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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
33/1992, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Ambiente e Recursos Naturais
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DOMINIO PUBLICO MARITIMO
DOMINIO PUBLICO HIDRICO
DOMINIO PUBLICO FLUVIAL
DOMINIO PUBLICO DO ESTADO
DIREITO DE PROPRIEDADE
ACESSÃO
ALUVIÃO
USO PRIVATIVO
AVULSÃO
UTILIDADE PUBLICA
RECUO DAS AGUAS
LICENÇA
AGUAS PUBLICAS
CONCESSÃO
CORRENTE DE AGUA
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
MARGEM
TAXA
LEITO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRAIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ZONA ADJACENTE
REVOGAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
1 - A ilha da Boega - localizada no Rio Minho, em zona sujeita as marés, sob a jurisdição da Direcção-Geral dos Portos, entre as freguesias de Goivo e Gondarem, concelho de Vila Nova de Cerveira - foi, em 5 de Fevereiro de 1952, delimitada e reconhecida como propriedade privada, ate a linha de preia-mar das águas vivas, pela Comissão do Dominio Público Marítimo (Parecer n 1624 homologado por decisão do Conselho de Ministros de 12 de Março de 1952, publicado no "Diário da República", II Serie de 18 de Março de 1952);
2 - O leito das águas do Rio Minho onde se localiza a ilha da Boega e limitado pela linha da máxima preia-mar das águas vivas equinociais, e a respectiva margem e integrada pela faixa de terreno contígua a linha que limita aquele leito com a largura de 50 metros (artigo 2, ns 1 e 2, e 3, ns 1 e 2, do Decreto-Lei n 468/71, de 5 de Novembro);
3 - A acessão e uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade enformada pelo princípio acessorium sequitur principale, em termos de o proprietario da coisa principal estender o seu direito de propriedade à coisa acedida e de esta adquirir a natureza e o destino daquela;
4 - A aluvião é uma das espécies de acessão natural, consubstanciada no leito, sucessivo e imperceptível deposito de particulas de terra, areia, lodo ou detritos orgânicos sobre o leito ao longo das margens, formando com estas um todo;
5 - O artigo 1328, n 1, do Código Civil - tal como o artigo 2291 do Código de Seabra - prevê directamente a união e o depósito, nos prédios confinantes com quaisquer correntes de água não marítima, sucessiva e imperceptivelmente, dos elementos referidos na conclusão anterior;
6 - A previsão do artigo 1328, n 1, do Código Civil abrange a situação em que o leito das correntes de água fica a descoberto por virtude do recuo das águas determinado pela aluvião sobre o leito antigo que passou a integrar as margens;
7 - O artigo 6 do Decreto-Lei n 468/71 e aplicável ao abandono pelas águas dos leitos dominiais ou que aqueles forem conquistados independentemente de serem ou não marítimas as águas que os cobrem;
8 - O artigo 6 do Decreto-Lei n 468/71 revogou o disposto no artigo 1328, n 1, do Código Civil na parte relativa ao incremento aluvial aos prédios particulares confinantes com as correntes de água que resulte do recuo das águas;
9 - A referida revogação so produz efeitos desde 3 de Fevereiro de 1972 - data do início da vigência do Decreto-Lei n 468/71;
10- O artigo 1328, n 1, do Código Civil circunscreve agora a sua previsão e estatuição úteis a seguinte normação: pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente;
11- As parcelas privadas de leitos ou margens genericamente consideradas integrada no domínio público estão sujeitas a servidões administrativas e a restrições de utilidade publica (artigo 17 do Decreto-Lei n 468/71);
12- Os leitos e margens de águas públicas integrados no domínio público do Estado são susceptíveis de atribuição a particulares em regime de uso privativo, com base em licença ou contrato administrativo de concessão, mediante o pagamento de taxa (artigos 17, 18 e 24 do Decreto-Lei n 468/71);
13- As servidões e restrições administrativas incidentes sobre os leitos e as margens privados de águas públicas não atribuem à Administração o direito a exigir dos seus proprietários e utilizadores ou a outrem a taxa a que se reporta o artigo 24 do Decreto-Lei n 468/71;
14- O acréscimo à ilha da Boega até 3 de Fevereiro de 1972, nos termos dos artigos 2291 do Código de Seabra e 1328, n 1, do Código Civil, integrou-se no direito de propriedade dos proprietários daquela ilha;
15- Posteriormente a 3 de Fevereiro de 1972 só se integrou no direito de propriedade referido na conclusão anterior o que na ilha da Boega se depositou, sucessiva e imperceptivelmente;
16- O terreno acrescido àquela ilha em razão da colocação do leito do Rio Minho a descoberto pelo abandono das águas ou que a estas foi conquistado, posteriormente à data referida na conclusão anterior continuará integrado no domínio público do Estado até ao limite de 50 metros, e integrar-se-á no domínio privado do Estado na parte em que exceda aquela medida;
17- A utilização do terreno da margem da ilha da Boega por Boega - Sociedade Agrícola e Turística, Lda só constitui título legal de exigência pela Administração da taxa a que se reporta o artigo 24 do Decreto-Lei n 468/71, se aquele terreno se tiver integrado no domínio público do Estado nos termos referidos na conclusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
94

Senhor Secretário de Estado dos Recursos Naturais
Excelência:


I

Boega - Sociedade Agrícola e Turística, Ldª projectou construir na ilha da Boega um campo de "golf" com o objectivo de promover o turismo na região.
Aquando da aprovação do projecto pela Direcção-Geral dos Portos, esta entidade impôs àquela sociedade o pagamento de uma taxa anual de 508 776$00 pela utilização de parte do terreno da ilha da Boega que considera pertencer ao domínio público marítimo.
Boega-Sociedade Agrícola e Turística, Ldª requereu, porém, o licenciamento da ocupação do espaço necessário para a construção do campo de "golf" sem pagamento de qualquer taxa, invocando que o domínio público marítimo se traduz no direito de jurisdição e fiscalização e não no direito de propriedade.
Vossa Excelência dignou-se solicitar à Procuradoria-Geral da República parecer do Conselho Consultivo sobre as questões de saber se o terreno acrescido à primitiva área da ilha da Boega é propriedade do respectivo dono ou se ele se integra no domínio público ou privado do Estado e se aos serviços é ou não facultado exigir o pagamento de uma taxa pela utilização do terreno destinado à servidão de margem.
Cumpre, pois, emiti-lo.

II
1. Subjaz à problemática colocada pela entidade consulente a factualidade seguinte:
a) - A ilha da Boega localiza-se no Rio Minho em frente das freguesias de Goivo e Gondarém, concelho de Vila Nova de Cerveira ;
b) - Foi delimitada e reconhecida como propriedade privada em toda a sua extensão, isto é, até às águas - linha da preia-mar das águas vivas -pelo parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo - CDPM - de 5 de Fevereiro de 1952;
c) - O limite do domínio público marítimo foi fixado como coincidente com a linha da máxima preia-mar das águas vivas, em torno daquela ilha;
d) - A jurisdição do domínio público marítimo foi fixada até 30 metros a contar da linha de máxima preia-mar 1;
e) - Posteriormente áquela data e com o decurso do tempo, por acção das águas e do vento depositaram-se sobre o leito e ao longo das margens terra, areia, plantas e detritos determinantes de acréscimo àquela ilha;
f) - Boega - Sociedade Agrícola e Turística, Ldª projectou construir na ilha da Boega - Gondarém - Vila Nova de Cerveira um campo de "golf" com o objectivo de promover o turismo naquela região;
g) - O projecto foi aprovado por quem o devia ser e beneficiou de comparticipação do Fundo de Turismo no valor de 100 000 000$00 2.

2. A referida situação fáctica configura-se de contornos reduzidos ou omissos face às várias soluções plausíveis da questão de direito.
Ignora-se com efeito, não só a dimensão do acréscimo aluvial à ilha de Boega desde 5 de Fevereiro de 1952 até à actualidade, como também desde então até 3 de Fevereiro de 1972, data do início da vigência do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro.
Sabe-se, porém, que as águas adjacentes à referida ilha estão sob a influência das marés, e sob a jurisdição, além do mais, da Direcção-Geral dos Portos.
A resposta às questões postas pela entidade consulente terá de ser, em razão da mencionada omissão fáctica, do tipo condicionado ou alternativo.

III
A problemática posta pela entidade consulente circunscreve-se, pois, às questões de saber se o acréscimo de terreno à ilha da Boega por acção dos agentes naturais, designadamente pelas águas e pelo vento se integra ou não no domínio público ou privado do Estado, e se é ou não devida taxa pela utilização do terreno destinado à servidão da margem.
A resposta às referidas questões pressupõe, fundamentalmente, a análise do disposto nos artigos 1328º , nº1 do Código Civil, e 6º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro.
Analisar-se-ão, porém, os dispositivos constitucional, do Código Civil e do Decreto-Lei nº 468/71 mais directamente conexos com os artigos 1328º, nº1, daquele Código e 6º do referido Decreto-Lei.
Visando o melhor esclarecimento possível da problemática a dilucidar, far-se-à breve referência à regulamentação pretérita entre nós da matéria enunciada e à solução dada à questão no velho direito romano.

IV
1.1. Nos termos do nº1 do artigo 62º da - CRP -, "a todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição".
A propósito do conteúdo do direito de propriedade prescreve o artigo 1305º do Código Civil que "o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas" 3
O direito de propriedade é de natureza complexa, envolvendo uma pluralidade de faculdades em razão das quais ao respectivo titular é lícito não só excluir todos os outros indivíduos de qualquer ingerência sobre o seu objecto, como também dispor deste conforme entender sem outra restrição que não seja a que deriva do direito objectivo ou da concorrência de direitos subjectivos alheios.
O direito de propriedade é susceptível de ser perspectivado como poder sobre uma coisa que a lei confere ao respectivo titular - "dominium" - ou como relação de pertença entre uma pessoa e uma coisa - "proprietas" 4.
No âmbito das referidas faculdades demarcam-se poderes materiais - "jus utendi", "jus fruendi" e "jus disponendi" - e poderes jurídicos - alienação e administração.
O titular do direito de propriedade pode, em regra, servir-se da coisa que constitui o seu objecto, extrair dela os frutos, produtos e rendimentos, modificá-la, aliená-la ou consumi-la e praticar os actos jurídicos necessários à consecução dos referidos objectivos.
Objecto do direito de propriedade são, pois, as coisas materiais e imateriais.
Por força do artigo 202º do Código Civil é "coisa tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas", e consideram-se fora do comércio as "coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que não são, pela sua natureza, susceptíveis de apropriação individual".

1.2. Caracterizemos agora o fenómeno da acessão.
Dispõe o artigo 1325º do Código Civil que se dá a acessão "quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia".
O Código Civil adoptou o conceito de acessão que constava do prémio do artigo 2289º do Código Civil de 1867, mas deixou de considerar, ao contrário do que resultava do artigo 2287º, nº2º, deste último diploma, que o direito de acessão era uma vertente do direito de fruição 5.
A acessão é uma figura inspirada nos princípios do direito romano de que o direito de propriedade envolve o poder de extensão ou elasticidade abrangente de tudo o que, por força da natureza ou acção do homem, se intrometer no respectivo objecto "superficies solo cedit" 6
A acessão constitui um modo de aquisição do direito de propriedade (artigo 1316º do Código Civil).
Trata-se de uma forma de aquisição originária envolvida pelo princípio "accessorium sequitur principale", em termos de o dono da coisa principal se tornar proprietário da coisa acedida e de esta adquirir a natureza e seguir o destino daquela 7.
A acessão consubstancia-se na união inseparável de uma coisa secundária a uma coisa principal - incorporação -, independentemente de a coisa acedida se integrar no direito de propriedade de um sujeito ou ser "res nullius".
Trata-se, em suma, de uma situação em que o titular do direito de propriedade sobre certa coisa adquire o direito de propriedade sobre uma outra que à primeira se une ou incorpora 8.
A acessão e a ocupação têm de comum constituírem meios de aquisição do direito de propriedade, mas divergem na medida em que na ocupação é exigível o "animus adquirendi" e a apreensão material da coisa, enquanto na acessão basta à aquisição do direito de propriedade a incorporação da coisa acedida segundo o aludido princípio "accessorium sequitur principale" 9.
As benfeitorias e a acessão têm, por seu turno, de comum a valorização de uma coisa, mas distinguem-se na medida em que naquelas, e já não nesta, ocorre um vínculo jurídico entre determinados sujeitos relativamente à coisa valorizada 10.
A lei civil distingue, no âmbito da acessão, consoante esta resulta exclusivamente ou não das forças da natureza, e segundo a natureza das coisas, entre a natural e a industrial e a mobiliária e a imobiliária.
A acessão é natural quando resulte em exclusivo das forças da natureza (artigo 1326º, nº1, do Código Civil).
E é industrial, mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a donos diversos ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria a outrem pertencente, confundindo o resultado desse trabalho com a propriedade alheia (artigo 1326º, nºs 1, 2ª parte, e 2) 11.

1.3. Tendo em conta o objecto da consulta, apenas releva a análise da acessão natural, ou seja, a que resulta exclusivamente das forças da natureza.
A linha que separa o leito da margem das águas sofre, por razões naturais, desvios constantes.
Com efeito, depositam-se, por vezes, junto às margens, aluviões que provocam o seu aumento à custa dos leitos.
A acessão natural teve autonomia na doutrina à luz do velho direito romano nela englobando a aluvião, a avulsão, a mudança do leito dos rios e a formação de ilhas ou mouchões - "alluvio", "avulsio", "alveus derelictus" e "insula in fluminis nata" 12.
À acessão natural reportam-se os artigos 1327º a 1332º do Código Civil.
Nos termos do artigo 1327º daquele diploma, "pertence ao dono da coisa tudo o que acrescer por efeito da natureza" 13.
Como as situações de aluvião, a avulsão, a mudança de leito das correntes de água e a formação de ilhas e mouchões a que se reportam os artigos 1328º, 1329º, 1330º e 1331º do Código Civil são os únicos casos que a doutrina geralmente admite integrarem o conceito de acessão natural, há quem afirme a inutilidade do preceito em análise.
Não parece que se trate de uma disposição inútil. Com efeito, ela veicula o princípio geral de expansão do direito de propriedade em função do acrescer por virtude de forças da natureza, aplicável à situação de acrescer resultante de causas estranhas à vontade e acção do proprietário da coisa acrescida 14.

