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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
30/1990, de 07.11.1991
Data do Parecer: 
07-11-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério dos Transportes e Comunicações
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
AVIAÇÃO CIVIL
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
INVESTIGAÇÃO
CAIXA NEGRA
ACESSO A INFORMAÇÃO
FONTE OFICIAL DE INFORMAÇÃO
AUTORIDADE JUDICIARIA
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
MINISTERIO PUBLICO
DIRECÇÃO GERAL DA AVIAÇÃO CIVIL
MEIOS DE PROVA
OACI
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
REGULAMENTO INTERNACIONAL
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO INTERNACIONAL
DIREITO A INFORMAÇÃO
Conclusões: 
1 - O direito de ser informado, inscrito no artigo 37 da Constituição pressupõe o acesso a elementos de informação em poder da Administração Publica;
2 - Todavia, o direito de acesso a elementos de informação em poder da Administração Publica tem de ser conjugado, segundo criterios de proporcionalidade, com a preservação de outros valores e interesses legitimos, de natureza publica ou privada;
3 - O ponto 5.12 do Anexo 13 a Convenção de Chicago de 1944 que fixa regras quanto a investigação de acidentes aeronauticos - dispondo que alguns elementos necessarios ao inquerito, designadamente o registo das comunicações de voo, vulgarmente designados por "caixas negras", possam não ser divulgados quando tal divulgação possa comprometer a eficacia da investigação, apenas limita a divulgação no decurso do inquerito, sendo tais elementos, enquanto relevantes para a analise do acidente, incluidos no relatorio final, que deve ser publicado;
4 - Os elementos referidos no ponto 5.12 do Anexo 13 a Convenção de Chicago de 1944 podem igualmente constituir material probatorio relevante para o inquerito organizado nos termos do Codigo de Processo Penal;
5 - No entanto, o ambito de incidencia do ponto 5.12 do referido Anexo 13 não tem a ver com o inquerito em processo penal, nem ai se pretende prevenir o conhecimento que deve ser dado a autoridade judiciaria dos elementos relevantes para tal inquerito que estejam na posse da Administração;
6 - A limitação constante do ponto 5.12 do Anexo 13 pretende realizar um interesse publico relevante (a eficacia da investigação sobre as causas de um acidente aeronautico), e revela-se proporcionada não afectando o direito inscrito no artigo 37 da Constituição.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DOS TRANSPORTES,
EXCELÊNCIA:
 
 
 
I
 
1. Na sequência do acidente com a aeronave (...) ocorrido em Santa Maria, nos Açores, a Procuradora da República de Ponta Delgada solicitou à Direcção-Geral da Aviação Civil a transcrição escrita obtida por via da descodificação das gravações feitas pelos equipamentos CVR ('cockpit voice recorder') e FDR ('flight data recorder') da aeronave acidentada - vulgarmente conhecidos por "caixas negras" - com o fim de as retransmitir para a Procuradoria de Bergamo, Itália.
A Direcção-Geral da Aviação Civil, perante tal solicitação, expôs a Vossa Excelência algumas questões suscitadas pelas normas sobre inquéritos a acidentes com aeronaves civis, sugerindo que a Procuradoria-Geral se pronunciasse e emitisse parecer que "habilitasse a uma actuação correcta em tais situações" (1) .
Vossa Excelência concordou, determinando que a Direcção-Geral da Aviação Civil sugerisse o tipo de consulta concreta a efectuar.
 
2. Na sequência, a Direcção-Geral elaborou um texto (2) - "consulta concreta a efectuar à Procuradoria-Geral da República", que importa, pois, transcrever:
"1. Nos termos da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, daqui em diante designada por Convenção, acolhida no direito português pelo Decreto-Lei nº 36158, de 17 de Fevereiro, quando ocorre um acidente com uma aeronave é nomeada uma comissão de inquérito com vista à determinação das causas do acidente (artº. 26º da Convenção).
2. A composição dessa Comissão, as regras de actuação e os objectivos a prosseguir pelo inquérito encontram-se definidos no Anexo 13 à Convenção.
3. Os anexos à Convenção, previstos nos seus artigos 54º, alínea 1), e 90º, contém as normas internacionais, as regras e os processos recomendados, relativos às aeronaves, pessoal, rotas aéreas e serviços auxiliares, tal como descriminados no artigo 37º.
4. Estes anexos consideram-se integrados na ordem jurídica portuguesa por aplicação do princípio da recepção automática, salvo se contrariam alguma norma jurídica nacional, facto que será comunicado à OACI, nos termos do artigo 38º da Convenção.
5. 0 anexo 13, como atrás se disse, contém as normas e as recomendações que os Estados Membros devem seguir na condução de um inquérito a um acidente aéreo. Note-se que este inquérito é de natureza estritamente aeronáutica, tem como objectivo esclarecer as causas do acidente com vista à prevenção de futuros acidentes, não perseguindo quaisquer objectivos de natureza disciplinar ou criminal.
6. Como é do conhecimento geral, um dos principais elementos esclarecedores das causas dos acidentes aéreos é a famosa "caixa negra" que contém as gravações feitas pelos equipamentos CVR (cockpit voice recorder) e FDR (flight data recorder) da aeronave em causa. Aqui se registam, por um lado, todas as conversas que têm lugar no cockpit entre os membros da tripulação, e por outro, todas as comunicações estabelecidas entre a aeronave e os centros de controlo do tráfego aéreo.
7. Dada a importância destes elementos para a reconstituição das circunstâncias em que se deu o acidente, as referidas gravações são, sempre que há lugar a um inquérito de natureza judicial ou a acções para apuramento da responsabilidade civil, solicitadas à Direcção-Geral da Aviação Civil, no âmbito da qual funcionam, em regra, as Comissões de Inquérito, pelas magistrados judiciais ou do Ministério Público.
8. Tem sido sempre entendimento da DGAC que enquanto a Comissão de Inquérito a um acidente não concluir o respectivo Relatório Final, nenhuns elementos de prova podem ser disponibilizados, com o objectivo de não prejudicar a investigação em curso.
9. Diferente é, no entanto, a questão, após a conclusão do inquérito. Nos termos da norma 5.12 do já referido Anexo 13, os Estados deverão ter em consideração eventuais efeitos adversos na investigação em curso de um acidente, ou em ulteriores casos de investigação, em resultado do uso de certos dados para outros fins que não os próprios da investigação ao acidente ou incidente.
10. Nos termos do artigo 38º da Convenção e de acordo com a Resolução do Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), de 21 de Novembro de 1950, devem os Estados subscritores daquela Convenção notificar a mesma Organização sobre a diferença entre a legislação nacional e as regras ou práticas recomendadas constantes de qualquer Anexo.
11. Muitos Estados informaram a OACI da incompatibilidade da norma do parágrafo 5.12 do Anexo 13 com o respectivo direito constitucional, por violação do direito fundamental à informação (conforme suplemento ao Anexo). 0 Estado Português, contudo, não fez qualquer notificação no tocante a esta matéria (na vigência da Constituição de 1933).
12. Na análise deste problema, não deve ser perdido de vista que o inquérito aeronáutico, na medida em que tem como único objectivo a prevenção de futuros acidentes pelas mesmas causas, precisa de contar com a colaboração sincera da tripulação técnica da aeronave. Essa colaboração é quase impossível de obter, se os visados, designadamente, os pilotos, souberem que os seus depoimentos podem ser utilizados para efeitos disciplinares ou criminais. Mesmo relativamente às gravações feitas no cockpit, a "International Federation of Air Line Pilota Associations", ameaça recomendar aos seus associados que desliguem os equipamentos de gravação durante o voo, se os Estados persistirem em não respeitar a norma do § 5.12 do Anexo 13.
13. Tendo em consideração, todos os elementos atrás indicados, a consulta a fazer à Procuradoria-Geral da República é a seguinte:
"0 § 5.12 do Anexo 13 à Convenção sobre a Avia Internacional contraria ou não princípios Constituição da República Portuguesa?".
 
