogia o regime próprio das normas excecionais, designadamente em acórdão de 21 de outubro de 1992[65], ao afastar a interpretação do conceito de contribuição predial de modo a abranger a contribuição autárquica: «a norma não estaria então a ser objeto de interpretação extensiva mas de aplicação analógica, vedada pelo artigo 11.º do Código Civil».

Tal distinção entre analogia e interpretação extensiva não pode pois ser menosprezada, como opõe JORGE FIGUEIREDO DIAS[66] a uma suposta indiferenciação entre ambas as operações:

                  «Decerto que o processo lógico é o mesmo, decerto que interpretação e integração são momentos, ambos, de um processo metodológico de aplicação fundamentalmente unitário. Mas nada disto ofusca a circunstância de que existem processos hermenêuticos cuja conclusão se mantém no quadro dos significados comuns atribuídos às palavras utilizadas pelo legislador e processos cuja conclusão o ultrapassa: e é isto o essencial para observância do conteúdo de sentido legitimador do princípio da legalidade».

Queremos, assim, afirmar que, independentemente de a descrição típica do ilícito administrativo poder, ou não, exibir menor densidade do que a da norma criminal, por recurso a enunciados relativamente indeterminados[67], consentir, ou não, em molduras bastante vagas para as coimas, de porventura serem admitidas normas remissivas, assim como eventuais dissociações discursivas entre o tipo e a sanção, tal não autoriza a aplicação analógica in mala partem de normas sancionatórias.

Exige-se um mínimo de tipicidade. Desse mínimo faz parte a interdição de infrações configuradas num juízo de similitude, por muito que o princípio da igualdade reclame a analogia[68].

Ora, aplicar subsidiariamente normas do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo ao regime jurídico das escolas profissionais, não haja dúvida de que obrigaria a nele procurar previsão normativa o mais semelhante possível para depois recolher a estatuição e devolvê-la ao regime subsidiado.

Por outras palavras, a operação consistiria em identificar uma lacuna e recorrer à analogia como modo de integração.

Aplicar às escolas profissionais privadas as sanções previstas e punidas nos termos dos artigos 99.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, representaria sem dúvida alguma infringir a proibição de analogia sancionatória (in mala partem).

XIII

Antes de prosseguirmos, afigura-se pertinente suscitar ainda uma questão intercalar, cuja resposta, a ser afirmativa, permitiria acrescentar mais um fator de flexibilidade à (aparente) rigidez das normas do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho.

Consiste em saber se o aplicador das medidas ali consignadas pode, ao menos, adotar sanções substitutivas, à semelhança do que permitem, verificados certos pressupostos, o regime geral das contraordenações e o Código Penal.

Tal questão encontra-se estudada, se bem que em plano algo diverso – o da aplicação de pena substitutiva no lugar de coima – por MÁRIO FERREIRA MONTE[69].

A diferente natureza do ilícito penal e do ilícito de mera ordenação social inviabilizam uma tal substituição, sem prejuízo de o regime geral ou os regimes especiais de certas contraordenações poderem dispor, como dispõem, de sanções substitutivas da coima.

Refere-se o Autor, de modo paradigmático, à Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro[70], em cujo artigo 17.º, n.º 3, se dispõe que «[e]m alternativa às sanções previstas nos números anteriores, pode a comissão, mediante aceitação do consumidor, determinar a entrega a instituições públicas ou particulares de solidariedade social de uma contribuição monetária ou a prestação de serviços gratuitos a favor da comunidade, em conformidade com o regime dos n.os 3 e 4 do artigo 58.º do Código Penal».

Conclui pela impropriedade de tal solução fora de regimes especiais, não só por poder colidir com o regime geral das contraordenações[71] mas também por causa das diferentes finalidades da sanção penal e da sanção contraordenacional.

Já porém a respeito da admoestação, MÁRIO FERREIRA MONTE inclina-se para, depois de um necessário ajustamento legislativo, admiti-la em substituição da coima[72], seja pela natureza que reconhece à sanção contraordenacional (admonitória e ordenada à preservação de uma certa disciplina social) seja porque o regime geral das contraordenações prevê a admoestação em substituição da coima, no artigo 51.º. Em todo o caso, afirma a necessidade de harmonizar os regimes contraordenacionais geral e especial da admoestação.

No caso da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro — proposta como exemplo pelo Autor — o regime da admoestação (cf. artigo 18.º) diverge sensivelmente do regime geral sem que possa aplicar-se subsidiariamente, «pois que neste ponto particular não há lacuna alguma[73]».

Revertendo ao artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, seria ainda mais arrojada uma aplicação subsidiária do regime da admoestação penal ou contraordenacional, substituindo as sanções nela previstas.

É que as normas ali consagradas, apesar rotuladas na epígrafe como sanções, podem porventura nem o ser sequer. Nelas se descortina, como veremos, o fim típico de outras normas de polícia administrativa. Aquelas que visam a prática de atos ou simples operações materiais que previnam ou ponham termo a factos ilícitos pelo elevado risco que representam.

XIV

É por isso que, aqui chegados, não estamos em condições de passar, sem mais, à segunda das questões submetidas a parecer: a de saber se, perante a inaplicabilidade subsidiária às escolas profissionais privadas dos artigos 99.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, dispõe o Governo de poderes legislativos próprios para definir normas sancionatórias para as infrações ao Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, ou se precisa de propor e obter autorização legislativa da Assembleia da República.

Confrontamo-nos com uma (derradeira) questão prévia e que nos limitámos a aflorar entre as dúvidas acerca da natureza sancionatória da advertência e a comparação entre o encerramento compulsório e os demais encerramentos estatuídos.

Questão cujo tratamento não deve ser protelado, pois, a considerar-se que a fixação dos pressupostos e das sanções por violação do regime das escolas profissionais pertence à reserva de competência legislativa parlamentar, teríamos de admitir, bem assim, que as normas do artigo 63.º, ao consignarem as sanções ali previstas (revogação da autorização, rescisão de contrato, cessação de benefícios) seriam igualmente inconstitucionais.

Ora, a verdade é que tais normas, ao contrário das que se encontram nos artigos 99.º-B e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, em rigor, não contêm sanções.

Encontram-se muito próximas da categoria que já identificámos, a respeito do encerramento compulsivo de escolas particulares e cooperativas: normas que contêm medidas de polícia administrativa.

Procuremos saber o que diferencia umas e outras.

Este corpo consultivo já demarcou, por diversas ocasiões alguns traços dos atos de polícia administrativa, justamente para explicar o motivo por que não se aplica um regime inteiramente igual ao das sanções administrativas.

Assim, no Parecer n.º 35/89, de 25 de outubro de 1990[74], considerou-se que «o encerramento de estabelecimentos ou consultórios (…) não tem natureza criminal não relevando do direito penal ou processual penal, revestindo a natureza de medida de policia, com sede própria no direito administrativo, sujeita aos respetivos princípios».

No Parecer n.º 28/2008, de 8 de maio de 2008[75], pode ler-se:

                  «A atividade policial, enquanto atividade administrativa de prevenção de danos sociais, pode assumir diferentes perfis em função da especificidade dos bens ou interesses a acautelar. (…)

                 

                  O artigo 272.º, n.º 1, da Constituição da República, estabelece que «[a] polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.

                 

                  Perante esta configuração constitucional, a conceção funcional de polícia adquiriu outra abrangência. A noção de polícia não se confina já a uma atividade de cariz negativo, de restrição de direitos, antes se alarga a intervenções vinculadas de proteção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ao lado da polícia administrativa geral – polícia de ordem e de segurança – admite ainda a doutrina a existência de polícias administrativas especiais que asseguram a proteção de um certo e determinado bem ou interesse social, definidos por lei».

E já anteriormente, no Parecer n.º 162/2003, de 18 de dezembro de 2003[76], afinara-se um conceito de polícia administrativa muito semelhante:

                  «A polícia administrativa traduz uma forma de atuação da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, com o objetivo de evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir».

Estabelecendo mais de perto a relação com o conceito de ordem pública, concluiu-se no Parecer n.º 6/96 (C-B), de 25 de março de 1999[77], nos termos seguintes:

                  «Interessa essencialmente à polícia administrativa a prevenção de danos sociais, visando os atos e medidas de polícia a tutela contra os perigos que ameacem a segurança pública e as turbações que prejudiquem a ordem pública numa perspetiva preventiva, não sancionatória.

                  A ordem pública compreende o conjunto de condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais, nuclearmente segundo a trilogia funcional da defesa da tranquilidade, segurança e salubridade».

Refira-se ainda o Parecer n.º 52/93, de 9 de dezembro de 1993[78], em que este corpo consultivo pôde divisar no encerramento do estabelecimento, ora uma sanção contraordenacional acessória, ora uma verdadeira medida de polícia administrativa, consoante as normas que o prevejam:

                  «Se a medida de encerramento do estabelecimento, representar a sanção acessória duma contraordenação, nos termos do disposto pelo artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 328/86, de 30 de setembro, o agente da infração que não a acatar, não incorre na prática de um crime de desobediência.

                 

                  Se a ordem de encerramento de um estabelecimento, emanada de um governador civil, no exercício das suas funções de polícia, não for cumprida pelo respetivo destinatário, pode o governador civil tomar as providências necessárias no sentido de que seja dada execução material ao ato, requisitando para o efeito, de acordo com as respetivas competências, a intervenção das forças de segurança aos comandantes da PSP ou da GNR instalados no distrito - alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 252/92, e artigos 11.º do Estatuto da PSP e 16.º da Lei Orgânica da GNR, aprovados, respetivamente, pelos Decretos-Leis n.ºs 151/85, de 9 de maio, e 231/93, de 26 de junho».

Explica CATARINA SARMENTO E CASTRO[79] que a noção de polícia deve ser delineada sob duas perspetivas: «o plano dos bens protegidos (que corresponde à salvaguarda de bens ou domínios existenciais coincidentes com o âmbito normativo recortado pelas normas constitucionais relativas à polícia) e o do modo como se desenrola a atividade de polícia».

Pelo lado dos fins e da especialidade dos poderes exercidos, afirma JOÃO RAPOSO[80] que a polícia se caracteriza pelo objetivo de «assegurar um estado de ordem e tranquilidade pública e o normal exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, poderes esses que, em certas circunstâncias, compreendem a coação direta – isto é, o emprego da força física – contra os prevaricadores».

A atividade de polícia não se reduz mais à salvaguarda da ordem pública tradicional (tranquilidade, salubridade e segurança) a partir do momento em que nela se encontra um meio indispensável para satisfazer aos deveres de proteção que muitos direitos fundamentais reclamam dos poderes públicos[81]. Não tem necessariamente de ser restritiva[82] e nem todos os meios ao seu dispor revestem natureza coativa.

À partida, o denominador comum encontra-se não tanto no uso da força como no perigo. Perigo que justifica medidas de prevenção e medidas de precaução[83].

A estas, contudo, devemos acrescentar, como marca peculiar da polícia administrativa, no exercício de poderes de autotutela declarativa e executiva, medidas de reintegração ou de reparação da legalidade infringida e do interesse público lesado. É o caso, no direito urbanístico, da intimação para demolir seja uma edificação em ruína iminente seja uma obra clandestina, ou no direito do ambiente, para repor em condições certo bem protegido (prejudicadas por comportamento ilícito ou por causas naturais).

