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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
1/1999, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Saúde
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GREVE
DIREITO À GREVE
GREVE SELF SERVICE
GREVE SIMBÓLICA
GREVE DEMONSTRATIVA
GREVE INTERMITENTE
GREVE DE RENDIMENTO
GREVE ROTATIVA
GREVE SECTORIAL
GREVE DE ZELO
GREVE ADMINISTRATIVA
GREVE DE NÃO COLABORAÇÃO
GREVE ÀS AVESSAS
GREVE DAS HORAS SUPLEMENTARES
GREVE COM OCUPAÇÃO
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
PRÉ AVISO DE GREVE
GREVISTA
ADESÃO
NECESSIDADE SOCIAL IMPRETERÍVEL
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÍNIMOS
DEFINIÇÃO
COMPETÊNCIA
GOVERNO
REQUISIÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Conclusões: 
1ª - O direito de greve, reconhecido como direito fundamental pelo artigo 57º da Constituição, é garantido aos trabalhadores da função pública;

2ª - Não havendo ainda sido editada a legislação relativa ao exercício do direito de greve na função pública, prevista no nº 2 do artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 Agosto, aplicam-se as normas gerais deste diploma com as necessárias adaptações;

3ª - O pré-aviso, previsto no artigo 5º, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, constitui uma formalidade essencial do processo de greve, que se destina a dar conhecimento à entidade empregadora e, nos casos de serviços essenciais, ao público em geral, da delimitação do âmbito da greve, os sectores a abranger e, pelo menos, a data e hora do início da greve.

4ª - Não é lícita, fazendo incorrer os trabalhadores nas consequências previstas no artigo 11º, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, uma greve que seja executada e desenvolvida em condições diversas e com um plano de greve diferente do que consta do pré-aviso;

5ª - A noção de greve normativamente relevante, nos termos do artigo 57º da Constituição e do artigo 1º da Lei nº 65/77, supõe, como elementos essenciais, uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução de objectivos comuns;

6ª - A greve declarada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), avaliada nos termos constantes do pré-aviso de 10 de Setembro de 1998, (paralisação total, com ausência dos locais de trabalho), respeita os requisitos referidos na conclusão anterior;

7ª - Porém, o modo como é descrito o desenvolvimento da greve (interrupção e retoma do trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria directamente os termos do pré-aviso e sujeita os médicos às consequências determinadas no artigo 11º, ex vi do artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto;

8º - De todo o modo, uma actuação levada a cabo nas condições referidas na conclusão anterior (interrupção do trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria a noção de greve constante da conclusão 5ª, e levando a consequências imprevisíveis na organização dos serviços e podendo provocar danos desproporcionados para os utentes, é ilegal;

9ª - O direito de greve, enquanto direito fundamental, sofre os limites resultantes da necessária conciliação com outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no artigo 57º, nº 3, da Constituição e nos nºs. 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77: as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;

10ª - A definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis, relevando de interesses fundamentais da colectividade, está condicionada por critérios de adequação e proporcionalidade e compete ao Governo;

11ª - O conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de irremediável prejuízo;

12ª - Os serviços afectados pela greve não se podem substituir às associações sindicais quando estas não cumprirem a obrigação de designar os trabalhadores que devem ficar, em cada caso, adstritos à prestação de serviços mínimos;

13ª - A condição de admissibilidade da requisição civil prevista no artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77, pressupõe que a falta de prestação de serviços mínimos se verifique no âmbito de uma greve com os efeitos previstos no artigo 7º, nº 1, da respectiva Lei;

14ª - Todavia, a ocorrência de perturbação de serviços essenciais em resultado de comportamentos dos trabalhadores não abrangidos pelos efeitos da greve, pode constituir pressuposto da requisição civil, se for considerada “perturbação particularmente grave” nos termos do artigo 1º, nº 1, do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;

15ª - O Sindicato que declare uma greve e os trabalhadores podem ser responsabilizados, nos termos gerais (civil, disciplinar ou criminalmente), pelas consequências que resultarem da omissão de prestação de serviços mínimos.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhora Ministra da Saúde,
Excelência:


I

Dignou-se Vossa Excelência enviar à Procuradoria-Geral um parecer elaborado a pedido do Ministério ([1]) sobre questões suscitadas a propósito da greve dos médicos decretada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), solicitando que o Conselho Consultivo se pronuncie com urgência ”sobre as conclusões constantes do parecer anexo”.

Cumpre, assim, emitir parecer, com os condicionalismos impostos pela urgência.


II

1. As questões suscitadas a propósito da greve dos médicos decretada pelo SIM foram enunciadas pelo seguinte modo:

“1. A greve dos médicos nos termos decretados pelo SIM está dentro dos limites da lei da greve?”
“2. Os médicos podem interromper o trabalho e retomá-lo as vezes e pelo tempo que quiserem – por dia ou dias e até por horas – durante o período coberto pelo pré-aviso decretado pelo SIM?”
“3. Quem tem competência para definir os serviços mínimos?”
“4. Qual o nível e extensão dos serviços mínimos?”
“5. Não designando o sindicato os médicos necessários para assegurar os serviços mínimos, poderão os serviços (hospitalares) proceder a essa designação e injustificar as faltas dos que, tendo sido designados, não compareçam para os prestar?”
“6. Justifica-se, do ponto de vista legal, a requisição civil?”
“7. É o Sindicato e são os médicos responsáveis pelo não cumprimento dos serviços mínimos?”


2. Não foram enviados com o pedido de parecer elementos que documentem ou directamente revelem a natureza, os termos e a específica conformação da “greve dos médicos decretada pelo SIM”.

Na sequência de solicitação formulada, o Ministério enviou cópia do pré-aviso do SIM e de diversa documentação emanada deste Sindicato e do conhecimento do Ministério.

O texto do pré-aviso é o seguinte:

“Pré-aviso de greve (2ª fase)

Nos termos do artigo 58º da Constituição da República Portuguesa e ao abrigo dos artigos 2º, nºs. 1 e 2, 8 e 12º, nº 1, todos da Lei nº 65/77, de 26/08, o Sindicato Independente dos Médicos - SIM, declara uma GREVE NACIONAL DE MÉDICOS, sob a forma de paralisação total e com ausência dos locais de trabalho, nos seguintes termos:
Serviços Abrangidos
Todos os serviços de saúde dependentes do Ministério da Saúde (designadamente hospitais e centros de saúde), das Finanças, da Educação, do Emprego e Segurança Social, da Justiça, da Defesa Nacional e das Secretarias Regionais dos Assuntos Sociais das Regiões Autónomas dos Açores e Madeira, bem como em geral quaisquer entidades públicas, ou privadas, nomeadamente Misericórdias que tenham médicos ao seu serviço, independentemente do grau, função ou vínculo.

Dado que o Governo não acautelou os direitos dos médicos, nomeadamente em Unidade de Saúde com gestão privada, o SIM decide alargar o âmbito deste pré-aviso a todas as Unidades de Saúde Privadas ou Públicas com gestão privada.

Período de Exercício do Direito de Greve

Os médicos abrangidos pelo Pré-Aviso, paralisarão a sua actividade assistencial entre as 0 horas do dia 21 de Setembro de 1998 e as 24 horas do dia 31 de Dezembro de 1998.

O SIM decreta GREVE NACIONAL dos MÉDICOS, dado que:

Motivos da Greve

1 - (...)
2 - (...)
3 - (...)
4 - (...)
5 - (...)
6 - (...)
7 - (...)

Serviços Mínimos Indispensáveis à Satisfação de Necessidades Sociais Impreteríveis

Os serviços mínimos são assegurados nos serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde a seguir indicados:
Em todos os Estabelecimentos Hospitalares ou de natureza hospitalar e Centros de Saúde com atendimento permanente que funcionem continuamente durante 24 horas por dia e nos 7 dias da semana.

São ainda considerados serviços mínimos os prestados:

Nos serviços de hemodiálise aos doentes urémicos e nos serviços de tratamento do foro oncológico (quimioterapia, radiações e respectiva ligação sob vigilância do sistema informático).

Os serviços mínimos serão assegurados pelo mesmo número de médicos que trabalham aos domingos nos serviços e estabelecimentos de saúde referidos anteriormente.

Os médicos participantes em concursos médicos, e aqueles que integram os júris respectivos não serão abrangidos pelo pré-aviso de greve.

Norma da Greve

Todos os médicos podem aderir livremente à GREVE quer sejam ou não sindicalizados, quer sejam contratados ou do Quadro, quer sejam Directores de Serviço, Directores Clínicos ou Directores de Centro de Saúde.

1 - Qualquer tentativa de violar este direito deve ser comunicada de imediato ao Delegado Sindical, à Delegação Regional ou à Sede do SIM, que accionará os mecanismos legais e judiciais adequados, não devendo o médico em causa envolver-se em qualquer processo negocial individual.

2 - Os médicos em greve não devem comparecer ao serviço, assinar as folhas de ponto, escrever greve ou avisar se fazem greve.

3 - Os médicos escalados para os serviços mínimos ou em curso, não fazem greve e assinam a folha de ponto, como normalmente.

4 - Chama-se a atenção dos Colegas, que asseguram os serviços mínimos, que durante a greve devem estar particularmente atentos que o previsível aumento de afluxo de doentes aos serviços de urgência agravará, inevitavelmente, as já de si precárias condições de observação e de tratamento dos doentes.

5 - Qualquer tentativa, por parte do Ministério da Saúde ou órgãos de gestão, de modificação dos serviços mínimos indispensáveis, não deverá ser acatada se não previamente acordada entre o Ministério da Saúde e o SIM, conforme determina a Lei da Greve.

6 - (...).”


3. O parecer elaborado a pedido do Ministério da Saúde e que acompanhou o pedido de Parecer contém, por seu lado, algumas referências actuais sobre os termos da referida greve (a “greve self-service” – breve memória descritiva), que se reproduzem:

“Com data de 10 de Setembro de 1998, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) enviou às entidades competentes, designadamente ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Trabalho e da Solidariedade, um “Pré-aviso de greve (2ª fase)”, através do qual dá conhecimento da decisão de recurso a uma “greve nacional dos médicos” com início às 0 horas do dia 21 de Setembro de 1998 e termo às 24 horas do dia 31 de Dezembro de 1998. O citado pré-aviso indica ainda “os serviços abrangidos”, “os motivos da greve”, “os serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” e “as normas da greve”.

“Esta greve declarada pelo SIM segue-se a uma outra, com a duração de 11 dias, que teve lugar entre o dia 14 de Agosto e o dia 4 de Setembro do mesmo ano, razão pela qual o SIM adita, entre parêntesis, a expressão 2ª fase à expressão pré-aviso no documento de notificação da greve.

A greve em curso de realização foi, entretanto, designada pelos próprios responsáveis sindicais como “greve self-service”, assim considerada por permitir a “qualquer médico, individualmente ou em grupo, fazer greve a todo o momento e pelo tempo que desejar, sem aviso prévio” ([2]).

III

1. A greve constitui um direito dos trabalhadores constitucionalmente tutelado como um dos “direitos, liberdades e garantias”.

A consagração constitucional do direito à greve vem inscrita no artigo 57º, nºs 1, 2 e 3, da Constituição ([3]): é garantido o direito à greve, competindo aos trabalhadores “definir o âmbito dos interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito”.

A caracterização constitucional do direito de greve como um dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores significa, designadamente, que deve ser considerado como direito subjectivo negativo, “não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhe termo”, com eficácia externa imediata, em relação a entidades privadas, não constituindo o exercício do direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito, e “com eficácia externa, no sentido de directa aplicabilidade, não podendo o exercício desse direito depender da existência de qualquer lei concretizadora” ([4]).

Garantindo em termos fundamentais o direito, a Constituição não contém, no entanto, um conceito de greve.

