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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
64/1999, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
AUDIÊNCIA PRÉVIA
RISCO AGRAVADO
DIREITO A INFORMAÇÃO
ÓRGÃO CONSULTIVO
CONSELHO CONSULTIVO DA PGR
PARECER OBRIGATÓRIO
PARECER NÃO VINCULATIVO
PARECER CONFORME
MATÉRIA DE FACTO
PROVA EM MATÉRIA ADMINISTRATIVA
INSTRUÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
HOMOLOGACAO
ACTO ADMINISTRATIVO
GARANTIAS DOS PARTICULARES
VÍCIO DE FORMA
Conclusões: 
1ª - A audiência dos interessados, que concretiza nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo o princípio da participação dos interessados nas decisões que lhes disserem respeito, deve ter lugar tanto nos procedimentos gerais, como nos que estejam previstos em lei específica, salvo os casos de inexistência ou dispensa expressamente indicados no artigo 103º do referido diploma;
2ª - Nos termos do artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, a audiência dos interessados deve ter lugar concluída a instrução, no momento em que estejam reunidos no procedimento todos os elementos de facto e de direito necessários à decisão;
3ª - No procedimento para a qualificação como deficiente das forças armadas nas situações previstas no artigo 1º, nº 2, 2ª parte, 4º item, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a decisão, da competência do Ministro da Defesa Nacional, é precedida de parecer obrigatório não vinculante da Procuradoria-Geral da República;
4ª - A audiência do interessado nos procedimentos previstos na conclusão anterior deve ter lugar após a emissão do parecer, mas, nos termos do artigo 103º, nº 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo, pode ser dispensada quando autoridade competente se proponha decidir em sentido favorável à pretensão do interessado;
5ª - No caso de a intervenção do interessado ou a realização de novas diligências de prova, produzirem uma modificação dos elementos preexistentes no procedimento, deve ter lugar nova audição do órgão consultivo se a novidade dos elementos for substancialmente relevante.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Excelência:




I

Tendo sido suscitadas dúvidas sobre a necessidade da realização de audiência prévia dos interessados nos procedimentos em que obrigatoriamente é consultada a Procuradoria-Geral da República nos termos do disposto no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, Sua Excelência o então Secretário de Estado da Defesa Nacional dignou-se solicitar que a questão fosse submetida a parecer do Conselho Consultivo.

Cumpre, assim, emiti-lo.


II

1. A questão submetida a parecer vem enunciada nos seguintes termos ([1]):

“A decisão sobre a qualificação como deficientes das Forças Armadas nos procedimentos em que se suscita a aplicação do conceito de risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens constantes do nº 2 do artigo 1º do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, é sempre precedida, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 2º do referido diploma legal, de parecer da Procuradoria-Geral da República.

A especial natureza deste procedimento tem, até ao momento, justificado a não realização de audiência prévia do interessado, posto que o despacho homologatório, ao absorver os fundamentos e conclusões do parecer da entidade consultada, constitui um verdadeiro acto administrativo que põe termo ao procedimento, não tendo a omissão de tal formalidade sido, até à data, questionada.

No entanto, este problema veio agora a ser suscitado em dois recursos contenciosos interpostos dos despachos do Secretário de Estado da Defesa Nacional de 11.02.99 e de 02.02.99, respectivamente, que homologaram os Pareceres nºs 94/98 e 92/98 da Procuradoria-Geral da República.

Em ambos os processos, os recorrentes vêm, entre outros fundamentos, invocar vício de forma dos despachos homologatórios por preterição da formalidade prevista no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo.

Acresce que o Gabinete de Sua Excelência o Primeiro-Ministro, no âmbito de um processo de atribuição de uma pensão por serviços excepcionais e relevantes, devolveu o processo a este Ministério, antes de homologado o parecer da PGR nº 31/99, para que se procedesse à audição do interessado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o referido parecer era desfavorável à pretensão do particular.

Dada a aludida natureza especial dos procedimentos em análise e suscitando-se dúvidas quer quanto à obrigatoriedade de audiência prévia nestas situações, quer – caso se considere ser a mesma necessária – quanto ao momento adequado para a efectuar e qual a entidade competente para a realizar, importa colher orientações por forma a uniformizar a actuação nestes casos.

De facto, se se entender que devem passar a ser ouvidos os interessados sobre a proposta de decisão final (obviamente quando a mesma lhes seja desfavorável), levanta-se ainda a questão de saber se tal audiência deverá ocorrer antes ou depois da homologação do parecer da PGR.

Por outro lado, importa também determinar qual a entidade que dará satisfação ao disposto no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, nomeadamente qual a entidade que apreciará as respostas apresentadas pelos particulares.

Se, por um lado, tal incumbência cabe, em regra, ao órgão decisório, por outro, não faz sentido que a PGR, entidade que emitiu o parecer objecto de análise do particular, não seja novamente convidada a pronunciar-se sobre os argumentos ou elementos aduzidos pelo requerente em sede de audiência prévia susceptíveis de alterar as conclusões expressas.”


2. Perspectivada, embora, em relação a um procedimento concreto, a questão submetida deve ser analisada num enquadramento geral, e desdobra-se em três modelos de análise e resposta.

- Necessidade ou obrigatoriedade de audiência do interessado no procedimento regulados em diploma próprio e em que não está expressamente prevista.

- Audiência dos interessados nos casos de intervenção no procedimento de órgãos com competência consultiva.

- Competência para apreciação e ponderação das respostas dos interessados.


III

1. A actividade da administração pública é, em larga medida, uma actividade processual; antes de cada decisão, há sempre um maior ou menor número de actos a praticar que se enquadram em determinado modelo e numa sequência de trâmites e formalidades.