No lugar do perigo, pode haver já um facto consumado, mas que importa erradicar, quanto antes, pois lesa continuadamente o interesse público, quebra a unidade da ordem jurídica e comprime o primado da lei. Estamos em ambos os casos no terreno das medidas de polícia criminal ou administrativa.

Medidas de polícia que, nas palavras de J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[84] «não se confundem com as chamadas sanções administrativas».

E explicam-no do seguinte modo:

                  «Aquelas são fundamentalmente de carácter preventivo e mesmo quando assumem natureza repressiva (v.g. dispersão pela força de uma assuada), não revestem natureza sancionatória ou punitiva (cf. Ac.TC n.º 489/89). A aplicação de sanções exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais da polícia».

A generalidade das licenças e autorizações, das habilitações e homologações, das certificações e reconhecimentos administrativos são medidas de polícia administrativa tanto como as intimações prescritivas ou proibitivas de comportamentos ou o emprego de meios coercivos para fazer cumprir um ato administrativo, um regulamento ou uma lei, dentro de certos pressupostos.

Devem consistir tais medidas, salvo casos de estado de necessidade, «em procedimentos individualizados e com conteúdo suficientemente definido na lei seja qual for a sua natureza: quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares, medidas de coerção ou operações de vigilância, todas as medidas de polícia estão sujeitas ao princípio da precedência de lei e da tipicidade legal[85]».

É o que resulta do n.º 2 do artigo 272.º da Constituição e que se presta quer às medidas de polícia criminal, quer às medidas de polícia administrativa geral ou especial[86]:

Artigo 272.º

(Polícia)

                  1 — A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.

                  2 — As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

                  3 — A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

                  4 — A lei fixa o regime das forças de segurança, sendo a organização de cada uma delas única para todo o território nacional».

Sucede, como se vê, que no n.º 3 aditam-se outras exigências às medidas de polícia criminal, o que revela ser a respetiva tipicidade mais criteriosa do que a previsão legal das medidas de polícia administrativa, em geral (n.º 2) sem prejuízo, claro está, do princípio da competência[87]

Há, pois, quem, como JOÃO RAPOSO[88], distinga polícia em sentido subjetivo, característica das forças de segurança e dos órgãos de polícia criminal, da polícia em sentido apenas objetivo — os atos administrativos em matéria de polícia.

Em sentido objetivo, a fiscalização das escolas profissionais privadas, a cargo da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, desincumbindo-se da tarefa consignada no n.º 2 do artigo 75.º da Constituição, representa, sem dúvida, uma tarefa de polícia administrativa[89]. E cuida tal tarefa não apenas de garantir a observância da lei, enquanto ordem pública educativa, mas também, e não menos importante, de salvaguardar os direitos fundamentais dos alunos e de outros membros da comunidade escolar.

Num sentido ainda mais amplo de polícia administrativa, a aplicação de sanções coexiste com as demais medidas[90]. Mas isso não significa que se confundam. É o que analisaremos em seguida.

XV

As medidas de polícia administrativa, embora ordenadas e transmitidas a uma pessoa singular ou coletiva que exerça domínio material sobre certa coisa ou esteja em condições de efetuar certa prestação, têm como objeto mediato factos que constituem um risco anormal para a ordem pública, acima do risco permitido. A desconformidade com a lei leva a presumir esse risco sempre que a lei tenha em vista, precisamente, contê-lo dentro de um padrão razoável. Logo que a situação se modifique, extinguindo-se o risco ou regressando ao limiar tolerável — algo que o retorno à conformidade com a lei permite presumir — a medida de polícia administrativa deve ser revogada ou declarada a sua caducidade. Cumpriu-se. A necessidade que a justificava ficou para trás e o interesse público turbado encontra-se salvaguardado ou reintegrado.

Ao invés, as sanções administrativas em sentido próprio, guardam como finalidade determinante a punição, a repressão de certos comportamentos. Sem estatuição sancionatória, muitas infrações a normas imperativas de direito público inculcariam na comunidade uma convicção generalizada de inconsequência na preterição da lei e do interesse público. De igual modo, a sanção obriga a sopesar os proventos que o comportamento ilícito propicia com a representação desfavorável da aplicação da pena ou da coima e seus efeitos aflitivos. Aplicada a sanção, ela perdura pelo tempo por que foi fixada, independentemente da situação que a suscitou. O que é próprio de um juízo de censura, de reprovação. Por outro lado, a sanção administrativa resulta de um juízo de imputação, tendo como pressuposto certa atuação ilícita do agente devidamente provada.

Já as medidas de polícia são adotadas abstraindo da licitude ou ilicitude do comportamento dos destinatários. Se uma edificação se encontra em risco iminente de colapso, se um engenho explosivo se encontra em lugar indevido, pouco importa saber se os seus proprietários agiram no cumprimento das normas a que se encontravam obrigados, ou não.

Julgamos oportuno, pela estreita afinidade de considerações, revisitar o que se discorreu no Parecer n.º 12/2016 (CA), de 15 de setembro de 2016[91]:

                 

                  «Se uma edificação apresenta sinais de ruína iminente e se os proprietários não cumprirem voluntariamente a ordem municipal de demolição, o presidente da câmara municipal mandará executar coercivamente as operações. Não se trata de os punir (podem até ter acabado de realizar obras de conservação ou imputar a ruína à deterioração ao prédio vizinho) mas de remover o perigo que a situação do imóvel constitui para a segurança de pessoas e bens, para o interesse público[92].

              A sanção deverá recair, mais tarde – sendo caso disso –, sobre quem tiver responsabilidade contraordenacional, disciplinar, civil[93] ou até criminal, mas o interesse público não se compadece com um procedimento sancionatório para, de imediato, remover o perigo ou embargar o seu agravamento.

                  Só um conceito estrito de sanção administrativa pode diferenciá-la de outras providências previstas na lei que tenham como pressuposto a infração de uma norma jurídica de direito público: “Assim, a sanção administrativa destina-se a castigar o responsável da violação com o escopo de dissuadir seja o sujeito (prevenção especial), seja outros consórcios (prevenção geral) de cometerem futuras violações do preceito de tutela do interesse geral[94]”.

                  Sintomática desta dualidade é a prescrição. Ao passo que o ilícito de mera ordenação social, o ilícito disciplinar, o ilícito penal e o ilícito civil prescrevem, já a reposição da ordem pública não é afetada pelo decurso do tempo. Como tal, se os sinais de ruína persistirem não é por ter prescrito o dever de pagamento da coima que o proprietário se exime ao dever de demolir a edificação ou sujeitar-se a que o município se substitua e execute a demolição a expensas suas.

Tome-se como hipótese cogitada o encerramento de uma escola por ordem das autoridades administrativas competentes. Se, por hipótese, o edifício da escola for encontrado em condições sanitárias incompatíveis com os padrões exigidos, haja ou não imputação desse resultado ao proprietário ou à direção, é determinado o encerramento como medida de polícia administrativa. A escola deixou de apresentar as condições que permitiram, no passado, outorgar-lhe autorização de abertura ou de funcionamento. O encerramento traz consigo implicitamente a suspensão ou a revogação do ato que permitia manter aberto o estabelecimento. Por isso, o funcionamento passa a ser proibido, desde então. É possível que a providência adotada — pela administração educativa ou pelas autoridades de saúde — seja compreendida socialmente como uma sanção, como uma pena, em vista das consequências desfavoráveis que produz. Contudo, a verdade é que o fim da medida é simultaneamente preventivo e reintegrativo, mas não repressivo. Os meios são compulsórios, mas não punitivos.

O fim é preventivo porque tem em vista impedir a consumação de danos iminentes ou o seu agravamento.

É de reparação[95] ou reintegração porque tem como desiderato induzir os proprietários e a direção da escola a tudo fazerem para reaver a salubridade das instalações, o concreto e individualizado interesse público, repondo as condições prescritas na lei para que possa abrir ao público. Se não estiver ao seu alcance, por razões objetivas (v.g. infestação generalizada de ratos na localidade) ainda assim a escola permanece fechada, independentemente da responsabilidade subjetiva ou objetiva de quem quer que seja (em último caso, o município ou o Estado, porventura).

De modo diverso, se a escola for encerrada por dois anos letivos, no termo de um procedimento administrativo que levou a imputar certa infração ao proprietário, o fim determinante do encerramento é punitivo. A infração pode até já ter cessado, mas é preciso afirmar na comunidade que o desrespeito pela lei não é inconsequente para quem tem nas suas mãos a escolha entre agir lícita ou ilicitamente.

Por outro lado, é preciso estiolar os eventuais benefícios arrecadados por via do comportamento ilícito (v.g. acréscimo de receitas ou despesas impropriamente evitadas) seja para que o infrator não reincida, seja para que outros sujeitos não alimentem expetativas ilegítimas de impunidade, caso pretendam atuar da mesma forma.

A sanção administrativa é, de certo modo, o anverso das medidas premiais, de incentivo ou estímulo a certas iniciativas dos particulares no exercício da liberdade de fazer ou não fazer ou, sendo caso disso, que superem limiares mínimos no cumprimento de um dever.

Nas palavras de JOSÉ ANTÓNIO VELOSO[96], a punição importa privar alguém de um direito com um título diverso daquele em que se funda o poder sancionatório. É, pois, justamente o caso da pena de prisão: a liberdade da qual se é privado depois da condenação não dependia de nenhum ato administrativo que a reconhecesse ou constituísse. É, inversamente, o que sucede quando é revogada uma autorização ou uma licença por laboração ou funcionamento inadequados.

Nesta orientação que acompanhamos, revogar uma autorização ou uma licença por se ter verificado uma alteração de pressupostos essenciais em que uma ou outra se tinham fundado validamente, não é mais do que praticar um ato contrário em ordem ao restabelecimento da legalidade.

Assim, as medidas enunciadas no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, são, todas elas, pertencentes à primeira categoria, a das medidas de polícia administrativa, pese embora o legislador tenha adotado uma inequívoca denotação sancionatória na epígrafe — sanções. Todavia, a designação não vincula o intérprete logo que as normas evidenciem um uso impróprio de certa expressão.

Sendo a revogação da autorização justificada pelo facto de terem perecido os pressupostos de facto essenciais ao deferimento, e se a lei prevê tal revogação, deve reconhecer-se que a eficácia da autorização não se mostra incólume a determinadas alterações.

Na verdade, o ato permissivo foi praticado sob reserva de revogação ou, dito por outras palavras, a sua eficácia depende da observância continuada de certos modos ou condições sem as quais não poderia ter sido praticado validamente.

De igual modo, a rescisão de eventual contrato-programa entre o Estado e os titulares da autorização de funcionamento deve-se à inobservância de todas ou algumas condições que sustentaram a validade do contrato ao tempo em que foi outorgado.

XVI

Não se ignora que as expressões ‘revogação sancionatória’ e ‘resolução sancionatória’ colhem uso frequente na legislação e entre a doutrina, por vezes para referir atos administrativos secundários que, por razões de mérito, afetam direitos dos particulares, mas que, bem vistas as coisas, dispensam um comportamento ilícito do titular do direito constituído.

