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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
84/1993, de 10.03.1994
Data do Parecer: 
10-03-1994
Número de sessões: 
2
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ARRENDAMENTO URBANO
LIBERDADE CONTRATUAL
DENÚNCIA DE CONTRATO
CESSAÇÃO
CADUCIDADE
RENOVAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RETROACTIVIDADE DA LEI
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
DIREITOS ADQUIRIDOS
PRAZO
HABITAÇÃO
DIREITOS FUNDAMENTAIS
CONSTITUCIONALIDADE
Conclusões: 
1 - A regra da livre fixação do conteúdo dos contratos está sujeita, a coberto da restrição consagrada no artigo 405, n 1, do Código civil, a várias limitações legais, entre as quais relevam consideravelmente as motivadas pelo escopo da protecção das partes consideradas económica ou socialmente mais fracas;
2 - A protecção da parte considerada social ou economicamente mais débil na área do arrendamento de espaços para habitação, vem sendo legalmente salvaguardada em Portugal, além do mais, através da imposição aos senhorios da regra da renovação automática dos contratos (artigo 1095 do Código Civil e 68 do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n 321-B/90, de 15 de Outubro - RAU);
3 - A expressão da alínea c) do artigo 2 da Lei n 42/90, de 10 de Agosto, delimitadora das alterações ao regime jurídico do arrendamento urbano em termos de "preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário", comporta a credenciação do Governo para a eliminação das normas anteriores que visassem a protecção dos arrendatários, mas se revelassem socialmente imprestáveis, fosse por subverterem princípios basilares do ordenamento jurídico, fosse por tratarem desigualmente, sem fundamento material bastante, os sujeitos da situação locatária;
4 - As laterações veiculadas pelos artigos 69, 71, 102 a 107 do RAU ao regime constante dos artigos 1096 a 110 do Código Civil, 1 a 4 da Lei n 55/79, de 15 de Setembro, e do Decreto-Lei n 293/77, de 20 de Julho, consubstanciam-se, fundamentalmente, no seguinte:
- possibilidade de o senhorio se opor à renovação automática do contrato de arrendamento - denúncia - para habitação dos seus descendentes em 1 grau, e no caso de a casa própria ou arrendada não satisfazer a respectiva necessidade de habitação;
- não previsão do requisito de o arrendatário no tocante à denúncia "não ter usado dessa faculdade", e da proibição da denúncia dos contratos de arrendamento relativos a fracções autónomas de prédios constituídos posteriormente em regime de propriedade horizontal;
- alargamento em 10 anos do prazo de duração dos contratos de arrendamento como facto extinto da denúncia;
- localização das circunstâncias impeditivas da denúncia do momento em que ela deve produzir efeitos;
- não previsão no âmbito do incidente de diferimento da desocupação do locado, das regras de notificação judicial oficiosa do réu e do Ministério Público para formulação do pedido e do conhecimento oficioso do seu objecto;
5 - As normas do RAU indicadas na conclusão anterior são aplicáveis às situações jurídicas locatícias emergentes dos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua vigência - retroastividade aparente ou inautêntica (artigo 12, n 2, do Código Civil);
6 - O disposto no n 2 do artigo 297 do Código Civil é inaplicável no caso de, à data do início da vigência do RAU, já ter decorrido o prazo de 20 anos, nos termos da alínea b) do n 1 do artigo 2 da Lei n 55/79;
7 - Decorrido o prazo referido na conclusão anterior, no domínio da vigência da Lei n 55/79, extinto foi, por caducidade, o direito de denúncia do contrato pelo senhorio (artigos 12, n 1, 298, n 2 e 328 do Código Civil);
8 - A situação de extinção mencionada na conclusão anterior não é afastada pelo disposto na alínea b) do n 1 do artigo 107 do RAU;
9 - O princípio do respeito dos direitos adquiridos releva no quadro da sucessão de leis no tempo em termos de proibição da retroactividade, ainda que inautêntica, na medida em que ofenda de forma intolerável e injustificada os princípios da segurança e confiança jurídicas, corolários do princípio do Estado de Direito democrático, a que se reporta o artigo 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP;
10- Ao direito dos cidadãos à habitação consignado no artigo 65 da CRP corresponde a obrigação do Estado de o concretizar gradualmente, no quadro das respectivas opções políticas e dos recursos financeiros disponíveis;
11- Os particulares não estão vinculados à obrigação de assegurar o direito constitucional à habitação, pelo que o normativo referido na conclusão anterior não releva nessa medida nas relações jurídicas locatícias, incluindo nas vertendes relacionadas com a problemática das causas da sua constituição ou extinção;
12- As inovações do RAU referidas na conclusão 4 não exorbitam do conteúdo da autorização legislativa veículada pela Lei n 42/90, e enquanto aplicáveis às situações jurídicas locatícias derivadas de contratos de arrendamento celebrados anteriormente ao início da sua vigência, não ofendem de modo intolerável ou injustificado os princípios dos direitos adquiridos ou da segurança e confiança jurídica que emanam do artigo 2 da Constituição;
13- As normas inovadoras do RAU em causa não enfermam, por isso, de vício de inconstitucionalidade, orgânica ou material.
Texto Integral
Texto Integral: 
 SENHOR CONSELHEIRO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA,
EXCELÊNCIA:
  

I

JOÃO CABRAL, residente na Rua Comandante Santos da Cunha, nº 417, rés-do-chão, 4700 BRAGA, peticionou a Vossa Excelência no sentido de ser analisada a constitucionalidade das alterações ao regime de arrendamento urbano veiculadas pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, por virtude de exorbitância do poder do Governo, e da sua aplicabilidade aos contratos anteriores.
Fundamentou a sua pretensão no facto de, não obstante o estatuído na alínea c) do artigo 2º da Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, o Decreto-Lei nº 321-B/90 haver permitido aos senhorios a denúncia de contratos quando necessitem do prédio para a habitação dos seus descendentes em primeiro grau, ter alargado o prazo limite de contrato de arrendamento proibitivo de denúncia de 20 para 30 anos, e de não haver limitado as alterações referidas aos contratos de arrendamento futuros e de assim ter afectado direitos adquiridos.
Considerando a importância e relevância social da questão posta, determinou Vossa Excelência a emissão de parecer pelo Conselho Consultivo.
Cumpre, pois, emiti-lo.

II

A questão objecto do parecer, considerando o teor da exposição do peticionante, consubstancia-se em saber se as normas dos artigos 69º, 71º e 102º a 107º do Regime do Arrendamento Urbano, doravante designado por RAU, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, enfermam ou não do vício de inconstitucionalidade (1).
A solução daquela questão passa, fundamentalmente, pela análise do conteúdo normativo referido face às pertinentes normas da Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, e às dos artigos 2º e 65º da Constituição da República Portuguesa - CRP.
Para tanto, considerar-se-á, em tanto quanto releve para o efeito, além do mais, a problemática das restrições legais ao princípio da liberdade contratual na área do arrendamento, dos direitos adquiridos e da sucessão de leis no tempo.
Ademais, e com o escopo de melhor compreensão do tema, resumir-se-á a evolução, desde 1919, do regime de oposição por parte dos senhorios à renovação automática dos contratos de arrendamento - denúncia - , com particular incidência no que concerne à lei vigente, aqui e além com apelo à elaboração doutrinal e jurisprudencial.
 
 
III

1 A problemática em análise inscreve-se na disciplina legislativa de um dos tipos contratuais socialmente mais relevantes do nosso tempo.
A disciplina legislativa dos contratos em geral assenta, como é sabido, em três princípios fundamentais, nomeadamente o da autonomia privada, o da confiança e o da justiça comutativa (2).
À luz do princípio da autonomia privada podem os contraentes fixar vinculativamente a disciplina que lhes convenha.
O princípio da confiança consubstancia-se na responsabilização de cada um dos contraentes em relação ao outro pelas expectativas que as respectivas declarações fundadamente neles hajam suscitado.
O princípio de justiça comutativa, com incidência nos contratos onerosos, significa a tendencial equivalência das prestações envolvidas.
No tema do parecer releva, fundamentalmente, o princípio da autonomia privada, no plano da liberdade contratual, isto é, o poder de as pessoas estabelecerem, por acordo, a regulação dos seus interesses contrapostos.
O direito contratual do século XIX, inspirado pela doutrina individualista, assentou fundamentalmente na liberdade contratual - liberdade de contratar e de fixar livremente o conteúdo dos contratos - e na igualdade jurídica das partes.
Porém, a partir do segundo quartel deste século, no quadro das mutações sociais verificadas e sob inspiração dos princípios da justiça social, passaram a ser inseridas nos ordenamentos jurídicos normas imperativas tendentes a proteger as partes social ou economicamente mais débeis e certos interesses considerados de ordem pública, designadamente na área do arrendamento.
 
2. No nosso ordenamento jurídico actual, embora a liberdade contratual releve dos princípios constitucionais da igualdade e da liberdade a que se reportam os artigos 13º, 61ª e 62º da Constituição, está naturalmente sujeita a variados limites.
O princípio da liberdade contratual está consignado no artigo 405º do Código Civil, cujo nº 1 traça logo no começo a medida da sua limitação, enquanto prescreve que «dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver».
A liberdade de contratar, de escolha do co-contraente e da própria fixação do conteúdo contratual está, com efeito, sujeita a restrições várias impostas pelas exigências da boa fé, da justiça real, da protecção da parte social ou economicamente mais fraca, da moral pública e dos bons costumes.
Um dos sectores onde a liberdade de fixação do conteúdo dos contratos tem sofrido mais limitações é justamente o do arrendamento, sobretudo o habitacional, no sentido da protecção dos arrendatários (3).
Face ao interesse social que o envolve, o legislador interveio frequentemente na sua regulamentação, de harmonia com as opções políticas fundamentais ou próprias da conjuntura pontual, não raro em termos de limitação dos direitos dos senhorios.
É o reconhecimento de que certos tipos contratuais de arrendamento estão em situação de constituir fundamento material bastante para um tratamento jurídico diferenciado dos sujeitos, em termos de gravame da posição dos senhorios.
Assim, nos termos do artigo 68º do RAU, o arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato através de denúncia, enquanto o senhorio só o pode fazer nos casos e na forma legalmente previstos, isto é, a título excepcional.
Este normativo acolhe um princípio próprio de determinados arrendamentos que se traduz na exclusão, por razões de política social, do princípio da liberdade contratual.
Sobre esta matéria escreveu um autor que a «noção de interesse público e o sacrifício dos direitos patrimoniais da pessoa abala as fronteiras tradicionais da liberdade contratual, deixando o contrato de estar dissociado dos factos económico-sociais e vendo-se no primado da lei a pedra angular da contratação arrendatária» (4).
 
 
IV

1. No nosso direito antigo, o senhorio tinha sempre o direito de denúncia do contrato de arrendamento no termo do respectivo prazo.
Além disso, tinha o direito de resolução do contrato à margem de fundamentos legais típicos, certo que podia «o senhor da casa lançar o alugador fora quando dela houvesse mister para morar nela, ou para algum seu filho, filha, irmão ou irmã» (Ordenações, Livro IV, título XXIV) (5).
 
2. Na sequência da problemática social emergente da guerra de 1914-1918, o artigo 107º do Decreto nº 5411, de 17 de Abril de 1919, proibiu os despejos por conveniência, passando, assim, a vigorar no nosso ordenamento jurídico a regra da renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação.
A Lei nº 1662, de 4 de Setembro de 1924, manteve a referida regra, estabelecendo, porém, que ela só vigoraria até 30 de Dezembro de 1925, limite que não foi cumprido (6).
A Lei nº 2130, de 22 de Junho de 1948, que reformou o regime do arrendamento, não alterou a regra de renovação automática dos contratos, mas permitiu o despejo baseado na necessidade habitacional do senhorio na forma de direito de denúncia do contrato para o fim do prazo inicial ou de renovação (artigos 69º, alínea b), e 70º).
 
3. O Código Civil de 1966 manteve o princípio geral de que o senhorio não gozava do direito de denúncia, e o da renovação do contrato se o direito de denúncia não fosse exercido pelo arrendatário (artigo 1095º).
A excepção ao referido princípio constava do artigo 1096º e consubstanciava-se no facto de o senhorio poder denunciar o contrato no termo do respectivo prazo ou da sua renovação, salvo no que concerne às casas de saúde e aos estabelecimentos de ensino, quando necessitasse do prédio para a sua habitação ou para nele construir a sua residência ou se propusesse ampliá-lo ou construir novos edifícios em termos de aumento do número de locais arrendáveis.
Nos termos do nº 1 do artigo 1098º constituíam requisitos de denúncia para habitação do senhorio, o facto de ele ser proprietário co-proprietário ou usufrutuário do prédio há mais de cinco anos, ou, independentemente desse prazo, se o tivesse adquirido por sucessão, não ter nas comarcas de Lisboa e Porto e suas limítrofes, ou na respectiva localidade quanto ao resto do País, casa própria ou arrendada há mais de um ano e não ter usado ainda dessa faculdade.
 
4. O Decreto-Lei nº 217/74, de 27 de Maio, suspendeu as denúncias do arrendamento baseadas na ampliação do prédio ou na necessidade do local arrendado para habitação do senhorio (artigo 1º).
Cerca de dois anos volvidos, o Decreto-Lei nº 583/76, de 22 de Junho, estabeleceu a cessação da suspensão das acções de despejo por denúncia para habitação do senhorio, quando este fosse retornado das ex-colónias, emigrante, reformado, aposentado ou trabalhador que tivesse deixado de beneficiar de habitação concedida pela entidade patronal.
O Decreto-Lei nº 155/75, de 25 de Março, que suspendera os despejos por denúncia, foi revogado pelo Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho.
 