Cumpre, pois, emitir parecer.
 
 
II
 
A Convenção sobre a Aviação Civil Internacional (doravante designada Convenção), aprovada pelo Decreto-Lei nº 36158, de 17 de Fevereiro de 1947, foi elaborada e aprovada pela Conferência de Chicago de 1944 e entrou internacionalmente em vigor em 4 de Abril de 1947, no momento em que mais de 26 Estados a ratificaram ou a ela aderiram (3) .
A Convenção de Chicago constitui a fonte essencial de direito público aéreo, não só porque foi ratificada por um número elevado de Estados, como porque contém os princípios fundamentais que constituem a base das relações aeronáuticas internacionais.
Este instrumento de direito internacional estabelece as bases da regulamentação internacional da navegação aérea, consagrando o princípio da soberania completa e exclusiva dos Estados sobre o respectivo espaço aéreo, mas, do mesmo passo, comporta algumas limitações aos direitos dos Estados, nomeadamente a restrição ao direito de regulamentar a navegação aérea e a obrigação de respeitar a regulamentação internacional.
A Convenção criou e instituiu uma Organização (a Organização Internacional da Aviação Civil - OACI), com órgãos próprios, que constitui um organismo internacional ao qual compete desenvolver a aviação civil em todos os seus aspectos.
0 sistema normativo instituído pela Convenção é complexo. Compreende as disposições que integram o texto da Convenção e um conjunto de textos que se podem classificar como de natureza regulamentar derivada, emanados através de um processo formativo específico pelos órgãos próprios da organização internacional instituída pela Convenção.
Com efeito, nos termos do artigo 37º da Convenção, cada Estado contratante obriga-se a prestar o seu concurso no sentido de ser alcançada a maior uniformidade possível nos regulamentos, normas, práticas e métodos de organização relativos a variadas matérias, sempre que tal uniformidade facilite e contribua para o aperfeiçoamento da navegação aérea.
Para esse efeito, a OACI, segundo a referida disposição, adaptará ou modificará, conforme as circunstâncias, as normas internacionais, as regras e os processos recomendados com referência a várias matérias enunciadas, entre as quais, - alínea k) - a investigação de acidentes envolvendo aeronaves.
0 artigo 54º, alínea 1) da Convenção, por seu lado, ao definir as competências do Conselho (órgão permanente da OACI, previsto no artigo 50º), emprega o termo 'Anexos' para designar, através de um modo formal, o conjunto de normas e práticas recomendadas necessárias à finalidade de alcançar a maior uniformidade possível nos regulamentos, práticas e métodos de organização relativos às matérias enumeradas nas várias alíneas do artigo 37º.
Deste modo, na terminologia do direito aeronáutico internacional, os Anexos à Convenção constituem os instrumentos que contêm as normas e as práticas recomendadas relativas ao conjunto dos problemas da aviação civil e comercial, adoptadas pelo Conselho no uso da competência especificamente definida na Convenção (4) .
Os Anexos comportam elementos diversos, havendo que distinguir unicamente entre os elementos que fazem parte directamente do próprio Anexo daqueles que apenas indirectamente o integram (5)
Os elementos que fazem parte do Anexo propriamente dito são os 'standard' (ou normas) e as práticas recomendadas, os apêndices (contendo disposições que por comodidade se agruparam separadamente, mas que fazem parte das normas e práticas recomendadas), as disposições que disciplinam a aplicação das normas e das práticas recomendadas e as definições de expressões utilizadas nas normas e práticas recomendadas, quando tais expressões não tenham um significado correntemente aceite (6) .
Os elementos que não fazem parte do Anexo propriamente dito são documentos que, essencialmente, se destinam a facilitar a aplicação das especificações do Anexo (introdução e notas explicativas), suplementarmente contendo disposições explicativas das normas e práticas recomendadas ou indicações relativas à sua aplicação.
Os conceitos de normas e práticas recomendadas foram desenhados e definidos desde a primeira sessão da Assembleia da OACI (7) .
'Standard' (ou norma) significa qualquer especificação sobre as características materiais, configuração, o material, o desempenho ('performance'), o pessoal, ou o processo, cuja aplicação uniforme é necessária para garantir a segurança ou a regularidade da navegação aérea internacional e às quais os Estados se devem conformar nos termos da Convenção; no caso de impossibilidade de aceitar a disciplina de algumas normas constantes de um Anexo, os Estados devem avisar o Conselho da OACI, nos termos do artigo 38º da Convenção.
Prática recomendada significa toda a especificação sobre as características materiais, configuração, o material, o desempenho, o pessoal ou o processo, cuja aplicação uniforme é considerada oportuna no interesse da segurança, da regularidade e da eficácia da navegação aérea internacional e em relação à qual os Estados se esforçarão por se conformar, nos termos da Convenção.
A distinção entre as duas categorias que integram os Anexos à Convenção não tem a ver com o âmbito de aplicação de umas e outras, mas de facto apenas se radica na necessidade de uma uniformidade mais ou menos indispensável de regulamentação (8) .
3. Os Anexos à Convenção, analisados no sistema instituído por este instrumento de direito internacional, revestem a natureza de regulamentos internacionais elaborados no âmbito da competência própria de um dos órgãos (o Conselho) da organização internacional criada por aquela Convenção, e necessários ao desenvolvimento e aplicação (à boa execução) de certas disposições convencionais: no sistema normativo instituído, a Convenção (o Tratado) constitui direito originário e Anexos e suas disposições, direito derivado (9) .
A competência, ratione materia, quanto à emissão das normas internacionais e práticas recomendadas consta, como se referiu, fundamentalmente do artigo 37º e respectivas alíneas da Convenção, e o processo de formação normativa, no quadro institucional da OACI, vem descrito no artigo 90º.
A aprovação dos Anexos é da competência do Conselho, exige maioria de dois terços e ocorrerá em reunião convocada com esse fim. Os Anexos são submetidos pelo Conselho a cada Estado contratante, entrando em vigor três meses após a sua apresentação aos Estados contratantes ou no fim de um prazo maior fixado pelo Conselho, a menos que nesse intervalo de tempo a maioria dos Estados contratantes notifique a sua desaprovação ao Conselho.
0 valor obrigatório para os Estados contratantes dos regulamentos da OACI reveste dois aspectos distintos. As medidas adoptadas pelo Conselho são incompletas; para se tornarem internacionalmente eficazes necessitam de não serem rejeitadas pela maioria dos Estados contratantes. Todavia, como se salientou, qualquer Estado pode, por motivos que lhe sejam próprios, "notificar as diferenças" - artigo 38º da Convenção, afastando a vinculação às regras aprovadas pela OACI.
A especificidade deste processo de formação normativa, através da necessidade de aprovação a posteriori pelos Estados, constitui a contrapartida, no sistema instituído, da atribuição a um órgão internacional de competências relativamente alargadas (10) .
 
