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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
45/1994, de 10.11.1994
Data do Parecer: 
10-11-1994
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
INCOMPATIBILIDADE
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
DIRECTOR-GERAL
SUBDIRECTOR-GERAL
CARGO POLÍTICO
ALTO CARGO PÚBLICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
DIREITO TRANSITÓRIO
RETROACTIVIDADE IMPRÓPRIA
PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
RETROACTIVIDADE DA LEI
IMPARCIALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
Conclusões: 
1 - As normas da Lei n 64/93, de 26 de Agosto, que criam ou alargam incompatibilidades em relação à Lei n 9/90, de 1 de Março, são aplicáveis às situações de exercício cumulativo de funções existentes à data da sua entrada em vigor;
2 - A aplicação das referidas normas, apesar dos seus efeitos retrospectivos, não afecta de forma inadmissível os princípios da confiança e segurança jurídica ínsitas no conceito de Estado de direito democrático a que se reporta o artigo 2 da Constituição da República Portuguesa, nem infringe o estatuído no seu artigo 18, n 3;
3 - O Decreto-Lei n 413/93, de 23 de Dezembro, não revogou a Lei n 64/93, de 26 de Agosto, designadamente na parte relativa ao regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável ao pessoal dirigente titular de altos cargos públicos.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:
I
Em parecer do Centro Jurídico da Presidência do Conselho de Ministros conclui-se que a Lei nº 64/93, de
26 de Agosto, não é aplicável aos titulares dos cargos nela referidos em exercício de funções à data da sua entrada em vigor na parte em que estabelece um regime de incompatibilidades e impedimentos mais exigente do que aquele que vigorava antecedentemente, e que o Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro, revogou aquela lei no tocante ao regime aplicável aos titulares de altos cargos públicos abrangidos pelo Decreto-Lei nº 323/89 - directores-gerais, subdirectores-gerais e equiparados.
Em informação elaborada no Gabinete de Vossa Excelência concluiu-se, porém, em termos opostos aos do supracitado parecer.
Considerada a relevância da problemática em causa e a divergência da interpretação indicada, determinou
Vossa Excelência a emissão de parecer pelo Conselho Consultivo.
Cumpre, pois, emiti-lo.
II
São objecto do parecer as questões de saber: a) se a Lei nº 64/93 é ou não imediatamente aplicável aos titulares dos cargos nela referidos em exercício de funções à data da sua entrada em vigor; b) e se o Decreto-Lei nº 413/93 derrogou ou não aquela lei no que concerne ao regime aplicável aos titulares de altos cargos públicos abrangidos pelo Decreto-Lei nº 323/89.
A solução das referidas questões pressupõe, fundamentalmente, a análise das normas da Lei nº 64/93 e do Decreto-Lei nº 413/93, com apelo às regras gerais de interpretação e de cessação da vigência das leis.
Em tanto quanto releve para a solução, ter-se-á em conta o normativo constitucional conexo, a sucessão de leis no tempo sobre a matéria, e a Lei nº 55/93, de 6 de Agosto.
III
1. Comecemos pela questão de saber se a Lei nº
64/93 na parte em que estabelece novas incompatibilidades ou alarga o âmbito das já existentes
é ou não aplicável aos titulares dos cargos nela referidos em exercício de funções à data da sua entrada em vigor.
1.1. O artigo 8º, nº 2, da Lei nº 56/90 continha normas de direito transitório, segundo as quais exceptuava da regra da incompatibilidade até ao final do mandato que decorresse ao tempo do início da sua vigência os presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais, os presidentes dos institutos autónomos, de empresas públicas ou de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, os directores-gerais, subdirectores-gerais ou equiparados, e ainda, quando exercessem funções executivas, os gestores públicos, membros dos conselhos de administração de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos e os vogais das direcções de institutos públicos autónomos.
A Lei nº 64/93 não contém, porém, normas equivalentes às daquela disposição.
Daí que se questione se o novo regime, enquanto cria novas incompatibilidades absolutas ou relativas de exercício de funções, é aplicável às situações existentes aquando do início da sua vigência ou apenas
às situações de investidura posterior nos respectivos cargos (1).
A solução desta questão passa pela interpretação da lei nova, naturalmente com vista à determinação do seu sentido prevalente , incluindo a vertente do seu âmbito de aplicação face às situações constituídas anteriormente ao início da sua vigência e que persistam.
2. À interpretação da lei reporta-se o artigo 9º do Código Civil.
No nº 1 prescreve-se que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, sem prejuízo de o pensamento legislativo dever ser captado a partir dos textos, sobretudo com apelo à unidade do sistema jurídico, ao circunstancialismo da sua elaboração e no condicionalismo específico do tempo em que é aplicada.
No nº 2 estabelece-se, por seu turno, que não deve ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei alguma correspondência verbal ainda que imperfeitamente expressa.
Finalmente o nº 3 dispõe que o intérprete deve presumir, na determinação do sentido prevalente da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, a letra da lei constitui a base de partida para captação do pensamento legislativo, em cuja tarefa intervêm elementos lógicos, designadamente de ordem sistemática, histórica e teleológica.
O elemento sistemático consubstancia-se nas disposições que formam o instituto e o ordenamento jurídico global em que se integram as normas a interpretar.
O elemento histórico tem a ver com a génese das normas interpretandas, designadamente as suas fontes legais e os trabalhos preparatórios.
A história da lei é susceptível de distinguir-se em história próxima e remota por um lado e legal e social por outro (2).
Na história social próxima, quando se trata de diploma emanados da Assembleia da República, relevam os debates parlamentares respectivos.
Tratando-se de decretos-leis, relevam os respectivos preâmbulos que surgem como resumos sintéticos das disposições normativas que integram os diplomas, e, embora não vinculativos de "per se", são
úteis para o entendimento das respectivas normas (3).
Ademais, na interpretação da lei, também assume relevância a occasio legis, isto é, o conjunto de circunstâncias sociais que justificaram a sua emissão.
Vem sendo discutido o valor dos trabalhos preparatórios, isto é, dos trabalhos e estudos que preparam a publicação dos textos legais.
Tem sido afirmado pela doutrina que tais escritos são susceptíveis de revelar as opiniões dos técnicos que intervieram na feitura da lei, "mas não o pensamento do próprio legislador entendido como expressão personificadora da comunidade jurídico-política", e que o mesmo deve ser considerado quando tais trabalhos se traduzem em discursos parlamentares (4).
O elemento teleológico traduz-se nos fins visados pelo legislador com as normas em causa (5).
Em termos históricos sabe-se que a Lei nº 56/90 continha normas de direito transitório, mas os trabalhos preparatórios da Lei nº 64/93 não contêm qualquer referência a esta problemática.
O elemento sistemático não fornece, no caso, qualquer subsídio interpretativo.
O texto da lei não insere qualquer elemento donde se infira determinado sentido do pensamento legislativo.
E o intérprete, na tarefa interpretativa, deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por tudo isto, é de concluir que em sede de estrita interpretação das normas da Lei nº 64/93 não resulta qualquer solução para a problemática em apreço.
A referida questão deve, por isso, ser equacionada no plano das normas gerais sobre aplicação das leis no tempo.
3. Em qualquer situação de aplicação da lei no tempo ocorre conflito de interesses. Dum lado, o interesse público inerente à disciplina inserida pela lei nova, que se presume ser a melhor e, consequentemente, vocacionada para ser aplicada ao maior número possível de situações, e, do outro, o interesse da certeza jurídica, envolvendo o respeito pelas justas expectativas dos particulares criadas no domínio da lei antiga, porventura a justificar restrições na aplicação da lei nova.
O critério determinante da opção pela aplicação da lei antiga ou da lei nova passa, naturalmente, pela determinação do interesse em causa mais relevante (6).
3.1. A intangibilidade do princípio da não retroactividade das leis fez a sua época num quadro jurídico inspirado na doutrina do individualismo, de que irradiava, como corolário, o princípio dos direitos absolutos, imutáveis e intangíveis.
A necessidade de atribuir efeito retroactivo a alguns diplomas legislativos, fosse em situações excepcionais, como as de guerra, fosse em épocas normais para defesa do interesse público, degradaram o princípio da irretroactividade das leis de absoluto em relativo.
Passou, com efeito, a entender-se que as leis não constituem instrumento de exclusiva disciplina para o futuro, que a sua retroactividade se não traduzia no cumprimento de normas ao tempo inexistentes, mas em sujeitar à lei nova factos ocorridos no domínio da lei antiga em conformidade com o interesse de ordem pública
(7).
3.2. A doutrina considera, no plano da retroactividade, três graus de relevância.
O grau máximo ocorre quando a lei nova não salvaguarda nem sequer as situações resolvidas por decisão transitada em julgado ou em que o direito de acção já caducou.
O grau médio verificar-se-á quando a lei nova salvaguarda as situações objecto de decisão transitada em julgado, mas não os efeitos jurídicos por ela produzidos no pretérito, que naquela não hajam sido reconhecidos.
O grau mínimo ou fraco ocorre quando a lei nova respeita, além do mais, os efeitos produzidos pelas situações jurídicas no domínio da vigência da lei antiga
(8).
O princípio da não retroactividade da lei constitui a regra na maioria dos ordenamentos jurídicos.
O conceito de retroactividade tem sido essencialmente definido à luz das doutrinas dos direitos adquiridos e do facto passado.
A primeira configura a irretroactividade da lei nova quando esta viole aqueles direitos, e a segunda quando for aplicável a factos ocorridos anteriormente à sua vigência e aos seus efeitos.
No presente predomina a doutrina do facto passado, temperada pelo princípio da aplicação imediata da lei nova às situações em curso aquando do início da sua vigência (9).
Dispõe, nessa linha, o artigo 12º do Código Civil:
"1.A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
"2.Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor:.
Este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, por várias vezes, que do artigo transcrito ressaltam os princípios da não retroactividade da lei e da sua aplicação imediata (10).
O nº 1 consagra os princípios de que a lei dispõe só para o futuro, se eficácia retroactiva lhe não for atribuída e, de que, neste caso, se presumem salvaguardados os efeitos produzidos pelos factos regulados.
Assim, quanto aos factos regulados pela lei nova ocorridos anteriormente ao início da sua vigência, a regra é a da não retroactividade.
Neste caso, funciona o princípio moderador da excepção em termos de presunção de a retroactividade não abranger os efeitos já produzidos no domínio da lei antiga pelos factos afectados pela lei nova.
O nº 2 distingue, no desenvolvimento do princípio da não retroactividade, as normas que dispõem sobre os requisitos de validade, substancial ou formal, e os efeitos de quaisquer factos, e as que versam sobre o conteúdo de certas relações jurídicas independentemente dos factos que as originaram.
As primeiras só são aplicáveis aos factos que ocorram depois do início de vigência da lei nova, enquanto as segundas se aplicam às situações jurídicas constituídas antes daquela vigência e que então subsistam.
Em síntese, dir-se-á que aos factos constitutivos das várias situações jurídicas é aplicável a lei vigente ao tempo da respectiva constituição, e, ao regime futuro do conteúdo das referidas situações, a lei nova.
Esta forma de aplicação das referidas normas tem sido qualificada de retroactividade imprópria ou inautêntica (11).
Como refere um autor, a eficácia das normas em relação ao passado traduz-se em retroactividade autêntica quando os respectivos efeitos se produzem ex tunc desde certo momento temporal localizado no passado, ou em retroactividade aparente ou inautêntica quando os seus efeitos se produzem ex nunc, para o futuro, mas em termos de afectação de situações jurídicas constituídas e desenvolvidas no passado que persistam (12).
4. O Tribunal Constitucional pronunciou-se, em 26 de Julho de 1990, em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade sobre se a norma que estabelecia a incompatibilidade dos cargos de deputado ao Parlamento Europeu e de presidente da Câmara Municipal por lei de vigência posterior à eleição para o último cargo violava ou não o estatuído nos artigos 18º, nº 3, 48º, 49º e 50º da CRP (13).
Decidiu, por maioria, no sentido da conformidade constitucional da referida norma, fundamentalmente por entender que não era inovatória.
O entendimento que não fez vencimento acentuou que a incompatibilidade operante por referência a mandato constituído em que ela ainda não existia, restringia de forma inadequada o direito de participação política dos cidadãos e o direito de exercício efectivo dos cargos políticos para que foram eleitos, pelo que a norma em causa violava os artigos 18º, nº 3, 48º, 49º e 50º da
CRP.
Em 10 de Dezembro de 1992, em sede de fiscalização abstracta sucessiva, voltou o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a mesma questão, agora relativamente ao artigo 1º da Lei nº 56/90, na parte em que dera nova redacção ao nº 2 do artigo 7º da Lei nº 9/90, considerando-o violador do disposto nos artigos 2º, 18º, nºs 2 e 3, 48º, nº 1, 49º, nº 1, 50º, nº 1, da CRP (14).