5. O Decreto-Lei nº 293/77 versou sobre medidas de protecção do réu e de terceiros nas acções de cessação de arrendamento.
Na decisão final proferida nas acções de despejo baseadas no exercício do direito de denúncia ou em certas causas de resolução do contrato, podia ser diferida a desocupação do locado, no primeiro caso até seis meses ou um ano se o réu renunciasse à indemnização, e até um ano no segundo, contável da data do seu trânsito em julgado (artigo 1º, nºs 1 e 2).
No juízo sobre o diferimento da desocupação deviam ser tomados em conta, além do mais, a carência de meios do réu, a excessiva onerosidade para este, o manifesto abuso do direito por parte do autor, o facto de o réu vir a dispor de habitação em certo prazo, o número, a idade, e o estado de saúde dos que vivessem no locado (artigo 3º).
O réu e o Ministério Público tinham legitimidade para instaurar o incidente, o primeiro até à data da designação da audiência de julgamento, e o último em oito dias contados da notificação adrede ordenada pelo juiz (artigo 5º, nºs 1 e 4).
Na ausência de requerimento do réu com vista ao diferimento da desocupação, e indiciado no processo fundamento fáctico-jurídico para o efeito, devia o juiz, até ao encerramento da discussão da causa, mandá-lo notificar para, em oito dias, o formular (artigo 5º, nº 2).
No caso de o réu nada haver requerido, a lei estabelecia que o juiz deveria mandar notificar o Ministério Público para, em oito dias, formular o requerimento.
E no caso de ninguém formular o pedido de diferimento da desocupação, este podia ser determinado pelo juiz, face a elementos justificativos constantes do processo (artigo 4º, nº 2).
O diferimento da desocupação por excessiva onerosidade para o locatário - baseado no facto de a execução imediata do despejo lhe originar prejuízo muito superior à vantagem conferida ao autor - só era autorizado se o réu caucionasse o pagamento das rendas vencidas e vincendas (artigo 17º).
No caso de o diferimento de desocupação ter sido consequente à resolução do contrato por omissão de pagamento de rendas motivada por carência de meios, o Instituto da Família e Acção Social indemnizava o autor pelo valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, acrescido dos juros de mora, ficando sub-rogado nos seus direitos (artigo 16º, nº 1) (7).
Requerido o diferimento de desocupação por carência de meios económicos por parte do réu, ele adquiria o direito a assistência judiciária na modalidade de dispensa de custas, e à inexigência, durante o incidente, das custas anteriormente contadas (artigo 14º).
 
6. O direito de denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio para sua habitação própria veio a ser restringido ou, em alguns casos, proibido, pela Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, nos primeiros quatro dos seus artigos (8).
 
6.1. O artigo 1º, sob a epígrafe «limitação ao direito de denúncia», dispunha:
«O direito de denúncia de contrato de arrendamento facultado pela alínea a) do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil não pode ser exercido pelo senhorio da fracção autónoma de imóvel constituído em propriedade horizontal quando esse regime for posterior ao arrendamento salvo se tiver adquirido a fracção por sucessão».
A jurisprudência e alguma doutrina pronunciaram-se, embora de modo não uniforme, com o fundamento de que a lei pretendeu acautelar o facto de futuros adquirentes se apresentarem a denunciar o contrato de arrendamento decorridos que fossem os cinco anos mencionados na alínea a) do nº 1 do artigo 1098º, de o senhorio poder exercer o referido direito, não obstante o regime de propriedade horizontal haver sido instituído posteriormente ao contrato de arrendamento no caso de o denunciante, anteriormente à instituição daquele regime, já ser proprietário, comproprietário ou usufrutuário (9).
6.2. O artigo 2º estabelecia, por seu turno, sob a epígrafe «outras limitações ao direito de denúncia», o seguinte:
«1. O direito de denúncia de contrato de arrendamento facultado pela alínea a) do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil também não pode ser exercido pelo senhorio quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Ter o inquilino 65 ou mais anos de idade ou independentemente desta, estar na situação de reforma antecipada por motivo de doença ou invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de reforma, se encontrar incapacitado por invalidez;
b) Manter-se o inquilino na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa qualidade.
«2. Para efeitos da alínea b) do número anterior, considera-se como tendo a qualidade de inquilino o cônjuge a quem tal posição haja sido transferida nos termos dos artigos 1110º ou 1111º do Código Civil, contando-se a seu favor o decurso de tempo de que o transmitente já beneficiava» (10).
Discutia-se, pelo menos na jurisprudência, sobre se a idade de 65 anos do arrendatário, requisito de proibição do direito de denúncia, deveria ou não verificar-se ao tempo da propositura da acção.
Em alguns arrestos considerou-se que a idade de 65 anos do inquilino deveria estar completada aquando da propositura da acção, noutros que isso poderia ocorrer durante a pendência da causa, e noutros que aquela idade deveria estar completada na data do termo do contrato de arrendamento ou da sua prorrogação (11).
 
6.3. O artigo 3º, sob a epígrafe «excepção às limitações» prescrevia:
«As limitações previstas no nº 1 do artigo 2º não subsistem quando o senhorio, sendo já proprietário, comproprietário ou usufrutuário da unidade predial à data do seu arrendamento, pretenda regressar ou tenha regressado há menos de um ano ao País, depois de ter estado emigrado durante, pelo menos, dez anos».
 
6.4. O artigo 4º, epigrafado de «direito de denúncia», estabelecia, por seu turno:
«O senhorio não goza de direito de denúncia facultado pela alínea a) do nº 1 do artigo 1096º do Código Civil quando a invocada necessidade de habitação ou os requisitos previstos no artigo 1098º desse diploma tenham sido intencionalmente criados».
Entendeu-se, a propósito desta disposição, que ela não era aplicável, por exemplo, ao senhorio que tivesse comprado o prédio com o objectivo de denúncia do contrato de arrendamento para sua utilização ainda que tal se traduzisse em mera mudança de residência, por se tratar de situações de honesta pré-determinação e aquele normativo só abranger o abuso do direito (12).
V
1. A Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, concedeu ao Governo autorização legislativa para alterar o regime jurídico do arrendamento urbano (artigo 1º).
Nos termos do seu artigo 2º, alínea c), as alterações a introduzir ao abrigo da autorização legislativa deviam obedecer à «preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário».
Ademais, por força do disposto no artigo 3º, as alterações referidas podiam envolver modificações expressas ou tácitas do Código Civil , da Lei nº 46/85, de 20 de Setembro, e, em geral, todas as fontes complementares daqueles diplomas (13).
 
2. No texto de motivação da respectiva Proposta de Lei afirmou-se que se impunha a reactivação do mercado de arrendamento com vista à satisfação do direito à habitação, que os interesses dos senhorios e dos inquilinos deviam conjugar-se em benefício de todos, e que cabia ao Governo, quando as circunstâncias o exigissem, encontrar o equilíbrio socialmente justo, sem defender qualquer das partes, mas em termos de garantia das melhores condições de cumprimento do preceito constitucional relativo ao direito à habitação (14).
 
3. No âmbito da discussão parlamentar relativa àquela Lei, colhem-se algumas referências com utilidade para o seu entendimento.
Afirmou-se, por um lado, que não era possível solucionar o problema da habitação sem que fosse criado um mercado de arrendamento e, por outro, que, não obstante inexistir um conflito de interesses entre senhorios e inquilinos, a lei vigente originou que o arrendamento não interesse a uma das partes (15).
Noutro passo referiu-se que, de entre as alíneas para as quais o Governo pediu autorização legislativa, apenas tinham significado real a criação do contrato de arrendamento a prazo e a questão dos trespasses dos arrendamentos comerciais, e que as restantes se traduziam na reunião das disposições que já existem e na inclusão de algumas melhorias de carácter marginal (16).
Ademais, salientou-se, em oposição, que o Governo quis que se acreditasse que preparava legislação apenas quanto a arrendamentos a prazo para o futuro, mas que pretendia um salvo-conduto para investir na lei civil e processual civil, em área muito sensível, e que a alínea c) do artigo 2º permitia alterar, além do mais, o regime de denúncia do contrato de arrendamento e alargar a sua possibilidade (17).
Acentuou-se, por outro lado, que a proposta apresentada apontava no sentido de a lei se aplicar aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua entrada em vigor (18).
Na votação na especialidade foi rejeitada uma proposta de alteração da referida alínea c), no sentido da «manutenção dos regimes relativos à formação, às vicissitudes e à cessação do respectivo contrato, nomeadamente no que concerne às limitações actualmente existentes ao exercício do direito de denúncia por parte do senhorio, à transmissão por morte do direito ao arrendamento e aos meios de prova do contrato (19).
As leis de autorização legislativas devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização (artigo 168º, nº 2, de CRP).
As referidas leis que contenham normas consubstanciadoras de indefinição do objecto ou de indeterminação do sentido são inconstitucionais e este vício implica a inconstitucionalidade dos decretos-leis nelas baseados - inconstitucionalidade consequente (20).
 
4. O normativo da alínea c) do artigo 2º da Lei nº 42/90, além do mais, foi questionado no Tribunal Constitucional por um grupo de deputados com fundamento na violação do disposto no nº 2 do artigo 168º da CRP por indefinição do sentido e da expressão da alteração legislativa.
Os arguentes explicitaram a existência do vício de violação do princípio da especialidade, pelo facto de ser utilizado o termo restritivo «úteis», e ficar-se sem saber se a tutela socialmente útil do interesse dos inquilinos seria temperada pelo interesse dos senhorios.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que, no caso, inexistia o vício de inconstitucionalidade, por o referido segmento de autorização comportar o entendimento da credenciação do Governo para eliminar as regras que, visando embora a defesa do arrendatário, se revelassem socialmente imprestáveis por subverterem princípios basilares do ordenamento jurídico ou tratarem desigualmente os contraentes sem que para tanto houvesse fundamento material bastante.
E exemplificou as soluções legais adoptadas, à luz do referido segmento normativo, designadamente a regra da obrigatoriedade de renovação do contrato, de fixação da renda em escudos, de actualização da renda nos casos e forma legalmente previstos, da transmissão do arrendamento para o cônjuge não arrendatário em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens e por morte do arrendatário, do direito a novo arrendamento de certas pessoas conviventes com o arrendatário ao tempo da sua morte, do direito de preferência do arrendatário e dos titulares do direito a novo arrendamento na alienação do local, da tipicidade das causas de extinção do contrato, da necessidade de, em certos casos, a cessação da relação locatícia só poder ocorrer em acção judicial, do forte condicionamento e, em alguns casos, do impedimento da denúncia do contrato pelo senhorio, da permissão do diferimento da desocupação, da eliminação da regra de que a nulidade do contrato para habitação, comércio, indústria ou exercício de profissão liberal resultante da falta de forma só podia ser invocada pelo arrendatário, e da oficiosidade do diferimento da desocupação no caso de inércia do réu(21).
Não vislumbramos fundamentos para dissentir nesta matéria das conclusões a que chegou o Tribunal Constitucional.
 
VI

1. Vejamos agora as pertinentes disposições do RAU, face ao objecto do parecer (22).
 
1.1. Dispõe o artigo 69º daquele diploma:
«1 Sem prejuízo dos casos previstos no artigo 89º-A, o senhorio pode denunciar o contrato para o termo do prazo ou da sua renovação, nos casos seguintes:
a) Quando necessite do prédio para sua habitação ou dos seus descendentes em 1º grau, ou para nele construir a sua residência;
b) Quando se proponha ampliar o prédio ou construir novos edifícios em termos de aumentar o número de locais arrendáveis.
«2. O disposto neste artigo não é aplicável às casas de saúde nem aos estabelecimentos de ensino oficial ou particular» (23).
O disposto neste artigo corresponde, salvo no que concerne à alínea a) do nº 1, ao que dispunha o artigo 1096º do Código Civil.
A divergência entre o estatuído no artigo 1096º do Código Civil e nesta disposição traduz-se no facto de esta consagrar a possibilidade de o senhorio também poder denunciar o contrato de arrendamento quando os seus descendentes em primeiro grau necessitem do prédio para a respectiva habitação (24).
O disposto neste artigo é aplicável quer se trate de contratos de arrendamento para habitação quer de arrendamento para o exercício do comércio, indústria ou profissão liberal, com o limite consignado no seu nº 2.
O direito de denúncia pressupõe a verificação do elemento autónomo da necessidade do prédio seja por banda do senhorio seja por parte dos seus filhos.
A legitimidade ad causam, no que concerne à denúncia do contrato de arrendamento para habitação dos descendentes em 1º grau do senhorio, inscreve-se apenas neste último (25).
O senhorio tem o ónus de prova e de alegação da necessidade de habitação do descendente em 1º grau.
A jurisprudência, em permanente elaboração do referido conceito de necessidade, tem explicitado que ela deve ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas (26).
Face aos termos da alínea a) do nº 1, em confronto com o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 93º, suscita-se a questão de saber se o senhorio só pode denunciar o contrato de arrendamento do prédio para nele construir a sua residência, isto é, se o não pode denunciar com vista a construir a residência dos seus filhos (27).
 
1.2. À forma e prazo da denúncia reporta-se o artigo 70º, do seguinte teor:
«A denúncia do senhorio deve ser feita em acção judicial com a antecedência mínima de seis meses relativamente ao fim do prazo do contrato, mas não obriga ao despejo enquanto não decorrerem três meses sobre a decisão definitiva».
O disposto neste artigo constitui mera reprodução do que estatuía o artigo 1097º do Código Civil.
A acção a que se reporta é a de despejo (artigo 55º, nº 1).
No caso de o exercício do direito de denúncia se reportar a contratos de arrendamento para o exercício do comércio, indústria ou profissão liberal que tenham durado menos de um ano, um a dez anos, ou dez anos ou mais, o despejo pode ocorrer no prazo a que se reporta este artigo, no de um ano ou de dois anos contados do termo do contrato ou da sua renovação, respectivamente (artigos 113º, 114º e 117º).
A declaração relativa à denúncia é de natureza receptícia e, consequentemente, só se torna eficaz ao chegar ao poder ou ao ser conhecida do arrendatário (artigo 224º, nº 1, do Código Civil).
Como aquela declaração tem de ocorrer em acção judicial, só a citação é susceptível de produzir o efeito que lhe é próprio, certo que, em regra, a acção só é eficaz em relação ao réu a partir daquele acto (artigo 267º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Ou seja, a denúncia consuma-se através do acto de citação, e os seus efeitos produzem-se posteriormente, se a acção for julgada procedente.
O prazo de seis meses até ao termo do contrato conta-se, pois, desde a data da citação do arrendatário (28).
Tem sido controvertida na jurisprudência a questão de saber o efeito em relação à acção do facto de a citação do arrendatário ocorrer menos de seis meses antes do termo do prazo do contrato.
Já se decidiu que no caso deverá a acção ser julgada improcedente por força do disposto no nº 1 do artigo 661º do Código do Processo Civil, que estabelece o princípio do pedido, bem como no sentido de que a acção deve proceder para o termo do prazo subsequente de renovação do contrato (29).
Esta última posição tem sido delineada, fundamentalmente, nos termos seguintes:
¾ a data em que deve ocorrer a extinção do contrato de arrendamento não constitui o núcleo essencial do pedido.
¾ a decisão que considera a eficácia da denúncia para o termo do prazo de renovação do contrato de arrendamento não viola o princípio do pedido, que é substancialmente respeitado, certo que a dilação temporal constitui um minus em relação à pretensão formulada (30).
¾ pedindo o autor a cessação do contrato de arrendamento em certa data, mas verificando-se que tal efeito só poderá ser produzido posteriormente, deve declarar-se aquela cessação neste último momento(31).
 