Este encadeamento de actos constitui o procedimento administrativo, que FREITAS DO AMARAL ([2]) define como “a sequência juridicamente ordenada de actos e formalidades tendentes à preparação da prática de um acto da Administração ou à sua execução”.

A noção cunhada pela doutrina foi recolhida pela lei, que no artigo 1º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo ([3]), define procedimento administrativo como a “sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução”.

E o nº 2 considera “processo administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo”.

O encadeamento de actos e formalidades que constitui o procedimento reveste, juridicamente, uma sequência organizada ordenada de factos e operações estruturalmente distintos, mas tendentes à tradução de um determinado resultado ou modificação jurídica-administrativa – uma decisão final, que pode ser acto, regulamento ou contrato administrativo ([4]).

O procedimento é sequência, porque os vários elementos que o integram se encontram organizados de modo ordenado e coerente (cada acto supõe o subsequente num encadeamento que visa a produção do acto final); juridicamente ordenada, no sentido em que a lei determina os actos, a sua ordem e trâmites e o momento em que cada um deve ser efectuado, quais os actos antecedentes e quais os actos consequentes; de actos e formalidades; e tem por objecto a prática de um acto da Administração ou a respectiva execução.

A definição legal de procedimento administrativo é, assim, complexa; além da “forma”, sequência, que usualmente se confunde com o conceito de procedimento, “contrapondo-se, estruturalmente à própria decisão de fundo por ele servida (…), o conceito de procedimento abrange a (fase de) produção do próprio acto (regulamento ou contrato) administrativo que, em regra, lhe põe termo” ([5]).

Diferente da noção de procedimento é a de processo administrativo, delimitada no artigo 1º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo: o processo é constituído pelo “conjunto de documento produzidos para dar suporte físico (documental) e jurídico aos actos praticados e às formalidades observadas no procedimento” ([6]).

A noção (legal) de processo inscrita expressamente no CPA, caracteriza-o com o conjunto de documentos que traduzem juridicamente os actos, factos e formalidades do procedimento, organizados e ordenados segundo a sequência cronológica, de maneira a revelarem, e de forma juridicamente unitária, o modo como, em cada procedimento, se foi formando e manifestou (ou executou) a vontade jurídica da Administração ([7]).

Processo e procedimento constituem, de todo o modo, realidades incindíveis, representando o procedimento o conteúdo e o processo o continente da actuação da Administração no seu relacionamento com terceiros, exigindo-se, em qualquer destas facetas, rigor e transparência nos diversos passos que encaminhavam e suportam a decisão final ([8]).

A existência de um processo, como repositório ordenado da instrução do procedimento, pretende dar efectiva garantia à concretização do direito dos interessados à informação em relação aos procedimentos e à actuação da Administração, e traduz também um princípio base do procedimento – o da forma escrita que assumem todos os actos e formalidades que o integram.


2. A exigência legal de procedimento para a formação da vontade da Administração – o carácter procedimental da actuação jurídico-administrativa da Administração – determina que a vontade desta não se forma, manifesta ou executa livremente, como prouvesse ao respectivo autor, mas “com a cadência e de acordo com procedimentos ou regras (mais ou menos) vincadamente definidos e articulados – princípio da legalidade procedimental” ([9]). Por isso, a consagração expressa, não apenas da cláusula geral de exigência, mas também a “fixação de um corpo de normas às quais os intervenientes no procedimento administrativo hão-de referir, em regra, as formalidades que nele houver de praticar” ([10]).

O artigo 1º, nº 1, do CPA refere-se ao procedimento como sucessão ordenada de actos e formalidades.

Actos são, em primeiro lugar, os actos jurídicos de órgãos administrativos ou de particulares, enquanto “declarações de vontade (individual ou orgânica) produtoras de efeitos jurídicos procedimentais” ([11]).

Além dos actos jurídicos que constituem o procedimento, “a sucessão procedimental completa-se, actua-se e ordena-se, também, através de factos jurídicos alheios à vontade (ou conduta) da Administração e dos interessados, como sejam o decurso do tempo, a modificação de circunstâncias de facto, a própria modificação do Direito”, sendo factos jurídicos para efeitos de procedimento, igualmente, os actos jurídicos extra-procedimento.

Na sequência ordenada que constitui o procedimento incluem--se, também, enquanto actos, operações materiais e actos de expediente ([12]).

Formalidades, na expressão conceitual da lei, são, no sentido tradicionalmente usado, todos os “passos, trâmites e momentos em que se decompõe o procedimento administrativo, que não sejam a sua decisão final” ([13]).

Não obstante a referência conceitual a formalidades, o procedimento administrativo regulado no CPA está informado pelo princípio da informalidade: não são definidos trâmites apertado para o procedimento geral, mas apenas se “definem módulos normativos a que os diversos procedimentos devem ser referenciados, quando haja que cumprir alguma formalidade ou observar algum requisito daqueles que são regulados no Código” ([14]).


3. As disposições do CPA aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas – dispõe o nº 1 do artigo 2º do CPA, que regula o campo de aplicação das normas do Código.

Dispõem, por seu lado, os nºs 6 e 7 deste artigo 2º:

“6. As disposições do presente Código relativas à organização e à actividade administrativa são aplicáveis a todas as actuações da Administração Pública no domínio da gestão pública.

7. No domínio da actividade da gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares.”

A delimitação do âmbito da aplicação das disposições do CPA, assim estabelecida, significa que as normas relativas à organização e actividade administrativa se aplicam em todos os casos em que a actividade de gestão pública da Administração envolva relacionamento com particulares, e as normas especificamente procedimentais apenas se aplicam directamente quando não existam procedimentos especiais que estejam previstos para determinadas situações. Existindo procedimentos especiais, as disposições procedimentais do Código apenas se aplicam supletivamente e desde que não diminuam as garantias (outras garantias) dos particulares previstas em cada procedimento especial.

