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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
25/1992, de 17.09.1992
Data do Parecer: 
17-09-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Chefe do Estado-Maior do Exército # CEME
Relator: 
GARCIA MARQUES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
OFICIAL DO EXERCITO
PROMOÇÃO POR ESCOLHA
PROMOÇÃO POR MERITO
PODER DISCRICIONARIO
ACTO ADMINISTRATIVO
FUNDAMENTAÇÃO
ILEGALIDADE
VICIO DE FORMA
VICIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
ANULAÇÃO CONTENCIOSA
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ADMINISTRATIVA
RENOVAÇÃO
Conclusões: 
1 - Sempre que o acto administrativo afecte direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos deve ser expressamente fundamentado de facto e de direito - cfr artigo 268º, nº 3, da Constituição da Republica Portuguesa, artigo 1º, nº 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, e artigo 124º, nº 1, alinea a), do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro;
2 - A fundamentação, para ser válida, há-de ser clara, congruente e suficiente;
3 - A suficiência e clareza da fundamentação dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto, mas hão-de ser de molde a permitir que os destinatários do acto, pressupostos cidadãos normalmente diligentes e capazes, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade administrativa;
4 - Essa fundamentação pode consistir em simples declaração expressa e inequivoca de concordância com proposta anterior da qual constem as razões de facto e de direito que dêm a conhecer aos interessados por que se decidiu no sentido adoptado no acto e não em outro sentido, nos termos da conclusão anterior;
5 - Anulado o acto administrativo por falta de fundamentação, a Administração deve executar a decisão, renovando o acto, com o mesmo conteudo ou com conteudo diverso, expurgado do vicio que determinou a anulação;
6 - A execução do acordão do Supremo Tribunal Administrativo que anulou, por falta de fundamentação, a deliberação do Conselho de Chefes de Estado-Maior de 30 de Abril de 1986, que promoveu tres brigadeiros ao posto de general do Exercito, preterindo o recorrendo, Brigadeiro (...), oficial com antiguidade superior a dos escolhidos, consiste na pratica de novo acto, de conteudo material identico ou diverso do acto anulado, decidindo a questão que dele era objecto, e isento do vicio que o inquinava, ou seja, devidamente fundamentado em termos tais, que um destinatario medio, perante a motivação de facto e de direito invocada, se aperceba das razões que conduziram a escolha efectuada;
7 - O acto renovado, emitido em execução da sentença de anulação, produz efeitos referidos ao momento da pratica do acto anulado e deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR CONSELHEIRO
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA,
EXCELÊNCIA:

1.
O Brigadeiro (...) interpôs recurso contencioso de anulação - para o Supremo Tribunal Administrativo - da deliberação definitiva do Conselho de Chefes do Estado-Maior (CCEM), de 30 de Abril de 1986, integrada pelo acto de confirmação do Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN), de 27 de Maio de 1986, que, promovendo ao posto de General do Exército três Brigadeiros, não promoveu o recorrente.
Por Acórdão de 4 de Março de 1992, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) concedeu provimento ao recurso, anulando o acto impugnado.
Tendo em vista a análise da problemática jurídica suscitada pela execução do referido acórdão, o General Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), por despacho de 26 de Março findo, solicitou a emissão de parecer ao Senhor Auditor Jurídico, o qual viria a ser prestado em 10 de Abril seguinte.
Sobre o referido parecer proferiu o General CEME , com data de 14 de Abril de 1992, o seguinte despacho:
"Sem pôr em causa o mérito deste douto parecer, considerando porém a complexidade e importância da matéria versada, subsistindo dúvidas, designadamente sobre o entendimento e exequibilidade da sentença, solicito a V. Exª. o Procurador-Geral da República que submeta o assunto à apreciação do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República".
Tendo-se Vossa Excelência dignado distribuir o presente processo, cumpre, pois, emitir o competente parecer.