1.3. Aos requisitos da referida denúncia reporta-se o artigo 71º do mesmo diploma, do seguinte teor:
«1. O direito de denúncia para habitação do senhorio depende, em relação a ele, da verificação dos seguintes requisitos:
a) Ser proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de cinco anos, ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão;
b) Não ter, há mais de um ano, na área das comarcas de Lisboa ou do Porto e suas limítrofes ou na respectiva localidade quanto ao resto do País, casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em primeiro grau.
2. O senhorio que tiver diversos prédios arrendados só pode denunciar o contrato relativamente àquele que satisfazendo às necessidades de habitação própria e da família, esteja arrendado há menos tempo».
O disposto neste artigo corresponde, com alterações, ao que estatuía o artigo 1098º do Código Civil.
As alterações consubstanciam-se no facto de na alínea b) do nº 1 se consignar agora que o senhorio, apesar de dispor, há mais de um ano, de casa própria ou arrendada nas áreas indicadas, ainda assim pode exercer o direito de denúncia de contrato de arrendamento se ela não satisfizer as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em primeiro grau e da não inserção do requisito do direito de denúncia «não tiver ainda usado desta faculdade», que constava da alínea c) do nº 1 do artigo 1098º do Código Civil (32) .
No quadro da interpretação da alínea c) do nº 1 do artigo 1098º do Código Civil já a doutrina e a jurisprudência entendiam, para efeitos do exercício do direito de denúncia do contrato de arrendamento por parte do senhorio, que o facto de ele dispor de casa insuficiente equivalia a não ter casa (33).
Nesta medida, pode concluir-se que o segmento normativo relativo à necessidade de habitação do próprio senhorio no caso de dispor de casa insuficiente é meramente interpretativo.
A eliminação do requisito negativo do exercício do direito de denúncia, a que se aludiu, foi motivada pela consideração da circunstância de, após a denúncia por ele do contrato de arrendamento para habitação própria ou dos descendentes do senhorio em primeiro grau, poder ocorrer a situação de insuficiência da casa em relação à qual ocorreu a denúncia do contrato e não haver razões ponderosas para não lhe ser permitido o exercício, de novo, do direito de denúncia.
A mais significativa alteração desta disposição, em consonância com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 69º, é a que permite ao senhorio, verificados que sejam os restantes requisitos, exercer o direito de denúncia de contrato de arrendamento para habitação dos seus descendentes em 1º grau.
O primeiro dos requisitos do direito de denúncia para habitação do senhorio consubstancia-se na exigência de que, ao tempo da propositura da acção, seja titular do direito de propriedade, compropriedade ou usufruto sobre o prédio locado, há mais de cinco anos, salvo se o tiver adquirido por sucessão mortis causa(34).
O segundo requisito, de carácter negativo, consubstancia-se no facto de o senhorio não dispor, há mais de um ano, de casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação e dos seus filhos, na área das comarcas de Lisboa e Porto e suas limítrofes ou na respectiva localidade quanto ao resto do País.
O referido prazo reporta-se ao facto negativo «não ter casa própria ou arrendada» (35).
O pressuposto relativo à necessidade do prédio para habitação do senhorio ou dos seus descendentes em 1º grau e os requisitos de denúncia a que se reporta o artigo em análise devem verificar-se ao tempo da propositura da acção (36).
O terminus ad quem do prazo referido sob o nº 1 deve coincidir com a propositura da acção, isto é, não pode ultimar-se no decurso desta.(37).
O nº 2 prescreve, no caso de o denunciante dispor de mais de um prédio ou fracção predial arrendados ao tempo do exercício do direito de denúncia, este só poder operar em relação ao que, satisfazendo a sua necessidade de habitação própria e da família, dure há menos tempo (38).
Havendo sucessão de arrendatários ou de senhorios nos termos do artigo 85º deste diploma e 1057º do Código Civil, releva a data do contrato de arrendamento na sua primitiva expressão, isto é, independentemente das ulteriores vicissitudes subjectivas (39).
No caso de pluralidade de prédios ou de fracções prediais arrendados que satisfaçam a necessidade de habitação do denunciante e da respectiva família, tem sido entendido que a denúncia deve incidir sobre o que menos gravosas consequências implique no quadro do menor número de pessoas afectadas (40).
No domínio da lei anterior, a expressão «habitação própria e da família» era entendida no sentido de abranger o denunciante, os seus parentes, afins e serviçais que com aquele vivessem habitualmente em comunhão de mesa e habitação, a que se reporta o artigo 1040º, nº 3, do Código Civil (41).
Actualmente, entendem alguns autores que a expressão «família» deve ser interpretada nos termos da parte final da alínea b) do nº 1, isto é, como abrangendo apenas os descendentes em primeiro grau do senhorio (42).
Um dos entendimentos possíveis do referido normativo é o de que a necessidade de habitação própria deve ser perspectivada nos termos em que o era no domínio da lei anterior, e a da família em função dos descendentes em primeiro grau do senhorio que careçam de autonomamente constituir a sua própria habitação.
Inexiste fundamento razoável para que a situação dos arrendatários varie em função de a denúncia do contrato de arrendamento visar a satisfação da necessidade de habitação do próprio senhorio ou dos seus descendentes em 1º grau.
Daí que a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento com vista à habitação dos descendentes em 1º grau do senhorio dependa, em relação a eles, da verificação do requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 (43).
 
1.4. À indemnização devida ao arrendatário por virtude da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio e à hipótese de reocupação do prédio pelo primeiro reporta-se o artigo 72º.
Dispõe:
«1. É devida ao arrendatário, pela desocupação do prédio para habitação do senhorio, uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda, à data do despejo.
«2. Se o senhorio, desocupado o prédio, não o for habitar dentro de 60 dias, ou o tiver devoluto durante mais de um ano sem motivo de força maior, ou não permanecer nele durante três anos, e bem assim se ele não tiver feito, dentro desse mesmo prazo, a obra justificativa da denúncia, o arrendatário despedido tem direito, além da indemnização fixada no número anterior, à importância correspondente a dois anos de renda e pode recuperar o prédio, salvo, em qualquer dos casos mencionados, a ocorrência de morte ou deslocação forçada do senhorio não prevista à data do despejo» (44).
O disposto neste artigo reproduz o conteúdo do artigo 1099º do Código Civil.
Face ao seu nº 1, o senhorio que provoque a extinção do contrato de arrendamento em razão da eficaz oposição à sua não renovação automática, constitui-se na obrigação de indemnizar o arrendatário em montante equivalente a 30 meses de renda, segundo o seu valor à data do despejo.
O senhorio ou o seu descendente em 1º grau deve habitar o prédio em 60 dias contados da desocupação, não o manter devoluto por mais de um ano, salvo motivo de força maior, permanecer nele pelo menos três anos, e, o primeiro, realizar neste prazo a obra justificativa da denúncia.
Se assim não procederem, tem o arrendatário direito a outra indemnização correspondente a 24 meses de renda, a suportar pelo senhorio, e a recuperar o prédio, salvo no caso de morte ou deslocação forçada do senhorio ou do respectivo descendente, conforme o caso.
Esta última indemnização funciona como sanção da fraude presumida do senhorio em relação à necessidade do prédio (45).
Tem sido entendido que sendo a indemnização devida pela desocupação condição legal do exercício e efectivação do direito de denúncia, não carece o arrendatário de formular em reconvenção o respectivo pedido (46).
 
1.5.1. As medidas de protecção do réu nas acções instauradas com vista à cessação de contratos de arrendamento para habitação constam actualmente dos artigos 102º a 106º do RAU.
O diferimento da desocupação de locais arrendados para habitação é susceptível de ocorrer, por razões sociais imperiosas, na decisão da causa relativa à cessação do respectivo contrato (artigo 102º).
Têm legitimidade para formular o pedido relativo a este incidente não só o réu, como também o Ministério Público, até ao momento da designação da audiência de discussão e julgamento (artigo 105º, nº 1).
Os fundamentos legais do diferimento são a susceptibilidade de a desocupação imediata do local causar ao réu um prejuízo muito superior à vantagem conferida ao autor, e, no caso de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, a carência de meios do réu.
Na decisão devem ser ponderadas as exigências da boa fé, a indisponibilidade imediata pelo réu de habitação, o número, idade, estado de saúde e situação económico-social das pessoas envolvidas, em termos de prudente arbítrio (artigo 103º).
Requerido o diferimento da desocupação do locado por carência de meios do réu, adquire este automaticamente o direito ao apoio judiciário, na modalidade de assistência judiciária, e à inexigibilidade, durante o incidente, do pagamento das custas anteriormente contadas (artigo 105º, nºs 6 e 7).
Diferida a desocupação com fundamento na maior desvantagem para o réu face ao autor, este pode impôr àquele a caução relativa às rendas vincendas, sob pena de perda do benefício.
No caso de o diferimento ser fundado na carência de meios do réu, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social indemnizar o autor pelo montante das rendas vencidas e não pagas e juros de mora, para o que deve ser notificado da respectiva decisão, ficando sub-rogado nos direitos respectivos (artigos 105º, nº 5, e 106º).
 
1.5.2. Constata-se do confronto dos regimes de protecção do réu nos casos de cessação de contratos de arrendamento para habitação previstos no Decreto-Lei nº 293/77 e no RAU, que não divergem em termos substanciais.
O prazo máximo de diferimento de desocupação foi, porém, uniformizado em um ano, e o benefício do incidente estendido a qualquer causa de cessação do contrato de arrendamento, isto é, em termos que favorecem a posição dos arrendatários.
A diversidade em relação ao regime anterior situa-se no plano adjectivo do incidente, com o escopo de obviar ao retardamento desrazoável das acções tendentes à cessação dos contratos.
A alteração adjectiva consubstanciou-se, fundamentalmente, na não consagração das regras de oficiosidade de notificação do réu e do Ministério Público com vista à formulação do pedido de diferimento da desocupação, e do seu conhecimento jurisdicional.
Tratava-se, porém, de normas não só desnecessárias à defesa efectiva do réu, como também excepcionais em relação ao princípio do dispositivo que emerge, além do mais, dos artigos 3º, nº 1, 264º, nº 1, 661º, nº 1, e 664º do Código de Processo Civil.
 
1.6. À proibição do direito de denúncia do contrato de arren-damento pelo senhorio reporta-se o artigo 107º do RAU, do seguinte teor:
«1. O direito de denúncia do contrato de arrendamento, facultado ao senhorio pela alínea a) do nº 1 do artigo 69º, não pode ser exercido quando no momento em que deva produzir efeitos ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o arrendatário 65 ou mais anos de idade ou, independentemente desta, se encontre na situação de reforma por invalidez absoluta, ou, não beneficiando de pensão de invalidez, sofra de incapacidade total para o trabalho;
b) Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 anos ou mais, nessa qualidade.
«2. Para efeitos da alínea b) do número anterior, considera-se como tendo a qualidade de arrendatário o cônjuge a quem tal posição se transfira, nos termos dos artigos 84º e 85º, contando-se a seu favor o decurso do tempo de que o transmitente já beneficiasse».
Do confronto desta disposição com o correspondente artigo 1º da Lei nº 55/79, constatam-se as seguintes modificações:
¾ eliminação da restrição da proibição de denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento relativo a fracção autónoma do imóvel não adquirido por sucessão mortis causa, constituído em propriedade horizontal depois do arrendamento (47);
¾ alargamento do prazo de duração do contrato de arrendamento como facto extintivo da denúncia de 20 para 30 anos;
¾ localização das circunstâncias extintivas do exercício do direito de denúncia no momento em que esta deva produzir efeitos.
Tem sido entendido que da proibição em análise do direito de denúncia não se reporta aos contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal, isto é, que apenas visam os que tenham a habitação por objecto (48).
Incidem sobre o direito de denúncia pelo senhorio com base na necessidade do prédio para sua habitação ou dos seus descendentes em primeiro grau ou para nele construir a sua residência.
O momento que a lei elege para verificação dos factos impeditivos do exercício do direito de denúncia é aquele em que este deverá produzir efeitos.
A denúncia deve produzir efeitos no termo do prazo inicial ou renovado.
A verificação dos referidos factos no termo do aludido prazo impede, pois, a declaração judicial de extinção do contrato de arrendamento.
O segmento normativo relativo ao momento em que devem ocorrer as circunstâncias impeditivas da cessação do contrato a que se reporta o nº 1 é de natureza interpretativa e, consequentemente, só por esse facto, de eficácia retroactiva - artigo 13º, nº 1, do Código Civil (49) .
São os seguintes os factos extintivos da denúncia elencados na alínea a) do nº 1, relativos ao arrendatário, com eficácia autónoma:
¾ ter 65 ou mais anos de idade;
¾ estar reformado por invalidez absoluta (50);
¾ sofrer de incapacidade total para o trabalho (51).
Há quem entenda que os referidos factos só respeitam ao primitivo arrendatário (52).
Mas também é admissível o entendimento, face à letra e ao espírito da lei, e não obstante o disposto no nº 2, de que as limitações ao direito de denúncia em apreço se reportam a qualquer arrendatário, seja o primitivo, seja aquele que beneficiou daquela posição por transmissão.
A alínea b) do nº 1 insere também, como causa de extinção do direito de denúncia, o facto de o arrendatário ter essa qualidade há 30 anos ou mais anos.
O cônjuge a quem a posição de arrendatário se transfira nos termos dos artigos 84º e 85º deste diploma tem necessariamente a qualidade de arrendatário pelo que o segmento normativo do nº 2 que o expressa parece inócuo.
O escopo desta disposição é, porém, o de beneficiar no plano extintivo do direito de denúncia do senhorio, o arrendatário a quem foi transmitida aquela posição com base na qualidade de cônjuge do antecedente arrendatário através do averbamento a seu favor do tempo de duração da posição daquele.
 