Referindo-se o artigo 2º, nº 7, a procedimentos especiais, importa determinar o sentido em que o Código quer entender tal especialidade.

Não prevendo o CPA um procedimento-regra, mas apenas princípios a que devem obedecer os trâmites, formalidades e actos de qualquer procedimento, a noção de especialidade não pode ser referida por contraposição a um procedimento tipo.

Por isso, a especidade estará no exercício de determinada competência que, enquanto tal, se encontra regulada em normas procedimentais próprias. Assim, poder-se-á aceitar que, para este efeito, procedimentos especiais “são todos aqueles cuja tramitação esteja estabelecida na lei, mais ou menos minuciosamente, para a prática de certa categoria de actos, regulamentos ou contratos administrativos” ([15]).


4. O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro ([16]), reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade. Nos termos do artigo 1º, nº 1, “o Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorram para a sua integração social.”

Para tanto, o diploma definiu a qualidade de deficiente das forças armadas, como pressuposto da atribuição dos direitos de natureza reparatória que enuncia – qualidade que pode resultar da integração em certas categorias indicadas na lei, (a chamada “qualificação automática ([17])), - artigo 18º, nº 1, ou da verificação objectiva de determinados elementos indicados na lei – artigo 18º, nºs 2 e 3, e nº 2 do artigo 1º.

Entre os pressupostos ou condições que permitem atribuir a qualificação de deficiente das forças armadas, a lei considera o acidente que cause determinada deficiência ocorrido no cumprimento do serviço militar ou na defesa dos interesses da pátria, no exercício das funções e deveres militares e por motivos do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável às situações próprias de serviço de campanha ou de circunstâncias relacionadas com o serviço de campanha, de manutenção da ordem pública ou da prática do acto humanitário ou de dedicação à causa pública – assim dispõe o nº 2, 2ª parte, 4º item do artigo 1º do referido Decreto-Lei nº 43/76.

Na técnica do diploma, a utilização como elementos de definição da qualidade de conceitos abertos que exigem concretização, é temperada pela inclusão de elementos de interpretação (rectius, de integração) dos conceitos utilizados na definição da categoria.

Assim, o artigo 2º enuncia alguns elementos concretizadores ou auxiliares na integração dos conceitos. Particularmente no nº 4 esclarece que: “o exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”, engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se devem desenrole, seja identificável com o espírito desta lei”. Determina ainda que “a qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.”

Deste modo, a qualificação como deficiente das forças armadas em consequência de acidente ocorrido no quadro de circunstâncias referidas no 4 item, da 2ª parte do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, depende de um parecer a emitir pela Procuradoria-Geral da República ([18]).

O diploma não contém, contudo, específicas disposições procedimentais. Definindo critérios de qualificação e enunciando direitos dos deficientes das forças armadas (quer em espécie, quer de prestações quantitativamente integráveis), não dispõe sobre tramitação particular para a prática do acto de qualificação.

Não estabelecendo uma tramitação, mais ou menos minuciosa, para a prática dos actos que pressupõe, não poderá, no rigor das coisas, ser considerado como um diploma que prevê um procedimento especial.

A exigência de um parecer, em determinados casos, não constituí, só por si, uma formalidade que permita caracterizar ou supor a existência de um procedimento especial.


5. O parecer constitui, na categorização dos actos da Administração, um acto pelo qual um órgão da administração emite o seu ponto de vista sobre uma questão jurídica ou técnica, elaborado, ou por entes especializados, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva ([19]).

Este tipo de actos traduz uma apreciação de carácter jurídico ou relativa à conveniência administrativa ou técnica, a propósito de um acto em preparação ou de realização eventual ([20]).

Podem ser facultativos se o órgão da administração activa não é obrigado a solicitá-los, se o parecer não é imposto por lei; neste caso o órgão competente para decidir, por sua iniciativa e se entender conveniente, ouvirá o órgão consultivo ou o especialista na matéria a decidir.

Nestas hipóteses, “se o parecer se produzir, o órgão competente para decidir não tem de tomá-lo em consideração, pois, se a lei construiu o quadro de requisitos indispensáveis à satisfação do interesse público sem incluir o parecer, o seu aparecimento não altera o elenco das circunstâncias que devem ser ponderadas na determinação do conteúdo do acto” ([21]).

Sempre, porém, que a lei impõe a audiência de outro órgão ou de um especialista para que o respectivo parecer seja tomado em consideração antes que o órgão de administração activa decida, o parecer é obrigatório. Nestes casos, a lei inclui o parecer no número de formalidades a cumprir na fase de preparação de um acto, determinando a falta ou a invalidade, a invalidade do acto que o parecer serve ([22]).

Noutro plano de consideração, os pareceres distinguem-se em vinculantes e não vinculantes.

O parecer diz-se vinculante quando as suas conclusões têm de ser obrigatoriamente seguidas pelo órgão da administração activa competente para decidir; indicam um conteúdo do qual o órgão, ao praticar o acto, se não pode afastar.

Diz-se não vinculante o parecer no caso de as suas conclusões não terem necessariamente de ser seguidas pelo órgão competente para decidir.

A maior parte dos pareceres obrigatórios não são vinculantes; apenas fornecem um conselho, uma sugestão que a Administração activa aceita ou não, embora tenha de a considerar.

A regra geral do direito português é que os pareceres são obrigatórios, mas não vinculantes. Estabelecendo a lei a exigência de um parecer, sem referir as consequências, deve considerar-se o parecer não vinculante – cfr. o artigo 98º, nºs 1 e 2, do CPA.