2.
2.1. Extraem-se, da petição de recurso e dos documentos que lhe estão anexos, os seguintes elementos mais significantes:
a) O acto impugnado promoveu ao posto de General, para preenchimento das três vagas existentes, os Brigadeiros HUGO MANUEL RODRIGUES DOS SANTOS, AMÍLCAR FERNANDES MORGADO e JOSÉ DO NASCIMENTO DE SOUSA LUCENA, todos mais modernos do que o recorrente - cfr., designadamente, os artigos 1º e 11º da petição de recurso e o documento anexo 1;
b) O recorrente fez 57 anos de idade em 15 de Março de 1986, assim atingindo o limite de idade para a passagem à reserva dos Brigadeiros das Armas (cfr. o mapa nº 2, a que se refere o artigo 47º do Decreto-Lei nº 176/71, de 30 de Abril, que aprovou o Estatuto do Oficial do Exército, ao tempo em vigor) - artigo 4º da petição de recurso;
c) Tal passagem à reserva ficou, todavia, sustada pelo facto de estar em curso o processo de preenchimento de vagas para o posto de General (artigo 3º do Decreto-Lei nº 187/77, de 9 de Maio), continuando o recorrente a prestar serviço (como Director do Serviço de Educação Física do Exército), até à data da confirmação das promoções ao posto de General - artigos 5º e 6º da petição;
d) O acto recorrido tem carácter definitivo e executório, tendo eficácia externa imediata quer na situação dos Oficiais promovidos, quer na do recorrente, que, por força dele, se viu preterido na promoção, sendo, assim, recorrível nos termos do artigo 28º, nº 4, da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas) (1) - artigos 3º, 7º, 8º e 10º da petição de recurso;
e) O acto recorrido enferma de falta de fundamentação, assim contrariando o determinado pelo artigo 1º, nºs 1, alíneas a) e b), e 2, do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho - artigo 11º da petição de recurso;
f) Atestando essa falta de fundamentação, é feita referência ao requerimento de 6 de Maio de 1986 dirigido pelo recorrente ao General CEME, em que solicitava lhe fosse informado "se a sua não promoção se teria ficado a dever a não lhe ter sido reconhecida competência técnica e/ou idoneidade moral e profissional para ascender ao posto de general, e se sobre tal facto se pronunciou o Conselho Superior do Exército - artigo 12º da petição de recurso e documento anexo nº 3;
g) Requerimento sobre o qual recaiu despacho do CEME, de 19 de Maio de 1986, cujo conteúdo se transcreve:
"De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 96º do Estatuto do Oficial do Exército, a promoção ao posto de General é por escolha. Dando cumprimento ao que se encontra expresso no mesmo Estatuto, o Conselho Superior do Exército, na sua reunião de 21 de Abril de 1986, ao apreciar os Brigadeiros oriundos das Armas que satisfaziam às condições de promoção, entre os quais se encontrava o requerente, considerou que todos possuíam mérito absoluto para poderem ser promovidos. Passando, em seguida, à sua apreciação em mérito relativo, elaborou o seu parecer para proposta para promoção de 3 Brigadeiros expresso na votação a que procedeu no seu âmbito, não tendo resultado do mesmo a escolha do requerente. Apreciada especificamente a situação do requerente tendo em vista o artigo 3º do Decreto-Lei nº 187/77, de 9 de Maio, e dado que o parecer do Conselho Superior do Exército foi no sentido da não apresentação de proposta da sua promoção, ao requerente deverá ser aplicado o artigo 4º do mesmo Decreto-Lei" (sublinhados agora) (2) (3);
h) Em face de tal despacho, o recorrente apresentou, em 6 de Junho de 1986, novo requerimento através do qual solicitou ao CEME informação sobre as seguintes questões adicionais:
número de vagas de general das Armas com referência à data de 21 de Abril de 1986;
número de brigadeiros das Armas apreciados na reunião do Conselho Superior do Exército (CSE) de 21 de Abril de 86;
posição do recorrente, no conjunto dos brigadeiros das Armas com as condições de promoção, após a referida reunião de 21.04.86;
deméritos relativos que levaram a que o requerente não fosse escolhido para promoção - artigo 14º da petição e documento anexo nº 5;
i) O referido requerimento viria a merecer despacho do General CEME de 20 de Junho de 1986 (vide documento anexo nº 6), segundo o qual o seu antecedente despacho de 19 de Maio (transcrito sob a alínea g) esgotava o problema levantado pelo requerente, uma vez que o esclarecia inteiramente quanto às razões por que não foi proposta a sua promoção a General ao Conselho de Chefes de Estado-Maior, dentro do critério de escolha, único seguido neste tipo de promoção.
Mais se escrevia no referido despacho de 20 de Junho:
"As solicitações agora apresentadas no presente requerimento são marginais e descabidas pois abordam pormenores não directamente ligados ao problema essencial que é o da não promoção do Brigadeiro (...).
"Nestes termos, nada mais há a acrescentar.
"Arquive-se o requerimento dando ao requerente conhecimento deste Despacho" - cfr. artigo 15º da petição;
j) A citada falta de fundamentação do acto impugnado consubstancia vício de forma que, assim, o inquina e é motivo da sua anulação - artigo 16º da petição de recurso;
l) Para além desse vício de forma, sustenta-se na petição de recurso que o acto recorrido está também ferido por desvio do poder, uma vez que o CCEM, "ao deliberar promover três brigadeiros mais modernos do que o recorrente, na sequência da proposta do CEME, teve como motivo determinante desse acto a preterição do acesso ao recorrente ao posto de general por razões que nada têm que ver com as suas qualidades pessoais, intelectuais e profissionais para o desempenho das respectivas funções" - cfr., designadamente, os artigos 17º, 27º e 28º da petição de recurso;
m) Com efeito, uma vez que o recorrente preenche, em igualdade de circunstâncias com os brigadeiros promovidos, as condições de promoção, quer gerais, quer especiais, e dado que é mais antigo do que qualquer deles, não sendo apontadas razões profissionais, assentes em fundamentos objectivos como justificação da sua preterição, "impõe-se concluir que só razões de ordem não profissional terão motivado a apreciação em mérito relativo ..." - artigos 25º e 26º da petição.

Termos em que se pediu a anulação do acto recorrido, "por vício de forma de falta de fundamentação e por desvio de poder, com as consequências legais".
2.2. Em resposta, o CCEM sustentou (através do seu Presidente) (4) a irrecorribilidade do acto, que não teria carácter definitivo e executório, dado o facto de o nome do recorrente não ter sido proposto pelo General CEME àquele Conselho, o qual, desse modo, não chegou a pronunciar-se no sentido da sua não promoção.

2.2.1. Para assim concluir, analisa-se a "cronologia" relativa à sucessão de actos integrantes do "mecanismo das promoções ao posto de general" (5), que, em síntese, é a seguinte:
a) apreciação pelo Conselho Superior do ramo dos brigadeiros (sob sua "jurisdição") e escolha daqueles que entenda deverem ser promovidos ao posto de general em função das vagas existentes, para o que proporá os respectivos nomes ao Chefe do Estado-Maior;
b) apresentação de proposta pelo Chefe do Estado-Maior respectivo ao Conselho de Chefes de Estado-Maior;
c) deliberação do CCEM sobre esta proposta, decidindo da promoção ou da não promoção dos oficiais propostos pelo respectivo Chefe do Estado-Maior;
d) confirmação da deliberação do CCEM pelo Conselho Superior de Defesa Nacional (6).

Após o que, se formula, na resposta que estamos a acompanhar, o juízo de que "só será lícito falar em acto definitivo e executório de não promoção, susceptível de recurso contencioso, quando o Conselho de Chefes de Estado-Maior tenha decidido não promover um dos oficiais propostos pelo Chefe do Estado-Maior do ramo e o Conselho Superior de Defesa Nacional tenha confirmado essa decisão" (7).
Pelo que, acrescenta-se, "não constando o nome do recorrente na proposta apresentada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército ao Conselho de Chefes de Estado-Maior, proposta essa que viria a ser aprovada por este Órgão e confirmada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, não chegou a ser proferido um acto definitivo e executório decidindo a sua não promoção ..." (8).
Assim sendo, entende o CCEM que "não há que falar no vício de forma invocada pelo recorrente, de que o acto recorrido que decidiu a sua não promoção não foi fundamentado".
Após o que sustenta que "por essa mesma razão, não haverá também que falar no desvio de poder em que a decisão recorrida incorreu, no ponto de vista do recorrente, vício que, aliás, este nem sequer curou de demonstrar minimamente" (9).

