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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
76/1991, de 05.12.1991
Data do Parecer: 
05-12-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CARGO POLITICO
ALTO CARGO POLITICO
INCOMPATIBILIDADE
IMPEDIMENTO
INSTITUTO PUBLICO
PRESIDENTE
VOGAL
DIRECÇÃO
SERVIÇO PERSONALIZADO
FUNDAÇÃO PUBLICA
ESTABELECIMENTO PUBLICO
EMPRESA PUBLICA
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
AUTONOMIA FINANCEIRA
AUTONOMIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
O conceito "instituto publico autonomo", usado nas alineas j) e l) do n 1 do artigo 1 da Lei n 9/90, de 1 de Março, na redacção da Lei n 56/90, de 5 de Setembro, abrange, na sua previsão, todas as especies de "institutos publicos" - "serviços personalizados",
"fundações publicas" e "estabelecimentos publicos", independentemente do grau e tipo de autonomia de que efectivamente disponham -, so não abrangendo as "empresas publicas" em virtude de estas estarem expressa e especificamente previstas nos mesmos preceitos legais.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA,

EXCELÊNCIA:




Um assessor do Gabinete de Vossa Exa. elaborou e apresentou à apreciação superior a seguinte informação:

"De acordo com a metodologia oportunamente adoptada, definido que foi o universo dos titulares de cargos políticos e altos cargos sujeitos ao regime de incompatibilidades da Lei nº 9/90, de 1 de Março, com as alterações resultantes da Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, passou-se a solicitar aos titulares em falta o envio da declaração de incompatibilidades a que se refere o art. 6º do mesmo diploma.

"Para efeitos da Lei nº 9/90, são titulares de cargos políticos e altos cargos, para além dos demais constantes da enumeração taxativa das várias alíneas do seu artigo 1º, os cargos de "presidente de instituto público autónomo" e de "vogal da direcção de instituto público autónomo" com "funções executivas" (alíneas j) e l) na redacção da Lei 56/90).

"A interpretação desta norma e a consequente definição do conceito de "instituto público autónomo" tem suscitado, desde o início de vigência da lei, dúvidas nos seus destinatários e nos serviços da Administração,, dada a falta de preceito legal que genericamente fixe o essencial dos seus contornos.

"Assim:

questiona-se o conteúdo do conceito de instituto público, havendo quem defenda um sentido o mais restritivo possível., que se aproximaria do de serviço personalizado, designadamente pela circunstância de o artigo 1º da Lei nº 9/90 dele distinguir a empresa pública que a doutrina costuma incluir no sentido mais amplo de instituto público;

questiona-se, sobretudo, o significado do termo "autónomo", pois que:

- poderá constituir mera redundância, uma vez que qualquer instituto público, pela simples razão de o ser, é autónomo no sentido de que constitui pessoa jurídica diversa do Estado ou de outra pessoa colectiva pública;

- não sendo redundância, bastará que a lei lhe atribua simplesmente autonomia administrativa, ou seja a possibilidade de praticar actos definitivos e executórios, como tal directamente impugnáveis por via contenciosa;

- será necessário que a lei, para além de autonomia administrativa, atribua também autonomia financeira e, para que se afirme verdadeira autonomia, autonomia patrimonial.

- questiona-se ainda, pelo menos num caso, a qualificação jurídica de entidades que a lei denomina de "instituto público" mas que, em substância, poderão ter natureza de "associação pública".

"Para efeitos de organização e controlo do processo burocrático, nomeadamente para definição do universo dos titulares sujeitos à obrigação de apresentação da declaração, este Gabinete tem vindo a adoptar o sentido mais amplo de instituto público, que abrange as várias espécies reconhecidas como tal pela doutrina dominante - serviços personalizados, funções públicas, estabelecimentos públicos e empresas públicas (x) -, embora esta última espécie surja autonomizada na formulação da Lei nº 9/90.

"Por outro lado, o termo "autónomo" tem vindo a ser entendido como referindo-se unicamente a autonomia administrativa.

"Estas questões, que se prendem com conceitos de elaboração doutrinária e jurisprudêncial, não se apresentam, contudo, isentas de dúvidas.

"Neste momento, o Gabinete tem em mãos expediente de vários organismos a cujos dirigentes solicitou o envio de declaração, por os considerar abrangidos pela previsão da Lei nº 9/90, a que tem de dar resposta nomeadamente no sentido de reafirmar a obrigação legal re-sultante do artigo 69 deste diploma. Trata-se, no essencial, de organismos considerados "institutos públicos autónomos", cujos dirigentes revestem, no entender do Gabinete, a qualidade de presidente de direcção ou, nalguns, de vogal de direcção com funções executivas.

"Os casos em que esta situação se verifica e em que se depara com recusa de entrega das declarações solicitadas são os seguintes: [...]".

Segue-se a indicação dos casos (cargos) em que houve recusa de entrega das declarações e uma breve referência à natureza jurídica das respectivas pessoas colectivas de direito público e à sua autonomia.

Os casos em causa são os seguintes:

1. Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

2. Directores das Faculdades de Economia, Ciências Médicas e Ciências Sociais e Humanas, e Instituto de Higiene e Medicina Tropical, todos da Universidade Nova de Lisboa;

3. Presidente do Conselho Directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto;

4. Reitor da Universidade Aberta;

5. Presidente da Região de Turismo do Ribatejo;

6. Vice-Presidente do INATEL - Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores;

7. Comissão Instaladora do Hospital Magalhães de Lemos;

8. Presidentes das Comissões Instaladoras das Escolas Técnicas dos Serviços de Saúde de Coimbra e Lisboa;

9. Presidente da Comissão Instaladora do serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência;

10. Director da Escola Nacional de Saúde Pública;

11. Presidente da Comissão Administrativa e Administrador Delegado das Juntas Autónomas dos Portos;

12. Presidente e vogais da Direcção da Casa do Douro;

13. Vogais das Comissões Instaladoras das administrações Regionais de Saúde;

14. Vogais do Conselho Directivo dos Centros Regionais de Segurança Social.


Tendo Vossa Excelência concordado com a sugestão de audição deste Conselho Consultivo, e determinando a respectiva distribuição, cumpre emitir o parecer visado.



2.

2.1. Este corpo consultivo já analisou algumas situações de "cargos políticos", para os efeitos das Leis nºs 4/83, de 2 de Abril (1) e 4/85, de 9 de Abril (2) , e de encargos políticos e de altos cargos públicos", para os efeitos de Lei nº 9/90, de 1 de Março (3) , ora em causa.

Não contêm os pareceres então emitidos elementos relevantes para o esclarecimento das situações (questões) concretas ora em apreço, sobre "incompatibilidades" relativas ao exercício de certos "cargos públicos".

Para o pretendido esclarecimento importa começar pela análise dos trabalhos preparatórios das Leis nºs 9/90, de 1 de Março, e 56/90, de 5 de Setembro, depois de transcrever as normas pertinentes:

Lei nº 9/90, de 1 de Março

Artigo 1º (âmbito)

"1 - São considerados titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, para os efeitos da presente lei:

............................................................

j) Gestor público ou presidente do instituto público autónomo;

k) Director-geral ou equiparado".


Lei nº 56/90, de 5 de Setembro

Artigo 1º

"Os artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da Lei nº 9/90, de 1 de Março, passam a ter a seguinte redacção:

Artigo 1º (âmbito)

"1 - Para os efeitos da presente lei são consi-derados titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos:

............................................................

j) Presidente de instituto público autónomo, de empresa pública ou de socie-dade anónima de capitais exclusivamente públicos;

l) Gestor público, membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e vogal da_ direcção de_ instituto público autónomo, desde que exerçam funções executivas;

m) Director-Geral e subdirector-geral ou equiparado".



2.2. A Lei nº 9/90 surgiu na sequência do Projecto de Lei nº 277/V, apresentado pelo PS, epigrafado de "Incompatibilidades dos membros do Governo".


Diz-se na "exposição de motivos do referido Projecto de Lei (4) :

"O princípio da separação de funções no que respeita aos titulares dos cargos políticos é uma garantia de independência e imparcialidade das decisões que a estes cabem.