Acentuou, em síntese, a ideia de que a norma legal criadora de uma incompatibilidade aplicável de imediato aos titulares de cargos políticos com mandato de fonte electiva que se encontravam no exercício cumulado de funções permitido pela lei anterior ser restritiva e inconstitucional.
5. Os titulares de altos cargos públicos que com eles acumulem outras funções públicas ou privadas não gozam, naturalmente, de um direito subjectivo relativamente a situações de acumulação.
Com efeito, o artigo 265º, nºs 4 e 5, da Constituição consagra o princípio da excepcionalidade da acumulação de cargos públicos.
O legislador ordinário é livre, isto é, sem violar normas ou princípios constitucionais, de modificar as normas relativas a incompatibilidades em sentido mais restritivo da possibilidade de acumulação.
Questionar-se-á, no entanto, se o legislador poderá legalmente, através da proibição veiculada pela lei nova, afectar uma situação de acumulação autorizada pela lei antiga.
Com efeito, dir-se-á que tendo o titular de certo cargo aceite essa investidura por configurar a possibilidade de exercer as funções de um outro cargo por determinado período que lhe trazia vantagem remuneratória, a superveniência legal da incompatibilidade aplicável à situação ofenderia expectativas do visado.
Nesta perspectiva, a aplicação da lei nova restritiva a situações de acumulação iniciadas licitamente no domínio da lei antiga, ofenderia os princípios da segurança e da confiança jurídicas.
Como já se salientou, a aplicação do novo regime de incompatibilidades às relações jurídicas constituídas anteriormente ao início da sua vigência e então subsistentes não significa retroactividade em sentido próprio, mas tão-só o que a doutrina designa por retroactividade inautêntica.
O artigo 18º, nº 3, da Constituição prescreve que
"as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
O fim do referido normativo de as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não terem efeito retroactivo liga-se, como referem dois autores,
"intimamente à ideia de protecção da confiança e da segurança dos cidadãos, defendendo-os contra o perigo de verem atribuir aos seus actos passados ou a situações transactas efeitos jurídicos com que razoavelmente não podiam contar"...consubstanciando "um dos traços do princípio do Estado de direito democrático constitucionalmente afirmado no artigo 2º" (15).
O Tribunal Constitucional tem vindo a entender que só a irretroactividade intolerável, isto é, a que afectasse de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos violaria os princípios da confiança e da segurança jurídica ínsitos na ideia de Estado de direito democrático (16).
E, em desenvolvimento daquele entendimento, tem concluído que "não será intolerável ou inadmissível algum efeito que aos olhos do cidadão se há-de ter como verosímil ou mesmo como possível, e com o qual, consequentemente, de uma forma razoável e avisada se poderia ou deveria contar"(17).
É indubitável que a aplicação da Lei nº 64/93 às situações de acumulação de cargos públicos constituídas ao abrigo da Lei nº 9/90 atinge as expectativas dos respectivos titulares.
As situações de acumulação de cargos admitidas pela Lei nº 9/90 configuravam-se, porém, face às correspondentes normas constitucionais como transitórias e excepcionais.
O novo estatuto de incompatibilidades a que se reporta a Lei nº 64/93, incluindo a vertente da omissão de um regime de direito transitório que salvaguardasse as situações de acumulação subsistentes à data do início da sua vigência, não pode ser tido como inesperado ou não razoavelmente previsível.
Daí que a sua aplicação imediata às situações de acumulação constituídas no domínio de vigência da Lei nº
9/90, ainda que em termos de logo as fazer cessar, não viole de modo inadmissível os princípios da confiança e da segurança jurídica ínsitos na ideia de Estado de direito democrático.
E consequentemente não violem o disposto na Constituição, designadamente o estatuído nos seus artigos 2º e 18º, nº 3.
À guisa de conclusão dir-se-á que as normas da Lei nº 64/93, enquanto estabelecem novas incompatibilidades ou alargam o âmbito das já existentes, são aplicáveis às situações de acumulação subsistentes à data da sua entrada em vigor (18).
IV
1.1. MARCELLO CAETANO definiu incompatibilidade como a "impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou que se encontre em algumas das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei".
Depois de afirmar que as incompatibilidades ou são comuns a todas as funções públicas ou especiais de certo cargo ou função, classificou-as aquele autor em naturais e morais por um lado, e absolutas e relativas por outro.
Definiu incompatibilidades naturais "as que resultam da impossibilidade material de desempenhar simultaneamente dois cargos ou duas actividades dentro das mesmas horas de serviço, em diferentes localidades ou dentro da mesma hierarquia", e, morais, "as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados em cuja dependência se encontrasse, em virtude de prestar serviços remunerados a particulares ou por estar ligado por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos, para seu proveito pessoal".
Caracterizou, finalmente, as incompatibilidades absolutas e relativas, respectivamente, como sendo "as que não podem ser removidas, forçando o funcionário a optar por um dos cargos incompatíveis", e "as que podem ser removidas mediante obtenção de autorização, dada pela autoridade competente, para o exercício dos dois cargos ou de um cargo e de uma actividade privada ..."
(19).
As normas que provêem sobre incompatibilidades funcionais em relação aos titulares de cargos políticos e da administração pública, cominam-lhes deveres de natureza negativa que constituem limites à acumulação.
Se a incompatibilidade não for legalmente susceptível de remoção, vedada está a possibilidade de acumulação (20).
A motivação das normas legais sobre incompatibilidades respeitantes ao exercício de cargos assenta, fundamentalmente, na ideia de que duas ou mais funções não podem ser exercidas, convenientemente, pela mesma pessoa.
A este propósito referiu-se, em parecer deste corpo consultivo: "pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a normalidade, objectividade e serenidade que lhe deve imprimir o cariz indiscutível do interesse geral e que mais não é do que a afloração, no Estado democrático de direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de confronto entre o interesse próprio, de natureza pessoal, e o interesse do Estado ou dos entes públicos que representam e lhes cumpre defender" (21).
1.2. O artigo 269º da Constituição da República Portuguesa estabelece, nos nºs 1, 4 e 5, a propósito de acumulação e incompatibilidades, o seguinte:
"1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como
é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração".
........................................................
....................................................
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades" .
O transcrito normativo não proíbe, em absoluto, seja a acumulação de cargos públicos seja a acumulação de cargos públicos com actividades privadas. Estabelece, tão só, no que concerne à acumulação dos cargos públicos, que a regra é a proibição e a permissão a excepção, deixando para a lei ordinária o estabelecimento do regime legal das acumulações e incompatibilidades entre cargos públicos e privados.
2. Na sequência deste preceito da lei fundamental, o artigo 12º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, primeiro, e os artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, depois, estabeleceram o regime de incompatibilidades gerais da função pública, e o artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, disciplinou a referida matéria no que concerne ao pessoal dirigente, além do mais, da administração central do Estado (22).
Nos termos do artigo 2º, nº 2 deste último diploma, são considerados cargos dirigentes os de director-geral, subdirector-geral, director de serviços e chefe de divisão, bem como os cargos a estes legalmente equiparados.
Na economia do parecer não releva a análise das referidas normas gerais sobre incompatibilidades dos funcionários e agentes da Administração Pública, mas assume interesse, para o efeito, a análise do regime constante do Decreto-Lei nº 323/89.
2.1. O artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89 estabelece, sob a epígrafe "Regime de exclusividade":
"1. O pessoal dirigente exerce funções em regime de exclusividade, não sendo permitido, durante a vigência da comissão de serviço, o exercício de outros cargos ou funções públicas remunerados, salvo os que resultem de inerências ou de representação de departamentos ministeriais ou de serviços públicos e bem assim do exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
"2. O disposto no número anterior não abrange as remunerações provenientes de: a) Direitos de autor; b) Realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza; c) Actividade docente em instituições de ensino superior, não podendo o horário em tempo parcial ultrapassar um limite a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação; d) Participação em comissões ou grupos de trabalho, quando criados por resolução ou deliberação do Conselho de Ministros; e) Participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei e no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
"3. Não é permitido o exercício de actividades privadas pelos titulares de cargos dirigentes, ainda que por interposta pessoa, excepto em casos devidamente fundamentados, autorizados pelo membro do Governo competente, o qual só será concedido desde que a mesma actividade não se mostre susceptível de comprometer ou interferir com a isenção exigida para o exercício dos mencionados cargos.
"4. A violação do disposto neste artigo constitui fundamento para dar por finda a comissão de serviço, nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 7º"(23).
2.2. Na primeira parte do nº 1 consagra-se a regra de que o pessoal dirigente exerce as suas funções em regime de exclusividade, explicitando, como seu corolário, a proibição do exercício de outros cargos ou funções públicas remunerados.
Na segunda parte da referida disposição estabelece- se a limitação do alcance proibitivo da acumulação de cargos públicos através da excepção relativa ao exercício da actividade remunerada resultante de inerência funcional, representação de departamentos ministeriais ou de serviços públicos, fiscalização ou controlo de dinheiros públicos e em comissões ou grupos de trabalho criados pelo Conselho de Ministros.
O nº 2, ampliando as excepções previstas na segunda parte do nº 1, permite que o pessoal dirigente exerça a actividade remunerada relativa à criação intelectual, a curtas intervenções expositivas ou didácticas, à docência de ensino superior em tempo limitado e à participação em órgãos legalmente previstos no exercício de funções de controlo de dinheiros públicos e em comissões ou grupos de trabalho criados pelo Conselho de Ministros.
O nº 3 consagra a regra geral de proibição da acumulação de cargos públicos com actividades privadas, mas prevê excepções de exercício justificado e autorizado pelo membro do Governo competente.
No nº 4 prescreve-se que a violação das regras proibitivas de acumulação de cargos públicos e destas com actividades privadas constitui fundamento de cessação da comissão de serviço dos titulares dos cargos dirigentes em causa.
3. Analisemos agora o regime de incompatibilidades que constava da Lei nº 9/90, de 1 de Março, começando pela norma constitucional que lhe serviu de suporte jurídico.
3.1. O artigo 120º da Constituição da República Portuguesa - CRP -, na versão resultante da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, que se reporta ao estatuto dos titulares de cargos políticos - estabelece, sob o nº 2, que "a lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades" .
Assim, nesta matéria, para além do disposto no artigo 269º, a CRP só remeteu especificamente para a lei ordinária, nos termos do seu artigo 120º, a disciplina das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos.
A lei ordinária inseriu, porém, não só o regime de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, como também o regime dos titulares de altos cargos públicos.
3.2. A definição do regime de incompatibilidades no exercício de cargos políticos, a que a citada disposição constitucional se refere, bem como dos titulares de altos cargos públicos, constou, como já foi referido, primeiramente da Lei nº 9/90, alterada pela
Lei nº 56/90, de 5 de Setembro.
Considerava titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e os membros do Governo, o Ministro da República para as regiões autónomas, os Membros do governo regional, o Alto-Comissário contra a Corrupção, os Membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o Governador e o Vice-Governador civil, o Governador e o secretário-adjunto do governador de Macau, o presidente e os vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais, o presidente de instituto público autónomo, de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, o gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e o vogal da direcção de instituto público autónomo, desde que exercessem funções executivas, e o Director-Geral e subdirector- geral ou equiparado (artigo 1º, nº 1).
Estabelecia que a titularidade dos cargos acima enumerados implicava, durante a sua pendência, para além das previstas na Constituição, as seguintes incompatibilidades:
"a) O exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derive do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional; b) A integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou quaisquer outras empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público; c) O desempenho de funções em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado; d) A detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público" (artigo 2º).
Elencava, além do mais, as seguintes excepções:
- actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções, salvo no caso de participação superior a 10% em empresas que contratassem com a entidade pública na qual o titular desempenhasse o seu cargo.
- exercício de funções docentes no ensino superior e de investigação científica ou similar, nos termos previstos à data da entrada em vigor da lei, pelo Alto Comissário Contra a Corrupção, membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, governador e vice- governador civil, presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais, presidente de instituto público autónomo, de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, gestor público, membro do conselho da administração de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e vogal da direcção de instituto público autónomo desde que exercessem funções executivas e director-geral e subdirector-geral ou equiparado (artigo 4º) (24).
Além disso, podiam os directores-gerais, subdirectores-gerais ou equiparados ter participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou de outros organismos colegiais quando previstos na lei, no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos, e o gestor de empresa pública ou de empresa de capitais maioritariamente públicos desempenhar funções em órgãos sociais de empresas a ela associadas (nºs 3 e
4 do artigo 4º).
4. Vejamos agora o regime de incompatibilidades relativas ao pessoal de livre designação pelos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
4.1. A Lei nº 9/90 determinou que o Governo estabelecesse o referido regime, o qual se desincumbiu desta missão através do Decreto-Lei nº 196/93, de 27 de
Maio, que visou garantir "a inexistência de conflito de interesses gerados pelo exercício cumulativo das funções para que foram nomeados e de outras actividades profissionais de índole pública ou privada" (25).