Uma modalidade dos pareceres vinculantes é a dos pareceres conformes: uma decisão num certo sentido apenas pode ser tomada se tiver apoio num parecer. “Os pareceres conformes são vinculantes apenas num sentido: o de que impedem uma decisão positiva se o parecer é negativo (caso de necessidade de parecer favorável) ou impedem uma decisão negativa se o parecer é positivo (caso de recusa só possível com apoio num parecer)” ([23]).

Quanto ao conteúdo, podem distinguiu-se pareceres de oportunidade e pareceres técnicos; porém, na prática, apresentam-se, as mais das vezes, com conteúdo misto ([24]).


6. O parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, é obrigatório - a qualificação como deficiente das forças armadas não pode, nos casos previstos, ser declarada sem o parecer (“após parecer”) – e não vinculante.

Com efeito, a norma não afirma expressamente a natureza vinculante.

E, como hoje dispõe o artigo 98º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo, a regra geral é a da natureza não vinculante dos pareceres; a natureza vinculante tem de estar expressamente determinada na lei.

Esta disciplina sedimentou na lei de procedimento o entendimento que constituia regra geral de que os pareceres obrigatórios não são vinculantes; fornecem apenas um conteúdo ou sugestão que a Administração activa tem obrigatoriamente de considerar, mas que pode seguir e aceitar ou não.


IV


1. O instituto do direito de audiência traduz uma manifestação marcada do princípio da participação no procedimento administrativo.

Num Estado de Direito democrático, a aquisição ou descoberta procedimental dos interesses relevantes não dispensa a participação dos respectivos portadores.

“A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e de interesses dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos de fora do procedimento, sob pena de se tornarem em meros objectos do poder, entidades inaptas para participar em relações jurídicas bilaterais com os titulares do poder, súbditos, em vez de cidadãos” ([25]).

“A participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disseram respeito assume fundamentalmente duas formas em função da natureza dos efeitos de direito por ela produzidos: participação co-constitutiva e participação dialógica” ([26]).

A participação é co-constitutiva quando a vontade do particular tem, a par da vontade da Administração, um papel gerador da constituição, modificação e extinção de uma situação jurídico-administrativa – a forma correspondente a este tipo de participação é o contrato administrativo.

Mas, como refere SÉRVULO CORREIA ([27]), “a circunstância de a exclusiva autoria do acto final do procedimento caber à Administração não impede o estabelecimento de formas de intervenção do particular que lhe reservem a possibilidade do exercício de uma legítima influência sobre o sentido da decisão.”

“A sociedade pluralista e respeitadora da pessoa humana estrutura-se sobre uma rede de condutas comunicativas (kommunikativer Handlungen).

O poder legítimo identifica-se com a vontade dos cidadãos graças a um círculo de livre comunicação que canaliza para os órgãos titulares de autoridade o sentimento e a visão das coisas da generalidade das pessoas. Nesta circulação de pensamento livre repousa a associação do poder com o Direito. O Direito que organiza as condutas participadas da Administração assegura a transformação do poder de comunicação dos cidadãos (kommunikativer Macht) em poder administrativo. E para isso é essencial a abertura à sociedade do modelo procedimental e a sua capacidade de gerar consensos.

A necessidade de incentivar a troca de informações e de procurar soluções cujo equilíbrio ou proporcionalidade facilite o consenso, preservando a legitimidade de quem decide e a integração do administrado, impõe que a comunicação assuma no procedimento administrativo uma feição dialogante. O processo de concretização das normas jurídicas administrativas através de um tratamento de informação e da ponderação de alternativas permite falar de concretização sob a forma de diálogo (konkretisierung als dialog), de conduta administrativa dialógica (dialogisches Verwaltungshandeln).

Chamamos pois participação dialógica àquela que, sem uma co-autoria com a Administração na emissão do acto principal, relativamente ao qual o particular continua a figurar como destinatário, assegura a este último a emissão e a recepção, ao longo do procedimento, de comunicações informativas, valorativas e programáticas graças às quais desempenha um papel efectivo na aquisição, valoração, ponderação e qualificação jurídica de factos e interesses de onde resultará em termos lógicos o sentido da decisão.

No Estado de Direito democrático, a participação dialógica desempenha necessariamente uma dupla missão funcional e garantística.

A missão funcional cifra-se na contribuição do particular para a mais perfeita realização do interesse público, em virtude de, através de uma posição dialéctica ou de pura colaboração, enriquecer a perspectiva da Administração sobre a identidade, natureza e peso relativo dos interesses que povoam a situação real da vida que lhe cabe conformar. Inserido nessa situação, o particular poderá conhecê-la melhor do que os agentes administrativos. O contacto e até o confronto entre o particular e a Administração concorrerão para trazer ao procedimento os elementos que relevam para a decisão bem como, para além desse enriquecimento do iter congnoscitivo, argumentos que ilustrarão o item valorativo conducente à decisão.

Mas a intervenção do particular cujos interesses devam ser conformados pela decisão não poderá ser vista sob uma perspectiva totalmente funcionalizante, sob pena de se poder assistir a uma organização do procedimento pelo legislador que não defenda suficientemente o indivíduo do arbítrio do poder. A dignidade da pessoa humana, que o artigo 1º da Constituição arvora em valor basilar da República, não consente que a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito seja totalmente ou maioritariamente funcionalizada ao serviço do interesse público. O cidadão é chamado para defender os seus interesses, desde que em abstracto susceptíveis de tutela jurídica e com emprego de meios lícitos.”
2. A participação procedimental constituiu, pois, um imperativo estruturante decorrente da Constituição – artigo 267º, nº 5, e é concretizada, no que respeita à participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo ([28]).