1.4. O artigo 1328º prevê a situação de aluvião nos termos seguintes:
"1. Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente.
"2. É aplicável o disposto no número anterior ao terreno que insensivelmente se for deslocando, por acção das águas, de uma das margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele".
O disposto no nº1 deste artigo, que consagra o princípio que já vem do direito romano "quod per alluvionem agro tuo flumen adjecit iure gentium tibi acquiritur", diverge do que dispunha o artigo 2291º do Código de Seabra na medida em que neste se referia a confinância com "os rios, ribeiros ou quaisquer correntes de água", e naquele a confinância é reportada a "quaisquer correntes de água" 15.
Não se trata de divergência substancial mas apenas formal, visto que os rios e os ribeiros que a disposição actual não inclui são correntes de água que dela constam e nestas necessariamente abrangidos.
A mais importante causa de acessão natural é, pela sua frequência, a aluvião, que JUSTINIANO designava por "incrementum latens" e caracterizava em termos de se tratar de "per alluvionem autem id videtur adjici, quod ita paulatim adjicitur, ut intelligere non possis, quantum quoque momento temporis adjiciatur" 16.
A doutrina, no domínio da vigência do Código de Seabra, explicava que a aluvião se verificava por dois modos:
- as águas correntes dissolvem e arrastam partículas de terras das margens e recebem as correntes fluviais barrentas ou lodosas e lentamente vão depositando essas partículas ao longo dos prédios marginais - os sapais;
- as águas correntes afastam-se insensivelmente de uma para outra margem ou de ambas por diminuição do seu volume deixando em seco parte do leito - "alveus exsicatus" 17.
Em ambas as situações - sapais e "alveus exsicatus" -, na primeira por ninguém poder reclamar as partículas sedimentares em razão de ser desconhecida a sua proveniência - "a nullo vindicari possent, quia unde veniant nescitur" -, na segunda com o fundamento de que o terreno abandonado pelas águas é a continuação do prédio contíguo, se entendia que o titular do direito de propriedade sobre o prédio marginal adquiria o direito de acréscimo por acessão natural, em proporções limitadas por linhas perpendiculares tiradas dos extremos das respectivas propriedades para a linha mediana do leito da corrente - "pro modo latitudinis cujusque fundi" - proporcionalmente à extensão marginal de cada prédio - "quae latitudo prope ripam sit" 18.
Afirmava-se que o legislador, seguindo longa tradição jurídica, pretendeu compensar os donos dos prédios marginais dos prejuízos que sofrem em razão da erosão dos seus terrenos por acção das correntes e chuvas torrenciais, e que se tratava de uma solução inspirada no interesse da agricultura para evitar a constituição de uma servidão de passagem 19.
O disposto no nº1 do artigo 1328º do Código Civil visa, pois, resolver a questão do domínio sobre o "incrementum" por acção das águas aos prédios com estas confinantes.
Por influência do direito francês e na perspectiva dos terrenos marginais às águas, designava-se o fenómeno por "acrescidos" em tradução de "accroissements" ou "accrues" 20.
Integra-se no direito de propriedade dos donos dos prédios confinantes tudo o que a estes se for unindo ou neles for depositado por virtude da acção das águas de modo sucessivo e imperceptível.
O objecto material que acresce aos prédios confinantes abrange, naturalmente, as partículas de terra, areia, lodo, e filamentos de detritos orgânicos.
O processo de incorporação dos referidos elementos nos prédios confinantes com as correntes de água deve operar por união ou depósito.
O agente desencadeador do referido processo de incorporação ou união são as águas em movimento a que não é estranha a acção do vento.
O incremento em análise não é brusco e violento mas paulatino e duradouro, isto é, momentaneamente imperceptível e prolongado no tempo.
No nº2 estabelece-se que também se integra no direito de propriedade dos donos dos prédios confinantes com os cursos de água o terreno que se for deslocando insensivelmente e por acção das águas de uma margem para outra ou de um prédio superior para outro inferior.
A deslocação do terreno a que alude este preceito também é derivada da acção das águas, mas não pode ser brusca e violenta, isto é, deve ocorrer imperceptivelmente.
Mas enquanto no nº1 se prevê a união ou depósito nas margens de pequenas partículas, no nº2 contempla-se a deslocação de terrenos de um prédio para outro.
É configurável que a deslocação e a união ou depósito dos terrenos ocorra em relação a margens e prédios cujo direito de propriedade é da titularidade do mesmo sujeito. Mas o fim da lei é regular a situação de não coincidência entre a titularidade do direito sobre prédios materialmente diminuídos e acrescidos.
Este artigo, em que directamente se prevê a deslocação de partículas de terra, areia, plantas e doutros elementos, e de terrenos, por acção das águas, abrange a situação em que o leito das águas correntes fica a descoberto em virtude do abandono das águas resultante da aluvião sobre o antigo leito, determinante do acréscimo ao terreno das margens dos cursos de água.
Voltaremos, adiante, a esta questão.

1.5. À avulsão reporta-se o artigo 1329º do Código Civil, nos termos seguintes:
"1. Se, por acção material e violenta, a corrente arrancar quaisquer plantas ou levar qualquer objecto ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono deles tem o direito de exigir que lhe sejam entregues, contando que o faça dentro de seis meses, se antes não for notificado para fazer a remoção no prazo judicialmente assinalado;
"2. Não se fazendo a remoção nos prazos designados, é aplicável o disposto no artigo anterior".21
Este artigo reporta-se à acessão natural através da avulsão na modalidade de adjunção das coisas acrescidas.
O arrancamento de quaisquer plantas ou o transporte de qualquer objecto ou porção conhecida do terreno por acção natural e violenta e o seu arrojamento sobre prédio alheio constitui a previsão do nº1.
O objecto material susceptível de arrojamento está limitado às plantas, objectos ou a determinada porção de terreno de prédio confinante com os cursos de água.
O agente causador do arranque ou transporte pelas correntes de água há-de ser natural, isto é, não deve derivar da acção do homem, mas sim, além do mais, de inundações, tremores de terra, ciclones, ou derrocadas.
Deve tratar-se, pois, de acções violentas e bruscas que impulsionam as correntes de água, e daí a distinção relativamente à aluvião em que a deslocação é sucessiva e imperceptível e, consequentemente, não pressupõe, antes excluindo, uma acção brusca da natureza.
O titular do direito de propriedade sobre o prédio em que foram arrojadas plantas, terrenos ou objectos não adquire, em princípio, direito de propriedade sobre elas.
Com efeito, ao dono dos referidos objectos, plantas ou terreno é facultado exigir a sua entrega no prazo peremptório de seis meses contado do momento da avulsão.
O dono do prédio em que os referidos elementos foram arrojados não tem, porém, de esperar pelo decurso do referido prazo peremptório. Pode, logo após a avulsão, requerer em juízo a fixação do prazo em que deverá ocorrer a remoção.
Se o dono das coisas arrojadas, no prazo judicialmente fixado, ou, na sua falta, em seis meses contados da data da avulsão, as remover, não há acessão.
No caso de o dono das coisas arrojadas não cumprir o dever de as remover nos prazos mencionados, adquire o dono do prédio em que o arrojo ocorreu o direito de propriedade sobre elas sem sujeição a qualquer indemnização relativa à vantagem que eventualmente lhe haja advindo.

1.6. O artigo 1330º do Código Civil reporta-se à mudança de leito dos cursos de água nos seguintes termos:
"1. Se a corrente mudar de direcção, abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o direito que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente.
"2. Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, é ainda aplicável o disposto no número anterior"22.
No nº1 prevê-se a hipótese de o curso de água mudar de direcção por fora do leito antigo, pertencendo este e o actual a sujeitos diversos.
E estatui-se que a mudança de leito do curso de água não afecta a situação de domínio relativa ao terreno que lhe servia e sirva de leito.
O antigo leito continua a pertencer a quem pertencia anteriormente à mudança da direcção das correntes de água - Estado, município, freguesia, entidade privada.
O novo leito continua, por seu turno, a pertencer à entidade pública ou privada a quem pertencia anteriormente à mudança da direcção do curso de água.
Enquanto no nº1 se prevê a secagem do terreno que serviu de leito ao curso de água, no nº2 contempla-se a situação em que o curso de água ocupa não só o antigo mas também um novo leito.
Naturalmente, também na situação a que alude o nº2 - divisão do curso de água em dois ramos ou braços - o primitivo leito continua a pertencer a quem antes pertencia, e o novo a quem tinha o direito de propriedade sobre o terreno onde ele passou a progredir.
Este artigo reporta-se às correntes de água que passam em leitos de propriedade particular e porque o leito do Rio Minho, onde se localiza a ilha de Boega, é do domínio público, não tem directa aplicação à questão que é objecto da consulta.
Mas este artigo aponta no sentido de um princípio geral de que o proprietário dos leitos das águas que fiquem a descoberto por virtude do recuo destas não perde por esse facto o direito de propriedade sobre os terrenos por onde as águas passavam.

1.7. O artigo 1331º do Código Civil reporta-se à formação de ilhas e mouchões, nos termos seguintes:
"1. As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de água pertencem ao dono da parte do leito ocupado.
"2. Se, porém, as ilhas ou mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições prescritas pelo artigo 1329º" 23.
Esta disposição é aplicável à formação de ilhas e mouchões em quaisquer correntes de água, públicas ou privadas, desde que a parte ocupada dos leitos seja particular.
Nas águas marítimas, fluviais e lacustres formam-se algumas vezes elevações telúricas ora pelo abaixamento do nível da água, ora por assoreamento ou acumulação de areias ou materiais lodosos, ora em resultado de movimentos sísmicos, ora por avulsão derivada de prédios marginais.
As referidas elevações telúricas cercadas de água designam-se por ilhas ou mouchões em função da sua maior ou menor extensão 24.
No nº1 prevê-se a formação das ilhas e mouchões por qualquer das três causas primeiramente enunciadas a partir do leito das correntes das águas, e estatui-se que eles pertencem ao dono ou donos da parte do leito que por eles seja ocupado.
No nº2 prevê-se a situação de as ilhas ou mouchões derivarem da avulsão de terrenos alheios, e estatui-se que nesse caso podem os respectivos proprietários usar do direito de remoção no prazo judicialmente fixado para o efeito ou, na falta dele, no prazo de seis meses contados da data da avulsão.
Finalmente o artigo 1332º estabelece a aplicação do disposto nos artigos 1328º a 1331º aos lagos e lagoas quando neles ocorram factos análogos.

2.1. Consideremos agora a evolução do regime do domínio público, sobretudo do hídrico.
Dispõe o artigo 84º da Constituição da República Portuguesa - CRP -, na parte que releva na economia do parecer:
"1. Pertencem ao domínio público:
a) As águas territoriais com seus leitos e os fundos marítimos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos 25;
...............................................................................
f) Outros bens como tal classificados por lei.
"2. A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites" 26
Desde longa data que os cursos de água navegáveis ou flutuáveis foram legalmente qualificados de "coisas públicas" e, consequentemente, integrados no domínio público do Estado 27.
No direito romano não codificado os terrenos invadidos pelas águas eram "coisa pública" e, por isso, insusceptíveis de prescrição aquisitiva u usucapião.
Mais tarde, no período da codificação do direito romano, as praias, águas salgadas, rios e respectivos leitos, foram qualificados de coisas "extra-comercium" ou "res universitatis".
As nossas Ordenações, confundindo embora as coisas públicas e o património real, sofreram assinalável influência do referido sistema romanista 28.
Entretanto, a partir de meados do século XIX, verifica-se a tendência legislativa de distinguir entre as coisas públicas e o património real.
No Decreto de 6 de Novembro de 1830 consignou-se a isenção de exploração privilegiada ou privativa das águas dos rios até onde chegassem as marés, daí derivando a primeira noção legal do leito ou álveo, e, pelo Decreto de 13 de Agosto de 1832, foram os rios navegáveis ou flutuáveis considerados bens da Nação, e extintos os anteriores ónus e privilégios que sobre eles impendiam - artigos 3º e segs e 29º.
A Lei de 25 de Junho de 1864 consagrou a imprescritibilidade e o domínio público dos rios navegáveis e flutuáveis com as respectivas margens, e autorizou o Governo a legislar em quanto fosse necessário sobre canais, valas e portos de mar.
No âmbito da referida autorização legislativa fez o Governo publicar o Decreto de 31 de Dezembro de 1864 no qual se prescreveu que "igualmente são do domínio público imprescritível os portos de mar e praias e os rios navegáveis e flutuáveis com as suas margens, os canais e valas, os portos artificiais e docas existentes ou que, de futuro, se construam".
Os Decretos de 19 de Outubro de 1864 e de 17 de Outubro de 1865 incluíram os terrenos marginais dos rios navegáveis, sem indicação da extensão, no grupo das coisas públicas.
Na mesma linha de orientação político-legislativa considerou o Código Civil de 1867 coisas públicas as águas salgadas das costas, enseadas, baías, fozes, rios e esteiros e respectivos leitos (artigo 380º, nº2).
No Decreto de 1 de Dezembro de 1887 estabeleceram-se algumas proibições para os terrenos que constituíam domínio público do Estado nas caldeiras, docas e nas costas do mar até onde chegasse a linha da máxima preamar de águas vivas.
E no Decreto nº8, de 1 de Dezembro de 1892, que aprovou a organização dos Serviços Hidráulicos, dispôs-se serem públicas as águas salgadas das costas, enseadas, baías, portos, docas, fozes, rios, esteiros e respectivos leitos, cais e praias, até onde alcançasse o colo da máxima preia-mar de águas vivas, e os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água navegáveis ou flutuáveis com os seus leitos e margens.
Considerou-se margem dos lagos e lagoas e demais correntes de água a faixa de terreno enxuto que, adjacente à linha atingida pela máxima preia-mar de águas vivas, ladeasse as águas marítimas ou salobras, e que as margens dos rios navegáveis ou flutuáveis tinham entre 3 e 30 metros de largura, excepcionalmente 50 metros (artigo 4º).
O Decreto de 18 de Abril de 1895 preceituou, por seu turno, para efeitos de pesca, piscicultura, ostreicultura e actividades congéneres, que os pedidos de concessão nas águas marítimas e margens adjacentes, em terrenos públicos, numa faixa de 3 a 30 metros e excepcionalmente de 50 metros de largura, a contar da linha da máxima preia-mar de águas vivas, deviam ser dirigidos ao Ministério da Marinha.
No Decreto nº 952, de 15 de Outubro de 1914, consignou-se que a jurisdição marítima em terrenos do domínio público se estendia a uma faixa de 50 metros de largura a contar da linha da máxima preamar de águas vivas (artigo 5º, § 1º).
O Decreto nº 3649, de 30 de Novembro de 1917, estabeleceu que a jurisdição marítima se estendia nas margens dos rios, rias e esteiros,...à faixa de terrenos públicos de 3 a 50 metros de largura a contar da linha da máxima preamar de águas vivas referida no Decreto nº8, de 1 de Dezembro de 1892 (artigo 3º).
E no Decreto nº 5703, de 10 de Maio de 1919, manteve-se o referido regime (artigo 3º, § 3º).
No Decreto nº 5787, IIII, de 10 de Maio de 1919 - Lei das Águas - consideraram-se bens do domínio público os lagos, lagoas, canais, valas e correntes de água navegáveis ou flutuáveis com os seus leitos e margens (artigo 1º).
E prescreveu-se que as faces ou rampas e os capelos dos cômoros e outras construções, erguidas sobre a superfície material do solo marginal, não pertenciam ao leito ou álveo da corrente e que faziam parte da margem e estavam sujeitos ao mesmo regime jurídico (artigo 3º, § 1º).
A delimitação da largura das margens, variável segundo a importância e o destino das correntes, seria feita quando se procedesse à classificação e demarcação das bacias hidrográficas nos termos do regulamento (artigo 124º, § 2º).
O Decreto nº 12445, de 29 de Dezembro de 1926, supriu, a título provisório, a omissão de publicação do referido regulamento, considerando como margem sujeita à fiscalização dos Serviços Hidraúlicos:
- nas correntes de água não navegáveis nem flutuáveis, uma faixa de 5 metros contada da linha que limita o álveo ou leito;
- nas correntes de água navegáveis ou flutuáveis, uma faixa mínima de 30 metros de largura ou até à linha limite das cheias ordinárias se ela os excedesse ;
- nas águas marítimas, uma faixa mínima com 50 metros de largura contada a partir da linha de máxima preamar (artigo 14º).