"A precisão de regras de incompatibilidade no exercício das funções de governo realiza, por isso, ao seu nível, o princípio da separação de poderes, procurando evitar a colisão de interes-ses públicos e privados ou a sua eventual sobre-posição personalizada.

............................................................


"O regime de incompatibilidades e impedimentos constitui uma necessidade iniludível com vista a assegurar o prestígio e uma absoluta dedicação às funções e, em consequência, um mais eficaz funcionamento dos negócios públicos".


Na discussão conjunta, na generalidade, do referido Projecto e do Projecto de Lei nº 178/V(PS) - "Incompatibilidades - Alteração do Estatuto dos Deputados", disse o deputado Sr. ALBERTO MARTINS (PS) (5) :

"É, em todo o caso, finalmente, a prossecução do objectivo essencial de moralização da vida privada na consciência precisa de que a democracia é "o poder do povo pelos representantes do povo, mas é ao mesmo tempo uma protecção do povo contra os abusos que podem cometer os governantes eleitos".

............................................................

"A impossibilidade de conhecer e despachar, durante um certo período de tempo, sobre assunto que interesse a empresa a que se esteja ligado insere-se no objectivo de garantia de independência e de evitar que se possa ser "juiz em causa própria", com o óbvio défice de imparcialidade a que se pode chegar ou, pelo menos, à evidente suspeição que tal implica".


A "moralização do exercício de tais cargos (políticos)", a "transparência da intervenção" e a "independência face ao poder económico" foram ressaltados pelo deputado Sr. JORGE LEMOS (PCP) (6) .

Os projectos em causa baixaram à Comissão competente sem votação "para efeito de nova apreciação, no prazo de 30 dias" (7) , tendo sido emitido parecer no sentido de os projectos estarem em condições de subir a Plenário (8) .

Na nova discussão, em plenário, na generalidade (9) , o PS pela voz do deputado Sr. ALBERTO MARTINS, manteve os princípios e termos do Projecto de Lei nº 277/V, dizendo este deputado:

"As democracias e os seus representantes no seu comportamento e nas suas regras de actuação não podem, ao mesmo tempo, fazer, conservar e executar as leis, e dirigir os negócios públicos de parceria, ou em comissão de serviço, com negócios privados que com estes coincidam.


.....................................................

"As iniciativas legislativas que apresentamos, e agora apreciamos, inserem-se neste âmbito e sequência e, por isso, visam no seu escopo essencial a criação de condições à realização da justiça, imparcialidade e dedicação às funções no exercício dos cargos políticos e, noutra vertente, à consagração do princípio da igualdade dos cidadãos face à administração pública e aos órgãos de soberania".

No mesmo sentido se pronunciou o deputado Sr. JORGE LEMOS (PCP) (10) :

"O que temos de fazer nesta lei e é isso que lhe pergunto é criar os mecanismos para que não haja cidadãos mais iguais do que outros, isto é, para que os cidadãos que são titulares de cargos políticos não se refugiem nessa sua situação para no futuro se aproveitarem dela, por terem resolvido algumas questões a que os outros cidadãos não têm acesso".

E disse o deputado Sr. NARANA COISSORÓ (CDS) (11):

"Ora bem, o que estava a dizer que, numa situação dessas, as leis das incompatibilidades dos membros do Governo e as leis das incompatibili-dades dos deputados são extremamente importantes, são uma espécie de armadura contra a impunidade e contra o tráfego de influências. Hoje sabemos que a elite política gira dentro de uma certa constelação: são os governantes que passam para as empresas públicas e, algumas vezes, privadas, e são os gestores das empresas públicas que vão normalmente para o Governo. Tornou-se absolutamente normal que o ministro das Finanças e os seus secretários de Estado fossem nomeados para os bancos ou que, inversamente fossem recrutados entre os gestores desses bancos. Este vaivém das influências, este vaivém que existe, esta circulação da elite dentro das empresas públicas do sector e em certos ministérios tem de ser quebrado de uma vez para sempre".


Submetido a votação, o Projecto de Lei nº 277/V foi aprovado com votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de Os Verdes e a abstenção do PSD (12) .




2.3. Na sessão plenária de 24 de Outubro de 1989 foi aprovado, em votação final global, o texto alternativo elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, acolhendo proposta feita pelo PSD no sentido de ampliar o âmbito das incompatibilidades.


Disse o deputado Sr. ALBERTO MARTINS (PS) (13):


"A imparcialidade funcional não é uma qualidade objectiva de um hipotético titular portador de virtudes éticas, mas uma situação objectiva que o regulamento do exercício das funções exige. Embora a urgência de clarificação maior radicasse na clarificação das incompatibilidades dos membros do Governo e deputados, consideramos merecer, acolhimento a proposta depois feita pelo PSD de integrar no diploma proposto as incompatibilidades dos cargos políticos em geral e dos altos cargos públicos. O sentido das soluções reconduz-se ao inicial e todas elas radicam no objectivo essencial de "criar condições à realização da justiça, imparcialidade e dedicação no exercício dos cargos públicos e nesta vertente garantir o princípio da igualdade dos cidadãos face à Administração Pública e aos órgãos de soberania".

"O Projecto de Lei nº 277/V - Incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos - estende-se agora, para além dos membros do Governo, ao Ministro da República, à Alta Autoridade contra a Corrupção, aos membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social, membros dos governos regionais, governador e vice-governador civil, Governador e Secretário-Adjunto do Governo de Macau, presidente e ve-reador a tempo inteiro das câmaras municipais, governador e vice-governador do Banco de Portugal, gestor público ou presidente de instituto público autónomo e director-geral ou equiparado. E são as incompatibilidades e impedimentos de quaisquer actividades profissionais, a integração de corpos sociais de empresas concessionárias de serviços públicos e a detenção de partes sociais superiores a 10% o núcleo essencial que visa anular duplicidades funcionais no exercício dá actividade pública".

O texto aprovado é exactamente o da Lei nº 9/90, na sua redacção inicial (14) .

2.4. Pouco tempo decorrido o PSD apresentou na Assembleia da República um novo Projecto de Lei (nº 524/V), Com o seguinte preâmbulo (15) :

"1- A Lei nº 9/90, de 1 de Março, que aprovou o novo regime de incompatibilidades de cargos políticos e altos cargos públicos, constitui um passo muito relevante na política de transparência, isenção e rigor que deve re-ger o exercício de tais cargos, quer pela dignificação das funções que ao Estado estão cometidas, quer pela salvaguarda do prestígio e da independência dos respectivos titulares. Reconhece-se, no entanto, que nem sempre a forma externa das normas reflectiu suficientemente bem a verdadeira intenção do legislador, pelo que, sem se pôr em causa a evidente bondade material das mesmas, se afigura necessário proceder a alguns ajustamentos formais, de modo que a letra da lei não induza a situações equívocas. Na verdade, nalguns casos pontuais a lei peca simultaneamente por defeito e por excesso, havendo assim que delimitar correctivamente tais situações.


"2- Ao incluir os directores-gerais no âmbito dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, a Lei nº 9/90, de 1 de Março, inibiu-os de exercer qualquer outra actividade remunerada, de natureza pública ou privada, com excepção das que derivam do seu cargo e das que derivam da representação profissional.

"Com esta norma, a Lei nº 9/90 afastou o regime que pouco tempo antes tinha sido definido no Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, que aprovou o estatuto do pessoal dirigente da função pública, e que coinci-dia, no essencial, com aquele que vinha vigorando desde 1979: a exclusividade de funções dirigentes como regra, admitindo-se como excepções aquelas que o interesse público viesse justificando, nomeadamente as funções docentes nos estabelecimentos de ensino superior.

"3- Por outro lado, corrigem-se ainda alguns lapsos técnicos, como a referência autónoma ao governador e vice-governador do Banco de Portugal, os quais são também gestores públicos, estando, em consequência, já integrados noutra previsão normativa mais genérica.