2.2.2. Juntaram-se, em anexo à resposta, a proposta de 22 de Abril de 1986 do General Chefe do Estado-Maior do Exército e certidão da acta nº 24 do CCEM, de 30 de Abril do mesmo ano, em cuja reunião foi deliberado promover ao posto de general os brigadeiros do Exército HUGO MANUEL RODRIGUES DOS SANTOS, AMILCAR FERNANDES MORGADO e JOSÉ DO NASCIMENTO DE SOUSA LUCENA.
A leitura dos dois documentos revela que deles está ausente qualquer fundamentação da proposta e da subsequente deliberação de promoção (10).
Merecerá, porventura, a pena atentar no facto de o despacho do General CEME ter ordenado os brigadeiros propostos para promoção, em termos correspondentes aos constantes da proposta que lhe fora apresentada pelo Conselho Superior do Exército, documento que não foi junto à resposta e que não nos foi remetido.
E é possível constatar, do cotejo dos dados constantes das notas curriculares respeitantes aos brigadeiros HUGO DOS SANTOS e AMÍLCAR MORGADO (únicas que recebemos), que, na aludida ordenação, não foi respeitada a ordem de antiguidade dos oficiais promovidos. Com efeito, ao tempo, enquanto o Brigadeiro HUGO DOS SANTOS, ordenado em primeiro lugar, tinha 52 anos de idade e 33 anos de serviço efectivo, 29 dos quais como oficial, o Brigadeiro AMÍLCAR MORGADO, então com 55 anos de idade, tinha 36 anos de serviço efectivo, 32 dos quais como oficial (11).

2.3. O acórdão do STA começou por considerar manifestamente improcedente a invocada questão da não definitividade do acto impugnado.

2.3.1. Justificando tal entendimento, escreve-se, no aresto, o seguinte:
"A proposta do CEME tem, singelamente, o valor que tem, o de uma proposta.
O Conselho não tem, necessariamente, que acatá-la, promovendo todos os oficiais propostos, ou, sequer, algum ou alguns deles".
...............................................................................".
"Ao sancionar a proposta do CEME, o Conselho pecou por omissão, deixando de promover, se bem ou mal o fez é isso questão distinta, o ora Recorrente, mais antigo que qualquer dos oficiais contemplados.
Porque se lhe foram sugeridos para promoção três brigadeiros, menos antigos que o Recorrente, a omissão do nome deste na proposta significa necessariamente a sua "preterição", equivalente, no caso, à não promoção definitiva, já que o oficial preterido tinha atingido, entretanto, o limite de idade, 57 anos, para alcançar o generalato.
O acto impugnado, reduzindo o recorrente,como irremediavelmente reduziu, à situação de reserva ... era, pois, definitivo e executório, pelo que susceptível de impugnação contenciosa".

2.3.2. Passa então o acórdão a apreciar se tal acto sofre de vício resultante de falta de fundamentação. E, em face de uma resposta afirmativa, qualifica-se tal vício como de "violação de lei" (12), sendo certo que, como se viu, o recorrente, na sua petição, o havia qualificado como "vício de forma".
Quanto ao aventado desvio de poder, o acórdão considerou não ter o recorrente invocado, nem se colher dos autos, qualquer facto ou circunstância que minimamente o indiciem.
Analisando a problemática relativa à falta (ou não) de fundamentação, o S.T.A. ponderou particularmente o seguinte:
"Se um oficial é ultrapassado na promoção por camarada de armas mais novo ou menos antigo, é legítimo presumir-se que o foi por seu demérito relativo, ou maior mérito do preferido, mas a "preterição" versus "preferência", operadas, embora, à puridade no Conselho de Chefes de Estado-Maior, terão de ser justificadas, fundamentadas, explicadas, em suma, ao oficial preterido, para que, mais do que vencido, possa e deva ser convencido do seu relativo demérito".
"É que os actos administrativos, ainda que praticados no uso de poderes discricionários, carecem de fundamentação expressa, sempre que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
"A lei fundamental da República não isenta dessa indeclinável garantia os actos ditos discricionários (artigo 268º, nº 3), enquanto a lei comum faz dela expressa prevenção no artigo 1º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho.
Entendeu o STA que o acto em apreço é totalmente omisso quanto às razões que terão presidido à preterição do recorrente, não obstante o facto de este ter requerido que lhe fosse explicado "se a sua não promoção se teria ficado a dever a não lhe ter sido reconhecida competência técnica e/ou idoneidade moral e profissional", e apesar de o mesmo ter renovado a pretensão (tida como descabida e marginal) no sentido de saber "quais os deméritos relativos que levaram a que ... não fosse escolhido para a promoção" (13).
Termos em que, pelo referido acórdão de 4 de Março de 1992, o STA entendeu:
"Sofre, em suma, o acto impugnado do atribuído vício de violação de lei, nos referenciados textos legais, razões por que o anulam".
Um dos Senhores Conselheiros votou esta deliberação com a declaração de que qualificaria o vício julgado procedente como vício de forma.