O referido diploma define, pois, o regime de incompatibilidades relativo aos titulares de cargos cuja nomeação assente no princípio de livre designação, seja fundamentada por lei em razão de especial confiança e que exerçam funções de maior responsabilidade (artigo
1º).
É aplicável aos titulares dos cargos que integram o Gabinete do Presidente da Assembleia da República e de apoio aos grupos parlamentares, do Primeiro-Ministro, de membros do Governo, Ministro da República para as Regiões Autónomas, dos Governos Regionais, dos governadores e vice-governadores civis, e de apoio dos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais, ou equiparados (artigo 2º).
4.2. Às incompatibilidades reporta-se o artigo 3º, nºs. 1 e 2, do seguinte teor:
"1 - A titularidade dos cargos a que se refere o artigo anterior é incompatível: a) Com o exercício de quaisquer outras actividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo as que derivem do exercício do próprio cargo; b) Com o exercício de funções executivas em órgãos de empresas públicas, de sociedades de capitais maioritariamente públicos ou concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou de quaisquer outras pessoas colectivas intervenientes em contratos com o Estado e demais entes de direito público; c) Com o exercício de direitos sociais relativos a participações correspondentes a mais de 10% no capital de sociedades que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços e em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público.
"2 - Exceptuam-se do disposto na alínea a) do número anterior, quando autorizadas no despacho de nomeação: a) As actividades docentes em instituições de ensino superior; b) As actividades compreendidas na respectiva especialidade profissional prestadas, sem carácter de permanência, a entes não pertencentes ao sector de actividade pelo qual é responsável o titular do departamento governamental em causa.
A regra geral que resulta da alínea a) do nº 1 é, pois, no sentido de que a titularidade dos cargos em análise é incompatível com o exercício de quaisquer outras actividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou não, que não derivem do exercício do próprio cargo.
A proibição não abrange a actividade profissional pública ou privada, inerente ao cargo referencial, ainda que seja remunerada.
Os termos desta disposição são susceptíveis de permitir a conclusão de que o conceito de profissão pode não implicar contrapartida remuneratória.
A excepção ao referido regime-regra de proibição a que se reporta o nº 2 da disposição em análise pressupõe a autorização pelos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos previstos no artigo 2º para o exercício do núcleo de actividades a que se reporta.
Trata-se, por um lado, de funções docentes, ainda que remuneradas, de ensino superior, público ou não, e, por outro, de actividades profissionais não permanentes desde que prestadas a quem não se integre no sector de actividade da responsabilidade do respectivo titular do departamento em causa.
Ademais, é especificamente proibido o exercício cumulativo de funções executivas em órgãos das empresas, sociedades e pessoas de direito público, e de direitos sociais correspondentes a mais de 10% em sociedades que participem em concursos públicos.
As normas de direito transitório constam do nº 3 do artigo 3º e dos nºs 2 e 3 do artigo 4º.
Nos termos da primeira das referidas disposições impunha-se a alteração dos despachos de nomeação proferidos aquando do início da vigência deste diploma relativos a pessoas que devessem iniciar depois disso as funções excepcionadas da proibição.
Os assessores ou conselheiros técnicos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos em funções aquando do início da vigência do diploma que exercessem qualquer das funções de acumulação proibida ou condicionalmente admitida nos termos dos nºs. 1 e 2 do artigo 3º deviam apresentar, em 30 dias, a declaração de inexistência de conflito de interesses (nºs 2 e 3 do artigo 4º).
V
1. O regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos consta actualmente da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto (artigo 1º, nº 1) (26).
Esteve essencialmente na sua origem o Projecto de
Lei nº 331/VI, em cujo exórdio se assinalaram as ideias que o enformavam (27).
Acentuou-se que a conservação dos lugares na Administração depende de os titulares dos diferentes cargos deverem estar sujeitos a um regime de incompatibilidades e impedimentos para evitar o incumprimento do princípio da imparcialidade da Administração, e que esse regime apenas impede que o titular de um lugar, a verificar-se a situação incompatível, conserve o cargo se não renunciar às funções que a lei expressamente considere incompatíveis.
Noutro passo observou-se que as incompatibilidades são condição de manutenção nos cargos, cujo exercício visam proteger, pelo que não impedem a candidatura aos mesmos e, por princípio, não operam a sua cessação se os visados preferirem sacrificar a outra actividade pública ou privada não acumulável.
A título de explicação do sentido das alterações acentuou-se a intencionalidade de clarificar o objecto e o âmbito de aplicação da lei, sem visar a alteração dos princípios que, no plano substantivo, regiam a matéria.
Afirmou-se, ademais, a intenção de equiparar aos altos cargos públicos os administradores das sociedade anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos por serem designados por pessoas colectivas de direito público e gerirem os seus bens.
No quadro das inovações e no plano dos princípios afirmou-se:
- a inovação relativa ao reforço do princípio da exclusividade, impedindo-se a acumulação de cargos políticos com outras funções profissionais, mesmo que não remuneradas, e com funções nos cargos sociais de quaisquer pessoas colectivas, admitindo-se embora que a argumentação justificativa não colhe de igual modo para todas, designadamente para mesas de assembleias gerais de instituições particulares sem fins lucrativos;
- a inibição temporária, embora com uma duração menor que a imposta noutros ordenamentos jurídicos, do exercício de cargos em empresas privadas após a cessação de funções políticas em casos expressamente referidos, com o que se pretende evitar situações de parcialidade, traduzidas na atribuição de benefícios às mesmas, movida pela procura de um interesse pessoal com o possível prejuízo do interesse público;
- a admissão da acumulação de cargos executivos autárquicos com outra actividade, desde que não haja legislação especial que o proíba e desde que, em face de um processo fundamentado e público, tal seja objecto de uma autorização por parte da respectiva assembleia municipal.
E no que concerne à função pública, afirmou-se que se mantém em vigor o princípio da não acumulação com outras funções remuneradas, com excepção do ensino superior e investigação, dado que os professores exercem a sua profissão com toda a independência, mas que se permitia nos membros do conselho de administração das sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos acumularem outras funções sob autorização.
Na discussão do referido projecto de lei salientou- se que no plano substantivo se tinham como pontos significativos e decisivos a destrinça entre o elenco de titulares de cargos públicos e o alargamento no domínio destes à integração em sociedades anónimas de capitais maioritariamente públicos, o que até então apenas se aplicava às sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, e que isso constituía uma melhoria, um alargamento ou um fechamento de incompatibilidades, ao encontro de uma lógica de exclusividade tendente a evitar a acumulação de cargos públicos e de cargos privados, e que se consagrava, de forma nítida, a ideia genérica da exclusividade de funções dos titulares de cargos públicos (28).
2. Esta lei regula, em artigos distintos, ao contrário da Lei nº 9/90, a situação dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Para os seus efeitos são considerados titulares de cargos políticos o Presidente da República, o Primeiro- Ministro e os outros membros do Governo, os Ministros da República para as Regiões Autónomas, os membros do Governo Regional, o Provedor de Justiça, o Governador e o Secretário-Adjunto do Governo de Macau, o Governador e o Vice-Governador Civil e o presidente e o vereador a tempo inteiro das câmaras municipais (artigo 2º).
Em relação à Lei nº 9/90, o artigo 2º acrescentou o novo titular do cargo político Provedor de Justiça e deixou de se integrar no elenco o titular do cargo Alto- Comissário Contra a Corrupção, naturalmente porque fôra extinto.
Exercem as suas funções em regime de exclusividade, isto é, a titularidade dos referidos cargos é incompatível com quaisquer outras funções profissionais, remuneradas ou não, bem como com a sua integração em corpos sociais de empresas públicas ou privadas e demais pessoas colectivas, salvo as que prossigam fins não lucrativos, e exceptuando as funções ou actividades derivadas do cargo e as exercidas por inerência (artigo 4º).
Não podem exercer, durante um ano contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado se no período do mandato houvessem sido objecto de operações de privatização ou beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e de benefícios fiscais de natureza contratual (artigo
5º).
Estão, além disso, impedidos, até um ano após a cessação de funções, de servir de árbitros ou peritos, a título gratuito ou remunerado, em qualquer processo em que seja parte o Estado e demais pessoas colectivas públicas (artigo 9º).
3. Nos termos do artigo 3º, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados para efeitos desta lei:
"a) O presidente de instituto público, fundação pública, estabelecimento público, bem como de empresa pública e de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação; b) O gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, e vogal da direcção de instituto público, nas modalidades referidas na alínea anterior, qualquer que seja a sua titularidade, desde que exerçam funções executivas; c) O director-geral e o subdirector-geral ou o titular de cargo cujo estatuto seja àqueles equiparado em razão da natureza das funções; d) O membro em regime de permanência e a tempo inteiro de entidade pública independente prevista na Constituição ou na lei".
No que concerne aos titulares de altos cargos públicos, a lei actual acrescentou ao elenco o presidente de fundação pública, de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, o membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, e inseriu-se o qualificativo "designado por entidade pública" relativamente ao membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos.
4. Quanto a incompatibilidades funcionais dos titulares de altos cargos públicos regem os artigos 7º e
9º, o primeiro do seguinte teor:
"1 - A titularidade de altos cargos públicos implica a incompatibilidade com quaisquer outras funções remuneradas.
2 - As actividades de docência no ensino superior e de investigação não são incompatíveis com a titularidade de altos cargos públicos, bem como as inerências a título gratuito.
3 - Os titulares de altos cargos públicos em sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos podem requerer que lhes seja levantada a incompatibilidade, solicitando autorização para o exercício de actividades especificamente discriminadas às entidades que os designaram.
4 - As situações previstas no número anterior devem ser fundamentadamente autorizadas pela assembleia geral da empresa devendo a acta, nessa parte, ser publicada na 2ª série do "Diário da República".
A regra é, pois, a de que a titularidade de cargos públicos é incompatível com o exercício de quaisquer outras funções remuneradas.
As excepções à referida regra situam-se em três áreas.
Em primeiro lugar, avulta a da compatibilidade da titularidade de altos cargos públicos com o exercício de actividades de docência no ensino superior ou de investigação.
Em segundo lugar a lei excepciona da proibição a cumulação de altos cargos públicos com o exercício, a título gratuito, de funções àqueles inerentes.
Finalmente, os membros dos conselhos de administração de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos têm a faculdade de conseguir o levantamento da incompatibilidade em causa, solicitando às entidades designantes autorização para o exercício de outras actividades especificamente discriminadas.
VI
1. A Lei nº 55/93, de 6 de Agosto, autorizou o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da administração pública central, regional e local (artigo 1º).
Por força do estatuído no artigo 2º a referida revisão tinha por finalidade "... assegurar a prevenção de conflitos de interesses não cobertos pelo actual regime de incompatibilidades, impedimentos e suspeições".
O artigo 3º, que se reporta às situações que as normas editandas deviam visar, é do seguinte teor:
"1º - As normas a aprovar pelo Governo terão especialmente em vista as situações em que os titulares de órgãos, funcionários e agentes, pessoalmente ou através de sociedades: a) Desenvolvam actividades privadas concorrentes, similares ou potencialmente conflituais com as funções que exercem na Administração Pública; b) Prestem serviço no âmbito do estudo, financiamento ou preparação de projectos, candidaturas e requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão, à do serviço em que estejam integrados ou à de órgãos ou serviços colocados na sua dependência ou sob sua directa influência. c) Tenham interesse ou possam beneficiar pessoal e indevidamente de actos e contratos em que intervenham órgãos ou serviços colocados na sua dependência ou sob sua directa influência.
2 - No âmbito das situações descritas no número anterior, o Governo determinará o círculo de interesses, nomeadamente familiares e societários, que devam ser equiparados ao interesse pessoal dos titulares de órgãos, funcionários e agentes, bem como as obrigações, positivas e negativas, a que estes últimos deverão encontrar-se sujeitos".
O artigo 4º reporta-se à autorização de regulação do processo de autorização para a acumulação de funções nos termos seguintes:
"Fica também o Governo autorizado a regular o processo de autorização para acumulação de funções, especificando o conteúdo obrigatório do respectivo requerimento e fazendo depender a acumulação, no âmbito da administração central, de autorização concedida pelo membro do Governo competente, sob proposta fundamentada do dirigente máximo do serviço.
O artigo 5º, que se refere à autorização de alteração do Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública e à definição da competência autárquica para autorizar a acumulação de funções, é do seguinte teor:
"1 - Fica o governo igualmente autorizado a introduzir no Estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública disposições tendentes a efectivar a responsabilidade dos mesmos dirigentes pela aplicação aos funcionários e agentes que deles dependam do regime de incompatibilidades e outras garantias de isenção, podendo, para o efeito, ser cominada, como sanção, a cessação da respectiva comissão de serviço.
2 - O Governo definirá a quem caberá exercer, no âmbito do executivo das autarquias locais, a competência para autorizar a acumulação de funções".