 
III
 
0 Anexo 13 da Convenção (11) - composto de 6 Capítulos (12) e seu Apêndice - respeita à investigação dos acidentes de aviação.
0 artigo 26º da Convenção dispõe que em caso de acidente sofrido por uma aeronave de um Estado contratante no território de outro Estado contratante, de que resultem morte ou ferimentos graves ou que manifeste a existência de deficiências técnicas importantes, quer na aeronave, quer nas facilidades de navegação aérea, o Estado em cujo território se deu o acidente deverá promover um inquérito sobre as circunstâncias do acidente, em conformidade com o processo que venha a ser recomendado pela OACI e na medida em que tal processo se coadune com as suas próprias leis.
0 Anexo 13º foi elaborado em cumprimento do disposto no artigo 37º, alínea 1) da Convenção, as normas e as práticas recomendadas que contêm devem ser tidos pelos Estados como constituindo o processo recomendado pela OACI na investigação de acidentes envolvendo mortes ou ferimentos graves.
Das disposições do Anexo 13º importa especialmente considerar o Capítulo 5 - "Investigation" e, neste, as disposições que se referem à responsabilidade e aos deveres de investigação do Estado da ocorrência.
Dispõe, com efeito, a regra 5.4. do referido Anexo:
"5.4 The accident investigation authority shall have independence in the conduct of the investigation and have unrestricted authority over its conduct. The investigation shall include the gathering, recording and analysis of all available relevant information, if possible the determination of the cause(s), and the completion of the Final Report followed, if appropriate, by safety recommendations. When possible the scene of the accident shall be visited, the wreckage examined and statements taken from witnesses" (13) .
Nas regras 5.5. e 5.6. dispõe-se que o Estado deve designar o investigador e iniciar imediatamente a investigação, que o investigador deve ter acesso facilitado aos destroços e controlo não limitado sobre estes para garantir a realização de exames detalhados pelo pessoal encarregado da investigação.
Importa considerar ainda outras disposições do Anexo, que por comodidade de método se transcrevem:
"Flight recorders - Accidents"
"5.7 Maximum use shall be made of flight recorders in the investigation of an accident wherever it occurred."
"Flight recorders - Incidente" (14)
"5.8 Recommendation. - Maximum use should be made of flight recordera in the investigation of an incident wherever it occurred."
"Autopsy examinations"
"5.9 Reccommendation. - The State conducting the investigation into a fatal accident should, subject to the particular circunstances, encourage internal autopsy examination of the fatalities by a pathologist, preferably experienced in accident investigation. These examinations should be expeditious and complete."
"Co-ordination - Judicial authorities"
"5.10 Recomondation. - The State conducting the investigation should recognize the need for co-ordination between the investigator-in-charge and the judicial authorities. Particular attention should be given to evidence which requires prompt recording and analysis for the investigation to be successful, such as the examination and identification of victims and read-outs of flight recorder recordings" (15) .
E a norma 5.12, referida directa e especificamente na exposição da Direcção-Geral da Aviação Civil, por seu turno, dispõe:
"Disclosure of records"
"5.12. When the State conducting the investigation of an accident or incident, wherever it occurred, considera that disclosure of any of the records, described below, might have an adverse effect on the availability of information in that or any future investigation then such records shall not be made available for purposes other than accident or incident investigation:
a) statements from persons responsible for the safe operation of the aircraft;
b) communications between persons having responsibílity for the safe operation of the aircraft;
c) medical or private information regarding persons involved in the accident or incident;
d) cockpit voice recordinge and transcripts from such recordings;
e) opinions expressed in the analysis of information, including flight recorder information".
A análise desta disposição, inserida naturalmente no contexto da regulamentação complexa constante do todo o Capítulo 5 do Anexo 13º, revela-se essencial na perspectivação da resposta à consulta formulada.
 