Entre a densificação sociológica do respectivo conteúdo com apelo a noções sócio-laborais correntes, e a estrita caracterização jurídica dos elementos constitutivos (juridicização específica do conceito), poderá caber um complexo de actuações materiais dos trabalhadores cuja pertinência ao conceito de greve tem sido questionada por sectores da doutrina nacional ([5])

A noção de greve – e é este um elemento permanente do conceito – supõe uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução de objectivos comuns. O conteúdo e o desenvolvimento consequencial da actuação colectiva e concertada dos trabalhadores, na amplitude e nas formas e modos de desenvolvimento, são referidos essencialmente à paralisação do trabalho ([6]).

Neste conceito clássico, greve é “a abstenção da prestação de trabalho, por um grupo de trabalhadores, como instrumento de pressão para realizar objectivos comuns” ([7]).

Abstenção da prestação de trabalho como omissão do comportamento contratualmente devido, manifestada como fenómeno colectivo no sentido de solidário, pré-acordado ou concertado, como instrumento e actuação de força para realizar objectivos comuns.

Esta noção, dir-se-ia “clássica” de greve (abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho com a finalidade de pressionar a entidade patronal à satisfação de um objectivo comum dos trabalhadores), está, contudo, aquém da amplitude conceitual permitida pela formulação constitucional da consagração do direito à greve e pela retoma da amplitude dessa formulação no artigo 1º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto (Lei da Greve).

Por isso se tem entendido que o tratamento jurídico-positivo de exercício do direito de greve estabelecido por este diploma não é incompatível com todas as modalidades de conduta conflitual colectiva dos trabalhadores não estritamente coincidentes com o aludido conceito “clássico”. Reconhecendo-se, embora, um nexo de adequação entre o regime jurídico definido pela Lei nº 65/77 e o conceito “típico” de greve, não poderão ser afastados desse regime situações próximas e não estritamente coincidentes com o modelo conceitual clássico, porventura como referente fundamental.

O melhor entendimento será o que “atenda à progressiva diversificação dos tipos de conduta conflitual e tome como referência básica aquilo que, à luz da história social, contradistingue a greve de outras modalidades de coação directa: a recusa da prestação de trabalho enquanto contratualmente devida. Conduta essencialmente omissiva […], que se não confunde com os comportamentos activos tão característicos de sabotagem, como da greve de zelo (em que se substitui a conduta devida por uma outra, aparentemente idêntica). Recusa da prestação contratualmente devida, diferente, por isso, do boicote na suas várias formas, ou de desobediência colectiva” ([8]).

Devem, pois, considerar-se cobertos pelo direito de greve, constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos que evidenciem o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho devida, sejam quais forem a duração, o escalonamento temporal e o número e a inserção funcional dos participantes.

Esse lado de abordagem do conceito de greve liga-se ao modo de actuação, à forma externa e concreta em que se manifesta o comportamento colectivo, concertado e solidário dos trabalhadores.


2. No domínio das manifestações externas da greve – as formas de greve – podem ser consideradas, e têm sido objecto de atenção da doutrina e de tentativas de enquadramento tipológico, diversificadas exteriorizações do fenómeno, resultado da longa evolução histórico-sociológica, desenvolvendo-se quase sempre à margem de leis enquadradoras ([9]).

“Mais do que no campo dos objectivos, avulta a dificuldade em tratar juridicamenteos fenómenos sociais, produto da dinâmica das lutas laborais e das correlações de forças entre os diversos agentes em conflito, variando, por isso, em função das circunstâncias históricas e sociológicas e de país para país ([10]).

O conceito de greve clássica, como se referiu, cobre a paralisação concertada e total do trabalho, normalmente precedida de um plano preparado com certa antecedência, em que os promotores de greve avaliam previamente as condições ideiais para o desencadeamento, incluindo a data e a duração previsível da greve. Concomitantemente, providenciam sobre a organização de serviços de segurança, constituição de piquetes de greve e medidas tendentes a evitar que as empresas lancem mão do recurso de fazer substituir os grevistas por outros trabalhadores. Enfim, pressupõe mais ou menos resolvida a questão dos subsídios a definir aos grevistas durante a greve, através da constituição de fundos para o efeito ou da utilização deles no âmbito da organização sindical (pagamento, socorro de greve, etc.).

A suspensão ou interrupção do trabalho com abandono dos postos de trabalho constitui o facto característico da greve tradicional ou clássica.

Fora desta noção fundamental, considera-se depois a greve de braços caídos, que consiste na suspensão do trabalho mas sem abandono dos lugares de trabalho, originariamente para evitar que a entidade patronal substituísse os grevistas por trabalhadores adventícios; a este tipo pode pertencer, também, embora possa caracterizar uma figura dotada de certa autonomia, a greve simbólica ou demonstrativa.

Nas greves curtas e repetidas (“debrayages”) “os trabalhadores cessam o trabalho antes da hora prevista ou tomam os seus postos com atraso em relação ao horário em vigor; ou as paragens de trabalho têm lugar mantendo-se os trabalhadores nos seus locais de trabalho.”

“Dentro deste tipo se inclui a greve intermitente, em que a suspensão do trabalho se processa a intervalos, variáveis conforme as circunstâncias.”

“As greves de rendimento (‘grèves perlées’) caracterizam-se por não haver cessação de trabalho, mas redução no seu ritmo e eficácia ou na cadência da produção. Visam normalmente uma baixa de produção, que varia em função do tempo de duração. Também são conhecidas por greves de lentidão.”

“As greves rotativas (‘grèves tournantes’) verificam-se quando o trabalho se suspende sucessivamente em cada parte ou secção da empresa. Aparentam-se com as greves interminentes, mas sincronizadas por forma a que haja sempre uma secção da empresa que esteja paralisada. Também definidas como greves de execução categorial ou sucessiva.”

“As greves de zelo manifestam-se na execução do trabalho com excessiva minúncia ou com escrupulosa observância dos regulamentos.”

“São as greves típicas dos funcionários, em que, ao contrário de uma diminuição de actividade, há uma recrudescência desta, com minuciosa observância de todas as formalidades administrativas e um súbito excesso de aplicação, provocando atrasos e lentidões na máquina administrativa.

Inversamente, as greves administrativas constituem um processo típico de certos funcionários, que continuam a desempenhar o essencial das suas funções burocráticas mas se recusam a preencher os papéis e documentos destinados aos particulares.

Há, também, as greves de não colaboração que se verificam quando os trabalhadores recusam executar tudo quanto não é estritamente estabelecido pelos regulamentos, ou seja, aquela colaboração e iniciativa pessoal que são normais e nomeadamente as chamadas prestações acessórias.

As greves às avessas, por seu turno, consistem em trabalhar contra ou sem a vontade da entidade patronal.

As greves das horas suplementares são aquelas em que os trabalhadores protestam contra a amplitude de trabalho suplementar, seja contra a longa duração deste, seja contra a insuficiência da sua remuneração.

Enfim, as greves com ocupação, em que os trabalhadores grevistas permanecem no interior da empresa ou oficina ou dos serviços, a fim de evitar o seu encerramento ou deterioração ou degradações do material ou do equipamento.

Mais frequentemente, o seu objectivo é defender a estabilidade dos empregos ou para protestar contra ameaças de lock--out ou de suspensão temporária de certas actividades de que dependem aqueles empregos. Acessoriamente, constituem um meio poderoso de pressão sobre a entidade empregadora.” ([11]).

A sociologia das relações de trabalho e dos conflitos laborais permitirá, certamente, surpreender na multiplicidade de lutas laborais outras formas, tipos ou práticas de greve, combinando em maior ou menor medida elementos dos vários tipos que a doutrina tem descrito.


3. Numa outra perspectiva, o conceito de greve tem de ser analisado perante as finalidades projectadas pelos trabalhadores (os objectivos da greve) e o âmbito e os limites dos interesses a defender.

A posição ampla sobre o âmbito da greve e natureza dos interesses a defender pelos trabalhadores está sufragada por G. CANOTILHO e V. MOREIRA nos seguintes termos ([12]):

“Programa normativo-contitucional da greve [...] não se situa apenas dentro dos meios de luta na contratação colectiva e daí a correcta autonomização constitucional do direito de greve em relação à contratação colectiva (rejeição do “modelo” de greve “contratual”); o direito de greve não é dirigido apenas à obtenção de vantagens que estejam na disponibilidade de entidades patronais, podendo estender-se a domínios em que se reportam interesses completamente distintos, não tendo qualquer fundamento um modelo exclusivamente “laboral” de greve; o princípio da auto-regulamentação de interesses e da liberdade de luta dos trabalhadores abre ao cidadão trabalhador a possibilidade de intervir na dinâmica social, defendendo os seus interesses perante os outros grupos e o Estado, independentemente da caracterização material desses como “contratuais” ou “laborais.”

Em outra expressão ([13]), o âmbito dos interesses a defender através da greve significa a plena eficácia da greve como instrumento ao serviço de todos os interesses próprios dos trabalhadores. Nesse âmbito, cabem greves em caso de conflitos jurídicos, greves de solidariedade, greves de protesto e de reinvidicação pela emissão ou omissão de normas, ou para exigir da autoridade pública uma ou outra medida sócio-económica.

Semelhante construção do conceito de greve na vertente do respectivo âmbito, finalidade e objectivos, tem sido formulada na doutrina deste Conselho Consultivo ([14]).

Reconhecendo expressamente que a Constituição, programaticamente avançada na protecção dos interesses dos trabalhadores, induz o intérprete a um particular cuidado no domínio das limitações do direito de greve, adianta-se que do ponto de vista dos objectivos, e desvinculada a greve da pura defesa dos interesses profissionais dos trabalhadores, há uma larga zona de interesses cuja prossecução legitima a greve, para a qual apenas se vislumbram os limites que decorrem da protecção a valores preponderantes da colectividade, relativamente aos quais têm de ceder os interesses sectoriais de classe.


4. Na multiplicidade de formas conflituais utilizadas pelos trabalhadores na defesa dos seus direitos e interesses, entendidos estes como a amplitude assinalada, e comum ou sociologicamente consideradas como greves, podem configurar-se alguma ou outra modalidade cujos elementos estruturantes, o modo, as consequências e os fins expressa ou implicitamente prosseguidos as afaste do conceito normativo da greve.

Mesmo quando se perfilhe ou aceite uma conformação ampla da noção na sua dimensão normativa - logo ao próprio nível fundamental da Constituição, há, com efeito, limites que são ou podem ser assinalados ao próprio conceito de greve: paralisação ou cessação concertada do trabalho, manifestando os trabalhadores a intenção de suspender provisoriamente o contrato de trabalho.

“Nesta medida, ficam automaticamente excluídas do conceito as greves de lentidão ou ao ralenti, bem como as greves de zelo ou às avessas (já que, nestas formas, não há cessação ou paralisação do trabalho).

Do mesmo modo, ainda com algumas dúvidas, as greves administrativas e as greves de não colaboração, pois também aí se não desenha com nitidez, aquele elemento essencial do conceito de greve que é a cessação ou paralisação do trabalho.

Aqui, porém, a enorme variedade de formas que a experiência tem relevado torna difícil a teorização e a análise, já que ora são acompanhadas por uma certa paralisação, parcial, do trabalho, ora se apresentam como a execução de certas tarefas e a inexecução de outras, mas sem que possa detectar-se, aí, com nitidez, um dado momento em que a actividade laboral se tem por interrompida.

Quanto às greves rotativas e sectoriais (grève tournante, sciopero a scachiera), na medida em que se envolvem cessação de trabalho, sem dúvida que merecem o qualificativo de greves.

A hostilidade com que a doutrina e a jurisprudência estrangeiras encara estas greves fundamenta-se noutros motivos, geralmente pelos efeitos danosos por elas produzidos, quase sempre pretendidos pelos grevistas, e que se traduzem na desorganização (concertada) da produção.