O artigo 6º, que versa sobre a autorização para a definição das penas disciplinares, é, por seu turno, do seguinte teor:
"Fica ainda o Governo autorizado a determinar, de entre as penas e com os critérios previstos no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública, as sanções aplicáveis aos casos de incumprimento das normas a que se refere a presente lei" (29).
2. Na exposição de motivos da correspondente proposta de lei referiu-se, em síntese, o seguinte:
- o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública qualifica como infracção disciplinar "o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de alguns deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce", e impõe a todos os trabalhadores da Administração Pública o dever de isenção que consiste "em não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras das funções que exerce, actuando com independência em relação aos interesses e pressões particulares de alguma índole na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos";
- constam dos artigos 4º e 12º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, e complementarmente dos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, "normas que apontam para o reforço da deontologia do serviço público e para o exercício de funções públicas com carácter de exclusividade, para a excepcionalidade da acumulação de funções, quer públicas quer privadas, e para a indispensabilidade de autorização prévia para os casos excepcionais em que é permitida a acumulação;
- vale hoje genericamente, quanto ao sistema de impedimentos e suspeições e à correspondente garantia de imparcialidade no exercício de funções públicas, o disposto nos artigos 44º a 51º do Código do Procedimento Administrativo;
- acrescem a estes imperativos, no caso dos dirigentes, os que constam do artigo 9º do Decreto-
Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, e quanto aos directores-gerais, subdirectores-gerais e equiparados, as Leis nºs 9/90, de 1 de Março, e 56/90, de 5 de Setembro;
- apesar dos referidos requisitos legais, "o quotidiano remete-nos para uma realidade que aponta áreas de actuação que constituem malhas não claramente suportadas pela legislação, permitindo interpretações laxistas e menos rigorosas, que deixam na dúvida situações em que poderão ser levantadas questões referentes ao dever de isenção e à existência de conflitos de interesses, decorrentes não só do exercício de uma actividade mas também da confluência de interesses financeiros ou patrimoniais, directos ou indirectos";
- não pode esquecer-se a "importância decisiva que assume a obtenção de um elevado padrão ético no funcionamento da Administração Pública, enquanto expressão e garantia do empenhamento dos seus agentes na resposta a uma exigência crescente de qualidade do serviço por ela prestado aos cidadãos";
- importa "insistir em aspectos relevantes de clarificação de regras e de determinação de condutas, mediante a adopção de soluções para as lacunas que têm vindo e ser detectadas na matéria, reforçando os dispositivos e instrumentos existentes, de modo a assegurar plenamente a prevenção e resolução dos conflitos de interesses que podem surgir no exercício de funções públicas;
- pensa-se "que por esta via se conseguirá um maior rigor na aplicação de regras de dignidade e transparência de todos os que estão ao serviço da Administração Pública e contribuirá para uma melhor imagem e qualidade dos serviços que a mesma presta à comunidade" (30).
3. Do debate parlamentar relativo à mesma lei convém seleccionar algumas das afirmações nele produzidas com vista a facilitar a sua compreensão.
Na intervenção de apresentação da proposta de lei referiu o membro do Governo, além do mais, o seguinte
(31):
- a proposta de lei é referente ao aperfeiçoamento do regime de incompatibilidades dos trabalhadores da Administração Pública, visando a eliminação da possibilidade de constituição de situações geradoras de conflitos de interesses, em cumprimento do mandato ínsito no nº 5 do artigo 269º da Constituição;
- a matéria em causa - "fixação das incompatibilidades inerentes à assunção do estatuto de trabalhador da Administração Pública e correspondente eliminação das hipóteses de surgimento de conflitos entre o interesse público a que o trabalhador deve fidelidade e escopos de natureza particular - prende-se com aspectos fundamentais da vida em comunidade;
- "se temos, por um lado, imperativos de transparência, de imparcialidade e de democraticidade do aparelho administrativo, deparam-se-nos, doutra parte, direitos essenciais, como sejam o da liberdade de trabalho e o de escolha e exercício de profissão";
- a concordância prática entre os valores constitucionais relacionados com os direitos dos trabalhadores e com a garantia da imparcialidade e da racionalidade da Administração terá de ser realizada, designadamente nos termos do nº 5 do artigo 269º da Constituição, através de acto legislativo, nos estritos termos postulados por cada um dos valores em causa, o que constitui a ratio da proposta que o Governo submete
à Assembleia;
- a definição das incompatibilidades a que se encontram sujeitos os funcionários e agentes da Administração Pública que dimanam directamente desse estatuto espraiam-se hoje por diversos diplomas, sem que essa dispersão signifique uma cobertura exaustiva do universo a considerar, mas antes a falta de um enquadramento exaustivo da matéria;
- tais lacunas e dispersões em sede de incompatibilidades permitem a constituição de situações passíveis de prejudicar os valores em causa, criam desigualdades objectivas em termos de estatuto e originam incertezas e dificuldades na aplicação do próprio direito existente;
- encerram também uma contradição com o desígnio do legislador constituinte, pois o nº 5 do artigo 269º da lei fundamental parece apontar para o estabelecimento de um verdadeiro estatuto de incompatibilidades, no qual se sopesem exaustivamente as enunciadas coordenadas constitucionais e se defina um tratamento completo e sistemático das limitações que decorram de assunção da condição de funcionário ou agente da Administração Pública;
- os quatro aspectos fundamentais do regime que o Governo pretende aprovar consubstanciam-se na proibição do exercício, em regime de acumulação, de actividades concorrenciais com as que o serviço a que o trabalhador pertence desempenhe, e de o funcionário ou agente beneficiar de actos ou contratos em que intervenha ou em que participem trabalhadores sob a sua dependência ou influência, na regulação do procedimento de concessão de autorizações para o exercício da actividades privadas em regime de acumulação, na imposição de deveres de comunicação, no estabelecimento da nulidade de actos praticados em desconformidade com as regras enunciadas e na previsão de mecanismos disciplinares.
- o sentido último do regime normativo a discutir
"visa alcançar a consagração do melhor direito em ordem a garantir a absoluta isenção da Administração Pública, para que o rigor na isenção seja o rigor da isenção";
- sobre o que seria substancialmente novo haverá um ponto de vista formal e sistemático que parece ser apontado pelo nº 5 do artigo 269º da Constituição, no sentido de que o estatuto não seja apenas um conjunto de normas dispersas, mas ele próprio algo de estruturado e que sistemicamente permita o entendimento de qual o complexo de poderes e deveres aplicáveis a cada funcionário público em cada momento e daquilo que é lícito exigir-lhe;
- o que fazemos, em coerência com a filosofia vertida nos Decretos-Leis nºs. 323/89 para o pessoal dirigente, 184/89 e 427/89 para os demais funcionários públicos é estabelecer um quadro em termos de coerência e ordenamento, sem qualquer revogação ou derrogação tácita superveniente;
- o segundo aspecto substancialmente novo face ao Código do Procedimento Administrativo está no facto de no procedimento administrativo não poder o funcionário ser parte concorrente, nem parte interessada, nem parte beneficiada.
VII
1. Ao abrigo da referida lei de autorização legislativa, foi publicado o Decreto-Lei nº 413/93, de
23 de Dezembro.
A motivação que consta do exórdio deste diploma diverge daqueloutra que constava da proposta de autorização legislativa nos pontos seguintes:
- Omitiu-se referência ao sistema de impedimentos e suspeições e à garantia de imparcialidade a que se reportam os artigos 44º a 51º do Código de Procedimento Administrativo, e a propósito dos dirigentes, a menção às Leis nºs. 9/90 e 56/90;
- Não foi reproduzida a expressão "permitindo interpretações laxistas e menos rigorosas que deixam na dúvida", que foi substituída por aqueloutra "ficam deste modo menos transparentes".
- Onde se referia "insistir em aspectos relevantes de clarificação de regras e de determinação de condutas", passou a referir-se "insistir na clarificação de regras e na definição mais precisa das condutas".
- Acrescentou-se a expressão "por fim, entende-se que o presente diploma prevalece sobre toda a legislação em contrário, sem prejuízo do que dispõe o Código do Procedimento Administrativo em matéria de garantia de imparcialidade e, bem assim, dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública".
2. Pelo relevo que o Decreto-Lei nº 413/93 assume na economia do parecer, pese embora a sua extensão, transcrevê-lo-emos.
2.1. No artigo 1º define-se o âmbito subjectivo de aplicação do diploma, estabelecendo que ele "é aplicável aos funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos".
2.2. O artigo 2º dispõe, por seu turno, o seguinte:
"1 - Os titulares de órgãos, funcionários e agentes referidos no artigo anterior não podem desenvolver, por si ou por interposta pessoa, a título remunerado, em regime de trabalho autónomo ou de trabalho subordinado, actividades privadas concorrentes ou similares com as funções que exercem na Administração Pública e que com estas sejam conflituantes.
"2 - Consideram-se, nomeadamente, abrangidas pelo número anterior as actividades que, tendo conteúdo idêntico ao das funções públicas concretamente exercidas pelo titular de órgão, funcionário ou agente, sejam desenvolvidas de forma permanente ou habitual e se dirijam ao mesmo círculo de destinatários".
A previsão do nº 1 deste artigo reporta-se aos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos.
A doutrina tem entendido o conceito de órgão como o "elemento da pessoa colectiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva" (32).
Entende-se por agentes administrativos "os indivíduos que por qualquer título exerçam actividade ao serviço das pessoas colectivas de direito público, sob a direcção dos respectivos órgãos", e por funcionário o "agente administrativo profissional submetido ao regime legal da função pública" (33)
Os órgãos formam ou exprimem a vontade da pessoa colectiva em causa, enquanto os agentes em geral se limitam a colaborar na sua formação ou a executar as decisões daqueles sob a sua direcção e fiscalização (34).
Os titulares dos órgãos são as pessoas físicas que formam a vontade e prosseguem os interesses das pessoas colectivas.
São órgãos administrativos do Estado, por exemplo, os directores-gerais, subdirectores-gerais, directores de serviços e os chefes de divisão (35).
A correspondente estatuição consubstancia-se na proibição do exercício remunerado, autónoma ou subordinadamente, directa ou indirectamente, de actividades privadas concorrentes ou similares e conflituantes com as exercidas na Administração Pública.
O nº 2 enuncia, a título exemplificativo, as actividades privadas referidas no número 1. Trata-se de actividades caracterizadas pelo tríplice requisito da identidade de conteúdo em relação às exercidas na Administração Pública, desenvolvimento permanente ou habitual e identidade de destinatários.
Utilizando um argumento "a contrario sensu" dir-se-
á que os titulares de órgãos, funcionários e agentes podem cumular funções públicas com actividades privadas que não reúnam as características a que alude o nº 1.
E, conforme resulta do disposto na alínea a) do nº
1 do artigo 11º deste diploma, o exercício das referidas actividades depende de autorização.
2.3. O artigo 3º dispõe:
"Os titulares de órgãos, funcionários e agentes não podem prestar a terceiros, por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou de trabalho subordinado, serviços no âmbito de estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas e requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços colocados na sua dependência ou sob sua directa influência".
A previsão deste artigo também abrange os titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos.
A sua estatuição reporta-se à proibição de prestação de serviços a terceiros, directa ou indirectamente, autónoma ou subordinadamente.
O seu âmbito abrange o estudo, preparação ou financiamento de projectos, e as candidaturas e requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços colocados na sua dependência ou directa influência.
Os órgãos ou serviços que devem considerar-se colocados na dependência ou sob a directa influência dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes constam do artigo 5º.
Esta disposição visa realizar o princípio da imparcialidade da Administração consignado, além do mais, no artigo 266º, nº 2, da Constituição.
2.4. O artigo 4º é do seguinte teor:
"Os titulares de órgãos, funcionários e agentes não podem beneficiar, pessoal e indevidamente, de actos ou tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou serviços colocados na sua directa dependência ou sob sua directa influência".
Nesta disposição, proíbe-se, por um lado, que os titulares de órgãos, funcionários ou agentes beneficiem pessoal e indevidamente de actos, e, por outro, que eles participem em contratos em que intervenham órgãos ou serviços deles directamente dependentes ou sob a sua directa influência.
É o artigo seguinte que elenca os órgãos ou serviços considerados na dependência ou sob directa influência dos titulares de órgãos, funcionários e agentes.
O impedimento dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes de intervirem em assuntos em que tenham interesse pessoal directo ou indirecto também constitui corolário do princípio da imparcialidade da Administração a que acima se aludiu.
2.5. O artigo 5º prescreve:
"Para efeitos do disposto nos artigos anteriores, consideram-se colocados na dependência ou sob directa influência do titular de órgão, funcionário ou agente os órgãos ou serviços que: a) estejam sujeitos ao seu poder de direcção, de superintendência ou disciplinar; b) Exerçam poderes por ele delegados ou subdelegados; c) Tenham sido por ele instituídos, ou cujo titular tenha sido por ele nomeado, para o fim específico de intervir nos processos em causa; d) Sejam integrados, no todo ou em parte, por pessoas por ele designadas a título não definitivo; e) Cujo titular ou em que os sujeitos nele integrados tenham sido por ele promovidos ou classificados há menos de um ano; f) Com ele colaborem, em situação de paridade hierárquica, no âmbito do mesmo serviço ou departamento".