2. A Convenção prevê, directamente, como se referiu, as condições em que se efectuam as investigações e os inquéritos relativamente aos acidentes aéreos.
Em caso de acidente, compete ao Estado onde o acidente tenha ocorrido organizar o inquérito sobre a ocorrência, de acordo com as suas próprias leis - é o que dispõe o artigo 26º da Convenção. 0 Anexo 13º completa esta disposição, definindo acidentes, procedimentos relativamente à conservação dos indícios, à guarda das aeronaves acidentadas e a certos procedimentos do próprio inquérito.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, claramente, que, não obstante a necessidade ou conveniência de uniformização pressuposta à elaboração das normas e práticas recomendadas, é no quadro da legislação interna de cada Estado que há de estar previsto o conjunto de medidas a tomar em caso de acidente (16) .
Em geral - e no sistema nacional assim é - os inquéritos relativos a acidentes aeronáuticos relevam da competência de diversas autoridades, - a autoridade judiciária e a autoridade administrativa -, cada uma delas realizando finalidades específicas (17) .
0 inquérito judiciário tem como finalidade investigar a ocorrência para determinar da responsabilidade penal no caso de morte ou ferimentos, (nomeadamente crimes culposos de homicídio ou ofensas corporais) ou de infracções à regulamentação sobre a navegação aérea.
0 inquérito administrativo, por seu lado, deverá ter como objectivo a determinação das causas dos acidentes e incidentes, em ordem a melhorar a segurança e prevenir futuras ocorrências e também, eventualmente, servir de base para a instauração de processos destinados à aplicação de sanções disciplinares que se justifiquem.
0 inquérito judicial é da competência do Ministério Público - artigo 53º, nº 2, alínea b) e 263º do Código de Processo Penal.
A competência para a condução do inquérito administrativo pertence à Direcção-Geral da Aviação Civil, criada pelo Decreto-Lei nº 242/79, de 25 de Julho, em substituição da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil.
Nos termos deste diploma (artigo 2º), a DGAC constitui o órgão de orientação, regulamentação e inspecção das actividades relacionadas com a aviação civil no espaço nacional e internacional confiado à jurisdição portuguesa, competindo-lhe "proceder à investigação dos acidentes aeronáuticos no espaço sob jurisdição nacional e dos ocorridos com aeronaves nacionais em qualquer outro local - artigo 3º, alínea q) do referido diploma.
Não há, pois, sobreposição entre a competência das diversas entidades; cada uma dirige, organiza e conduz um inquérito com finalidades próprias e efectivamente delimitadas.
Porém, como é da própria natureza das coisas, haverá elementos decisivos de investigação (os indícios, as provas) necessariamente comuns.
Na verdade, constituindo elementos de prova em processo penal todos os meios, não proibidos, necessários à demonstração dos factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência de um crime, a punibilidade ou a não punibilidade do arguido, os elementos que forem relevantes para a determinação objectiva das causas do acidente, serão igualmente relevantes para demonstrar a existência ou inexistência da responsabilidade penal.
Nesta medida, estando em causa elementos relevantes para o processo penal, como sejam os documentos fonográficos constantes dos registos do vôo - a "caixa negra" -, o Ministério Público pode solicitá-los, devidamente transcritos (artigos 164º, 166º do C.P.Penal), sem que nada possa ser oposto à respectiva utilização como meio relevante de prova em processo penal.
Acresce que, nos casos de urgência, cabe mesmo aos órgãos da polícia criminal levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova - artigo 55º do C.P.Penal.
Deste modo, o âmbito de incidência do nº 5.12 do Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944 não tem a ver com o inquérito em processo penal, nem com o conhecimento, necessário para o processo, dos elementos aí referidos.
0 próprio Anexo - ponto 5.10. (que se apresenta como prática recomendada) - recomenda a cada Estado contratante a necessidade de coordenar os inquéritos das autoridades administrativas e das autoridades judiciais, com particular atenção no que respeita às provas que requeiram imediata recolha e análise para o sucesso da investigação, nomeadamente o exame e identificação das vítimas e a audição ('read-out') dos registos da aeronave.
A coordenação é, pois, necessária, é prevista no próprio Anexo, não se podendo suscitar, a propósito de alguma solicitação do Ministério Público, quaisquer dúvidas sobre o campo de previsão do nº 5.12 do Anexo 13: o conhecimento que aí se pretende prevenir, quando tal conhecimento seja susceptível de prejudicar o sucesso de investigação, não é o conhecimento que deve ser dado à autoridade judiciária dos elementos relevantes para o inquérito em processo penal na posse da administração (18)
Por isso a necessidade, neste ponto de exposição do tema, de uma precisão: o caso concreto que parece ter motivado a consulta - solicitação do Ministério Público não poderia ter suscitado dúvidas de aplicação e de satisfação, porquanto está completamente fora do âmbito da previsão do referido ponto 5.12 do Anexo (19) .
 