"Da mesma forma, não se justificava nem a omissão relativamente aos vogais da direcção de institutos públicos e aos subdirectores gerais, nem tão pouco a falta de equiparação dos gestores públicos aos administradores de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos; por outro lado, não faz também sentido a extensão do regime de incompatibilidades aos gestores e similares que exerçam funções não executivas (16) .

"Noutro ponto susceptível de interpretações contraditórias clarifica-se ainda o regime aplicável aos gabinetes ministeriais e equiparados, o qual deve continuar a ser aquele que já consta da legislação própria.

"4 - Finalmente, alarga-se o âmbito do regime transitório aos gestores públicos e aos directores-gerais, ou equiparados, por se en-tender que não devem alterar-se as condições do exercício dos actuais mandatos até estes findarem".

Com o articulado proposto alterava-se a redacção das alíneas i), j) e l) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 9/90 - ficando com a redacção das actuais alíneas j), l) e m) do mesmo preceito legal, segundo a Lei nº 56/90, que veio a ser publicada -, e introduziram-se outras alterações em conformidade com o referido preâmbulo.


O referido projecto de lei foi aprovado, na generalidade, pelo plenário (17) , na especialidade, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (18) , e votado e aprovado em plenário (19).


3.

3.1. MARCELLO CAETANO definiu "incompatibilidade" como a "impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou que se encontre em algumas das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei".

Depois de afirmar que as incompatibilidades ou são comuns a todas as funções públicas ou especiais de certo cargo ou função, classificou-as aquele autor em naturais e morais por um lado, e absolutas e relativas por outro.

Definiu incompatibilidades naturais "as que resultam da impossibilidade material de desempenhar simultaneamente dois cargos ou duas actividades dentro das mesmas horas de serviço, em diferentes localidades ou dentro da mesma hierarquia", e morais, "as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados em cuja dependência se encontrasse, em virtude de prestar serviços remunerados a particulares ou por estar ligado por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos, para seu proveito pessoal".

Caracterizou, finalmente, as incompatibilidades absolutas e relativas, respectivamente, como sendo "as que não podem ser removidas, forçando o funcionário a optar por um dos cargos incompatíveis", e "as que podem ser removidas mediante obtenção de autorização, dada pela autoridade competente, para o exercício dos dois cargos ou de um cargo e de uma actividade privada ..."(20) .

As normas que provêem sobre incompatibilidades funcionais em relação aos titulares de cargos políticos e da administração pública cominam-lhes deveres de natureza negativa que constituem limites à acumulação. Se a incompatibilidade não for legalmente susceptível de remoção, vedada está a possibilidade de acumulação (21) .

A motivação das normas legais sobre incompatibilidades relativas ao exercício de cargos assenta, funda mentalmente, na ideia de que duas ou mais funções não podem ser exercidas, convenientemente, pela mesma pessoa.


A este propósito referiu-se em parecer deste corpo consultivo: "pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a normalidade, objectividade e serenidade que lhe deve imprimir o cariz indiscutível do interesse geral e que mais não é do que a afloração, no Estado democrático de direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de confronto entre o interesse de natureza pessoal, e o interesse do Estado ou dos entes públicos que representam e lhes cumpre defender" (22) .

3.2. O artigo 269º da Constituição da República Portuguesa estabelece, a propósito de acumulações e incompatibilidades, o seguinte:

"1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.

............................................................


4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo no casos expressa-mente admitidos por lei.

5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades" (23) (24) .

O referido normativo constitucional não proíbe, em absoluto, seja a acumulação de cargos públicos seja a acumulação de cargos públicos com actividades privadas. Estabelece, tão só, no que concerne à acumulação dos cargos públicos, que a regra é a proibição e a permissão a excepção, deixando para a lei ordinária o estabelecimento do regime legal das acumulações e incompatibilidades.

3.3. O Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, versando sobre os princípios gerais em matéria de emprego público, remuneração e gestão do pessoal da função pública, estatuiu no seu artigo 12º sobre o "princípio da exclusividade de funções".

O nº1 deste artigo constituiu mera concretização do princípio da exclusividade constante do artigo 269º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.

O nº2 manteve a regra proibitiva de acumulação de cargos públicos, constante do nº4 do referido artigo 269º da Constituição, e estabeleceu as situações de excepção.

O nº3 concretizou, enquanto prevê as situações de incompatibilidade relativamente ao exercício de funções na administração pública e fora dela, a previsão do nº4 do artigo 269º da Constituição.

O referido dispositivo não inviabilizou, em absoluto, a acumulação de funções públicas correspondentes a cargos diversos nem de funções públicas e privadas. O nº4 fez depender a acumulação de autorização (25) .

3.4. O Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro, veio, por seu turno, dispor sobre "o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local do Estado e regional, bem como, com as necessárias adaptações, dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos" (artigo 1º, nº1)


O nº1 do artigo 9º do citado Decreto-Lei considera dirigente "o pessoal que exerce actividades de direcção, gestão, coordenação e controlo nos serviços ou organismos públicos referidos no artigo anterior".

E dispõe-se no artigo 9º, epigrafado de "Regime de exclusividade":

"1. O pessoal dirigente exerce funções em regime de exclusividade, não sendo permitido, durante a vigência da comissão de serviço, o exercício de outros cargos ou funções públicas remunerados, salvo os que resultem de inerência ou de representação de departamentos ministeriais ou de serviços públicos e bem assim do exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.

2. O disposto no número anterior não abrange as remunerações provenientes de:

............................................................

c) Actividade docente em instituições de ensino superior, não podendo o horário em tempo parcial ultrapassar um limite a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação;

............................................................

e) Participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei e no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.


3. Não é permitido o exercício de actividades privadas pelos titulares de cargos dirigentes, ainda que por interposta pessoa, excepto em casos devidamente fundamentados, autorizados pelo membro do Governo competente, o qual só será concedido desde que a mesma actividade não se mostre susceptível de comprometer ou interferir com a isenção exigida para o exercício dos mencionados cargos.

............................................................

Como se disse no parecer nº 54/90, de 11 de Outubro, "entre os artigos 12º do Decreto-Lei nº 184/89 e o (-) artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89 decorria uma relação de generalidade-especialidade. Enquanto aquele normativo se reportava à exclusividade relativa ao exercício da função pública em geral, ou seja quanto à generalidade dos funcionários ou agentes, este versa sobre tal matéria apenas em relação ao pessoal dirigente da função pública".

3.5. O Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, veio estabelecer sobre o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 1º).

O artigo 31º do referido diploma dispõe, no seu nº1, que "não é permitida a acumulação de funções ou cargos públicos remunerados, salvo quando devidamente fundamentada em motivo de interesse público e no disposto nos números seguintes.

O nº2 do artigo 31º diz haver lugar à acumulação de funções ou cargos públicos nos casos aí previstos, o nº3 diz não ser o disposto no nº1 aplicável às remunerações aí especificadas, e os nºs 4 e 5 referem-se às autorizações necessárias às acumulações.

O artigo 32º estabelece, no seu nº1, que "o exercício em acumulação de actividades privadas carece de autorização prévia do membro do Governo competente, a qual pode ser delegada no dirigente máximo do serviço. O nº2 estabelece excepções ao disposto no nº1, o nº3 fixa as condições exigidas à autorização referida no nº1.

Como se diz no citado parecer nº 54/90 "o conteúdo do referido artigo 12º do Decreto-Lei nº 184/89 foi objecto de revogação tácita pelo disposto nos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89", e existe uma "relação de generalidade - especialidade" entre o regime de acumulação e de incompatibilidade de funções previsto nos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89 - "cujo universo subjectivo de aplicação é extensivo à generalidade de funcionários e agentes da Administração Pública" - e o previsto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, "só aplicável ao pessoal dirigente da Função Pública", e que não foi revogado por aquele Decreto-Lei nº 427/89.


3.6. O artigo 120º da Constituição da República Portuguesa, na versão resultante da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, que se reporta ao estatuto dos titulares de cargos políticos, estabelece, sob o nº2, que "A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades"(26) .