1.7. O artigo 108º, que reproduz o disposto no artigo 3º da Lei nº 55/79, excepciona as limitações do nº 1 do artigo 107º, nos termos seguintes:
«As limitações previstas no nº 1 do artigo anterior não subsistem quando o senhorio, sendo já proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio ou parte do prédio à data do seu arrendamento, pretenda regressar ou tenha regressado há menos de um ano ao País, depois de ter estado emigrado durante, pelo menos, 10 anos».
Resulta desta disposição que o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento nos termos dos artigos 69º, nº 1, alínea a), 70º, 71º e 72º, isto é, sem as restrições previstas no nº 1 do artigo 107º, desde que:
¾ fosse proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio à data do contrato de arrendamento;
¾ tenha estado emigrado durante 10 ou mais anos;
¾ haja regressado ao País há menos de um ano, ou
¾ pretenda regressar (53).
 
1.8. Finalmente, o artigo 109º, que reproduz o artigo 4º da Lei nº 55/79, exclui o direito de denúncia, nos termos seguintes:
«O direito de denúncia facultado pela alínea a) do nº 1 do artigo 69º é excluído quando a invocada necessidade de habitação ou os requisitos previstos no artigo 71º tenham sido intencionalmente criados».
Esta disposição estabelece, pois, inexistir direito de denúncia do contrato de arrendamento por parte do senhorio, com base na necessidade do prédio para sua habitação, ou dos seus descendentes em 1º grau, ou para nele construir a sua residência e na verificação dos requisitos elencados no nº 1 do artigo 71º, se a necessidade ou os requisitos forem intencionalmente criados.
Tem sido discutido o alcance da expressão «intencionalmente criados».
Não parece que esta disposição se reporte a situações como aquelas que se consubstanciam na aquisição do prédio locado com vista a aproveitar-se, no tempo devido, da denúncia do contrato de arrendamento para instalar a sua habitação e dos familiares, ou na alienação da casa própria com vista a satisfazer compromissos ou a realizar despesas necessárias.
O entendimento contrário não se compaginaria, aliás, com o estatuído no artigo 108º, na medida em que excepciona a limitação ao direito de denúncia, além do mais, com a verificação da intenção de o emigrante regressar ao Pais.
Daí que se tenha entendido, sobretudo por apelo aos elementos lógicos de interpretação - sistemático, histórico e teleológico -, que a disposição em apreço prevê os casos de fraudulenta criação da necessidade de habitação.
Verificar-se-á, pois, a hipótese configurada neste normativo no caso de o denunciante haver alienado o prédio ou feito cessar o arrendamento de que era titular e de que dispunha nos locais referidos na alínea b) do nº 1 do artigo 71º com o objectivo de se colocar em situação fundamentadora do seu direito de denúncia.
Nesta óptica, o resultado que a disposição em apreço visa impedir é susceptível de ser evitado, na fase do exercício do direito de denúncia, com base no abuso do direito a que se reporta o artigo 334º do Código Civil (54).
 
 
 
 
VII

1. É altura de dilucidar a questão de saber se o legislador do RAU cumpriu ou não os limites estabelecidos na Lei nº 42/90, no que concerne às suas normas inovadoras relativas ao regime de oposição pelo senhorio à renovação automática dos contratos de arrendamento de prédios urbanos para habitação.
 
1.1. Através das leis de autorização legislativa, a Assembleia da República habilita o Governo a produzir actos normativos com força de lei - decretos-leis.
O conteúdo destes diplomas deve subordinar-se aos princípios constantes da lei de autorização (artigo 115º, nº 2, da CRP).
A desconformidade dos decretos-leis com a correspondente lei de autorização, designadamente por versarem sobre matérias diferentes ou de sentido não coincidente, face ao que foi autorizado, consubstancia-se no vício de inconstitucionalidade formal ou orgânica, que pode ser total ou parcial (55).
 
1.2. Recorde-se, por um lado, que a alínea c) do artigo 2º e o artigo 3º da Lei nº 42/90 prescrevem que as alterações ao regime então vigente do arrendamento urbano deviam preservar as regras socialmente úteis tuteladoras da posição do arrendatário, e que podem envolver modificações expressas ou tácitas do Código Civil, da Lei nº 46/85 e das fontes complementares destes diplomas.
E, por outro, que a diversidade resultante das aludidas alterações se consubstancia no seguinte:
a) possibilidade de o senhorio denunciar o contrato de arrendamento para obviar à necessidade de habitação dos seus descendentes em 1º grau;
b) possibilidade de o senhorio denunciar o contrato de arrenda-mento se a sua casa própria ou arrendada não satisfizer as suas necessidades de habitação e dos seus descendentes em 1º grau;
c) não previsão do requisito do direito de denúncia «não ter ainda usado dessa faculdade»;
d) não previsão da proibição de denúncia pelo senhorio de contratos de arrendamento relativos a fracções autónomas de prédios posteriormente constituídos em propriedade horizontal;
e) alargamento, por 10 anos, do prazo de duração do contrato de arrendamento como facto extintivo do direito de denúncia ;
f) localização das circunstâncias extintivas do exercício do direito de denúncia no momento em que ela deva produzir efeitos;
g) não previsão, no âmbito do incidente de diferimento de desocupação do locado, das regras de notificação judicial oficiosa ao réu e ao Ministério Público com vista à formulação do pedido, e de conhecimento oficioso do seu objecto.
 
1.3. No caso mencionado em a), perante o conflito de interesses do arrendatário em manter a utilização do locado e o do senhorio em proporcionar habitação aos seus filhos, o legislador favoreceu a posição do último.
A situação referida em b) está estreitamente conexionada com a que é aludida em a), e, no que concerne aos descendentes em 1º grau do senhorio, o seu cariz é inovador.
Na parte relativa ao próprio senhorio inexiste inovação, face ao que a doutrina e a jurisprudência já entendiam em sede de interpretação da lei anterior.
A situação elencada em c) foi motivada pelo facto de inexistirem ponderosas razões para negar ao senhorio o direito de denúncia se, após uma sua utilização, surgiu o circunstancialismo consubstanciador da insuficiência do local de habitação.
A alteração a que se alude sob d) visou obviar ao facto de o normativo anterior penalizar, injustificadamente, o regime da propriedade horizontal.
A inovação referida em e) limita significativamente a estabilidade da posição do arrendatário face à eventualidade do exercício do direito de denúncia pelo senhorio.
A situação mencionada em f), de cariz favorável à posição do arrendatário, configura-se como meramente interpretativa do correspondente normativo anterior .
A alteração mencionada em g) traduz-se na simplificação do processado do incidente de diferimento de desocupação do locado e na reposição do princípio dispositivo, em que se inspira a lei processual civil, sem afectar o direito de defesa do réu.
Adiante voltar-se-á a considerar esta matéria, no quadro da retroactividade das normas do RAU.
 
2. É indubitável que as mencionadas inovações agravam a posição dos arrendatários em confronto com a dos senhorios no quadro das respectivas situações jurídicas locatícias.
Importa, porém, considerar que o desenvolvimento do mercado de habitação fundado no arrendamento, com manifesto interesse para os cidadãos em geral, incluindo os meros candidatos à obtenção de uma casa de habitação, depende da execução de políticas correctoras do sistema restritivo da liberdade contratual que, nesta área, afecta a posição dos senhorios.
Já em 1977, o legislador afirmava a motivação da intervenção no sentido de que:
¾ não se estimula a construção privada, condição necessária de um parque habitacional suficiente, se o direito de propriedade for sujeito a ónus comprometedores da necessária segurança do correspondente investimento;
¾ não é realista quem esquecer que o sector público não pode construir sozinho as casas de que o País carece e que o sector privado não suprirá o défice sem adequada garantia;
¾ o sector de construção civil não se reanima sem o quantum satis da justiça retributiva e da segurança, «o que aponta para uma revisão em profundidade das leis que regem o inquilinato privado» (56).
Nesta óptica, a preservação das regras socialmente úteis tuteladoras da posição dos arrendatários, a que se reporta a alínea c) do artigo 2º da Lei nº 42/90, não significa a sua absoluta imutabilidade.
Neste sentido, aliás, foi o entendimento do Tribunal Constitucional ao referir que o aludido segmento normativo comportava a credenciação do Governo para eliminar as regras que, visando embora a defesa do arrendatário, se revelassem socialmente imprestáveis por subverterem princípios basilares do ordenamento jurídico ou tratarem desigualmente os contraentes sem que para tanto houvesse fundamento material bastante.
As referidas inovações visaram, fundamentalmente, a retoma do princípio do equilíbrio das posições de arrendatários e senhorios, no quadro das relações jurídicas locatícias, e no interesse colectivo.
Ademais, não afectaram o núcleo essencial das normas que salvaguardam a protecção dos arrendatários, enquanto partes mais débeis no âmbito dos contratos em causa.
 
3. Assim, importa concluir que as referidas normas do RAU não exorbitaram em relação à alínea c) do artigo 2º e ao artigo 3º da Lei nº 42/90, e consequentemente, não desrespeitaram o estatuído no artigo 168º, nº 1, alínea h), da CRP, e que, por isso, inexiste o insinuado vício de inconstitucionalidade orgânica.
 
 
VIII
1. Atentemos agora na questão de saber se as mencionadas normas inovadoras são ou não aplicáveis aos contratos de arrendamento já celebrados ao tempo do início da sua vigência.
 
1.1. Em qualquer situação de aplicação da lei no tempo ocorre conflito de interesses. Dum lado, o interesse público inerente à disciplina inserida pela lei nova, que se presume ser a melhor e, consequentemente, vocacionada para ser aplicada ao maior número possível de situações, e, do outro, o interesse da certeza jurídica, envolvendo o respeito pelas justas expectativas dos particulares criadas no domínio da lei antiga, porventura a justificar restrições na aplicação da lei nova.
O critério determinante da opção pela aplicação da lei antiga ou da lei nova passa, naturalmente, pela determinação do interesse em causa mais relevante (57).
1.2. A intangibilidade do princípio da não retroactividade das leis fez a sua época num quadro jurídico inspirado na doutrina do individualismo, que irradiava, como corolário, o princípio dos direitos absolutos, imutáveis e intangíveis.
A necessidade de atribuir efeito retroactivo a alguns diplomas legislativos, fosse em situações excepcionais, como as de guerra, fosse em épocas normais para defesa do interesse público, degradaram o princípio da irretroactividade das leis de absoluto em relativo.
Passou, com efeito, a entender-se que as leis não constituem instrumento de exclusiva disciplina para o futuro, que a sua retroactividade se não traduzia no cumprimento de normas inexistentes, mas em sujeitar à lei nova factos ocorridos no domínio da lei antiga em conformidade com o interesse de ordem pública (58).
 
1.3. A doutrina considera, no plano da retroactividade, três graus de relevância.
O grau máximo ocorre quando a lei nova não salvaguarda nem sequer as situações resolvidas por decisão transitada em julgado ou em que o direito de acção já caducou.
O grau médio verificar-se-á quando a lei nova salvaguarda as situações objecto de decisão transitada em julgado, mas não os efeitos jurídicos por ela produzidos no pretérito, que naquela não hajam sido reconhecidos.
O grau mínimo ou fraco ocorre quando a lei nova respeita, além do mais, os efeitos produzidos pelas situações jurídicas no domínio da vigência da lei antiga (59).
O princípio da não retroactividade da lei constitui a regra na maioria dos ordenamentos jurídicos.
O conceito de retroactividade tem sido essencialmente definido à luz das doutrinas dos direitos adquiridos e do facto passado.
A primeira configura a retroactividade da lei nova quando esta viole aqueles direitos, e a segunda quando for aplicável a factos ocorridos anteriormente à sua vigência e aos seus efeitos.
No presente predomina a doutrina do facto passado, temperada pelo princípio da aplicação imediata da lei nova às situações em curso aquando do início da sua vigência (60).
 
1.4. A problemática da sucessão de leis no tempo potencialmente aplicáveis aos contratos de execução sucessiva tem assumido certa especificidade em relação às restantes situações jurídicas.
A doutrina tradicional, desenvolvida no âmbito da legislação liberal, advogava que os contratos eram disciplinados pela lei vigente ao tempo da sua conclusão, em função do respeito pelas vontades individuais que os estabeleceram.
Mas o referido princípio nunca foi considerado em termos absolutos, certo que se admitia que as disposições da lei nova eram de imediata aplicação quando conflituassem com cláusulas contratuais anteriores mas modelassem um novo regime geral das pessoas e/ou dos bens com o escopo da resolução «de problemas de política social ou económica» (61) .
 
2. Como o RAU não contém, em relação à matéria objecto do parecer, qualquer norma sobre direito transitório material, importa considerar o que dispõe o artigo 12º do Código Civil, inspirado pela doutrina do facto passado, do seguinte teor (62):
«1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
«2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor».
Este corpo consultivo já teve oportunidade de ponderar, por várias vezes, que do artigo transcrito ressaltam os princípios da não retroactividade da lei e da sua aplicação imediata (63).
O nº 1 consagra os princípios de que a lei dispõe só para o futuro, se eficácia retroactiva lhe não for atribuída e, de que, neste caso, se presumem salvaguardados os efeitos produzidos pelos factos regulandos.
Assim, quanto aos factos regulados pela lei nova ocorridos anteriormente ao início da sua vigência, a regra é a da não retroactividade e a excepção a aplicação imediata.
Neste caso, funciona o princípio moderador da excepção em termos de presunção de a retroactividade não abranger os efeitos já produzidos no domínio da lei antiga pelos factos afectados pela lei nova.
O nº 2 distingue, no desenvolvimento do princípio da não retroactividade, as normas que dispõem sobre os requisitos de validade, substancial ou formal, e os efeitos de quaisquer factos, e as que versam sobre o conteúdo de certas relações jurídicas independentemente dos factos que as originaram.
As primeiras só são aplicáveis aos factos que ocorram depois do início de vigência da lei nova, enquanto as segundas se aplicam às situações jurídicas constituídas antes daquela vigência e que então subsistam.
Em síntese, dir-se-á que aos factos constitutivos das várias situações jurídicas é aplicável a lei vigente ao tempo da respectiva constituição, e, ao regime futuro do conteúdo das referidas situações, a lei nova.
Os efeitos dos contratos de arrendamento urbano são, fundamentalmente, a concessão por uma parte à outra do gozo temporário de um prédio urbano ou de parte dele mediante determinada retribuição, a prestar pela última (artigos 1022º do Código Civil e 1º do RAU).
As normas dos artigos 69º, nº 1, alínea a), 71º, nº 1, e 107º, nº 1, do RAU não versam, obviamente, sobre os factos constitutivos dos contratos de arrendamento vigentes ao tempo da sua entrada em vigor nem sobre os seus efeitos.
Elas regem, com efeito, sobre o conteúdo das relações jurídicas de arrendamento, na vertente da extinção por denúncia do senhorio, com patente abstracção em relação aos contratos que lhes deram origem (64).
À luz do nº 2 do artigo 12º do Código Civil, as questionadas normas modificadoras do regime de denúncia dos contratos de arrendamento por iniciativa do senhorio são, por isso, aplicáveis desde o início da sua vigência aos contratos de arrendamento em causa, ainda que tenham sido celebrados no domínio da vigência do regime legal anterior (65).
Esta forma de aplicação das referidas normas tem sido qualificada de retroactividade imprópria ou inautêntica (66).
As inovações normativas dos artigos 102º a 106º do RAU em relação ao Decreto-Lei nº 293/77 são de natureza processual, e por isso aplicáveis às acções de despejo pendentes aquando da sua entrada em vigor, mas não relevam na problemática posta pelo requerente.
Como refere um autor, a eficácia das normas em relação ao passado traduz-se em retroactividade autêntica quando os respectivos efeitos se produzem ex tunc desde certo momento temporal localizado no passado, ou em retroactividade aparente ou inautêntica quando os seus efeitos se produzem ex nunc, para o futuro, mas em termos de afectação de situações jurídicas constituídas e desenvolvidas no passado que persistam (67).
 