Invoca-se, também, o dano injusto e desproporcionado, para o dador de trabalho, que não deve ser obrigado a suportar os custos da produção deficiente e das perdas e deteriorações nas matérias-primas, sem ao menos lhe ser concedida a contrapartida da recusa ao pagamento do salário, como acontece na greve clássica, em que há abstenção total do trabalho e, por isso, suspensão do contrato.

O mesmo se diga relativamente às paralisações curtas e repetidas, às greves intermitentes (sciopero a singhiozzo) , e a outras formas semelhantes, desde que obedeçam a um plano concertado de desorganização da produção, pois, nesses casos, a defesa dos interesses dos trabalhadores não legitima prejuízos injustos e desproporcionados para o dador de trabalho e até para terceiros (em último grau, para a colectividade).

A ilegitimidade de greves desse tipo é aceite em direito comparado, com fundamento no carácter abusivo que revestem e em atenção à nocividade que representam, maxime quando desencadeadas com intenção de sabotagem ou de boicotagem económicas.” ([15])

Com efeito há, desde logo, os limites que resultam da proibição do uso abusivo do direito à greve como de todo e qualquer direito. Depois, há os limites que resultam de não poder prosseguir objectivos que colidam com os interesses fundamentais da colectividade e dos cidadãos, sem excluir os interesses políticos do próprio Estado.

Pode dizer-se, em conclusão, que as formas de que se reveste o exercício deste direito são ílicitas quando não possam qualificar-se como greve, cujo conceito pressupõe, como elemento nuclear, a efectiva cessação ou paralisação concertada do trabalho, ou quando possam poduzir danos injustos e desproporcionados para o dador do trabalho, para terceiro ou para a própria colectividade, nomeadamente quando resultantes do propósito de desorganização da produção e de sabotagem da economia ou de perturbação externa e desproporcionada no funcionamento de serviços fundamentais ([16]).


5. O artigo 57º da Constituição, como a Lei da Greve, não contêm uma definição de greve.

A ausência de definição legal do conceito de greve ([17]), não significa que a Constituição e a lei dispensem, ou não pressuponham, uma noção normativamente delimitada, que poderá mesmo, em alguns momentos ou elementos, não ser inteiramente coincidente com o sentido do nomen na linguagem espontânea.

Mas, do mesmo modo, não pode deixar de se atender na construção da definição, à relação entre o nomen que as disposições legais utilizam e a metalinguagem das noções ou ideias generalizadas ou convicções geralmente admitidas.

A densificação da noção operada por meio da elaboração doutrinal e com os referentes colhidos em vários modelos comparados, que têm subjacente uma fenomenologia rica, bem sedimentada e experimentada, permite confortar o sentido que foi sendo apontado: o conceito normativo de greve no sistema jurídico nacional - uma dimensão de acentuada amplitude próxima de assinalável coincidência com o sentido sociológico da noção - permite abranger uma série de tipologias de comportamentos colectivos dos trabalhadores diversos da chamada noção clássica de greve.

Mas, não obstante, alguns elementos permanecem como essenciais ao conceito normativo e, consequentemente, à legitimidade de integração dos comportamentos na categoria de greve, ou ao menos, na categoria de greves legítima ou lícitas: o modo de actuação, isto é, o comportamento colectivo na sua forma externa e concreta de manifestação há-de traduzir, como se referiu, um denominador comum estrutural de recusa colectiva e concertada da prestação de trabalho devida; o comportamento exteriorizado dos trabalhadores em qualquer acção de greve há-de ser colectivo, concertado e solidário.

Mas não só.

A complexidade do processo de greve, que pelas implicações e consequências co-naturais constitui uma manifestação extrema de conflitualidade laboral, e representando o exercício de um direito fundamental, situa-se numa dimensão axiológica que exige o respeito de princípios essenciais de lealdade, probidade e boa fé ([18]).

Constituindo a greve, por natureza, um comportamento abstencionista concertado e colectivo na sua dimensão processual, global e externa, exprime-se internamente (ou intrinsecamente) através de comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis, que devem desenvolver-se, em tudo quanto o processo de greve admita de autonomia individual, no respeito por princípios essenciais ao sistema constitucional de valores no exercício de direitos como é, por excelência, o princípio da proporcionalidade.

Poderá, assim, delimitar-se o conceito de greve na dimensão normativamente prevista na Constituição e na lei: comportamento colectivo dos trabalhadores, consistente na recusa concertada da prestação de trabalho (abstenção ao trabalho) que se revela numa perspectiva processual global e externa, como movimento solidário em vista de realização de objectivos comuns.

A actuação em que não se revelarem estes elementos conformadores essenciais ou nucleares, não podendo ser considerada na dimensão normativa, não poderá participar, por isso, dos pressupostos e garantias do exercício do direito, não obstante a nomenclatura com que venha designada.


6. Acentua-se por vezes que o direito à greve surge constitucionalmente garantido como direito de todos os trabalhadores, incluindo da função pública.

Neste sentido dispõe o artigo 12º da Lei nº 65/77:

“Artigo 12º
Função pública

1 - É garantido o exercício do direito à greve na função pública.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o exercício do direito à greve na função pública será regulado no respectivo estatuto ou diploma especial”.

A normação prevista no nº 2 - até à data não editada - parece pressupor a existência de particularidades das tarefas públicas e dos interesses colectivos que lhes estão subjacentes, a exigirem um regime adaptado, embora respeitador do núcleo essencial do direito à greve.

Na falta dessa específica regulação vêm, todavia, sendo consideradas aplicáveis à função pública as disposições da Lei da Greve, com as necessárias adaptações.

Da discussão parlamentar acerca desta lei resulta, aliás ”inequivocamente que se pretendeu garantir de imediato o direito de greve e a legitimidade do seu exercício pelos trabalhadores da função pública, mesmo sem a publicação de qualquer diploma especial.” ([19])

IV

1. O exercício do direito de greve, exprimindo-se intrinsecamente através de comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis, comporta, como elemento essencial, uma dimensão processual.

A greve - na génese, na dinâmica de exercício, na complexidade estrutural maior ou menor que envolve conforme a dimensão do universo pessoal e a extensão espacial - pressupõe uma dimensão processual que a lei geralmente regula.

O exercício do direito pressupõe, pois, uma organização e assume geralmente uma concepção orgânica ([20]).

É o que dispõe o artigo 2º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, sob a epígrafe “competência para declarar a greve”:

“1. O recurso à greve é decidido pelas associações sindicais.

2. Sem prejuízo do direito reconhecido às associações sindicais no número anterior, as assembleias de trabalhadores poderão decidir do recurso à greve, por voto secreto, desde que na respectiva empresa a maioria dos trabalhadores não esteja representada por associações sindicais e que a assembleia seja expressamente convocada para o efeito por 20% ou duzentos trabalhadores.

3. As assembleias referidas no número anterior deliberarão validamente desde que participe na votação a maioria dos trabalhadores da empresa e que a declaração de greve seja aprovada pela maioria absoluta dos votantes.”

O sistema previsto na lei é, assim, um sistema de quase monopólio sindical, que tem sido justificado pelo valor da função benéfica dos sindicatos no enquadramento dos movimentos colectivos, canalizando organizadamente os procedimentos e impedindo o surgimento de explosões grosseiras e violentas; neste aspecto, a sociologia das chamadas “greves selvagens” e a prevenção dos graves danos (porventura sem contrapartidas para os trabalhadores) que lhe estão geralmente associados, terá estado muito presente na opção - que é claramente uma opção política - do legislador ([21]).

A concepção orgânica da greve manifesta-se, também, em momentos essenciais do processo, para além de competência para decidir do recurso à greve e para desencadear a acção colectiva.

Assim, a representação dos trabalhadores em greve compete, em regra, à associação ou associações sindicais; fora da exclusividade sindical apenas estão os casos em que as assembleias de trabalhadores podem decidir o recurso à greve, cabendo, neste caso, a representação dos trabalhadores a uma comissão de greve eleita para o efeito - artigo 3º, nº 1, da Lei nº 65/77.

Momentos relevantes da concepção orgânica da greve são, por seu lado, a possibilidade (legal) atribuída às organizações sindicais para a organização de piquetes de greve (artigo 4º), e a obrigação de assegurarem durante a greve nas empresas que se destinem a satisfação de necessidades sociais impreteríveis a prestação de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades, e de prestarem os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações - artigo 8º, nº 1, e 3º da Lei nº 65/77.


2. A função organizatória e de gestão pressuposta na concepção orgânica de greve manifesta-se também, de modo relevante, na obrigação imposta no artigo 5º da Lei nº 65/77.

“As entidades com legitimidade para decidirem do recurso à greve, antes de a iniciarem, têm de fazer por meios idóneos, nomeadamente por escrito ou através dos meios de comunicação social, um pré-aviso, com o prazo mínimo de cinco dias, dirigido à entidade empregadora ou à associação patronal e ao Ministério do Emprego e da Segurança Social” - nº 1, sendo este prazo, para os casos de empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, de dez dias - nº 2º ([22]).

A obrigação de pré-aviso assume um significado relevante no procedimento de exercício da greve. Não se apresenta como mera formalidade, mas constitui indiscutívelmente uma formalidade essencial do processo de greve (da regularidade do processo de greve), cuja inobservância produz consequências jurídicas relevantes - desde logo as expressamente fixadas na lei. O artigo 11º da Lei nº 65/77 dispõe que “a greve declarada com inobservância do disposto no presente diploma faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas” ([23]). A sujeição dos trabalhadores grevistas ao regime das faltas injustificadas, com as consequências negativas que envolve, designadamente no plano disciplinar, significa que as irregularidades do processo - e, entre estas, o não respeito pelas exigências pressupostas no cumprimento da obrigação de pré-aviso - afectam o próprio exercício do direito, tornando o seu exercício ilegítimo e a greve ilícita.

A disciplina do pré-aviso foi uma das matérias mais polémicas da discussão travada na Assembleia da República, demonstrando os debates ser este um domínio em que a opção legislativa foi determinada decisivamente por considerações de natureza política ([24]).

A exigência de pré-aviso é, em termos comparados, fundamentalmente uma técnica muito ligada às greves nos serviços essenciais, e assinalam-se-lhe motivos e finalidades em que confluem diversos interesses em que estão presentes valores próprios de uma certa ideia de razoabilidade, boa-fé e proporcionalidade: o conhecimento pelas entidades empregadoras com um mínimo de dilação, permitindo uma ponderação e avaliação prospectiva dos danos inerentes ao processo, potenciando a disponibilidade (ou a pressão) para soluções negociadas; preparar as respostas adequadas e possíveis no respeito de lei; prover às soluções exigidas ou aconselhadas para minimizar razoável e proporcionalmente os danos económicos; pelo lado dos trabalhadores, o pré-aviso e a dilação pode constituir um eficaz mecanismo de pressão na defesa dos seus interesses; os poderes públicos podem também, no período de dilação, intervir como lhe permitam as suas competências de ordenação para encontrar mecanismos de diálogo que permitam solucionar, ou ao menos amortecer o conflito; finalmente, o interesse do público - e este é um elemento relevante quando estejam em causa serviços essenciais - em ter conhecimento da perturbação no funcionamento do serviço de que carece impreterivelmente a fim de prevenir ou reduzir ao mínimo a perturbação externa e as consequências directas de tal perturbação ([25]).


Embora a lei não contenha qualquer referência específica, a natureza e as finalidades da exigência de pré-aviso impõem que este tenha um conteúdo mínimo essencial: a declaração de greve deve indicar a data e a hora de início de greve e a sua duração – certa ou ilimitada, e a delimitação do âmbito dos sectores a abranger; o pré–aviso deve conter todas as indicações necessárias, segundo o princípio da boa-fé, para assegurar os objectivos que estão pressupostos na imposição desta formalidade do processo de greve ([26]).