Até à publicação da Lei nº 9/90, de 1 de Março, inexistia a definição do regime de incompatibilidades no exercício de cargos políticos, a que o citado nº2 da Constituição da República Portuguesa se refere.

Como se viu, a Lei nº 9/90 veio definir tal regime (de incompatibilidades) dos titulares de "cargos políticos", tendo-se aproveitado a oportunidade para "alargar" tal regime aos titulares de "altos cargos públicos".


Escreveu-se no parecer nº 26/90, de 28 de Julho, relativamente a tal alargamento:

"Subjacente a este alargamento, continuou a estar a preocupação de evitar, também para os altos cargos públicos, a colisão entre os interesses público e privado, mediante a interdição da acu-mulação indevida de cargos e outras actividades profissionais ou funções, através do seu exercício em prejuízo do interesse colectivo. Pretende-se - e essa é a "ratio" da lei - contribuir para a dignificação do exercício do mandato dos titulares dos cargos políticos e de altos cargos públicos, "evitando a osmose entre o interesse público e privado" e salvaguardando, assim, o interesse público como valor superior da colectividade".


Concluindo, nesta parte, pode dizer-se, sem motivo para dúvidas, que existe uma relação da generalidade-especialidade entre os regimes do Decreto-Lei nº 323/89 e da Lei nº 9/90, no tocante ao exercício dos cargos previstos em ambos os diplomas.

Ao pessoal dirigente que exerça algum dos altos cargos previstos na Lei nº 9/90 será aplicável o regime desta Lei e não o do Decreto-Lei nº 323/89.

Os titulares de cargos referidos no artigo 1º da Lei nº 9/90 - na redacção da Lei nº 56/90 - devem depositar na Procuradoria-Geral da República, nos 60 dias posteriores à tomada de posse, declaração de inexistência de incompatibilidade ou impedimento de onde constem todos os elementos necessários à verificação do cumprimento do disposto na presente lei (artigo 6º, na redacção da Lei nº 56/90).


3.7. Terminando este capítulo, importa conhecer o regime de incompatibilidades e impedimentos relativo aos titulares dos cargos aqui em causa, constantes das alíneas i) e l) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 9/90, na redacção da Lei nº 56/90:

Artigo 2º
Incompatibilidades

"A titularidade dos cargos enumerados no artigo antecedente implica, durante a sua pendência, para além das previstas na Constituição, as se-guintes incompatibilidades:

a) O exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derive do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional;

b) A integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou quaisquer outras empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público;

c) O desempenho de funções em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado;

d) A detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público".

Artigo 3º
Impedimentos

"1- Os titulares dos cargos descritos no nº1 do artigo 1º estão impedidos de servir de árbitro ou de perito, a título remunerado, em qualquer processo em que sejam parte o Estado e demais pessoas colectivas de direito público.

2 ........................................................

3 O impedimento mantém-se até ao fim do prazo de um ano após a cessação de funções.

Artigo 4º
Excepção

"1- As actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções referidas no artigo 1º não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º, salvo no caso de participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenhe o seu cargo.

2- Nos casos previstos nas alíneas e), f), g), i), j), l) e m) do nº1 do artigo 1º, o disposto na alínea a) do artigo 2º não obsta ao exercício de funções de docente do ensino superior e de investigador científico ou similar, nos termos previstos à data da entrada em vigor da presente lei.

............................................ " (27).


4.

4.1. Está em causa a interpretação das alíneas j) e l) do nº 1 do artigo 1º da Lei nº 9/90, na redacção da Lei nº 56/90, no tocante ao sentido (âmbito) dos seus segmentos "presidente de instituto público autónomo" e "vogal da direcção de instituto público autónomo", respectivamente.


Impõe-se, pois, começar por conhecer o(s) sentido(s) possíveis do conceito "instituto público".

4.2. Os "institutos públicos" integram a "administração estadual indirecta", que FREITAS DO AMARAL (28) define, de um ponto de vista subjectivo ou orgânico, como "o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma actividade administrativa destinada à realização de fins do Estado" (29) .

Prossegue o mesmo autor (30)

"Encarando agora a questão, não já do ponto de vista material, mas do ponto de vista orgânico, vejamos como se caracteriza a administração estadual indirecta.

"Em primeiro lugar, ela é constituída, como sabemos, por um conjunto de entidades públicas que são distintas do Estado, isto é, que têm personalidade jurídica própria. São, portanto, sujeitos de direito, cada uma delas: a CP é uma pessoa colectiva pública diferente do Estado; a TAP é uma pessoa colectiva pública diferente do Estado; o Banco de Portugal é uma pessoa colectiva pública diferente do Estado, etc., etc.

............................................................

"Estas entidades dispõem em regra de autonomia administrativa e financeira isto é, tomam elas as suas próprias decisões, gerem como entendem a sua organização, cobram elas as suas receitas (que não são cobradas através das tesourarias da Fazenda Pública, do Estado), realizam elas próprias as suas despesas (não tendo de obter para tanto o acordo da Contabilidade Pública), organizam elas próprias as suas contas.

............................................................

"Finalmente, o grau de autonomia de que dispõem estas entidades e, portanto, o maior ou menor distanciamento em relação ao Estado, é muito variável.

"Pode atingir um nível máximo, que é o que sucede, por exemplo, nas empresas-públicas.

"Pode assumir uma posição intermédia, que é a que se verifica, por exemplo, nos chamados organismos de coordenação económica (Junta Nacional das Frutas, Instituto da Qualidade Alimentar, Instituto do Vinho do Porto), porque a sua actividade não reveste apenas de carácter técnico ou económico, também comporta funções de autoridade, já que esses organismos têm poderes regulamentares e poderes de coordenação.

"E pode o grau de autonomia ser mínimo quando estes organismos funcionem como verdadeiras direcções-gerais do ministério a que respeitem (caso do FAOJ - Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, que, embora seja um organismo autónomo, analisadas as suas funções é substancialmente uma verdadeira direcção-geral do Ministério da Educação, hoje na Presidência do Conselho, e que também poderia chamar-se Direcção-Geral dos Assuntos da Juventude). Nestes casos, a personalidade jurídica e a autonomia administrativa e financeira constituem mera aparência - são um expediente técnico, jurídico e contabilístico. Trata-se de verdadeiras direcções-gerais dos ministérios, embora juridicamente sejam organizações distintas do Estado.

"Estes três tipos de ligação entre os mencionados organismos e o Estado levam-nos agora a considerar um outro aspecto, que é o das espécies de organismos deste género existentes no nosso direito".

4.2.1. E escreve de seguida, sob a epígrafe "(De institutos públicos em geral" (31) :

"Das várias categorias de organismos ou entidades a quem a lei confia o desempenho de funções de administração estadual indirecta, sem dúvida os institutos públicos constituem a mais importante, a mais numerosa e a mais significativa.

............................................................

"Quanto a Portugal, importa esclarecer que nem sempre se utilizou a expressão institutos públicos. Efectivamente, durante muito tempo, as nossas leis, a nossa doutrina e a nossa jurispru-dência referiam-se, para abranger estes organis-mos, a uma outra figura, que era a dos serviços personalizados do Estado. Ainda hoje, aliás, há leis administrativas em vigor no nosso país que se referem aos institutos públicos como serviços personalizados do Estado. Simplesmente aconteceu que, a partir de certa altura, a doutrina portu-guesa, aprofundando a análise da matéria, apercebeu-se de que a expressão "serviços personalizados do Estado" não era correcta, ou não era a mais correcta possível, porque se ajustava, em rigor, apenas a uma das espécies do género institutos Públicos (X1) .


"Quer dizer, os institutos públicos são um género que abrange várias espécies; e uma dessas espécies são os serviços personalizados do Estado; mas há outras.

............................................................

"Como é que podemos, então, definir instituto público?


"Podemos dizer que o "instituto público" é uma pessoa colectiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de funções administrativas determinadas, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública.



"Analisemos a definição dada.

"O instituto público é, para começar, uma pessoa colectiva pública. Caracteriza-se, assim, por ser sempre dotado de personalidade jurídica .....................................