2.2. Entendia-se, com base, além do mais, no Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1935, que as margens das correntes das águas navegáveis ou flutuáveis podiam constituir propriedade privada, caso em que o seu ingresso no domínio público dependia de expropriação ou de outro título legítimo de aquisição do direito de propriedade por parte do Estado 29.
Este corpo consultivo teve também oportunidade de ponderar em várias ocasiões que as leis ao indicarem os terrenos considerados públicos só tinham o alcance de estabelecer uma classificação e um critério definidor da natureza dos bens, sem a virtualidade de afectação dos direitos anteriormente subjectivados ou constituidos em relação a eles enquanto não ocorresse legítimo acto de desintegração do património jurídico do respectivo titular privado 30.
Nessa linha de entendimento considerou ser de reconhecer a propriedade privada dos terrenos compreendidos nas faixas marginais das correntes de água navegáveis ou flutuáveis, sempre que elas tiverem entrado por título legítimo de aquisição no património jurídico dos particulares 31.
3.1. Vejamos agora a pertinente normação do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro 32 .
Pretendeu-se com este diploma actualizar e unificar o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico 33
Tentemos caracterizar o conceito de domínio público hídrico.
As pessoas colectivas de direito público - Estado, regiões autónomas, autarquias locais - são titulares do direito de propriedade sobre uma panóplia de bens destinados a prosseguir os fins que lhes são próprios, que constituem o seu domínio público ou privado privado.
Integram o domínio público os bens que, pela utilidade que asseguram, a lei sujeita a um regime especial de colocação fora do comércio jurídico.
Constituem, por seu turno, o domínio privado das referidas pessoas colectivas de direito público os restantes bens, cujo regime é em regra semelhante ao dos bens que são propriedade dos particulares.
Os bens dominiais são normalmente classificados com base nos critérios da identidade do titular do direito - domínio público do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais - da função dos bens - domínio público de circulação, cultural, militar ..., - no processo da sua criação - domínio público natural e artificial - e quanto à sua estrutura material - domínio público hídrico, terrestre e aéreo 34.
O domínio hídrico é o que respeita às águas públicas, abrangendo as águas marítimas, fluviais, lacustres e outras.
Integram o domínio fluvial - único que interessa na economia do parecer -, os seguintes bens:
- os cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os seus leitos e margens, para montante dos limites interiores fixados no quadro nº1 do Decreto nº 265/72, de 31 de Julho;
- os cursos de água não navegáveis nem flutuáveis que forem especialmente reconhecidos de utilidade pública como aproveitáveis para a produção de energia eléctrica nacional ou regional, ou para irrigação;
- os leitos e margens dos cursos de água não navegáveis nem flutuáveis nos troços que atravessarem terrenos públicos 35.

3.2. O Decreto-Lei nº 468/71 reporta-se ao domínio público hídrico do continente e ilhas adjacentes, não regula o regime das águas públicas que o integram, cingindo-se apenas ao dos terrenos públicos conexos com aquelas águas, isto é, os leitos, as margens e as zonas adjacentes 36.
Com efeito, dispõe o artigo 1º daquele diploma que "os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitos ao preceituado no presente diploma em tudo que não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais" 37.

3.3. O artigo 2º estabelece sobre a noção de leito e respectivos limites nos termos seguintes:
"1. Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades. No leito compreendem-se os mouchões, lodeiros e areias nele formados por deposição aluvial.
"2.O leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais. Essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar, no primeiro caso, e em condições de cheias médias, no segundo.
"3. O leito das restantes águas é limitado pela linha que corresponder à extrema dos terrenos que as águas cobrem em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto. Essa linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do talude marginal ou pelo alinhamento da aresta ou crista do talude molhado das motas, cômoros, valados, tapadas ou muros marginais".
No nº1 define-se o conceito de leito das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas.
O termo leito é vulgarmente usado para exprimir a superfície que serve de base a alguma coisa 38.
O Código Civil prescreve que se entende por leito ou álveo a porção de terreno que a água cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto (artigo 1387º, nº2) 39.
O termo leito significa agora para efeitos do diploma em apreço, o terreno na dupla vertente da superfície e subsolo que as águas, sejam ou não correntes, cubram sem a influência de cheias extraordinárias, inundações ou tempestades.
As cheias extraordinárias são as de volume superior às cheias médias, isto é, as que se podem prever com a possibilidade de ocorrência de uma vez em cada quatro ou cinco anos 40.
Também constituem leito dos rios para efeitos do disposto neste diploma, como acrescidos ou partes acessórias, as formações por aluvião designadas por mouchões, as acumulações de lodo e os areais.
No nº2 dispõe-se sobre a linha limite das águas do mar e das águas não marítimas que sofrem a influência das marés.
No concernente às águas do mar, o limite do respectivo leito coincide com a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais - quando o sol está sobre o Equador - isto é, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar 41.
O limite do leito das águas não marítimas mas influenciadas, dada a sua conexão com as águas do mar, por estas, também coincide com a linha da máxima preia-mar de águas equacionais, mas em função do espraiamento das vagas em condições de cheias médias a que já se fez referência.
O nº3 reporta-se ao limite do leito das restantes águas - não marítimas nem influenciáveis pelas águas marítimas.
O leito destas águas é limitado por uma linha coincidente com a extrema dos terrenos por elas cobertos em condições de cheias médias, sem transbordar para o solo natural habitualmente enxuto 42.
A referida linha é definida, conforme os casos, pela aresta ou crista superior do talude marginal - escarpa ou face lateral interior da conduta da corrente -, ou pelo alinhamento da aresta ou crista do talude marginal molhado das motas, - aterros de protecção de inundações - cômoros - montículos -, valados, tapadas ou muros marginais.

3.4. O artigo 3º reporta-se à noção de margem das águas e respectiva largura, nos termos seguintes:
"1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
"2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50m.
"3. A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, tem a largura de 30m.
"4. A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10m.
"5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
"6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da crista do alcantil".
A faixa de terreno contígua à linha limite do leito das águas tem sido designada ao longo do tempo por riba, arriba ou margem 43.
No nº1 define-se o que deve entender-se por margem, ou seja, a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha limite do leito das águas.
No nº2 estabelece-se sobre a largura das margens das águas do mar e das águas navegáveis e flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas, fixando-a em 50 metros.
É, por outro lado, pressuposto do estabelecido nesta disposição que, para além das águas do mar, existem águas navegáveis e flutuáveis sujeitas e não sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias.
No nº3 fixa-se em 30 metros a largura da margem das águas navegáveis e flutuáveis não contempladas no nº2, isto é, das margens das águas navegáveis ou flutuáveis não marítimas e outras não sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias.
No nº4 estabelece-se em 10 metros a largura da margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, sob o elenco exemplificativo de correntes, barrancos e córregos de caudal descontínuo 44.
O nº5 prevê a situação de a margem das correntes de água ter a natureza de praia.
O conceito de praia era expresso no direito romano por "littora maris", com o significado de porção de terreno que o mar cobria na máxima preia-mar de águas vivas e que descobria até à linha da baixa-mar e assim foi entendido entre nós durante muito tempo 45.
A CDPM entendia, porém, que se as praias fossem constituídas por areias soltas e tivessem largura superior à das margens marítimas, considerar-se-iam em toda a sua largura, qualquer que ela fosse, integrantes do domínio público marítimo 46.
AFONSO QUEIRÓ pronunciou-se também no sentido de que no Decreto de 31 de Dezembro de 1864, que declarou as praias do domínio público marítimo, o conceito amplo nele adoptado abrangia não os terrenos que as águas cobrem e descobrem, mas os terrenos enxutos contíguos à linha da máxima preia-mar de águas vivas, resultantes do lento recuo do mar ou de depósitos aluviais 47.
A lei não define directamente o conceito de praia, mas no disposto na disposição em apreço infere-se a utilização do conceito em sentido amplo 48.
Assim, nos termos do nº5 do artigo em análise, se a margem das correntes de água tiver a natureza de praia em extensão superior a 50, 30 e 10 metros, conforme os casos, ela estender-se-á até onde o terreno tiver aquela natureza.
O nº6 dispõe sobre a zona em que, a partir do leito das águas, deve ser medida a largura da margem, distinguindo-as para o efeito conforme a linha limite "a quo" atinja ou não arribas alcantiladas.
O alcantil é uma elevação íngreme de terreno áspero ou uma rocha abrupta talhada a pique 49.
Se a referida linha não atingir arribas alcantiladas a largura da margem é medida a partir da linha limite do leito; se as atingir a largura da margem é medida a partir da parte superior do alcantil.

3.5. No artigo 4º traça-se a noção de zona adjacente e a largura respectiva, nos termos seguintes:
"1. Entende-se por zona adjacente toda a área contígua à margem que como tal seja classificada por decreto, por se encontrar ameaçada pelo mar ou pelas cheias.
"2. As zonas adjacentes estendem-se deste o limite da margem até uma linha convencional definida, para cada caso, no decreto de classificação, nos termos e para os efeitos do presente diploma".
Trata-se de uma figura sem tradição no nosso sistema jurídico, a que se reportam este artigo e os artigos 5º, 13º, 14º e 15º, que visa facilitar a prevenção dos acidentes provocados pelo avanço das águas, por parte das entidades com jurisdição na área 50.
Visa-se, com efeito, a protecção dos donos dos terrenos permanentemente ameaçados pelas marés marítimas ou pelas cheias dos grandes rios contra o risco de obras perigosas ou construções precipitadas, sujeitando-as ao licenciamento do Estado 51.
No nº1 define-se o que deve ser entendido por zona adjacente. Trata-se de uma área contígua à margem das águas, sejam marítimas ou não.
A existência da zona adjacente depende de qualificação como tal por decreto com o fundamento de estar ameaçada pelo mar ou pelas cheias.
No nº2 define-se o quadro de fixação da largura das zonas adjacentes. Não se estabelece, como é natural, a largura das referidas zonas, limitando-se a lei a prescrever que o seu limite coincide com o da margem das águas.
O limite exterior das zonas adjacentes é definido, caso a caso, no aludido decreto de classificação.
O artigo 5º reporta-se à condição jurídica dos leitos, margens e zonas adjacentes do modo seguinte:
"1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, e bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.
"2. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitos a servidões administrativas, os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecidas como privadas nos termos deste diploma.
"3. Consideram-se objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade pública, as zonas adjacentes.
"4. Consideram-se objecto de propriedade privada, nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das respectivas ilhas".
No nº1 enunciam-se os leitos e margens das águas do domínio público do Estado.
No que concerne aos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer outras águas navegáveis ou flutuáveis públicas eles são considerados do domínio público do Estado, se a esse domínio do Estado pertencerem.
Os leitos e margens das águas públicas não navegáveis nem flutuáveis também são considerados do domínio público do Estado se atravessarem terrenos públicos do Estado, isto é, se os leitos e as margens pertencerem ao domínio público do Estado e na parte respectiva 52.
No nº2 são contemplados os leitos e margens das águas não navegáveis que atravessem terrenos particulares e as partes dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem desafectadas do domínio público do Estado ou reconhecidas como privadas.
O conteúdo deste artigo é manifestamente inspirado pela normação anterior, segundo a interpretação resultante do já mencionado Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 1935.
Quando uma lei dispõe que determinadas categorias de bens são dominiais e o não eram, não tem a eficácia da sua automática inclusão no domínio público. Esses bens só entrariam imediatamente naquele domínio se já se integrassem no património privado do Estado; sendo porém, objecto de direito de propriedade particular assim continuarão até à expropriação 53.
Os referidos leitos e margens das águas públicas considerar-se-ão propriedade privada sujeitos embora a servidões administrativas, nos termos do artigo 12º .
Assim, são objecto de propriedade privada, sujeitos embora a servidão administrativa, não só os leitos e as margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem prédios particulares, como também as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que tenham sido objecto de desafectação do domínio público ou reconhecidas como privadas 54.
As referidas margens privadas de águas públicas estão, assim, sujeitas a uso público, acessório da navegação, flutuação, fiscalização e polícia ou a outros fins.
Mas uma coisa é a sujeição a uso público dos referidos leitos e margens privados em função da utilidade pública dele emergente, e outra, bem diversa, é a dominialidade sobre tais parcelas.
Da sujeição dessas parcelas de leitos e margens ao uso público resulta para a Administração o poder-dever de jurisdição sobre elas, mas isso não afecta, senão em termos limitativos, o conteúdo do direito de propriedade privada respectivo 55.
No nº3 regula-se o regime das zonas adjacentes às margens das águas públicas em termos de se considerarem objecto de propriedade privada, sujeitas a restrições de utilidade pública nos termos do artigo 15º.
No nº4 contempla-se uma excepção ao disposto no nº1, incidente sobre os terrenos tradicionalmente ocupados junto à crista das arribas alcantiladas das ilhas dos Açores e da Madeira, em atenção à especificidade respectiva.

