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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
26/1996, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Finanças
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSOCIAÇÃO DO PATRONATO DAS PRISÕES
FUNDO DE FOMENTO E PATRONATO PRISIONAL
FUNDO DE FOMENTO E ASSISTÊNCIA PRISIONAL
DIRECÇÃO-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
RECEITA PRÓPRIA
CONSIGNAÇÃO DE RECEITAS
DESPESA
AUTONOMIA
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
AUTONOMIA FINANCEIRA
ORÇAMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
1ª - Reafirma-se a doutrina do parecer deste Conselho nº 66/95, ou seja, a de que os danos causados a terceiros pelos funcionários ou agentes da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no exercício das suas funções, e que sejam imputados à responsabilidade do Estado, devem ser ressarcidos por força da verba inscrita no capítulo «Despesas comuns» do Orçamento do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 74/70, de 2 de Março (redacção do Decreto-Lei nº 793/76, de 5 de Novembro);

2ª - Esta doutrina é aplicável à matéria do requerimento de (...) e filho, se efectivamente a sentença a que se refere houver transitado em julgado e for do teor dele constante.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro das Finanças
Excelência:

1.

1.1- Através do ofício nº 1491, de 4 de Abril de 1996, do Chefe de Gabinete de Vossa Excelência, foi transmitida a este Conselho solicitação de parecer acerca da situação descrita em requerimento formulado por (...), em seu nome pessoal e em representação de seu filho menor(...)
Desse requerimento consta que (...) Gomes, respectivamente mulher e mãe dos requerentes, foi atingida por um disparo de G-3 provindo do Hospital Prisional de São João de Deus, em Laveiras - Caxias, do qual lhe resultou a morte.
Mais se refere no mesmo requerimento que, por sentença transitada em julgado em 9 de Dezembro de 1993, o Estado e o guarda prisional Américo da Silva foram solidariamente condenados a pagar aos autores uma indemização no total de Esc. 8.000.000$00, pelos prejuízos decorrentes do falecimento de sua mulher e mãe, respectivamente.
Infere-se do dito requerimento que, à data da sua apresentação, a sentença de condenação ainda não tinha sido executada, por virtude dum conflito de competências surgido, a esse respeito, entre a Secretaria Geral do Ministério das Finanças e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

1.2- Tendo em consideração o disposto no nº 4.3 do Despacho de Vossa Excelência nº 8/96-XIII, de 9 de Janeiro de 1996 (1), e face ao teor do parecer deste corpo consultivo nº 66/95, proferido a propósito do caso que esteve na origem do aludido Despacho, solicitou-se confirmação acerca do pedido do presente parecer (2).
O Chefe de Gabinete de Vossa Excelência comunicou (3) que se mantinha a solicitação de parecer acerca da situação mencionada em 1.1, mais informando que o parecer nº 66/95 fora entretanto homologado por Vossa Excelência em 4 de Setembro de 1996 (4).
Cumpre, pois, emitir parecer.

2.

2.1- A questão posta reporta-se à determinação da entidade que, no âmbito da Administração Pública, deve suportar o pagamento das despesas relativas a indemnizações, devidas a terceiros, com base em actos praticados por funcionários ou agentes dos serviços prisionais.
A posição a assumir a este respeito decorrerá, essencialmente, da interpretação do Decreto-Lei nº 74/70, de 2 de Março, em particular no tocante aos seus artigos 1º, 3º e 4º, que são do seguinte teor:

"Artigo 1º (5)

1. No orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, é anualmente inscrita uma verba destinada ao pagamento das despesas: a) Com a reconstituição de bens afectos ao património do Estado, perdidos ou destruídos por causas imprevistas ou acidentais, como incêndio, inundação ou outra semelhante; b) Com as derivadas de acidentes em serviço, nos termos da Lei nº 1942, de 27 de
Julho de 1936, do Decreto-Lei nº 38523, de 23 de Novembro de 1951, e legislação complementar; c) Com as que o Estado seja compelido a pagar, por sentença dos tribunais com trânsito em julgado; d) Com indemnizações para compensação de danos causados a terceiros; e) Com tratamentos e outras despesas com sinistrados; f) Com indemnizações resultantes da responsabilidade em que o Estado Português possa vir a constituir-se, nos termos do direito internacional público.
2. O montante da verba a inscrever será determinado pelo Ministro das Finanças, atentos os encargos previstos no artigo (6) anterior, e obedecerá às possibilidades do Tesouro verificadas em cada ano:
.
"Artigo 3º

«1. Os processos das correspondentes despesas continuarão a ser organizados nos serviços que derem lugar ao respectivo encargo até à fase de se ordenar o pagamento, altura em que transitarão para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças.
2..............................................................................:.

"Artigo 4º

«1. As disposições deste decreto-lei não se aplicam aos serviços com autonomia administrativa e financeira e àqueles que tenham receitas próprias.
2. É revogado o artigo 28º do Decreto-Lei nº 38523, de 23 de Novembro de 1951, mantendo-se em vigor o seu § único, para aplicação aos serviços que menciona:.