 
IV
 
1. 0 ponto 5.12 do Anexo 13, atrás transcrito, essencialmente refere que alguns elementos constantes do inquérito não serão divulgados ou utilizados para qualquer finalidade além da própria investigação quando o Estado que conduz a inquérito ao acidente considerar que tal divulgação pode ter um efeito adverso na investigação em curso ou numa futura investigação.
Esses elementos são as declarações de pessoas responsáveis pela segurança das operações da aeronave, as comunicações entre o pessoal responsável pela segurança da operação, opiniões médicas ou informações pessoais em relação a pessoas envolvidas no acidente, os registos de gravações do "cockpit" e opiniões expressas na análise das informações.
A divulgação que se pretende prevenir no ponto 5.12 do Anexo, quando tal divulgação possa comprometer o sucesso das investigações é, pois, uma divulgação externa, exterior às próprias autoridades com competência de investigação, relevando apenas das relações entre a Administração e os elementos que esta detenha e alguém que manifeste, em relação a essa matéria, a pretensão, o direito a ser informado (20) .
Algumas considerações se impõem, pois, a propósito do âmbito e limites do direito à informação e do direito de ser informado, e especificamente dos limites do direito de acesso às fontes de informação na posse da Administração Pública.
A tendência moderna dos países mais evoluídos em matéria de acesso às fontes de informação em poder da Administração vai no sentido de considerar a publicidade como regra fundamental e o segredo como excepção; no entanto, por todo o lado se admite a existência de limites (excepções) ao princípio (21) .
Na verdade, há domínios da actividade da Administração por regra vedados à aplicação do princípio da livre informação. Nos trabalhos preparatórios da Recomendação 854 (1979) do Conselho da Europa, relativa ao acesso do público aos documentos governamentais e à liberdade de informação, adoptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, dá-se conta de que, de uma maneira geral, os Estados não aplicam o princípio do livre acesso ("excepções inelutáveis") nos domínios seguintes:
- defesa nacional e segurança do Estado;
- relações exteriores e relações com organizações internacionais;
- segredos comerciais, financeiros ou fiscais;
- processos judiciários;
- procedimento penal e prevenção da criminalidade;
"dossiers" pessoais ou médicos e elementos de informação diversos cuja comunicação constituísse um atentado à vida privada, sem prejuízo do acesso dos cidadãos às informações que lhes respeitem pessoalmente.
E, por sua vez, a Recomendação nº R (81)19, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, de 25 de Novembro de 1981, sobre o acesso à informação detida pelas autoridades públicas, partindo da premissa segundo a qual o acesso do público à informação é susceptível de reforçar a confiança na Administração, enunciou os princípios a observar no exercício do direito à informação e sua prática:
I. Qualquer pessoa terá direito de acesso a informações detidas pelas autoridades públicas que não sejam órgãos legislativos ou autoridades judiciárias;
II. Deverão ser previstos meios efectivos e apropriados para assegurar o acesso à informação;
III. 0 acesso à informação não deve ser recusado com o fundamento de que o requerente não tem interesse particular na matéria;
IV. 0 acesso à informação deve ser assegurado numa base de igualdade;
V. A aplicação dos princípios precedentes não pode ser submetida senão às limitações e restrições que se revelem necessárias, numa sociedade democrática, para a protecção de interesses públicos legítimos (tais como a segurança nacional, a segurança pública, a ordem pública, o bem-estar económico do país, a prevenção do crime, a prevenção da divulgação de informações confidenciais) e à protecção da vida privada e de outros interesses legítimos, sem prejuízo da consideração devida ao interesse particular do indivíduo às informações detidas pelas entidades lhe respeitem pessoalmente;
VI. 0 pedido de informação deve ser objecto de apreciação em prazo razoável;
VII. A autoridade pública que recusar o acesso à informação deve explicitar as razões da reserva, nas condições previstas pela lei ou pela prática;
VIII. deve ser susceptível de recurso o acto de recusa a um pedido de acesso à informação (22) (23).
Estes princípios, porém, e para além do valor que lhes advêm da circunstância de constituírem o produto de um consenso entre países situados em espaço cultural idêntico, exigem o conhecimento e a análise das disposições internas, principalmente o quadro constitucional de afirmação dos direitos em causa.
 
3. A liberdade de informação e o direito de informar e de se informar assumem dignidade de afirmação constitucional.
Dispõe o artigo 37º da Constituição ('liberdade de expressão e informação"):
Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações".
"2. 0 exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura".
Abordando a participação dos cidadãos na vida pública, o nº 2 do artigo 48º, por seu lado, dispõe terem todos os cidadãos "o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre os actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos".
0 direito de informação assim definido na dimensão constitucional, integra três níveis de consideração: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.
"0 primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrém, de as difundir sem impedimentos ( ... ). 0 direito de se informar consiste designadamente na liberdade da escolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito a ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo um direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado (24).
A consideração das referidas normas constitucionais e o exacto sentido de conteúdo dos direitos que enunciam, passa necessariamente pela ponderação dos seus limites.
Desde logo, dos limites imanentes.
Estes são geralmente admitidos, se expressamente previstos no texto constitucional, ou se implícitos no ordenamento constitucional, o que uma adequada interpretação determinará.
"Se num caso concreto se põe em causa o conteúdo essencial de outro direito, se se atingem intoleravelmente a moral social ou valores e princípios fundamentais da ordem constitucional, deverá resultar para o intérprete a convicção de que a protecção constitucional do direito não quer ir tão longe. E, então, o direito tem de respeitar os direitos dos outros, os princípios fundamentais ou as leia, porque não restringem o seu âmbito, tal como é constitucionalmente protegido" (25) .
No que respeita aos elementos na posse da Administração, os cidadãos, com efeito, quer para defesa dos seus direitos, quer quando desempenham alguma função que exija acesso a tais informações, não podem, por princípio, ver recusado o direito de obter os elementos que necessitem; este direito não poderá, todavia, conflituar com outros que à Administração cumpra preservar, nomeadamente a existência de algum inconveniente decisivamente relevante para os respectivos interesses ou de terceiros confiados à sua guarda.
A conciliação destes interesses há-de ser encontrada em face dos princípios informadores dos direitos enunciados e na compatibilização e harmonização constitucional com outros valores impostos pela consideração dos limites imanentes implícitos no equilíbrio do próprio ordenamento.
No que respeita ao direito a ser informado e a informar-se (dois dos três níveis em que se analisou a liberdade de informação) a consideração nuclear do equilíbrio e da ponderação de interesses conflituantes em presença há-de revelar-se sobretudo na proporcionalidade de alguma compressão do direito em relação às finalidades que se pretendem prosseguir e aos interesses que devem ser considerados.
Estando em causa o acesso a fontes de informação em poder da Administração Pública, o paradigma do equilíbrio extraído dos critérios legais poder-se-á considerar inscrito na Lei de Imprensa (Decreto-Lei nº 85-C/ /75, de 26/Fevereiro) e nos termos em que este diploma disciplina o acesso de tais fontes.
A liberdade de imprensa implica o direito, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação - artigo
38º, nº 2, alínea b) da Constituição da República (26).
Este direito de acesso tem, pois, de ser exercido nos termos da lei, cabendo a esta delimitar o seu âmbito e garantir o seu exercício, revelando e concretizando limites imanentes (limitação de acesso a informações classificadas, a processos em segredo de justiça, aos registos informáticos, etc. (27).
Os limites a este direito, nos termos do artigo 4º, nº 2 da Lei de Imprensa, decorrerão dos previstos da própria lei, daqueles que a lei geral e a lei militar impuserem, em ordem a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos, a garantir a objectividade e verdade da informação, a defender o interesse público e a ordem democrática.
E o nº 1 do artigo 5º do mesmo diploma, depois de garantir o acesso às fontes de informação em poder da administração pública, logo especifica, no nº 2, que tal acesso não será consentido em relação aos processos em segredo de justiça, aos factos e documentos considerados militares ou segredos de Estado, e aos que respeitem à vida militar íntima dos cidadãos.
Da interpretação destas regras disciplinadoras da actividade em que com maior incidência se afirma o exercício do direito de se informar (do acesso às fontes de informação), podem extrair-se, assim, alguns critérios adequados à apreciação de um texto (normativo) internacional que vincule a Administração a adoptar um comportamento que conduza à não divulgação de determinados elementos em seu poder.
No quadro de composição e equilíbrio de interesses eventualmente conflituantes, e na harmonização prática no sistema de interesses e valores definidos ao nível constitucional, importa, pois, como factores de ponderação, considerar, de um lado, a natureza e a relevância do interesse público envolvido na prevenção da divulgação de certos elementos de informação e, de outro, numa relação de proporcionalidade, a natureza, o âmbito e a extensão dos limites impostos a tal divulgação.
Nesta ponderação, na definição da proporcionalidade da restrição, no balanço entre os interesses em presença, constituirão igualmente critérios relevantes os princípios emanados de textos internacionais já referidos (28) .
 