Assim, MIGUEL PRATA ROQUE[97] considera que a revogação sancionatória, de par com a privação temporária de direitos sob condicionamento ou habilitação administrativa, e ainda as sanções pecuniárias compulsórias, constituiriam o que denomina direito sancionatório administrativo em sentido estrito, posto que não encontram lugar entre os demais ramos do direito sancionatório em sentido amplo: contraordenacional, disciplinar e financeiro.

DIOGO FREITAS DO AMARAL[98] entende que a denominada revogação sancionatória corresponde «ao único caso em que um ato administrativo válido e constitutivo de direitos pode ser revogado pela Administração sem o consentimento do seu destinatário, ou até contra a vontade dele, e sem que ele tenha direito a qualquer indemnização».

Todavia, o novo Código do Procedimento Administrativo, que hoje consigna expressamente poderes de revogação de atos válidos e constitutivos de direitos (cf. alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 167.º) não só dispensou qualquer pressuposto de ilicitude, como num dos casos (superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou alteração objetiva das circunstâncias de facto) determina o abono de indemnização por facto lícito (cf. n.º 5 do artigo 167.º).

Por seu turno, no artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos[99], cuida-se da chamada resolução sancionatória, designadamente «por incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao cocontratante» (cf. alínea a) do n.º 1).

Tal resolução, muito provavelmente, é tomada pelo cocontratante e até pela opinião pública, se o interesse geral for despertado, como uma sanção, mas ela constitui, do ponto de vista jurídico, uma providência de que o contraente público pode e deve lançar mão a fim de que o interesse público deixe, o mais brevemente possível, de ser lesado.

Haverá outros fundamentos para a resolução que, ao invés, podem nem sequer decorrer de um concreto transtorno sofrido pelo interesse público prosseguido pelo contrato. No entanto, por conta da unidade da ordem jurídica e do princípio da legalidade administrativa, há comportamentos que tornam inviável conservar na posição de cocontratante alguém que atua de modo acintosamente contrário à lei. Aí se encontra a resolução sancionatória em sentido próprio.

É, em nosso entender, o que ocorre com a resolução determinada pelo valor acumulado de sanções pecuniárias que exceda 20/prct. do preço contratual (cf. n.º 2 do artigo 329.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 333.º do Código dos Contratos Públicos). Por inverosímil que pareça, pode, em tais circunstâncias nem se avistar sequer uma perturbação significativa do interesse público alcançado pela execução do contrato, mas o certo é que o contraente público levantaria intoleráveis suspeitas de parcialidade caso deixasse inalterada a relação jurídica administrativa constituída com o cocontratante particular. Por seu turno, a confiança depositada no cocontratante, quando da adjudicação, ficou derradeiramente comprometida pelos atos ilícitos que praticou, deitando a perder a idoneidade que lhe fora reconhecida.

Se a resolução sancionatória e a resolução reintegrativa acabam ambas por obedecer a muitos aspetos comuns de regime, nem por isso deixa de ser assinalada no artigo 302.º do Código dos Contratos Públicos a diferenciação entre uma e outra. Veja-se o teor da disposição:

Artigo 302.º

(Poderes do contraente público)

                  Salvo quando outra coisa resultar da natureza do contrato ou da lei, o contraente público pode, nos termos do disposto no contrato e no presente Código:

                  a) Dirigir o modo de execução das prestações;

                  b) Fiscalizar o modo de execução do contrato;

                  c) Modificar unilateralmente as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público, com os limites previstos no presente Código;

                  d) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato;

                  e) Resolver unilateralmente o contrato;

                  f) Ordenar a cessão da posição contratual do cocontratante para terceiro».

Comparando o enunciado das alíneas d) e e) ressalta inequivocamente que a resolução unilateral pelo contraente público e a aplicação das sanções previstas para o incumprimento constituem poderes distintos. A resolução unilateral pode mostrar-se ou não sancionatória e, por sua vez, nem todas as sanções importam a resolução do contrato administrativo.

É neste enquadramento que devemos situar as disposições do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, para daí retirar proventos imediatos para a consulta solicitada.

XVII

Mas é neste enquadramento outrossim que devemos colocar a advertência prevista no artigo 99.º-A do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, malgrado a qualificação que o legislador lhe concedeu: «A pena de advertência é aplicada em casos de incumprimento de determinações legais não suscetíveis de comprometerem o normal funcionamento da escola, a inscrição ou o aproveitamento dos alunos».

A advertência é comumente identificada entre as medidas de polícia administrativa[100], permitindo ilustrar melhor a natureza destes atos e operações materiais, que, como vimos, nem sempre transportam consigo um vetor coercivo.

Ela circunscreve-se a chamar a atenção[101], a dar conhecimento de ter sido verificada uma irregularidade que importa sanar, mas em si mesma nada modifica na ordem jurídica, em nada penaliza o destinatário. Antes pelo contrário, previne contra a súbita adoção, mais tarde, de uma medida com efeitos verdadeiramente punitivos.

Aquilo que pudemos reconhecer na margem de autonomia concedida ao Ministro da Educação (ou no órgão em que delegue tal poder) de sopesar a gravidade das infrações ao disposto no Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, de as adotar segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, nomeadamente estipulando condições ou termos à revogação de autorização, é algo muito próximo, afinal, do conteúdo e objeto da advertência.

Perante infração para a qual se mostrasse excessivo interromper o funcionamento da escola, pode e deve lançar-se mão da advertência, transmitida à direção da escola profissional com o sentido de voluntariamente serem tomadas iniciativas de correção.

Admita-se como hipótese ilustrativa a eventualidade de serem detetados sinais de degradação pedagógica, mas não, por enquanto, de manifesta degradação.

A advertência prevista no artigo 99.º-A do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, não constituindo uma sanção, pode ser aplicada subsidiariamente e com as devidas adaptações, facultadas para esse efeito, pelo artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho. Adaptações que, neste caso, precipuamente devem consistir em tornar ciente quem for advertido de que não lhe está a ser aplicada uma pena.

Tal medida em nada impede, se for caso disso, a ulterior revogação da autorização de funcionamento, até porque, à margem do direito sancionatório, não se suscita a proibição non bis in idem[102].

Encontramo-nos, por fim, em condições de passar à pergunta formulada acerca de medida legislativa que institua um regime sancionatório das escolas profissionais, de modo a assegurar a conformidade constitucional com as reservas de competência legislativa da Assembleia da República; tarefa a que passaremos de imediato.

XVIII

Com exceção dos temas, assuntos, instituições ou domínios sectoriais especificados, Assembleia da República e Governo concorrem na competência legislativa. Isto, sem prejuízo da margem de competência reservada às assembleias das Regiões Autónomas (cf. n.º 1 do artigo 228.º da Constituição) o que para o nosso caso não releva.

Tal como compete à Assembleia da República «fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo» (cf. alínea c) do artigo 161.º da Constituição) também o Governo pode «fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República» (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º).

A descrição seria muito incompleta porém se nos abstivéssemos de referir a diferente natureza que a reserva parlamentar de competência legislativa conhece: reserva absoluta (cf. alíneas b), d), e) f) e g) do artigo 161.º e artigo 164.º) e reserva relativa (cf. artigo 165.º).

A reserva relativa permite acrescentar à competência legislativa própria do Governo uma competência derivada. Derivada por assentar em lei da Assembleia da República, aprovada sob proposta do Governo, a qual singularmente[103] lhe concede o poder de aprovar decretos-leis com objeto e conteúdo fora do seu alcance, desde que respeitando a delimitação objetiva, o sentido, a duração e a extensão da autorização (cf. n.º 2 do artigo 165.º da Constituição).

É justamente perante a reserva relativa que encontramos motivo para a interrogação a que importa dar resposta: é necessário que o Parlamento autorize o Governo a definir sanções administrativas e medidas de polícia administrativa, em especial no que diz respeito ao funcionamento de escolas profissionais privadas?

Importa reter os enunciados normativos de potencial referência, observando de perto o preceito constitucional em questão:

«Artigo 165.º

(Reserva relativa de competência legislativa)

                  1 — É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:

                  a) […];

                  b) Direitos, liberdades e garantias;

                  c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal;

                  d) Regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo;

                  (….)».

A reserva consignada na alínea c), logo à partida, mostra-se intocada, uma vez que não se trata de criar, modificar ou extinguir infrações criminais nem determinar as penas respetivas ou o processo da sua aplicação. Tão-pouco estaria em causa o conceito de medidas de segurança na extensão que lhe é reconhecida comummente, enquanto providências reservadas aos tribunais decretando a privação da liberdade ou do exercício de outros direitos a fim de prevenir que alguém inimputável ou reconhecidamente perigoso venha a praticar novos ilícitos típicos descritos em lei penal.

Por seu turno, a respeito de sanções administrativas, a reserva circunscreve-se ao ilícito disciplinar e ao ilícito de mera ordenação social[104]. E nem sequer em toda a extensão. Apenas se encontram sob a reserva enunciada na alínea d) o regime geral de cada categoria de ilícito e o regime processual que cabe às contraordenações.

As normas contidas nos artigos 99.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, assumem confessadamente natureza disciplinar e determinam a aplicação de verdadeiras punições.

Compreende-se por que motivo foram aditadas ao anterior Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo através de lei parlamentar (Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto), revogando a Portaria n.º 207/98, de 28 de março[105], que as albergava.

A não ser assim, punha-se termo à deslegalização proibida pelo n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, mas perduraria a violação da reserva relativa de competência legislativa parlamentar, nos termos que adiante serão considerados.

Como vimos, tais normas disciplinares subsistem transitoriamente no Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, posto que o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro) embora aprovado no desenvolvimento da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, nem por isso estava munido de autorização parlamentar.

O ilícito de mera ordenação social possui como regime geral o Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de outubro. Como tal, desde que o Governo se contenha às suas normas e princípios, pode por decreto-lei prever contraordenações, estabelecer coimas e sanções acessórias, sem necessidade de autorização legislativa, a menos que seja comprometida alguma outra reserva do poder legislativo da Assembleia da República.

As medidas de polícia administrativa, de natureza preventiva, reintegrativa ou compulsória, bem como outras possíveis sanções administrativas, não se encontram contempladas na reserva. No n.º 2 do artigo 272.º da Constituição fixa-se apenas, como vimos, uma reserva de ato legislativo.

Todavia, perante o n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, ainda nos falta saber se a definição de umas e outras (sanções e medidas de polícia) não é suscetível de invadir a reserva consignada na alínea b): direitos, liberdades e garantias.

XIX

Embora a garantia de um sector particular e cooperativo do ensino seja contada entre os direitos económicos, sociais e culturais (cf. n.º 2 do artigo 75.º), o direito de criação de escolas particulares e cooperativas situa-se no n.º 4 do artigo 43.º da Constituição, entre os demais direitos, liberdades e garantias, motivo por que, em certa medida, poderia ver-se na revogação da autorização de funcionamento de escolas profissionais, assim como na resolução unilateral de contratos de financiamento ou na privação de benefícios especiais, uma restrição a tal direito ou, pelo menos, uma incursão não autorizada pela reserva relativa de competência parlamentar.