Esta disposição está intimamente relacionada com as dos artigos 3º e 4º, na medida em que elenca as situações de dependência e de directa influência a que o seu normativo se reporta.
Considera dependentes ou sob a directa influência dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, os órgãos e serviços que estejam, em relação àqueles, nas seguintes situações:
- sujeição ao poder de direcção, superintendência ou disciplina;
- exercício de poderes delegados ou subdelegados;
- autoria de instituição;
- nomeação de titular para intervir nos processos em causa;
- integração por pessoas designadas a título não definitivo;
- promoção ou classificação há menos de um ano;
- colaboração hierarquicamente paritária no âmbito do mesmo serviço ou departamento.
A lei considera que as mencionadas situações relativas aos serviços, órgãos, funcionários ou agentes são susceptíveis de afectar a imparcialidade que deve envolver a apreciação e decisão de pretensões e o processo de formação de actos e contratos.
2.6. O artigo 6º estabelece:
"1 - Considera-se equiparado ao interesse dos titulares de órgãos, funcionários e agentes, nas situações previstas nos artigos 3º e 4º do presente diploma, o interesse: a) Do seu cônjuge, não separado de pessoas e bens, dos seus ascendentes e descendentes em qualquer grau e dos colaterais até ao 2º grau, bem como daquele que com ele viva nas condições do artigo 2020º do Código Civil (36); b) De sociedade em cujo capital detenha, directa ou indirectamente, por si mesmo ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea anterior, uma participação não inferior a 10% nem superior a 50%.
2 - É considerado, para os efeitos do presente diploma, como interesse próprio do titular de órgão, funcionário ou agente o interesse de sociedade em cujo capital ele detenha, directa ou indirectamente, por si mesmo ou conjuntamente com os familiares referidos na alínea a) do número anterior, uma participação superior a 50%".
No nº 1 deste artigo estabelece-se a equiparação do interesse dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes nas situações de prestação de serviços a terceiros e de participação em actos e contratos a que aludem os artigos 3º e 4º, respectivamente, ao interesse do cônjuge não separado de pessoas e bens, dos ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados, de quem com ele conviva em condições análogas às dos cônjuges e da sociedade em que participe, directa ou indirectamente, por si ou conjuntamente com os referidos familiares, com capital de valor entre 10% e 50%.
E no nº 2 considera-se para o mesmo efeito interesse próprio do titular do órgão, funcionário ou agente o da sociedade em cujo capital participe directa ou indirectamente, por si ou em conjunto com os mencionados familiares, com valor superior a 50%.
A referida equiparação de interesses para efeitos de prestação de serviços a terceiros e de participação em actos e contratos por parte de titulares de órgãos, funcionários e agentes traduz-se no reforço dos meios de consecução do desiderato de imparcialidade da Administração Pública.
2.7. O artigo 7º dispõe o seguinte:
"1 - No âmbito da administração central compete, salvo disposição legal em contrário, aos membros do Governo autorizar, precedendo parecer fundamentado do dirigente máximo do serviço em causa, o exercício, pelos funcionários e agentes, de actividades privadas em acumulação com as respectivas funções públicas.
2 - A competência referida no número anterior só é delegável em membros do Governo.
3 - Compete aos dirigentes dos serviços verificar a existência de situações de acumulação não autorizadas e fiscalizar, em geral, o cumprimento das obrigações impostas pelo presente diploma.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável
à administração regional com as necessárias adaptações.
5 - No âmbito da administração local, as competências previstas nos números anteriores são exercidas pelo presidente da câmara ou pelo vereador em que forem delegadas.
6 - Constitui fundamento de cessação da comissão de serviço dos dirigentes referidos no nº 3: a) A proposta de autorização de acumulação de funções quando o respectivo requerimento não seja acompanhado de elementos instrutórios adequados a demonstrar inexistência de incompatibilidade; b) A proposta de autorização de acumulação de funções públicas e privadas em face de elementos instrutórios que demonstrem a existência de uma incompatibilidade manifesta; c) A omissão ou a negligência graves na fiscalização de situações ilegais de acumulação".
No nº 1 prescreve-se que no âmbito da administração central é aos membros do Governo que compete autorizar o exercício pelos funcionários e agentes de actividades privadas em acumulação com as funções públicas, e que essa autorização é precedida de parecer fundamentado do dirigente máximo do serviço respectivo.
Por força do disposto no nº 2, a competência para autorizar ou não a acumulação de funções públicas e privadas só é delegável em membros do Governo.
O nº 3 impõe aos dirigentes dos serviços uma obrigação de fiscalização.
Por força desta disposição cabe-lhes verificar a existência de acumulações de funções públicas e privadas não autorizadas e fiscalizar o cumprimento por parte dos funcionários ou agentes das obrigações decorrentes deste diploma.
O nº 4 prescreve a aplicação do disposto nos nºs.
1 e 3, relativo à administração central, à administração regional.
O nº 5 reporta-se à competência para autorizar ou não a acumulação de funções públicas e privadas no âmbito da administração local, atribuindo-a ao presidente da câmara ou, por delegação deste, a qualquer vereador.
O nº 6 insere normativo sancionatório dos dirigentes dos serviços da administração central e regional - cessação da respectiva comissão de serviço -, enunciando os respectivos fundamentos.
Constitui fundamento de cessação da comissão de serviço dos dirigentes dos serviços a sua proposta de acumulação de funções públicas e privadas baseada em requerimento não acompanhado dos elementos de prova idóneos à demonstração da inexistência de incompatibilidade ou em elementos instrutórios que demonstrem a existência de uma incompatibilidade manifesta, e a omissão ou a negligência graves na fiscalização de situações ilegais de acumulação.
Do disposto nas suas alíneas a) e b) do nº 6 resulta, implicitamente, que o requerimento dos funcionários e agentes que pretendam a acumulação de funções e a proposta respectiva formulada pelos dirigentes devem ser acompanhados de elementos idóneos à demonstração da inexistência de incompatibilidades.
A definição das competências para autorizar a acumulação de funções públicas e privadas pelos funcionários e agentes e o estabelecimento de sanções para o incumprimento da obrigação de fiscalização no âmbito das incompatibilidades e impedimentos traduzem-se em mecanismos tendentes à realização do já aludido princípio da imparcialidade da Administração Pública e sua garantia.
Importa salientar que esta disposição, ao prever a autorização de acumulação de funções públicas e privadas por funcionários e agentes na competência dos membros do Governo sob proposta dos dirigentes máximos dos serviços, omite qualquer referência à competência para autorizar a referida acumulação por parte dos titulares de cargos dirigentes, como é o caso dos directores- gerais, legalmente considerados titulares de altos cargos públicos.
2.8. O artigo 8º, epigrafado de "Requerimento", prescreve o seguinte:
"Do requerimento a apresentar para acumulação de funções públicas ou de funções públicas e privadas, ainda que a título gratuito, deve constar: a) O local de exercício da actividade a acumular; b) O horário de trabalho a praticar; c) A remuneração a auferir, se existir; d) A indicação do carácter autónomo ou subordinado do trabalho a prestar e a descrição sucinta do seu conteúdo; e) A fundamentação da inexistência de conflito entre as funções a desempenhar; f) O compromisso de cessação imediata da actividade em acumulação no caso de ocorrência superveniente de conflito".
Esta disposição reporta-se, pois, ao conteúdo do requerimento com vista à acumulação de funções públicas ou de funções públicas e privadas, ainda que a título gratuito.
Deve inserir a natureza da actividade a acumular, o tempo e o lugar do seu exercício, a correspondente remuneração, a factualidade reveladora da inexistência de incompatibilidade e o compromisso da sua cessação no caso de ocorrência superveniente de conflito.
É de salientar quanto a esta disposição a referência à acumulação de funções públicas, a que as anteriores e posteriores se não referem.
2.9. O artigo 9º estatui nos termos seguintes:
"Os titulares de órgãos, funcionários e agentes devem comunicar ao superior hierárquico, antes de tomadas as decisões ou praticados os actos referidos nos artigos 3º e 4º do presente diploma, a existência das situações de conflito de interesses que envolvam as pessoas ou entidades referidas no nº 1 do artigo 6º".
Por força do disposto neste artigo, os titulares de órgãos, funcionários ou agentes deverão comunicar ao respectivo superior hierárquico, antes de tomarem a decisão sobre os projectos, candidaturas e requerimentos a que alude o artigo 3º ou da realização dos actos e da celebração dos contratos previstos no artigo 4º, a existência de conflitos de interesses que envolvam o cônjuge não separado de pessoas e bens, os ascendentes, os descendentes, os irmãos, os cunhados, as pessoas que com eles vivam em situação análoga à dos cônjuges ou as sociedades a que se reporta o nº 1 do artigo 6º.
O seu conteúdo apresenta alguma similitude com o disposto no nº 1 do artigo 45º do Código do Procedimento Administrativo, onde se prescreve que "quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão ou agente administrativo, deve o mesmo comunicar desde logo ao respectivo superior hierárquico ou ao presidente de órgão colegial dirigente, consoante os casos" (37).
Esta disposição também visa a salvaguarda do princípio da imparcialidade da Administração Pública no quadro da complexa actividade que desenvolve.
2.10. O artigo 10º prescreve o seguinte:
"São anuláveis, nos termos gerais, os actos e os contratos em que se verifique alguma das situações de conflito de interesses previstas no presente diploma".
Nos termos deste artigo, é cominado o vício de anulabilidade dos actos e contratos a que aludem os artigos 3º e 4º quando a sua realização ou celebração seja envolvida de conflito de interesses.
É uma disposição próxima do artigo 51º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, que dispõe: "os actos ou contratos em que tiveram intervindo titulares de órgão ou agentes impedidos são anuláveis nos termos gerais".
Os termos gerais da anulabilidade no quadro do direito administrativo constam dos artigos 136º e 137º, nºs. 2 a 4 do Código do Procedimento Administrativo, e, no âmbito do direito civil, dos artigos 287º a 289º do Código Civil (38).
2.11. O artigo 11º dispõe:
"1 - Aos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violarem o disposto no presente diploma são aplicáveis as seguintes penas disciplinares: a) De inactividade, quando exercerem actividades privadas em infracção do disposto no artigo 2º ou quando, tratando-se de outras actividades, o façam sem autorização; b) De inactividade ou de suspensão, respectivamente, quando prestarem a terceiros os serviços descritos no artigo 3º, no âmbito de processos que devam ser apreciados ou decididos por eles próprios ou pelos órgãos ou agentes referidos no artigo 5º; c) De suspensão, quando tomarem interesse nos actos ou contratos a que se refere o artigo 4º; d) De multa, quando não fizerem a comunicação prevista no artigo 9º.
2 - A pena prevista na alínea a) do número anterior é igualmente aplicável quando a autorização tenha sido concedida com base em informações ou elementos, apresentados pelo próprio requerente, que se revelem falsos ou incompletos.
3 - As penas estabelecidas no presente artigo estão sujeitas aos limites previstos no artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
4 - A prática por pessoal dirigente de actos puníveis nos termos dos números anteriores constitui, ainda, fundamento de cessação da respectiva comissão de serviço".
Este artigo assume natureza sancionatória e reporta-se à violação do disposto neste diploma pelos titulares de órgãos, funcionários e agentes.
É-lhes aplicável a sanção disciplinar de inactividade quando exercerem, por si ou por interposta pessoa, a título remunerado em regime de trabalho autónomo ou subordinado, actividades privadas concorrentes ou similares relativamente às funções que exercem na Administração Pública e que com estas sejam conflituantes ou, tratando-se de outras actividades, o façam sem autorização.
Estão sujeitos à mesma pena quando prestarem a terceiros, no âmbito de processos que por eles próprios devam ser apreciados ou decididos. por si ou por interposta pessoa, em regime de trabalho autónomo ou subordinado, serviços de estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas e requerimentos, e de suspensão quando tais serviços sejam prestados no âmbito de processos que devem ser apreciados ou decididos por órgãos ou agentes colocados na sua dependência ou directa influência.
É-lhes também aplicável a pena de suspensão quando tiverem interesse nos actos ou contratos em cujo processo de formação intervierem órgãos ou serviços colocados na sua directa dependência ou influência.
Ser-lhes-á, por fim, aplicável a pena de multa quando não comuniquem ao superior hierárquico, antes de tomarem as decisões ou praticarem os actos referidos nos artigos 3º e 4º, a existência de conflitos de interesses envolventes das pessoas referidas no nº 1 do artigo 6º.
Nos termos do nº 2, é-lhes ainda aplicável a pena de inactividade quando a autorização para o exercício de actividades privadas haja sido concedida com base em informações ou elementos falsos ou incompletos por eles apresentados.