3.
Apesar de o escopo essencial do parecer consistir na problemática colocada pela execução do acórdão do STA, justificar-se-á que, preambularmente, se teçam algumas considerações orientadas no sentido de traçar as linhas gerais do regime jurídico, em vigor à data da prática do acto impugnado, no que diz respeito às promoções ao posto de general do Exército.
3.1. Nos termos do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 176/71, de 30 de Abril, que aprovou o Estatuto do Oficial do Exército (14), os oficiais do Exército agrupam-se nas categorias de oficial subalterno (postos de alferes e tenente), capitão, oficial superior (postos de major, tenente-coronel e coronel) e oficial general (postos de brigadeiro, general e marechal), ascendendo na carreira por promoção (artigo 65º, nº 1).
Para serem promovidos, os oficiais têm de satisfazer às condições de promoção que se dividem em condições gerais, comuns a todos os quadros e postos, e condições especiais, próprias de cada quadro e posto (artigo 68º).
Atento o estabelecido no artigo 69º são as seguintes as condições gerais de promoção dos oficiais:
a) bom comportamento militar e civil e espírito militar;
b) boas qualidades morais;
c) qualidades pessoais, intelectuais e profissionais necessárias para o desempenho das funções do posto imediato.
Por sua vez, entre as condições especiais de promoção aos postos de brigadeiro e general enumeradas no artigo 79º, justifica-se mencionar as seguintes:
a) O tempo, respectivamente, de quinze e dezoito anos de serviço a partir da promoção a tenente;
b) Pelo menos, dois anos de serviço no posto de coronel;
c) Aprovação no curso de altos comandos.
3.2. São diversos os critérios adoptados como fundamento das promoções.
Assim:
a promoção ao posto de tenente é por diuturnidade;
A promoção ao posto de capitão é por antiguidade;
a promoção ao posto de major, tenente-coronel e coronel é por escolha e antiguidade;
enfim, a promoção aos postos de brigadeiro e general é feita por escolha (15) "em função das vagas de general ocorridas" - artigo 98º, alínea b), do Decreto-Lei nº 176/71, na redacção do Decreto-Lei nº 385-B/77.
Ou seja, às promoções baseadas no tempo (diuturnidade e antiguidade) contrapõem-se as fundadas no critério da escolha, adoptando-se uma solução mista no que se refere aos postos de oficial superior.
3.3. A finalizar este breve excurso, convém recordar o disposto pelos nºs 2 e 4 do artigo 28º, sob a epígrafe "promoções", da Lei nº 29/82. Dispõem o seguinte:
"2. As promoções a oficial general e de oficiais generais de qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se, ouvido o Conselho Superior do respectivo ramo, mediante deliberação definitiva do Conselho de Chefes de Estado-Maior, que carecerá, para se tornar executória, de confirmação do Conselho Superior de Defesa Nacional" (16).
"4. Dos actos definitivos e executórios que decidam da não promoção de um militar a qualquer posto cabe sempre recurso para o tribunal competente, tendo o recorrente direito à consulta do respectivo processo individual".
Quanto à passagem à situação de reserva, para além dos já referidos artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 187/77 (17), deverão ter-se em consideração os artigos 47º e 48º do Decreto-Lei nº 176/71, tendo presente que os limites de idade para o efeito são as constantes do mapa 2 anexo à Portaria nº 812/84, de 18 de Outubro (18) (19)..
4.
4.1. É certo que, como se refere no acórdão do STA, e como, aliás, é reconhecido pelo próprio recorrente (cfr. ponto 2.3. da petição de recurso), a escolha dos brigadeiros para promoção envolve o exercício de um poder discricionário.
É óbvio, por outro lado, que o método de promoção "escolha" pressupõe a possibilidade de selecção de oficiais mais modernos, com preterição de outros com maior antiguidade.
Pretende-se, através da "escolha", dar tradução ao mérito, o qual sobrelevará, assim, a antiguidade. Todavia, para que ocorra a preterição de um oficial mais antigo por outro(s) mais moderno(s), importa a verificação de razões objectivas, resultantes da avaliação do mérito, que tal justifiquem. Assim, por exemplo, se o oficial mais antigo não reunir alguma(s) das condições gerais (ou especiais) de promoção, ou se, em termos de mérito relativo, houver fundamento para que outros oficiais mais modernos sejam graduados à sua frente.
É que, se a escolha recai em oficiais mais modernos, isto significa, forçosamente, que ao mais antigo, que foi ultrapassado, foi reconhecido um "demérito relativo".
Não assim se a escolha recai no oficial mais antigo, uma vez que isso não significa necessariamente a atribuição a esse oficial de um mérito relativo superior em relação aos oficiais mais modernos, significando antes que ao oficial (mais antigo) escolhido não foi reconhecido um "demérito relativo" em relação (passe a redundância) àqueles.
Isto porque, a ocorrer uma hipotética situação de igualdade de mérito absoluto e relativo, a antiguidade não poderá, evidentemente, ser penalizada. Pelo contrário, em tal (hipotética) situação, o desempate não deveria deixar de ser feito senão em favor do oficial mais antigo. Apesar de o critério de promoção ser a escolha, na hipótese de igualdade de graduação em mérito relativo, e pressupondo, como é óbvio, que não teria havido exclusão de um oficial mais antigo por virtude da não verificação, quanto a ele, de condições gerais ou especiais de promoção, a antiguidade deve ser "premiada", nunca podendo ser factor de penalização.
Como se extrai do regime legal exposto, e tal como salienta a própria autoridade recorrida, na sua resposta, a promoção, embora feita por escolha segundo critérios de discricionaridade, não podia deixar de respeitar o mérito, tanto absoluto como relativo, dos oficiais apreciados.
A apreciação objectiva dos parâmetros susceptíveis de evidenciarem o mérito dos candidatos à promoção proporcionará, em princípio, uma graduação dos mesmos, a qual poderá, ou não, coincidir com a que houvesse derivado da respectiva antiguidade. Será essa graduação, resultante da avaliação do mérito, que deverá servir de suporte à escolha dos oficiais a promover.
Mas, no caso de a referida apreciação não permitir efectuar uma graduação em função do mérito entre dois ou mais oficiais com condições de promoção, deverão os mesmos ser graduados de acordo com a respectiva antiguidade e, se apenas um deles puder ser promovido (em virtude das vagas ocorridas), deverá ser escolhido o mais antigo.
Ou seja: nem o facto de a escolha implicar o exercício de um poder discricionário pode permitir que este seja arbitrário; nem a circunstância de o método de promoção "escolha" ser apresentado em contraposição ao critério de promoção "antiguidade", pode significar que o factor antiguidade seja de todo irrelevante na escolha dos oficiais a promover (neste caso ao generalato).
O que o critério da "escolha" tem de fundamental é a sobressaliência que concede à ponderação do mérito e a consequente possibilidade de, em resultado da mesma, um oficial mais moderno ultrapassar na promoção um outro com maior antiguidade.
Rematando, podemos dizer em síntese:
A utilização do critério da escolha, adoptado na promoção ao posto de general (artigo 96º, nº 1, do Decreto-Lei nº 176/71, de 30 de Abril, na redacção do Decreto-Lei nº 385-B/77, de 13 de Setembro), visando dar tradução ao mérito, permite que oficiais mais modernos ultrapassem na promoção outros mais antigos;
Todavia, numa hipotética situação de igualdade de graduação em mérito absoluto e relativo, a antiguidade deve ser tomada em consideração, por forma a dar preferência ao oficial mais antigo.
4.2. Os actos administrativos, incluindo os praticados no uso de poderes discricionários, carecem de fundamentação expressa, sempre que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Princípio que encontra tradução na segunda parte do nº 3 do artigo 268º do texto em vigor da nossa Constituição (20), nos termos do qual os actos administrativos carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Anotando este preceito, no domínio do texto constitucional saído da revisão de 1982, escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:
"A fundamentação é aqui entendida, não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que estão na base do procedimento administrativo (21) .
Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar com transparência a actividade administrativa (princípio da transparência da acção administrativa), a sua correcção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo, sobretudo quanto aos vícios de violação da lei (legalidade dos pressupostos) e de desvio de poder. Em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos. Nesse domínio, a fundamentação é uma garantia do próprio direito ao recurso contencioso (nº 3)" (22) (23) sublinhado agora.
4.3. Dispõem as alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256--A/77, de 17 de Junho (24), o seguinte:
"1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
"a. Neguem, extingam, restrinjam ou por qualquer modo afectem direitos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
"b. Afectem, de igual modo, e no uso de poderes discricionários, interesses legalmente protegidos.
(...)".
De acordo com VIEIRA DE ANDRADE , das seis alíneas do nº 1 do artigo 1º do citado diploma, as duas primeiras (acabadas de reproduzir) esgotam as situações abrangidas pela garantia constitucional (do nº 3 do artigo 268º da lei fundamental) (25).
Segundo FREITAS DO AMARAL, a fundamentação tem de preencher os seguintes requisitos:
tem de ser expressa;
tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão;
tem de ser clara, coerente e completa, isto é, será ilegal se for obscura, contraditória e insuficiente (26).
Para VIEIRA DE ANDRADE "a fundamentação, para o ser, há-de ser clara, congruente e suficiente" (27).
Também GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA entendem que há, a este respeito, dois princípios essenciais: o princípio da suficiência e o princípio da congruência.
O objectivo essencial da fundamentação consiste em esclarecer concretamente a motivação do acto, conforme se depreende do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77.
Como sustentam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , tornam-se "constitucionalmente claudicantes todas as fórmulas que não ofereçam transparência à motivação concreta que levou a administração a praticar um determinado acto, como é o caso de conceitos vagos ou indeterminados, tipo "conveniência de serviço", "interesses públicos", "segurança e tranquilidade", etc. Não basta, invocar, por exemplo, a "conveniência de serviço"; há que explicitar que razões concretas é que levam a considerar certo acto como conveniente para o serviço. (28).
4.4. O citado Decreto-Lei nº 256-A/77 prevê, todavia, dois casos para os quais estabelece um regime jurídico especial.
Vejamos de que situações se trata, acompanhando, no entretanto, a lição de FREITAS DO AMARAL
"a) O primeiro é o de o acto administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: se assim for, o dever de fundamentar considera-se cumprido com essa mera declaração de concordância, não sendo necessário enunciar expressamente os fundamentos da decisão tomada. Com efeito, o parecer, a informação ou a proposta "constituirão parte integrante" da decisão, pelo que os fundamentos daqueles serão os fundamentos desta (art. 1º, nº 2). Havendo homologação, nem sequer é necessário fazer expressamente qualquer declaração de concordância: a homologação absorve automaticamente os fundamentos e conclusões do acto homologado;
b) O segundo caso especial é o dos actos orais: em regra, os actos praticados sob forma oral (como por ex. uma ordem, e em geral as deliberações dos órgãos colegiais) não contêm fundamentação. Então, de duas uma: ou esses actos são reduzidos a escrito numa acta - e desta deverá constar a fundamentação, sob pena de ilegalidade -, ou, não havendo acta, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a escrito da fundamentação dos actos orais, cabendo ao órgão competente o dever de satisfazer o pedido no prazo de 3 dias, sob pena de ilegalidade (art. 1º, nº 4, do D.L. nº 256-A/77)" (29).
4.5. Se faltar a fundamentação num acto que deve ser fundamentado, ou se a fundamentação existir mas não corresponder aos requisitos exigidos pela lei, a generalidade da doutrina sustenta que o acto administrativo será ilegal por vício de forma e, como tal, anulável (30).
Escreve, a esse respeito, VIEIRA DE ANDRADE, na referida dissertação de doutoramento: "o vício da falta ou da insuficiência de fundamentação é um vício que, em virtude da especificidade da estrutura e, sobretudo, da função do dever respectivo, sempre terá de ser compreendido como um vício especial, seja no contexto da forma em sentido restrito, seja, embora aí por maioria de razão, no quadro mais amplo das "formalidades" (31).
4.5.1. Nesse sentido se tem pronunciado repetidamente esta instância consultiva, onde, em sucessivos pareceres, tem sido extraída conclusão segundo a qual "a falta de fundamentação de um acto administrativo, contra o disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, integra vício de forma" (32).
Por outro lado, e também com uniformidade, tem sido entendido por este corpo consultivo que o referido vício pode resultar da falta de fundamentação de um acto preparatório com que o acto definitivo mostre concordância (33).
Noutra formulação, a falta de fundamentação contra o disposto no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77 integra vício de forma, mas a fundamentação pode consistir em mera concordância com os fundamentos de informação que nesse caso constituirá parte integrante do respectivo acto (34).
4.5.2. Também o STA tem, na sua jurisprudência, sufragado os princípios expostos. Assim:
"A carência total da fundamentação em matéria de facto, por o despacho lhe não fazer referência, nem sequer ter sido lançado sobre qualquer parecer ou informação, importa vício de forma, que conduz a anulação do despacho recorrido" (35);
"Há vício de forma se, através do despacho recorrido ou de informação que o antecede, não é possível acompanhar o itinerário cognoscitivo e valorativo, a lógica que orientou o seu autor" (36);
"Importa não esquecer que o fim visado pelo legislador tanto no nº 2 do artigo 268º (hoje nº 3) da ... CRP, como no artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, é captar com transparência a actividade administrativa (princípio da transparência), a correcção (princípio da boa administração) da mesma actividade e, principalmente tornar possível um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo;"
"Como é jurisprudência deste SUPREMO, há falta de fundamentação quando, perante um acto administrativo, um destinatário normalmente diligente não fica em condições de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do seu autor" (37);
"Não está fundamentado o despacho que, decidindo pretensão do administrado, se limita à palavra "indefiro";
"A fundamentação por referência, por remissão ou "per relationem", para ser válida, tem de consistir numa declaração expressa e inequívoca de concordância com anterior parecer, informação ou proposta;
"A suficiência e clareza da fundamentação são noções que dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto, designadamente da situação do interessado, considerado como um destinatário normal, e da sua possibilidade real de compreender os motivos da decisão, em ordem a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos" (38).
Resulta de quanto se expôs, e com isto se encerra este ponto da abordagem que temos vindo a fazer, que os actos administrativos se apresentam formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas por forma a permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos normalmente diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente (39).