2.2. Conforme se depreende do preâmbulo do mencionado Decreto-Lei nº 74/70, teve ele em vista, fundamentalmente, fazer face à "Cobertura dos riscos por prejuízos causados no património do Estado, provenientes de circunstâncias acidentais ou fortuitas", a qual se traduzia, por vezes, em encargos de elevado montante, que, dada a sua própria natureza, obrigavam à alteração do plano financeiro anual previsto, o que nem sempre se revelava de fácil execução.
Para obviar a esses inconvenientes, tomaram-se nesse diploma "providências no sentido de se constituir em operações de tesouraria uma reserva pecuniária que a todo o tempo" pudesse "ser utilizada para ocorrer a essas despesas imprevistas".
Em tais despesas se incluiram, expressamente (artigo 1º, nº 1, al. d), as relativas a "indemnização para compensação de danos causados a terceiros" (7).
A solução consagrada no Decreto-Lei nº 74/70 consistiu na abertura, no orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, duma verba destinada ao pagamento de tais despesas (artigo 1º, nº 1).
Aliás, o processamento das mesmas continuaria a iniciar-se nos serviços que dessem causa aos encargos em questão, apenas passando a correr sob a égide da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças na fase respeitante à emanação das ordens de pagamento (artigo 3º, nº 1).
O mesmo diploma excluíu, contudo, expressamente
(artigo 4º, nº 1) a sua aplicação aos "serviços com autonomia administrativa e financeira e àqueles que tenham receitas próprias".

2.3. A recente Lei Orgânica do Ministério das Finanças (Decreto-Lei nº 158/96, de 3 de Setembro) não se ocupou especificamente do problema, pelo que se mantém em vigor, a seu respeito, o Decreto-Lei nº 74/70.
Isso decorre, desde logo, do facto de o respectivo artigo 11º, ao indicar, no nº 2, as competências da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, o não fazer por modo taxativo, como o revela a utilização do advérbio "designadamente".

3

3.1. Para um cabal entendimento da economia do Decreto-Lei nº 74/70 importa, pois, indagar do alcance das excepções ao regime geral dele constante, consagradas no respectivo artigo 4º.
As noções de autonomia administrativa e autonomia financeira relevantes, à data da publicação desse diploma, para efeitos financeiros, eram as definidas nos §§ 1º e 2º do artigo 1º do Decreto--Lei nº 41375, de 19 de Novembro de 1957, que dispunham:
"§1º São considerados serviços dotados de autonomia administrativa aqueles cujos órgãos sejam competentes para efectuar directamente o pagamento das suas despesas, mediante fundos requisitados mensalmente em conta das dotações atribuídas no Orçamento Geral do Estado e de cuja aplicação têm de prestar contas findo o ano económico.
§2º São considerados serviços dotados de autonomia financeira, ou serviços autónomos simplesmente, os que, além de autonomia administrativa, possuam contabilidade e orçamento privativos, com afectação de receitas próprias às despesas da sua manutenção, e quer o respectivo movimento de fundos se faça pelos seus cofres, quer deva transitar pelos cofres do Tesouro."
A doutrina administrativa, se acolhia, no essencial, o conceito de autonomia financeira assim legalmente estabelecido, já divergia parcialmente na configuração da autonomia administrativa, à qual conferia âmbito mais genérico que o resultante da norma supratranscrita.
Recorde-se, a confirmá-lo, o que, nomeadamente, escreveu Bigotte Chorão (8) a este respeito:
"E, em particular, a doutrina emprega o conceito de autonomia administrativa, definindo esta como o poder, atribuído a entidades públicas, de praticar actos definitivos e executórios, em princípio só impugnáveis por via de recurso contencioso administrativo.
........................................................................................
Como se vê, se fundamentalmente coincide com o doutrinal o conceito de autonomia financeira definido neste diploma, o mesmo já não acontece com a noção de autonomia administrativa.
Os serviços com autonomia administrativa, na acepção legal ora considerada, distinguem-se dos financeiramente autónomos, por não terem contabilidade e orçamento privativos, com consignação de receitas, carecendo de requisitar mensalmente os fundos necessários ao pagamento das respectivas despesas. Com eles se assemelham, porém, pelo facto de a verificação das folhas liquidação das dívidas e autorização dos pagamentos competir, não às repartições da Contabilidade Pública, mas às repartições de contabilidade privativas dos mesmos serviços (cfr. o artigo 13º do Decreto nº 5519, de 8 de Maio de 1919).
Nada, pois, tem que ver, com a outra acima mencionada, esta noção de autononia administrativa. Decerto que tal insegurança e duplicidade terminológica não pode deixar de reputar-se inconveniente.
Fundamentalmente, o que na legislação em causa parece querer definir-se são graus ou modalidades da autonomia financeira e contabilística.
Dada a extrema variedade de situações híbridas e de medidas de autonomia que na lei podem estabelecer-se, só em face desta logrará cabalmente definir-se, sob este aspecto, o regime de cada entidade ou serviço autónomo".
De qualquer modo, é legítimo pressupor que, ao emanar o Decreto-Lei nº 74/70, o legislador tenha tido em consideração as noções de "autonomia administrativa" e "autonomia administrativa e financeira" (9) constantes do Decreto-Lei nº 41375.
Aliás, como se viu, no tocante à segunda - que é a referida na previsão do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70 -, coincidiam as acepções legal e doutrinária.
O que ainda importa anotar, a este propósito, é que, à altura, vigorava - e continuou a vigorar por cerca de duas décadas mais - o princípio geral de que a regra era a de os serviços públicos assumirem, em termos administrativo-financeiros, a forma de "serviços simples", constituindo, quer a autonomia administrativa, quer a autonomia financeira, regimes de excepção, que teriam sempre de resultar da lei (10).