O pré-aviso pretende, assim, evitar as designadas greves surpresa, que produzem um impacto negativo na opinião pública e apresentam consequências desproporcionadas na afectação dos interesses dos empregadores ou, no caso de serviços essenciais, também na multiplicidade dos necessários utilizadores de tais serviços.

A lei, impondo a obrigação de pré-aviso nos estritos termos em que o faz, com a cominação de efeitos penalizadores para os trabalhadores em caso de incumprimento, assume de forma bem marcada a opção pelas exigências de boa-fé, equilíbrio e proporcionalidade nos danos e consequências, de ‘fair balance’ que devem estar presentes no exercício do direito de greve.

Pode, por isso, afirmar-se que as greves sem pré-aviso, ou fora das condições definidas no pré-aviso – as greves surpresa – não são lícitas em face da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto.


3. A concepção orgânica de greve na Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, revela-se, também, como se salientou, na estrutura e na organização da greve, bem como no conjunto de acções que se podem designar como gestão da greve.

A competência para declarar uma greve pressupõe o desenvolvimento e a actuação de um conjunto de actividades de acompanhamento necessário, quer impostas pela representação dos trabalhadores enquanto aderentes, quer na organização e enquadramento da disciplina da greve e organização eventual de piquetes, ou, finalmente, na relevante obrigação positiva de prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ou das actividades necessárias à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações.

A gestão da greve, ou, mais precisamente, o cumprimento das obrigações das associações sindicais ou das comissões de greve, e, por mediação destas, dos trabalhadores em greve, exige ou pressupõe uma organização e estruturação que seja compatível com o respeito por tais obrigações, tendo em consideração nomeadamente a amplitude e a complexidade do universo laboral, pessoal e a extensão espacial para os quais a greve foi decretada.

A declaração de uma greve, a estrutura da greve e o plano de acção respectiva não podem deixar, face à lei, de ser conjugados com a necessidade de gestão e coordenação sindical. Por isso, um plano ab initio intensivo ou extensivo, pela duração fixada ou pelo universo e âmbito, poderá conter, em si, o risco de insusceptibilidade de coordenação sindical e potencialidade para inquinar, subsequentemente, a capacidade de cumprimento das obrigações supostas pela lei na gestão da greve.

Em tais circunstâncias, a dinâmica da greve pode comportar sinais ou sintomas de desvio à legalidade de conformação do exercício legítimo do direito; em tais casos, a insusceptibilidade subsequente de coordenação sindical ou de respeito por algumas das imposições inerentes à gestão sindical da greve, terá como consequência a ilegalidade subsequente.


4. O direito de greve, constitucionalmente referido à titularidade dos trabalhadores, assume, no entanto, uma natureza e um conteúdo que se exterioriza numa dupla dimensão.

O modo como o exercício do direito de greve se encontra processualmente regulado – a referida concepção orgânica da greve - e o próprio conceito de greve sugerem a confluência necessária de uma dimensão individual e uma dimensão colectiva inseparáveis: “por um lado o trabalhador enquanto membro de uma categoria portadora de interesses colectivos pode abster-se de trabalhar em conjunto com outros”, sem sujeição a qualquer sanção, “tendo em vista o carácter colectivo e concertado da paralisação; por outro lado, sob o ponto de vista individual, o “trabalhador tem o direito de, aderindo a uma paralisação colectiva, interromper a prestação de trabalho, sem que possa ser contratualmente responsabilizado, antes determinando, mediante uma opção pessoal, o desencadeamento do mecanismo jurídico de suspensão do vínculo” ([27]).

É o que dispõe o artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto: “a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade”.

A greve apresenta-se, pois, como uma realidade bi-fronte ([28]).

A economia do parecer dispensa excursões pelas subtilezas da teoria fina e da vexata discussão sobre a construção conceitual unitária ou complexiva ([29]). Basta a verificação de que, qualquer que seja a construção, estão sempre presentes no direito e no seu exercício uma dimensão colectiva e uma dimensão individual: o trabalhador em greve, pela actuação colectiva e concertada, participa na realização de um direito que processualmente não se concebe fora desta dimensão colectiva, mas do mesmo modo, sob o ponto de vista individual, realiza uma opção exclusivamente pessoal, aderindo ou não aderindo a uma forma de greve, ou tendo aderido, cessar a sua adesão.

A decisão dos trabalhadores quanto ao exercício do direito é eminentemente pessoal (aqui a dimensão individual); não é, porém, autónoma quanto aos fins (dimensão colectiva), já que a actuação tem de ser colectiva e concertada e não uma mera soma de actuações individuais justapostas.

A relevante dimensão individual tem, porém, que ser manifestada e integrada na dimensão colectiva, porque o comportamento abstencionista, concertado e colectivo na sua dimensão e expresssão processual e externa, se exprime mediante comportamentos individuais, voluntários, determinados e responsáveis ([30]).

A expressão intrínseca através de comportamentos individuais, “posto que individual é a prestação de trabalho”, supõe, porém, - disse-se já – uma dimensão axiológica que exige o respeito por princípios essenciais de lealdade, probidade e boa fé. Exigência de boa-fé é, neste aspecto, por conseguinte, o conhecimento do âmbito e do sentido do comportamento abstencionista ou da indisponibilidade para o trabalho relativamente a cada trabalhador.

Em hipóteses típicas a expressão do comportamento revela-se por si: a adesão à greve e a verificação efectiva do exercício do direito por parte dos trabalhadores resulta da própria abstenção ao trabalho e é material e directamente determinável ([31]).

Mas, como elemento relevante da dimensão individual do processo de greve, a “adesão do trabalhador, qualificável como “acto jurídico unilateral”, expresso ou tácito, que tem o “empregador como destinatário, devendo por ele, ser cognoscível” ([32]), deve ser de sentido e significado inequívocos. “Declaração receptícia” que, quando não resulte da pura e simples abstenção de trabalhar, exigirá, por imperativos de probalidade, lealdade e boa fé, uma declaração de sentido mais explícito ([33]).


V

1. A greve decretada pelo SIM, nos termos de procedimento previsto na Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, designada no pré-aviso como “Greve Nacional dos Médicos”, está aí expressamente configurada segundo a forma de paralisação total e com ausência dos locais de trabalho, num período directamente delimitado – primeiramente entre as 0 horas do dia 21 de Setembro de 1998 e as 24 horas do dia 31 de Dezembro de 1998, e depois mantida até ao dia 1 de Janeiro do ano 2000 ([34]).

Neste período, o pré-aviso comunica que os “médicos abrangidos” “paralisarão a sua actividade assistencial”.

O pré-aviso estabelece igualmente um plano de greve, que designa por “normas de greve”. Entre essas normas, o SIM faz comunicar no pré-aviso que “os médicos em greve não devem comparecer ao serviço”.

O pré-aviso do SIM contém, assim, todos os elementos que são considerados essenciais – mesmo nas posições mais exigentes – no cumprimento da formalidade do processo de greve prevista no artigo 5º da Lei nº 65/77: duração da greve, motivos da greve, programa ou plano da greve.

Deste modo, desencadeado legitimamente o processo com o cumprimento da formalidade essencial do pré-aviso, e respeitado o prazo de dilação da lei (no caso, 10 dias por dizer respeito a serviços essenciais), os trabalhadores poderiam exercer livremente o seu direito de aderir à greve declarada (o exercício da dimensão individual do direito de greve), nos termos do plano traçado pela associação sindical: uma paralisação total, com ausência dos locais de trabalho no período fixado no pré-aviso.

A paralisação da actividade, com ausência dos locais de trabalho – e a ausência revelará normalmente, por si, o sentido de comportamento abstencionista – significará (significaria) adesão à greve declarada nos termos do respectivo plano, conhecido, público e devidamente comunicado.


2. Se, porém, o comportamento dos trabalhadores não se manifestou deste modo, isto é, se o comportamento se revelou de modo ou por formas diversas do previsto no plano da greve declarada, existirá desconformidade essencial com um dos pressupostos de regularidade do exercício do direito de greve. Nessa circunstância de desconformidade, nem a greve declarada teria conteúdo, porque o plano não foi preenchido, nem os diversos e diferentes comportamentos (como quer que se configurassem ou pudessem qualificar) seriam legítimos como exercício do direito de greve – como produtores dos efeitos que a lei liga às greves lícitas – uma vez que estariam fora da delimitação essencial do pré-aviso.As cautelas da condicionalidade na apreciação resultam da circunstância de não terem sido transmitidos elementos que permitam configurar, de modo seguro e efectivo, os termos em que tem sido executado (ou não tem sido executado) o plano de greve a que se refere o pré-aviso do SIM ([35]).

Aceite-se, contudo, como hipótese de trabalho, que a coberto da greve declarada pelo SIM nos referidos termos, os trabalhadores (médicos), por serviço, especialidade ou estabelecimento têm “feito greve”, “a qualquer momento, a qualquer dia e a qualquer hora, individualmente ou em grupo, sem qualquer outra formalidade ou pré-aviso, pelo tempo de quiserem”.

Semelhantes comportamentos, se se verificaram ou se vierem a verificar-se, e independentemente de outras considerações ou abordagens que merecem no plano normativo da greve, não se apresentam em conformidade e não respeitam o plano de greve declarada no pré-aviso do SIM: paralisação total, com ausência dos locais de trabalho no período fixado.

As actuações hipotizadas são, com efeito, em absoluto contrárias ao programa da greve declarada, revelando e exteriorizando, não uma paralisação total e concertada do trabalho, mas uma gestão individual de comportamentos contrária à gestão colectiva que está inerente e é expressa na formulação do pré-aviso.

Deste modo, mesmo que pudessem ainda ser consideradas na densificação normativa do conceito de greve ([36]), não teriam sido conformadas pelo processo definido na lei quanto à declaração de greve, com as consequências determinadas pelo artigo 11º da Lei nº 65/77.


3. A singularidade dos comportamentos que vêm referidos, a terem estes ocorrido da forma assinalada, parece, porém, afastá-los do quadro mínimo imposto necessariamente na noção juridicamente relevante de greve.

Esse mínimo denominador contém, como se salientou, elementos de concertação (actuações plurais, em comum, solidárias, na realização de objectivos comuns) e de abstenção da prestação de trabalho, com a vontade inerente de suspender o contrato durante a greve – elemento conatural e expressamente consequenciado na disciplina jurídico-positiva da greve – artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77.

Actuações isoladas, mesmo se pluriocasionais, desligadas do plano de greve traçado no documento processualmente relevante, contrariam pela sua própria individualização a impositiva perspectivação colectiva e concertada. Na pulverização de actuações perde-se a ideia de colectivo numa contraditoriedade natural - da natureza das coisas - com a actuação concertada com o mesmo conteúdo e ao mesmo tempo.

Por isso, a realidade empírica descrita, amparada ainda sob a designação metalinguística de greve, não tem suporte nem correspondência no conceito normativo; os comportamentos referidos não poderão pretender beneficiar dos efeitos jurídicos que a lei liga ao exercício do direito de greve.

Dir-se-á, contudo, que, abstendo-se do trabalho pelo tempo que entenderem e nas condições que decidirem (que cada qual decidir), os trabalhadores estão a actuar a dimensão individual do direito de greve e na plena liberdade de aderir ou não aderir – e de, aderindo, cessarem a adesão a todo o momento.

As coisas não são, porém, assim tão lineares, numa simples conformação material desligada da composição axiológica dos interesses conflituantes.

A decisão do trabalhador na actuação da dimensão individual de direito (liberdade de acção – direito potestativo, não importa ao caso afinar a composição conceptual) tem de ser livre e determinada, mas tomada segundo as exigências de probidade e boa fé presentes no exercício de qualquer direito.