Por força do nº 3, as penas de inactividade, suspensão e multa estão sujeitas aos limites de 1 a 2 anos, de 20 a 120 dias ou de 121 a 240 dias, e até ao quantitativo correspondente a uma vez e meia a totalidade das remunerações certas e permanentes, com excepção do abono de família e prestações complementares devidas ao funcionário ou agente à data da notificação do despacho condenatório, respectivamente (artigos 12º, nºs 2, 4 e 5 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro - EDFACRL).
Finalmente resulta do nº 4 que a prática pelo pessoal dirigente de actos puníveis nos termos deste artigo também implica a cessação da respectiva comissão de serviço.
A expressão "pessoal dirigente" que a previsão do nº 4 deste artigo inclui é, em abstracto, susceptível de abranger os directores-gerais, os subdirectores-gerais e os titulares de cargos equiparados, mas também permite uma leitura em termos de os excluir.
Adiante voltaremos a esta questão.
2.12. O artigo 12º dispõe:
"Tratando-se de actividades não compreendidas no artigo 2º, o disposto no presente diploma não é aplicável à acumulação de funções privadas quando já autorizada no momento da sua entrada em vigor".
Trata-se de normativo de direito transitório, que contêm implícita a distinção entre actividades previstas e não previstas no artigo 2º, isto é, as que sejam ou não concorrentes ou similares e conflituantes em relação
às exercidas na Administração Pública.
O disposto no diploma em apreço não é aplicável à acumulação de funções públicas e privadas que não reúnam os referidos requisitos de concorrência, conflito e similitude, se autorizada anteriormente à sua vigência.
Interpretando esta disposição "a contrario", dir- se-á que o disposto neste diploma é aplicável à acumulação de funções privadas concorrentes ou similares relativamente às funções exercidas na Administração Pública e que com estas sejam conflituantes, ainda que autorizadas antes do início da sua vigência.
2.13. Finalmente, prescreve o artigo 13º:
"O disposto no presente diploma entende-se sem prejuízo das regras contidas nos artigos 44º e 51º do Código do Procedimento Administrativo, bem como dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública".
Resulta desta disposição que o normativo deste diploma não afecta a vigência dos artigos 44º e 51º do Código do Procedimento Administrativo e dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública (39).
Nos termos do nº 2 do artigo 16º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, são consideradas integradas em corpos especiais da função pública as carreiras diplomática, docente, de investigação científica, médica, enfermagem, de técnicos de diagnóstico e terapêutica, os militares dos três ramos das forças armadas, as forças e serviços de segurança e os bombeiros.
Dela não é legítimo concluir, através de um argumento "a contrario sensu", que as normas do referido diploma afectam a vigência de outras normas ou regimes que não sejam os nela mencionados.
3. A fim de se verificar da existência ou inexistência de conflito, importa proceder à comparação entre as normas relativas a incompatibilidades, impedimentos e suspeições aplicáveis aos directores- gerais, subdirectores-gerais e aos titulares de cargos àqueles equiparados a que se reporta a Lei nº 64/93 e as normas do Decreto-Lei nº 413/93.
3.1. No quadro da Lei nº 64/93, a titularidade dos referidos cargos implica a incompatibilidade com o exercício de quaisquer outras funções, públicas ou privadas, salvo as actividades de docência no ensino superior e de investigação e as inerências a título gratuito (artigo 7º, nºs. 1 e 2).
No âmbito do Decreto-Lei nº 413/93 a titularidade de órgãos e a qualidade de funcionário ou agente implica a incompatibilidade de exercício remunerado de actividades privadas concorrentes ou similares e conflituantes com as exercidas na Administração Pública, e de prestação a terceiros de serviços relativos ao estudo, preparação ou financiamento de projectos, candidaturas e requerimentos que devam ser submetidos à sua apreciação ou decisão ou à de órgãos ou serviços deles dependentes ou sob a sua directa influência, num e noutro caso a qualquer título (artigos 2º e 3º).
No que concerne a impedimentos dos aludidos titulares de altos cargos públicos ou de sociedades em que eles ou os cônjuges não separados de pessoas e bens detenham capital superior a 10%, a Lei nº 64/93 estabelece que eles até um ano após a cessação do exercício de funções estão impedidos de servir de árbitro ou perito nos processos em que alguma parte seja o Estado e demais pessoas colectivas públicas, e que as referidas sociedades estão impedidas de participar em concurso de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com aquelas entidades no departamento de Administração em que os mesmos exerçam funções (artigos 8º e 9º).
Naquela matéria, estabelece o Decreto-Lei nº 413/93 que os titulares de órgãos, funcionários e agentes não podem beneficiar, pessoal e indevidamente, de actos ou tomar parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou serviços colocados na sua directa dependência ou influência, equiparando ao seu interesse o do cônjuge não separado de pessoas e bens, dos ascendentes e ascendentes, irmãos, cunhados, pessoas com eles conviventes em condições análogas às dos cônjuges, bem como o da sociedade em cujo capital detenham, directa ou indirectamente, por si ou conjuntamente com os referidos familiares, participação entre 10% e 50%, inclusive, e considera como interesse próprio o da sociedade em que, nas mesmas condições, detenham uma participação superior a 50% (artigos 4º e
6º).
No plano sancionatório, a Lei nº 64/93 prescreve apenas que a violação do regime legal das incompatibilidades pelos titulares de altos cargos públicos constitui causa de destituição judicial e que a infracção às normas sobre impedimentos implica a nulidade dos actos praticados ou, no caso de exercerem funções de árbitro ou perito no decurso de um ano após a cessação de funções, a inibição de exercer altos cargos públicos durante três anos bem como a perda do mandato, demissão ou destituição judicial por incumprimento culposo da obrigação de declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos (artigos 12º, nº 1, 13º, nºs. 1 e 2, e 14º).
No mesmo plano, prescreve o Decreto-Lei nº 413/93 a anulabilidade dos actos e contratos em que se verifiquem as situações de conflito de interesses enunciadas, e a cominação, com os limites previstos no artigo 12º do EDFACRL, de penas disciplinares de inactividade, em consequência da violação do regime de incompatibilidades nele previsto, ou quando exerçam outras actividades sem autorização, prestarem a terceiros serviços no âmbito de processos que eles devam apreciar ou quando a autorização de acumulação de funções haja sido concedida com base em elementos falsos ou incompletos; de suspensão quando tais serviços se reportem a processos a decidir por órgãos ou serviços colocados na sua directa dependência ou influência e quando tomarem interesse em actos e contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos ou serviços nas referidas circunstâncias; e de multa quando não comunicarem aos superiores hierárquicos certas situações de conflito de interesses, acrescendo ainda, quando ao pessoal dirigente que pratique os referidos actos puníveis, proponha irregularmente a autorização de acumulação de funções, ou omita ou negligencie gravemente a fiscalização de acumulações ilegais, a cessação da respectiva comissão de serviço (artigos 7º, nº 6, 10º e
11º).
Para além das referidas disposições, e no que concerne aos titulares de altos cargos públicos, a Lei nº 64/93 só prescreve, no artigo 11º, a fiscalização pela Procuradoria-Geral da República e no artigo 15º a revogação da Lei nº 9/90.
Por seu turno, fora do quadro comparativo enunciado, o Decreto-Lei nº 413/93 só insere o disposto nos artigos 1º, 5º, 7º, 8º, 12º, 13º e 14º, que versam, respectivamente, sobre o âmbito subjectivo de aplicação do diploma, definição da situação de dependência ou directa influência, competência para autorizar a acumulação de funções e verificar a existência de irregularidades, o requerimento para aquela autorização, a exclusão de aplicabilidade do diploma à acumulação de algumas funções privadas autorizadas no momento da sua entrada em vigor, o entendimento de que o disposto no diploma não afecta as regras dos artigos
44º e 51º do Código do Procedimento Administrativo e dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública, e sobre a data do início de vigência.
3.2. Do confronto dos mencionados diplomas importa salientar que enquanto a Lei nº 64/93 proíbe ao pessoal dirigente legalmente qualificado de titular de altos cargos públicos o exercício de qualquer outra actividade pública ou privada com excepção do ensino superior e investigação e das inerências a título gratuito, o Decreto-Lei nº 413/93 só proíbe aos titulares de órgãos e agentes o exercício remunerado de actividades privadas concorrentes ou similares com as funções exercidas na Administração Pública e que com estas sejam conflituantes, e a prestação a terceiros de determinados serviços relativos a matérias que eles ou outrem deles dependentes ou sob a sua influência devam apreciar ou decidir.
O Decreto-Lei nº 413/93 não insere o regime de acumulação de funções públicas, cuja admissibilidade o nº 2 do artigo 269º da Constituição só configura nos casos previstos na lei, limitando-se a referir-se-lhe a propósito de conteúdo do requerimento com vista à autorização da sua acumulação.
Assim, no que concerne ao regime de acumulação de cargos ou funções públicas, inexiste conflito entre os normativos da Lei nº 64/93 e do Decreto-Lei nº 413/93.
Mas já existe o aludido conflito entre as normas daqueles diplomas na parte relativa aos regimes de acumulação de funções públicas e privadas e de impedimentos.
O regime de incompatibilidades da Lei nº 64/93 aplicável ao pessoal dirigente qualificado de titular de altos cargos públicos, é claramente mais exigente do que o constante do Decreto-Lei nº 413/93.
O quadro de impedimentos que emerge do Decreto-Lei nº 413/93 é, porém, mais apertado do que aquele que a
Lei nº 64/93 prescreve para os titulares de altos cargos públicos.
VIII
1. É altura de verificar se o Decreto-Lei nº 413/93 revogou ou não a Lei nº 64/93 no que concerne ao regime de incompatibilidades relativo aos directores- gerais, subdirectores-gerais e cargos equiparados.
Atendendo ao factor relativo à matéria sobre que versam as normas, são especiais as que regulam matérias que constituem a espécie de outras mais gerais.
A relação entre as normas gerais e especiais em função da matéria pode ocorrer em termos de cumulação ou de conflito, consoante as últimas sejam complementares ou integrativas ou derrogatórias das primeiras.
Uma norma é, pois, especial em relação a outra quando, sem contrariar substancialmente o conteúdo desta, a adapta a circunstâncias particulares de ordem material, pessoal ou territorial.
O critério de distinção entre normas gerais e especiais não é absoluto. É que uma norma pode ser especial em relação a determinada norma e ser geral face a outras.
A relação generalidade/especialidade normativa é susceptível de ocorrer não só em relação a normas individualizadas como também face a institutos jurídicos ou a ramos de direito (40).
1.2. No caso vertente não releva, como é óbvio, a relação de generalidade-especialidade baseada no factor territorial, mas assume interesse a que assenta nos factores pessoal e material.
Considerando que o Decreto-Lei nº 413/93 se reporta à matéria de incompatibilidades, impedimentos e suspeições aplicável à generalidade dos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos e a Lei nº 64/93 às incompatibilidades, impedimentos e suspeições, além do mais, de alguns titulares de órgãos da Administração, como é o caso dos titulares de altos cargos públicos, importa concluir que entre normas do Decreto-Lei nº 413/93 e da Lei nº 64/93 ocorre uma relação de generalidade-especialidade em termos de conflito.
No quadro do referido conflito põe-se a questão de saber se o Decreto-Lei nº 413/93 revogou ou não o regime de incompatibilidades e impedimentos previsto na
Lei nº 64/93 para os titulares de altos cargos públicos
- os directores-gerais, os subdirectores-gerais ou equiparados.
Esta questão deverá ser solucionada à luz do artigo 7º do Código Civil que versa sobre a cessação da vigência da lei nos termos seguintes:
"1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.
2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a lei regular toda a matéria da lei anterior.
3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara".
O nº 1 consagra o princípio de que a lei que não tenha vigência temporalmente limitada só deixa de vigorar quando for revogada por outra lei.
A lei tem vigência temporária quando fixa o seu termo em certo momento ou se destina à consecução de certo fim.
O nº 2 estabelece sobre o processo causal de revogação da lei, configurando a declaração expressa e a declaração tácita abrangente da incompatibilidade normativa e a substituição global do novo regime ao antigo.
O nº 4 dispõe que a revogação das normas revogatórias não implica a repristinação das normas por estas revogadas, entendendo-se a solução na falta de diversa intenção inequívoca do legislador (41).
Na economia do parecer releva fundamentalmente o disposto no nº 3, enquanto estabelece que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
Esta disposição não exige a revogação expressa, mas apenas que a intenção da lei geral posterior seja inequivocamente revogatória da lei especial anterior.
A questão de saber se a lei geral posterior revogou ou não a lei especial anterior deve ser resolvida com base na interpretação daquela, à luz dos critérios gerais que regem esta matéria (42).
Os critérios gerais de interpretação da lei são os que constam do artigo 9º do Código Civil, a que em síntese, já nos referimos no capítulo III 2.