3.2. Nas décadas de 70 e 80 o legislador financeiro curou, sobretudo, de disciplinar a gestão dos organismos autónomos, em particular dos dotados de autonomia financeira, mas também, em parte, dos titulares de autonomia administrativa, desde que obrigados a organizar orçamentos privativos para aplicação de receitas próprias.
Tratou-se, nomeadamente, de uniformizar o processamento das respectivas operações de receita e despesa, e, também, de as enquadrar no âmbito do Orçamento Geral do Estado.
Foram nesse sentido publicados, designadamente, os Decretos-Leis nºs 742/74, de 2 de Dezembro, e 459/82, de 26 de Novembro.
Manteve-se, nesse período, no essencial, a caracterização legal dos serviços simples, com autonomia administrativa ou com autonomia financeira.
Comprova-o, patentemente, o artigo 1º, nº 2 do Decreto-Lei nº 211/79, de 12 de Julho (11), relativo a despesas com obras e aquisição de bens e serviços para organismos do Estado, que reitera a distinção entre autonomia administrativa e autonomia financeira nos termos constantes do Decreto-Lei nº 41375, apenas com a eliminação da frase final ("e quer o respectivo movimento...") a esta última relativa.

3.3. A Lei nº 8/90, de 20 de Fevereiro (Bases da Contabilidade Pública) veio determinar a progressiva implementação, nesta matéria, dum regime decididamente inovador.
Não que ela haja alterado, ou sequer afectado no essencial, os conceitos de autonomia administrativa e autonomia financeira tais como as delineava a legislação anterior.
Mas no que a Lei nº 8/90 introduz uma radical inovação é no posicionamento relativo dos tipos ou modos de gestão financeira dos serviços públicos.
Com efeito, o regime geral passa a ser o da autonomia administrativa, como desde logo prescreve o respectivo artigo 2º:

"Artigo 2º
Definição

1- Os serviços e organismos da Administração
Central disporão, em regra, de autonomia administrativa nos actos de gestão corrente, traduzida na competência dos seus dirigentes para autorizar a realização de despesas e o seu pagamento e para praticar, no mesmo âmbito, actos administrativos definitivos e executórios.
2- Os actos de gestão corrente são todos aqueles que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições.
3- Excluem-se do âmbito da gestão corrente os actos que envolvam opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos e, designadamente, que se traduzam na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução ou na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados.
4- A competência dos membros do Governo inclui sempre os necessários poderes de direcção, supervisão e inspecção, bem como a prática dos actos que excedam a gestão corrente, garantindo- se a intervenção dos órgãos de planeamento competentes sempre que estiver em causa a aprovação dos planos e programas incluídos no Plano de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC)."
A autonomia administrativa e financeira, ao invés, continua - agora até por forma explícita e vigorosa - a ser qualificada de regime excepcional, apenas susceptível, em princípio, de ser estabelecido por lei ou decreto-lei.
É o que se extrai do artigo 6º da Lei em referência, que aliás condiciona, como regra geral, a atribuição de autonomia administrativa e financeira ao pressuposto de as receitas próprias do serviço ou organismo em questão atingirem um mínimo de dois terços das suas despesas totais.
A relevância do regime nele estipulado justifica a transcrição do citado preceito:

"Artigo 6º
Atribuição

1- Os serviços e organismos da Administração
Central só poderão dispor de autonomia administrativa e financeira quando este regime se justifique para a sua adequada gestão e, cumulativamente, as suas receitas próprias atinjam um mínimo de dois terços das despesas totais, com exclusão das despesas co-financiadas pelo orçamento das Comunidades Europeias.
2- A atribuição deste regime de autonomia com fundamento na verificação dos requisitos constantes do número anterior far-se-á mediante lei ou decreto-lei.
3- O disposto nos números anteriores não é aplicável aos serviços e organismos que tenham autonomia administrativa e financeira por imperativo constitucional.
4- Para além do disposto no nº 1, poderá ainda ser atribuída autonomia administrativa e financeira em função de outras razões ponderosas expressamente reconhecidas por lei ou decreto- lei, nomeadamente as que se relacionem directamente com a gestão de projectos do PIDDAC co-financiados pelo orçamento das Comunidades Europeias.
5- Para os efeitos do disposto no nº 1, não são consideradas como receitas próprias as resultantes de transferências correntes e de capital do Orçamento do Estado, dos orçamentos da Segurança Social e de quaisquer serviços e organismos da Administração Central, dotados ou não de autonomia administrativa e financeira, bem como do orçamento das Comunidades Europeias, quando, neste último caso, a regulamentação comunitária não dispuser em contrário."
O especial posicionamento dos serviços e organismos com autonomia administrativa e financeira ganha particular saliência pelo facto de na lei em causa se lhes atribuir, enquanto tais, personalidade jurídica.
É o que incisivamente declara o respectivo artigo
9º, ao estipular que:

"Artigo 9º

Personalidade jurídica e património próprio
Os serviços e organismos dotados de autonomia administrativa e financeira disporão de personalidade jurídica e património próprio".
As bases constantes da Lei nº 8/90 foram desenvolvidas pelo Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.
Nele se reiterou que:

"Artigo 2º
Âmbito

O regime jurídico e financeito dos serviços e organimos da Administração Pública é, em geral, o da autonomia administrativa".
E cuidou-se, mesmo, de definir esta noção:

"Artigo 3º

Definição do regime de autonomia administrativa
Os serviços e organismos dispõem de créditos inscritos no Orçamento do Estado e os seus dirigentes são competentes para, com carácter definitivo e executório, praticarem actos necessários à autorização de despesas e seu pagamento, no âmbito da gestão corrente."
Realizou-se, pois, nesta definição, uma combinação das tradicionais noções administrativa e contabilística de autonomia administrativa, confinando-a, todavia, à "gestão corrente". Esta é caracterizada nos termos do subsequente artigo 4º:

"Artigo 4º
Gestão corrente

1- A gestão corrente compreende a prática de todos os actos que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições, sem prejuízo dos poderes de direcção, supervisão e inspecção do ministro competente.
2- A gestão corrente não compreende as opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos, nomeadamente a aprovação de planos e programas e a assunção de encargos que ultrapassem a sua normal execução.
3- A gestão corrente não compreende ainda os actos de montante ou natureza excepcionais, os quais serão anualmente determinados no decreto- lei de execução orçamental."
Quanto à autonomia administrativa e financeira, o Decreto-Lei nº 155/92 não considerou necessário defini- la, pelo que se pode inferir ter aceite a noção adoptada pela legislação anterior.
Merece realce, a este propósito, referir que o artigo 43º do Decreto-Lei nº 155/92 - nesta medida divergindo do enquadramento estabelecido na Lei nº 8/90, e sobrepondo-se-lhe, enquanto diploma posterior de idêntico nível hierárquico - acaba por qualificar como institutos públicos todos os serviços e organismos personalizados que não tenham a natureza de empresas públicas.
É o que parece decorrer do respectivo artigo 43º, ao dispor que:

"Artigo 43º
Âmbito

1- As normas da presente divisão aplicam-se aos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos a que se refere especialmente o artigo 1º da Lei nº 8/90, de 20 de Fevereiro.
2- Os institutos públicos, referidos no número anterior e designados nesta divisão por organismos autónomos, abrangem todos os organismos da Administração Pública, dotados de autonomia administrativa e financeira, que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública."
Daí que Sousa Franco (12) comente este preceito dizendo: "A expressão organismos autónomos, que tradicionalmente passa a definir a moldura da capacidade financeira destes institutos, nos termos do artigo 43º, nº 2, identifica-se pois a institutos públicos que tenham uma das duas características: a) Revestirem a forma de serviços personalizados do Estado; b) Serem fundos públicos (i. e., serviços públicos de carácter essencialmente financeiro)".
Não pode deixar de salientar-se, por fim, que a entrada em vigor deste inovatório sistema não foi imediata, nem instantânea, antes se apresentando como progressiva, durante período cuja amplitude se revela imprecisa e algo indefinida.
É que a Lei nº 8/90 não pretendeu aplicar-se antes da respectiva legislação complementar.
Mas o Decreto-Lei nº 155/92, depois de declarar revogada uma extensa lista de normas e diplomas legais (artigo 57º, nº 1), acrescentou, no número subsequente:
"2- Durante o ano económico de 1993, mantêm-se em vigor as normas necessárias à regulamentação das situações resultantes da transição a que se refere o artigo anterior".
Se é certo que, com efeito, o respectivo artigo 56º previa que a transição para o novo regime financeiro nele previsto se operasse no ano de 1993, a verdade é que a norma supratranscrita veio introduzir a tal propósito um factor de inegável indecisão, não excluindo necessariamente que tal transição se protelasse por período mais dilatado.
Assim se explica, aliás, que Sousa Franco (13) haja apodado o nº 2 do artigo 57º do Decreto-Lei nº 155/92 de "verdadeiramente misterioso", desde logo admitindo que "não é de excluir que a transição decorra durante mais de um ano".
Esta perspectiva veio, de resto, a ser confirmada pela posterior legislação orçamental. Assim é que, tanto o Decreto-Lei nº 45/95, de 2 de Março (artigo 2º), como o Decreto-Lei nº 50/96, de 16 de Maio (artigo 2º), que estabeleceram normas de execução dos Orçamentos de
Estado, respectivamente, de 1995 e 1996, dispuseram que, nos correspondentes anos económicos, a transição para o novo sistema financeiro a que se reportam os artigos 56º e 57º do Decreto-Lei nº 155/92, se faria mediante despacho conjunto dos Ministros da tutela e das Finanças, à medida em que os serviços e organismos da Administração Pública fossem reunindo as condições adequadas.