Mas, como é de singular evidência, as exigências de boa fé são incompatíveis com uma hipotética gestão quotidiana da oportunidade no exercício do direito de greve. A boa fé e a probidade são valores que se não coadunam com a fragmentação do exercício de direito que se revelaria se o trabalhador, durante o período fixado no pré-aviso, pudesse aderir (e deixar de aderir) a uma greve declarada, nos termos que entendesse, as vezes que quisesse e pelos períodos que lhe aprouvesse. Tal modo de actuação, supondo que ainda pudesse ser considerado exercício do direito, revelar-se-ia manifestamente contrário aos limites impostos pela boa-fé e pelo fim social desse direito, em termos de configurar uma situação de abuso de direito – artigo 334º do Código Civil.

Para além de que – e são considerações ainda situadas neste mesmo plano de valoração – uma actuação, ou actuações assim configuradas revelariam uma acentuada desporporção entre o risco dos trabalhadores (nas consequências, ou menores consequências nas perdas remuneratórias) e os danos provocados – tanto na (des)organização dos serviços, como para os próprios utentes de serviços essenciais. Pela imprevisibilidade do an e do quando do comportamento, os trabalhadores impediriam a prevenção organizatória, como os utentes, pela surpresa de tal abstenção, suportariam danos sem relação de proporcionalidade com as consequências (também negativas) que uma greve necessariamente também comporta para os trabalhadores.

Isto pelo lado dos trabalhadores.

Mas, também pela parte da associação sindical que declarou a greve e detém a responsabilidade pela gestão e coordenação, os comportamentos referidos – se admitidos ou aceites pela associação sindical – colocá-la-iam numa posição de insustentável desrespeito pelo cumprimento dos deveres que a lei lhe impõe na gestão e coordenação da greve.

Desde logo, não poderia cumprir as obrigações que derivam do artigo 8º da Lei nº 65/77 - responsabilidade pelo cumprimento (rectius, pela coordenação do cumprimento) dos serviços mínimos. Se a decisão de greve for deixada, fragmentariamente, à discricionaridade total dos trabalhadores (a qualquer momento, em qualquer estabelecimento ou serviço, por qualquer período: uma hora, duas horas, um dia), a associção sindical fica sem possibilidade de, se for o caso ou quando seja caso, designar os trabalhadores adstritos à prestação de serviços mínimos, se a necessidade de tal prestação se revelar.


4. As considerações que antecedem permitem responder às duas primeiras questões formuladas na consulta: “se a greve dos médicos decretada pelo SIM está dentro dos limites da lei da greve” e “se os médicos podem interromper o trabalho e retomá-lo às vezes e pelo tempo que quiserem – por dia ou dias ou até por horas - durante o período coberto pelo pré-aviso decretado pelo SIM”.

A “greve dos médicos decretada pelo SIM”, a que se refere o pré-aviso de 10 de Setembro de 1998, constitui, nos precisos termos enunciados nesse documento essencial do processo da greve, uma paralisação total (paralisação de actividade assistêncial), com ausência dos locais de trabalho, entre o dia 4 de Setembro e o dia 31 de Dezembro, (sublinhado agora).

Nesta modalidade, constitui mesmo uma greve que se insere no conceito típico, estando inteiramente dentro dos limites da lei da greve, se fosse ou tiver sido (ou quando tenha sido) desenvolvida nos termos que o sindicato enuncia (e anuncia) no pré-aviso.

Porém, - decorre também do que se disse, - os médicos não podem, no âmbito de uma greve declarada nos termos do pré-aviso referido, interromper o trabalho e retomá-lo pelas vezes e pelo tempo que quiserem, perturbando o funcionamento dos serviços e impedindo a prevenção na organização dos serviços. Semelhante actuação contraria directa e abertamente os termos do pré-aviso e a “norma da greve” que este documento contém, e desencadeia as consequências previstas no artigo 11º da Lei nº 65/77, de 20 de Agosto.

Além de que, adjuvantemente, uma actuação como a que se refere, revela uma gestão individual e fragmentária de comportamentos a que, por isso, faltam os elementos essencialmente caracterizadores do conceito normativo da greve - a natureza concertada e colectiva da paralisação do trabalho.


VI

1. Consagrado como direito fundamental, o direito à greve não é, porém, um direito de carácter absoluto que se sobreponha, enquanto tal, a todos os demais.

Qualquer direito fundamental tem os seus limites, que se revelam com acuidade em caso de conflito com outros constitucionalmente previstos, obrigando à sua harmonização e conciliação prática.

Recorde-se o paradigma capital de limites fundamentais ao direito de greve substanciado precisamente no nº 3 do artigo 57º da lei básica:

“A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades impreteríveis.”

A Lei nº 65/77 já preceituava no seu artigo 8º, nºs 1 e 3, a necessidade da prestação, não obstante a greve, dos serviços aludidos ([37]) ([38]).

Decretada a greve nas empresas ou estabelecimentos que se destinem a satisfazer necessidades sociais impreteríveis, impende sobre as associações sindicais e os trabalhadores - sobre aquelas, no plano organizatório - a obrigação de assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação dessas necessidades e bem assim dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.

Interessa esclarecer o significado desses elementos, com destaque para o conteúdo dos serviços mínimos que está colocado na consulta.

Anote-se, em primeiro lugar, que a obrigação de serviços mínimos só existe nas empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

Por outro lado, os serviços que devem ser prestados pelos trabalhadores em greve nessas empresas ou estabelecimentos não são, em princípio, os serviços normalmente prestados fora da greve para a satisfação daquelas necessidades; de contrário, volver-se-iam os serviços mínimos, por via de regra, em serviços máximos, passe a expressão.

De todo o modo, em consequência da imposição constitucional e legal de serviços mínimos nas mesmas empresas ou estabelecimentos, a paralisação do trabalho característica de greve não é total.

Nestas condições, é manifesto que a amplitude da paralisação laboral, teleologicamente orientada para a consecução de reivindicações laborais, ou seja, o núcleo essencial da greve, se encontra originalmente condicionado.

Desde logo, pela natureza da empresa ou estabelecimento em que a greve é declarada.

Naquelas empresas ou estabelecimentos que não se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis a paralisação é total, não o sendo, porém nas demais, justamente pela exigência, juridicamente inelutável, de prestação dos serviços mínimos.

E daí o segundo factor influente na amplitude da paralisação do trabalho e do conteúdo da greve.

O conceito constitucional e legal de “serviços mínimos” é fluído e indeterminado, pelo que as variações de amplitude envolvidas na sua concretização implicam por necessidade variações inversamente proporcionais do conteúdo da greve.

Em suma, a definição e concretização dos serviços mínimos pode redundar numa restrição ou compressão do núcleo essencial do direito à greve.

Se, todavia, importa conciliar o exercício do direito de greve com a protecção de interesses colectivos essenciais e impreteríveis, da aplicação dos textos constitucional e legal de forma alguma pode resultar a inutilização prática daquele direito.

“Se, de facto, não se quis imolar quaisquer direito fundamentais ao direito de greve, muito menos se quis sacrificar este àqueles: visou-se apenas atingir o necessário ponto de equilíbrio entre um e outros.” ([39])


2. Sendo o conceito de “serviços mínimos” fluido e indeterminado, e exigindo, por isso, definição de concretização, a lei não indica porém, expressa e directamente, a competência para fixar dos serviços mínimos.

A ausência de fixação directa na lei ([40]) tem provocado em diversas ocasiões um labor interpretativo de ordem sistemática deste Conselho na determinação da competência para a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos ([41]).

Com a conclusão - sucessivamente reiterada - de que tal competência pertence ao Governo ([42]).

Tem-se, com efeito ponderado que “a definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis releva os interesses fundamentais da colectividade, depende em cada caso da consideração de circunstâncias específicas, segundo juízos de oportunidade e compete ao Governo” –, argumentando-se com a ideia de que a decisão sobre o conteúdo dos serviços mínimos pode transformar-se em factor de conflito entre as partes, e não deveria, por isso, ser deixada na disponibilidade de nenhumas delas, “mas submetida à decisão de uma entidade, em princípio, imparcial”.

Assim, estando em causa “valores implicando considerações de ordem pública, apareceria o Governo, até por razões constitucionais de defesa da legalidade democrática e de tomada das providências necessárias à satisfação das necessidades colectivas - então o disposto nas alíneas f) e g) do artigo 202º da Constituição, hoje do artigo 199º - como a entidade adequada”.

Argumentou-se, também, com o nº 4º do artigo 8º da Lei da Greve, a qual permite o Governo determinar a requisição ou mobilização se os serviços mínimos não estiverem a ser assegurados, o que teria implícita a competência prévia para a definição do âmbito e nível daqueles serviços mínimos.”

A formulação do Conselho quanto às questões de competência para a fixação dos serviços mínimo suscitou objecções em alguma doutrina ([43]). Ponderando objecções, o Conselho reafirmou recentemente a sua posição nos termos seguintes ([44]): “Não deixará de se admitir que a decisão de considerar certo departamento como prestador de serviços essenciais e a consequente fixação de serviços mínimos, tomada pelos órgãos de direcção de um serviço directamente dependente do Governo, ou mesmo de um serviço personalizado, de um instituto público ou empresa pública, é susceptível de revestir a aparência de menos imparcialidade.

Dará, em menor grau, o flanco à crítica a decisão tomada pelo próprio Governo.

De qualquer modo, não se vê razão para abandonar a posição que vem sendo seguida por este Conselho, nos termos da qual é ao Governo que compete, em última instância, tomar as providências necessárias à satisfação das necessidades colectivas, bem como à defesa da legalidade democrática, tal como advém das alíneas f) e g) do artigo 199º da Constituição.

“É certo que o novo nº 3 do artigo 57º remete para a Lei a definição das condições de prestação desses serviços mínimos, o que não se encontra cabalmente conseguido com o dispositivo actual.”

E acrescenta-se “que [...] não será despiciendo assinalar que a Administração, ao prosseguir o interesse público, deve fazê-lo no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Resulta do nº 2 do artigo 266º da Constituição que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar nas suas funções com observância dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade.

Por outro lado, a participação dos cidadãos nas decisões ou deliberações que lhes disseram respeito é um princípio também com inscrição constitucional – nº 5 do artigo 267º.

Ademais, as decisões tomadas pelo Governo não deixam de estar sujeitas à possibilidade de controlo jurisdicional.

O que quer dizer que embora seja o Governo a usar do poder de fixar quais sejam os serviços essenciais e a determinar a medida dos serviços mínimos, não deve fazê-lo sem audição das associações sindicais ou comissões de greve, ainda quando haja trabalhadores disponíveis, não aderentes à greve, já que a situação pode alterar--se.”

“Isto independentemente do poder-dever que assiste ao Governo de determinar a requisição civil dos trabalhadores necessários ao seu cumprimento, de acordo com disposto no nº 4 do artigo 8º da Lei nº 65/77, que se colocará numa fase seguinte.”


3. Suscitou-se no pedido de consulta também a questão de saber qual o nível e a extensão dos “serviços mínimos”.

Este Conselho teve já ensejo de abordar directamente a questão no Parecer nº 52/98. Considerando-se porventura “embaraçosa” a tarefa de circunscrever com precisão os limites dos “serviços mínimos” indispensáveis à realização das necessidades sociais impreteríveis, escreveu-se então:

“Serviços mínimos em geral, na doutrina do Conselho, “serão todos aqueles que se mostrem necessários e adequados para que a empresa ou o estabelecimento ponha à disposição dos utentes aquilo que, como produto da sua actividade, eles tenham necessidade de utilizar ou aproveitar imediatamente por modo a não deixar de satisfazer, com irremediável prejuízo, uma necessidade primária (X1 ).