3.6. No artigo 6º, a propósito do abandono das águas, dispõe-se o seguinte:
"Os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas, ou lhes forem conquistados, não acrescem às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas, continuando integrados no domínio público, se não excederem as larguras fixadas no artigo 3º, e entrando automaticamente no domínio privado do Estado, no caso contrário".
A previsão deste artigo reporta-se aos leitos dominiais das águas públicas por estas abandonados ou a elas conquistados.
É uma disposição enformada pela ideia de que do recuo das águas públicas resulta geralmente retracção do domínio público do Estado em benefício do domínio privado de particulares.
Estatui-se em relação a tais leitos, postos a descoberto, das águas públicas, por um lado, que não acrescem às parcelas privadas da margem contíguas.
E, por outro, que os referidos leitos, postos a descoberto continuarão no domínio público hídrico se não excederem a largura de 50 metros tratando-se de leitos de águas do mar ou de outras correntes de água navegáveis ou flutuáveis sujeitos à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, ou 30 metros se se tratar de águas não marítimas ou outras águas navegáveis ou flutuáveis não sujeitas à jurisdição daquelas autoridades, ou de 10 metros no caso de se tratar de águas não navegáveis nem flutuáveis, entrando no domínio privado do Estado no caso de excederem as referidas dimensões.
O recuo das águas dos mares, rios, lagos e lagoas é susceptível de derivar de causas naturais ou por acção do homem, assim descobrindo os antigos leitos, fenómeno que os romanos designavam por "littus derelictum" ou "alveus exsicatus" ,conforme se tratasse de leitos de mar ou de outras águas, respectivamente.
A problemática da titularidade do direito de propriedade sobre os leitos abandonados pelas águas ou a estas conquistados está intimamente conexionada com a dos acrescidos por virtude da aluvião incidente sobre os leitos marginais, em termos de determinação do respectivo surgimento como terreno seco.
Já anteriormente ao Código de Seabra se discutia entre nós a propósito do direito de propriedade sobre a parte dos leitos das correntes navegáveis que ficavam a descoberto em virtude do recuo das águas 56.
Com efeito, uns entendiam que o limite terrestre dos leitos se situava, no que concerne às águas sujeitas às marés, na linha da máxima preia-mar de águas vivas e, quanto às outras águas, na linha atingida pelas cheias ordinárias,enquanto outros defendiam que tal limite se situava na linha da preia-mar normal ou na linha normal por elas ocupada, respectivamente.
Quando os leitos das correntes de água contíguos a terrenos particulares ficarem enxutos ou habitualmente enxutos por virtude do recuo das águas, suscita-se a questão de saber se acrescem ou não às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas.
No domínio da vigência do Código Civil de 1867, entendia-se que o disposto no artigo 2291º era aplicável aos terrenos deixados a descoberto pelo recuo das águas.
E reconhecia-se que nem o artigo 2291º do Código Civil de 1867 nem qualquer outra normação previa a situação do leito do mar posto a descoberto no limite da margem, dividindo-se a doutrina quanto a esta problemática 57.
Esta matéria veio finalmente a ser regulada pelo citado artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71, que importa confrontar com o disposto no nº1 do artigo 1328º do Código Civil.

3.7. Vejamos, então, a questão fulcral da consulta, isto é, a de saber qual o posicionamento da previsão dos artigos 1328º do Código Civil e 6º do Decreto-Lei nº 468/71.
Recorde-se que o nº1 do artigo 1328º do Código Civil dispõe que pertence aos donos dos prédios confinantes tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente, e que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 prescreve que os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas ou lhes forem conquistados, não acrescem às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas, continuando integrados no domínio público.
Tudo está em saber se o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 revogou ou não, total ou parcialmente, o artigo 1328º, nº1, do Código Civil.
A este propósito é configurável, à partida, uma de duas posições:
- entender que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 não revogou o artigo 1328º, nº1, do Código Civil, porque aquele só é aplicável ao recuo das águas do mar; ou
- que o artigo 1328º, nº1, do Código Civil foi parcialmente revogado pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71, por este ser aplicável ao recuo das águas, sejam ou não marítimas.
No seio da CDPM já se defendeu a primeira posição enunciada, isto é, que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 só é aplicável ao recuo das águas do mar.
Argumentou-se, a propósito, que:
- os leitos das correntes navegáveis ou flutuáveis que fiquem a descoberto têm vocação para um aproveitamento particular porque são agricultáveis;
- desde o direito romano sempre o princípio da acessão foi inspirado pelo princípio da equidade no que concerne à compensação dos proprietários dos terrenos marginais prejudicados pela invasão erosiva das águas;
- só deve aceitar-se que um decreto-lei emanado de um Ministério técnico revoga disposições cuidadas e demoradamente estudadas do Código Civil se se não mostrar possível outra interpretação.
A segunda das posições enunciadas veicula, com efeito, o entendimento de que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 se reporta ao recuo de todas as águas públicas, marítimas e não marítimas e, consequentemente, derrogou o disposto no artigo 1328º, nº1, do Código Civil, pelo que este só será aplicável aos casos em que a acção das águas das correntes e lagoas provoque o depósito sucessivo e imperceptível dos elementos aluviais no interior de prédios confinantes com os leitos 58.
A posição não derrogatória enunciada é contrariada pelos que defendem a solução contrária, com o argumento de que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 não consente interpretação restritiva, que a solução derrogatória é a única compatível com os princípios que regem o estatuto dos bens do domínio público, que os proprietários dos prédios marginais não perdem o direito de propriedade sobre os terrenos invadidos pelas águas que lá permaneçam e que essa perda no caso de erosão é explicável pela impossibilidade material de se definirem ou exercerem direitos na parte sobre que incidiu a erosão, que nem todos os terrenos marginais são agricultáveis e os que o são podem ser afectados a diversas utilizações 59.

3.8. Esta questão do interposicionamento do conteúdo dos artigos 6º do Decreto-Lei nº 468/71 e 1328º, nº1, do Código Civil passa naturalmente também pela análise do artigo 7º do Código Civil reportado à cessação da vigência da lei, nos termos seguintes:
"1. Quando se não destina a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei;
"2. A revogação pode resultar de declaração expressa, de incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior;
"3. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção do legislador;
"4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento de lei que esta revogara".
Do disposto neste artigo apenas importa considerar, tanto quanto releva na economia do parecer, a transcrita normação dos nºs 2 e3.
Como este corpo consultivo já ponderou, na esteira de FRANCISCO FERRARA, as normas jurídicas não são imortais, mas sujeitas a modificarem-se e a extinguirem-se, pois tal como na natureza, não há no mundo jurídico, com o devir do tempo, imobilidade, mas transformação 60.
Não se compreenderia, aliás, que o legislador não pudesse adaptar o mundo do direito às novas necessidades e concepções sociais, deixando de empreender as reformas que no seu critério são impostas pelo interesse público, e daí que se possa afirmar que cada época tem o seu direito e cada direito a sua época.
A revogação da lei resulta de uma nova manifestação de vontade do legislador que é contrária à que lhe serviu de base - lex posterior derogat priori-, no âmbito do princípio da prevalência da vontade mais recente.
A revogação, quanto à forma, é expressa ou tácita, ocorrendo aquela quando a nova lei individualiza concretamente a normação afectada, e esta se a nova lei exprime incompatibilidade com a anterior.
A referida incompatibilidade é susceptível de derivar ou do conflito directo e substancial entre os preceitos das leis em concurso ou de a lei nova estabelecer um novo e completo regime das relações em causa, em termos de a última regular toda a matéria disciplinada pela primeira, permitindo a inferência da vontade do legislador de estabelecer um novo sistema de princípios complexo e autónomo 61.
Quando a revogação não é expressa, não é por vezes fácil a tarefa de determinar a existência ou inexistência da incompatibilidade 62.
Abra-se um parêntesis sobre o preceito "a lei geral não revoga o especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador".
A determinação sobre se a lei geral posterior revoga ou não a lei especial anterior há-de partir da interpretação daquela 63.
Este corpo consultivo ponderou que, na fixação da intenção do legislador e, face à expressão "inequívoca", deve o intérprete ser particular-mente exigente, e atender ao texto de lei, sua conexão, evolução histórica, história da formação legislativa e, sobretudo, nortear-se pelo fim da disposição questionada e o resultado de uma e outra interpretação 64.

3.9. Como a solução da questão de saber se o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 revogou ou não o disposto no nº1 do artigo 1328º do Código Civil passa pela actividade interpretativa da primeira das mencionadas disposições, vejamos o que a propósito dispõe o artigo 9º do Código Civil.
Este artigo prescreve, sobre a interpretação de lei, que:
"1. A interpretação não deve cingir-se à letra de lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
"2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra do lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
"3. Na fixação do sentido e alcance de lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
Atentemos, pois, à luz do disposto naquela normação, no sentido prevalente daqueloutra a que acima se faz referência, naturalmente a partir do seu elemento gramatical ou literal.
À determinação do sentido prevalente das normas não basta, porém, a sua análise literal, ainda que dela resulte um sentido que ao intérprete pareça claro.
O resultado da interpretação literal deverá, com efeito, ser confirmado pela chamada interpretação lógica, isto é, pela verificação do fim das normas, do seu enquadramento sistemático e político e da sua história.
No exame do fim da norma inclui-se a verificação das situações reguladas e de qual o interesse que se pretendeu proteger bem como o âmbito de tal protecção.
Qualquer norma jurídica faz parte de um sistema jurídico global e não pode deixar de ser entendida à luz dele.
As circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, às vezes apontadas em trabalhos preparatórios ou nos respectivos exórdios justificativos, facilitam, naturalmente, a sua compreensão.
Se os elementos literal e lógico de interpretação concorrem para que lhes seja atribuído um sentido unívoco, estamos perante a chamada interpretação declarativa.
No caso de o resultado da interpretação literal, por equivocidade do texto, não coincidir com o resultado da indagação lógica, a esta deverá o intérprete dar prevalência.
Se o legislador se quedou ao expressar a vontade aquém do que a razão da norma exigia, dizendo menos do que queria, importa que o intérprete opere a chamada interpretação extensiva.
Mas se não podia, sem contradição ou injustiça, querer dizer tudo o que o elemento literal parece significar, impõe-se o tipo de interpretação restritiva 65.
O elemento gramatical do artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 aponta no sentido de que a expressão "leitos dominiais" que forem abandonados pelas águas ou lhes forem conquistados" abrange não só os leitos das águas do mar como também os das outras águas públicas.
Como a expressão "leitos dominiais" abrange todos os que se integram no domínio público do Estado, independentemente de serem ou não marítimos, e não tendo o legislador restringido o âmbito da expressão utilizando aqueloutra de "leitos dominiais marítimos ou de terrenos abandonados pelo mar", deve concluir-se, à luz do elemento gramatical, que pretendeu abranger a generalidade dos leitos dominiais das águas públicas (artigo 9º, nº3, do Código Civil).
Por outro lado, no que concerne ao elemento sistemático verifica-se que, por força do artigo 1º, o âmbito objectivo de aplicação do diploma abrange, salvo quanto ao que esteja regulado em leis especiais ou convenções internacionais, os leitos das águas do mar, correntes de águas, respectivas margens e zonas adjacentes.
Daí que seja legítimo ao intérprete concluir que o conceito de "leitos dominiais" a que se reporta o artigo 6º veicula o amplo sentido a que se reporta o artigo 1º.
Assinale-se, ainda, que na fase inicial dos trabalhos preparatórios se detectava intenção diferente. Só em relação aos terrenos abandonados pelo mar se estabelecia que constituíam domínio marítimo e não acresciam aos terrenos comuns ou particulares situados nas praias.
Com efeito, no que concerne às águas do mar só acresceria aos terrenos comuns ou particulares situados nas praias o que por acção das águas neles se depositasse, e, quanto às outras águas, pertenceria aos donos dos prédios confinantes o que, por acção delas, se lhes unisse ou fosse depositado sucessiva e imperceptivelmente 66.
Na fase do projecto do Decreto-Lei já se não referiam senão os leitos dominiais que fossem abandonados pelas águas ou que lhes fossem conquistados, consignando-se que não acresciam às parcelas privadas da margem que porventura lhes fossem contíguas, e que continuavam integrados no domínio público 67.
Tendo em atenção a referida evolução da preparação da lei, sobretudo a autonomização e particularidade do regime relativo ao recuo das águas do mar na fase inicial, abandonadas na fase final, isso aponta no sentido da conclusão de que o legislador pretendeu uniformizar o regime relativo aos leitos postos a descoberto pelo abandono das águas públicas independentemente de estas serem ou não marítimas.
Por outro lado, não existem razões de tradição jurídica nem de salvaguarda de direitos dos titulares da propriedade privada sobre terrenos marginais que justifiquem solução contrária. Antes pelo contrário: trata-se de uma matéria em que releva manifestamente o interesse público que deve prevalecer, no limite do razoável, sobre o interesse particular.
Na verdade, se o terreno do leito das águas públicas, sejam ou não marítimas, pertencia ao Estado não se vislumbra fundamento jurídico para que só pelo mero efeito do recuo das águas ocorra uma transferência da propriedade nessa parte para o titular privado da margem 68.
O legislador não distinguiu, na disciplina do regime do recuo das águas, entre os leitos dominiais marítimos e outros e, não resultando razões jurídicas para o efeito, também ao intérprete não é legítimo distinguir.
Importa, assim, concluir que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71, ao reportar-se aos leitos dominiais que foram abandonados pelas águas ou lhes foram conquistados, abrange os leitos do mar, das correntes de água, dos lagos e das lagoas.
Assim, na medida em que nesta disposição se prevê o abandono do leito pelas águas públicas em geral - do mar ou dos rios e outras correntes, lagos e lagoas - em razão do abandono, e se estatui que tais leitos continuam no domínio público do Estado ou se integram no domínio privado deste, e como o artigo 1328º, nº1, do Código Civil prevê a confinância de prédios com quaisquer correntes de águas não marítimas e se estatui pertencer aos donos desses prédios tudo o que por acção das águas se lhes unir ou neles for depositado, isto é, em virtude do fenómeno designado por aluvião, e porque o fenómeno da aluvião na modalidade de união aos prédios confinantes com as correntes de água das partículas sedimentares é susceptível de se consubstanciar no recuo das águas em razão do incremento sobre o leito que assim se eleva, não podemos deixar de concluir que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 e o artigo 1328º, nº1 do Código Civil se apresentam, no que concerne ao fenómeno da aluvião na modalidade de união, incompatíveis.
Com campos de aplicação parcialmente coincidentes, e não se configurando em termos de generalidade-especialidade, todavia a incompatibilidade parcial enunciada impõe a conclusão de que o artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 derrogou o disposto no nº1 do artigo 1328º do Código Civil.
E tal derrogação não pode deixar de se caracterizar pela redução do âmbito da previsão do nº1 do artigo 1328º do Código Civil, em termos de se dever considerar que dispõe: "Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente 69.