Dispõe o artigo 100º:

“Audiência dos interessados”


1. Concluída a instrução e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.

2. O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral.

3. A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.”

A audiência dos interessados inicia uma fase do procedimento – de pré-decisão ou de saneamento ([29]) -, quando do instrutor entenda que estão reunidos os elementos necessários para ponderar qual o sentido da decisão.

O direito a ser ouvido, que se concretiza mediante a audiência prevista no artigo 100º do CPA, deve consistir na possibilidade concedida ao interessado de participação útil no procedimento.

Por isso, deve pressupor a possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razão susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.

O direito de ser ouvido deve pressupor, assim, a concretização de várias possibilidades, como sejam, por exemplo, a oportunidade de o interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o acto final, direito a oferecer e a produzir prova; direito a que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida, e que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final; o direito a controlar a produção de prova ([30]).

A audiência é facultada aos interessados depois de “concluída a instrução”, isto é, quando se entenda (o instrutor entenda) que estão reunidos e coligidos no procedimento administrativo todos os elementos que interessam à decisão.

A instrução do procedimento consiste, como é noção comum concretizada nos artigos 86º e seguintes do CPA, na averiguação dos factos e de todos os elementos que interessam à decisão final, com a (através da) recolha das provas que se mostrarem necessárias relativamente a todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento – artigo 87º, nº 1, do CPA ([31]).

O conceito de instrução procedimental, para efeitos de determinação do momento em que actua o artigo 100º, nº 1, do CPA e da exigência da promoção da audiência dos interessados, deve abranger e integrar toda a actividade administrativa destinada a averiguar e recolher os factos e interesses relevantes para a decisão.

No exercício do seu direito de audiência, os particulares interessados devem pronunciar-se sobre o objecto do procedimento – isto é, sobre todas as questões ou problemas a resolver pelo órgão administrativo competente, e no exercício concreto da respectiva competência administrativa, perante toda a informação (factos, elementos, interesses a ponderar) constantes e recolhidos no procedimento e tal como este se apresenta à entidade competente para a decisão final.

Daí que, para este efeito, segundo PEDRO MACHETE ([32]), “mesmo a actividade de natureza consultiva, pelo menos a legalmente prevista (seguramente os pareceres obrigatórios; com algumas dúvidas, também os facultativos solicitados pelo órgão competente para a instrução e durante esta fase), deve ser anterior à audiência dos interessados, independentemente de os pareceres serem ou não vinculativos”.

Com efeito, devendo os particulares pronunciar-se sobre o objecto do procedimento conhecendo todos os dados que a lei considera relevantes para a formação da decisão, impor-se-á, logicamente, a precedência da emissão de pareceres relativamente à audiência dos interessados.

No exercício do seu direito a ser ouvido, - a audiência pode ser escrita ou oral – o interessado pode, pois, pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos – artigo 101º, nºs 1 e 3, do CPA.

Após a audiência, podem ser efectuadas, nomeadamente a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes – artigo 104º do CPA.

O juízo sobre a utilidade de tais diligências complementares caberá, naturalmente, ao órgão instrutor (sob orientação e supervisão do órgão administrativo com competência decisória), que decidirá tendo em vista as necessidades em termos de instrução do procedimento, e o nível ou exigência de comprovação já existente sobre as questões de facto e de direito relevantes.


3. A audiência dos interessados não tem, porém, lugar em todos os procedimentos e, em certas circunstâncias, pode ser dispensada.

Dispõe, a este respeito, o artigo 103º do CPA, sob a epígrafe “inexistência e dispensa de audiência dos interessados”.

“1. Não há lugar a audiência dos interessados:
a) Quando a decisão seja urgente;
b) Quando seja razoavelmente de prever que a diligência possa comprometer a execução ou a utilidade da decisão;
c) Quando o número de interessados a ouvir seja de tal forma elevado que a audiência se torne impraticável, devendo nesse caso proceder-se a consulta pública, quando possível, pela forma mais adequada.

2. O órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados nos seguintes casos:
a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas;
b) Se os elementos constantes do procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados.”

A lei prevê, nesta disposição, quer os casos de delimitação negativa do princípio da audiência – os casos de audiência dispensada, quer os limites ao direito de os interessados serem ouvidos no procedimento antes do ser tomada a decisão final – casos de inexistência de audiência dos interessados ([33]).

Nos casos previstos no nº 2 – dispensa de audiência – o critério é indicativo da função procedimental atribuída ao direito de os interessados serem ouvidos sobre o objecto do procedimento antes da decisão final.

A dispensa, uma vez verificados os pressupostos de aplicação do artigo 103º, nº 2, alínea a), do CPA, significa que, no juízo do legislador, os valores tutelados já se encontram acautelados por outra via, sendo desnecessário proceder a nova audiência, que, nessas situações, representaria uma duplicação.

“O critério fundamental da dispensa neste caso é, assim, a desnecessidade de nova audiência para a garantia do direito de ser ouvido sobre o objecto do procedimento antes de ser tomada a decisão final, o qual, em bom rigor, já terá sido efectivado” ([34]).

O artigo 103º, nº 2, alínea b), do CPA prevê, por seu lado, um outro caso de dispensa de audiência formal. A desnecessidade de audiência tem aqui a ver com uma “experiência de senso comum”. “Se os elementos constantes de procedimento conduzirem a uma decisão favorável aos interessados, a audiência destes, em regra, nada iria adiantar em relação à informação de que a Administração já dispõe, porquanto a intervenção procedimental dos interessados, apesar de não se ter de limitar à defesa rígida dos seus interesses e antes dever contribuir para a definição de um equilíbrio entre interesse público concreto a realizar pela Administração, também não vai ao ponto do sacrifício de interesses próprios” ([35]).