"O instituto público é, em segundo lugar, uma pessoa colectiva de tipo institucional. Isto é, o seu substracto é uma instituição, não uma associação: assenta sobre uma organização de carácter material e não sobre um agrupamento de pessoas. Por aqui se distinguem, portanto, os institutos, públicos das associações públicas, que são, essas, de tipo associativo, como dissemos.

"Por outro lado, o instituto público é uma entidade criada para assegurar o desempenho de funções administrativas determinadas................................................

............................................................


"Pode inclusivamente acontecer - e acontece - que as funções atribuídas a um dado Instituto público sejam, por sua vez, desdobradas e transferidas, em parte, para outro instituto público menor. É o que se passa, por exemplo, com os "serviços sociais universitários", que constituem institutos públicos dependentes das Universidades estaduais, as quais por sua vez são também, elas próprias, institutos públicos. Nestes casos pode dizer-se dos institutos públicos surgidos no segundo pla-no, ou em segunda linha, que se trata de sub-institutos públicos".

Depois de salientar que no direito português inexiste lei genérica ou código que estabeleça o estatuto jurídico dos institutos públicos, FREITAS DO AMARAL passa a encarar, mais em pormenor, as principais espécies de institutos públicos, que, segundo o autor, "são quatro as espécies a considerar:

- os serviços personalizados;
- as fundações públicas;
- os estabelecimentos públicos;
- e as empresas públicas".

E começa por analisar os "serviços personalizados" (32) .


4.2.2. "Os "serviços personalizados" - diz FREITAS DO AMARAL são os serviços administrativos a que _a lei atribui a natureza de institutos públicos.

"São serviços a quem a lei dá personalidade jurídica e autonomia para poderem funcionar como se fossem verdadeiras instituições independentes. Não o são, todavia: já ficou dito que nestes casos existe mais uma aparência do que uma realidade: estes serviços são verdadeiramente departamentos do tipo "direcção-geral", aos quais a lei da personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira só para que possam desempenhar melhor as suas funções".


Como exemplos de "serviços personalizados" o autor indica a Junta de Crédito Público, a Junta de Energia Nuclear, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e os organismos de coordenação económica, que bem podiam direcções-gerais


4.2.3. Quanto às fundações públicas, diz FREITAS DO AMARAL (33) :

"Enquanto a generalidade das fundações são pessoas colectivas privadas, reguladas pelo Código Civil, há umas quantas fundações que são pessoas colectivas Públicas, reguladas pelo Direito Administrativo. Trata-se portanto de patrimónios que são afectados à prossecução de fins públicos especiais.

"Um dos exemplos mais conhecidos era o chamado "Fundo de Abastecimento", um organismo criado há várias décadas, alimentado por receitas provenientes de vários impostos ou taxas - entre os quais os que oneram a gasolina e outros derivados do petróleo -, e destinado a subsidiar os preços de determinados bens essenciais à população (o pão, a carne, o leite, etc.). Tratava-se afinal de um património, de uma fundação, mas de uma fundação pública, isto é, de um organismo com personalidade jurídica de direito público e autonomia administrativa e financeira, regido pelo Direito Administrativo, destinando-se a desempenhar um certo número de fins do Estado.

"O "Fundo de Abastecimento" foi extinto pelo D.L. nº 95/86, de 13 de Maio. Sucedeu-lhe, sem o subs-tituir em todas as suas funções, o "Instituto Nacional de Garantia Agrícola" (D.L. nº 96/86, de 13 de Maio), que é igualmente uma fundação pública.


"Também as "Caixas de Previdência", incluídas na organização da segurança social, constituem fundações públicas, quer dizer, institutos públicos que revestem a modalidade de fundação; têm, porém, vindo a ser integradas nos Centros Regionais de Segurança Social. Outros exemplos se podem dar, nomeadamente os dos diversos serviços sociais existentes nos vários ministérios (-)".

4.2.4. Escreve o mesmo Autor, quanto aos "estabelecimentos públicos" (34):

"[...] a par dos serviços personalizados – que são direcções-gerais dos ministérios às quais a lei confere personalidade das fundações públicas - que são patrimónios autónomos cuja gestão financeira é posta ao serviço de fins sociais -, e das empresas públicas - que são unidades de carácter económico e de fim lucrativo -, há ainda a considerar um vasto número de entidades públicas que não são direcções-gerais, nem patrimónios, nem empresas.


"Consideramos "estabelecimentos Públicos" os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam
"Exemplos: o primeiro grupo de estabelecimentos públicos, neste sentido, são manifestamente as Universidades públicas (as Universidades privadas não pertencem à Administração, não são pessoas colectivas públicas). Toda a gente compreenderá que não é possível, sobretudo num regime democrá-tico e pluralista que respeite e consagre a autonomia universitária, classificar as Universidades do Estado como simples direcções-gerais, embora personalizadas, do Ministério da Educação: não são, pois, serviços personalizados do Estado. Mas tão-pouco se podem considerar como fundações públicas, porque não consistem basicamente num património, nem a sua missão essencial é gerir financeiramente os respectivos bens. Muito menos se podem encaixar na categoria das empresas públicas. Justificam, pois, uma recondução ao novo conceito de estabelecimento público: têm carácter cultural, estão organizadas como serviços abertos ao público, e destinam-se a fazer prestações individuais, ou seja, a ministrar o ensino aos es-tudantes.


"Outra categoria de estabelecimentos públicos, estes de carácter social, são os hospitais do Estado: têm personalidade jurídica e autonomia, são serviços abertos ao público, e efectuam prestações a quem delas careça, isto é, prestam cuidados médicos aos doentes ou acidentados.

............................................................

"Por vezes, pode parecer difícil distinguir um estabelecimento público de alguma das outras modalidades de institutos públicos que enumeramos. Um critério prático que se nos afigura adequado pode ser o seguinte:

- se o instituto público pertence ao organograma dos serviços centrais de um Ministério, e desempenha atribuições deste no mesmo plano que as respectivas direcções-gerais, é um serviço personalizado do Estado;

- se o instituto público assenta basicamente num património, existe para o administrar e vive dos resultados da gestão financeira desse património, é uma fundação pública;

- se o instituto público tem carácter empresarial, desenvolve uma actividade económica e gerido com fim lucrativo, é uma empresa pública;

- enfim, se o instituto público não é uma direcção-geral personalizada, nem um património, nem uma empresa, mas um estabelecimento aberto ao público e destinado a fazer prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos, então é um estabelecimento público".


4.2.5. "A quarta espécie de institutos públicos no nosso direito - diz o citado autor (35) - são as empresas públicas", que dada a sua importância, lhe mereceram uma secção especial (36) . A economia do parecer dispensa-nos de desenvolver o que já atrás foi dito sobre tais "institutos públicos".


4-2.6. Sobre o regime jurídico dos institutos públicos, escreve, em síntese, FREITAS DO AMARAL:

"Como dissemos atrás, não há um diploma único que regule genericamente esta categoria de organismos. Do conjunto variado e multifacetado das respectivas leis orgânicas podemos, no entanto, extrair os seguintes traços específicos:

a) Os institutos públicos são pessoas colectivas públicas;

b) Beneficiam, em grau maior ou menor, de autonomia administrativa;

c) Podem dispor, e normalmente dispõem, de autonomia financeira;

d) São em regra criados, modificados e extintos mediante decreto-lei;

e) Possuem órgãos próprios, dos quais o principal é em regra uma comissão, ou junta ou junta autónoma, ou conselho administrativo;

f) Os respectivos presidentes são simultaneamente órgão dirigente do instituto público e órgão do Estado (-);

g) Os seus serviços administrativos podem ser centrais e locais;

h) Estão sujeitos a uma intervenção do Governo bastante apertada, que se traduz nomeadamente em poderes de superintendência e de tutela administrativa;

i) O regime jurídico do seu funcionamento é, regra geral, um regime de direito administrativo: os institutos públicos produzem regulamentos, praticam actos administrativos, celebram contratos administrativos, cobram impostos e taxas, exercem poderes de polícia, podem promover expropriações por utilidade pública, o seu pessoal tem estatuto de funcionário público, as suas finanças regem-se pelas leis da contabilidade pública, a sua actividade típica é considerada como gestão pública, e a fiscalização jurisdicional dos seus actos compete aos tribunais administrativos.