A lei aponta para “um conjunto de tarefas que ganharam o nível mínimo de actividade indispensável a um funcionamento que não é possível interromper”.

O que não poderá é determinar-se aprioristicamente “ a qualidade e a quantidade das prestações mínimas”.

Porque o direito de greve é também um direito fundamental, “haverá que fazer um juízo de adequação (-) que parta da premissa de que a limitação deve ser o menos gravosa possível.” De qualquer modo deve fixar-se o “nível indispensável para que um serviço preste a sua actividade e dê satisfação iniludível aos direitos ou bens com os quais pode colidir.” (X2 )

Sendo certo, porém em princípio, […] que “manter os serviços mínimos não poderá (salvo excepcionalidade técnica) entender-se como funcionamento normal, já que, por natureza, os sacrifícios e inconvenientes estão inexoravelmente ligados ao exercício do direito de greve.”

Admite-se que nos “casos extremos em que não seja possível uma redução a certo limite de nível de produção, a satisfação, mesmo dos “standard” mínimos, só poderá ocorrer através da manutenção da normalidade de produção” (X3).

Por outro lado, “estando em causa sector ou sectores particularizados, com atribuições específicas e legalmente delimitadas, a definição dos serviços mínimos, tendo por finalidade assegurar aos membros da comunidade o livre exercício dos direitos e liberdades constitucionalmente protegidos, pautar-se-á pela matriz de referência necessária das respectivas atribuições” (X4).

O Conselho vem, no entanto, advertindo não se poder ir além da enunciação destes critérios interpretativos e chegar à individualização em geral, quer das necessidades a satisfazer, quer dos serviços mínimos indispensáveis à sua satisfação (X5).

Por um lado, a “multiplicidade dessas necessidades e a forma multifacetada como se apresentam obstam à sua catalogação prévia sem graves riscos de omissão (-), além de que a premência da sua satisfação dependerá, em grande parte dos casos, das circunstâncias concretas em que se apresentam.”

Por outro, “a especificação dos serviços impostos pela satisfação imediata dessas necessidades depende da consideração das exigências concretas de cada situação que, em larga medida, serão condicionantes da adequação do serviço a prestar em concreto, não deixando de figurar, entre essas mesmas circunstâncias, como elementos relevantes, por exemplo, o próprio evoluir do processo grevista que as determine, designadamente a sua extensão e a sua duração, e a existência de actividades sucedâneas.”

Neste condicionalismo, os serviços mínimos a considerar são os que, “em função das circunstâncias concretas de cada caso, forem adequados para que a empresa, estabelecimento ou serviço onde a greve decorre e no âmbito da sua acção não deixe de prestar aos membros da comunidade aquilo que, sendo essencial para a vida individual ou colectiva, careça de imediata utilização ou aproveitamento para que não ocorra irremediável prejuízo.”

Trata-se, portanto, de formular “um juízo de oportunidade que pode conduzir a resultados divergentes dentro do mesmo sector ou até em relação a diferentes greves numa mesma empresa.”

A “amplitude, desses serviços mínimos é, também ela, naturalmente, muito variável”, revestindo-se “a sua definição em concreto de muita relatividade .”


4. Os procedimentos para determinar quantos e quais os trabalhadores que devem ficar adstritos à prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação das necessidades impreteríveis, são, como resulta da lei, da responsabilidade das associações sindicais ([45]).

De harmonia com o nº 8º, nº 1, da Lei nº 65/77, a obrigação de assegurar os serviços mínimos é cometida directamente às associações sindicais e aos trabalhadores em greve - os serviços só podem ser prestados pelos trabalhadores, competindo às associações sindicais a sua organização.

A obrigação de prestação de serviços mínimos deve ser cumprida pelos trabalhadores em greve (os serviços só podem ser prestados por trabalhadores), mas as exigências de organização dirigem-se às associações sindicais. Todavia, a execução dos serviços mínimos não coloca os trabalhadores fora do processo de greve; a obrigação não é executada no plano de contrato do trabalho - que, nos termos do artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77 se suspende durante a greve - e não tem a fonte na relação laboral.

Na prestação de serviços mínimos os trabalhadores em greve não se colocam na disponibilidade do empregador; mantêm perante este a indisponibilidade inerente à situação, ao estado de greve, e cumprem fora do contrato de trabalho uma obrigação que é derivada directamente da lei.

No decurso do processo de greve, a representação e a coordenação dos trabalhadores em greve é assegurada, nos termos do artigo 3º, da Lei nº 65/77, pela associação ou associações sindicais que hajam decretado a greve, ou por uma comissão expressamente eleita, nos casos em que a greve tenha sido decretada por uma assembleia de trabalhadores.

À associação, ou, se for o caso, à comissão de greve, compete a representação dos trabalhadores, e também a gestão da greve: v.g. na organização de piquetes (artigo 4º), ou na designação dos trabalhadores afectados à prestação de serviços mínimos.

Expressamente referidas na lei (também) como sujeitos passivos de obrigação de prestação serviços mínimos, e uma vez definido o âmbito e a extensão destes, compete às associações sindicais, ou à comissão de greve, como gestoras de processo, designar os trabalhadores em greve que sejam considerados necessários para o cumprimento eficaz da respectiva obrigação ([46]).

Competindo, assim, às associações sindicais - ou à comissão de greve - a gestão de greve e a designação dos trabalhadores adstritos à prestação de serviços mínimos, também lhe competirá, instrumentalmente, definir e decidir sobre os procedimentos adequados a tal designação.

A designação de trabalhadores em greve para prestarem serviços mínimos não poderá, pois, ser determinada pela entidade empregadora.

A lei não lhe confere tal competência, e esta não resulta dos poderes de direcção e dos deveres de subordinação inerentes ao contrato (ou à relação de emprego), porquanto durante a greve, e por força da lei (artigo 7º, nº 1, da Lei nº 65/77), estão suspensas as relações emergentes do contrato de trabalho, desvinculando os trabalhadores dos deveres de subordinação e assiduidade ([47]).

Assim, no caso objecto de consulta, se os médicos estiverem legitimamente em situação de greve, os serviços não podem substituir-se à associação sindical na designação para prestarem serviços mínimos, e como a greve suspende os deveres de subordinação e assiduidade, os serviços não poderão injustificar as faltas dos médicos que, em tais condições, tivessem sido designados para prestar serviços mínimos.


VII

1. Questiona-se também se, de ponto de vista legal, se justifica a requisição civil.

O regime legal da requisição civil, definido no Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro, visou a “necessidade de assegurar o regular funcionamento de certas actividades fundamentais, cuja paralisação momentânea ou contínua acarretaria perturbações graves da vida social, económica e até política em parte do território, num sector da vida nacional ou numa fracção da população ([48]).

A requisição civil compreende - dispõe o artigo 1º, nº 1 - o conjunto de medidas determinadas pelo Governo necessárias para, em circunstâncias particularmente graves, se assegurar o regular funcionamento dos serviços essenciais de interesse público ou de sectores vitais da economia nacional.

E o nº 2 da mesma disposição determina que “a requisição civil tem um carácter excepcional, podendo ter por objecto a prestação de serviços, individual ou colectiva, a cedência de bens móveis ou semoventes, a utilização temporária de quaisquer bens, os serviços públicos e as empresas públicas, de economia mista ou privadas.”

O artigo 3º enumera os serviços e empresas sujeitas à requisição, entre os quais (alínea m)), a prestação de cuidados hospitalares, médicos e medicamentosos.”

A requisição civil (de bens, serviços e empresas) constitui um meio que o Governo pode utilizar para assegurar o funcionamento de serviços essenciais (continuidade dos serviços) em circunstâncias particularmente graves (v.g., a ocorrência de uma catástrofe natural).


2. A lei da greve prevê no artigo 8º, nº 4, que, “no caso de incumprimento das obrigações previstas nos nºs. 1 e 3, pode o Governo determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável.”

A requisição civil, cuja admissibilidade esta norma prevê em circunstâncias graves de conflitos laborais, está condicionada à verificação de dois requisitos - que a empresa ou estabelecimento (ou serviços) se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis e que as associações sindicais e os trabalhadores em greve não estejam a cumprir voluntariamente a obrigação de prestação de serviços mínimos.

As circunstâncias previstas na lei da greve como pressuposto da admissibilidade da requisição civil (instituto de carácter marcadamente excepcional) constituem, no rigor das coisas, uma explicitação ou concretização ex vi legis do pressuposto verdadeiramente qualificador (“circunstâncias particularmente graves”) previsto no artigo 1º , nº 1 do referido Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro.

Nos casos de greve, a falta de prestação de serviços mínimos pelas associações sindicais e pelos trabalhadores em greve, constitui (pode constituir), assim, nos termos da lei, pressuposto de admissibilidade da requisição civil.

A admissibilidade da medida, enquanto considerada no âmbito da aplicação do artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77, pressupõe uma situação, um estado de greve susceptível de produzir os efeitos que a lei confere à greve lícita: suspensão de contrato de trabalho e, por isso, com a insusceptibilidade de actuar os poderes de direcção próprios do contrato, com as consequências que uma violação grave de contrato poderia determinar.

Por isso, se o comportamento dos trabalhadores não puder ser considerado (ou não for considerado) exercício legítimo de direito de greve, porque os termos da greve se não enquadram na delimitação contida no plano de greve constante de pré-aviso, ou não revestem os elementos nucleares do conceito normativo de greve, não se configura, enquanto tal, qualquer obrigação de prestação de serviços mínimos . Nessas circunstâncias, a greve não produz efeito suspensivo no contrato, continuando os trabalhadores subordinados ao poder de direcção do empregador; consequentemente, este poderá determinar a retoma da normalidade do trabalho. A greve ilícita não confere ao trabalhador protecção contra o incumprimento contratual.

A desobediência dos trabalhadores - para além das consequências que possa ter em termos disciplinares - poderá , é certo, provocar perturbações sérias na continuidade dos serviços essenciais, materialmente equiparadas ao incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos.

Neste caso, se as circunstâncias se revelarem particularmente graves nas consequências que produzam na continuidade de serviços essenciais, poderá, legalmente, ser invocado o fundamento geral de requisição civil (artigo 1º, nº 1, do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro, mas não o pressuposto específico do artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77.

VIII

1. Pergunta-se ainda se o Sindicato e os médicos são responsáveis pelo não cumprimento dos serviços mínimos.

A responsabilidade das associações sindicais e dos trabalhadores no plano individual suscita problemas delicados e tem sido objecto de acesa discussão no direito de greve da Europa Ocidental ([49]).

A lei nada dispõe especificamente a este respeito, deixando as soluções, como em geral nesta matéria, ao cuidado da jurisprudência e da doutrina.

A questão parece pressupor uma situação de greve a que possam a ser atribuídos os efeitos previstos na lei - uma greve ‘lícita’ (termo que se utiliza por comodidade de expressão).

Nestes casos, apenas se dispõe da referência directa do artigo 11º da Lei nº 65/77: a greve ilícita - a greve que não é declarada de acordo com a lei de greve ou, acrescente-se, por paridade de razão, a greve que é desenvolvida ou executada com violação de disposições imperativas da lei, faz incorrer os trabalhadores grevistas no regime de faltas injustificadas ([50]).

A associação sindical, como gestora e coordenadora da greve e co-responsável da obrigação de serviços mínimos, se não organizar os procedimentos necessários à designação dos trabalhadores para o cumprimento de tal obrigação, pratica um acto ilícito, susceptível de gerar responsabilidade civil, nos termos gerais ([51]).

Por seu lado, os médicos que não cumpram os serviços mínimos – estando adstritos ao cumprimento e se tiverem sido designados para os satisfazerem - podem ser passíveis de responsabilidade civil e, mesmo, penal, se se verificarem os respectivos pressupostos.