5.

5.1. Considerou o STA, no acórdão que anulou o acto recorrido que está na génese deste parecer, que tal acto era totalmente omisso quanto às razões que terão presidido à preterição do recorrente. Isto "porque não é suficiente dizer-se ... que "todos os candidatos possuíam mérito absoluto para poderem ser promovidos", justificando-se o desapreço pelo mérito relativo do recorrente no facto, estéril, de, face à proposta apresentada, "não ter resultado a escolha do recorrente".
É inquestionável, como o reconhece, no seu parecer o Senhor Auditor Jurídico, "que o acto impugnado foi anulado, segundo o entendimento do STA, por ser totalmente omisso enquanto às razões que terão presidido à preterição do recorrente".
"O que significa que o acto foi anulado por falta de fundamentação".
Falta de fundamentação essa que, na construção sustentada no acórdão, representou violação do nº 3 do artigo 268º da CRP e da alínea h) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77.
Todavia, e já o vimos com cópia de dados de base doutrinal e jurisprudencial, a falta de fundamentação constituiu para a generalidade dos autores e consubstanciou para uma jurisprudência que se podia considerar, até há algum tempo, uniforme, o vício de forma (40).
5.2. A qualificação do vício, como "violação de lei", feita no acórdão, não é de molde a importar consequências quanto à problemática da respectiva execução. Fundamental é, nessa sede, a essência, a "ratio" do vício, e essa é, como já se disse, insdiscutivelmente, a falta de fundamentação.
5.2.1. No contencioso anulatório cabe à Administração tomar as providências adequadas para que a decisão anulatória produza os seus efeitos práticos normais (41). Para apagar os vestígios da ilegalidade cometida, deve a Administração reconstituir, na medida do possível - salvo nos casos de impossibilidade e de grave prejuízo para o interesse público no cumprimento da sentença -, a situação que existiria à data do trânsito da decisão anulatória, se o acto anulado não tivesse sido produzido. Deverá, pois, na execução das decisões anulatórias, praticar os actos jurídicos necessários à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que implica a possibilidade de substituição do acto anulado por um outro, fazendo-se tal substituição sem repetição dos vícios determinantes da anulação. (42)
Na execução da sentença anulatória, pode a Administração usar de certa discricionaridade na escolha do percurso e dos actos de execução, com a finalidade de reconstituir a situação actual hipotética, praticando um novo acto mas expurgado do vício que inquinara o acto anulado (43).
Fundamental é que, ao renovar o acto anulado, o consiga fazer sem repetir os vícios determinantes da anulação.
Anulado o acto administrativo por falta de fundamentação, a Administração deve executar a decisão, renovando o acto, com o mesmo conteúdo ou com conteúdo material diverso, expurgado do vício que determinou a anulação, ou seja, fundamentando o novo acto nos termos impostos por lei e oportunamente expostos.
5.2.2. A execução do acórdão consiste, pois, na prática de novo acto, de conteúdo idêntico ou não ao primitivo, decidindo a questão que dele era objecto - a promoção de três brigadeiros ao posto de general - e isento do vício que o inquinava, ou seja, devidamente fundamentado, em termos tais que um destinatário normal, perante a motivação de facto e de direito invocada, facilmente se aperceba das razões que conduziram à escolha efectuada.
Atento o "itinerário" do "processo de promoção ao posto de general", oportunamente descrito (cfr. supra, pontos 2.2.1 e 3.3.1.), claro se torna que, desde logo, o acto inicial, que consiste na proposta do Conselho Superior do Exército, que procede à apreciação e escolha dos brigadeiros a promover, terá de ser objecto de devida fundamentação, dela constando as razões de facto e de direito que dêem a conhecer aos interessados por que se procedeu à apreciação que motivou aquela concreta proposta. E, atento o disposto no citado nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77, a fundamentação dos actos posteriores (cfr. artigo 28º, nº 2, da Lei nº 29/82) pode consistir em mera declaração - expressa e inequívoca - de concordância com os fundamentos da referida proposta.
É concretamente o caso da proposta do General CEME ao CCEM (artigo 57º, nº 2, alínea g), da Lei de Defesa Nacional) e, evidentemente, da deliberação definitiva do Conselho de Chefes do Estado-Maior, nenhuma dificuldade levantando a intervenção do Conselho Superior de Defesa Nacional, atenta a sua natureza puramente confirmativa.
5.2.3. O novo acto produz efeitos referidos à data do acto que foi anulado, pelo que deve tomar em consideração a situação fáctica e jurídica existente nesse momento.
É certo que a regra da não retroactividade dos actos administrativos constitui um dos grandes vectores do Direito Administrativo.
Todavia, como já se disse, a anulação contenciosa de um acto administrativo, além de o eliminar, com efeitos retroactivos, da ordem jurídica, elimina igualmente, com os mesmos efeitos, os seus actos consequentes, no sentido de actos de que aquele constitua pressuposto essencial (44).
Logo, ao acto administrativo de execução de decisão judicial de provimento de recurso contencioso de anulação tem de ser atribuída, em excepção àquela regra geral, eficácia retroactiva, quando só assim se possa reconstituir a chamada "situação actual hipotética".
Quer isto dizer que o respeito pelo imperativo de repor as coisas na situação actual hipotética impõe a reconstituição "ex tunc" da definição da posição jurídica da Administração e dos particulares, segundo um juízo de prognose posterior referido ao momento da prática do acto anulado (45).