Os casos de inexistência de audiência revelam, por seu lado, a resolução pela legislador de um conflito de valores. A referida formalidade é preterida a favor da protecção de outros valores tidos por mais relevantes – a própria utilidade da decisão administrativa, quer em consequência da ponderação de factor tempo (decisões urgentes), quer por motivo da verificação de outras circunstâncias que comprometem a utilidade ou a execução da decisão.

Fora dos casos expressos de inexistência, ou dos procedimentos em que – fundamentadamente – seja dispensada, a audiência dos interessados constitui uma formalidade do procedimento que a doutrina e a jurisprudência têm considerado essencial e geradora de vício de forma. A omissão ou a realização defeituosa da audiência dos interessados determinam, em princípio, a anulabilidade de acto conclusivo do procedimento em que tenham ocorrido – artigo 153º do CPA ([36]).


4. A integração no conceito procedimental de instrução da actividade administrativa de natureza consultiva legalmente prevista, significa, como se referiu, que os pareceres devem ser anteriores à audiência dos interessados ([37]).

A audiência dos interessados constitui um princípio essencial do procedimento administrativo, de promoção, consequentemente, obrigatória, salvo os casos de inexistência ou desnecessidade delimitados na lei.

Os casos considerados apenas poderiam ser avaliados, eventualmente, no plano da (des)necessidade.

Mas o critério de utilidade pressuposto à definição da necessidade não poderá ser aqui inteiramente preenchido.

Na verdade, se o parecer for favorável à pretensão do interessado, a questão está directamente prevista no artigo 103, nº 2, alínea b) – e a audiência deverá ser dispensada por motivos derivados da “experiência de senso comum”.

Se, ao contrário, o parecer for emitido em sentido desfavorável à pretensão do interessado, o particular poderá, argumentar ou comentar a argumentação de parecer, ou, quando menos, usar da faculdade que está prevista no artigo 104º do CPA e solicitar a realização de diligências complementares que entenda e que mostre ser conveniente.

Questão diversa, mas conexa, será, então, em tais hipóteses, saber se após a posição e os elementos que possam ser apresentados pelo interessado, ou após a realização das diligências complementares requeridas, o órgão consultivo deverá emitir novo parecer.

A resposta, na lógica dos interesses e valores assinalados à dimensão participativa do princípio da audiência, não poderá deixar se ser positiva, desde que, é óbvio, em resultado dos referidos elementos ou especialmente das diligências complementares, se apresente uma situação suficientemente diversa da preexistente no procedimento e que, enquanto tal, seja susceptível de poder afectar os pressupostos com base nos quais o parecer havia sido emitido. ([38])

Por seu lado, a competência para decidir quanto à sequência do procedimento caberá ao órgão administrativo perante o qual o procedimento tenha sido instaurado e que o dirija - ou, nos casos previstos no artigo 105º do CPA, ao instrutor. Deste modo, quer a decisão sobre a pertinência ou utilidade prognóstica das diligências requeridas ao abrigo do artigo 104º, quer o juízo sobre o nível relevante susceptível de impor ou justificar nova consulta, cabem neste quadro de competências - assim é exigido tanto pelas competências de direcção, orientação e decisão do procedimento, como pela consideração da natureza e função do acto opinativo legalmente previsto.


5. A audiência dos interesados prevista no artigo 100º do CPA tem lugar, também, nos procedimentos legalmente formalizados preexistentes - os procedimentos especiais, na terminologia do artigo 2º, nº 7, do CPA, quando, na previsão formalizada mais ou menos detalhada, tal audiência não esteja expressamente prevista.

Assim o impõe a consideração da função essencial da audiência dos interessados, seja por aplicação subsidiária do CPA como poderia resultar de uma leitura mais imediata do artigo 2º., nº 7, seja mesmo, como defende PEDRO MACHETE ([39]), directamente como corolário do princípio constitucional da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito.


V

1. Revisitados e recolhidos, tanto quanto basta às exigências do parecer, alguns elementos teóricos úteis à interpretação das disposições procedimentais aplicáveis, importa aproximá-los à situação objecto da consulta apontando soluções para as questões que foram colocadas.

Num procedimento iniciado a requerimento do interessado, para a qualificação como deficiente das forças armadas, são aplicáveis os princípios e as regras gerais do procedimento administrativo e as normas do Código do Procedimento Administrativo. ([40])

E, entre estes, o princípio da audiência e a norma do artigo 100º, que impõe a realização de audiência dos interessados ([41]), salvo se existirem motivos que possam dispensar a audiência, nos termos do artigo 103º, nº 2, do CPA.

E será o caso - alínea b) desta disposição - quando em resultado de parecer a entidade competente se proponha decidir em sentido favorável à pretensão dos interessados.


2. No caso de parecer desfavorável, e chamado o interessado a pronunciar-se no exercício do seu direito de audiência, a entidade competente para dirigir o procedimento apreciará as pretensões que o interessado apresente, nomeadamente quanto à solicitação para a realização de novas diligências de prova - artigo 104º do CPA, e, no exercício de tal competência decidirá, também, se a conformação sequente do procedimento impõe ou justifica nova pronúncia do órgão consultivo. ([42])


VI

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª - A audiência dos interessados, que concretiza nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo o princípio da participação dos interessados nas decisões que lhes disserem respeito, deve ter lugar tanto nos procedimentos gerais, como nos que estejam previstos em lei específica, salvo os casos de inexistência ou dispensa expressamente indicados no artigo 103º do referido diploma;

2ª - Nos termos do artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, a audiência dos interessados deve ter lugar concluída a instrução, no momento em que estejam reunidos no procedimento todos os elementos de facto e de direito necessários à decisão;

3ª - No procedimento para a qualificação como deficiente das forças armadas nas situações previstas no artigo 1º, nº 2, 2ª parte, 4º item, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a decisão, da competência do Ministro da Defesa Nacional, é precedida de parecer obrigatório não vinculante da Procuradoria-Geral da República;

4ª - A audiência do interessado nos procedimentos previstos na conclusão anterior deve ter lugar após a emissão do parecer, mas, nos termos do artigo 103º, nº 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo, pode ser dispensada quando autoridade competente se proponha decidir em sentido favorável à pretensão do interessado;

5ª - No caso de a intervenção do interessado ou a realização de novas diligências de prova, produzirem uma modificação dos elementos preexistentes no procedimento, deve ter lugar nova audição do órgão consultivo se a novidade dos elementos for substancialmente relevante.