 
V
 
1. No sistema delineado no Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944, a possibilidade de restrição à divulgação de certos elementos previstos no ponto 5.12. apresenta-se com conteúdo, º, nº âmbito e efeitos relativamente reduzidos, nº 2, alínea b) da Constituição da República (26).
Com efeito, na sequência da investigação levada a cabo pelas autoridades do Estado a quem esta investigação competir, será elaborado um relatório, segundo modelo definido no Anexo, donde constarão variadas informações factuais e de análise relativamente às circunstâncias do acidente, suas causas e consequências.
No interesse da segurança da navegação aérea, esse relatório deve ser publicado - ponto 6.13 (Capítulo 6 -Reporting) do Anexo.
A publicação do relatório final com a consequente divulgação de elementos factuais relevantes sobre o acidente satisfaz, pois, o direito de acesso a informações em poder da Administração, sem o inconveniente, as dificuldades ou o risco de a divulgação antecipada de alguma informação parcelar comprometer, num ou noutro caso, o sucesso da investigação.
Aliás, os elementos referidos no ponto 5.12 do Anexo, e cuja revelação possa colocar em risco a investigação (e só nessa medida o Anexo prevê a possibilidade de limitar a divulgação), devem ser incluídos no relatório final na medida em que sejam pertinentes à análise do acidente (29) .
Neste sentido, o interesse subjacente ao direito de acesso às fontes de informação (que apenas será limitado em medida reduzida e numa fase instrumental de todo o processo de averiguação administrativa), não é desproporcionadamente afectado pela prevalência do interesse público implícito no bom resultado e na eficiência da investigação.
2. A limitada restrição de acesso a elementos de informação prevista pela formulação do ponto 5.12. do Anexo deve ainda ser abordado em outra perspectiva.
Alguns, ou a totalidade dos elementos referidos no ponto 5.12., podem constituir (e naturalmente constituirão) elementos relevantes do inquérito judiciário, organizado e conduzido nos termos das pertinentes disposições do processo penal.
Na medida em que constituam elementos relevantes do inquérito em processo penal - e a Administração disso não pode deixar de ter conhecimento, porquanto o próprio Capítulo 5 do Anexo salvaguarda a prevalência do inquérito levado a cabo pelas autoridades judiciárias podem estar cobertos pelo segredo de justiça.
 
 
VI
 
1. As normas e as práticas recomendadas, elaboradas no exercício do poder normativo da OACI, que integram os Anexos à Convenção e que se revelam como regulamentação de carácter técnico sobre a navegação aérea internacional, não constituem segundo a doutrina dominante, porém, mais que simples recomendações que os Estados se comprometem a respeitar e aplicar (30) .
Esta natureza - que resulta do texto do artigo 37º da Convenção - impõe a necessidade geral de intervenção dos Estados para a introdução das disposições dos Anexos no respectivo direito interno, necessidade e constatação que se afirma independentemente do sistema monista ou dualista de recepção (31) .
Com efeito, o sistema instituído pela Convenção de Chicago de 1944 assenta, fundamentalmente, no princípio da soberania dos Estados sobre o respectivo espaço aéreo.
Segundo esta orientação doutrinal, a filosofia subjacente ao conjunto das disposições da Convenção não revela vocação de aplicabilidade imediata, directa, na ordem interna, aos sujeitos individuais (32), mas apenas entre os Estados contratantes, que se constituem os únicos sujeitos de direitos e obrigações. A Convenção, como resulta da cláusula de derrogação do artigo 38º, não pretendeu criar uma nova ordem jurídica de direito internacional, nem substituir-se ao poder legislativo e regulamentar dos Estados.
As disposições emanadas no seio da OACI, assim, necessitarão de regulamentação interna concordante com a sua própria regulamentação para que o sistema instituído se revele eficaz e aplicável: as especificações da OACI não são, de acordo com este sector doutrinal, ipso facto aplicáveis no território dos Estados contratantes.
2. Nos termos do artigo 8º, nº 3 da Constituição, as normas emanadas de organismos internacionais vigoram na ordem interna, desde que tal esteja previsto nos respectivos tratados constitutivos.
Esta disposição constitucional surgiu na revisão de 1982, tendo em vista a aplicabilidade directa das normas de direito comunitário derivado cuja vigência directa na ordem comunitária (e interna dos Estados-membros) está directamente prevista no Tratado CEE.
Porém, aquela disposição constitucional tem naturalmente virtualidade da aplicação a outro tipo de normas emanadas de organismos internacionais, desde que enquadráveis na respectiva previsão.
E, assim, fazer vigorar directamente na ordem interna as normas emanadas dos órgãos próprios da Organização Internacional de Aviação Civil, desde que a Convenção de Chicago assim o previsse.
A doutrina que se refere ser dominante considera, com base na interpretação dos artigos 37º e 38º da Convenção, não ser essa a vocação do sistema instituído por este instrumento de direito internacional; a letra do artigo 37º, a possibilidade de derrogação pelos Estados e a inexistência de uma jurisdição com vocação de uniformidade interpretativa e jurisprudencial são elementos apontados para defender tal solução.
Não será, todavia, necessário um compromisso sobre a questão (33) . A consulta, pelo modo como foi formulada, (a referência a uma disposição do Anexo 13 enquanto tal), permite uma resposta sem a abordagem específica do problema, que assim se refere numa perspectiva metodológica tão-só de informação (34) .
 