3.4. Procuraremos, agora, determinar o sentido da excepção consignada na segunda parte do nº 1 do artigo 4º do Decreto-lei nº 74/70, relativa aos serviços que (não sendo titulares de autonomia financeira) "tenham receitas próprias".
A norma em questão terá, por força, de entender- se, sistematicamente, em função de toda a economia do diploma em que se enquadra.
Ora o preâmbulo do Decreto-Lei nº 74/70 é claro em manifestar que o seu objectivo principal foi o de criar um esquema financeiro que permitisse fazer face a despesas imprevistas e de montante elevado, tais como as respeitantes às indemnizações a terceiros fundadas em responsabilidade da Administração Pública.
Isto implica que da expressão "serviços que tenham receitas próprias", na norma em causa, deve fazer-se uma interpretação restritiva. Ela não abrangerá aqueles serviços, sem autonomia financeira, cujo regime jurídico comporte uma enumeração de despesas a que tais receitas estejam afectas, desde e na medida em que nela não caibam alguma ou algumas das modalidades previstas no nº 1 desse mesmo preceito, e, cumulativamente, se essa enumeração não incluir uma cláusula "aberta" que permita a aplicação a futuras situações imprevisíveis e de natureza indeterminada.
A mesma interpretação restritiva se preconizou já no parecer deste Conselho nº 66/95, quando nele se ponderou:
"7. 2 - Dir-se-á que, se a letra do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70 parece inculcar para o funcionamento da ressalva ao regime geral quando um serviço tenha receitas próprias, independentemente do valor destas e da sua afectação, logo o elemento racional ou teleológico impõe que se atente no fim visado pelo legislador ao editar aquele diploma.
Pretendeu-se centralizar na Secretaria-Geral do Ministério das Finanças o pagamento de determinadas verbas, nomeadamente as relativas às indemnizações por danos causados a terceiros.
Além de um procedimento uniforme, evita-se a inscrição de diversas dotações que normalmente se mostrariam insuficientes para cumprir as responsabilidades nesta área dos diversos serviços, obrigando à alteração do plano económico.
Se se impusesse à Direcção-Geral o regime excepcional, ou esta tinha "receitas próprias" para cobrir aquelas despesas, ou então teria que vir a ser para tanto dotada, regressando-se a um regime que o Decreto-Lei nº 70/74 pretendeu abolir."

4

4.1. A questão de saber sobre que entidade deve recair o encargo relativo às despesas para indemnizar terceiros que hajam sofrido prejuízos causados por elementos dos serviços prisionais há-de solucionar-se, hoje, através da interpretação conjugada do Decreto-Lei nº 74/70 e do Decreto-Lei nº 268/81, de 16 de Setembro, que reestruturou a orgânica daqueles serviços.
Deste diploma relevam, em especial, os respectivos artigos 2º, 11º, al. a) e 37º a 40º, que são, do seguinte teor:

"Artigo 2º
(Autonomia administrativa)

A DGSP goza de autonomia administrativa quanto às verbas destinadas à realização de obras da sua competência, bem como à administração do Fundo de Fomento e Assistência Prisional".

Artigo 11º
(Competência)

Compete, designadamente, ao conselho administrativo: a) Propor à aprovação superior o orçamento do Fundo de Fomento e Assistência Prisional e administrar as respectivas verbas.

Subsecção II
Fundo de Fomento e Assistência Prisional
Artigo 37º
(Funcionamento)

O Fundo de Fomento e Assistência Prisional funciona no âmbito da DGSP e destina-se a arrecadar as receitas e a satisfazer os encargos relacionados com os serviços prisionais, de harmonia com o disposto nos artigos seguintes.

Artigo 38º
(Receitas)

Constituem receitas do Fundo de Fomento e Assistência Prisional: a) A percentagem fixada pelo Ministro da Justiça sobre as remunerações dos reclusos, a pagar pelos dadores de trabalho; b) A parte das receitas próprias determinada pelo Ministro da Justiça, sob proposta da Direcção-Geral; c) O aluguer de veículos e outros maquinismos a ele pertencentes; d) O produto da venda de objectos apreendidos em processo penal; e) Os salários e os espólios dos reclusos não reclamados nos prazos legais; f) Quaisquer outras importâncias que venham a ser- lhe atribuídas.

Artigo 39º
(Encargos)

O Fundo de Fomento e Assistência Prisional custeia, entre outros: a) Os encargos com a assistência social dos serviços prisionais; b) As despesas da Associação do Patronato das Prisões relativas à execução de contratos celebrados anteriormente à publicação do Decreto-Lei nº 40 876, de 24 de Novembro de 1956; c) Os encargos necessários para estimular o trabalho prisional, incluindo a aquisição de veículos, máquinas e outro material necessário à sua utilização; d) As indemnizações e demais encargos derivados de acidentes de trabalho dos reclusos que não devam ser suportados por outras verbas; e) As despesas com a formação moral, física, literária e profissional dos reclusos que não possam ser custeadas por outra forma; f) Os encargos resultantes das actividades referidas no nº 3 do artigo 33º que não devam ser pagos por outras verbas; g) Os encargos com a organização e participação em reuniões nacionais e internacionais, bem como as despesas com as visitas de personalidades estranhas aos serviços.

Artigo 40º
(Subsídios)

Por despacho do Ministro da Justiça podem ser concedidos, através do Gabinete de Gestão Financeira, os subsídios necessários para assegurar a execução dos orçamentos de despesas privativos dos serviços prisionais e do Fundo de Fomento e Assistência Prisional, quando as respectivas receitas próprias se mostrem insuficientes."