3. No que concerne ao normativo que alargou de 20 para 30 anos o prazo de duração do contrato de arrendamento como obstáculo ao direito de denúncia pelo senhorio, importa considerá-lo com um pouco mais de detalhe.
O elemento fundamental da previsão normativa da alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU é o prazo, directamente conexionado com a estatuição consubstanciada na extinção da faculdade de denúncia.
Como já se referiu, o Decreto-Lei nº 321-B/90 não contém normas de direito transitório relativas à aplicação no tempo do normativo que insere o novo prazo em apreço.
O artigo 297º do Código Civil reporta-se, porém, à aplicação no tempo das leis que alteram a duração dos prazos.
Na matéria em análise releva o nº 2 daquela disposição, do seguinte teor:
«A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial» (68).
Recorde-se, por outro lado, que na parte final do nº 1 do artigo 12º do Código Civil se estabelece para o caso de a lei ser aplicável a factos pretéritos, que se presume não serem afectados os efeitos por eles já produzidos.
À luz das referidas disposições, importa concluir, por um lado, que aos prazos de duração dos contratos em curso aquando do início da vigência do RAU é aplicável o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 107º daquele diploma, contando-se o novo prazo de 30 anos desde o momento da sua celebração.
E, por outro, que se ao tempo do início da vigência do RAU o contrato de arrendamento já durava há pelo menos 20 anos, inexiste o pressuposto de aplicação da norma do nº 2 do artigo 297º do Código Civil.
Com efeito, a questão da aplicação da lei nova só se coloca relativamente a situações em que os prazos da lei antiga ainda se não cumpriram, ou seja não é aplicável se os prazos fixados na lei anterior já se consumaram.
A consequência do facto jurídico consubstanciado no prazo a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU - extinção do direito de denúncia - é salvaguardada da retroactividade por força do disposto na parte final do nº 1 do artigo 12º do Código Civil.
A denúncia dos contratos de arrendamento em apreço só é possível, como já se referiu, através de acção judicial.
A duração do contrato pelo lapso de tempo legalmente previsto exclui a faculdade de denúncia por parte do senhorio.
Isso significa que o decurso do aludido prazo é susceptível de provocar a extinção do direito de denúncia em causa.
Noutra perspectiva, dir-se-á que a referida faculdade se extinguirá se não operar, através da via judiciária, anteriormente ao referido termo de duração do contrato.
Tal faculdade é, assim, congenitamente limitada no plano do seu exercício até certo prazo de duração da situação locatícia.
Nos termos do nº 2 do artigo 298º do Código Civil, quando a lei fixar um prazo para o exercício de um direito sem que o qualifique são-lhe aplicáveis as regras da caducidade.
A caducidade é o instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não exercício durante certo tempo (69).
O seu fundamento específico é a necessidade da certeza jurídica, isto é, o interesse público de que, decorrido certo prazo, fique definida a situação jurídica das partes (70).
No caso em apreço está em causa a extinção da faculdade de denúncia do contrato de arrendamento que dure há certo lapso de tempo motivada pelo interesse público da estabilidade da relação jurídica de arrendamento.
Face ao disposto no nº 2 do artigo 298º do Código Civil, pelo facto de a lei não qualificar aquele prazo de prescricional, e tendo em linha de conta a natureza da situação em causa, deve entender-se que ele é de caducidade (71).
Assim, se os contratos de arrendamento, aquando do início da vigência do RAU, já duravam há 20 anos ou mais, extinto está o direito de denúncia em causa, sem que a lei nova tenha a virtualidade de o fazer renascer (72).
Ou seja, tendo o efeito extintivo ocorrido no domínio da vigência da alínea b) do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 55/79, é-lhe inaplicável o estatuído na alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU.
No caso de, ao tempo do início da vigência do RAU, ainda não haver decorrido o prazo de 20 anos de duração do contrato de arrendamento em causa, rege o nº 2 do artigo 297º do Código Civil.
Assim, funcionará o prazo mais longo de 30 anos, considerando-se, para o efeito, o prazo de duração do contrato que houver até então decorrido (73).
 
 
IX
1. A aplicação das mencionadas normas do RAU às situações jurídicas derivadas de contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua vigência justifica que se verifique se isso afecta ou não direitos adquiridos pelos arrendatários, em termos de exigência de restrição na aplicação da lei nova.
2. A atribuição definitiva de um direito subjectivo tem o contraponto na atribuição de simples expectativas jurídicas - spes juris (74).
Direitos adquiridos significa, pois, «grosso modo», o que se incorporou na esfera jurídica de uma pessoa e reclama protecção contra qualquer ofensa (75).
Hão-de resultar de factos idóneos à sua constituição em face da lei então vigente.
Daí que previamente à operatividade do conceito importe determinar os contornos do direito em causa, isto é, o seu conteúdo e duração.
No domínio da retroactividade das leis, consideram-se direitos adquiridos os integrados na esfera jurídica das pessoas ao tempo do início da vigência da lei nova (76).
No quadro da vigência do Código Civil de 1867, foi o conceito de direito adquirido utilizado, entre nós, a propósito da sucessão de leis no tempo (77).
Este corpo consultivo tem salientado a propósito deste conceito, que a ideia geral que lhe subjaz é a de que deverá ser respeitado aquilo que se radicou na esfera jurídica das pessoas, com razoável grau de firmeza, à luz de certo ordenamento jurídico (78).
Nessa linha, tem afirmado, por um lado, que ele se consubstancia num instrumento de garantia da esfera jurídica dos cidadãos face à sucessão de leis no tempo e no espaço, e que está fora do seu âmbito tudo aquilo que à sombra da lei antiga era de duração limitada ou transitória (79).
E, por outro, que se trata de um princípio insuficientemente positivado e, consequentemente, sem a virtualidade de valer abstractamente como critério de conformação constitucional, mas tão-só enquanto articulado, num processo de concretização, com o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito democrático face à estrutura concreta das normas em que se desenvolva o novo acto legislativo em causa (80).
 
3. Os arrendatários relativamente aos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à vigência do RAU inseriam, naturalmente, na sua esfera jurídica o direito ao gozo temporário do locado mediante retribuição.
As restrições concernentes à oposição à renovação automática dos contratos de arrendamento, derivadas da lei, sob motivação de circunstâncias sociais por sua natureza mutáveis, assumem, naturalmente, natureza transitória.
Face à referida transitoriedade do estatuto legal relativo às aludidas restrições, importa concluir que elas não constituem para os arrendatários um direito adquirido em termos de não poder ser afectado pela lei nova.
 
4. Esta problemática é, no entanto, susceptível de ser perspectivada no plano da análise da aplicação das questionadas normas do RAU às situações jurídicas derivadas de contratos de arrendamento de pretérito no confronto com os princípios constitucionalmente consagrados da segurança e da confiança jurídicas.
É o que trataremos de seguida.
 
X
1. No nosso quadro jurídico-constitucional só a Carta Constitucional de 1826 consagrou o princípio da irretroactividade das leis em termos absolutos (artigo 141º, nº 2).
A actual CRP só proíbe a retroactividade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e das penais (artigos 18º, nº 3, e 29º, nºs 1 a 4).
As questionadas normas do RAU não se inscrevem, como é óbvio, no âmbito da proibição constitucional de retroactividade enunciada.
Não obstante o tipo impróprio ou inautêntico de retroactividade que veiculam, importa verificar se violam ou não qualquer outra norma constitucional, designadamente as que consagram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Com efeito, tem o Tribunal Constitucional entendido, no que concerne à retroactividade imprópria da lei, que ocorre o vício de inconstitucionalidade quando são afectadas, pela aplicação imediata da lei nova, as expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos contrariamente ao postulado dos princípios do Estado de Direito democrático nas suas vertentes da segurança jurídica e da confiança (81).
A este propósito importa considerar o que dispõe o artigo 2º da Constituição, do seguinte teor:
«A República Portuguesa é um Estado de Direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo da expressão e organização política democrática e no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, que tem por objectivo a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».
Do princípio do Estado de Direito democrático que resulta da transcrita disposição, e de outras normas do mesmo diploma, decorrem como seus corolários, os princípios da segurança jurídica e da protecção de confiança (82).
À luz dos referidos princípios - escreveu um autor - «o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas» (83).
A jurisprudência constitucional é uniforme no sentido de o princípio do Estado de Direito democrático implicar que os cidadãos devem poder prever as intervenções do Estado em relação a eles e preparar-se para se lhes adequarem, e poder confiar em que a sua actuação de harmonia com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça nas suas consequências juridicamente relevantes (84).
Nessa óptica, tem vindo a afirmar que o princípio do Estado de Direito democrático, nas suas vertentes da segurança jurídica e de protecção da confiança, implica que o legislador ordinário estabeleça limites de intervenção mesmo no quadro da retroactividade inautêntica ou imprópria.
A ofensa do princípio da protecção de confiança verificar-se-á, além do mais, quando a lei desvaloriza a posição do indivíduo de modo com que não podia razoavelmente contar ao dispor da sua vida.
Na determinação dos referidos limites constitucionais haverá que ponderar a confiança dos cidadãos em causa na manutenção de um certo regime e o relevo do fim prosseguido pelo legislador na alteração legislativa(85).
O princípio de confiança será violado quando o legislador ligue a situações jurídicas constituídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que o atingido podia e devia contar (86).
Também tem sido pacífico o entendimento de que a Constituição, fora da previsão dos artigos 18º, nº 3, a 29º, nºs 1 a 4, só proíbe a «irretroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos» (87).
As normas retroactivas que, pela sua natureza, obstaculem de forma intolerável, arbitrária ou demasiadamente opressiva àquele mínimo de certeza e segurança, que a comunidade e o direito devem respeitar, ofendem os princípios da confiança e da certeza jurídica.
Explicitando um critério possível de aferição da inadmissibilidade da retroactividade inautêntica, tem o Tribunal Constitucional, à luz do princípio da proporcionalidade, referido:
¾ a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua mutação jurídica com que, razoavelmente, os respectivos destinatários não podiam contar;
¾ não resultar da necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (88).
 
2. Os contratos de arrendamento em análise renovam-se automaticamente por períodos sucessivos, se nenhuma das partes os tiver denunciado nos termos da lei (artigo 1054º, nº 1, do Código Civil) (89).
O arrendatário pode, porém, impedir a renovação automática do contrato, isto é, operar a denúncia a que se reporta o artigo 1055º do Código Civil (artigo 68º, nº 1, do RAU).
Ao invés, o senhorio não dispõe de liberdade de oposição à renovação automática, a qual está sujeita a consideráveis restrições (artigo 68º, nº 2, do RAU) (90).
As normas que impedem o senhorio de pôr termo à prorrogação do contrato de arrendamento, findo o prazo de celebração ou de renovação, nos mesmos termos em que o permitem em relação ao arrendatário, revelam-se excepcionais em relação aos princípios em que assenta o direito contratual em geral.
Este regime restritivo em relação ao senhorio é essencialmente motivado pela preocupação social de proporcionar estabilidade à habitação ou à instalação, face à carência da oferta de locais arrendáveis e à reduzida possibilidade de aquisição do direito real que a proporcione.
Naturalmente, à medida que vá aumentando significativamente a oferta de locais arrendáveis e o nível de aquisição de casa própria, menos se justificará o regime restritivo enunciado.
Daí que o regime de desigualdade entre a posição dos senhorios e dos arrendatários, que, de algum modo, se traduz na distribuição de custos sociais fundamentalmente por apenas um grupo determinado de cidadãos, se revele tendencialmente transitório, porque susceptível de permanente mutação.
As restrições ao direito de denúncia do senhorio introduzidas pela Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, ampliaram o regime excepcional a que se aludiu no quadro de circunstâncias específicas de carência da oferta de locais arrendáveis.
Também este regime restritivo, em função das circunstâncias económico-sociais que o motivarem, assume natureza transitória em função da mutação positiva do mercado de arrendamento.
Por outro lado, no confronto com os princípios da certeza e da confiança jurídicas em análise, importa considerar aqueles outros direitos e princípios constitucionalmente consignados, como o da igualdade e da propriedade privada a que se reportam os artigos 13º, e 62º, nº 1, da CRP, que implicam a necessidade do equilíbrio possível dos interesses dos sujeitos da situação jurídica locatícia.
 