De modo relativamente uniforme, a jurisprudência constitucional tem entendido que da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, decorre uma reserva que não se confina às restrições a direitos, liberdades e garantias, disciplinadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Nesse domínio, quando desprovido de autorização legislativa, o Governo apenas pode fomentar ou ampliar o exercício de uma liberdade ou cingir-se a definir, sem nada de inovador, aspetos secundários de regulação[106].

O Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, com efeito, foi aprovado sem autorização legislativa.

Cremos porém que as medidas ali estatuídas não infringem o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, como não o infringe condicionar a abertura e funcionamento de uma escola profissional privada ou cooperativa à autorização de um órgão da Administração Pública.

Refira-se, aliás, que segundo dispõe o artigo 6.º do citado diploma legislativo, «as escolas profissionais privadas e públicas prestam serviço público de educação e integram a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro».

Não é de estranhar, como ficou assinalado no Parecer n.º 23/2015, de 11 de setembro de 2015[107], que os docentes do ensino particular e cooperativo estejam sujeitos não só ao poder disciplinar do empregador, como também, em matéria de avaliação externa dos alunos, ao poder disciplinar da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (cf. artigo 51.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo).

A norma constitucional do artigo 43.º, n.º 4, assegura o direito de criar escolas sem intromissões arbitrárias que comprometam a liberdade de aprender e a liberdade de ensinar (cf. n.º 1 do artigo 43.º). Tal direito não pode exercer-se à margem de pressupostos e requisitos de ordem pedagógica, sanitária, urbanística e edificatória. Justamente por isso, no n.º 2 do artigo 75.º da Constituição, o Estado é incumbido de fiscalizar o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.

Fiscalizar antes e depois da sua instalação e abertura é algo que a norma constitucional não distingue, devolvendo o modo e oportunidade desse controlo aos termos da lei. Da lei que, neste passo, compreende o decreto-lei, pois encontramo-nos no título III da Parte I da Constituição e, por isso, aquém do regime específico dos direitos, liberdades e garantias.

Bem explicam J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA[108] que o direito de criação particular e cooperativa de escolas não compreende na respetiva esfera de proteção o reconhecimento oficial das qualificações literárias ou profissionais definidas pelo Estado e, em certa medida, pela União Europeia.

Permitir a abertura de uma escola é também credenciar as qualificações definidas de modo uniforme a nível nacional ou até de espaços internacionais mais amplos.

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, foi aprovado sob invocação da competência legislativa do Governo para desenvolver os princípios ou bases gerais «dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam» (cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição).

Trata-se do desenvolvimento das Bases do Sistema Educativo, aprovadas pela já citada Lei n.º 46/86, de 14 de outubro. Esta prevê‑o especificamente, não só em matéria de ensino particular e cooperativo, mas também no domínio da formação profissional (cf. alíneas g) e m) do n.º 1 do artigo 62.º).

No tocante ao ensino particular e cooperativo, o desenvolvimento permanece, não somente no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, como também, acima deste, nas Bases do Ensino Particular e Cooperativo, ou seja, a Lei n.º 9/79, de 19 de março, em cujas disposições se estatui o condicionamento da criação de escolas particulares ou cooperativas a autorização:

«Artigo 6.º

                  1 — O Estado apoia e coordena o ensino nas escolas particulares e cooperativas, respeitando inteiramente os direitos consignados no artigo 1.º desta lei, de modo que as desigualdades sociais, económicas e geográficas não possam constituir entrave à consecução dos objetivos nacionais de educação.

                  2 — No âmbito desta competência são, designadamente, atribuições do Estado:

                  a) Conceder a autorização para a criação e assegurar-se do normal funcionamento das escolas particulares e cooperativas, segundo critérios a definir no Estatuto dos Ensinos Particular e Cooperativo, o qual deve salvaguardar a idoneidade civil e pedagógica das entidades responsáveis e os requisitos técnicos, pedagógicos e sanitários adequados;

                  b) Proporcionar o apoio pedagógico e técnico necessário ao seu efetivo funcionamento, nos termos previstos por lei;

                  c) Garantir o nível pedagógico e científico dos programas e métodos, de acordo com as orientações gerais da política educativa;

                  d) Conceder subsídios e celebrar contratos para o funcionamento de escolas particulares e cooperativas, de forma a garantir progressivamente a igualdade de condições de frequência com o ensino público nos níveis gratuitos e a atenuar as desigualdades existentes nos níveis não gratuitos.

Artigo 7.º

                  1 — Podem requerer autorização para a criação de escolas particulares e de escolas cooperativas as pessoas singulares ou coletivas que se encontrem nas condições legalmente exigidas.

                  2 — A concessão de licenças para a criação de escolas particulares de ensino obedece aos seguintes requisitos fundamentais:

                  a) […][109];

                  b) Estar a escola dotada de instalações e de equipamento suficiente e adequado aos objetivos a que se propõe;

                  c) Comprometer-se o requerente a recrutar pessoal docente com as habilitações legalmente exigidas».

A demonstração de como o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, ao estabelecer a prévia autorização da criação de escolas profissionais, mais não faz do que reproduzir e adaptar sectorialmente aquilo que já resulta das Bases do Ensino Particular e Cooperativo, quer significar que não terá usurpado da competência legislativa reservada à Assembleia da República no que concerne a direitos, liberdades e garantias.

A concretização do direito a criar escolas e a fixação dos seus condicionamentos resultam de lei parlamentar, satisfazendo ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

No artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, não se inovou. A revogação da autorização de funcionamento e as demais medidas de polícia administrativa das escolas profissionais não são mais nem menos do que aquilo que já resulta, em matéria de revogação, do Código do Procedimento Administrativo (cf. n.º 2 do artigo 167.º), e, em matéria de resolução unilateral, do Código dos Contratos Públicos (cf. artigo 333.º).

Vale a pena retomar das disposições transcritas a alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º para realçar que ao Estado não apenas cabe autorizar a criação de escolas particulares e cooperativas, como também «assegurar-se do normal funcionamento das escolas particulares e cooperativas».

Situamo-nos, pois então, sob a égide dos direitos económicos, sociais e culturais, no ponto em que, pelo n.º 2 do artigo 75.º, a Constituição incumbe o Estado de reconhecer e fiscalizar o ensino particular e cooperativos, nos termos da lei.

XX

Pelas razões que vimos de apontar, as normas contidas no artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, respeitam a reserva de competência legislativa parlamentar, não invadindo a definição de crimes, penas, medidas de segurança tão-pouco o processo penal, não ingressando no conteúdo dos direitos, liberdades e garantias, nem derrogando regimes gerais de sanções administrativas (contraordenacionais ou disciplinares).

O Governo, contudo, tem em vista adotar um verdadeiro sistema sancionatório para as infrações ao sempre mencionado regime jurídico das escolas profissionais, até porque, como se reconheceu, não é possível aplicar por analogia as sanções enunciadas nos artigos 99.º-B e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro.

Em abstrato, a enveredar pelo ilícito de mera ordenação social, poderia o Governo exercer a competência legislativa própria que lhe assiste, contanto que se conformasse com o Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro; que se conformasse, muito em particular, com os limites das coimas e com as exigências fixadas às sanções acessórias e sem quebra das garantias e direitos que assistem ao arguido.

Em concreto, porém é necessário verificar se concorre alguma outra reserva de competência legislativa parlamentar.

Ainda recentemente, ao prolatar o Acórdão n.º 74/2019, de 29 de janeiro de 2019[110], o Tribunal Constitucional reafirmou-o com muita clareza, como se transcreve:

              «[É] da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, definir a natureza do ilícito, a tipologia sancionatória dos ilícitos contraordenacionais, fixar os limites mínimo e máximo das coimas, assim como definir as linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Significa isto que o Governo só pode editar normas, que façam parte do regime geral das infrações contraordenacionais, desde que munido de autorização legislativa, podendo legislar, sem necessidade de autorização parlamentar, fora desse regime geral, designadamente, na criação de concretos ilícitos contraordenacionais e fixação da moldura das coimas que cabem a cada infração, desde que se mova dentro dos limites da lei de enquadramento, e bem assim na estatuição de regras secundárias do processo contraordenacional correspondente (cf., entre muitos, os Acórdãos n.os 56/84, 255/88, 3/89, 356/89, 155/91, 329/92, 441/93, 74/95, 175/97, 62/2003, 578/2009, 274/2012 e 374/2013)».

O Tribunal Constitucional declarou então a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do n.º 5 do artigo 67.º dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados por decreto-lei; insuficiente para instituir um regime menos favorável ao arguido no recurso de impugnação das decisões finais que apliquem coima.

A inconstitucionalidade foi declarada, não só por violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, e do n.º 10 do artigo 32.º, como também por invasão do reduto parlamentar concernente a direitos, liberdades e garantias (cf. alínea b)).

A este propósito, pode ler-se no teor do citado acórdão o seguinte:

                  «Ora, o artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias. Deste modo, a norma em apreciação, ao comprimir sem autorização parlamentar um direito fundamental da natureza dos direitos, liberdades e garantia, padece de inconstitucionalidade orgânica».

Para criar ou agravar sanções administrativas através de decreto-lei é insuficiente, por vezes, observar a compatibilidade com o regime geral do ilícito de mera ordenação social ou com os princípios gerais de direito sancionatório, posto que a reserva parlamentar de competência legislativa em matéria de direitos, liberdades e garantias, embora relativa, é uma reserva integral[111].

Satisfazer aos limites da reserva da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não satisfaz automaticamente as demais normas de reserva de competência legislativa parlamentar.

O Governo pode criar contraordenações, fixar coimas e sanções acessórias dentro do Regime Geral das Contraordenações sem necessidade de autorização legislativa; mas, desde que não haja outra norma constitucional a exigi-la.

Se bem que o reconhecimento e fiscalização do ensino particular e cooperativo decorram de norma constitucional inscrita nos direitos económicos, sociais e culturais (cf. n.º 2 do artigo 75.º da Constituição) a criação de sanções — independentemente de constituírem restrições ou meras limitações — ocorre na esfera de proteção do direito a criar escolas particulares e cooperativas (cf. n.º 4 do artigo 43.º da Constituição) e por isso no campo dos direitos, liberdades e garantias.

A criação de escolas particulares e cooperativas, certamente por representar um esteio da liberdade de aprender e ensinar (cf. n.º 1 do artigo 43.º da Constituição) e por trazer consigo um importante contributo ao pluralismo cultural (cf. n.º 2) obteve salvaguarda própria, mais intensa do que a respeitante à iniciativa económica privada e cooperativa cujo livre exercício é praticado sob vinculação aos termos da lei e em ordem ao interesse geral (cf. n.º 1 e n.º 2 do artigo 61.º).

Refira-se que a Lei n.º 30/2006, de 11 de julho, operou uma derradeira transubstanciação de múltiplas e variadas transgressões e contravenções que persistiam em variados sectores da ordem jurídica.

Contudo, ao deparar-se com o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, limitou‑se a revogar o disposto no n.º 2 do artigo 95.º, cujo teor era o seguinte:

«Artigo 95.º

                  1 — (…)

                  2 — As multas serão aplicadas pelo Ministério da Educação e Ciência, mediante processos de transgressão».