4.2. Para o bom entendimento deste regime é de inegável interesse a consideração dos respectivos antecedentes legislativos, quer os que já se reportavam ao Fundo de Fomento e Assistência Prisional, quer os respeitantes à Associação do Patronato das Prisões, entidade formalmente privada, mas já com forte incidência publicística, a que aquele veio suceder.
Essa evolução vem amplamente descrita no parecer deste Conselho nº 66/95, já citado.
Dela sobressai, designadamente, que a Associação do Patronato das Prisões, pessoa colectiva de direito privado, foi criada pelo Decreto nº 21175, de 28 de Abril de 1932, com os seguintes objectivos:

"Artigo 4º

Os fins da Associação são, de um modo geral, colaborar com o regime prisional na obra de segurança dos delinquentes, assistir-lhes moral e materialmente durante a prisão, trabalhar para a sua reintegração na vida social, ampará-los, quando livres, em ordem a evitar a reincidência, e proteger as vítimas imediatas dos delitos, quando necessário".
Estas finalidades gerais foram reafirmadas na Organização Prisional instituída pelo Decreto-Lei nº26643, de 28 de Maio de 1936, cujo artigo 408º dispôs que:
"Artigo 408º. O Estado poderá prestar auxílio aos reclusos durante o internamento e depois de postos em liberdade, por intermédio da Associação do Patronato, nos termos dos artigos seguintes.
§ único. Esta Associação poderá socorrer a família dos reclusos e as vítimas do delito ou sua família, quando fôr necessário".
Não deixa de ter significado, para captar o espírito em que era entendida esta norma, na parte respeitante às vítimas do delito ou sua família, atentar na Circular nº 2, de 28 de Junho de 1937, publicada para sua execução: (14).
"1º. O auxílio material a prestar às famílias dos reclusos, às vítimas imediatas do delito e aos ex- condenados, exercer-se-á, por enquanto, sob os seguintes aspectos: a) Renda de casa; b) Alimentação; c) Subsídio por uma só vez; d) Assistência médica; e) Internamento dos filhos menores; f) Albergue.
2º. Só podem ser concedidos subsídios àqueles que pelas suas circunstâncias especiais (falta de colocação ou invalidez) não possam angariar meios necessários à sua sobrevivência"
"Por uma nova luz foi concebida a assistência prisional e pós-prisional, com o Decreto-Lei nº 40876, de 24 de Novembro de 1956" - como se diz no parecer deste corpo consultivo nº 66/95.
Com efeito, o então denominado Fundo de Fomento e Patronato Prisional passou a constituir um serviço público, integrado na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, à qual se atribuiu autonomia administrativa para gestão daquele, conforme ressalta do respectivo artigo 8º:
"Artigo 8º A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais goza de autonomia administrativa relativamente às verbas destinadas à realização de obras da sua competência e ao Fundo de Fomento e Patronato Prisional".
Significativo é também que neste diploma - e assim continuou a suceder a partir dele - desapareceu qualquer referência, de entre as despesas a custear pelo Fundo, às relativas a vítimas dos crimes e suas famílias
(artigo 16º).
Mas o reconhecimento de autonomia administrativa à Direcção-Geral para gestão das receitas do Fundo passou a constar sempre de toda a posterior legislação aplicável à matéria.
4.3. Analisando, enfim, se, no caso em apreciação, se está perante alguma das excepções previstas na segunda parte do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº74/70, a primeira observação que se impõe é a de que o
Fundo de Fomento e Assistência Prisional não é titular de autonomia administrativa e financeira.
Na verdade, nenhum diploma com força legal confere ao Fundo tal característica. E, tanto no domínio das citadas Bases, como no da legislação a elas anterior, tanto era necessário para que qualquer serviço ou organismo da Administração Pública pudesse ser dotado de autonomia administrativa e financeira.
4.4. Quanto a saber se, hoje, o Fundo em causa dispõe de "receitas próprias" no sentido em que a expressão deve ser entendida na economia do Decreto-Lei nº 74/70, entende-se continuar integralmente válida a argumentação desenvolvida no já mencionado parecer deste Conselho nº 66/95, que por isso a seguir se reproduz:
"7. 3 - Perante uma pura interpretação literal do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70, diga- se, então, que as receitas do FFAP estão, por seu turno, afectadas a determinadas despesas que não as relativas ao pagamento de indemnizações a terceiros pelos actos praticados por funcionários daquela Direcção-Geral.
São receitas próprias de um Fundo e não da Direcção-Geral.