"O contrário sucede, porém, com as empresas públicas - que configuram um caso à parte no contextos dos institutos públicos, na medida em que funcionam, em princípio, segundo um regime de direito privado (...)."



4.2.7. MARCELLO CAETANO (37) distinguia, entre os institutos públicos, "os serviços-departamentos a que chama(va) em sentido restrito serviços personalizados, (as) fundações públicas e (as) empresas-públicas". Não distinguia, pois, como, hoje, FREITAS DO AMARAL, os estabelecimentos públicos, que incluía nos serviços personalizados (38)

Escreve aquele autor :

"No Direito português a expressão instituto público tem sido usada como sinónimo de "serviço personalizado do Estado". assim que na Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei nº 40768, de 8 de Setembro de 1956, enquanto no nº 1 do artigo 15º se encontra a segunda expressão, no artigo 17º aparece, Com o mesmo sentido, a primeira.

"Uma análise mais rigorosa das realidades que se abrigam por detrás desta qualificação genérica de serviço personalizado do Estado ou instituto público permite, porém, como oportunamente ficou dito, distinguir várias categorias desses institutos, podendo-se discriminar os serviços-departamentos a que chamaremos em sentido restrito serviços personalizados, das fundações públicas e das empresas públicas. É segundo este esquema que vamos descrever a estrutura administrativa portuguesa".


Relativamente aos serviços personalizados, escreve de seguida:

"São muito numerosos os departamentos administrativos a que a lei atribui expressamente personalidade jurídica ou confere autonomia em termos tais que, permitindo aos respectivos órgãos praticar actos jurídicos, como receber heranças e legados, celebrar contratos, possuir bens e estar em juízo..., equivalem à outorga da qualidade de pessoa jurídica.

"A esta classe de institutos públicos pertencem, como ficou dito, os departamentos da Administração geral ou local a que, unicamente por conveniência prática, a lei confere personalidade colectiva.

"É o que acontece com a Junta do Crédito Público, a Junta de Energia Nuclear, o Instituto de Socorros a Náufragos, o Instituto de Alta Cultura, as Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Instituto Nacional de Investigação Industrial, o Instituto de Assistência aos Tuberculosos, os Institutos de Assistência à Família, Maternal, de Assistência aos Menores, de Assistência aos Inválidos, de Assistência aos Leprosos, de Assistência Psiquiátrica, o Instituto Nacional de Sangue, a Misericórdia de Lisboa, os Hospitais Civis de Lisboa, a Emissora Nacional de Radiodifusão, a Junta Autónoma das Estradas, a Junta de Colonização Interna ... (-).

"Esta enumeração não é exaustiva. O traço comum a todos estes institutos é a prossecução no plano nacional ou só local (como é o caso das Universidades, ou da Misericórdia e dos Hospitais Civis de Lisboa de certo fim do Estado: administração da dívida pública, investigação científica apli-cada e fomento da cultura, ensino superior, assistência especializada, radiodifusão, obras públicas, reforma da estrutura agrária

4.2.8. Os institutos públicos são, pois, pessoas colectivas públicas do tipo institucional.

FREITAS DO AMARAL enuncia as seguintes cinco categorias de pessoas colectivas públicas (39)

"a) o Estado;
b) os institutos públicos;
c) as associações públicas;
d) as autarquias locais;
e) as regiões autónomas".


A economia do parecer dispensa-nos de definir as demais categorias de pessoas colectivas públicas.


5.

5.1. Estamos finalmente habilitados a responder à questão posta que consiste essencialmente em determinar o sentido exacto da expressão "instituto público autónomo" usada na Lei nº 9/90.

5.2. Como se pode concluir da exposição feita no capítulo anterior, a expressão em causa não se afigura correcta, constituindo mera redundância a inclusão do termo "autónomo".

É que, como se viu, os institutos públicos são pessoas distintas do Estado (ou outras pessoas colectivas públicas menores), isto é, têm personalidade jurídica própria. Daí serem autónomos (do Estado ou de qualquer outra pessoa colectiva pública).

A expressão "instituto público autónomo" aparece no texto alternativo elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias - cfr. ponto nº 2.3 -, na sequência da proposta do PSD no sentido de se alargar a disciplina do projecto aos "altos cargos públicos".

Não se conhecem os objectivos do uso dessa expressão, isto é, da inclusão do termo "autónomo".


Partindo do princípio de que o legislador (a Assembleia da República) lhe atribuiu algum significado, poderá (e deverá) o intérprete admitir que, ao usar-se tal expressão "autónomo" -, se pretendeu:

- excluir certos serviços públicos que, embora denominados "institutos públicos", não têm, efectivamente, personalidade jurídica, expressa ou implicitamente atribuída, nem consequentemente, qualquer autonomia, não sendo, assim, verdadeiros "institutos públicos", com o sentido corrente adoptado no presente parecer;

- englobar todos os institutos públicos - como pessoas colectivas de tipo institucional que são - que efectivamente tenham autonomia, mesmo que a sua personalidade jurídica não lhes tenha sido expressamente atribuída por lei, mas, sim, apenas resulte do facto de lhes terem sido atribuídos certos poderes que equivalem à outorga da qualidade de pes-soa jurídica (cfr. MARCELLO CAETANO, ponto 4.2.7).

Só nesse sentido poderá compreender-se a inclusão do termo "autónomo", que nada tem a ver com o grau e o tipo de "autonomia" - nomeadamente administrativa e ou financeira (40) - de que gozam tais "institutos públicos" ditos "autónomos".


De facto, não é o maior ou menor grau nem o tipo de autonomia que confere "autonomia" aos institutos públicos que, como se apontou - cfr. ponto nº 4.2.6 -, beneficiam sempre de autonomia administrativa (em maior ou menor grau), podendo dispor - e normalmente dispõem - de autonomia financeira.

E tendo em conta a razão de ser do regime instituído pela Lei nº 9/90 - como a seguir melhor se dirá -não se vê razão para distinguir: a simples autonomia administrativa poderá suscitar questões de isenção e imparcialidade no caso de acumulação de cargos ou de exercício cumulativo de outras actividades não permitido pelo referido diploma legal.

5.3.1 Vem questionado o sentido (conteúdo) do conceito "instituto público", usado no diploma em causa, "havendo quem defenda - diz-se - um sentido o mais restrito possível, que se aproximaria do de "serviço personalizado", designadamente pela circunstância de o artigo 1º da Lei nº 9/90 dele distinguir a empresa pública que - como se viu -, a doutrina costuma incluir no sentido mais amplo de instituto público".

Em causa, pois, um problema de interpretação da lei.

5.3.2. "A finalidade para que tende a actividade interpretativa é a descoberta do sentido real e verdadeiro do acto que se interprete" (41) .

Como se diz no artigo 9º do Código Civil, "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, ter ido sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada" (nº1); não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (nº2); devendo o intérprete presumir que "o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (nº3).

"Naturalmente, é de supor que o autor da lei, bom conhecedor que deve ser da língua portuguesa e da terminologia jurídica, terá procurado cuidadosamente as palavras mais adequadas para exprimir a norma de que se trata ou, em outros termos, terá sabido "exprimir o seu pensamento em termos adequados" (Código Civil, art. 9º, nº3) (42) .

"Por isso, o sentido da lei há-de buscar-se, antes de mais e principalmente, nas suas próprias palavras, as quais constituem o que habitualmente se designa por elemento textual ou elemento literal.


............................................................

"Além disso, as palavras podem ter, no plano gramatical, vários sentidos. Pode, inclusivamente, acontecer que, para além do seu sentido vulgar, possuam algum sentido técnico restrito a certo campo de actividade, como a engenharia, a química ou a mineração. Ora o sentido das palavras deve ser, em princípio, o que resulta do seu uso corrente. Salvo, é claro, quando se trate de termos que possuam um significado técnico e aos quais esses significado deverá ser de preferência atribuído.