O legislador absteve-se de instituir um quadro de sanções contraordenacionais para os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo, de modo a punir infrações praticadas contra o Estatuto respetivo. As multas previstas para as escolas particulares e cooperativas podiam ter sido convertidas em coimas e as demais penas em sanções contraordenacionais acessórias, mas não o foram.

Mais tarde, quando se mostrou necessário pôr termo à deslegalização que fora levada a cabo em afronta ao n.º 5 do artigo 112.º da Constituição, pela Portaria n.º 207/98, de 28 de março, ainda que a coberto do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, a Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto, preferiu conservar quase integralmente a natureza e o teor das normas sancionatórias, incardinando-as no estatuto de normas disciplinares.

A não ser tomada, uma vez mais, a opção de definir contraordenações, por critérios de ordem política ou de técnica legislativa, faltando ou não faltando na ordem jurídica um regime geral das infrações disciplinares, qualquer medida inovadora neste domínio que crie ou amplie o âmbito de aplicação de sanções disciplinares sujeita-se a incorrer na reserva parlamentar atinente a direitos, liberdades e garantias.

Por conseguinte, definir sanções disciplinares para infrações ao regime jurídico das escolas profissionais privadas, ainda que se revelem de conteúdo e objeto semelhante ao que se encontra nos artigos 99.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, carece de autorização legislativa.

Em tal hipótese, e como o referimos a propósito de uma medida legislativa que viesse a prever coimas por violação do regime das escolas profissionais privadas, o legislador já se encontra para lá da incumbência constitucional de legislar sobre o reconhecimento e fiscalização das escolas particulares e cooperativas. Precisa de obter autorização legislativa da Assembleia da República.

De outro modo, a criar de forma inovadora um regime sancionatório de cariz disciplinar para as escolas profissionais privadas, pode infringir-se a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, em matéria de direitos, liberdades e garantias (cf. alínea b), do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) independentemente de obliterar ou não a reserva atinente ao regime geral de punição das infrações disciplinares (cf. alínea d)).

De nada serve para esse efeito invocar o desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo ou a Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, estribando a competência legislativa do Governo na alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição. Se o desenvolvimento tocar em matéria integralmente reservada, desde que se trate de reserva relativa, terá de assentar em lei de autorização[112]. O mesmo decreto-lei pode — e em algumas circunstâncias, deve — ser aprovado ao abrigo das alíneas b) e c) do n.º 1 do referido artigo, cumulativamente.

Em termos inequívocos, consignou-se no já citado Acórdão n.º 398/2008, de 29 de julho, do Tribunal Constitucional, o seguinte:

              «Com efeito, a existência neste domínio de uma lei de bases não supre a eventual necessidade de uma lei de autorização legislativa. […]

                  Assim é por decorrer da Constituição uma distinção clara entre a ‘natureza’ da lei de bases (e o seu regime) e a ‘natureza’ da lei de autorização legislativa (e o seu regime). […]

                  Nenhuma delas pretend[e] esgotar a regulamentação da matéria sobre que vers[am], ‘devolvendo’ ambas ao Governo uma função de normação posterior; e tanto uma como a outra delimit[am], de modo vinculativo, o conteúdo da normação governamental. Mas enquanto o Governo, perante uma lei de bases, se encontra apenas vinculado a «fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios (…) contidos em leis que a eles se circunscrev[esse]m» (artigo 201.º, n.º 1, alínea c) da versão originária), perante a existência de uma lei de autorização legislativa a vinculação governamental aparecia já como algo bem mais intenso. De acordo com o artigo 168.º (sempre da versão originária) a autorização legislativa — que, aliás, ao contrário da lei de bases, devia definir a sua própria duração — não podia ser utilizada mais de uma vez, caducando quer com a exoneração do Governo a quem fosse concedida quer com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República. Nem o imperativo da utilização única nem as regras de caducidade valiam para as leis de bases».

Em suma, a competência do Governo para aprovar decretos-leis de desenvolvimento (cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º, da Constituição), também ela derivada, é inoponível à reserva da Assembleia da República, sempre que esta se mostre integral, como sucede no caso da alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º.

Assinala-se, por último, que, em caso algum, pode o legislador descurar a vinculação exercida pelas normas constitucionais que conformam o direito sancionatório administrativo: os direitos de audiência e defesa (cf. n.º 10 do artigo 32.º, e n.º 3 do artigo 269.º para o processo disciplinar da função pública), os parâmetros das restrições a direitos, liberdades e garantias, sendo caso disso (cf. n.º 2 e n.º 3 do artigo 18.º) e todas as demais a que se reconhece comummente decorrerem da consagração constitucional de um Estado de direito (cf. artigo 2.º) ou simplesmente dos direitos, liberdades e garantias que a Constituição postula com relação a normas penais incriminadoras e ao processo penal (cf. artigos 27.º e seguintes).

XXI

No termo da investigação empreendida sobre as questões suscitadas e com vista a responder ao pedido de consulta, cumpre-nos especificar as principais conclusões:

                              1.ª — As escolas profissionais juridicamente enquadradas pelo Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, prestam de forma integrada diferentes níveis de ensino e capacitação dos formandos para o mercado de trabalho, segundo as qualificações profissionais definidas pelo Estado e, em certa medida, pela União Europeia.

                              2.ª — Sem continuidade com uma longa tradição de ensino técnico, industrial e comercial prestado exclusivamente pelo Estado, e que remonta ao século XIX, o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de janeiro, abriu à iniciativa privada e cooperativa a criação de escolas profissionais.

                              3.ª — Tais escolas, conquanto sejam estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, encontram-se expressamente excluídas do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro (cf. artigo 2.º, n.º 2, alínea d)).

                              4.ª — As penas disciplinares aplicadas aos proprietários e diretores de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, consignadas no que subsiste em vigor do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, mostram-se insuscetíveis de aplicação subsidiária aos proprietários e diretores pedagógicos de escolas profissionais, por infrações praticadas contra o regime do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho.

                              5.ª — Aplicá-las subsidiariamente representaria identificar lacunas sancionatórias e recorrer à analogia a fim de as integrar, o que se tem por atentatório dos princípios gerais de direito sancionatório, indissociáveis de um Estado de direito (cf. artigo 2.º da Constituição) senão mesmo das garantias constitucionais nullum crimen sine lege e nulla pœna sine lege (cf. artigo 29.º, n.º 1 da Constituição). No limite, quanto mais não fosse, a proibição de aplicar normas sancionatórias por analogia, sempre decorreria da proibição ínsita no artigo 11.º do Código Civil relativamente a normas excecionais.

                              6.ª — Ao contrário do que sugere a epígrafe do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, referindo-se a sanções, as medidas consignadas nas respetivas normas constituem medidas de polícia administrativa.

                              7.ª — Todas elas dispensam o apuramento de responsabilidade pessoal. São adotadas apenas em ordem a assegurar ou restabelecer a legalidade e a reintegrar o interesse público educativo lesado ou em risco de o ser, precedendo a verificação de quebra em pressupostos essenciais que sustentaram a autorização de funcionamento de certa escola profissional privada ou a celebração de um contrato-programa de comparticipação financeira.

                              8.ª — A sua aplicação compreende modulações seja por via de alguns poderes discricionários conferidos ao Ministro da Educação, seja na valoração própria que suscitam os conceitos indeterminados como o de manifesta degradação pedagógica, o de relevante oferta formativa ou o de funcionamento com qualidade.

                              9.ª — Tais poderes discricionários são compatíveis com a formulação de termos, modos, condições ou reservas apostos ao ato administrativo, nos termos do artigo 149.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

                              10.ª — E porque a advertência, designada como pena no artigo 99.ºâ€‘A do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, presta-se a constituir medida de polícia administrativa, pode subsidiariamente ser aplicada ao regime jurídico das escolas profissionais, em face da iminência de factos ilícitos ou perante infrações de menor gravidade que não afetem o normal funcionamento de uma escola, de modo a que os proprietários ou a direção empreendam as correções necessárias.

                              11.ª — Importa que de uma tal aplicação decorra inequivocamente tratar-se de aplicação subsidiária do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo e com as devidas adaptações, o que significa não ir além de uma chamada de atenção para a necessidade de corrigir ou melhorar certo aspeto da atividade escolar, em termos tais que não represente uma sanção admonitória, que não se confunda com as penas de repreensão ou de admoestação.

                              12.ª — A advertência com este alcance estrito não faz precludir a ulterior revogação da autorização de funcionamento nem a resolução unilateral de eventual contrato-programa que vierem a mostrar-se necessários. Com efeito, se a advertência não surtir efeito e a perturbação do interesse público continuar a agravar-se podem tais providências ser adotadas pelo Ministro da Educação, pois entre medidas de polícia administrativa em sentido estrito não faz sentido invocar a garantia proibitiva non bis in idem.

                              13.ª — De igual modo, pode aplicar-se subsidiariamente às escolas profissionais privadas o regime do encerramento compulsório previsto no artigo 72.º do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, pois na eventualidade de funcionarem sem autorização ou com autorização revogada, encontram-se reduzidas à condição de estabelecimento de ensino ilegal ou clandestino.

                              14.ª — Não obstante o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, ter sido aprovado como decreto-lei de desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro) e de objetivamente desenvolver também as Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de março) a iniciativa legislativa que vier a estabelecer sanções administrativas haverá de respeitar a competência legislativa da Assembleia da República que é relativamente reservada em matéria de direitos, liberdades e garantias, segundo o disposto no artigo 165,º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

                              15.ª — A Assembleia da República exerceu a sua competência legislativa ao ter fixado nas Bases do Ensino Particular e Cooperativo a necessidade de autorização, como condição de abertura e funcionamento de todos os estabelecimentos que lhe dizem respeito (cf. artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 9/79, de 19 de março), algo que o Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, transporta para a categoria especialíssima das escolas profissionais e do serviço público que prestam, ao desenvolver esta modalidade educativa prevista no artigo 18.º, n.º 1, da Lei de Bases do Sistema Educativo.

                              16.ª — Apesar de o desenvolvimento da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo ter sido realizado por decreto-lei de desenvolvimento (o Decreto-Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro) já no tocante a infrações e sanções a aplicar limitou-se a manter em vigor o regime que a Assembleia da República aprovara, pouco antes, através da Lei n.º 33/2012,de 23 de agosto, a qual aditara ao Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, os artigos 99.º-A e seguintes.

                              17.ª — O desenvolvimento de uma lei de bases por decreto-lei, ainda que em perfeita sintonia com os princípios respetivos e a eles se circunscrevendo, não se encontra dispensado de, quando for esse o caso, observar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição).

                              18.ª — Mesmo que se opte por introduzir contraordenações e que as normas a aprovar se revelem inteiramente conformes com o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, definido no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, a intervenção legislativa incide em direitos, liberdades e garantias (cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição) por efeito do artigo 43,º, n.º 4, da Constituição, que consigna o direito de criação de escolas cooperativas e particulares. O Governo só o pode efetuar sob autorização legislativa.

                              19.ª — Em alternativa, a optar-se pelo ilícito disciplinar ou por instituir sanções administrativas de outra categoria, o Governo deve igualmente propor à Assembleia da República que aprove lei de autorização legislativa, a qual fixará não apenas a duração da mesma, como também o sentido, alcance e extensão da competência derivada (cf. artigo 165.º, n.º 2, da Constituição).