2. Não se enquadrando, porém, a actuação dita ‘grevista’ no quadro de legitimidade definida pela lei da greve (p., ex., se contrariar os termos do pré-aviso, ou se se configurar como comportamento a que faltam os elementos essenciais do conceito de greve), os profissionais que se abstiverem da prática de actos próprios da função estão sujeitos, como se referiu, ao regime disciplinar que lhes seja próprio. Não podendo, em tais circunstâncias, colher os efeitos da suspensão do contrato e da (temporária) desvinculação dos deveres de subordinação, a cessação do trabalho sujeita os médicos à apreciação da sua conduta no domínio do regime disciplinar ([52]).

Mas, para além desta consequência, e no plano do dever de assistência às pessoas dela carecidas, a cessação do trabalho e a omissão de actos próprios da função pode envolver responsabilidade criminal, e civil por acto ilícito, se se verificarem os pressupostos respectivos ([53]) ([54]).


IX

As considerações desenvolvidas no parecer sobre as diversas questões suscitadas, e as soluções que foram encontradas, permitem verificar que, não obstante a autonomia de construção metodológica e a não coincidência inteira das vias de argumentação, as conclusões obtidas são substancialmente coincidentes com as conclusões a que se chegou no documento enviado pelo Ministério, referido na nota (1).


X

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:


1ª - O direito de greve, reconhecido como direito fundamental pelo artigo 57º da Constituição, é garantido aos trabalhadores da função pública;

2ª - Não havendo ainda sido editada a legislação relativa ao exercício do direito de greve na função pública, prevista no nº 2 do artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 Agosto, aplicam-se as normas gerais deste diploma com as necessárias adaptações;

3ª - O pré-aviso, previsto no artigo 5º, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, constitui uma formalidade essencial do processo de greve, que se destina a dar conhecimento à entidade empregadora e, nos casos de serviços essenciais, ao público em geral, da delimitação do âmbito da greve, os sectores a abranger e, pelo menos, a data e hora do início da greve.

4ª - Não é lícita, fazendo incorrer os trabalhadores nas consequências previstas no artigo 11º, da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, uma greve que seja executada e desenvolvida em condições diversas e com um plano de greve diferente do que consta do pré-aviso;

5ª - A noção de greve normativamente relevante, nos termos do artigo 57º da Constituição e do artigo 1º da Lei nº 65/77, supõe, como elementos essenciais, uma actuação colectiva e concertada dos trabalhadores na prossecução de objectivos comuns;

6ª - A greve declarada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), avaliada nos termos constantes do pré-aviso de 10 de Setembro de 1998, (paralisação total, com ausência dos locais de trabalho), respeita os requisitos referidos na conclusão anterior;

7ª - Porém, o modo como é descrito o desenvolvimento da greve (interrupção e retoma do trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria directamente os termos do pré-aviso e sujeita os médicos às consequências determinadas no artigo 11º, ex vi do artigo 12º da Lei nº 65/77, de 26 de Agosto;

8º - De todo o modo, uma actuação levada a cabo nas condições referidas na conclusão anterior (interrupção do trabalho pelos médicos, sempre que quiserem e pelo tempo que quiserem) contraria a noção de greve constante da conclusão 5ª, e levando a consequências imprevisíveis na organização dos serviços e podendo provocar danos desproporcionados para os utentes, é ilegal;

9ª - O direito de greve, enquanto direito fundamental, sofre os limites resultantes da necessária conciliação com outros direitos constitucionalmente protegidos, com afloração no artigo 57º, nº 3, da Constituição e nos nºs. 1 e 3 do artigo 8º da Lei nº 65/77: as associações sindicais e os trabalhadores em greve devem assegurar a prestação dos serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis;

10ª - A definição do nível, conteúdo e extensão dos serviços mínimos indispensáveis, relevando de interesses fundamentais da colectividade, está condicionada por critérios de adequação e proporcionalidade e compete ao Governo;

11ª - O conceito de serviços mínimos é indeterminado e depende de ponderações concretas de oportunidade e relatividade, sendo o núcleo essencial do seu conteúdo constituído pelos serviços que se mostrem necessários e adequados para que necessidades impreteríveis sejam satisfeitas sob pena de irremediável prejuízo;

12ª - Os serviços afectados pela greve não se podem substituir às associações sindicais quando estas não cumprirem a obrigação de designar os trabalhadores que devem ficar, em cada caso, adstritos à prestação de serviços mínimos;

13ª - A condição de admissibilidade da requisição civil prevista no artigo 8º, nº 4, da Lei nº 65/77, pressupõe que a falta de prestação de serviços mínimos se verifique no âmbito de uma greve com os efeitos previstos no artigo 7º, nº 1, da respectiva Lei;

14ª - Todavia, a ocorrência de perturbação de serviços essenciais em resultado de comportamentos dos trabalhadores não abrangidos pelos efeitos da greve, pode constituir pressuposto da requisição civil, se for considerada “perturbação particularmente grave” nos termos do artigo 1º, nº 1, do Decreto–Lei nº 637/74, de 20 de Novembro;

15ª - O Sindicato que declare uma greve e os trabalhadores podem ser responsabilizados, nos termos gerais (civil, disciplinar ou criminalmente), pelas consequências que resultarem da omissão de prestação de serviços mínimos.



VOTO

(Eduardo de Melo Lucas Coelho) - Vencido nos termos que as condições de urgência não permitem senão sumariar.

1. Quanto as conclusões 6ª, 7ª e 8ª, por haver razões para considerar que a greve foi declarada e constituída ab origine pelo SIM como greve «self-service».
Elas relacionam-se com as comunicações públicas do SIM neste sentido, postas em relevo no parecer de GOMES CANOTILHO/JORGE LEITE constante do processo (cfr., nomeadamente, os pontos A. 1. e B.7.), o que lhes permitiu formular as conclusões 3. 4. e 5., com saliência para a afirmação seguinte: “a acção de protesto desencadeada pelo SIM situa-se fora do círculo de acções constitucional e legalmente protegidas como greve, não se configurando sequer, do ponto de vista legal, como greve”.
Tal visão das coisas reflectir-se-ia, praticamente, de forma não despicienda, por exemplo na questão da responsabilidade dos médicos aderentes à «greve», posto que, dessa óptica, estes ter-se-iam limitado a fazer a «greve» em conformidade com os ditames - «self-service» - emanados pelo Sindicato.

2. Vencido igualmente quanto à conclusão 10ª, nos termos de idênticos votos formulados nos pareceres nºs. 100/89, 18/98 e 52/98, os quais, com as necessárias adaptações, dou por reproduzidos.
___________________