A propósito do normativo do nº 3 do transcrito artigo 7º, segundo o qual a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador escreveu um autor o seguinte:
"Para se poder falar numa "intenção inequívoca do legislador" deve haver uma referência expressa na própria lei ou, pelo menos, um conjunto de vectores tão incisivos que a ela equivalham. Por isso, quando se pretenda, através duma lei geral, revogar leis especiais - maxime, por se querer firmar um regime genérico e homogéneo - há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do género: "são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais" (43).
A propósito desta questão, já este corpo consultivo teve oportunidade de salientar que na fixação da intenção de revogação da lei especial pela lei geral, "dada a palavra inequívoca deve o intérprete ser particularmente exigente, atendendo ao texto da lei, sua conexão, evolução histórica, à história da formação legislativa, e sobretudo nortear-se pelo fim da disposição questionada e o resultado de uma outra interpretação"(44).
A regra é, portanto, no sentido de que a lei geral posterior não revoga a lei especial anterior. Mas se resultar indubitavelmente da lei nova que o legislador visou uniformizar regimes jurídicos, proibindo a existência de regimes especiais, a lei geral posterior revoga a lei especial anterior.
A não demonstração inequívoca da intenção de a lei geral revogar a especial implicará que subsista a lei especial e que a lei geral se aplica às situações por aquela não compreendidas (45).
2. Como já se referiu, a questão de saber se o Decreto-Lei nº 413/93, como lei geral, derrogou ou não a Lei nº 64/93, passa pela interpretação das normas daquele diploma.
2.1. Comecemos, como não pode deixar de ser, pelo seu elemento literal.
A expressão "titulares de órgãos" utilizada no Decreto-Lei nº 413/93 é, naturalmente, susceptível de abranger os titulares de altos cargos públicos, como é o caso dos directores-gerais, subdirectores-gerais e equiparados, mas também pode ser entendida em termos de generalidade e de não os abranger.
O facto de o nº 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 413/93 estabelecer que compete aos dirigentes dos serviços a verificação da existência de situações de acumulação não autorizadas e a fiscalização do cumprimento das obrigações impostas por aquele diploma não implica a conclusão de que ele é aplicável ao grupo do pessoal dirigente especialmente qualificado de titular de altos cargos públicos.
E o mesmo é de afirmar quanto ao nº 4 do artigo
11º do mesmo diploma, enquanto estabelece que a prática por pessoal dirigente dos actos puníveis a que se reportam os nºs. 1 e 2 daquele artigo também constitui fundamento de cessação da respectiva comissão de serviço.
Também a literalidade do artigo 13º daquele diploma, enquanto prescreve que o que nele se dispõe se entende sem prejuízo das regras contidas nos artigos
44º e 45º do Código do Procedimento Administrativo e dos regimes privativos dos corpos especiais da função pública não nos parece legitimar a inferência de que o Decreto-Lei nº 413/93 derrogou a Lei nº 64/93, certo que o que dele resulta é que a sua vigência não afecta a das disposições a que se reporta.
Assim, o elemento literal das normas do Decreto-
Lei nº 413/93, não permite a conclusão de que elas são aplicáveis aos directores-gerais, subdirectores-gerais e titulares de cargos àqueles equiparados, isto é, que tenha ocorrido a derrogação, nessa parte, da Lei nº 64/93.
2.2. Importando agora atentar nos elementos lógicos de interpretação, começar-se-á pelo preâmbulo do diploma em causa.
Nele se começam por enunciar alguns princípios e imperativos relativos à isenção e imparcialidade dos trabalhadores da função pública em geral, afirmando-se que aos mesmos acrescem os que constam do estatuto do pessoal dirigente, citando a propósito o artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89.
E depois da afirmação de que, apesar dos mencionados dispositivos o quotidiano revela áreas de actuação não claramente suportadas pela legislação, e que ficam menos transparentes situações onde podem ser levantadas questões relativas ao dever de isenção e à existência de conflitos de interesses decorrentes do exercício de uma actividade e da confluência de interesses, bem como da necessidade de um elevado padrão ético na Administração, salienta-se importar insistir na clarificação de regras e na definição mais precisa das condutas mediante a adopção de soluções para as lacunas, reforçando os instrumentos existentes.
Ademais, afirma-se que por essa via se conseguirá maior rigor na aplicação das regras de dignidade e transparência de todos os que estão ao serviço da Administração Pública.
Finalmente refere-se a prevalência do diploma sobre toda a legislação em contrário, sem prejuízo do disposto no Código do Procedimento Administrativo sobre a garantia de imparcialidade e dos regimes dos corpos especiais da função pública.
A propósito deste exórdio importa salientar que, ao invés do que ocorreu com a exposição de motivos da proposta de lei de alteração legislativa, nele não se faz qualquer referência ao estatuto especial do pessoal dirigente legalmente qualificado de titular de altos cargos públicos a que se reporta a Lei nº 64/93.
Por outro lado, ao referir-se à adopção de soluções para as lacunas detectadas e ao reforço dos dispositivos existentes parece exprimir-se a intencionalidade de complementariedade do diploma.
A afirmação de consecução de maior rigor na aplicação de regras de dignidade e transparência na actividade de todos os que estão ao serviço da Administração Pública, aponta no sentido da generalidade do diploma, mas não exprime a ideia de revogação integral de todo e qualquer regime especial da função pública.
A afirmação de prevalência do diploma sobre toda a legislação em contrário, salvo o disposto no Código do Procedimento Administrativo para garantia da imparcialidade e os regimes privativos dos corpos especiais da função pública aproveita ao sentido da intencionalidade de revogação de regimes especiais, mas a referida intencionalidade não tem correspondência no texto do diploma em apreço e, consequentemente, no conflito entre o conteúdo do exórdio e o da lei, a esta cabe, obviamente, a prevalência.
2.3. Vejamos agora os trabalhos preparatórios referentes ao mencionado diploma, começando pelos da Lei da Autorização Legislativa nº 55/93, de 6 de Agosto.
Na exposição de motivos da proposta de lei fazia- se referência aos imperativos das Leis nºs 9/90 e 56/90, que então se reportavam ao regime especialíssimo de incompatilidades e impedimentos do pessoal dirigente titular de altos cargos públicos, donde se poderia inferir a intenção da sua revogação.
Do debate parlamentar da referida proposta de lei apenas relevam as afirmações do membro do Governo que procedeu à sua apresentação na Assembleia da República, que se não referiu àquelas leis.
Acentuou-se a ideia de aperfeiçoar o regime de incompatibilidades dos trabalhadores da função pública para evitar conflitos de interesses públicos e particulares, em termos de garantia da isenção da Administração Pública.
Referiu-se a dispersão do regime das incompatibilidades, a existência de lacunas, a necessidade do enquadramento exaustivo e do tratamento completo e sistemático das limitações decorrentes da condição de agente ou funcionário da Administração Pública.
Afirmou-se a ideia de estabelecer um quadro ordenado e coerente com a filosofia vertida no Decreto-
Lei nº 323/89 para o pessoal dirigente e nos Decretos-
Leis nºs 184/89 e 427/89 para os demais funcionários públicos.
Das referidas afirmações é possível extrair a intencionalidade de o diploma legislativo vir a estabelecer um estatuto de incompatibilidades amplamente abrangente no plano subjectivo e objectivo.
Mas delas não resulta o desiderato de excluir do regime especialíssimo de incompatibilidades e impedimentos o pessoal dirigente titular de altos cargos públicos que então constava da Lei nº 9/90.
2.4. Importa agora atentar na evolução legislativa relativa ao regime de incompatibilidades e impedimentos que culminou na Lei nº 64/93.
A instituição do regime especialíssimo de incompatibilidades e impedimentos dos directores- gerais, subdirectores-gerais e equiparados pela Lei nº
9/90, considerando-os titulares de altos cargos públicos, consubstanciou uma maior exigência de exclusividade do exercício de funções públicas em relação ao restante pessoal dirigente, cujo regime continuou a constar do artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89.
Decorridos cerca de três anos e meio, a Lei nº
64/93 reforçou em relação aos titulares de altos cargos públicos, a regra de exercício exclusivo de funções públicas.
Não se vê justificativo lógico para que, cerca de quatro meses depois da publicação daquela Lei, o Decreto-Lei nº 413/93, confessadamente inspirado pela ideia de "... alcançar a consagração do melhor direito em ordem a garantir a absoluta isenção da Administração Pública, para que o rigor na isenção seja o rigor da isenção", visasse o retrocesso a nível de exigência no plano da referida regra da exclusividade de exercício de funções públicas.
Ademais, como os trabalhos preparatórios, incluindo os debates parlamentares das Leis nºs 55/93 -
Lei da Autorização Legislativa que esteve na origem do Decreto-Lei nº 413/93 - e 64/93, decorreram parcialmente em simultâneo, também não se encontra motivo plausível, a pretender-se eliminar o regime especialíssimo de incompatibilidades dos directores- gerais, subdirectores-gerais e equiparados, que tal desiderato não fosse conseguido através da sua exclusão do elenco dos titulares de altos cargos públicos naquela lei consignado (46).
Com efeito, o momento temporal coetâneo em que se procedeu à discussão parlamentar dos referidos textos fazem naturalmente pressupor que se tinham presentes as disposições de um e de outro.
2.5. O elemento sistemático de interpretação não fornece, a nosso ver, qualquer subsídio útil de interpretação.
2.6. Quanto ao elemento teleológico, isto é, ao fim da lei, releva, de algum modo, a nota preambular, a que já nos referimos.
Se, por um lado, se pretende insistir na clarificação de regras e na definição mais precisa das condutas mediante a adopção de soluções para as lacunas, por outro visa-se o reforço das soluções existentes e o maior rigor na aplicação das regras de dignidade e transparência na actividade de todos os que estão ao serviço da Administração Pública.
Ora a manutenção do regime especialíssimo de incompatibilidades a que estão sujeitos os dirigentes titulares de cargos públicos a que se reporta a Lei nº 64/93, pelo nível de rigor e exigência que comporta, superior ao dispositivo correspondente do Decreto-Lei nº 413/93, enquadra-se no desiderato de salvaguarda das regras de dignidade e transparência a que se fez referência, e não constitui obstáculo à pretendida clarificação normativa.
IX
Dir-se-á, para rematar quanto a esta questão, o seguinte:
O Decreto-Lei nº 413/93 relativo a incompatibilidades, impedimentos e sanções por violação das suas normas, é aplicável à generalidade dos titulares de órgãos, funcionários e agentes da administração pública central, regional e local, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e fundos públicos.
A Lei nº 64/93 reporta-se, por seu turno, ao regime de incompatibilidades, impedimentos e sanções aplicáveis aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
O primeiro dos referidos diplomas consubstancia uma lei geral, e o segundo uma lei especial.
Nos termos do nº 3 do artigo 7º do Código Civil, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
A questão de saber se a lei geral posterior revoga ou não a lei especial anterior há-de resolver-se através da interpretação das normas daquela.
Da interpretação das normas do Decreto-Lei nº 413/93 não resulta a intenção inequívoca do legislador de revogar o regime especialíssimo de incompatibilidades, impedimentos e sanções a que estão sujeitos os directores-gerais, subdirectores-gerais e equiparados, a que se reporta a Lei nº 64/93 (47).
Daí que se deva concluir pela subsistência do regime especialíssimo de incompatibilidades, impedimentos e sanções aplicável ao pessoal dirigente legalmente qualificado de titular de altos cargos públicos, isto é, aos directores-gerais, subdirectores-gerais e cargos equiparados a que se reporta a Lei nº 64/93.
X
Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª As normas da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, que criam ou alargam incompatibilidades em relação à
Lei nº 9/90, de 1 de Março, são aplicáveis às situações de exercício cumulativo de funções existentes à data da sua entrada em vigor;
2ª A aplicação das referidas normas, apesar dos seus efeitos retrospectivos, não afecta de forma inadmissível os princípios da confiança e segurança jurídica ínsitas no conceito de Estado de direito democrático a que se reporta o artigo
2º da Constituição da República Portuguesa, nem infringe o estatuído no seu artigo 18º, nº 3;
3ª O Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro, não revogou a Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, designadamente na parte relativa ao regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável ao pessoal dirigente titular de altos cargos públicos.
_______________________________
1) Este corpo consultivo já se pronunciou sobre esta questão nos pareceres nº 62/93, de 14 de Janeiro de
1994, e 5/94, de 14 de Abril de 1994, que neste excurso seguiremos muito de perto.
2) JOÃO DE CASTRO MENDES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1984, que neste ponto seguiremos de perto.
Sobre o preâmbulo dos diplomas legais cfr. ANTÓNIO VITORINO, "Preâmbulo e Nota Justificativa", em "Feitura das Leis", vol. II, edição do INA, 1986, págs. 125 a 131.
3) Há autores que incluem os preâmbulos dos decretos- leis nos elementos lógicos formalmente incluídos na fonte, em melhor posição que os elementos históricos.