                              20.ª — Se o regime de reconhecimento e fiscalização das escolas profissionais privadas ainda pode ser considerado no âmbito da regulamentação dos direitos económicos, sociais e culturais, à vista da incumbência ao Estado de reconhecer e fiscalizar os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, nos termos da lei (cf. artigo 75.º, n.º 2, da Constituição) já a imposição de constrangimentos punitivos seria invasiva do direito a criar escolas particulares e cooperativas (cf. artigo 43.º, n.º 4) e, por conseguinte, desconforme com a aludida reserva parlamentar de legislar nessa matéria.

                              21.ª — Tal reserva é integral. Não se limita à introdução de restrições a direitos, liberdades e garantias, pois compreende, de igual modo, normas que simplesmente condicionem ou limitem o direito a criar escolas, tanto quanto produzam uma inovação na ordem jurídica.

                              22.ª — É certo que as escolas profissionais, privadas ou públicas, fazem parte do serviço público de educação, nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho, e integram a rede de entidades formadoras do Sistema Nacional de Qualificações, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro.

                              23.ª — É certo, de igual modo, que o direito fundamental a criar escolas privadas e cooperativas (cf. artigo 43.º, n.º 4) não contempla a definição de qualificações públicas para efeitos profissionais, nem tão-pouco o direito a comparticipações financeiras do Estado ou de outras entidades de natureza pública.

                              24.ª — Contudo, a atividade das escolas profissionais privadas assenta sempre no exercício do direito à criação de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, decorrente da liberdade de aprender e de ensinar (cf. artigo 43.º, n.º 1, da Constituição), motivo por que não permanece confiada à esfera de proteção da livre iniciativa económica e cooperativa, cujas limitações encontram esteio constitucional alargado aos termos da lei e ao interesse geral (cf. artigo 61.º, n.º 1).

                              25.ª — Por conseguinte, pode revelar-se orgânica e formalmente inconstitucional um decreto-lei que, estribado na competência concorrente do Governo com a Assembleia da República ou na competência para desenvolver leis de bases (cf. artigo 198.º, n.º 1, alíneas a) e c), respetivamente) instituísse sanções administrativas sobre ilícitos praticados pelos proprietários ou diretores técnicos e pedagógicos das escolas profissionais privadas contra normas ou princípios do Decreto-Lei n.º 92/2014, de 20 de junho.

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 8 DE AGOSTO DE 2019

Lucília Maria das Neves Franco Morgadinho Gago – Eduardo André Folque da Costa Ferreira (Relator) – João Eduardo Cura Mariano Esteves – Maria Isabel Fernandes da Costa – Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves – Catarina teresa Rola Sarmento e Castro – Maria de Fátima da Graça carvalho.

 

[1] Aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na atual redação, conferida pela 15ª alteração (Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

[2] O pedido de consulta encontra-se formulado através do ofício n.º 16 778-19, de 4 de junho de 2019, (Ref.ª 879/2019, Ent. 190/2019, Proc. 142.2/18.90), entrado na Procuradoria-Geral da República em 6 de junho de 2019, acompanhado por três anexos:

         - Informação n.º 21/GSEE/2019, de 22 de abril de 2019, do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Educação;

         - Parecer I/01023/SC/14 da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, de 24 de março de 2014, superiormente aprovado em 3 de abril de 2014 (Proc. 10.50/000362/SC/14);

         - Parecer I/2570/DSJ/18, de 21 de agosto de 2018, da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, superiormente aprovado em 24 de agosto de 2018 (Proc. 10.07/0120/EMN/18);

[3] Presente ao relator por despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, de 6 de junho de 2019, para projeto de parecer da 2.ª espécie, nos termos do artigo 11.º, n.º 3, do Regimento do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 1/99, (Diário da República, n.º 76, de 31 de março de 1999).

[4] «Os pareceres solicitados com declaração de urgência têm prioridade sobre os demais».

[5] Cuja atual redação se deve às alterações efetuadas através da Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, da Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, e da Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto.

[6] Cf. Artigo 18.º, n.º 1, alínea b), das Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, com alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, e pela Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto.

[7] Segundo a redação alterada e integralmente republicada pelo Decreto-Lei n.º 4/2017, de 26 de janeiro.

[8] Cf. Diário da República, n.º 234, Série II, de 11 de outubro de 1983. Foram tais comissões regulamentadas pelo Despacho n.º 134/ME/83, de 29 de novembro (Diário da República, n.º 286, Série II, de 14 de dezembro de 1983.

[9] Alterado pela Lei n.º 877, de 13 de setembro de 1919

[10] Conheceu alterações introduzidas pelo Decreto n.º 37 212, de 13 de dezembro de 1948, Decreto n.º 37 453, de 22 de junho de 1949, pelo Decreto n.º 37 778, de 11 de junho de 1952, pelo Decreto n.º 38 898, de 6 de setembro de 1952, pelo Decreto-Lei n.º 39 783, de 24 de agosto de 1954, pelo Decreto n.º 40 714, de 1 de agosto de 1956, pelo Decreto n.º 41 177, de 8 de julho de 1957, pelo Decreto n.º 42 811, de 20 de janeiro de 1960, pelo Decreto n.º 43 137, de 29 de agosto de 1960, pelo Decreto-lei n.º 43 231, de 14 de outubro de 1960, pelo Decreto n.º 43 641, de 2 de maio de 1961, pelo Decreto n.º 43 644, de 3 de maio de 1961, pelo Decreto n.º 45 681, de 25 de abril de 1964, pelo Decreto n.º 46 065, de 27 de dezembro de 1964, pelo Decreto n.º 47 592, de 17 de março de 1967, pelo Decreto n.º 48 613 de 8 de outubro de 1968, pelo Decreto n.º 49 205, de 25 de agosto de 1969, pelo Decreto n.º 49 258, de 24 de setembro de 1969, pelo Decreto n.º 28/70, de 15 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 292-A/76, de 23 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 29/79, de 29 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 287/85, de 22 de julho, e finalmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, que aprovou o Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário. De resto, por longo período o antigo Ministério da Educação Nacional dispunha de uma direção-geral especificamente dedicada ao ensino técnico profissional (cf. Decreto n.º 47 662, de 29 de abril de 1967). Com a orgânica do Ministério da Educação Nacional, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 408/71, de 27 de setembro, os institutos comerciais e industriais, assim como as escolas de regência agrícola ficariam na dependência da Direção-Geral do Ensino Secundário.

[11] O artigo 19.º encontra correspondência no artigo 22.º, da atual redação e sistematização introduzidas pela Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto.

[12] Ao tempo, o Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, com redação das sucessivas alterações empreendidas pelo Decreto-Lei n.º 75/86, de 23 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 484/88, de 29 de dezembro.

[13] Veio a conhecer alterações pontuais até à sua revogação global, volvidos cerca de 16 anos. Tais modificações intercalares foram efetuadas pelos diplomas seguintes:

      — O Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março, revogou os artigos 6.º, 7.º e 8.º, concernentes aos cursos profissionais, sua organização e sistema de avaliação;

      — O Decreto-Lei n.º 54/2006, de 15 de março, alterou o artigo 26.º, em matéria de pessoal das escolas profissionais públicas, estabelecendo que, sem prejuízo do disposto em norma transitória, o recrutamento, a colocação e o exercício das funções docentes passariam a subordinar-se ao regime geral em vigor para os estabelecimentos públicos de ensino secundário, ao passo que ao pessoal não docente se aplicaria o regime do contrato individual de trabalho da Administração Pública».

      — O Decreto-Lei n.º 150/2012, de 12 de julho, teve em vista conformar o regime das escolas profissionais com o Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de junho, e, destarte, com a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.

[14] Um plano de viabilidade deveria ser apresentado pelas escolas profissionais criadas ao abrigo de legislação anterior como condição de autorização do funcionamento nos termos do regime superveniente e como condição de financiamento a fim de alcançarem «a reposição anual do número de turmas, por um período de dois ciclos de formação, iniciados a contar da data de publicação do presente diploma, desde que verificados certos requisitos. Um deles, justamente o da alínea b) do n.º 8 do artigo 30.º, é o da aprovação e cumprimento pontual do plano de viabilidade a apresentar pela escola nos termos a definir por despacho do Ministro da Educação.

[15] Cuidar-se-á infra de identificar tais requisitos.

[16] Trata-se das incumbências do proprietário (cf. artigo 16.º) e da direção técnico-pedagógica da escola profissional (cf. artigo 17.º).

[17] Refere-se a vinculações obrigatoriamente estipuladas nos contratos-programa: divulgar o regime de contrato sempre que procedam à divulgação ou promoção do curso profissional; respeitar os limites de cobrança de propinas e de outras taxas a pagar pelos alunos, de acordo com o estipulado no contrato; prestar todas as informações de natureza financeira e relacionadas com o funcionamento da escola que sejam exigidas contratualmente ou por solicitação posterior dos serviços competentes do Ministério da Educação; manter os processos pedagógicos e financeiros atualizados, bem como a contabilidade específica exigida no ato do financiamento; concretizar o projeto educativo a que se propuseram, nomeadamente o ciclo de formação completo destinado ao grupo de alunos e curso objetos de comparticipação pública; não admitir nos cursos objeto do contrato-programa outros alunos para além do número estabelecido pelos serviços competentes do Ministério da Educação.

[18] Referência a outros apoios públicos, além da eventual comparticipação estipulada em contrato-programa e que compreendem subvenções a fundo perdido e linhas de crédito bonificado para «aquisição, construção e equipamento dos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo e outros especificamente criados para o ensino e formação profissional».

[19] Trata-se de estatuto equivalente ao das pessoas coletivas de utilidade pública (Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, com as alterações da Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, e do Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro) a favor da pessoa coletiva privada instituidora, salvo se o fim e objeto não se limitarem ao ensino e formação profissional.

[20] Referimo-nos ao Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.

[21] Como veremos, no artigo 99.º-K do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, mantido em vigor pelo novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, para aplicação das sanções ali previstas é adotado como arquétipo o procedimento administrativo disciplinar do trabalho em funções públicas.

[22] Neste sentido, v. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo (FAUSTO DE QUADROS/ JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA/ RUI CHANCERELLE DE MACHETE/ JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE/ MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA/ MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/ ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES/ JOSÉ MIGUEL SARDINHA) Ed. Almedina, 2016, p. 300.

[23] Noções de Direito Administrativo, I, Ed. Danúbio, Lisboa, 1982, p. 300.

[24] Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2.ª ed., Ed. Quid Juris, Lisboa, 2017, p. 470.

[25] Na redação da Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto.

[26] 3.ª Secção, Processo n.º 410/2007 (Diário da República, Série II, n.º 185, de 24 de setembro de 2008).

[27] 3.ª Secção, Processo n.º 833/2010 (www.tribunalconstitucional.pt).

[28] Neste trecho, o Tribunal Constitucional transcreve o precedente Acórdão n.º 398/2008, já citado supra.

[29] 1.ª Secção, Processo n.º 281/2011 (www.tribunalconstitucional.pt).

[30] Acerca de tal reforma, em geral, v. RODRIGO QUEIROZ E MELO, O novo estatuto do ensino particular e cooperativo — um novo paradigma de autonomia e regulação, in @-Pública, Revista Eletrónica de Direito Público, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. 1, n.º 2 (2014), p. 60 e seguintes.