............................................................

"Uma vez averiguado o sentido gramatical do texto da lei, o intérprete deverá ter em consideração os demais elementos que lhe servem de enquadramento e interessam à determinação do sentido real e último da disposição legal a interpretar. Os elementos a que pode recorrer para este efeito, podem ser algo variados (...).

"A doutrina costuma reduzi-los a três: o fim da lei, os seus antecedentes históricos e o respectivo enquadramento sistemático (...).

"Importa, em primeiro lugar, fazer uma averiguação tendente a saber qual é o fim (ratio legis) que se pretende obter com a criação da lei e sua subsequente manutenção em vigor. É o que se chama o seu elemento racional ou, melhor diríamos, elemento teleológico.

"(...) é necessário que a norma seja compreendida no sentido que melhor responde à consecução da finalidade que a partir dela se pretende obter (...).

............................................................

"Do fim da lei, que constitui o seu fundamento ou ratio leqis há que manter bem distinta a occasio legis que é a mera circunstância histórica de onde veio um impulso para a criação da lei (...).

............................................................


"O outro dos típicos elementos extra-literais ou extratextuais a que é necessário recorrer, é o elemento sistemático.

"Funda-se o recurso a este elemento, na circunstância de que um princípio jurídico não existe por si só, isoladamente, antes se encontrando ligado a vários outros de modo a constituírem todos eles um sistema [...].

............................................................


"[...] por fim, o elemento histórico, cuja importância não é difícil compreender. Efectivamente as normas não aparecem de um só jacto. Embora regulem, por vezes, relações novas, a verdade é que a novidade das relações e, portanto, das normas não é tão grande como à primeira vista possa parecer; ela inspira-se numa evolução jurídica e social que vem detrás e que obedece a determinadas tendências dominantes. Ora a análise dessas tendências ajuda a determinar o sentido das leis".

5.3.3. Deve reconhecer-se ser pouco esclarecedor, para os fins em causa, o elemento literal objecto de interpretação.

Tenha-se presente - cfr. o nº 4.2.1 - que o conceito "instituto público" surgiu na doutrina e na lei para abranger os "serviços personalizados do Estado" e outras espécies de institutos públicos, até ali incorrectamente incluídos no conceito de "serviços personalizados do Estado", exactamente as "fundações públicas" e as empresas públicas".

Mas, como se viu - cfr. nº 4.2.7 e nota (x1) -leis houve que usaram ambos os conceitos - "institutos públicos" e "serviços personalizados do Estado" - como sinónimos.

Por outro lado, há que ter em conta que alguns autores - como FREITAS DO AMARAL - distinguem dos "serviços personalizados do Estado" aquelas pessoas colectivas (institutos públicos) que qualificam de "estabelecimentos públicos", como as universidades públicas e os hospitais do Estado, v.g.

Pode assim dizer-se que o conceito "instituto público", no seu sentido corrente, abrange todas aquelas entidades - "serviços personalizados do Estado" , "fundações públicas", "empresas públicas" e, se lhes atribuirmos autonomia, os "estabelecimentos públicos".

A dúvida, no caso presente, surge, como se viu, pelo facto de o legislador, no mesmo preceito, ter distinguido os "institutos públicos" das "empresas públicas", o que parece sugerir que o conceito de "instituto público" foi usado em sentido mais restrito (43) .

Quererá isto dizer que o conceito "instituto público" foi usado como sinónimo de "serviço personalizado"?

Como se disse, a interpretação literal não nos esclarece minimamente, podendo muito bem atribuir-se ao referido conceito de "instituto público" um sentido mais amplo, por forma a abranger todas as espécies, já referenciadas, excepto as empresas públicas.

E não se estranharia tal solução. De facto as em-presas públicas têm sofrido enorme evolução, têm-se afastado - no seu regime - dos demais "institutos públicos", submetendo-se, em muitos aspectos, a regras de direito privado, em concorrência com as empresas privadas. E, nesta conjuntura, muitas das regras instituídas para os (demais) institutos públicos, não têm sido estendidas às empresas publicas (44), que vêm merecendo, pois, tratamento diferenciado.

Nesta conformidade, não será de estranhar que nos textos legais se comece a distinguir as empresas públicas dos demais institutos públicos, elaborando-se, mesmo, um novo conceito de "instituto público", sem as empresas públicas.

Não sendo, pois, elucidativos os resultados da interpretação literal (gramatical), deveremos passar ao elemento lógico, procurando, assim, conhecer o espírito da lei, o pensamento do legislador.


5.3.4. No elemento lógico há que distinguir, como, aliás, foi feito, três categorias de dados: os elementos racional, sistemático e histórico.

No caso em apreço sobrelevam, para a dilucidação da questão posta, o elemento racional (a razão de ser da lei) e o elemento histórico dos trabalhos preparatórios das Leis nºs 9/90 e 56/90). De facto:

Como se viu, o Projecto de Lei nº 278/V reportava-se apenas às incompatibilidades dos membros do Governo, visando assegurar a independência e a imparcialidade das decisões, evitar a colisão de interesses públicos e privados, assegurar uma absoluta dedicação às funções, enfim, a moralização da vida pública, com um mais eficaz funcionamento dos negócios públicos.

Alargado o projecto de lei aos altos cargos públicos - que já dispunham de um regime de incompatibilidades (Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro) - foram mantidos, também quanto a estes, os mesmos propósitos (cfr. o ponto nº 2.3): criar condições à realização da justiça, imparcialidade e dedicação no exercício dos cargos públicos, em suma, anular duplicidades funcionais no exercício da actividade pública, com as incompatibilidades e impedimentos previstos no texto do projecto, de que saiu a Lei nº 9/90.

A Lei nº 9/90 veio agravar o regime de incompatibilidades a que estavam sujeitos alguns dos titulares abrangidos pela referida lei..

O Projecto de Lei nº 524/V, que deu origem à Lei nº 56/90, manteve os propósitos da Lei nº 9/90, limitando-se a introduzir algumas correcções, essencialmente quanto ao universo dos titulares abrangidos pelo regime de incompatibilidades.

Tenha-se presente o que se escreveu no parecer nº 26/90 (cfr. ponto nº 3.6): com a sujeição dos altos cargos públicos ao regime da Lei nº 9/90 pretendeu-se contribuir para a dignificação do exercício do mandato dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, evitando a osmose entre o interesse público e privado, salvaguardando, assim, o interesse público como valor superior da colectividade.

Ora, assim sendo, não se vê como razoável - "acertado" - sujeitar a tal regime (apenas) os titulares de altos cargos nos "serviços personalizados" e não nos demais "institutos públicos" ("fundações públicas" e "estabelecimentos públicos", caso se reconheça a estes últimos autonomia relativamente aos "serviços personalizados"), sendo (ainda) certo que outras normas, outros preceitos (da mesma lei) sujeitam (também) a tal regime os titulares de altos cargos nas "empresas públicas" (presidentes e gestores).

Impõe-se, assim, concluir pela sujeição, ao referido regime, dos titulares de altos cargos em todos os "institutos públicos" e não apenas nos "serviços personalizados" o que, notoriamente, tem correspondência verbal na letra da lei.

5.3.5. Deve, pois, afastar-se uma interpretação restritiva dos preceitos em causa, elegendo o sentido corrente do conceito "instituto público", por forma a abarcar todas as suas espécies, salvo no que toca às empresas públicas, que têm uma previsão própria nesses preceitos legais.

Todas essas espécies de institutos públicos têm altos cargos com funções executivas (presidente ou vogais de direcção), merecedores do mesmo tratamento, independentemente da forma de designação dos seus titulares, da sua denominação concreta, e da forma de retribuição.

Como escreveu FREITAS DO AMARAL (45) :

"Os institutos públicos, como qualquer pessoa colectiva, aliás, são dirigidos por órgãos. Mesmo aqueles que, de origem estadual, menos autonomia possuem face ao Estado, mesmo esses, porque têm personalidade jurídica, são dirigidos pelos seus órgãos próprios, não são dirigidos pelo Governo.