Conclusão:
6.
Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
1ª Sempre que o acto administrativo afecte direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos deve ser expressamente fundamentado de facto e de direito - cfr. artigo 268, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, artigo 1º, nº 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, e artigo 124º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro;
2ª A fundamentação, para ser válida, há-de ser clara, congruente e suficiente;
3ª A suficiência e clareza da fundamentação dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto, mas hão-de ser de molde a permitir que os destinatários do acto, pressupostos cidadãos normalmente diligentes e capazes, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade administrativa;
4ª Essa fundamentação pode consistir em simples declaração expressa e inequívoca de concordância com proposta anterior da qual constem as razões de facto e de direito que dêm a conhecer aos interessados por que se decidiu no sentido adoptado no acto e não em outro sentido, nos termos da conclusão anterior;
5ª Anulado o acto administrativo por falta de fundamentação, a Administração deve executar a decisão, renovando o acto, com o mesmo conteúdo ou com conteúdo diverso, expurgado do vício que determinou a anulação;
6ª A execução do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que anulou, por falta de fundamentação, a deliberação do Conselho de Chefes de Estado-Maior de 30 de Abril de 1986, que promoveu três brigadeiros ao posto de general do Exército, preterindo o recorrente, Brigadeiro (...), oficial com antiguidade superior à dos escolhidos, consiste na prática de novo acto, de conteúdo material idêntico ou diverso do acto anulado, decidindo a questão que dele era objecto, e isento do vício que o inquinava, ou seja, devidamente fundamentado em termos tais, que um destinatário médio, perante a motivação de facto e de direito invocada, se aperceba das razões que conduziram à escolha efectuada;
7ª O acto renovado, emitido em execução da sentença de anulação, produz efeitos referidos ao momento da prática do acto anulado e deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento.


1) Segundo o qual "dos actos definitivos e executórios que derivam da não promoção de um militar a qualquer posto cabe sempre recurso para o tribunal competente, tendo o recorrente direito à consulta do respectivo processo individual".

2) Dispõem o seguinte os mencionados preceitos do Decreto-Lei nº 187/77:
Artigo 3º: "O Conselho Superior do Exército aprecia obrigatoriamente todos os brigadeiros das armas cuja passagem à situação de reserva tenha ficado sustada em virtude de existirem vacaturas no posto de general do quadro de oficiais generais".
Artigo 4º: "Para os brigadeiros para quem não resulte promoção da apreciação referida no artigoº 3º deixa de ficar sustada a passagem à situação de reserva".

3) Daí que, com data de 28 de Maio de 1986, o General Ajudante General do Exército tenha ordenado a formalização da passagem do recorrente à situação de reserva - cfr. artigo 6º da petição de recurso e documento anexo nº 2.

4) Ou seja, pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. A resposta do CCEM é de 4 de Dezembro de 1986.

5) Que, oportunamente, merecerá de novo a nossa atenção - cfr.., infra, ponto 3.3.

6) Particularmente relevante nesta matéria, o nº 2 do artigo 28º da Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro, dispõe o seguinte: "As promoções a oficial general e de oficiais generais de qualquer dos ramos das Forças Armadas efectuam-se, ouvido o Conselho Superior do respectivo ramo, mediante deliberação definitiva do Conselho de Chefes de Estado-Maior, que carecerá, para se tornar executória, de confirmação do Conselho Superior de Defesa Nacional".

7) Cfr. o ponto 10 da resposta do CCEM.

8) Cfr. o ponto 12 da referida resposta do CCEM.

9) Vejam-se os pontos 13 e 14 da resposta.

10) É o seguinte o conteúdo da proposta do General Chefe do Estado-Maior do Exército de 22 de Abril de 1986:
"1. Nos termos da alínea g) do nº 2 do artigo 57º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro), proponho que sejam promovidos ao posto de General os seguintes Brigadeiros, pela ordem que se indica:
- HUGO MANUEL RODRIGUES DOS SANTOS;
- AMÍLCAR FERNANDES MORGADO;
- JOSÉ DO NASCIMENTO DE SOUSA LUCENA.
2. Esta proposta corresponde àquela que me foi presente pelo Conselho Superior do Exército, em reunião efectuada em 21ABR86, e que aprovei".

11) Qualquer destes Oficiais estava colocado há 4 anos no posto de Brigadeiro. Atenta a circunstância de não terem sido remetidas as notas curriculares do, à data, Brigadeiro JOSÉ SOUSA LUCENA e do recorrente, não nos é possível prosseguir a referida análise comparativa. Sabemos apenas, por tal ter sido expressamente referido na petição de recurso, que o recorrente tinha então 57 anos de idade e era mais antigo do que os três oficiais promovidos.
Também não dispomos de quaisquer dados acerca da identidade de outros brigadeiros do Exército que não tivessem sido incluídos nas propostas, ainda que, eventualmente, reunissem condições de promoção.

12) Escreve-se, com efeito, no aresto, o seguinte: "Cabe agora ajuizar se tal acto sofre do apontado vício de "violação de lei", por atribuída falta de fundamentação ...".

13) Cfr. supra, ponto 2.1., alíneas f) a h).

14) O Decreto-Lei nº 176/71, que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, que aprovou o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, foi objecto de inúmeras alterações, desprovidas, todavia, de interesse na economia do presente parecer, salvo as resultantes do Decreto-Lei nº 385-B/77, de 31 de Dezembro, que oportunamente consideraremos.

15) Vejam-se os artigos 93º a 96º do Decreto-Lei nº 176/71, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 385-B/77, de 13 de Setembro.

16) Cfr. supra, ponto 2.2.1., onde já se desenhara o "itinerário" das promoções ao posto de general. Deverá ter-se ainda presente a alínea g) do nº 2 do artigo 57º da Lei nº 29/82 (Lei de Defesa Nacional).

17) Reproduzidos supra, na nota (2).

18) Onde se referem os seguintes limites:
- Brigadeiro - 57 anos;
General (3 estrelas) - 59 anos;
General (4 estrelas) - 62 anos.

19) Actualmente, deverão considerar-se os limites de idade constantes do artigo 27º do já mencionado Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro.

20) Correspondente ao nº 2 do mesmo artigo no texto da primeira revisão constitucional, não tinha correspondência na versão originária da CRP.