[31] V. Entre tantas outras penas de amoestação:

      — Admoestação judicial (artigo 48.º do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, na atual redação consignada pela Lei n.º 55/2017, de 17 de julho);

      — Admoestação prevista no artigo 60.º do Código Penal como pena substitutiva (atual redação, de acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto);

      — Amoestação proferida por escrito, de acordo com o artigo 51.º do Regime Geral das Contraordenações. Referimo-nos ao Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, com a redação retificada e publicada in Diário da República, Série I, 6 de janeiro de 1983. A primeira alteração resultou do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, retificada conforme declaração publicada in Diário da República, Série I, de 31 de outubro de 1989. Veio a conhecer nova revisão com o Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, e duas alterações subsequentes: a primeira, por via do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro; a segunda, através da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.

[32] A repreensão escrita é aplicável a infrações leves praticadas por trabalhadores em funções públicas, nos termos do artigo 184.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, cuja atual redação é resultado de modificações sucessivas, última das quais por via do Decreto-Lei n.º 6/2019, de 14 de janeiro) bem como no artigo 195.º, alínea a) da Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, na atual redação da Lei n.º 4/2015, de 15 de janeiro).

[33] O salário mínimo nacional tem como designação oficial, nos termos do artigo 273.º do Código do Trabalho, Remuneração Mínima Mensal Garantida. Para o ano 2019, encontra-se fixada em € 600,00, de acordo com o artigo 2.º do Decreto-lei n.º 117/2018, de 27 de dezembro.

[34] Tal Estatuto Disciplinar veio a ser revogado pela citada Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Aqui consagra-se desde então o regime disciplinar dos trabalhadores em funções públicas, independentemente do vínculo constitutivo da relação jurídica de serviço.

[35] V. Parecer da Comissão Constitucional n.º 7/78, in Pareceres da Comissão Constitucional, IV, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1979. Ali se aponta como fundamento as designadas relações especiais de poder ou de sujeição. Com exemplos de procedimentos disciplinares alheios a relações hierárquicas e até a relações de serviço, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, v. Parecer n.º 41/81, de 26 de março de 1981 (inédito), Parecer n.º 114/85, de 30 de janeiro de 1986 (Diário da República, Série II, n.º 173, de 30 de julho de 1986), Parecer n.º 101/88, de 9 de fevereiro de 1989 (Diário da República, Série II, n.º 131, de 8 de junho de 1989). Em O Poder Disciplinar na Função Pública (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, policopiado, 2007), ANA FERNANDA NEVES dá conta das várias perspetivas dominantes na jurisprudência e na doutrina acerca dos fundamentos do poder disciplinar (cf. vol. II, p. 17 e seguintes): a relação de sujeição, o consentimento pactício, a instituição (em especial, a hierarquia, a ética na corporação ou na organização). A posição adotada pela Autora (p. 38 e seguintes), apontando para a relação jurídica como fundamento e limite do poder disciplinar, circunscreve-se porém à disciplina no trabalho em funções públicas.

[36] O Poder Sancionatório da Administração Pública, in Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, I, (ORG. DIOGO FREITAS DO AMARAL/ CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, MARTA TAVARES DE ALMEIDA), Ed. Almedina, Coimbra, 2008, p. 220.

[37] Cf. Artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro: «As associações públicas profissionais exercem, nos termos dos respetivos estatutos e com respeito, nomeadamente, pelos direitos de audiência e defesa, o poder disciplinar sobre os seus membros, inscritos nos termos dos artigos 24.º, 25.º e 37.º, bem como sobre os profissionais em livre prestação de serviços, na medida em que os princípios e regras deontológicos lhes sejam aplicáveis, nos termos dos n.ºs 2 e 6 do artigo 36.º».

[38] Cf. Artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, alterado pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, e pela Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto.

[39] Conceito que, como vimos, abarca as escolas profissionais de iniciativa municipal ou intermunicipal.

[40] V. por todos, AUGUSTO SILVA DIAS, Direito das Contraordenações, Ed. Almedina, Coimbra, 2018, p. 57 e seguintes.

[41] V. Acórdão n.º 158/92, de 23 de abril de 1992 (1.º Secção, Proc.º 103/91, in Diário da República, Série II, de 2 de setembro de 1992), Acórdão n.º 50/99, de 19 de janeiro de 1999 (1.º Secção, Proc.º 814/98), Acórdão n.º 33/2002, de 22 de janeiro (Plenário, Proc.º 1141/98), Acórdão n.º 659/2006, de 29 de novembro de 2006 (2.ª secção, proc.º 637/2006), Acórdão n.º 99/2009, de 3 de março de 2009 (Plenário, proc.º 11/CPP), e Acórdão n.º 135/2009, de 18 de março de 2009 (Plenário, proc.º 776/08).

[42] V. Acórdão n.º 469/97, de 2 de julho de 1997 (1.ª Secção, proc.º 87/96), Acórdão n.º 278/99, de 5 de maio de 1999 (3.ª Secção, proc.º 1019/98). Nomeadamente, a presunção de inocência do arguido — V. Acórdão n.º 373/2015, de 14 de julho de 2015 (2.ª Secção, proc.º 421/15), Acórdão n.º 674/2016, de 13 de dezembro de 2016 (1.ª Secção, proc.º 206/2016), Acórdão n.º 728/2017, de 15 de novembro (3.ª Secção, proc.º 773/2016), Acórdão n.º 123/2018, de 6 de março de 2018 (Plenário, proc.º 136/2017), Acórdão n.º 335/2018, de 28 de junho de 2018 (2.ª Secção, proc.º 1358/2017), Acórdão n.º 336/2018, de 28 de junho de 2018 (2.º Secção, proc.º 1359/2017), Acórdão n.º 363/2018, de 28 de junho de 2018 (3.ª Secção, proc.º 1312/2017), Acórdão n.º 394/2018, de 11 de julho de 2018 (Plenário, proc.º 431/2017), Acórdão n.º 74/2019, de 29 de janeiro de 2019 (Plenário, proc.º 837/2018).

[43] Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Ed. Coimbra, 2007, p. 526.

[44] 3.ª Secção, proc.º 375/2003, in Diário da República, Série II, n.º 43, de 20 de fevereiro de 2004.

[45] Explicam J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, a respeito do artigo 269.º, n.º 3 (garantias de audiência e defesa em processo disciplinar) que o seu sentido útil não é o de excluir os demais direitos inerentes a um processo justo, mas de servir de esteio à nulidade dos atos disciplinares praticados ao seu arrepio (Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª ed., Ed. Coimbra, 2010, p. 841.

[46] «Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior».

[47] Comentário do Regime Geral das Contraordenações (à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2011, p. 34.

[48] Ob. Citada, p. 77 e seguinte.

[49] O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, in EDUARDO CORREIA/ FREDERICO DE LACERDA COSTA PINTO/ JORGE DE FIGUEIREDO DIAS/ JOSÉ DE FARIA COSTA/ MANUEL ANTÓNIO LOPES ROCHA/ MANUEL DE COSTA ANDRADE/ MIGUEL PEDROSA MACHADO/ PEDRO CAEIRO, Direito Penal Económico e Europeu, I (Problemas Gerais), Ed. Coimbra, 1998, p. 28.

[50] Aponta aliás o direito disciplinar como expressão inequívoca de ressonância ética fora do direito criminal, in Direito Penal — Parte Geral, Tomo I (Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime), 2.ª ed., 2.ª Reimpressão, Ed. Coimbra, 2012, p. 169.

[51] (x)  O Autor refere-se a MARCELLO CAETANO, Do poder disciplinar no direito administrativo português, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1932.

[52] Da subsidiariedade no direito das contraordenações: problemas, críticas e sugestões práticas, Ed. Coimbra, 2011, p. 93.

[53] Ibidem.

[54] Crimes e Contraordenações: da Cisão à Convergência Material (Ensaio para uma recompreensão da relação entre o direito penal e o direito contraordenacional, Tese de Doutoramento em Ciências Jurídico-Criminais, Universidade de Coimbra (https://estudo geral.sib.uc.pt), 2013, p. 800.

[55] Trata-se do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na atual redação supra identificada.

[56] Idem, p. 807.

[57] FREDERICO COSTA PINTO, As garantias do Estado de Direito e a evolução do direito de mera ordenação social, in Scientia Iuridica, Tomo LXVI, 2017, n.º 344, p. 251.

[58] Não é de excluir que a exigência constitucional de tipicidade oposta às medidas de polícia aplicadas pela Administração Pública (cf. artigo 272.º, n.º 2) compreenda, por maioria de razão, a tipicidade das sanções aplicadas pelos mesmos órgãos no desempenho da mesma função do Estado.

[59] Loc. Cit., p. 229.

[60] Idem, p. 231.

[61] Analogia em Direito Administrativo: os limites à integração analógica de normas administrativas (ORG. FILIPA LEMOS CALDAS), Ed. AAFDL, Lisboa, 2016, p. 11). V. também, na mesma obra, ANDRÉ MOZ CALDAS (Os limites à analogia em direito administrativo, p. 27 e seguintes). 

[62] Ibidem.

[63] Cf. JORGE REIS NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente Autorizadas pela Constituição, Ed. Coimbra, 2003, em especial, p. 289 e seguintes.

[64] 5.ª Secção, Proc.º 07P0809.

[65] 2.ª Secção, Proc.º 014208.

[66] Direito Penal — Parte Geral, Tomo I (Questões Fundamentais – A Doutrina Geral do Crime), 2.ª ed., 2.ª Reimpressão, Ed. Coimbra, 2012, p. 191.

[67] Em matéria de densidade do ilícito disciplinar, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 229/2012, de 2 de maio de 2012 (Diário da República, I Série, n.º 100, de 23 de maio de 2012).

[68] Tenha-se presente, a este propósito, o brocardo da jurisprudência administrativa francesa: pas d’égalité sans legalité.

[69] Para lá da coima: as sanções substitutivas do regime jurídico das contraordenações, in Scientia Iuridica, Tomo LXVI, 2017, n.º 344, p. 263 e seguintes.

[70] Define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica. Conheceu alterações por efeito do Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro.

[71] Loc. Cit., p. 270. Aponta as reservas originariamente formuladas por ALEXANDRA VILELA, O Direito de Mera Ordenação Social. Entre a Ideia de ‘Recorrência’ e a de ‘Erosão’ do Direito Penal Clássico, Coimbra, 2013, p. 372.

[72] Loc. Cit., p. 274.

[73] Loc. Cit., p. 275.

[74] Diário da República, Série II, n.º 65, de 19 de março de 1991.

[75] Dário da República, Série II, n.º 155, de 12 de agosto de 2008.

[76] Diário da República, Série II, n.º 74, de 17 de março de 2004.

[77] Diário da República, Série II, n.º 24, de 24 de janeiro de 2000.

[78] Diário da República, Série II, n.º 116, de 19 de maio de 1994.

[79] A questão das Polícias Municipais, Ed. Coimbra, 2003, p. 53.

[80] Direito Policial, I, Centro de Investigação do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Ed. Almedina, Coimbra, 2006, p. 23.