É certo, como argumentam os serviços do Ministério das Finanças, que o artigo 39º do Decreto-Lei nº 268/81, ao enumerar os encargos a custear pelo FFAP não é taxativo pois consagra a expressão "entre outros".
Note-se, desde logo, que o diploma prevê, nos seus artigos 41º, nº 2, e 42º, nº 4, outros eventuais encargos para o FFAP, pelo que o artigo
39º sempre teria de deixar entreaberta uma porta para outros encargos.
Só que por essa porta não pode entrar toda e qualquer despesa da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sob pena de se deixar sem sentido a razão de ser da consignação da receita e a própria existência do Fundo.
Sabe-se que a razão da consignação das receitas que constituem o FFAP - toda a sua evolução histórica é inequívoca -, se orienta primacialmente para a assistência prisional e pós- prisional, pelo que os seus encargos devem estar, directa ou indirectamente, ligados à vida dos reclusos, ao seu bem estar físico e moral, durante e após o período de reclusão.
E, mesmo para aqueles encargos que se afiguram mais distantes, como os relativos à formação e enriquecimento profissional dos funcionários - alíneas f) e g) do artigo 39º -, ainda é possível detectar ali afinidades com aquele objectivo: funcionários bem apetrechados, científica e culturalmente, não deixarão de fazer reflectir essas qualidades na assistência que prestem.
7. 4 - Se tudo isto fosse insuficiente, e se se persistisse em chamar as receitas do FFAP para cobrir as indemnizações pelos danos causados a terceiros por funcionários da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, seria de ponderar a equidade de um sistema que admite a afectação de receitas do trabalho prisional para essa finalidade.
Sabe-se que entre as receitas consignadas ao FFAP estão uma percentagem sobre as remunerações dos reclusos, a pagar pelos dadores de trabalho, e os salários dos reclusos não reclamados nos prazos legais - alíneas a) e e) do artigo 38º do Decreto-Lei nº 268/81.
Ora, todas as receitas do FFAP servem para cobrir todos os seus encargos; não há dentro da gestão financeira do FFAP qualquer consignação de receitas."
Anote-se, aliás, que entendimento diverso deste poderia mesmo comprometer seriamente a realização dos objectivos próprios do Fundo.
É que a eventualidade da prática, por elementos dos serviços prisionais, de actos que possam gerar responsabilidade civil do Estado é, por si mesma, imprevisível, e pode gerar a obrigação de pagar indemnizações de elevado montante.
O surgimento imprevisto de tais encargos poderia, assim, a terem de ser suportados pelo Fundo, reduzir por forma relevante o valor global das receitas por ele disponíveis para a consecução das finalidades de fomento e assistência prisional que a lei o incumbiu de prosseguir.
Recorde-se, ademais, que o objectivo primeiro do Decreto-Lei nº 74/70 foi precisamente o de obviar a situações deste tipo.
4.5. Não deixa de ser curioso, de resto, a reforçar as razões acabadas de expender, que, se inicialmente a lei chegou a prever que a Associação antecessora do Fundo cobrisse despesas relativas a prejuízos sofridos pelas "vítimas do delito" e suas famílias, essa regra desapareceu - a partir do momento, de resto, da transformação daquela em Fundo, com a natureza de serviço público.
Tal indemnização, aliás, nem era integral - não envolvendo, por isso, os riscos acima apontados -, abrangendo apenas despesas atinentes directamente ao sustento, assistência médica e alojamento dessas pessoas.
E, de todo o modo, sempre se tratava de "compensação" de prejuízos causados pelos reclusos, e não por agentes do Estado, como na hipótese aqui em apreciação.
4.6. Um outro argumento se poderia, enfim, formular - se tanto fosse preciso - para corroborar esta perspectiva.
É que, se fosse de acolher a doutrina a esta oposta, seria natural que o legislador houvesse, correspectivamente, previsto que constituiriam receitas do Fundo as quantias obtidas em resultado do exercício do direito de regresso, pelo Estado, sobre o funcionário ou agente a que judicialmente houvesse sido imputado o acto gerador de responsabilidade civil.
De facto, seria lógico que um organismo com receitas próprias que devesse suportar o encargo da indemnização por responsabilidade civil do Estado fosse também contemplado com a receita respeitante à recuperação, total ou parcial, dessa despesa, através do mecanismo do direito de regresso.
Ora, de entre as receitas legalmente atribuídas ao
Fundo, nada consta a tal respeito.
E nem é legítimo entender que uma tal receita poderia estar abrangida pela "cláusula geral" contida nas al. f) do artigo 38º do Decreto-Lei nº 268/81, pois que a atribuição aí prevista sempre teria de resultar de norma legal especial nesse sentido - a qual, no presente, não existe.