3.10. A conclusão no sentido da derrogação do artigo 1328º, nº1, do Código Civil pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 implica, porém, face aos termos da consulta, a delimitação temporal do campo de aplicação das referidas disposições.
Sobre esta temática dispõe o artigo 12º do Código Civil:
"1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuida eficácia rectroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
"2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem entender-se-à que a lei abrange as próprias relações constituidas, que subsistam à data da sua entrada em vigor".
O problema da aplicação das leis no tempo deriva de facto de duas ou mais leis se sucederem no tempo, no âmbito do mesmo sistema jurídico, a regular diversamente situações jurídicas da mesma espécie, a cuja existência não obsta a circunstância de a vigência da lei nova implicar a cessação de vigência da lei velha 70..
Nesta sede há que analisar não só o conteúdo das normas em conflito,como também a natureza da matéria por elas reguladas.
A coordenação da lei antiga e da lei nova no que concerne ao âmbito objectivo da sua aplicação é enformada, por um lado pelo interesse de estabilidade da ordem jurídica que permita aos cidadãos organizar os seus planos de vida com segurança, e, por outro, pelo da adaptação da ordem jurídica aos novos imperativos e concepções sociais 71.
Daí que as várias legislações tendam a consagrar um regime de aplicação de leis no tempo que de algum modo salvaguarde ambos os referidos interesses, erigindo como regra o princípio da não retroactividade da lei nova, e como excepção o princípio da retroactividade daquela lei, ou seja, aquilo que vem sendo designado por retroactividade moderada.
O referido critério está consagrado no artigo 12º do Código Civil, aplicável no domínio de qualquer situação jurídica, substantiva ou adjectiva, de direito público ou de direito privado.
Na primeira parte do nº1 daquele artigo consagra-se o regime regra de que a lei só dispõe para o futuro e na segunda estabelece-se a presunção de que dispondo sobre factos pretéritos, não afecta os efeitos por eles produzidos.
No nº2 a lei distingue consoante a lei nova regula a validade de certos factos ou os seus efeitos, ou define o conteúdo ou efeitos de certa situação jurídica, independentemente dos respectivos factos originários.
No primeiro caso a lei nova só se aplica aos factos ocorridos após o início da sua vigência, e no segundo é aplicável, no futuro, às relações jurídicas que subsistam aquando do referido início de vigência 72.
No caso em apreço estamos perante um dispositivo que regula o facto da colocação dos leitos das águas públicas a descoberto por efeito do recuo das águas ou de a estas serem conquistados, estatuindo que não acrescem aos prédios das margens e que continuam no domínio público ou privado do Estado.
Trata-se de uma situação jurídica naturalmente duradoura, que se vai desenvolvendo, quase sempre paulatina e imperceptivelmente, e se enquadra na primeira parte do nº1 do artigo 12º do Código Civil.
Assim, importa concluir que o inovador dispositivo do artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 só é aplicável aos leitos das águas públicas, marítimas ou não marítimas, que ficaram a descoberto por virtude do recuo das águas ou do facto de a estas serem conquistados a partir de 3 de Fevereiro de 1972, data do início da vigência daquele diploma.
Isso significa, naturalmente, que o fenómeno do aluvião, abrangente da situação do recuo das águas a que atrás se aludiu, ocorrido até 3 de Fevereiro de 1972, é regulado à luz do artigo 1328º, nº1, do Código Civil.

4.1. Vejamos agora, considerando a problemática da consulta sobre a exigência de taxa à Boega Ldª, pela DGP, o regime das servidões administrativas e dos usos privativos do domínio público hídrico.
Às servidões sobre parcelas privadas de leitos e margens públicas reporta-se o artigo 12º do Decreto-Lei nº 468/71, nos termos seguintes:
"1. Todas as parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitas às servidões estabelecidas por lei e, nomeadamente, a uma servidão de uso público no interesse geral do acesso às águas e da passagem ao longo das águas, da pesca, da navegação ou flutuação, quando se trate de águas navegáveis ou flutuáveis, e ainda da fiscalização e polícia das águas pelas autoridades competentes.
"2. Nas parcelas privadas de leitos ou margens públicos, bem como no respectivo subsolo e no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras, permanentes ou temporárias, sem licença do Ministério das Obras Públicas, pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
"3. Os proprietários de parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitos a todas as obrigações que a lei estabelece no que respeita à execução de obras hidráulicas, nomeadamente de correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza.
"4. Se da execução pelo Estado de qualquer das obras referidas no nº 3 deste artigo resultarem prejuízos que excedam os encargos resultantes das obrigações legais dos proprietários, o Estado indemnizá-los-á. Se se tornar necessária, para a execução dessas obras, qualquer porção de terreno particular, ainda que situada para além das margens, o Estado poderá expropriá-la".
MARCELLO CAETANO definia a servidão administrativa como o "encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa", e restrições de utilidade pública como "limitações permanentemente impostas ao exercício do direito de propriedade, ou poderes conferidos à Administração para serem utilizados eventualmente na realização dos seus fins e visando interesses públicos abstractos" 73.
As servidões administrativas distinguem-se das restrições de utilidade pública na medida em que aquelas são e estas não são estabelecidas em proveito da utilidade pública de certos bens a cargo da Administração 74.
Na primeira parte do nº1 do artigo em análise estabelece-se o princípio de que todas as parcelas privadas que servem de leitos ou margens genericamente classificados como públicos estão sujeitas às servidões legal-mente estabelecidas 75.
E na segunda parte da mesma disposição inscreve-se a sujeição das referidas parcelas a uma servidão de uso público no interesse geral de acesso às águas e da passagem ao longo delas, da pesca, da navegação ou da flutuação quando se trate de águas, e da fiscalização e polícia das águas pelas autoridades competentes.
No nº2 precreve-se que a execução de quaisquer obras, permanentes ou temporárias, nas parcelas privadas de leitos ou margens genericamente declarados públicos, bem como no respectivo subsolo e espaço aeréo, depende de licença 76.
No nº3 perceitua-se que os proprietários das aludidas parcelas estão sujeitos, face à execução de obras hidraúlicas, à obrigação, além do mais, da correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza.
No nº4 prevê-se a situação de as obras do Estado ocuparem alguma parcela de terreno de particulares ou, não o ocupando, lhes determinarem prejuízo excedente do razoável face ao conteúdo da servidão, e estatui-se, neste caso, a obrigação de indemnização pelo Estado e, naquele, a possibilidade de expropriação, naturalmente com indemnização.

4.2. No artigo 17º estatui-se, sob a epígrafe "permissão de usos privativos", que, "com o consentimento das entidades competentes, podem parcelas determinadas dos terrenos públicos referidos neste diploma ser destinados a usos privativos".
Este artigo reporta-se a um dos vários modos de utilização de coisas do domínio público por particulares, e pressupõe, necessariamente, a contraposição do uso especial ou privativo ao uso não particular ou comum.
Está-se perante uma situação de uso comum das coisas de domínio público, que naturalmente visam, quando se inscrevem directamente por força da lei na titularidade de todos ou de certa categoria de cidadãos, em termos de igualdade.
Ocorre, por seu turno, uma situação de uso privativo de coisas do domínio quando ele pertence a determinadas pessoas directamente com base num título jurídico individual 77.
Portanto, nos termos do artigo em análise, certas parcelas de leitos ou margens podem ser afectadas a usos privativos se as autoridades competentes para o efeito em tal consentirem 78.
O uso privativo dos leitos e margens a que se reporta esta disposição é o que se refere aos dominiais, isto é, aos que estejam efectivamente integrados no direito de propriedade do Estado.

4.3. Conexo com o disposto no artigo acabado de analisar está o artigo 18º que relativamente à atribuição do uso privativo sob licença ou concessão, dispõe:
"1. O direito de uso privativo de qualquer parcela dominial só pode ser atribuído mediante licença ou concessão.
"2. Serão objecto de contrato administrativo de concessão as instalações fixas e indesmontáveis que sejam consideradas de utilidade pública; serão objecto de licença, outorgada a título precário, todos os restantes usos privativos.
"3. Não se consideram precárias as licenças conferidas para obras em terrenos ou prédios particulares situados na área de jurisdição das autoridades marítimas, hidraúlicas ou portuárias".
O nº1 estabelece as espécies de títulos jurídicos individuais através dos quais o direito de uso privativo ou especial de leitos ou margens dominiais é susceptível de ser concedido - a licença ou concessão 79.
A licença e a concessão distinguem-se porque aquela se traduz em acto unilateral da Administração envolvido de precaridade, e este em acto bilateral encabeçado pela Administração e por um outro sujeito - entidade pública ou privada - envolvido de estabilidade 80.
À atribuição de uso privativo de bens dominiais não quadra, pois, o contrato de arrendamento, que é próprio do direito privado 81.
Salienta-se, uma vez mais, que a licença ou concessão do uso privativo dos leitos e margens em apreço só é configurável quando o Estado tenha em relação a eles o direito de propriedade 82.
No nº2 define-se o objecto próprio de cada um dos referidos títulos jurídicos individuais, com expressa referência ao contrato administrativo de concessão.
Distingue-se entre usos privativos dos leitos e das margens que pressuponham investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e sejam de utilidade pública, e usos privativos que não correspondem àquela dupla característiva.
Na primeira situação - investimentos em instalações fixas e indesmontáveis de utilidade pública - o título jurídico individual de utilização privativa dos bens dominiais é o contrato administrativo de concessão, que garante a estabilidade e a segurança necessárias a empreendimentos de maior vulto 83.
Podem ser celebrados pelo máximo prazo de 30 anos ou, em casos especiais justificados, por tempo superior ou indeterminado - artigo 20º 84.
A utilidade pública traduz-se "na aptidão das coisas para satisfação de necessidades colectivas" 85.
A utilidade pública do uso privativo dos bens dominiais é susceptível de resultar de declaração do Conselho de Ministros ou directamente da lei 86.
Na segunda - usos privativos que não pressuponham investimentos em instalações fixas e indesmontáveis ou, pressupondo-os, não sejam de utilidade pública - é a licença, pelo prazo máximo de cinco anos - artigo 20º, nº1 -, o título jurídico individual adequado, caracterizando-se, pois, pela não estabilidade e pela precaridade, isto é, pela revogabilidade a todo o tempo, sem direito a qualquer indemnização de quem era o seu titular.
O nº3 prescreve não serem precárias as licenças de construção ou outras obras relativamente a prédios particulares situados na área de jurisdição das autoridades marítimas, hidraúlicas ou portuárias.
Esta disposição constitui lógico corolário do princípio de que a atribuição do uso privativo de bens dominiais através dos títulos jurídicos a que se reportam os nºs 1 e 2 do artigo em análise só tem sentido em relação ao património que seja propriedade do Estado 87.
A licença a que se reporta a referida disposição, tem, com efeito, objecto diverso daqueloutra prevista nos nºs 1 e 2 do artigo, certo que constitui o único título legitimador das obras a realizar nos prédios particulares, e consequentemente não é susceptível de envolver certa natureza da edificação nem a precaridade a que se fez referência.

4.4. Depois de os artigos 21º, 22º e 23º versarem sobre o conteúdo do direito de uso privativo, o regime de realização de obras no seu âmbito e sua fiscalização pelas autoridades competentes e o uso e controlo dos bens, respectivamente, dispõe o artigo 24º o seguinte:
"1. Pelo uso privativo de terrenos dominiais é devida uma taxa, a pagar anualmente, salvo estipulação em contrário, calculada de harmonia com as tarifas aprovadas ou, na falta delas, conforme o que em cada caso for fixado pela entidade competente.
"2. Quando o direito de uso privativo for atribuído a uma pessoa colectiva de direito público ou a um particular para fins de beneficência ou semelhantes, pode ser concedida a isenção do pagamento da taxa ou a redução desta.
"3. Sempre que forem consentidos, a título provisório, usos privativos em terrenos a respeito dos quais esteja em curso um processo de delimitação, as taxas devidas não são imediatamente exigíveis, mas o interessado deve caucionar logo de início o pagamento das respectivas importâncias.
"4. Reconhecida a dominialidade de tais terrenos, torna-se exigível, após a publicação do respectivo acto de delimitação, o pagamento das quantias devidas por todo o período de utilização já decorrido. Se não for reconhecida a dominialidade, nada é devido, podendo o interessado proceder ao levantamento da caução".
Este artigo prevê a retribuição do gozo de bens dominiais através do pagamento de determinada prestação pecuniária periódica 88.
Como os bens do domínio público são naturalmente vocacionados para a sua utilização comum em condições de igualdade, se alguém deles fez uma utilização privativa em termos de aproveitamento próprio das respectivas utilidades, revela-se justo que suporte o pagamento de uma contrapartida patrimonial a favor da comunidade 89.
Trata-se de prestações pecuniárias fundadas no poder de fruição dos bens dominiais integrado no direito de propriedade pública da Administração 90.
No nº1 prevê-se, pois, a obrigação de as entidades investidas no uso privativo dos leitos e margens do domínio público suportarem o pagamento anual de uma taxa.
O cálculo da referida taxa deverá operar em conformidade com tarifas aprovadas ou, na falta delas, nos termos fixados pela entidade competente para o efeito.
No nº2, atentos os fins a prosseguir no âmbito do uso privativo dos bens dominiais, estabelece-se a faculdade de a Administração isentar ou reduzir a taxa devida pela pessoa colectiva de direito público ou pelo particular que vise a beneficiência ou entidade semelhante.
Os nºs 3 e 4 reportam-se a uma situação de inexigibilidade provisória do pagamento da taxa eventualmente devida pelo uso privativo dos bens dominiais.
Pressuposto de aplicação da referida normação é o facto de estar pendente um processo de delimitação de bens dominiais e particulares em relação aos quais haja sido conferido o uso privativo.
Nessa hipótese recai sobre o provisório titular do uso privativo a obrigação de logo caucionar o pagamento das taxas.
Realizado o acto de delimitação dominial pela CDPM e o cumprimento da formalidade de homologação ministerial, de duas uma: ou a delimitação não reconhece o direito de propriedade ao provisório titular do uso privado ou a reconhece 91.
No caso negativo é-lhe exigível o pagamento das taxas devidas desde o início da utilização dos bens dominiais; no caso afirmativo pode proceder ao levantamento do valor de caução ou à sua extinção.
Do disposto nos artigos 17º, 18º e do que acaba de ser objecto de análise resulta claramente ser pressuposto legal necessário da exigência da taxa, a que o último se reporta, o uso privativo de leitos ou margens dominiais de águas públicas, isto é, que aqueles terrenos sejam propriedade do Estado.
Se os leitos ou as margens das águas públicas forem objecto de direito de propriedade da titularidade de particulares estes só estão sujeitos às servidões administrativas e restrições de utilidade pública a que alude o artigo 12º.
As servidões administrativas e as restrições de utilidade pública afectam os prédios sobre que incidem direitos de propriedade da titularidade de particulares, mas o conteúdo essencial a que se reporta o artigo 1305º do Código Civil permanece.
O exercício das faculdades de uso, fruição e disposição dos leitos e margens de águas públicas a que se reporta o referido artigo 1305º do Código Civil por banda dos respectivos titulares privados do direito de propriedade, restringido embora por via das aludidas servidões administrativas ou restrições de utilidade pública, não constitui de algum modo, causa justificativa da cobrança pela Administração de qualquer taxa.