 
Conclusão:
 
VII
 
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1ª. 0 direito de ser informado, inscrito no artigo 37º da Constituição pressupõe o acesso a elementos de informação em poder da Administração Pública;
2ª. Todavia, o direito de acesso a elementos de informação em poder da Administração Pública tem de ser conjugado, segundo critérios de proporcionalidade, com a preservação de outros valores e interesses legítimos, de natureza pública ou privada;
3ª. 0 ponto 5.12. do Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944 que fixa regras quanto à investigação de acidentes aeronáuticos - dispondo que alguns elementos necessários ao inquérito, designadamente o registo das comunicações de voo, vulgarmente designados por "caixas negras"), possam não ser divulgados quando tal divulgação possa comprometer a eficácia da investigação, apenas limita a divulgação no decurso do inquérito, sendo tais elementos, enquanto relevantes para a análise do acidente, incluídos no relatório final, que deve ser publicado;
4ª. Os elementos referidos no ponto 5.12 do Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944 podem igualmente constituir material probatório relevante para o inquérito organizado nos termos do Código de Processo Penal;
5ª. No entanto, o âmbito de incidência do ponto 5.12 do referido Anexo 13 não tem a ver com o inquérito em processo penal, nem aí se pretende prevenir o conhecimento que deve ser dado à autoridade judiciária dos elementos relevantes para tal inquérito que estejam na posse da Administração;
6ª. A limitação constante do ponto 5.12. do Anexo 13 pretende realizar um interesse público relevante (a eficácia da investigação sobre as causas de um acidente aeronáutico), e revela-se proporcionada não afectando o direito inscrito no artigo 37º da Constituição.
 
 
 