21) Acerca da distinção entre "justificação" e "motivação" dos actos, veja-se JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1991, págs. 20 e segs.
22) A garantia do recurso contencioso está hoje contemplada no nº 4 do artigo 268ª.
23) "Constituição da República Portuguesa Anotada - 2ª edição revista e ampliada", Coimbra Editora, 2º volume, páginas 430 e seguintes.
24) O Decreto-Lei nº 27/81, de 6 de Fevereiro, tornou aplicável o Decreto-Lei nº 256-A/77 na estrutura das Forças Armadas.
25) Cfr.. ob. cit. na nota (21), pág. 111.
Registe-se, todavia, que, certamente por a mesma ter sido considerada dispensável, em face da amplitude do comando contido na alínea a), o novo Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, deixou de fazer expressa menção ao dever legal de fundamentar a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77 - cfr. o artigo 124ª, nº 1 do referido diploma. De tal facto não é, porém, lícito concluir que deixou de existir o dever de fundamentar os actos praticados no uso de poderes discricionários que total ou parcialmente afectem interesses legalmente protegidos. Trata-se de uma exigência que decorre, como se viu, do texto constitucional, e que está ínsita no comando da alínea a) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 256-A/77, e que vem repetida na alínea a) do nº 1 do artigo 124º do C.P.A.

26) FREITAS DO AMARAL , "Direito Administrativo", vol.. III, pág. 257.

27) Loc. cit. na nota (21), pág. 232.

28) Loc. cit. na nota (23), pág. 431.

29) Loc. cit. na nota (26), págs. 258 e 259.

30) Nesse sentido, FREITAS DO AMARAL, loc. cit. na nota anterior. Com outro desenvolvimento, mas no mesmo sentido, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit.na nota (21), a propósito da localização do vício na estrutura do acto, págs. 282. e segs.

31) Ob. cit., pág. 287.

32) Assim, v. g., nos pareceres nºs 163/81, publicado no "Diário da República", 2ª Série, de 28/09/82 e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 319, pág. 83, e 64/81, inédito. Vejam-se também, no mesmo sentido, os pareceres nºs 181/83, publicado no D..R. de 16/03/84 e no B.M.J. nº 331, pág. 166, 197/81, in D.R. de 09/06/83 e no B.M.J. nº 323, pág. 101.

33) Cfr.,v. g., os pareceres nºs 163/81 e 197/81.

34) Cfr. conclusão 1ª do parecer nº 181/83.

35) Acórdão nº 20589 (Processo 15226), de 26/09/89, inédito. Veja-se, em sentido idêntico, o acórdão nº 23567 (Processo nº 19357), de 13/01/87.

36) Acórdão nº 22942 (Processo nº 17514), de 16/06/87.

37) Acórdão nº 27910 (Processo nº 25563), de 16/05/89. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão nº30035 (Processo nº 5583), de 24/10/1990, ambos não publicados.

38) Acórdão do Tribunal Pleno de 5 de Abril de 1990, publicado em "Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo", Ano 29, nº 346, Outubro de 1990, págs. 1253 a 1258.
Acrescenta-se no texto do aresto que a relatividade do conceito não respeita ao elemento congruência que é uma noção absoluta, mas à clareza e suficiência, que dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto.

39) Cfr., em sentido aproximado, o Acórdão da 1ª Secção do STA de 4 de Março de 1987, in "Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo", nº 319 (Julho de 1988), págs. 849 a 860.

40) Cfr., complementarmente, o que se escreveu supra, no ponto 2.3.2., onde se refere que o recorrente não invocou na petição de recurso vício de violação de lei.
41) Como se concluiu no parecer nº 60/86, publicado no "Diário da República", 2ª Série, de 26/03/87, no contencioso anulatório, ao contrário do que sucede no contencioso de plena jurisdição, a tutela é indirecta, ou seja, não se opera pela restauração directa da situação individual do lesado, isto é, mediante a própria decisão anulatória.

42) Escreveu-se no parecer nº 73/86, publicado no "Diário da República", 2ª Série, de 30/07/87, que o princípio da retroactividade da anulação contenciosa implica que o acto anulado se reputa como nunca tendo existido na ordem jurídica, pelo que a execução da decisão anulatória, tratando-se de actos renováveis, se traduz:
a) na substituição do acto ilegal;
b) na supressão dos efeitos desse acto;
c) na eliminação dos actos consequentes do acto anulado, a qual decorre ope legis da decisão anulatória, sem necessidade de específica declaração jurisdicional..

43) Cfr. o parecer nº 119/87, publicado no "Diário da República", 2ª Série, de 4 de Junho de 1987.

44) MARCELLO CAETANO define "actos consequentes" como "actos praticados no pressuposto de que este acto (o antecedente) era válido", ou mais explicitamente, como "actos administrativos cuja prática tenha sido consequência necessária de se supor válido outro acto anterior".
Veja-se, para maior desenvolvimento, o já citado parecer nº 60/86.

45) Veja-se, v.g. o parecer nº 85/88, de 9 de Março, publicado no "Diário da República", 2ª Série, de 26/09/89, e o acórdão da 1ª Secção do S.T.A. de 8 de Fevereiro de 1989, publicado in "Acórdãos Doutrinais", nº 338 (Fevereiro de 1990), págs. 153 a 161.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART268 N3.
CPADM91 ART124 N1 A.
EOE71 ART21 N1 ART47 ART48 ART65 N1 ART68 ART69 ART98 B ART93 ART94 ART95 ART96.
DL 385-B/77 DE 1977/09/13.
DL 34-A/90 DE 1990/01/24.
DL 187/77 DE 1977/05/09 ART3 ART4.
PRT 812/84 DE 1984/10/18.
L 29/82 DE 1982/12/11 ART28 N2 N4 ART57 N2 G.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART1 N1 A B N2 N3 N4.
DL 27/81 DE 1981/02/06.
Jurisprudência: 
AC STA 24165 DE 1992/03/04. AC STA 20589 DE 1989/09/26.
AC STA 22942 DE 1987/06/16. AC STA 23567 DE 1987/01/13.
AC STA 27910 DE 1989/05/16.
AC STA 30035 DE 1990/10/24.
AC STA DE 1987/03/04 IN AD N319 PAG849.
AC STA DE 1989/02/08 IN AD N338 PAG153.
AC STA DE 1990/04/05 IN AD N346 PAG1253.
Referências Complementares: 
DIR ADM * CONTENC ADM.
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