3. A nova situação de possibilidade de denúncia pelo senhorio do contrato de arrendamento com vista à concretização da habitação dos seus descendentes em primeiro grau, prevista nos artigos 69º, nº 1, alínea a), e 71º, nº 1, alínea b), do RAU, consubstancia-se na resolução do conflito entre o interesse do senhorio e o do arrendatário a favor daquele, em termos de justiça relativa.
O segmento normativo da alínea b) do nº 1 do artigo 71º do RAU que restringe o requisito negativo do direito de denúncia no que concerne à inexistência de casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação do senhorio ou dos seus filhos corresponde, no que àquele concerne, à interpretação doutrinal e jurisprudencial do regime antecedente, no entendimento de que ter casa própria ou arrendada insuficiente significa não dispor dela.
Nessa parte não se configura, pois, como inovação. No que respeita ao segmento normativo relativo aos filhos, a inovação constitui o corolário do alargamento do direito de oposição à renovação automática do contrato de arrendamento previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 69º deste diploma.
A eliminação do requisito proibitivo de denúncia no caso da fracção predial integrada no regime de propriedade horizontal constituído posteriormente ao contrato de arrendamento não tinha justificação razoável, além de mais, porque tal direito se mantinha no caso de ausência de constituição daquele regime, o que se traduzia na sua desmotivação, não obstante o seu evidente relevo social, tanto mais que nos termos do artigo 109º do RAU é excluído o direito de denúncia quando qualquer dos seus requisitos seja fraudulentamente criado.
O desaparecimento do requisito negativo do direito de denúncia relativo ao não uso dessa faculdade também não assumia justificação razoável, além do mais, porque a insuficiência de habitação é susceptível de ocorrer posteriormente a esse exercício, e as situações de fraude estão salvaguardadas pela referida norma de exclusão do direito.
O alargamento do prazo de duração do contrato de arrendamento como limite ao direito de denúncia de 20 para 30 anos, consignado na alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU, na medida em que não tem a virtualidade de fazer renascer o direito já extinto por caducidade pelo decurso do prazo de 20 anos no domínio da vigência da lei anterior, não constitui penalização injustificável face ao quadro descrito de transitoriedade do regime descrito de excepcionalidade em relação ao regime geral da liberdade contratual e à ponderação da necessidade de dinamização da oferta de locais arrendáveis.
A localização das circunstâncias extintivas do exercício do direito de denúncia no momento em que esta deva produzir efeitos, a que alude o proémio do nº 1 do artigo 107º do RAU, configura-se como interpretativa do correspondente normativo anterior e assume-se como favorável à posição dos locatários.
O novo regime do diferimento da desocupação do locado no âmbito das acções de despejo tendentes à cessação do contrato de arrendamento, previsto nos artigos 102º a 106º do RAU, consubstancia a simplificação necessária do respectivo incidente, sem agravar a posição substantiva dos locatários vertida no regime antecedente.
Neste quadro, e pelo exposto neste e nos anteriores capítulos VII, VIII, e IX, justifica-se a conclusão de que as normas inovadoras analisadas do RAU, enquanto aplicáveis às situações jurídicas emergentes dos contratos de arrendamento celebrados anteriormente ao início da sua vigência, não se traduzem em «retroactividade» intolerável, em termos de afectarem de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas dos arrendatários .
Não enfermam, por isso, do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios de segurança e da confiança, corolários do princípio do Estado de Direito democrático a que se reporta, sobretudo, o artigo 2º da Constituição.
 
 
XI
Finalmente, importa verificar se as referidas normas do RAU violam ou não o disposto no artigo 65º da Constituição.
Esta disposição, epigrafada de «habitação», prescreve:
«1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que permita a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
«2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria.
«3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
«4. O Estado e as autarquias locais exercerão efectivo controlo do parque imobiliário, procederão às expropriações dos solos urbanos que se revelem necessárias e definirão o respectivo direito de utilização».
Face ao disposto no nº 1, todos os cidadãos têm direito a uma casa de habitação para si e respectivo agregado familiar com o espaço e a forma adequados a garantir a higiene, o conforto e a privacidade de cada um.
Este direito é, naturalmente, de todos os cidadãos, independente-mente da sua condição sócio-económica, designadamente de serem candidatos a casa própria ou arrendada, ou de serem titulares do direito real sobre os prédios que integram o mercado de arrendamento.
Do estatuído nos nºs 2 e 4 resulta que é ao Estado e às autarquias locais que incumbe assegurar o direito à habitação dos cidadãos em geral, isto é, a este direito correspondem acções e prestações daquelas pessoas colectivas de direito público.
À luz dos nºs 2 e 3, deve o Estado prosseguir políticas de habitação no âmbito dos planos de ordenamento geral do território e do estabelecimento de rendas compatíveis com o rendimento familiar, incentivar e apoiar as iniciativas comunitárias tendentes a resolver os problemas habitacionais, estimular a construção privada e o acesso à habitação própria.
E por força do nº 4, a título instrumental da realização das aludidas políticas, ao Estado e às autarquias locais incumbe controlar o parque imobiliário e proceder às necessárias expropriações.
Tem vindo a ser discutido sobre qual a natureza do direito dos cidadãos à habitação a que se reporta a transcrita disposição constitucional.
Entendem uns que se trata de um direito subjectivo público, outros de mera pretensão jurídica, e outros de uma mera directriz programática, isto é, de dever político do Estado, regiões autónomas e autarquias locais(91).
Os termos do referido preceito constitucional apontam no sentido de o grau de realização do direito à habitação depender das opções que o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais façam no quadro da política de habitação, naturalmente condicionadas pelos recursos disponíveis, isto é, como refere um autor, um direito correspondente a um fim político de realização gradual (92).
Deste normativo constitucional não resulta a imediata concretização do direito à habitação.
Essa concretização depende, com efeito, da intervenção do legislador ordinário e, consequentemente, só pode ser exigido nos termos consignados a esse título de mediação (93).
O problema da habitação, isto é, a carência de casas de habitação não pode deixar de ser solucionado no equilíbrio dos direitos à garantia da propriedade privada e da habitação (94).
Neste entendimento, tem o Tribunal Constitucional decidido que o direito fundamental dos cidadãos à habitação não confere aos arrendatários o direito de impedir que os senhorios se oponham eficazmente, verificados os pertinentes pressupostos e requisitos legais, à renovação automática dos respectivos contratos de arrendamento (95).
O normativo constitucional em apreço não confere, pois, aos cidadãos em geral o direito a uma imediata prestação habitacional.
As prestações exigíveis à sua luz apenas são susceptíveis de se consubstanciar na formulação e na execução das políticas de habitação nele referidas.
Os sujeitos a quem a referida pretensão jurídico-constitucional pode ser oposta são, porém, apenas o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais.
O cumprimento do disposto na disposição em apreço não passa pela eliminação das faculdades do direito de propriedade privada, mas pela construção de infra-estruturas urbanas e do necessário parque habitacional, naturalmente com apelo ao estímulo da construção civil privada.
Assim, o direito à habitação que a aludida disposição constitucional consagra é inoponível aos titulares de direitos reais sobre os prédios, incluindo as suas fracções autónomas, oferecidos no mercado de arrendamento habitacional, isto é, aos senhorios em geral.
O normativo constitucional em apreço não implica para os particulares a obrigação de assegurar o direito à habitação e, nessa medida, não vincula no plano da liberdade contratual em matéria de arrendamento, incluindo as vertentes de possibilidade ou impossibilidade de denúncia dos contratos de arrendamento por iniciativa dos senhorios (96).
O direito fundamental à habitação não é, pois, susceptível de por si só conferir aos arrendatários um direito jurisdicionalmente exercitável de impedir que os senhorios se oponham eficazmente à renovação automática dos contratos de arrendamento em causa, ainda que celebrados anteriormente ao início da vigência do RAU, no quadro do condicionalismo previsto.
As normas inovadoras dos artigos 69º, 71º, 102º a 107º do RAU não colidem com as do artigo em análise que consagram o direito à habitação.
Impõe-se, por isso, a conclusão de que as normas analisadas do RAU não violam o estatuído no artigo 65º da Constituição e, consequen-temente, não enfermam, nesta medida, de vício de inconstitucionalidade material.
 
 
XII

Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª. A regra da livre fixação do conteúdo dos contratos está sujeita, a coberto da restrição consagrada no artigo 405º, nº 1, do Código Civil, a várias limitações legais, entre as quais relevam consideravelmente as motivadas pelo escopo da protecção das partes consideradas económica ou socialmente mais fracas;
2ª. A protecção da parte considerada social ou economicamente mais débil na área do arrendamento de espaços para habitação, vem sendo legalmente salvaguardada em Portugal, além do mais, através da imposição aos senhorios da regra da renovação automática dos contratos (artigos 1095º do Código Civil e 68º do Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro - RAU);
3ª. A expressão da alínea c) do artigo 2º da Lei nº 42/90, de 10 de Agosto, delimitadora das alterações ao regime jurídico do arrendamento urbano em termos de «preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário», comporta a credenciação do Governo para a eliminação das normas anteriores que visassem a protecção dos arrendatários, mas se revelassem socialmente imprestáveis, fosse por subverterem princípios basilares do ordenamento jurídico, fosse por tratarem desigualmente, sem fundamento material bastante, os sujeitos da situação locatícia;
4ª. As alterações veiculadas pelos artigos 69º, 71º, 102º a 107º do RAU ao regime constante dos artigos 1096º a 1100º do Código Civil, 1º a 4º da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, e do Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho, consubstanciam-se, fundamentalmente, no seguinte:
¾ possibilidade de o senhorio se opor à renovação automática do contrato de arrendamento - denúncia - para habitação dos seus descendentes em 1º grau, e no caso de a casa própria ou arrendada não satisfazer a respectiva necessidade de habitação;
¾ não previsão do requisito de o arrendatário no tocante à denúncia «não ter usado dessa faculdade», e da proibição da denúncia dos contratos de arrendamento relativos a fracções autónomas de prédios constituídos posteriormente em regime de propriedade horizontal;
¾ alargamento em 10 anos do prazo de duração dos contratos de arrendamento como facto extintivo da denúncia;
¾ localização das circunstâncias impeditivas da denúncia no momento em que ela deva produzir efeitos;
¾ não previsão, no âmbito do incidente de diferimento da desocupação do locado, das regras de notificação judicial oficiosa do réu e do Ministério Público para formulação do pedido e do conhecimento oficioso do seu objecto;
5ª. As normas do RAU indicadas na conclusão anterior são aplicáveis às situações jurídicas locatícias emergentes dos contratos de arrendamento celebrados anteriormente à sua vigência - retroactividade aparente ou inautêntica (artigo 12º, nº 2, do Código Civil);
6ª O disposto no nº 2 do artigo 297º do Código Civil é inaplicável no caso de, à data do início da vigência do RAU, já ter decorrido o prazo de 20 anos, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 55/79;
7ª Decorrido o prazo referido na conclusão anterior, no domínio da vigência da Lei nº 55/79, extinto foi, por caducidade, o direito de denúncia do contrato pelo senhorio (artigos 12º, nº 1, 298º, nº 2, e 328º do Código Civil);
8ª. A situação de extinção mencionada na conclusão anterior não é afastada pelo disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU;
9ª. O princípio do respeito dos direitos adquiridos releva no quadro da sucessão de leis no tempo em termos de proibição da retroactividade, ainda que inautêntica, na medida em que ofenda de forma intolerável e injustificada os princípios da segurança e confiança jurídicas, corolários do princípio do Estado de Direito democrático, a que se reporta o artigo 2º da Constituição da República Portuguesa - CRP;
10ª. Ao direito dos cidadãos à habitação consignado no artigo 65º da CRP corresponde a obrigação do Estado de o concretizar gradualmente, no quadro das respectivas opções políticas e dos recursos financeiros disponíveis;
11ª. Os particulares não estão vinculados à obrigação de assegurar o direito constitucional à habitação, pelo que o normativo referido na conclusão anterior não releva nessa medida nas relações jurídicas locatícias, incluindo nas vertentes relacionadas com a problemática das causas da sua constituição ou extinção;
12ª. As inovações do RAU referidas na conclusão 4ª não exorbitam do conteúdo da autorização legislativa veiculada pela Lei nº 42/90, e, enquanto aplicáveis às situações jurídicas locatícias derivadas de contratos de arrendamento celebrados anteriormente ao início da sua vigência, não ofendem de modo intolerável ou injustificado os princípios dos direitos adquiridos ou da segurança e confiança jurídicas que emanam do artigo 2º da Constituição;
13ª. As normas inovadoras do RAU em causa não enfermam, por isso, de vício de inconstitucionalidade, orgânica ou material.
 