 
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(1) Ofício da DGAC, que se transcreve na parte relevante:
"2. 0 normativo internacional vigente relativo a inquéritos a acidentes com aeronaves civis, contido no Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional, acolhida em Portugal pelo Decreto-Lei nº 36158, de 17 de Fevereiro de 1947, e, em particular, o parágrafo 5.12 daquele Anexo, estabelece que os Estados deverão ter em consideração eventuais efeitos adversos na investigação em curso dum acidente, ou em ulteriores casos de investigação, em resultado do uso de certos dados para outros fina que não os próprios de um inquérito técnico que visa a determinação das causas do acidente. São especialmente referenciadas, neste contexto, as gravações ou transcrições do CVR e as apreciações resultantes da análise da informação obtida do FDR.
3. É claramente recomendado que os registos dos equipamentos referidos não devem ser tornados públicos a menos que contidos no texto do relatório final de inquérito, tendo em conta que neste apenas são incluídos os extractos relevantes para a análise do acidente.
4. Nos termos do artº 389 da Convenção atrás referida e de acordo com a Resolução do Conselho da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) de 21 de Novembro de 1950, devem os Estados subscritores daquela Convenção notificar a mesma Organização sobre as diferenças entre a legislação nacional e as regras e práticas recomendadas internacionais constantes do já citado Anexo 13.
Muitos Estados informaram a OACI da incompatibilidade da norma do parágrafo 5.12 daquele Anexo com o respectivo direito constitucional, por violação do direito fundamental à informação. 0 Estado Português, contudo, não fez qualquer notificação no tocante a esta matéria (na vigência da Constituição anterior) pelo que se tem entendido pela aplicabilidade em Portugal do referido normativo, muito embora a própria DGAC tenha já exibido em tribunal estrangeiro registos gravados em fita magnética relacionados com um acidente ocorrido com um avião da transportadora aérea suíça SATA ao largo da ilha da Madeira. Esta atitude, porém, não violava o disposto no parágrafo 5.12 do Anexo 13, na medida em que a DGAC considerou não resultarem efeitos adversos da disponibilização daquela informação".
(2) Informação 12-90/DG.
(3) Cfr. sobre os antecedentes históricos e preliminares da Conferência de Chicago de 1944, NICOLAS MATEESCO MATTE, Traité de Droit Aèrien - Aèronautique, 3ª ed. 1980, págs. 125 e segs e MM UMM, Droit Aèrien, Notions de droit belge et de droit international, ed. 1970, págs. 39 e sega.
(4) Cfr. MAX LITUNE, op. cit., págs. 54 e segs. e MATESCO, op. cit., págs. 212 e sega.
(5) Cfr. ALETH MANIN, L’Organisatíon de l’Aviation Civile Internationale, Autorité Mondiale de l'Air, ed. L.G.D.I., págs. 70 e segs., que neste ponto se acompanha de perto, por vezes textualmente.
(6) Cfr., ibidem, págs. 70/71, onde se informa que o Conselho, na sua 18ª sessão, decidiu quais as disposições que constituem os Anexos propriamente ditos.
(7) Cfr. ibidem, págs. 72/73.
(8) Cfr. ibidem, pág. 73.
(9) Trata-se, neste ponto, de mera referência de informação. A economia do parecer dispensa maior detalhe ou um modelo mais acabado de abordagem teórica.
(10) Cf r. ALETH MANIN, op. cit., págs. 125/126.
(11) Além da introdução e 4 "Attachments", que não constituem parte do Anexo, mas indicações para auxílio na respectiva aplicação.
(12) Cfr. o "Foreword" do Anexo, referindo a decisão do Conselho, na 20ª reunião da 12ª sessão, em 13 de Abril de 1951. A relação entre o Anexo 13 e o artigo 26º da Convenção vem desenvolvida em ALETH MANIN, op. cit., págs. 91-93.
(13) 0 texto do Anexo 13 a que houve acesso é, em versão inglesa (uma de quatro versões oficiais), a sétima edição, Maio de 1988.
(14) No Capítulo 1º, - "Definitions", estabelece-se o significado, entre outros, dos termos acidente e incidente. A finalidade do parecer dispensa maior detalhe.
(15) Flight recorder: "Any type of recorder installed in the aircraft for the purpose of complementing accident/incident investigation" -cfr. a definição constante do Capítulo 1 do Anexo 13.
(16) Cfr. LOUIS CARTOU, Droit Aérien, ed. P.U.F., páge. 246 e seg. e MARCEL LE GOFF, Manuel de Droit Aérien, Dalloz, págs. 97/98.
(17) Cfr. LOUIS CARTOU, op. cit., pág. 247.
(18) Refere-se, mesmo, a este propósito, a nota 2ª ao ponto 5.10 do Anexo sobre a resolução de eventuais divergências quanto à custódia das caixas negras entre as autoridades judiciais e administrativas: "Note 2. - Possible conflicts between investigating and judicial authorities regarding the custody of flight recorders and their recordings maybe resolved by an official of the judicial authority carrying the recordings to the place of read-out, thus maintaining custody."
(19) Nem a circunstância de se referir que os elementos seriam transmitidos ao MP italiano releva neste ponto. 0 juízo desta colaboração apenas poderia ser efectuado no âmbito do processo e da cooperação judiciária - normativamente regulada com uma autoridade judiciária estrangeira.
(20) Apenas se considera, naturalmente, o âmbito do inquérito a cargo dos órgãos da Administração e não o inquérito em processo penal. Este tem regras próprias e específicas - a preservação do segredo de justiça - que aqui não têm de ser autonomamente consideradas.
(21) Nesta matéria segue-se de perto, por vezes textualmente a abordagem efectuada nos Pareceres nºs 23/86, de 5 de Junho de 1986 e 83/87, de 19 de Novembro de 1987, não publicados.
(22) Cfr. os Pareceres nºs 83/87 e 23/86, cita. na nota anterior.
No parecer nº 23/86, desenvolve-se a matéria com abundantes referências de análise e indicação de bibliografia, e com particular incidência sobre a liberdade de imprensa.
(23) Sobre o anteprojecto de Recomendação R(81)19, refira-se à Informação nº 128/80, de 16/x/80, deste corpo consultivo.
(24) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2ª edição, lº vol., pág. 234.
(25) Cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pág. 219.
(28) Cfr., também o artigo 19º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado, para ratificação, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho e o artigo 1Oº, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada, para ratificação, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro.
(29) Cfr., v.g. as indicações de ordem prática constantes do ponto 4º do "Attachement D" do Anexo 13 (elementos que, constituindo referências de ordem prática elaboradas em ordem a uma melhor aplicação das disposições do Anexo, não fazem, todavia, parte do Anexo propriamente dito, vide. supra):
"4. States may wish to consider the following:
a) in the spirit of 5.12, the recorde specified therein should not be made available to civil, administrative or judicial proceedings unless the appropriate authority determines that the proper administration of justice outweighes the adverse domestic and international impact such action may have on that or any future investigations;
b) the recorda specified in 5.12 should be included in the Final Report or its appendices only when pertinent to the analysis of the accident or incident; and
c) the records specified in 5.12 should not be made public unless inclued in the Final Report. For example, when certain parta of the cockpit voice recording are relevant to the analysis of the accident, a transcript of those parts would be included in the Final Report. The other parts of the cockpit voice recording, not relevant to the analysis of the accident, should not be disclosed."
(30) Cfr., ibidem, págs. 129-130, citando vários autores e considerando a teoria da recomendação como a mais plausível e dominante na qualificação teórica dos Anexos.
(31) Cfr., ibidem, págs. 150 e sega., que neste ponto se acompanha de perto.
(32) Cfr., ibidem, págs. 151/152, estabelecendo, argumentativamente, comparação com o sistema instituído pelo Tratado de Roma.
(33) Na informação da DGAC considera-se que tais disposições se encontram integradas na ordem jurídica portuguesa.
(34) 0 Decreto-Lei nº 562/80, de 6 de Dezembro, determina que as regras, os processos e as emendas sobre os pontos discriminados no artigo 37º da Convenção sobre a Aviação Civil Internacional sejam regulamentados por portaria do Ministro dos Transportes e Comunicações.
Notar-se-á, todavia, que este diploma não está vocacionado para a resolução do problema debatido, e, além disso, é anterior à modificação do artigo 8º, nº 3 da Constituição.
Ao Anexo II refere-se a Portaria nº 13230, de 20 de Julho de 1950, alterada pela Portaria nº 53/74, de 30 de Janeiro, ao Anexo VI o Decreto-Lei nº 56/85, de 4 de Março e ao Anexo XI a Portaria nº 54/74, de 30 de Janeiro.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART8 N3 ART37 N1 N2 ART38 N2 B ART48 N2.
CPP87 ART53 N2 B ART55 ART164 ART166 ART263.
DL 36158 DE 1947/02/17.
DL 242/79 DE 1979/07/25 ART2 ART3 Q.
LIMP75 ART4 N2 ART5 N1 N2.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR INFORMAC / DIR INT PUBL * DIR TRAT.*****
CONV SOBRE AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL ART26 ART37 ART38 ART54 ART90 ANEXO 13 CONV SOBRE AVIAÇÃO CIVIL INTERNACIONAL PAR5.12*****
REC AP CE (854)1979
REC CM CE 81(19) DE 1981/11/25
Divulgação
Número: 
DR111
Data: 
14-05-1992
Página: 
2
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