5. O Decreto-Lei nº 70/90, de 2 de Março, definiu o regime dos bens do domínio hídrico do Estado, incluindo a respectiva administração e utilização (artigo 1º, nº1).
Não abrange, porém, o domínio público marítimo, salvo o regime de aplicação de taxas e sanções, com vista ao desenvolvimento de políticas coerentes em matéria de qualidade das águas (artigo 1º, nº2).
Considera utilização do domínio hídrico a actividade susceptível de alterar, quantitativa ou qualitativamente o estado das águas, leitos ou margens, designadamente captações ou desvios, retenção ou rebaixamento de nível, rejeição de efluentes ou adição de substâncias pontualmente ou de forma difusa, extracção de inertes e qualquer ocupação de espaço hídrico, independentemente do respectivo fim (artigo 6º, nº1).
Prescreve-se que a utilização do domínio hídrico é susceptível de ocorrer em regime natural - de modo directo, independentemente de infra-estruturas -, e em regime artificial - através de construção de infra-estruturas (artigo 6º, nº2).
Tal utilização, sujeita a licenciamento, é susceptível de visar a captação de água ou a extracção de inertes, a ocupação por infra-estruturas, designadamente as destinadas à produção de energia, à realização de culturas biogenéticas, transporte, prática de actividades desportivas ou de lazer e as descargas de substâncias líquidas ou sólidas (artigo 7º, nº1 e 8º, nº2).
Por essa utilização do domínio público hídrico, incluindo a rejeição de efluentes, é devida "taxa de utilização", e os beneficiários de infra-estruturas hidráulicas ou de saneamento básico ficam sujeitos ao pagamento de uma taxa de exploração, conservação e beneficiação (artigo 21º, nº1, e 22º, nº1).
A violação do referido regime de utilização integra o ilícito de contra-ordenação, punível com coima (artigos 23º a 28º).
Ora, tendo em conta que o Decreto-Lei nº 468/71 rege quanto aos terrenos públicos conexos com as águas públicas - leitos, margens e zonas adjacentes - e considerando o conteúdo do Decreto-Lei nº 70/90, que versa fundamentalmente sobre a utilização do domínio hídrico relativo às águas, importa concluir que o disposto neste último diploma não afecta o que se concluiu com base no primeiro.

6. Aqui chegados, é altura de aproximar as considerações de ordem jurídica desenvolvidas à problemática colocada pela entidade consulente.
Recorde-se que a omissão de matéria de facto a que fizemos referência obriga a que a resposta não seja de tipo absoluto, mas condicionado ou alternativo.
Não vem posto em causa pela entidade consulente - antes pelo contrário - que toda a ilha da Boega pertencia, em 5 de Fevereiro de 1952 - data do acto de delimitação realizado pela CDPM - a entidades particulares.
O leito das águas navegáveis ou flutuáveis do Rio Minho - em que a ilha da Boega se situa -, e porque se trata de águas sujeitas à influência das marés, é limitado pela linha da máxima preia-mar em condições de cheias médias (artigo 2º, nº2, do Decreto-Lei nº 468/71).
A margem das águas do Rio Minho - sujeitas à jurisdição das autoridades portuárias - no que concerne ao contorno da ilha da Boega, tem a largura legalmente estabelecida de 50 metros (artigo 3º, nº2, do Decreto-Lei nº 468/71).
Sendo a referida margem de propriedade particular, só está sujeita às servidões legalmente estabelecidas, designadamente à de uso público no interesse geral de acesso às águas e de passagem ao longo delas, da pesca, da navegação e da fiscalização e polícia pelas autoridades competentes (artigo 12º, nº1, do Decreto-Lei nº 468/71).
Na medida em que a aludida margem se integre no direito de propriedade de particulares, sujeito embora à referida servidão administrativa, é óbvio que se trata de um bem do domínio de particulares e não de bem dominial.
Assim sendo, exactamente por se tratar de uma margem não integrada no domínio público do Estado, não pode a sua utilização pelos respectivos proprietários particulares ser configurada como uso privativo de bens dominiais (artigos 17º e 18º, do Decreto-Lei nº 468/71).
E em consequência, perante tais pressupostos, configura-se como infundada a exigência pela Administração aos proprietários utilizadores da margem própria da taxa a que se reporta o artigo 24º do Decreto-Lei nº 468/71.
A previsão do artigo 1328º, nº1, do Código Civil abrange a situação em que o leito das correntes de águas não marítimas fica a descoberto em virtude do abandono ou recuo das águas determinado pela aluvião sobre o leito antigo que passou a integrar as margens.
O artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 é aplicável aos leitos das águas públicas marítimas ou não marítimas postos a descoberto pelo recuo das águas ou que a estas tenham sido conquistados.
Aquela disposição revogou, pois, parcialmente o disposto no artigo 1328º, nº1, do Código Civil, com efeitos a contar de 3 de Fevereiro de 1972 - data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 468/71 - em razão do que o artigo 1328º, nº1, do Código Civil apenas dispõe em termos de conteúdo útil que "pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas neles for depositado sucessiva e imperceptivelmente".
A referida derrogação só é, pois, susceptível de operar a partir de 3 de Fevereiro de 1972 (artigo 34º, do Decreto-Lei nº 468/71).
Tudo o que, entre 5 de Fevereiro de 1952 e 3 de Fevereiro de 1972, por acção das águas, se uniu - ainda que por virtude do recuo das águas derivado da aluvião sobre o leito - ou foi depositado, paulatina e imperceptivelmente nos limites da ilha da Boega, integrou-se no direito de propriedade dos seus donos.
Posteriormente a 3 de Fevereiro de 1972 só pertence aos titulares do direito de propriedade sobre a ilha da Boega o que por acção das águas, sucessiva e imperceptivelmente, naquela ilha foi ou for depositado.
O leito do Rio Minho contíguo à ilha da Boega que desde aquela data tenha sido ou venha a ser posto a descoberto por virtude da acção das águas ou que a estas seja conquistado não se integra no direito de propriedade dos particulares donos daquela ilha, antes continuando no domínio público do Estado até à largura de 50 metros, ou integrando-se no domínio privado do Estado na medida em que ultrapasse aquela extensão.

Conclusão:

V
Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª A ilha da Boega - localizada no Rio Minho, em zona sujeita às marés, sob a jurisdição da Direcção-Geral dos Portos, entre as freguesias de Goivo e Gondarém, concelho de Vila Nova de Cerveira - foi, em 5 de Fevereiro de 1952, delimitada e reconhecida como propriedade privada, até à linha da preia-mar das águas vivas, pela Comissão do Domínio Público Marítimo (Parecer nº 1624 homologado por decisão do Conselho de Ministros de 12 de Março de 1952, publicado no "Diário da República", II Série de 18 de Março de 1952);
2ª O leito das águas do Rio Minho onde se localiza a ilha da Boega é limitado pela linha da máxima preia-mar das águas vivas equinociais, e a respectiva margem é integrada pela faixa de terreno contígua à linha que limita aquele leito com a largura de 50 metros (artigo 2º, nºs 1 e 2, e 3º, nºs. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro);
3ª A acessão é uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade enformada pelo princípio acessorium sequitur principale, em termos de o proprietário da coisa principal estender o seu direito de propriedade à coisa acedida e de esta adquirir a natureza e o destino daquela;
4ª A aluvião é uma das espécies de acessão natural, consubstanciada no lento, sucessivo e imperceptível depósito de partículas de terra, areia, lodo ou detritos orgânicos sobre o leito ao longo das margens, formando com estas um todo;
5ª O artigo 1328º, nº1, do Código Civil - tal como o artigo 2291º do Código de Seabra - prevê directamente a união e o depósito, nos prédios confinantes com quaisquer correntes de água não marítimas, sucessiva e imperceptivelmente, dos elementos referi-dos na conclusão anterior;
6ª A previsão do artigo 1328º, nº1, do Código Civil abrange a situação em que o leito das correntes de água fica a descoberto por virtude do recuo das águas determinado pela aluvião sobre o leito antigo que passou a integrar as margens;
7ª O artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 é aplicável ao abandono pelas águas dos leitos dominiais ou que àqueles forem conquistados independentemente de serem ou não marítimas as águas que os cobriam;
8ª O artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71 revogou o disposto no artigo 1328º, nº1, do Código Civil na parte relativa ao incremento aluvial aos prédios particulares confinantes com as correntes de água que resulte do recuo das águas;
9ª A referida revogação só produz efeitos desde 3 de Fevereiro de 1972 - data do início da vigência do Decreto-Lei nº 468/71;
10ª O artigo 1328º, nº1, do Código Civil circunscreve agora a sua previsão e estatuição úteis à seguinte normação: pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente;
11ª As parcelas privadas de leitos ou margens genericamente consideradas integradas no domínio público estão sujeitas a servidões administrativas e a restrições de utilidade pública (artigo 17º do Decreto-Lei nº 468/71);
12ª Os leitos e margens de águas públicas integrados no domínio público do Estado são susceptíveis de atribuição a particulares em regime de uso privativo, com base em licença ou contrato administrativo de concessão, mediante o pagamento de taxa (artigos 17º, 18º e 24º do Decreto-Lei nº 468/71);
13ª As servidões e restrições administrativas incidentes sobre os leitos e as margens privados de águas públicas não atribuem à Administração o direito a exigir dos seus proprietários e utilizadores ou a outrem a taxa a que se reporta o artigo 24º do Decreto-Lei nº 468/71;
14ª O acréscimo à ilha da Boega até 3 de Fevereiro de 1972, nos termos dos artigos 2291º do Código de Seabra e 1328º, nº1, do Código Civil, integrou-se no direito de propriedade dos proprietários daquela ilha;
15ª Posteriormente a 3 de Fevereiro de 1972 só se integrou no direito de propriedade referido na conclusão anterior o que na ilha da Boega se depositou, sucessiva e imperceptivelmente;
16ª O terreno acrescido àquela ilha em razão da colocação do leito do Rio Minho a descoberto pelo abandono das águas ou que a estas foi conquistado, posteriomente à data referida na conclusão anterior, continuará integrado no domínio público do Estado até ao limite de 50 metros, e integrar-se-á no domínio privado do Estado na parte em que exceda aquela medida;
17ª A utilização do terreno da margem da ilha da Boega por Boega - Sociedade Agrícola e Turística, Ldª. só constitui título legal de exigência pela Administração da taxa a que se reporta o artigo 24º do Decreto-Lei nº 468/71, se aquele terreno se tiver integrado no domínio público do Estado nos termos referidos na conclusão anterior.

1) O referido parecer da CDPM foi homologado por decisão do Conselho de Ministros de 12 de Março de 1952, publicado no "Diário do Governo", II Série, de 18 de Março de 1952.
O Decreto-Lei nº 300/84, de 7 de Setembro, definiu a nova orgânica do sistema de autoridade marítima, prevendo no artigo 4º, nº1, alínea a), a CDPM com funções consultivas .
O Regulamento interno da CDPM foi aprovado pela Portaria nº 752/87, de 2 de Setembro, e alterado pela Portaria nº 234/88, de 18 de Abril, e artigo único do Decreto-Lei nº 275/89, de 22 de Agosto.

2) Informação constante do processo na qual se opina pela revogação parcial do artigo 1328º do Código Civil pelo artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de Novembro, aplicável à situação equacionada.

3) Quando se não indicar o ano da publicação do Código Civil deve entender-se que se trata do que foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 47344, de 25 de Novembro de 1966,

4) JOSÉ TAVARES, "Os Princípios Fundamentais do Direito Civil", vol. I, Coimbra, 1922, págs. 602 e 603; DAVID AUGUSTO FERNANDES, "Lições de Direito Civil (Direitos Reais") de PIRES DE LIMA ao 3º ano jurídico de 1945-1946", Coimbra, 1946, págs. 61 e 62.

5) A doutrina considerava um erro prescrever-se que o direito de fruição abrangia o de acessão porque a aquisição se operava não por elas acederem externamente à coisa apropriada mas porque esta se desenvolve internamente e os exterioriza em termos de a sua utilização depender da respectiva separação e de pertencerem a quem não é proprietário da coisa que os produziu (CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, em Comentário ao Código Civil Português", vol. XI, L 19º, pág. 719).

6) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", vol. III, Coimbra, 1987, pág. 123; LIMA ARAÚJO e REBOREDO SEARA, "Direitos Reais", Apontamentos no Ano Lectivo 79/80 na Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, pág. 322.

7) OLIVEIRA ASCENSÃO, "Direito Civil, Reais", Coimbra, 1983, págs. 397 e 398; EDUARDO DOS SANTOS, "Curso de Direitos Reais", I, Ano Lectivo de 1982/83 na Faculdade de Direito de Lisboa, 1983, pág. 456.

8) PLANIOL et RIPERT, "Traité Pratique de Droit Civil Français", tome III, Paris, 1926, págs. 250 e 251.

9) ANTÓNIO CARVALHO MARTINS, "Acessão", Coimbra, 1992, págs. 20 e 21.

10) Ibidem, pág. 17.

11) Não era substancialmente diversa a enumeração das espécies de acessão no Código de Seabra. Com efeito, no § único do artigo 2289º prescrevia-se que "A acessão pode ser produzida por acção da natureza, ou por indústria do homem", e no artigo 2298º, proémio, que "Dá-se a acessão industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos, ou quando um indivíduo aplica o próprio trabalho à matéria que pertence a outrem, confundindo o resultado desse trabalho, propriedade sua com a propriedade alheia", e no § único daquela disposição que "Esta acessão pode ser mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza dos objectos".

12) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "obra citada, vol. III, pág. 125.

13) No artigo 2290º do Código Civil de 1867 prescrevia-se: "Pertence ao dono da cousa ou do prédio tudo o que, por efeito da natureza ou casualmente, acrescer à mesma cousa ou ao mesmo prédio".

14) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra citada, III, págs. 126 e 127, onde referem que o artigo 1327º do Código Civil pode ter aplicação directa a todos os casos de acessão natural que se não traduzam, em rigor, em incrementos fluviais, únicos previstos nos artigos 1328º a 1331º.