(1) O Decreto-Lei nº 321-B/90 foi rectificado por declaração publicada no «Diário da República», II Série, de 30 de Novembro de 1990, e o RAU, por aquele aprovado, ao abrigo da Lei de Autorização Legislativa nº 14/93, de 14 de Maio, foi alterado, no que concerne aos artigos 30º, 31º, 69º, 78º, 89º e 99º, 81º-A, 89º-A, 89º-B, 89º-C e 89º-D, pelo Decreto-Lei nº 278/93, de 10 de Agosto.
São os seguintes os diplomas conexos com o RAU:
¾ Portaria nº 1232/90, de 28 de Dezembro, relativa à taxa a que se refere o nº 2 do artigo 79º do RAU;
¾ Portaria nº 2/91, de 2 de Janeiro, que fixou a percentagem a que alude o artigo 8º do RAU;
¾ Portaria nº 381/91, de 3 de Maio, que estabelece a composição e a forma de funcionamento da Comissão Especial para a fixação dos factores de actualização das rendas;
¾ Lei nº 2/91, de 18 de Junho, que autorizou o Governo a isentar de IRS as rendas de contratos celebrados ao abrigo do novo regime de arrendamento urbano;
¾ Decreto-Lei nº 337/91, de 10 de Setembro, que permite o abatimento das importâncias recebidas a título de renda, decorrentes de contratos de arrendamento habitacional celebrados ao abrigo do novo regime de arrendamento urbano para efeitos de IRS;
¾ Decreto-Lei nº 162/92, de 5 de Agosto, que instituiu o incentivo ao arrendamento por jovens;
¾ Decreto-Lei nº 197/92, de 22 de Setembro, que reformulou o Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA);
¾ Portaria nº 914/92, de 22 de Setembro, que estabelece o valor das comparticipações a fundo perdido, a conceder pelas administrações central e local, segundo o valor das obras e das rendas;
¾ Decreto-Lei nº 166/93, de 7 de Maio, que estabelece o regime de renda apoiada.
(2) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, Coimbra, 1991, págs. 234 e segs., que neste passo seguiremos de perto.
(3) Acórdão da Relação do Porto, de 14 de Março de 1989, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XIV, tomo 2, pág. 204.
(4) BRANDÃO PROENÇA, Um Exemplo do Princípio do Melhor Tratamento do Arrendatário Habitacional: Termo Final do Arrendamento e Renovação Forçada (Uma Perspectiva Comparatística»), Coimbra, 1982, págs. 11 a 13.
(5) INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Parecer de 26 de Abril de 1983, «Colectânea de Jurisprudência», Ano VIII, tomo 5, págs. 7 a 14.
(6) O referido prazo foi sucessivamente prorrogado pelos Decretos nºs 10774, de 19 de Maio de 1925, 12167, de 6 de Novembro de 1926 e 14630, de 28 de Novembro de 1927, até 31 de Dezembro de 1926, 31 de Dezembro de 1927 e sine die, respectivamente.
(7) O Decreto-Lei nº 293/77 foi revogado pelo artigo 3º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 321-B/90, passando a respectiva matéria a constar dos artigos 102º a 106º do RAU, que adiante se analisarão.
(8) O artigo 5º versava sobre a aplicação da Lei às acções de despejo pendentes, o 6º estabelecia que o início da vigência da Lei constituía anormal alteração das circunstâncias para efeitos de resolução pelos promitentes compradores dos contratos promessa relativos a unidades prediais e cuja decisão de contratar tivesse sido fundada na possibilidade de denúncia prevista na alínea a) do nº 1 dos artigos 1096º do Código Civil, e o 7º relativo à data do início de vigência da lei.
(9) Neste sentido, JANUÁRIO GOMES, O exercício do direito de denúncia, pelo senhorio, de contrato anterior à constituição de propriedade horizontal», «Revista da Ordem dos Advogados», 44º, I, págs. 155 e segs.; PINTO FURTADO, Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos, Coimbra, 1988, pág. 581; e acórdãos da Relação de Lisboa, de 17 de Junho de 1980, de 18 de Dezembro de 1981 e de 10 de Março de 1983, «Colectânea de Jurisprudência», Anos V, tomo 3, pág. 191, VI, tomo 3, pág. 180, e VIII, tomo 2, pág. 9, respectivamente.
Em sentido contrário decidiu a Relação do Porto, em 26 de Julho de 1984, «Colectânea de Jurisprudência», Ano IX, tomo V, pág. 214.
(10) Redacção resultante da alínea a) do artigo 2º da Lei nº 46/85, de 20 de Setembro.
(11) No primeiro sentido decidiu a Relação do Porto, em 5 de Fevereiro de 1981, em 24 de Maio de 1983, a Relação de Lisboa, em 10 de Março de 1983, a Relação de Évora, em 21 de Maio de 1987; no segundo a Relação de Lisboa, em 2 de Março de 1982; no terceiro o Supremo Tribunal de Justiça, em 7 de Julho de 1983, e a Relação do Porto, em 29 de Março de 1984, «Colectânea de Jurisprudência», Anos VI, tomo 1, pág. 56, VIII, tomo 3, pág. 242 e tomo 2, pág. 111, XIII, tomo 3, pág. 243 VII, tomo 2, pág. 153, IX, tomo 2, pág. 222, e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 328, pág. 555, respectivamente.
(12) PINTO FURTADO, obra citada, págs. 583 e 584, onde refere que o campo de aplicação daquele artigo se cingia ao caso de «a falta, no denunciante, de prédio próprio ou arrendado, há mais de um ano, na área da localidade ou da região de comarcas, resulta de ter este aí vendido prédio seu, susceptível de ser ocupado, ou provocado a cessação de arrendamento de que beneficiava, intencionalmente, para se colocar nas condições legalmente requeridas para o exercício do direito».
A Relação de Lisboa, em 30 de Maio de 1980, decidiu que a intenção para afastar o direito de denúncia pressupõe que a conduta adoptada vise produzir resultado ilícito e danoso, «Colectânea de Jurisprudência», Ano VI, tomo 3, pág. 179.
A Relação do Porto decidiu, porém, em 24 de Março de 1983, que tendo o autor construído um prédio após a celebração do contrato de arrendamento, que arrendou a vários inquilinos habitacionais, colocou-se voluntariamente na situação de não ter casa, por lhe ter sido fácil reservar para si uma das habitações desse prédio que satisfazia as suas necessidades de alojamento e dos seus familiares, «Colectânea de Jurisprudência», Ano VIII, tomo 2, pág. 247.
(13) A Lei nº 46/85 aperfeiçoou o regime dos contratos celebrados no regime de renda livre e condicionada, proclamou o princípio da actualização anual de todas as rendas de harmonia com coeficientes a aprovar pelo Governo, admitiu os contratos de duração limitada, regulou a matéria das obras de conservação e de beneficiação e o direito a novo arrendamento dos conviventes com o senhorio e instituíu o subsídio de renda para os arrendatários de baixo rendimento.
(14) Proposta de Lei nº 158/V, «Diário da Assembleia da República», II Série-A, de 23 de Junho de 1990, pág. 1486.
(15) Intervenção do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, «Diário da Assembleia da República», I Série, nº 98, de 11 de Julho de 1990, pág. 3419.
(16) Idem, pág. 3420.
(17) Intervenção de um Deputado, idem, págs. 3423 e 3424.
(18) Idem, pág. 3426
(19) «Diário da Assembleia da República», I Série, nº 100, de 13 de Julho de 1990, pág. 3555.
(20) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1991, pág. 680.
Sobre a natureza jurídica das leis de autorização legislativa veja-se J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pág. 859.
(21) Acórdão nº 311/93, de 28 de Abril de 1993, «Diário da República», II Série, de 22 de Julho de 1993.
Este acórdão contém quatro declarações de voto desconformes com a solução definida pela maioria, duas delas relativas à alínea c) do artigo 2º da Lei nº 42/90.
A primeira acentuou que a referida norma constituía um cheque em branco ao Governo para preservar apenas certas regras de tutela da posição dos arrendatários e sacrificar outras, como bem lhe aprouvesse, violando a preceito do nº 2 do artigo 168º da Constituição enquanto exige que as autorizações legislativas definam o sentido da autorização.
A segunda salientou que o referido segmento normativo não comportava apenas o sentido delineado pela maioria que fez vencimento, mas também o da prescrição da manutenção das concretas regras do regime anteriormente vigente que estabeleciam um «favor» em benefício dos arrendatários porque essas regras sempre seriam de considerar socialmente úteis.
(22) O RAU entrou em vigor no trigésimo dia posterior à data da sua publicação,l salvo o disposto no seu artigo 9º, cuja vigência ocorreu em 1 de Janeiro de 1992.
O referido diploma só foi distribuído dias depois da data indicada como se fosse a da sua publicação.
Sobre a questão de saber qual a data do início da vigência dos diplomas legais no caso de a indicada como da sua publicação não coincidir com a da distribuição do respectivo «Diário da República», cfr. o parecer deste corpo consultivo, nº 265/78, de 1 de Março de 1979, publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 290, págs. 115 a 123, e OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito - Introdução e Teoria Geral, Coimbra, 1993, págs. 282 a 284.
(23) A alteração do proémio do nº 1 pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 278/93, de 10 de Agosto, consistiu na inclusão da expressão «sem prejuízo dos casos previstos no artigo 89º-A».
O artigo 89º-A refere-se à denúncia pelo senhorio de contratos de arrendamento objecto de transmissão para descendentes, ascendentes ou afins.
(24) A este propósito referem MENEZES CORDEIRO e CASTRO FRAGA que esta disposição é inteiramente de aplaudir porque entre o interesse do inquilino em manter a utilização do locado e o senhorio em conseguir habitação para os seus filhos é de justiça que a lei dê maior protecção ao último quando for proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio, «Novo Regime de Arrendamento Urbano», Coimbra, 1990, pág. 115.
(25) Neste sentido, cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 24 de Novembro de 1992, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVII, tomo 4, pág. 152.
(26) PAIS DE SOUSA, Anotações ao Regime de Arrendamento Urbano (RAU), Lisboa, 1992, pág. 172; e acórdãos da Relação do Porto, de 21 de Outubro de 1980, de 9 de Junho de 1981, e da Relação de Coimbra, de 7 de Julho de 1981, publicados no «Boletim do Ministério da Justiça», nº 300, pág. 447, e na «Colectânea de Jurisprudência», Ano VI, tomo 3, pág. 51, e tomo 4, pág. 15, respectivamente.
(27) PAIS DE SOUSA refere a propósito que razões substanciais e de analogia não parecem justificar a restrição, e que a segunda parte desta disposição tem de se referir aos terrenos que sirvam de logadouro ao prédio urbano.
(28) Era esta a solução que constava do nº 1 do artigo 964º do Código de Processo Civil.
Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Outubro de 1980, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 300, pág. 376; e PAIS DE SOUSA, obra citada, pág. 175, onde refere parecer-lhe tal entendimento pacífico.
(29) Acórdãos da Relação de Lisboa, de 13 de Janeiro de 1981 e de 9 de Fevereiro de 1982, «Colectânea de Jurisprudência», Anos VI e VII, tomos 1, págs. 203 e 175, respectivamente.
(30) Em sentido contrário veja-se PAIS DE SOUSA, obra citada, pág. 173, onde afirma que a primeira das referidas orientações lhe parece a mais curial.
(31) Neste sentido, decidiu a Relação do Porto, em 15 de Dezembro de 1972 e em 18 de Novembro de 1991, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 222, pág. 471, e «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVI, tomo 5, pág. 191, respectivamente.
(32) PINTO FURTADO escreveu, a propósito, que o referido requisito negativo se lhe afigurava dever ser equacionado em relação à mesma localidade ou região de comarcas (obra citada, págs. 571 e 572).
Neste sentido pode ver-se, por exemplo, PAIS DE SOUSA, Extinção do Arrendamento Urbano, Coimbra, 1985, pág. 116; PEREIRA COELHO, Arrendamento, Coimbra, 1984, pág. 231; e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1986, pág. 579.
(33) PAIS DE SOUSA, Extinção do Arrendamento Urbano, Coimbra, 1985, pág. 116; PEREIRA COELHO, Arrendamento, Coimbra, 1984, pág. 231; e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, 1986, pág. 579.
(34) Têm sido controvertidas as questões de saber se o radiciário e o contitular de comunhão «pro indiviso» têm ou não o direito de denúncia em análise, e de o comproprietário carecer ou não de consentimento dos restantes comproprietários para exercer aquele direito.
No sentido de que o titular da nua propriedade do prédio locado não pode exercer o direito de denúncia decidiram a Relação de Coimbra, em 3 de Julho de 1984, e a Relação de Évora, em 7 de Julho de 1988, e em sentido afirmativo a Relação de Lisboa, em 9 de Outubro de 1986, e o Supremo Tribunal de Justiça, em 3 de Março de 1983, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 339, pág. 469, «Colectânea de Jurisprudência», Anos XIII, tomo 4, pág. 244, XI, tomo 4, pág. 146, e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 325, pág. 48, respectivamente.
(35) Neste sentido PINTO FURTADO, obra citada, págs. 565 e 567; e PEREIRA COELHO, obra citada, pág. 248, e o acórdão da Relação de Évora, de 18 de Fevereiro de 1981, «Colectânea de Jurisprudência, Ano VI, tomo 1, pág. 115.
No sentido de que o aludido prazo se reporta apenas à casa arrendada, decidiram a Relação do Porto, em 30 de Maio de 1978, a Relação de Lisboa, em 25 de Outubro de 1983, a Relação de Coimbra, em 17 de Janeiro de 1984, e a Relação de Évora, em 14 de Abril de 1985, «Colectânea de Jurisprudência», Anos III, tomo 3, pág. 855, VIII, tomo 4, pág. 151, IX, tomo 1, pág. 41 e X, tomo 2, pág. 293, respectivamente.
(36) Neste sentido decidiram, por exemplo, a Relação de Lisboa, em 7 de Julho de 1978, a Relação de Coimbra, em 22 de Maio de 1979, a Relação de Évora, em 22 de Maio de 1979, e o STJ, em 21 de Outubro de 1986, «Colectânea de Jurisprudência», Anos III, tomo 4, pág. 1312, IV, tomo 3, pág. 880, V, tomo 3, pág. 21, e «Boletim do Ministério da Justiça», nºs 300, pág. 464, e 360, pág. 588, respectivamente.
Cfr., porém, o acórdão da Relação do Porto, de 11 de Maio de 1993, em que, ao abrigo do disposto no artigo 663º do Código do Processo Civil, foi decidido no sentido de a alteração de facto existente ao tempo da propositura da acção - compra pelo senhorio de um andar cerca de dois meses depois da decisão proferida na 1ª instância - importar o desaparecimento do requisito fundamental do direito de denúncia - a necessidade do locado - o que deve ser considerado pela Relação, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVIII, tomo 3, pág. 196.
(37) PINTO FURTADO, obra citada, pág. 566; e PAIS DE SOUSA, Extinção do Arrendamento Urbano, Coimbra, 1985, pág. 115, e acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Maio de 1979, «Colectânea de Jurisprudência», Ano IV, tomo 3, pág. 880.
(38) Cfr. JANUÁRIO GOMES, Arrendamentos Comerciais, Coimbra, 1991, pág. 293, onde refere que, no caso de o senhorio e o descendente em 1º grau disporem de prédios arrendados que satisfaçam as necessidades de habitação do último e da sua família, deve usar-se o critério da titularidade, isto é, que a denúncia deverá operar em relação ao contrato outorgado pelo descendente.