[81] CATARINA SARMENTO E CASTRO, ob. cit., p. 57 e seguintes. A Autora refere como exemplo a prestação de conselhos e informações. V. JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de Proteção de Direitos Fundamentais, Ed. Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2015.

[82] Em sentido contrário, vendo nas medidas de polícia um cunho restritivo sempre presente, v. JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª ed., Ed. Âncora, Lisboa, 2016, p. 199.

[83] A questão das Polícias Municipais, p. 65 e seguintes. Acentuando o papel do perigo como pressuposto e elemento teleológico negativo, v. Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Parecer n.º 162/2003, in Diário da República, Série II, n.º 74, de 27 de março de 2004. Bem assim, v. PEDRO LOMBA, Sobre a Teoria das Medidas de Polícia Administrativa, in Estudos de Direito de Polícia, 1.º vol. (ORG. JORGE MIRANDA), Lisboa, 2003, p. 211; MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Direito Administrativo da Polícia, in Tratado de Direito Administrativo Especial, I, (ORG. PAULO OTERO/ PEDRO GONÇALVES), Ed. Almedina, Coimbra, 2009, p. 307.

[84] Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. Ed. Coimbra, 2010, p. 860.

[85] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/94, de 7 de julho de 1994 (Plenário, proc.º 208/94), in Diário da República, Série I-A, n.º 195, de 24 de agosto de 1994.

[86] Sobre a distinção, v. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, Liv. Almedina, 9.ª ed., Coimbra, 1983, p. 1145 e seguintes; CATARINA SARMENTO CASTRO, A questão das Polícias Municipais, cit., p. 89 e seguintes.

[87] Neste sentido, v. MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Direito Administrativo da Polícia, cit., p. 370.

[88] Breves Considerações acerca do regime jurídico das ordens policiais, in Homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral (obra coletiva), II, Ed. Almedina, Coimbra, 2010, p. 1212.

[89] A respeito da específica caracterização da atividade inspetiva da Administração Pública, v. ANA FERNANDA NEVES, Aproximação à atividade inspetiva: delimitação, princípios, poderes e deveres, in Estudos sobre a Atividade Inspetiva, (ORG. CARLA AMADO GOMES/ ANA FERNANDA NEVES), Ed. AAFDL, Lisboa, 2018, p. 11 e seguintes.

[90] V. PEDRO LOMBA, Sobre a Teoria das Medidas de Polícia Administrativa, cit., p. 219.

[91] Diário da República, Série II, n.º 6, de 9 de janeiro de 2017.

[92] Sobre a distinção entre medidas de polícia urbanística e sanções e fazendo notar que alguns equívocos devem-se à tipologia de muitas das sanções acessórias no ilícito de mera ordenação social, por materialmente se assemelharem a medidas de polícia (v.g. apreensões, encerramentos), v. ANDRÉ FOLQUE, Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, Ed. Coimbra, 2007, pp. 259 e seguintes.

[93] V. PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Ed., 2006.

[94] MARGARIDA LIMA DE MORAIS FARIA, O Sistema das Sanções e os Princípios do Direito Administrativo Sancionador, Universidade de Aveiro, Secção Autónoma de Ciências Sociais, Jurídicas e Políticas, Dissertação de Mestrado, Aveiro, 2007, p. 29, referindo-se a um esforço doutrinal da doutrina italiana e que terá obtido acolhimento legislativo. Já MARCELO MADUREIRA PRATES (Sanção Administração Geral: Anatomia e Autonomia, Ed. Almedina, Coimbra, 2005, p. 55) considera este sentido como amplo, pois vai mais longe e ainda encontra sanções administrativas especiais, a partir do tipo de relação jurídica entre o órgão que aplica a sanção e o arguido, como acontece com as sanções disciplinares, com as sanções associativas e com as sanções contratuais.

[95] Não no sentido compensatório, muito menos indemnizatório, o que, por não prescindir de critérios neutros e imparciais de justiça, compete à função jurisdicional.

[96] V. Sobre a natureza não sancionatória da revogação da autorização das instituições de crédito e outras questões de fiscalização de atividades reservadas, in Direito e Justiça, 2000, p. 68 e seguintes.

[97] O direito sancionatório público enquanto bissetriz (imperfeita) entre o direito penal e o direito administrativo — a pretexto de alguma jurisprudência constitucional, in Revista de Concorrência e Regulação, Ano IV, n.º 14/15 (2013), p. 118.

[98] V. O Poder Sancionatório da Administração Pública, cit., p. 225.

[99] Referimo-nos ao Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, amplamente revisto e republicado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e posteriormente modificado pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto (com duas retificações na redação: declaração de retificação n.º 36-A/2017, de 30 de outubro, e declaração de retificação n.º 42/2017, de 30 de novembro) e pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio.

[100] PEDRO LOMBA, loc. cit., p. 211; JOÃO CAUPERS/ VERA EIRÓ, ob. cit., p. 199.

[101] Se no artigo 11.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado (Decreto-Lei n.º 32 659, de 9 de fevereiro de 1943) tinha um sentido punitivo para as infrações disciplinares mais ligeiras, ainda antes da repreensão verbal ou por escrito, hoje tal função compete exclusivamente à pena de repreensão (cf. artigo 184.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Encontra-se ainda em regimes disciplinares especiais, como é o caso do Estatuto do Ministério Público (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º) podendo ser aplicada independentemente de processo» e não ficando registada (cf. n.º 4), mas com um sentido de repreensão, como resulta do artigo 167.º: «A pena de advertência consiste em mero reparo pela irregularidade praticada ou em repreensão destinada a prevenir o magistrado de que a ação ou omissão é de molde a causar perturbação no exercício das funções ou de nele se repercutir de forma incompatível com a dignidade que lhe é exigível». A volatilidade da expressão é ilustrada com o seu emprego no Decreto-Lei n.º 6/2019, de 22 de fevereiro, para significar as mensagens que acompanham as embalagens de tabaco, no artigo 233.º do Código de Processo Civil para identificar a comunicação ao citando de a citação não ter sido efetuada na sua pessoa, ou ainda no artigo 11.º, n.º 3, e no artigo 174.º, n.º 2, do Código do Notariado, com referência à informação prestada aos outorgantes, e que deve ficar consignada no instrumento, acerca da anulabilidade ou ineficácia do ato praticado. Por seu turno, o Regime Geral das Contraordenações, com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, abandonou o chamado processo de advertência (artigo 51.º). Perante infrações consideradas ligeiras pela autoridade administrativa, o arguido era advertido mas igualmente condenado a pagar «uma soma pecuniária nunca superior a 500$00» (cf. n.º 1). Tratava-se por isso de uma sanção, embora atípica. Com tal reforma legislativa, esta formulação deu lugar a uma inequívoca sanção admonitória (admoestação).

[102] Acerca da garantia ne bis in idem no direito administrativo sancionatório, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, loc. cit., p. 231.

[103] Cf. Artigo 165.º, n.º 3, da Constituição, em cujos termos, as autorizações podem ser executadas parcelarmente, mas por uma única vez. Quer isto dizer que se o Governo entender que certo decreto-lei autorizado deve ser revisto, não obstante ainda vigorar a lei de autorização, terá de empreender uma nova iniciativa junto da Assembleia da República.

[104] É possível agrupar as demais sanções administrativas em duas categorias: sanções financeiras e sanções administrativas em sentido estrito, como sugere MIGUEL PRATA ROQUE, loc. cit., p. 107 e p. 113 e seguintes.

[105] Cf. Artigo 4.º, alínea c).

[106] V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 319/2018, de 20 de junho de 2018 (proc.º 188/2017), Acórdão n.º 207/2003, de 28 de abril de 2003 (proc.º 52/2003), Acórdão n.º 255/2002, de 12 de junho de 2002 (proc. n.º 646/96), Acórdão n.º 128/2000, de 23 de fevereiro de 2000 (proc.º 547/99), Acórdão n.º 161/99, de 10 de março de 1999 (proc. n.º 813/98), Acórdão n.º 373/91, de 17 de outubro de 1991 (proc.º 405/91). Defendendo um alcance mais criterioso da reserva parlamentar de competência legislativa ínsita na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, v. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo V, 4.ª ed., Wolters Kluwer Portugal & Coimbra Ed., 2010, p. 256. Ali se opõe o Autor a decretos-leis não autorizados mesmo se nada trouxerem de inovador com o que critica certa jurisprudência constitucional recenseada (p. 256, nota 5).

[107] Diário da República, Série II, n.º 245, de 16 de dezembro de 2015.

[108] Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2007, p. 628.

[109] Revogada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto.

[110] Diário da República, Série I, n.º 47, de 7 de março de 2019.

[111] Neste sentido, v. J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2007, p. 396: «Aliás, essa reserva de competência legislativa parlamentar — e implicitamente reserva material de lei — estende-se a todos os aspetos do regime dos direitos, liberdades e garantias e não apenas ao caso das restrições, pois a al. b do artigo 165.º-1 não discrimina».

[112] Neste sentido, de o decreto-lei de desenvolvimento não afastam a necessidade de autorização legislativa, v. LUÍS PEREIRA COUTINHO, Regime orgânico dos direitos, liberdades e garantias e determinação normativa. Reserva de Parlamento e reserva de ato legislativo, in Revista Jurídica, n.º 24 (2001), Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, p. 558 e seguintes. E o Autor conclui do seguinte modo: «No que toca aos direitos, liberdades e garantias, ainda que seja admissível a emissão de leis de bases pela Assembleia da República, o seu desenvolvimento não poderá ser feito pelo Governo ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP. Neste domínio, o Governo apenas poderá emitir decretos-leis de desenvolvimento ao abrigo de leis de autorização legislativa (no caso de estarmos no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República) ou não poderá, de todo, legislar (no caso de vigorar uma proibição de autorização)». (p. 589).

Anotações
Legislação: 
DL 92/2014 DE 2014/06/20; DL 152/2013 DE 2013/11/04; DL 396/2007 DE 2007/12/31; DL 26/1989 DE 1989/01/21; DL 397/88 DE 1988/11/08; DESP NORM 194-A/83 DE 1983/10/21; D 5029 DE 1918/12/05; D 37029 DE 1948/08/25; DL 47587 DE 1967/03/10; L 46/1986 DE 1986/10/14; L 49/2005 DE 2005/08/30; DL 457/71 DE 1971/10/28; L 5/73 DE 1973/07/25; DL 70/93 ; DL 553/80 DE 1980/11/21; DL 4/98 DE 1998/01/08; CPA2015 ART149; L 69/2015 DE 2015/06/16; L 9/79 DE 1979/03/19; L 46/86 DE 1986/11/14; PORT 207/98 DE 1998/03/28
 
Jurisprudência: 
AC. TRIB CONST 398/2008 DE 2008/07/29; AC TRIB CONST 410/2011 DE 2011/09/27; AC TRIB. CONST. 533/2011 DE 2011/11/15; AC. TRIB CONST. 41/2004 de 2004/01/14; AC TRIB. CONST. 79/2019 DE 2019/01/29; AC STJ DE 2007/10/04 PROC 07P0809;
 
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR CONST
 
Divulgação
Link Directiva: 
https://dre.pt/application/conteudo/126311754
Número: 
222
Data: 
19-11-2019
Página: 
215
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