5

Em conclusão:

1ª - Reafirma-se a doutrina do parecer deste
Conselho nº 66/95, ou seja, a de que os danos causados a terceiros pelos funcionários ou agentes da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no exercício das suas funções, e que sejam imputados à responsabilidade do Estado, devem ser ressarcidos por força da verba inscrita no capítulo «Despesas comuns: do Orçamento do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 74/70, de 2 de Março (redacção do Decreto-Lei nº 793/76, de 5 de Novembro);

2ª - Esta doutrina é aplicável à matéria do requerimento de (...) e filho, se efectivamente a sentença a que se refere houver transitado em julgado e for do teor dele constante.


1 ) Publicado no Diário da República, II Série, de 23 de
Janeiro de 1996, e que é do seguinte teor:
" Desp. 8/96-XIII. - 1 - Foi presente ao Ministério das Finanças pela Provedoria de Justiça uma reclamação de Ana Paula Magalhães Gouveia contestando o facto de ainda não lhe ter sido paga pelo Estado a indemnização que lhe foi atribuída no processo n.º 187/88, que corre termos no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra.
Esta indemnização ascende ao montante de 7.600.000$, acrescido de juros de mora, e fundamenta-se no facto de ter sido atingida na cabeça por um projéctil disparado por uma arma de um guarda prisional.
Os factos tiveram lugar em 25-10-78, ou seja, há mais de 17 anos.
2 - A falta de pagamento e, em consequência,de execução da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, resulta de uma divergência entre a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças quanto à entidade responsável pelo pagamento da mencionada indemnização.
Para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o pagamento deve ser efectuado pelo orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 1.º do Dec.-Lei 74/70, de 2-3. Para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais é um serviço com receitas próprias, na medida em que administra o Fundo de
Fomento e Assistência Prisional (arts. 2.º e 37.º a 42.º do Dec.-Lei 268/81, de 16-9), pelo que o Dec.-Lei 74/70 não lhe é aplicável, ex vi art. 4.º, n.º 1.
Assim, para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais deverá inscrever em rubrica própria do orçamento do Fundo de Fomento e Assistência Prisional verbas destinadas a satisfazer os encargos que lhe advenham do pagamento de quantias arbitradas em sentença judicial com trânsito em julgado.
Este entendimento da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças foi sancionado por despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 25-8-95.
3 - Sem prejuízo das divergências de entendimento da lei estabelecidas entre os serviços e que agora não importa apreciar, a verdade é que os danos sofridos pela lesada se encontram há mais de dezassete anos por indemnizar, a sentença do Tribunal Administrativo transitada em julgado está por cumprir e o Estado surge aos olhos da lesada e da opinião pública em geral como uma pessoa que não cumpre as suas obrigações. Realmente, o que está em causa no presente processo é, em última análise, a garantia dos direitos do cidadão e o cumprimento por parte do Estado das suas obrigações, elementos que, enquanto tais, integram o conceito de Estado de direito democrático.
4 - Assim, e tendo em conta o que antecede, determino o seguinte:
4.1 - Que seja efectuado o pagamento da indemnização devida a Ana Paula Magalhães Gouveia, no valor de 7.600.000$, acrescida dos juros de mora, nos termos do art. 1º, n.º 1, al. c), do Dec.-Lei 74/70, de 2-3, mediante as verbas para o efeito inscritas no orçamento do Ministério das Finanças.
4.2 - Que seja remetido o presente processo ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República para, com carácter de urgência e ao abrigo do disposto no art. 34º, al. a), da Lei 47/86, de 15-10, emitir parecer quanto à matéria de legalidade em causa, o qual se destina a ser homologado nos termos do art. 40º do mesmo diploma, operando-se depois as eventuais compensações entre os serviços quanto a este assunto.
4.3 - Quanto ao processos pendentes da mesma natureza, devem os mesmos aguardar a prolação do parecer solicitado nos termos do número anterior.
4.4 - É revogado oficiosamente, nos termos dos arts. 138.º, 140.º, n.º 1, e 142.º do Código do Procedimento Administrativo, o despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 25-8-95 que incidiu sobre este assunto.
4.5 - Comunique-se o conteúdo deste despacho à Provedoria de Justiça e à lesada.
9-1-96. - O Ministro das Finanças, António Luciano Pacheco de Sousa Franco."
2)- Ofício do Chefe de Gabinete do Procurador Geral da República nº 09962, de 24 de Julho de 1996.
3)- Ofício nº 4770, de 10 de Setembro de 1996.
4)- O parecer nº 66/95 já fora também homologado por Sua Excelência o Ministro da Justiça, por despacho de 19 de Junho de 1996.
5) Na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 793/76, de 5 de Novembro.
6) Trata-se de lapso evidente. Em vez de "artigo", deverá ler-se "número".
7) A situação concreta em apreciação também poderia enquadrar-se na alínea c) desse preceito, por já existir sentença de condenação do Estado a pagar a indemnização pretendida. Tal como no parecer deste Conselho nº 66/95, apreciar-se-á, contudo, a questão geral posta na consulta face à alínea d) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 74/70, por estarem em causa indemnizações devidas pelo Estado por danos causados a terceiros. É que, por um lado, as condenações previstas na alínea c) podem reporta-se a dívidas que não de indemnização. E, por outro lado, o Estado pode, mesmo que não condenado, decidir pagar uma tal indemnização espontaneamente, ou mediante transacção extra-judicial.
8) "Dicionário Jurídico da Administração Pública", 2ª ed., 1990, págs. 611-612.
9) Era entendimento comum o de que a autonomia financeira implicava, necessariamente, também a titularidade de autonomia administrativa.
10) Sousa Franco, "Finanças Públicas e Direito Financeiro", vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1996, pág. 328, com a anotação de que, nos últimos tempos da vigência desse regime, e dada a frequência com que - por diplomas legais - eram adoptadas, a autonomia administrativa e a financeira teriam passado, de sistemas excepcionais, a meramente especiais.
11) Este diploma revogou e substituíu o Decreto-Lei nº 41375.
12) Op. cit., vol II, pág. 369.
13) Ob. cit., pág. 383.
14) V. Roberto Pinto e Alberto Ferreira, "Organização Prisional", Coimbra, 1955, pág. 512.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART108 N2 A.
DL 74/70 DE 1970/03/02 ART1 N1 ART3 N1 ART4.
L 8/90 DE 1990/02/20 ART2 N1 N2 N3 N4 ART6 N1-N5 ART9.
DL 742/74 DE 1974/12/27.
DL 459/82 DE 1982.
DL 793/76 DE 1976/06/02.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART12.
DL 41375 DE 1957/11/19 ART1 PAR1 PAR2.
DL 268/81 DE 1981/09/16 ART2 ART11 A ART37-ART40.
DL 459/82 DE 1982/11/26 ART2 ART3 ART4 ART43 N1 N2 ART56 ART57 N1 N2.
DL 40876 DE 1956/11/24 ART8 ART16.
DL 21175 DE 1932/04/28 ART4.
DL 158/96 DE 1996/09/03 ART11 N2.
DL 211/79 DE 1979/07/12 ART2.
DL 45/95 DE 1995/03/02 ART2.
DL 50/96 DE 1996/05/16 ART2.
D 26643 DE 1936/05/28 ART408.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR FINANC / DIR PENIT / DIR CIV * TEORIA GERAL.
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