VOTOS

Eduardo de Melo Lucas Coelho - Votei o parecer com a seguinte declaração quanto ao tema sumariado na conclusão 5ª.
A audiência do interessado ou a realização de novas diligências de prova apenas podem fundar em geral uma nova audição da instância consultiva em face de um novo quadro factual, diferente daquele em que baseou o parecer obrigatório.
Não assim quando o interessado apresente apenas uma construção jurídica diferente da perfilhada no parecer obrigatório, conducente a uma decisão favorável.
Se se tratar, porém, de audição obrigatória deste Conselho Consultivo, como no caso da presente consulta, inclino-me, por outro lado, a pensar que o novo parecer do Conselho, no caso de alteração dos dados factuais primitivamente disponíveis, não poderá ser-lhe solicitado pelo órgão administrativo perante o qual corre o procedimento ou pelo instrutor (cfr. os pontos IV, 4. e V, 2.), a menos que se trate de uma daquelas entidades a que assiste competência para o efeito nos termos do artigo 37º do Estatuto do Ministério Público.
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Carlos Alberto Fernandes Cadilha - Com declaração de voto idêntica à do meu Excelentíssimo Colega Dr. Lucas Celho.
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António Manuel dos Santos Soares - Com declaração de voto idêntica à do meu Excelentíssimo Colega Dr. Lucas Coelho.
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NOTAS


[1]) Proc. nº 248/98(1) – Nº 56/97-CG.
[2]) Cfr. “Direito Administrativo”, ed. policopiado, vol. III, pág. 164.
[3]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro.
[4]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, loc. cit., págs. 165-166; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo, Comentado, 2ª edição, 1997, págs. 43 e segs. Cfr., também, uma aproximação teorética ao procedimento em JOÃO CARLOS SIMÕES GONÇALVES LOUREIRO, O Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares (Algumas considerações) Col. Studia Juridica, Coimbra, pág. 62 e segs..
[5]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, loc. cit. nota anterior, pág. 45.
[6]) Cfr. idem, pág. 53/54.
[7]) Cfr. idem, pág. 53. A cunhagem de uma noção legal de processo, nos termos em que vem inscrita no artigo 1º, nº 2, do CPA, revela a consagração codificada da tese processualista. Cfr., a este propósito, as referências ante-codificação sobre os termos da discussão em FREITAS DO AMARAL, op. cit., págs. 176-181.
[8]) Cfr. Parecer deste Conselho nº 82/96, votado na sessão de 23 de Janeiro de 1997.
[9]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, pág. 49
[10]) Cfr. Idem, ibidem.
[11]) Cfr. idem, pág. 51/52, que se segue de perto, e de onde são recolhidas as expressões assinaladas.
[12]) São operações materiais as inspecções, vistorias, análises, exames, perícias, ocupações, despejos, demolições, tomadas de posse, delimitações.
Actos de expediente são os ofícios, registos, notificações, diligências burocráticas. – Cfr. a exemplificação em MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 52.
[13]) Cfr. idem, ibidem.
“As formalidades em que se decompõe um procedimento particular, por exemplo, vão desde a apresentação e quitação do requerimento, passando pela verificação da competência do órgão, pelo convite ao suprimento de irregularidades. (…), oposições, de audições e das respostas a estas, de vistorias, de inspecções, de exames periciais, de requisições, de pedidos e emissão de certificados, de exibições de documentos, de pareceres, de memórias descritivas, da designação de peritos, da elaboração de relatórios, da realização de avaliações, selecções e classificações, do cumprimento de obrigações fiscais e para-fiscais, da apresentação, discussão e votação de propostas, do lavramento delas em acta (bem como de outras diligências em auto) e de comunicações até à publicação e notificação da decisão final.”
[14]) Cfr. idem, pág. 40.
[15]) Cfr., v.g., idem, pág. 78-79. Cfr., também, o Parecer deste Conselho nº 82/96, cit. na nota (8).
[16]) Alterado pelo Decreto-Lei nº 224/90, de 10 de Julho.
[17]) Cfr. sobre a qualificação automática e os problemas que pode suscitar, o Parecer deste Conselho nº 38/89, de 25 de Janeiro de 1990.
[18]) Tem sido vastíssima a intervenção do Conselho Consultivo no exercício desta competência.
[19]) Cfr., v.g., FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, ed. cop., págs. 144 e segs. e, entre outros, o Parecer deste Conselho nº 28/90, de 28 de Junho de 1990.
[20]) Cfr. ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, ed. cop., págs. 136-137.
[21]) Cfr. ibidem, pág. 136.
[22]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit., pág. 145; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, cit., pág. 132; PIETRO VIRGA, II Provvedimento Amministrativo, III, ed., Giuffré, 1968, pág. 119, e Diritto Amministrativo, Atti e Ricorsi – 2ª ed., Giuffrè, pág. 22 e segs., que neste ponto se seguem de perto.
[23]) Cfr. ROGÉRIO SOARES, op. cit., pág. 138.<