15) Era, com efeito, a seguinte a redacção do artigo 2291º do Código Civil de 1867: "Pertence aos donos dos prédios confinantes com os rios, ribeiros ou quaisquer correntes de água, tudo o que, por acção das águas, se lhes unir, ou neles fôr depositado".
Anteriormente ao Código de Seabra, no que concerne ao Rio Tejo, regia o Regimento das Lezírias e dos Paúis de 4 de Fevereiro de 1567, cujo Capítulo I dispunha:
"Primeiramente declaro que todas as Lezírias, assim criadas, como as que novamente se criarem em terras novas, e que se ajuntarem às ditas Lezírias, ou a outras terras, ainda que sejam de ereos no Rio Tejo, e braços dele, são da Coroa dos meus Reinos: porque, como Lisboa, Santarém e as outras ao redor foram tomadas aos Mouros pelos Reis meus antecessores, logo por eles foram as ditas terras coutadas, e aplicadas para a Coroa, segundo se contém em huma lei, de declaração feita por El Rey Dom Afonso Segundo, que está na Torre do Tombo".
E no Regimento do Tombo de Santarém, Capítulo XIII, dispunha-se:
"E vós informareis pela dita maneira se ao Longo do Tejo da Vila de Pancas para baixo há algumas Lezírias ou terras criadas de novo ou separadas das outras que sejam juntas às terras minhas, quer às terras de ereos ou de quem eu tenha feito mercê delas ou de quaisquer outras pessoas, ou Mosteiros, Conventos...tomareis logo posse delas" (Lobão, "Notas de Uso Prático, Parte I, pág. 346).
E no artigo 1º da Carta de Lei de 16 de Março de 1836, prescrevia-se:
"O Governo poderá vender a dinheiro de contado, para satisfazer as despesas correntes do Tesouro, as Lezírias, e o direito dos acrescidos marginais que lhes possam sobrevir"...quanto a estes, os compradores e futuros possuidores ficarão sujeitos aos cortes, que neles for preciso fazer para o encanamento do Tejo, sem que por esta expropriação recebam indemnização alguma, salvo aquelas partes dos mesmos acrescidos que tiverem tapado ao tempo, em que os houverem de fazer-se".

16) "Institutas", § 20, 2, 1.

17) CUNHA GONÇALVES, obra citada, vol. XI, pág. 720.

18) Ibidem, págs. 720 e 721.

19) Ibidem, pág. 721.

20) Em França distingue-se conforme a acréscimo resulte do recuo das águas, da aluvião ou de aterro por acção do homem, designando-se, respectivamente, por "relais", "lais" e "aterrissement" (JEAN DUFAU, "Le Domaine Public", tome 1, Paris, 1990, págs. 89 a 95; JEAN-LOUIS GAZZANICA et JEAN-PAUL OURLIAC, "Le Droit De L'Eau, Paris, 1979, pág. 88).

21) O disposto neste artigo corresponde ao que dispunha o artigo 2292º do Código Civil de 1867, do seguinte teor:
"Mas, se a corrente arrancar quaisquer plantas, levar qualquer objecto, ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre os prédios alheios, conservará o dono delas o seu direito, e poderá exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de três meses, se antes não for intimado para fazer a remoção no prazo que judicialmente lhe for assinado".

22) O artigo 1330º do Código Civil corresponde aos artigos 2293º e 2296º do Código Civil de 1867.
O artigo 2293º dispunha que "se a corrente mudar de direcção os donos dos prédios invadidos adquirirão o direito ao terreno, que ocupava o álveo antigo, cada um em proporção do terreno perdido pela variação da corrente".
E o artigo 2296º dispunha que "se a corrente se dividir em dois ramos, ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, o dono ou os donos dos prédios invadidos conservarão os direitos, que tinham no terreno que lhes pertencia, e que foi invadido pela corrente".

23) O artigo 2294º do Código Civil de 1867 dispunha que "As ilhas e mouchões, que se formarem nos mares adjacentes no território português, ou nos rios navegáveis ou flutuáveis, pertencerão ao Estado, e só poderão ser adquiridos pelos particulares, por legítima concessão, ou por prescrição.
§ único. Porém, se, por ocasião da formação de mouchões e aterros nos rios, algum dos prédios marginais, ou mais de um padecerem deminuição, os mouchões ou aterros pertencerão aos proprietários dos terrenos, onde a deminuição houver ocorrido, e em proporção dela".
E no artigo 2295º dispunha-se:
"Os mouchões e aterros, que se formarem nos rios não navegáveis nem flutuáveis, pertencerão aos proprietários marginais, de cujo lado se formarem, tirando uma linha divisória pelo meio do álveo do rio.
§ único. A estes mouchões e aterros é aplicável o que fica disposto no § único do artigo antecedente".

24) CUNHA GONÇALVES, obra citada, XI, pág. 732.

25) É navegável "a corrente que for acomodada à navegação com fins comerciais, de barcos de qualquer forma, construção e dimensões"; é flutuável a corrente de água "por onde estiver em costume fazer derivar objectos flutuantes com fins comerciais" (artigo 8º da Lei das Águas).

26) O Decreto-Lei nº 74/90, de 7 de Março, rectificado por declarações publicadas no "Diário da República", I Série, de 31 de Março e de 31 de Dezembro, neste caso no suplemento nº 300, - aprovou as normas de qualidade da água.
O artigo 84º da CRP resultou da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, rectificada no "Diário da República", I Série, nº 181, de 8 de Agosto de 1989.
A Constituição Política da República Portuguesa de 1933, cujo Título II se reportava ao domínio público e privado do Estado, inscrevia no artigo 49º, além do mais, pertencerem àquele domínio público as águas territoriais com seus leitos, e a plataforma continental, os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis com os respectivos leitos ou álveos, e bem assim os que, por decreto especial, fossem reconhecidos de utilidade pública como aproveitáveis para a produção de energia eléctrica, nacional ou regional, ou para irrigação, e quaisquer outros bens sujeitos por lei àquele domínio (nºs. 2, 3 e 8).

27) Parecer deste corpo consultivo nº 60/53, inédito, que neste excurso seguiremos muito de perto.

28) Livro II, título XXIV.

29) AZEREDO PERDIGÃO, "As Margens das Correntes Navegáveis ou Flutuáveis e o Domínio Público", Revista da Ordem dos Advogados, Ano 5º, nºs. 1 e 2, págs. 61 a 82.; e
JOSÉ PEDRO FERNANDES, Domínio Público, Mitologia e Realidade, "Revista de Direito e de Estudos Sociais", Ano XX, nº 1, Janeiro/Março de 1973, págs. 25 a 53.

30) Citado parecer nº 60/53.

31) Parecer nº 42/53, de 20 de Agosto de 1953, inédito.

32) O Decreto-Lei nº 513-P/79, de 26 de Dezembro, repôs em vigor a disciplina dos artigos 261º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos, aprovado pelo Decreto de 19 de Dezembro de 1892, e 5º do Decreto-Lei nº 23925, de 29 de Maio de 1934, e prescreveu a sua vigência até à publicação dos diplomas que viessem a definir, nos termos do artigo 14º do Decreto-Lei nº 468/71, as zonas adjacentes aos cursos de água, lagos e lagoas, e que o disposto no artigo 15º deste último diploma, para os casos em que se não encontrassem ainda definidas aquelas zonas, nos termos do seu artigo 14º, era alplicavel aos campos marginais tradicionalmente inundados pelas águas, quer ordinárias, quer de cheias (artigo único).
O artigo 261º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos dispunha:
"1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis sempre que tais leitos e margens lhe pertençam, a bem assim os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos públicos do Estado.
"2. Consideram-se objecto de propriedade privada sujeitos a servidões administrativas os leitos e margens das águas não navegáveis nem flutuáveis que atravessem terrenos particulares, bem como as parcelas dos leitos e margens das águas do mar e de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que forem objecto de desafectação ou reconhecida como privada nos termos deste diploma...".
O artigo 5º do Decreto-Lei nº 23925 prescrevia, por seu turno, que:
"As obras a executar no subsolo e espaço aéreo das áreas onde se exerce a jurisdição dos serviços hidráulicos, nos termos das leis vigentes , ficam igualmente sujeitas ao regime aplicável às margens e leitos dos cursos de águas".

33) Exórdio do Decreto-Lei nº 468/71.

34) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, "Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Hídrico", Coimbra, 1978, págs. 31 e 32.

35) Ibidem, pág. 39.

36) Exórdio.

37) O Acto Final da Conferência para a Codificação do Direito Internacional da Haia, de 1930, concluiu que o mar territorial com o espaço atmosférico superior, o solo e o subsolo coberto pelas águas respectivas faz parte do território do Estado e está sujeito ao regime deste.
A Lei nº 2080, de 21 de Março de 1956, dispôs que se integravam no domínio público do Estado o leito do mar e o subsolo correspondente nas plataformas submarinas contíguas às costas marítimas portuguesas, mesmo fora dos limites do mar territorial.
As Convenções de Genebra de 29 de Abril de 1958, aprovadas pelo Decreto-Lei nº44490, de 3 de Agosto de 1962, versam, uma sobre o leito do mar territorial e outra sobre a plataforma continental.
Portugal e a Espanha celebraram um Convénio para Regular o Uso e o Aproveitamento Hidráulico dos Troços Fundamentais dos Rios Minho, Lima, Tejo, Guadiana, Chança, e seus Afluentes, e dois Protocolos Adicionais, aprovados para ratificação entre nós pelos Decretos-Leis nºs 48661, de 5 de Novembro de 1968, e 292/76, de 23 de Abril.

38) DE PLÁCIDO E SILVA, "Vocabulário Jurídico", vol. III, Rio de Janeiro-Brasil, pág. 933.

39) O Código Civil de 1867 definia o leito como "a porção de superfície que a corrente cobre sem transbordar para o solo natural ordinariamente enxuto" (artigo 380º, § 3º).
A Lei das Águas definiu, por seu turno, leito como "a porção de superficie de terreno que a corrente cobre sem transbordar para o solo natural habitualmente enxuto" (artigo 3º).
A expressão "álveo", derivada do latim "alveum", com o sentido de concavidade, foi utilizada durante séculos para designar o leito das águas não marítimas.

40) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, pág. 81.
Estes autores referem também que devem ser considerados leitos os terrenos das encostas alcantiladas que são limitados por um lado pelas linhas atingidas pelas águas (linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais, ou da extrema do terreno que as águas em condições de cheias médias cobrem, conforme os casos) e, do outro, pela aresta superior do alcantil, quando as águas atingem o sopé do mesmo alcantil.

41) A agitação média do mar corresponde a uma vaga de 2 metros de altura no litoral Oeste do Continente - do Rio Minho a Sagres - e de 2 ou 1 metros no litoral Sul - de Sagres ao Rio Guadiana - desenvolvendo-se sobre aqueles níveis de +3,8 metros ou 3,90 metros.

42) Cfr. o artigo 1386º, nº 2, do Código Civil que a propósito das águas particulares dispõe que se entende por leito ou álveo a porção do terreno que a água cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto.

43) No direito romano codificado referia-se quanto às margens do mar; "est autem littus maris, quatenus hibernus fluctus maximus excurrit" ("Institutas", Livro 2, Título 1º, "De rerum divisione, § 3º); e sobre as margens dos rios: "Flumina publica, que fluunt, ripaeque eorum publicae sunt. Ripa ea putatur esse quae plenissimum flumen continet"(Digesto, Livro 1º, "De fluminibus").

44) Torrentes ou barrancos são correntes de água não navegáveis nem flutuáveis, de leito acentuadamente inclinado, resultantes das chuvas, de curta duração e curso intermitente e impetuoso.
Os córregos são correntes de água de caudal descontínuo e leito estreito e cavado (MÁRIO TAVARELA LOBO, obra citada, vol. I, Coimbra, 1989, pág. 97.

45) Ibidem., pág. 166.

46) Parecer nº 1176, de 20 de Maio de 1947, publicado no "Boletim da Comissão de Direito Público Marítimo", nº 59.

47) As praias e o domínio público, "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 96, nºs 3285, págs. 321 a 324, 3259, págs. 337 a 341, e 3260, págs. 353 a 355.

48) Neste sentido FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada,pág. 92, que adoptam a definição do artigo 1º da Ley de Costas espanhola, de 26 de Abril de 1969, que declara serem pertença do domínio público "Las playas, entendiendo-se como tales las riberas del mar o de los rios formados por arenales o pedregales en superficie casi plana, com vegetación nula o escassa y característica".

49) TAVARELA LOBO, obra citada, vol. I, págs. 169 e 170.

50) Exórdio.

51) ANTUNES VARELA, "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 120º, nºs 3764, págs. 349 a 352, e 3765, págs. 368 a 377.

52) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, págs. 100 a 104.

53) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", vol. II, Coimbra, 1991, pág. 877.
54) ANTUNES VARELA, "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 120º, nºs. 3764, págs. 349 a 352, e 3765, págs. 368 a 377.
55) JOSÉ CÂNDIDO PINHO, "As Águas no Código Civil", Coimbra, 1985, pág. 259; VITOR A. PEREIRA NUNES, "Scientia Juridica", Tomo XXI, nºs. 114 e 115, págs. 133 a 141.
56) LOBÃO entendia que "o alvéo dos rios públicos só segue a natureza deles e forma com eles um todo, enquanto coberto com as águas do rio", e que "a ilha supereminente já não é álveo porque já não a cobrem as águas; o mesmo do antigo álveo, que o rio deixou: cessando aqui o rio cessou o património real, que consistia no rio e cessou o uso comum de toda a gente; porque já aí não é rio...". ("Dissertação problemática - Se as ilhas nascidas nos rios públicos pertencem aos proprietários das terras adjacentes ou à coroa real, Notas de Uso Prático e Crítico", vol. 1º).
MELLO FREIRE entendia, por seu turno, que os leitos das águas públicas que ficassem a descoberto eram do património real ("Instituições do Direito Civil Lusitano", Livro I,tomo 4º, § 4º, e Livro 3, título 3º, § 7).
COELHO DA ROCHA defendia também que o "littus derelictus" e as ilhas e mouchôes se eram do Estado continuavam dele ("Instituições de Direito Civil Português", tomo II, Livro 2º, § 417).

57) GUILHERME MOREIRA entendia que os terrenos que ficavam permanentemente enxutos por virtude do recuo do mar deviam entrar no domínio privado do Estado ("As Águas no Direito Civil Português", I, Coimbra, 1920, págs. 294 e segs.).
CUNHA GONÇALVES também assim entendia com uma diferença: se os referidos terrenos fossem praias integrar-se-iam no domínio público (obra citada, vol. III, pág. 127).
AFONSO QUEIRÓ defendia, por seu turno, que tais terrenos deviam continuar no domínio público por serem praias (citado estudo "As praias e o domínio público (Alguns problemas controvertidos").

58) FREITAS DO AMARAL e JOSÉ PEDRO FERNANDES, obra citada, págs. 117 e 118.

59) Ibidem, págs. 115 a 117.