[1]) Parecer dos Professor J.J. Gomes Canotilho e Doutor Jorge Leite.
[2]) O parecer enviado pelo Ministério, referido na nota anterior, analisa detalhadamente as questões colocadas, nomeadamente a caracterização da chamada greve ‘self-service’.
Formulou 31 conclusões, firmando posição no sentido da ilegalidade da referida actuação.
[3]) Na redacção da Lei Constitucional nº 1/97. A revisão de 1997 acrescentou o nº 3 (passando o anterior nº 3 a nº 4) e a disposição corresponde ao artigo 58º na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, que reuniu os artigos 59º e 60º da primitiva redacção.
O nº 3 acrescentado pela revisão de 97 dispõe: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.”
[4]) Cfr. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., Coimbra, 1984, 1º vol., p. 313. Segue-se, neste ponto, a abordagem introdutória ao conceito de greve dos pareceres deste Conselho nº 54/87, de 22 de Outubro de 1987 e 100/89, de 5 de Abril de 1990, publicado no Diário da República, II Série, de 29-11-90.
[5]) Cfr., v.g., Bernardo Lobo Xavier, Direito de Greve, Lisboa, 1984, pp. 55 e seguintes.
[6]) Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição - Anotada, cit., p. 314, admitem a extensão deste segundo elemento “a qualquer outra forma típica de incumprimento de prestação de trabalho”, já que o preceito constitucional “não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento”, desde que não se traduzam em dano de direito ou bens constitucionalmente protegidos de outrem.
[7]) Cfr. Bernardo Lobo Xavier, Direito de Greve, cit., pp. 55 e 56, com várias referências a formulações diversas retiradas da doutrina estrangeira.
[8]) Cfr., v.g., Monteiro Fernandes, Direito de Greve, Nota e Comentários à Lei nº 65/77, de 26 de Agosto, 1982, pág. 18 e 19 e Direito do Trabalho, 10ª edição, pág. 821.
[9]) Cfr., v.g., Pareceres deste Conselho nº 123-B/76, de 3 de Março de 1977, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, págs. 57 e segs.; nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 316, pág. 82 e no Diário da República, 2ª Série, nº 111, de 28 de Maio de 1982; cfr., na doutrina, entre outras referências, Bernardo Lobo Xavier, cit., pág. 55 e segs.; Helene Sinay et Jean Claude Javillier, Droit du Travail, La Grève, tomo 6, 2ª , pág. 34-44.
[10]) Acompanha-se textualmente o Parecer do Conselho nº 123-B/76, cit.
[11]) Do Parecer nº 123-B/76 cit.
[12]) Cfr. Constituição da República, Anotada, Vol. II, p. 315-316.
[13]) Cf. Bernardo Xavier, “A licitude dos objectos da greve (A propósito do artigo 59º, nº 2, da Constituição)”, estudo publicado na, Revista de Direito e Economia, ano V, nº 2, Julho, Outubro de 1979, pp. 267 e seguintes, designadamente pp. 304 e 305.
[14]) Parecer nº 123-B/76 cit., Boletim do Ministério da Justiça, nº 265, designadamente pp. 92-94.
[15]) Cfr. Parecer nº 123-B/76, cit., que se seguiu de perto
[16]) Como, v.g., expressamente prevê em Espanha o artigo 7º, 2º, do Real-Decreto nº 171/1977, de 4 de Março: “Las Huelgas rotatorias, las efectuadas por los trabajadores que presten servicios em sectores estratégicos con la finalidad de interrumpir el proceso productivo, las de celo o regulamento y, en general, cualquer forma de alteración colectiva en el régimen de trabajo distinta a la huelga, se consideran actos ilicitos o abusivos.”
Cfr. Javier Matia Prim, El Abuso del Derecho de Huelga, ed. CES, 1996, págs. 25 e segs.
[17]) Ao contrário, por exemplo, do Decreto-Lei nº 392/74, de 27 de Agosto.
[18]) Cfrs. Pareceres deste Conselho nº 52/98, de 17 de Agosto de 1998, publicado no Diário da República, II Série, nº 229/98, de 3 de Outubro, e 22/89, de 29-3-89, homologado mas não publicado.
[19]) Cfr., Parecer nº 41/86, de 19 de Março de 1982.
[20]) Cfr., v.g., Bernardo Xavier, op. cit., pág. 154, e Hélène Sinay e Jean-Claude Javillier, op. cit., pág. 45 e segs.
[21]) Cfr. a seriação dos argumentos a favor e contra o monopólio sindical de greve em Sinay e Javillier, cit., pág. 45/48.
[22]) Na redacção de Lei nº 30/92, de 20 de Outubro. A constitucionalidade da norma foi suscitada em fiscalização preventiva, e apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 289/92, no Diário da República, II Série, de 19 de Setembro de 1992. O Tribunal concluiu pela constitucionalidade do preceito, entendendo que a ampliação dos prazos não corresponderia a uma restrição substancial do direito de greve, mas a uma conformação do modo concreto do seu exercício que não poderia ser considerada excessiva ou irrazoável.
[23]) Cfr., v.g., o Parecer deste Conselho nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, publicado no Diário da República , II Série, de 28 de Maio de 1982.
[24]) Na primitiva redacção do artigo 5º, os prazos eram, respectivamente, de 48 horas e 5 dias. O Parecer do Conselho nº 48/78, de 29 de Junho, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 283, resumiu a discussão nos seguintes termos:
“Salienta-se. desde logo, que enquanto os projectos de lei do P.C.P. e da U.D.P. não continham referências a qualquer pré-aviso a proposta de lei do governo mencionava um pré-aviso de 48 horas (artigo 4º).
Vejamos, porém, mais em pormenor, o que se passou, nesta matéria na Assembleia da República.
O Partido Social-Democrata apresentou para o pré-aviso o prazo de 4 dias e o Centro Democrático Social o de 5 dias, tendo o Senhor Deputado Azevedo e Vasconcelos (C.D.S.) considerado manifestamente insuficiente o prazo de 48 horas constante da proposta do governo (Diário da República, nº 122, pág. 4179).
O Partido Comunista Português, pelas vozes dos seus Deputados Carlos de Brito e Jorge Leite. manifestou oposição, em geral, ao pré-aviso, considerando-o extremamente lesivo dos interesses dos trabalhadores na medida em que praticamente impossibilita as greves de curta duração (Diário da Assembleia da República, nº 123, págs. 4257 e 4259).
Também o Senhor Deputado Acácio Barreiros (U.D.P.) discordou da obrigatoriedade de pré-aviso (Diário da Assembleia da República, nº 123, págs. 4227) e os Deputados Independentes Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira propuseram mesmo a eliminação do artigo 5º que respeitava ao pré-aviso (2º Suplemento ao Diário da Assembleia da República, nº 123, de 30 de Junho de 1977; cfr. Diário da Assembleia da República, nº 123, pág. 4226).”
O texto da substituição apresentada pela Comissão de Trabalho, e que constituía a primeira versão do artigo 5º, foi aprovado com 116 votos a favor do P.S. e do P.C.P.
[25]) Cfr., v.g., Bernardo Lobo Xavier, op. cit. págs. 159-162, e António Baylos Grau, “Derecho de Huelga y Servicios Esenciales, ed. Tecnos, págs. 147 e segs.
[26]) Cfr. v..g., Bernardo Xavier, op. cit., pág. 161 e Sinay-Javillier, op. cit., pág. 410 e o Parecer deste Conselho nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981.
[27]) A formulação é de Monteiro Fernandes, op. cit., pág. 817 e segs.
[28]) Seguindo alguma doutrina, o direito de greve apresenta uma dupla fisionomia – quanto ao conteúdo, um direito potestativo, e quanto ao interesse tutelado, um direito subjectivo colectivo. Cfr. Monteiro Fernandes, op. cit., pág. 818, nota (2), citando a síntese de Santoro-Passarelli.
[29]) Bernardo Lobo Xavier, op. cit., pág. 248 e segs., v.g., ensaia construir dogmaticamente o direito como um direito de dimensão processual, como concretização de um direito fundamental ao conflito.
[30]) Cfr. v.g. Pareceres nº 22/89 e 52/98, cit., que neste ponto se acompanha de perto.
[31]) Nem sempre, porém, será assim: a ausência ao trabalho em dia de greve pode resultar, v.g., de doença, sem que o trabalhador tenha formado a sua vontade no sentido da adesão.
[32]) Cfr., v.g. Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, 1991, pág. 386.
[33]) Cfr., v.g. Menezes Cordeiro, idem, pág. 389, e Pareceres nº 22/89 e 52/98, cit.
[34]) Cfr. comunicado do Conselho Nacional do SIM de 15 de Dezembro de 1998.
No aspecto estritamente formal, o comunicado da associação sindical expressando a prorrogação de greve, desde que devidamente divulgado, constitui um meio idóneo e satisfaz, nos limites do seu objecto, as condições exigidas pelo artigo 5º da Lei de Greve – cfr. v.g. Parecer nº 156/81, de 3 de Dezembro de 1981, cit.
[35]) Não se dispõem a este respeito de outros elementos no processo que não sejam os recolhidos no parecer enviado com o pedido de consulta, e, segundo se refere, através de declarações de dirigentes do SIM na comunicação social ou retirados do contexto da análise de comentadores na imprensa. É apenas de tais elementos que resulta a qualificação, que vem fazendo caminho, de “greve self-service”. Que será “assim considerada por permitir a qualquer médico, individualmente ou em grupo, fazer greve a todo o momento e pelo tempo que desejar, sem aviso prévio” – cfr. parecer enviado, pág. 2.
Cfr. contudo, a expressa formulação da segunda questão suscitada na consulta.
[36]) Refira-se, a este propósito, em sistemas próximo, a ilicitude de greves intermitentes, ou com objectivo de desorganizar o plano de produção ou o funcionamento dos serviços, com mínimo prejuízo remuneratório para os trabalhadores: v.g. as greves sucessivas por curtos períodos. Uma greve por curtos períodos sucessivos, foi, porém considerada lícita no Parecer nº 156/81, cit.
Cfr., v.g., Javier Matia Prim, op. cit.,
[37]) Acompanham-se neste ponto os Pareceres deste Conselho nº 100/89, e 52/98, cit, seguindo-se de perto a síntese de formulação da doutrina do Conselho do Parecer nº 52/98.
[38]) Dispõe:
“Artigo 8º
Obrigações durante a greve
1- Nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se empresas ou estabelecimentos que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis os que se integram, nomeadamente, em alguns dos seguintes sectores:
a) Correios e telecomunicações;
b) Serviços médicos, hospitalares e medicamentosos;
c)Salubridade pública, incluindo a realização de funerais;
d) Serviços de energia e minas, incluindo o abastecimento de combustíveis;
e) Abastecimento de águas;
f) Bombeiros;
g) Transportes, cargas e descargas de animais e géneros alimentares deterioráveis.
3- As associações sindicais e os trabalhadores ficam obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
4- No caso de não cumprimento do disposto neste artigo, o Governo poderá determinar a requisição ou mobilização, nos termos da lei aplicável.”
Redacção com as alterações introduzidas nas alíneas c) e d) do nº 2 pela Lei nº 30/92, de 20 de Outubro, e bem assim, as consequências da declaração de inconstitucionalidade de que foi objecto - cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96, de 4 de Julho de 1996, publicado no Diário da República, I Série A, nº 241, de 16 de Outubro de 1996.
[39]) Tópico recordado no Parecer nº 86/82, de 8 de Julho de 1982, publicado no Diário da República, II Série, nº 131, de 8 de Julho de 1983.
[40]) Que revelará, mesmo, e após a revisão constitucional de 1997 e a nova redacção do artigo 57º, nº 3, da Constituição, uma omissão quanto à injunção constitucional.
[41]) Cfr., v.g., Pareceres nºs 22/89, 100/89, 18/98 e 52/98.
[42]) A Lei nº 30/92, de 20 de Outubro, pretendeu solucionar expressamente o problema, definindo, na redacção que introduziu nos nºs 4 a 7 do artigo 8º da Lei nº 65/77, um procedimento complexo de conciliação entre os interesses fundamentais da comunidade e os interesses dos trabalhadores. A declaração de inconstitucionalidade, por razões meramente formais, inviabilizou a solução - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96, cit. nota (38).
[43]) V.g., João José Abrantes, Estudos de Direito de Trabalho, Lisboa, 1992, pág. 142.
[44]) Pareceres nºs 18/98 e 52/98, cit.
X1) Parecer nº 86/82.
X2) Parecer nº 18/98.
X3) “No sentido exposto, o Parecer nº 22/89 (nº8). No Parecer nº 18/98 chegou, neste plano, a concluir-se que os serviços mínimos a desempenhar correspondiam aos serviços normais de todo o sector em greve - os tribunais de turno, considerados nessa tónica como uma modalidade de serviços mínimos da Administração da Justiça.”
X4) Parecer nº 23/89.
X5) Pareceres nºs 86/82 e 22/89.
[45]) De idêntico modo se passam as coisas quanto aos serviços necessários à manutenção do equipamento e instalações - artigo 8º, nº 3, da Lei nº 65/77.
[46]) Acompanhou-se o Parecer nº 100/89, retomado no Parecer nº 52/98.
[47]) A Lei nº 30/92, de 20 de Outubro, pretendeu criar uma solução directa para, de modo imediato e sem recurso a procedimentos de excepção (como v.g. a requisição), ultrapassar o incumprimento pelas associações sindicais de obrigação da designação dos trabalhadores.
O nº 8 do artigo 8º, na redacção da referida lei, dispunha, com efeito, que “os representantes dos trabalhadores a que se refere o artigo 3º devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços referidos nos nºs. 1 e 3, até quarenta e oito horas antes do início do período de greve e, se o não fizerem, deve a entidade empregadora proceder a essa designação”.
A declaração de inconstitucionalidade pelo referido acórdão do Tribunal Constitucional nº 868/96 inviabilizou a solução.
[48]) Do curto preâmbulo do diploma.
[49]) Cfr., v.g., as referências de Bernardo Lobo Xavier, “A greve no Direito da Europa Ocidental, in “Revista de Direito e Estudos Sociais”, Ano XXXVIII, 1996, pág. 45.
[50]) Os efeitos das faltas injustificadas na função pública estão previstos no artigo 71º, nº 2, do Decreto-Lei nº 429/88, de 30 de Dezembro: as faltas injustificadas, para além das consequências disciplinares a que possam dar lugar, determinam sempre a perda das remunerações correspondentes aos dias de ausência, não contam para efeitos de antiguidade e descontam nas férias, no ano civil seguinte, na proporção de um dia de férias por cada falta (artigo 12º, nº 2).
[51]) Artigo 483º, nº 1, do Código Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
[52]) O Decreto-Lei nº 373/79, de 8 de Setembro, que aprovou o Estatuto do Médico nos serviços públicos, dispõe no artigo 7º, nº 1, que aos médicos cabe o dever de cumprir as obrigações e funções que lhe competem e que hajam sido legalmente estabelecidas (alínea a)) e observar os horários estabelecidos para o regime de trabalho a que se encontrem sujeitos – alínea b).
O artigo 8º, nº 1, determina, por sua vez, que a violação dos deveres enunciados, faz incorrer o médico em responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, consoante os casos.
[53]) Cfr. Parecer deste Conselho nº 91/82, de 9 de Julho de 1982.
[54]) “Philippe Terneyre "La grève dans les services publics", Collection Droit Public, Paris 1991, pp.134 e sgs. e Lucien Rapp, "Les conséquences de la grève dans les services publics: réflexions sur l'usager", in ‘Revue française de droit public’, 1988, pp. 837 e segs., dão conta da situação de responsabilidade que pode ser exigida ao Estado, colectividades territoriais, estabelecimentos e empresas públicas, se não tomaram as medidas necessárias, por exemplo, ao funcionamento dos serviços mínimos. Também contra os próprios sindicatos têm sido propostas acções de indemnização pelos utentes de serviços. A jurisprudência, quanto a estes, só os tem responsabilizado se participaram efectivamente em acções constitutivas de infracções penais ou em factos que não possam ser ligados ao exercício normal do direito de greve. Uma vez que os prejuízos, por efeito de uma greve, indirectamente suportados por terceiros, não serão indemnizáveis, já os que se referiram serão enquadráveis nas regras gerais da responsabilidade civil.” – Cfr., a este propósito, o parecer 18/98, de 30 de Março de 1998, cit.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART57 N1 N2 ART199 F G ART266 N2 ART267 N5.
L 65/77 DE 1977/08/26 ART1 ART2 ART3 N1 ART4 ART5 N1 N2 ART7 N1 ART8 N1 N3 N4 ART11 ART12.
CCIV66 ART334.
DL 637/74 DE 1974/11/20 ART1 N1 N2 ART3.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR TRAB * DIR SIND / FUNÇÃO PUBL * DISC FUNC / DIR OBG * RESP CIV / DIR CRIM.
Divulgação
Data: 
03-03-1999
Página: 
3171
Pareceres Associados
Parecer(es): 
16 + 1 =
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