[24]) Cfr. v.g. MASSIMO SEVERO GIANNINI, Diritto Amministrativo, vol. 2º, 2ª ed., 1988, pág. 565.
[25]) Cfr. JOSÉ SÉRVULO CORREIA, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, in, “Legislação”, “Cadernos da Ciência da Legislação”, ed. INA, nº 9/10, Janeiro de 1994, págs. 133 e segs.
[26]) Cfr. idem, pág. 147.
[27]) Cfr. idem, págs. 148 a 150.
[28]) Artigo 267º, nº 5, da Constituição: “O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito. “Cfr., sobre a discussão quanto ao enquadramento axiológico-normativo da participação procedimental (direito de audiência ou concretização do princípio democrático na dimensão participativa), PEDRO MACHETE, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, 1996, págs. 387 e segs.
A concretização do princípio da audiência dos interessados representou uma “pequena - grande revolução” na actividade administrativa. Cfr., FREITAS DO AMARAL – Princípios Gerais do Código de Procedimento Administrativo”ed. CEFA, 1992, pág. 49. “O direito de audiência prévia dos interessados surgiu como uma das inovações do CPA, representando a dinamização do artigo 267º, nº 4, da C.R.. Cumpre uma missão funcional, na medida em que permite o contributo do particular para uma mais perfeita realização do interesse público e uma missão garantistica, possibilitando ao particular comunicar atempadamente à Administração as informações e os argumentos que, do seu ponto de vista, devem conduzir a que seja tomada uma decisão favorável, ou não seja adoptada uma decisão desfavorável, aos seus interesses”. Cfr. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Maio de 1997, in Ac. Dout. XXXVI, Nov/97, nº 411, pág. 1242.
[29]) A expressão “fase de saneamento” é de ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 453.
[30]) Cfr. v.g.. A GORDILLO, cit. em JOSÉ MANUEL DOS SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINCHO, “Código do Procedimento Administrativo” Anotado, 3ª edição, 1996, pág. 347.
[31]) Cfr., sobre a noção de instrução, FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, cit. pág. 191.
A prova dos factos pode obter-se através de todos os meios de prova admitidos em direito. No procedimento administrativo o principal meio de instrução é a prova documental, mas, sendo previstos todos os meios de prova admitidos em direito, estão incluídos outros meios de prova, como a prova testemunhal, inquéritos, vistorias, avaliações e outras diligências semelhantes – artigo 94º do CPA.
[32]) Cfr., A Audiência dos Interessados, cit., págs. 450-451 e esp., nota (928), referindo as razões de natureza literal, sistemática e histórica que concorrem neste sentido.
[33]) Cfr., v.g., PEDRO MACHETE, A Audiência dos Interessados, cit. págs. 459 e segs. e 474 e segs.
[34]) Cfr. idem, pág. 461.
[35]) Cfr. idem, págs. 467-468.
[36]) Cfr., v.g. idem, págs. 526-527; ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op.cit., pág. 454 e o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Administrativo), de 17/Dezembro/1997, in “Cadernos de Justiça Administrativa”, nº 12, Nov/Dez/1998, págs. 3 e seg. (anotado por Pedro Machete); Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de Novembro de 1995, Ac. Dout. Ano XXXIV, Dez/1995, nº 408, pág. 1304 e Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 31 de Novembro de 1994, Ac. Dout. XXXIV, Nov/1995, nº 407, pág. 1153.
[37]) É, porém, pertinente a dúvida sobre a utilidade da audiência no caso de os pareceres serem vinculativos. Devendo a decisão seguir o sentido do parecer, a pronúncia dos interessados nada poderia acrescentar, por, ao essencial, o conteúdo da decisão estar pré–definido ou determinado.
Por isso, em textos produzidos no âmbito do Conselho da Europa se entende que:
-“If the procedure includes tacking an opinion which has binding force, the making of submissions must be allowed before tacking of the opinion”.
Cfr. The “Administration and you”, Par 38 do Chapter I, “Scope of the principles, rule of law and background and definitions of the term used.”
[38]) Cfr., PEDRO MACHETE, A Audiência dos Interessados, cit., pág.453.
[39]) Cfr., idem, pág. 316 e segs., desig. 324-325. O fundamento da aplicação de um princípio jurídico geral determinaria a exigência de audiência dos interessados nos procedimentos especiais, quer nas situações de audiência integrativa (omissão de previsão), quer de audiência cumulativa ou de audiência correctiva ou substitutiva (previsão de audiência com diferente função procedimental).
[40]) Cfr., para casos com suficiente proximidade, o Parecer deste Conselho nº 82/96, cit. na nota (8).
[41]) E isto quer se considere o procedimento como especial (no sentido do artigo 2º., nº 7, do CPA) ou não. De qualquer modo, muito embora seja questão irrelevante para este efeito, o procedimento não assumirá as características de especial. Cfr., supra.
[42]) O critério decisivo (ou exclusivo) será a novidade substancial dos elementos entretanto trazidos ao procedimento pelo interessado ou na sequência da pronúncia deste.
Neste sentido, elementos outros que matéria de facto poderão, no limite, ser considerados (v.g., alguma indicação normativa que não tivesse sido ponderada). Mas não simples diferenças de posição oriundas de critérios de mera re-ponderação dos memsos elementos ou de simples argumentário sobre a consideração dos factos ou a interpretação do direito.
Anotações
Legislação: 
CPADM91 art100 art104 art153 art87 art98
CONST76 art267 n5
DL 43/76 de 1976/01/20 art1 art2
Referências Complementares: 
Dir adm * Defic ffaa * Garant adm / Dir const * dir fund /
Divulgação
Data: 
12-02-2001
Página: 
2960
Pareceres Associados
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