(39) Neste sentido PINTO FURTADO, obra citada, págs. 570 e 571; PAIS DE SOUSA, Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (RAU); pág. 176; e o acórdão da Relação do Porto, de 30 de Maio de 1978, «Colectânea de Jurisprudência», «Boletim do Ministério da Justiça», nº 227, pág. 200.
Em sentido diverso, pode ver-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 1 de Julho de 1980, «Colectânea de Jurisprudência», Ano V, tomo 5, pág. 7.
(40) PINTO FURTADO, obra citada, pág. 571; PAIS DE SOUSA, obra citada em último lugar, pág. 176, e acórdão da Relação de Lisboa, de 12 de Maio de 1978, «Colectânea de Jurisprudência», Ano III, tomo 3, pág. 934.
(41) Neste sentido decidiu a Relação do Porto, em 18 e 30 de Maio de 1978, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 279, pág. 260, e «Colectânea de Jurisprudência», Ano III, tomo 3, pág. 855, respectivamente.
(42) No sentido de que «as necessidades de habitação própria e da família» serão as do descendente em primeiro grau no caso de o prédio objecto de denúncia se destinar a habitação deste, veja-se MENEZES CORDEIRO e CASTRO FRAGA, obra citada, pág. 116.
(43) Neste sentido, cfr. JANUÁRIO GOMES, obra citada em último lugar, págs. 291 e 292.
(44) O artigo 73º, reproduzindo o artigo 1100º do Código Civil, dispõe que «a denúncia do contrato para aumento do número de locais arrendáveis é objecto de legislação especial».
A referida legislação especial consubstancia-se na Lei nº 2088, de 3 de Junho de 1957.
(45) Acórdão do STJ, de 27 de Julho de 1982, «Boletim do Ministério da Justiça», nº 319, pág. 306.
(46) Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Julho de 1980, «Colectânea de Jurisprudência», Ano V, tomo 4, pág. 194
Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa, de 12 de Julho de 1990, em que se decidiu que o pedido de reocupação do prédio desocupado por virtude de denúncia do contrato de arrendamento, não constitui incidente da acção de despejo, mas objecto de acção destinada a fazer reconhecer o direito à reocupação, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XV, tomo 4, pág. 128.
(47) A esse propósito referem MENEZES CORDEIRO e CASTRO FRAGA que aquela restrição penalizava incompreensivelmente a propriedade horizontal uma vez que o direito se mantinha quando tal constituição não ocorresse (obra citada, pág. 146).
(48) Cfr. PAIS DE SOUSA, obra citada, págs. 219 e 220, onde refere que a solução de aplicação dos referidos limites aos contratos de arrendamento para o exercício do comércio, indústria ou profissão liberal só pode ser defendida por analogia e no que concerne à idade do arrendatário, e que isso suscita muitas dúvidas.
(49) Neste sentido decidiu a Relação de Coimbra, em 24 de Novembro de 1992, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVII, tomo 5, pág. 63.
(50) A Relação de Lisboa entendeu, em 28 de Maio de 1987, que grande invalidez não é sinónimo de invalidez absoluta, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XII, tomo 3, pág. 99.
A Relação do Porto decidiu, em 11 de Maio de 1990, que o requisito limitativo «invalidez absoluta se reporta à profissão que o arrendatário exercia e a qualquer outra», «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVIII, tomo 3, pág. 196.
(51) A Relação de Lisboa decidiu, em 9 de Fevereiro de 1993, que a incapacidade absoluta significa incapacidade total para o trabalho, ou seja, a situação do trabalhador que não dispõe de capacidades físicas residuais para o desempenho da sua ou de qualquer outra profissão ou actividade, sem que daí advenha grave prejuízo para a sua saúde ou limitação física ou intelectual para o desempenho das mesmas, e que o facto de o arrendatário só haver sido considerado definitivamente incapaz para a sua profissão de escriturário não se integra na situação de reforma por invalidez absoluta, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVIII, tomo 1, pág. 43.
(52) PAIS DE SOUSA, obra citada em último lugar, pág. 218; e acórdão da Relação de Lisboa, de 21 de Abril de 1988, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XIII, tomo 2, pág. 139.
(53) A Relação de Évora considerou, em 1 de Junho de 1988, serem emigrantes para efeitos desta disposição, os cidadãos portugueses que trabalhavam, como funcionários assalariados, numa embaixada portuguesa, nas mesmas circunstâncias que qualquer cidadão do país local «Colectânea de Jurisprudência», Ano XIII, tomo 3, pág. 293.
A Relação de Lisboa entendeu, em 30 de Julho de 1988, que a disposição em apreço é inaplicável ao caso da filha do primitivo senhorio apesar de emigrada como ele, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XIII, tomo 3, pág. 169.
(54) Neste sentido, cfr. PINTO FURTADO, obra citada, págs. 583 e 584.
(55) J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, pág. 682.
O Tribunal Constitucional aceitou implicitamente esta qualificação no Acórdão, nº 473/89, de 12 de Julho de 1989, "Diário da República", II Série, de 26 de Setembro de 1989.
No sentido de que se trata de ilegalidade sui generis, cfr. JORGE MIRANDA, "Manual de Direito Constitucional" , Tomo II, Coimbra, 1991, págs. 324 a 329.
(56) Exórdio do Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho.
(57) VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, Sobre a aplicação do artigo 830º, nº 1, do novo Código Civil aos contratos-promessa celebrados anteriormente à sua vigência, «Revista de Direito e Estudos Sociais», Ano XIV, nºs 3 e 4, págs. 314 a 325.
(58) Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 11/83, de 12 de Outubro de 1983, «Diário da República», I Série, de 20 de Outubro de 1983.
(59) BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1985, págs. 226 e 227.
(60) Idem, pág. 232.
(61) Idem, págs. 237 e 242.
(62) Quanto a outras matérias contém o Decreto-Lei nº 321-B/90 várias normas de direito transitório material, como é o caso do disposto nos artigos 3º, nºs 2 a 6, 6º, 7º, e 9º a 13º.
(63) Cfr., entre outros, o parecer nº 62/93, de 14 de Janeiro de 1994.
(64) Neste sentido, entre outros autores, PEREIRA COELHO, «Revista de Legislação e Jurisprudência», Ano 125, nº 3822, pág. 264.
(65) Neste sentido, decidiram as Relações do Porto e de Coimbra, em 18 de Novembro de 1991 e 29 de Setembro de 1992, «Colectânea de Jurisprudência», Anos XVI e XVII, tomos 5 e 4, págs. 191 e 772, respectivamente.
(66) Citado parecer nº 62/93.
Neste sentido decidiram, a Relação do Porto, em 18 de Novembro de 1991 e em 14 de Julho de 1992, a Relação de Lisboa, em 30 de Abril e em 15 de Outubro 1992, e a Relação de Évora, em 21 de Janeiro de 1993 «Colectânea de Jurisprudência», Anos XVI, tomo 5, pág. 191, XVII, tomo 2, pág. 163, e tomo 4, pág. 175 e 236, e XVIII, tomo 1, págs. 265, respectivamente.
(67) J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pág. 382.
(68) No nº 1 daquela disposição prescreve-se que «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da lei nova, a não ser que, segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar»; e o nº 3 estabelece que «A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade».
(69) MANUEL DE ANDRADE, "Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. II, Coimbra, 1992, pág. 463.
(70) Parecer do Ministério Público no processo relativo ao Assento de 12 de Junho de 1962, "Boletim do Ministério da Justiça", nº 118, págs. 297 a 308.
(71) Neste sentido cfr. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, Parecer, de Março de 1992 «Colectânea de Jurisprudência», Ano I, tomo 1, págs. 274 a 279; PAIS DE SOUSA, obra citada, págs. 221 e 222; e MENEZES CORDEIRO e CASTRO FRAGA, obra citada, pág. 146).
A Relação do Porto, no Acórdão de 25 de Março de 1993, proferido no Processo nº 121/91, 4ª Secção - ainda inédito -, entendeu tratar-se de um prazo prescricional.
(72) Cfr., no mesmo entendimento, MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA, citado Parecer; e RITA CABRAL, "Revista da Ordem dos Advogados", Ano 52, Julho de 1992, págs. 717 a 736.
Neste sentido decidiram as Relações do Porto e de Coimbra, em 18 de Novembro de 1991, de 14 de Julho de 1992, e 29 de Setembro de 1992, «Colectânea de Jurisprudência», Anos XV e XVII, tomos 5 e 4, págs. 191, 236 e 772 respectivamente.
Tem-se suscitado a questão de saber se, decorrido o prazo de 20 anos de duração do contrato de arrendamento no domínio da vigência da Lei nº 55/79, ocorre ou não obstáculo à denúncia do arrendamento para habitação dos descendentes em primeiro grau do senhorio.
A Relação de Coimbra decidiu, em 14 de Abril de 1993, que se a denúncia se destina a proporcionar habitação a um descendente em primeiro grau do senhorio é aplicável o prazo de 30 anos previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 107º do RAU, por se tratar de um direito novo «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVIII, tomo 2, pág. 45.
Em sentido contrário, decidiu a Relação de Coimbra, em 29 de Setembro de 1992, afirmando que o direito de denúncia para habitação dos descendentes do senhorio é reflexo ou desenvolvimento da do último, «Colectânea de Jurisprudência», Ano XVII, tomo V, pág. 77.
(73) Neste sentido cfr. MENEZES CORDEIRO e CASTRO FRAGA, PAIS DE SOUSA, obras citadas em último lugar, págs. 146, 221 e 222, respectivamente; e o acórdão da Relação do Porto, de 14 de Julho de 1992, «Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo 4, pág. 236.
(74) JOSÉ TAVARES, Os Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1922, pág. 56.
(75) O artigo 6º La lei de Introdução ao Código Civil brasileiro dispõe que a lei em vigor tem efeito imediato e geral e que deve respeitar, além do mais, o «direito adquirido», e o seu § 2º prescreve que se consideram «adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida inalterável a arbítrio de outrem».
(76) PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, vol. II, Rio de Janeiro - Brasil, 1963, pág. 530.
(77) O artigo 8º prescrevia que «A lei civil não tem efeito retroactivo. Exceptua-se a lei interpretativa, a qual é aplicada retroactivamente, salvo se dessa aplicação resultar ofensa de direitos adquiridos».
(78) Parecer nº 5/93, de 1 de Julho de 1993.
(79) Parecer deste corpo consultivo nº 6/88, de 12 de Abril de 1989.
(80) Parecer nº 16/92, de 23 de Abril de 1992.
A Constituição da República do Brasil proíbe que a lei ordinária afecte os direitos adquiridos (artigo 153º, § 3º).
(81) Acórdão nº 95/92, de 17 de Março de 1992, «Diário da República», II Série, de 18 de Agosto de 1992.
(82) Citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 11/83.
(83) GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pág. 377.
Sobre o princípio da protecção da confiança versaram os pareceres deste corpo consultivo nºs 102/85, de 10 de Outubro de 1985, publicado no «Diário da República», II Série, de 11 de Dezembro de 1985, 16/92, de 23 de Abril de 1992, 56/92, de 27 de Novembro de 1992, 5/93, de 11 de Julho de 1993, 62/93, de 14 de Janeiro de 1994. e 81/93, de 10 de Fevereiro de 1994.
(84) Neste sentido, por exemplo, cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 303/90, de 21 de Novembro de 1990, e 63/91, de 19 de Março de 1991, «Diário da República», I Série, de 26 de Dezembro de 1990, e II Série, de 3 de Julho de 1991, respectivamente.
(85) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 287/90, de 30 de Outubro de 1990, «Diário da República», II Série, de 20 de Fevereiro de 1991.
(86) Citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 303/90.
(87) Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 86/83, de 25 de Julho de 1985, 89/84, de 30 de Julho de 1984, 50/88, de 3 de Março de 1988, «Diário da República», II Série, de 5 de Fevereiro de 1985, 29 de Agosto de 1985 e de 16 de Agosto de 1988, respectivamente.
(88) Citado acórdão nº 287/90.
(89) O prazo de renovação é igual ao do contrato, salvo se exceder um ano, caso em que se renova por este prazo (nº 2 do mesmo artigo).
(90) Correspondentemente, o artigo 1095º do Código Civil dispunha que «Nos arrendamentos a que esta secção se refere, o senhorio não goza de direito de denúncia, considerando-se o contrato renovado se não for denunciado pelo arrendatário nos termos do artigo 1055º».
(91) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pág. 680; VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Coimbra, 1987, págs. 205º e 209; e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Parecer citado.
(92) VIEIRA DE ANDRADE, obra citada, pág. 201.
(93) J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA entendem que o direito à habitação inclui o da segurança na habitação, com salvaguarda das garantias legais adquiridas, e que seria inconstitucional o diploma que submetesse o arrendamento, as rendas e os despejos à liberdade contratual (obra citada, págs. 344 e 346).
(94) Exórdio do Decreto-Lei nº 293/77, de 20 de Julho.
(95) Acórdão nº 131/92, de 1 de Abril de 1992, «Diário da República», II Série, de 24 de Julho de 1992.
(96) Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 425/87, de 4 de Novembro de 1987, e 151/92, de 8 de Abril de 1992, «Diário da República», II Série, de 5 de Janeiro de 1988 e de 28 de Julho de 1992, da Relação de Lisboa, de 21 de Abril de 1981 e de 27 de Junho de 1991, e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, «Colectânea de Jurisprudência», Anos VI, tomo 2, pág. 192, e XVI, tomo 3, pág. 168, e citado parecer, respectivamente.
Anotações
Legislação: 
DL 321-B/90 DE 1990/10/15.
RAU90 ART1 ART55 N1 ART68 N1 N2 ART69 ART70 ART71 ART72 ART102 ART103 ART104 ART105 ART106 ART107 ART108 ART109 ART113 ART114 ART117.
L 42/90 DE 1990/08/10 ART1 ART2 ART3.
CONST76 ART2 ART18 N3 ART29 N1 N2 N3 N4 ART65.
CCIV66 ART12 ART224 N1 ART297 ART298 N2 ART328 ART405 ART1022 ART1040 N3 ART1054 N1 ART1055 ART1095 ART1096 ART1097 ART1098 ART1099.
D 5411 DE 1919/04/17 ART107.
L 1662 DE 1924/09/04.
L 2130 DE 1948/06/22. CPC67 ART264 N1 ART267 N2 ART661 ART664.
DL 214/74 DE 1974/05/27.
DL 155/75 DE 1975/03/25.
DL 583/76 DE 1976/06/22. L 55/79 DE 1979/09/15 ART1 ART2 ART3 ART4.
DL 293/77 DE 1977/07/20 ART1 N1 N2 ART3 ART4 ART5 ART14 ART16.
Jurisprudência: 
AC TC 11/83 DE 1983/10/12 IN DR IS DE 1983/10/20.
AC TC 303/90 DE 1990/11/21 IN DR IS DE 1990/12/26.
AC TC 63/91 DE 1991/03/19 IN DR IIS DE 1991/07/03.
AC TC 287/90 DE 1990/10/30 IN DR IIS DE 1991/02/21.
AC TC 89/84 DE 1984/07/30 IN DR IIS DE 1985/02/05.
AC TC 50/88 DE 1988/03/03 IN DR IIS DE 1988/08/16.
AC TC 425/87 DE 1987/11/04 IN DR IIS DE 1988/01/05. * CONT REF/COMP
Referências Complementares: 
DIR CIV * CONTRATOS.*****
* CONT ANJUR
AC TC 151/92 DE 1992/04/08 IN DR IIS DE 1992/07/28.
AC TC 311/93 DE 1993/04/28 IN DR IIS DE 1993/07/22.
AC TC 131/92 DE 1992/04/01 IN DR IIS DE 1992/07/24.
AC STJ DE 1980/10/15 IN BMJ 300 PAG376.
AC STJ DE 1983/03/03 IN BMJ 325 PAG48.
AC STJ DE 1983/07/07 IN CJ ANOIX T2 PAG222.
Divulgação
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