Cfr., neste sentido, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito, Introdução e Teoria Geral - Uma Perspectiva Luso-Brasileira", Coimbra, 1993, pág. 390.
4) J. DIAS MARQUES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1972, págs. 282 e 283, onde conclui que "os trabalhos preparatórios, constituindo embora um útil elemento de interpretação, que nos pode ajudar a compreender as ideias e intenções dos proponentes das leis ou de alguns dos que as hajam votado, são, no entanto, incapazes de constituir o factor decisivo da determinação do seu sentido", e que "este há-se ser o sentido funcionalmente querido pelo órgão legislativo e não o sentido psicológico expresso, quiçá em direcções contraditórias, por algum dos seus componentes".
5) Parecer deste corpo consultivo, nº 61/91, de 14 de Maio de 1992. Em termos mais desenvolvidos desta matéria, cfr. o parecer do mesmo Conselho Consultivo, nº 21/91, de 21 de Março de 1991, publicado no "Diário da República", II Série, de 9 de Julho de 1991.
6) VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, Sobre a aplicação do artigo 830º, nº 1, do novo Código Civil aos contratos- promessa celebrados anteriormente à sua vigência,
«Revista de Direito e de Estudos Sociais:, Ano XIV, nºs 3 e 4, págs. 314 a 325.
7) Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 11/83, de
12 de Outubro de 1983, «Diário da República:, I Série, de 20 de Outubro de 1983.
8) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1985, págs. 226 e 227.
9) Idem, pág. 232.
10) Cfr., entre outros, o parecer nº 62/93, de 14 de Janeiro de 1994.
11) Citado parecer nº 62/93.
12) J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional,
Coimbra, 1991, pág. 382.
13) Acórdão nº 256/90, publicado no "Diário da República", II Série, de 10 de Agosto de 1990.
14) Acórdão nº 473/92, de 10 de Dezembro, publicado no "Diário da República", I Série-A, de 22 de Janeiro de 1993.
15) J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,
"Constituição da República Portuguesa Anotada",
Coimbra, 1993, pág. 153.
16) Acórdão nº 50/88, de 3 de Março de 1988, publicado no "Diário da República", II Série, de 16 de Agosto de 1988.
17) Acórdão nº 259/88, de 9 de Novembro de 1988, publicado no "Diário da República", II Série, de 11 de Fevereiro de 1989.
18) O Governo apresentou, na Assembleia da República, em Julho de 1993, a Proposta de Lei nº 107/VI, com vista à alteração da Lei nº 64/93.
Na exposição de motivos afirmou-se, quanto a esta questão, que "... importa precisar, na esteira da jurisprudência constante do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, que as limitações a direitos fundamentais instituídas com carácter inovador pela
Lei nº 64/93 não têm eficácia retroactiva, aplicando- se apenas às situações constituídas depois da sua entrada em vigor".
Inseriu, no entanto, sob o nº 1 do artigo 2º, o texto seguinte:
"O regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos constantes da Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, não é aplicável, na parte em que seja inovador, às situações de acumulação validamente constituídas na vigência da lei anterior" ("Diário da Assembleia da República", II Série-A, nº 53, de 14 de
Julho de 1994, págs. 938 e 939).
19) "Manual de Direito Administrativo", Vol. II,
Coimbra, 1983, págs. 720 a 722.
Cfr. os pareceres deste Conselho Consultivo nºs 61/84, de 20 de Dezembro de 1984, e 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, aquele publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 346, págs. 54 a 87, este no "Diário da República", II Série, de 4 de Junho de
1991.
20) JOÃO ALFAIA, "Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público", vol. I, Lisboa,
1985, págs 171 e segs.
21) Citado parecer deste corpo consultivo, nº 5/94.
22) Os artigos 19º, 20º, 22º, 31º, 36º, 37º, 38º,
39º, 40º e 44º do Decreto-Lei nº 427/89, e o artigo
18º do Decreto-Lei nº 323/89 foram alterados pelos Decretos-Leis nºs. 407/91, de 17 de Outubro, e 34/93, de 13 de Fevereiro, respectivamente, em termos de a referida alteração não relevar na economia do parecer.
23) A alínea a) do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 323/89 é do seguinte teor:
"Por despacho fundamentado do membro do Governo competente, nos casos de director-geral ou de subdirector-geral ou cargos equiparados, podendo tal fundamentação basear-se, nomeadamente, na não comprovação superveniente da capacidade adequada a garantir a execução das orientações superiormente fixadas, na não realização dos objectivos previstos, na necessidade de imprimir nova orientação à gestão dos serviços, de modificar as políticas a prosseguir por estes ou de tornar mais eficaz a sua actuação na prestação eficiente das mesmas quando consideradas essenciais para o cumprimento de política global do Governo".
24) Um Deputado justificou a alteração desta disposição nos termos seguintes:
"Alterou-se o nº 2 do artigo 4º, estabelecendo-se que os docentes do ensino superior, investigadores e similares não ficam sujeitos ao regime de incompatibilidades previsto na Lei nº 9/90.
"Infelizmente, o País não dispõe de valores e quadros qualificados em tão vasto número que não tenhamos de introduzir alguma flexibilidade que impeça a fuga de elementos dos mais válidos cargos políticos e cargos públicos da maior importância. Igualmente, o ensino superior, a manter-se a lei nos termos actuais, iria ressentir-se, face ao natural afastamento de muitos dos seus mais qualificados docentes, que o interesse público não permite que se deixe consumar" ("Diário da Assembleia da República", I Série, nº 71, de 5 de Maio de 1990, págs. 2392 e segs.)
25) Exórdio.
26) Revogou a Lei nº 9/90.
Na sua origem estiveram os Projectos de Lei nº 322/VI e 331/VI, publicados no "Diário da Assembleia da República", I Série-A, de 3 de Junho e de 17 de Junho de 1993, págs. 657 e 775 e segs., respectivamente.
27) "Diário da Assembleia da República", II Série-A, de 17 de Junho de 1993, págs. 775 e segs.
28) Intervenção de um Deputado "Diário da Assembleia da República", I Série, de 25 de Junho de 1993, págs.
2788 e 2789.
29) Os dois últimos artigos desta Lei - 7º e 8º -, reportam-se, respectivamente, à aplicação no tempo do quadro jurídico a aprovar e ao prazo de caducidade da autorização legislativa.
30) Trata-se da Proposta de Lei nº 46/VI, publicada no "Diário da Assembleia da República", II Série-A, nº
20, de 10 de Fevereiro de 1993.
31) Intervenção de Sua Excelência o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, publicada no "Diário da Assembleia da República", I Série, nº 71, de 14 de Maio de 1993".
O relatório e o texto final elaborados pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias estão publicados no "Diário da Assembleia da República", II Série-A, nº 43, de 24 de Junho de 1993.
A votação final global do referido texto está publicada no "Diário da Assembleia da República", I Série, nº 87, de 25 de Junho de 1993.
32) MARCELLO CAETANO "Manual de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1991, pág. 204;
JORGE MIRANDA, "Funções, Órgãos e Actos do Estado",
Lisboa, 1990, pág. 43.
33) MARCELLO CAETANO, obra citada , vol. II, págs.
641 e 672.
Noutra perspectiva, órgão é o indivíduo que manifesta a vontade da pessoa colectiva. Neste sentido, cfr. AFONSO QUEIRÓ, "Lições de Direito Administrativo", I vol. Coimbra, 1976, págs. 84 e segs.
Uma solução intermédia distingue entre as perspectivas da "organização administrativa" e da "actividade administrativa", entendendo face àquela o órgão como instituição e a esta os indivíduos, FREITAS DO AMARAL,
"Curso de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra,
1992, págs. 592 a 595.
34) JORGE MIRANDA, obra citada, pág. 44.
35) FREITAS DO AMARAL, obra citada, vol. I, pág. 215.
36) O artigo 2020º do Código Civil, epigrafado de "união de facto", dispõe o seguinte:
"1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.
2. O direito a que se refere o número precedente caduca se não for exercido nos dois anos subsequentes
à data da morte do autor da sucessão.
3. É aplicável ao caso previsto neste artigo, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior".
Nos termos do artigo 1581º do mesmo diploma, há na linha recta tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor, e na linha colateral contam-se os graus pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo por outro, sem contar o progenitor comum.
E por força dos seus artigos 1584º e 1585º, a afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro, e determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco.
37) O nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 370/83, de
6 de Outubro, revogado pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, dispunha:
"Quando se verifique causa de impedimento em relação a qualquer titular de órgão administrativo ou de gestão ou a qualquer agente ou empregado, deve o mesmo comunicar desde logo o facto ao respectivo superior hierárquico ou ao presidente do órgão colegial, consoante os casos".
38) Os actos administrativos anuláveis podem ser revogados com o fundamento na sua invalidade, dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida ou, se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, no prazo que terminar em último lugar (artigo 136º, nº 1, do CPA).
São, por outro lado, susceptíveis de impugnação perante os tribunais nos termos da legislação reguladora do contencioso administrativo, e de ratificação, reforma e conversão (artigos 136º, nº 2, e 137º, nºs. 2 a 4 do mesmo diploma).
39) Os artigos 44º e 51º do Código do Procedimento Administrativo reportam-se, respectivamente, aos casos de impedimento dos titulares de órgãos e agentes da Administração Pública, e à sanção de anulabilidade dos actos e contratos em que tenham intervindo e de omissão do dever de comunicação a que alude o artigo
45º, nº 1, do mesmo Código.
40) JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, págs. 548 a 550; e JEAN-PIERRE GRIDEL, "Notions Fondamentales de
Droit et Droit Français: Introduction Méthodologie Synthèses", Paris 1992, págs. 198 a 201.
41) PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. I, Coimbra, 1979, pág. 44; e MÁRIO DE BRITO, "Código Civil Anotado", volume I, Lisboa, 1968, pág. 22.
42) VAZ SERRA, "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 99º, nº 3330, pág. 334.
43) ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, "Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias", Legislação,
Cadernos de Ciência de Legislação", Instituto Nacional de Administração, INA, nº 7, Abril-Junho de 1993, págs. 17 e 18.
44) Parecer nº 35/90, de 21 de Fevereiro de 1991, publicado no "Diário da República", II Série, de 9 de
Julho de 1991.
Sobre esta temática também versou, em termos mais desenvolvidos, o parecer do mesmo corpo consultivo, nº 35/92, de 9 de Julho de 1994.
45INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, "Introdução ao Estudo de Direito", vol. I, Lisboa, 1988, pág. 205.
46) Os Projectos de Lei nºs. 322/VI e 331/VI relativos à Lei nº 64/93 foram discutidos e aprovados, na generalidade, na reunião plenária da Assembleia da República de 24 de Junho de 1993.
Momentos antes, aprovara aquele órgão, em votação final global, o texto final elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à Proposta de Lei nº 46/VI, que deu origem à Lei nº 55/93.
47) Na exposição de motivos da Proposta de Lei aludida na nota (18) referiu-se que "o Decreto-Lei nº 413/93, de 23 de Dezembro, que estabeleceu medidas de reforço das garantias de isenção da Administração Pública, ao derrogar tacitamente a Lei nº 64/93, de 26 de Agosto, afastou do âmbito de aplicação pessoal desta o pessoal dirigente da função pública e os membros da direcção de institutos, fundações ou estabelecimentos públicos, os quais ficam sujeitos ao regime geral de incompatibilidades estabelecido para a função pública", e que "tratando-se de matéria que não pode estar à mercê de flutuações interpretativas, convém verter no texto da lei as soluções que resultam da referida sucessão de regimes".
Para o artigo 3º da Lei nº 64/93 foi inserida a seguinte redacção:
"Para efeitos da presente lei são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados: a) Presidente do conselho de administração de empresa pública e sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, qualquer que seja o modo da sua designação; b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, desde que exerçam funções executivas; c) [Anterior alínea d)].
"2 - Aos presidentes, vice-presidentes e vogais de direcção de instituto público, fundação pública ou estabelecimento público, bem como aos directores- gerais e subdirectores-gerais e àqueles cujo estatuto lhes seja equiparado em razão da natureza das suas funções, é aplicável, em matéria de incompatibilidades e impedimentos, a lei geral da função pública e, em especial, o regime definido para o pessoal dirigente".
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART2 ART18 N3 ART120 ART269 N1 N4 N5.
CCIV66 ART7 N3 ART9 ART12.
DL 323/89 DE 1989/09/26 ART9.
L 9/90 DE 1990/03/01.
L 56/90 DE 1990/09/05 ART8 N2.
DL 196/93 DE 1993/05/27.
L 55/93 DE 1993/08/06.
DL 413/93 DE 1993/12/23 ART2 ART3 ART4 ART5 ART6 ART7 ART8 ART9 ART10 ART11 ART12 ART13.
Referências Complementares: 
DIR ADM * FUNÇÃO PUBL / DIR CONST * ORG PODER POL / * CONT REF/COMP*****
* CONT ANJUR
/ DIR CIV * TEORIA GERAL.
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