60) Parecer nº 195/83, de 9 de Maio de 1984, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 339, págs. 119 a 139, que neste passo seguiremos muito de perto.

61) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Noções Fundamentais de Direito Civil", Vol. I, Coimbra 1965, págs. 114 a 116, citados no referido Parecer nº 195/83.

62) OLIVEIRA ASCENSÃO, escreveu, a propósito: "verificar dentro da mole imensa das leis existentes quais as que são atingidas pela nova lei é trabalho muito grande, e que com frequência revela dificuldades com que se não contava" ("O Direito - Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1987, pág. 237).

63) VAZ SERRA, "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 99º, pág. 344.

64) Pareceres nºs 173/80, de 6 de Novembro, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 305, pág. 164, e 195/83, já citado.

65) MARCELLO CAETANO, obra citada, vol. I, Coimbra, 1990, págs. 112 a 134; KARL LARENZ, "Metodologia da Ciência do Direito", (trad.), Lisboa, 1969, pág. 369; BAPTISTA MACHADO, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Coimbra, 1990, págs. 183-188; OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1987, págs. 345 e segs. e CASTRO MENDES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1984, págs. 252-255.

66) O Anteprojecto elaborado por AFONSO QUEIRÓ inseria, a propósito, respectivamente:
"Artigo 2º
Os terrenos abandonados pelo mar constituem domínio público marítimo, não acrescendo aos terrenos comuns ou particulares situados nas praias. Tudo o que, porém, por acção das águas, nestas se depositar, pertence aos respectivos donos.
§ único. Para além da faixa geral de cinquenta metros, os terrenos abandonados pelo mar farão parte do domínio privado do Estado".
"Artigo 3º
Pertence ao dono dos prédios confinantes com os rios, esteiros, lagos, lagoas, canais, valas e correntes navegáveis ou flutuáveis tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado sucessiva e imperceptivelmente" (transcrito na citada obra de FREITAS DO AMARAL e de PEDRO FERNANDES, págs. 247 a 255).

67) Trata-se do projecto de Decreto-Lei nº 6/X (1970), que o Governo enviou à Câmara Corporativa em Outubro de 1970, que o não chegou a discutir.
O artigo 6º do referido projecto consignava sob a epígrafe "recuo das águas":
"1. Os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas, ou lhes forem conquistados, não acrescem às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas, continuando integrados no domínio público.
"2. Sempre que, em virtude do recuo das águas ou da conquista dos seus leitos, as margens dominiais passarem a abranger extensões de terreno que excedem as larguras fixadas no artigo 3º, poderá o Estado proceder à desafectação das extensões excedentes" (transcrito no local mencionado na nota anterior, págs. 257 a 272).

68) No domínio do Código Civil de 1867 escreveu a propósito CANCELA DE ABREU: "Estranha anomalia de aumentar a propriedade particular à custa do domínio público sem qualquer compensação para o Estado" (Revista da Ordem dos Advogados", Ano 6º, nºs 3 e 4, págs. 181 a 189).
E já quanto ao disposto no artigo 1328º do actual Código Civil, citando PEREIRA COELHO, "O enriquecimento e o dano", 1970, nota 182, afirmam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA; "Na medida em que permite ao dono do prédio confinante adquirir, sem nenhuma compensação, os bens abrangidos pelo fenómeno do aluvião, o artigo 1328º sanciona mais um caso de enriquecimento à custa de outrem, semelhante aos que resultam da usucapião, da prescrição, da posse de boa fé quanto à aquisição de frutos, etc." ("Código Civil Anotado", vol. III, Coimbra, 1987, pág. 144).

69) Assim também entendeu BRAGA DA CRUZ, em 1972, quando escreveu a propósito do artigo 6º do Decreto-Lei nº 468/71:
"Este preceito não tem paralelo na legislação anterior, tendo vindo dar solução legislativa a um problema até agora bastante debatido pela doutrina e tomando sobre ele uma posição original: perfilhou a opinião dominante quanto à questão de considerar sempre propriedade do Estado, e não dos donos dos prédios confinantes, os antigos leitos dominiais abandonados pelas águas em recuo..." (Parecer deste corpo consultivo nº 53/73, de 30 de Maio de 1974, publicado no "Diário do Governo", II Série, de 9 de Dezembro de 1974).
No mesmo sentido veja-se FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, pág. 115 a 117.
Em sentido contrário pode ver-se TAVARELA LOBO, obra citada, Vol. I, págs. 190 a 198.

70) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Noções Fundamentais de Direito Civil", Coimbra, 1965, págs. 195 e segs. que neste passo seguimos de perto.
71) Pareceres deste corpo consultivo nºs. 60/84, de 31 de Agosto de 1989, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 343, pág. 64, e 37/91, de 11 de Julho de 1991, inédito.
72) BAPTISTA MACHADO, "Sobre a aplicação no tempo do Código Civil", Coimbra, 1968, pág. 56.
73) Obra citada, vol. II, págs. 1052 e 1062.

74) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, pág. 154.

75) Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do tribunal da Relação do Porto, de 28 de Abril de 1987, publicado na "Colectânea de Jurisprudência", Ano XII, tomo 2, págs. 237 a 241.

76) Actualmente as licenças a que se reporta esta disposição são emitidas, conforme os casos, pelo Ministério do Mar através da Direcção-Geral dos Portos, Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ou Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Decretos-Leis nº 488/71, de 9 de Novembro , 451/91, de 4 de Dezembro, 77/92, de 6 de Maio, e Parecer de 11 de Novembro de 1974 da CDPM, homologado por despacho do Ministro do Equipamento Social e Ambiente, de 18 de Novembro de 1974, sobre a competência das autoridades hidráulicas e portuárias.
A Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, que sucedeu à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, foi declarada extinta pelo Decreto-Lei nº 246/87, de 17 de Junho. A comissão de extinção foi mantida em funcionamento até 31 de Outubro de 1988 pelo Decreto-Lei nº 340/88, de 28 de Setembro.
A DGP, criada no Ministério das Comunicações pelo artigo 24º, nº1, do Decreto-Lei nº 488/71 - passou a integrar o Ministério do Mar, com excepção da parte da Divisão do Domínio Público Marítimo e Concessões, que transitou para o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais (artigo 23º, nº2, alínea b), do Decreto-Lei nº 451/91, de 4 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 77/92, de 6 de Maio).
Nos termos do artigo 65º, proémio, alínea g), do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, diploma que se reporta ao loteamento municipal, devem as câmaras municipais manter compilados os instrumentos de planeamento territorial e as servidões administrativas e restrições de utilidade pública especialmente aplicáveis na área de município, nomeadamente as áreas integradas no domínio público hídrico a que se reporta o Decreto-Lei nº 468/71.

77) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES definem o uso comum como "o modo de utilização do domínio que, sendo conforme ao destino principal da coisa pública sobre que se exerce, é declarado lícito pela lei para todos, ou uma categoria genericamente delimitada de particulares", e o uso privativo como "o modo de utilização do domínio que é consentido a alguma ou algumas pessoas determinadas com base num título jurídico individual (obra citada, pág. 169).
Sobre esta matéria pode ainda ver-se FREITAS DO AMARAL, "A Utilização do Domínio Público pelos Particulares", Lisboa, 1965.

78) Sobre as autoridades competentes para atribuição de direitos de uso privativo veja-se FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, págs. 169 a 180, e os Decretos-Leis nº 229/82, de 16 de Junho, e 379/89, de 27 de Outubro, este rectificado por declaração publicada no "Diário da República", I Série, de 30 de Novembro de 1979.
Neste último diploma, a propósito da área de jurisdição da Direcção-Geral dos Portos, prescreve-se o seguinte:
"1º - A área de jurisdição da DGP abrange, dentro do limite de largura legal do domínio público marítimo, as faixas de costa delimitadas no mapa anexo, definidas pelos pontos de coordenadas Hayford-Gans e acidentes entre o ponto 1 (intersecção da margem esquerda do Rio Minho com o paralelo +256 000) e o ponto 2 (intersecção de costa a costa com o paralelo +22 000));
"2º - Mantêm-se sob a administração da DGP as zonas que, tendo estado englobadas na faixa do domínio público marítimo, dele saiam por efeito do recuo das águas".

79) À Divisão do Domínio Público e Concessão, compete conduzir os processos de licenciamento ou concessão de uso privativo de terrenos do domínio público e colaborar nos que envolvam a concessão de actividades portuárias (artigos 16º, 3), alínea e), do Decreto-Lei nº 229/82, de 16 de Junho, e 23º, nº2, alínea b), do Decreto-Lei nº 451/91, de 4 de Dezembro).
O Decreto-Lei nº 261/89, de 17 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei nº 132/91, de 2 de Abril, define o regime jurídico da actividade relativa às culturas marinhas - animais ou plantas -, distinguindo entre a autorização de instalação, licença de exploração dos estabelecimentos, licenciamento de obras e o condicionalismo da utilização privativa das áreas dominiais.

80) Sobre a impropriedade do termo "concessão" referido à autorização do uso privativo de bens dominiais, veja-se MARQUES GUEDES, "Dicionário Jurídico de Administração Pública", vol 2º. Coimbra, pág. 531.

81) Não foi assim no passado, como pode ver-se nos artigos 124º, nºs 6 e 7, do Regulamento para execução do Decreto nº8, de 1 de Dezembro de 1892, e 7º e segs. do Decreto-Lei nº 32842, de 11 de Junho de 1943.
Sobre o regime dos bens do domínio privado do Estado, cfr. o parecer deste corpo consultivo, nº 30/85, de 2 de Maio de 1985, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 349, pág. 155, e no "Diário da República", II Série, de 14 de Novembro de 1985.

82) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES caracterizam a concessão como "o acto bilateral e constitutivo de direitos pelo qual uma pessoa colectiva de direito público permite a uma ou algumas pessoas determinadas utilizar o domínio público em seu proveito próprio, por um certo tempo e em dadas condições", e a licença como acto unilateral e precário pelo qual uma pessoa colectiva de direito público permite a uma ou algumas pessoas determinadas utilizar o domínio público em seu proveito próprio, por um certo tempo e em dadas condições" (obra citada, pág. 182).

83) A CDPM entendeu, em 15 de Junho de 1945, que instalações fixas e indesmontáveis eram construções em alicerces de alvenaria ou cimento e sem caracter temporário, e que as instalações não fixas e desmontáveis eram de madeira, de caracter temporário, sem alicerces de alvenaria ou de cimento (Parecer nº 994, publicado no "Boletim da Comissão do Domínio Público Marítimo", nº 1, pág. 281.
Esta caracterização evoluiu, entretanto. Com efeito, os serviços entendem actualmente que as instalações não permanentes e desmontáveis se restringem aos toldos e barracas de banho e instalações semelhantes de armar e desarmar para utilizar nas épocas de banhos. (FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, pág. 184).

84) Este artigo foi objecto de alteração pelo artigo único do Decreto-Lei nº 53/74, de 15 de Fevereiro, de que resultou o seu nº2.

85) MARCELLO CAETANO, obra citada, vol. II, pág. 887.

86) O artigo 19º deste diploma dispõe sobre os usos de utilidade pública, o seguinte:
"São de utilidade pública, além dos que como tal forem declarados pelo Conselho de Ministros, os usos privativos realizados para algum dos seguintes fins:
a) Aproveitamento de águas públicas por pessoas colectivas de direito público ou de utilidade pública administrativa e por empresas de interesse colectivo;
b) Instalação de serviços de apoio à navegação marítima ou fluvial;
c) Instalação de postos para venda de combustíveis ou de estações de serviço para apoio à circulação rodoviária;
d) Aproveitamento de salinas, sapais e terrenos semelhantes para explorações agrícolas, salineiras ou outras actividades económicas análogas;
e) Edificação de estabelecimentos hoteleiros ou similares declarados de interesse para o turismo e de conjuntos turísticos como tais qualificados nos termos da legislação aplicável.
Sobre a limitação actual do conceito de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa em razão da amplitude dos fins das instituições particulares de solidariedade social, veja-se o parecer deste corpo consultivo nº 51/90, de 27 de Dezembro de 1990, inédito.

87) O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu em 20 de Outubro de 1976 que as obrigações de consentir a passagem da fiscalização dos serviços hidráulicos e de fazer ou não fazer determinadas obras nas margens de uma corrente de água, por serem simples servidões, não são suficientes para justificar o direito de propriedade do Estado sobre tais margens, uma vez que tal direito não pode existir em relação às margens das correntes navegáveis ou flutuáveis e em relação às que se situem em terrenos do Estado ("Colectânea de Jurisprudência", Ano I, tomo 3, págs. 805 e 806).

88) O Decreto-Lei nº 146/80, de 22 de Maio, estabeleceu que o uso privativo de todos os bens do domínio público do Estado sob administração portuária, ainda que não incluídos no domínio hídrico, reger-se-á pelo disposto nos artigos 17º a 31º do Decreto-Lei nº 468/71 (artigo único).

89) JEAN-MARIE AUBY et PIERRE BON, "Droit administratif des biens" Paris, 1991, págs. 128 e 129; JÈZE, "Les principes généraux de Droit Administratif", vol. III, Paris, 1930, pág. 240.

90) FREITAS DO AMARAL e PEDRO FERNANDES, obra citada, pág. 206.
91) No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1990 decidiu-se que os tribunais comuns são incompetentes para conhecer sobre a demarcação de terrenos particulares e do domínio público ("Actualidade Jurídica", Ano 2, nºs. 10 e 11, pág. 19).
Sobre a temática do domínio público hidríco podem ainda consultar-se os acórdãos daquele Tribunal, de 20 de Dezembro de 1974, de 14 de Março de 1979 e de 13 de Novembro de 1990, publicados, os primeiros no "Boletim do Ministério da Justiça", nºs.242, pág. 286, e 285, pág. 316, respectivamente, e o último proferido no processo nº 78668, inédito.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART62 N1 ART84.
CCIV66 ART7 ART9 ART12 ART1305 ART1316 ART1325 ART1326 ART1327 ART1328 ART1329 ART1330 ART1331.
CCIV867 ART380 N2 ART2287 N2 ART2289 ART2291.
DL 468/71 DE 1971/11/05 ART1 ART2 ART3 ART4 ART5 ART6 ART12 ART17 ART18 ART24.
DL 70/90 DE 1990/03/02 ART1 ART6 ART7 ART8.
D 5787 IIII DE 1919/05/10 ART1 ART3 PAR1.
D 12445 DE 1926/12/29 ART14.
D 23925 DE 1934/05/29 ART5.
REGULAMENTO DOS SERVIÇOS HIDRICOS APROVADO PELO D DE 1892/12/19 ART261.
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR CIV * DIR REAIS.
Divulgação
Número: 
DR269
Data: 
17-11-1993
Página: 
12182
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