............................................................


"No nosso direito, duma maneira geral, os institutos públicos são dotados dos seguintes tipos de órgãos dirigentes: em primeiro lugar, um presidente; depois, um órgão executivo chamado direcção, ou conselho administrativo, ou conselho de gerência, ou comissão executiva; e ainda uma assembleia deliberativa, chamada normalmente conselho geral, que reúne duas ou três vezes por ano para aprovar os planos, os orçamentos e as contas do organismo, bem como as suas grandes orientações; e, enfim, um órgão de controle, chamado conselho fiscal ou comissão de fiscalização.


"Destes vários órgãos dirigentes destaca-se muitas vezes, pela sua importância e autoridade, a figura do presidente - qualquer que seja a sua denominação concreta: presidente, director, reitor, Governador, etc.".


6.

Termos em que se conclui:

O conceito "instituto público autónomo", usado nas alíneas j) e l) do nº1 do artigo 1º da Lei nº 9/90, de 1 de Março, na redacção da Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, abrange, na sua previsão, todas as espécies de "institutos públicos" - "serviços personalizados", "fundações públicas" e "estabelecimentos públicos", independentemente do grau. e tipo de autonomia de que efectivamente disponham -, só não abrangendo as "empresas públicas" em virtude de estas estarem expressa e especificamente previstas nos mesmos preceitos legais.



NOTAS:

(x) Neste sentido: DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo" I, p. 320.

(X1) "A transição doutrinal deu-se na 8ª edição do "Manual de Direito Administrativo" do Prof. MARCELLO CAETANO: cfr. p. 341 e segs. Note-se, entretanto, que a LOSTA ainda falava umas vezes em serviços personalizados e outras em institutos públicos, sem distinguir (artigos 15º, nº1, e 17º)".

(1) A Lei nº 4/83 estabeleceu um regime de controle público da riqueza dos titulares de "cargos políticos". No parecer nº 29/87, de 29/7/87, publicado no "Diário da República", II Série, de 10/12/87, apreciou-se a situação dos membros do conselho directivo do Instituto Nacional de Habitação, organismo que não tem a natureza de empresa pública, pelo que aqueles não cabem na previsão do nº2 do artigo 9º da Lei nº 4/83, que equipara ao cargo político o de "gestor de empresas públicas".

(2) A Lei nº 4/85 estabeleceu o estatuto remuneratório dos titulares de "cargos políticos", equiparando, para esse efeito, o de Juiz do Tribunal Constitucional. Foram apreciadas as situações de Presidente da Comissão para a Integração Europeia (parecer nº 37/86, de 20/11/86, no "Diário da República", II Série, de 16/3/87), de Alto Comissário contra a Corrupção (parecer nº 96/90, de 6/12/90, não publicado), e de Governador de Macau (parecer nº 4/91, de 21/2/91, no "Diário da República", II Série, de 7/5/91).

(3) Foram apreciados, para os fins da Lei nº 9/90 ("Incompatibilidades de cargos políticos e altos cargos públicos") as situações de:
- Inspector-Geral de Finanças (equiparado a Director-Geral) e a acumulação desse cargo com o de vogal do Conselho Administrativo da Fundação da Casa de Bragança (parecer nº 26/90, de 28/7/90, não publicado);
- Directores-gerais e subdirector-geral e a acumulação desses cargos com os de Presidente da Comissão de Fiscalização da AGA, vogal do Conselho Fiscal da Trandingpor, e de assistente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, respectivamente (parecer nº 54/90,` de 11/10/90, publicado no "Diário da República", II Série, de 9/7/91);
- Director do ICIL - Instituto Clínico e Imunológico, Lda e possibilidade de os profissionais de saúde (do S.N.S.) celebrarem convenções para a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do S.N.S. (parecer nº 121/90, de 25/1/91, publicado no "Diário da República", II Série, de 4/6/91);
- Presidente da Câmara Municipal e possível incompatibilidade entre esse cargo e o de membro do Conselho Directivo do C.E.F.A/Centro de Estudos e Formação Autárquica (parecer nº 125/90; de 10/10/91, não publicado).

(4) Publicado no D.A.R., II Série, nº 91, de 9/7/88, págs. 1687/1688.

(5) Cfr. D.A.R., I Série, nº 14, de 18/11/88, págs. 356/357.

(6) Loc. cit., pág. 360.

(7) Loc. cit., pág. 375.

(8) D.A.R., II Série, nº7, de 19/11/88, pág. 46.

(9) D.A.R., I Série, nº56, de 31/3/89, págs. 1955 e segs.

(10) Loc. cit., pág. 1966.

(11) Loc. cit., pág. 1967.

(12) Loc. cit., pág. 1969.

(13) D.A.R., I Série, nº5, de 25/10/89, pág. 177.

(14) Cfr. D.A.R., II Série-A, nº8, de 9/12/89, pág. 236.

(15) Publicado no D.A.R., II Série-A, nº35, de 26/4/90, pág. 1199.

(16) Como se diz na declaração de voto do PSD, anexa ao parecer da Comissão - D.A.R., II Série-A, nº38, de 5/5/90, pág. 1273:
".........................................
C) O âmbito geral da aplicação da lei necessitou manifestamente de algum alargamento, por argumento de igualdade de razão (administrador de sociedades de capitais públicos, vogais de direcção de institutos públicos autónomos e subdirectores-gerais), e do esclarecimento de que não é aplicável a gestores em regime não executivo".

(17) D.A.R., I Série, nº 75, de 16/5/90, pág. 2515.

(18) D.A.R., II Série-A, nº 51, de 21/6/90.

(19) D.A.R., I Série, nº 89, de 22/6/90, pág. 3058.

(20) "Manual de Direito Administrativo", tomo II, Coimbra, 1983, págs. 720 a 722.
Cfr., entre outros, os pareceres deste Conselho Consultivo nºs 61/84, de 20 de Dezembro de 1984, 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, e 54/90, de 11 de Outubro de 1990, o primeiro publicado no "Diário da República", II Série, de 18/7/85, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 346, págs. 54 a 87, os restantes no "Diário da República", II Série, de 4/6/91, e 9/7/91, respectivamente.

(21) JOÃO ALFAIA, "Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público", vol. 1º, Lisboa, 1985, págs. 171 e segs.

(22) Parecer nº 100/82, de 22 de Julho de 1982, publicado no "Diário da República", II Série, de 25 de Junho de 1983, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 326, págs. 224 e segs.

(23) O nº 1 corresponde, sem alteração, ao nº 1 do artigo 269º do texto resultante da 1ª revisão constitucional e, com alteração, ao nº 1 do artigo 170º da versão originária. Os nºs 4 e 5 correspondem, sem alteração, aos nºs 4 e 5 do artigo 269º resultante da 1ª revisão e aos nºs 4 e 5 do artigo 270º na versão originária.

(24) Anotando este nº 5, escreveram J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ("Constituição da República Portuguesa anotada", 2ª edição, 2º vol., pág. 441):
"X. A prescrição do nº 5 traduz-se numa imposição legiferante de estabelecimento do sistema de incompatibilidades, de modo a garantir, não só o princípio da imparcialidade da administração (cfr. art. 266º-2), mas também o princípio da eficiência (boa administração). Trata-se de impedir o exercício de actividades privadas que, pela sua natureza ou pelo empenhamento que exijam, possam conflituar com a exclusiva dedicação ao interesse público ou com o próprio cumprimento dos horários e tarefas da função pública".

(25) Cfr. o parecer deste corpo consultivo nº 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, homologado em 21/5/90 e publicado no "Diário da República", II Série, nº 127, de 4/6/91.

(26) Este normativo não diverge, salvo quanto ao modo de expressão, do anterior, inserido pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro.

(27) Não importa à economia do parecer apontar o regime provisório fixado no artigo 8º da Lei nº 9/90, na redacção da Lei nº 56/90.

(28) "Curso de Direito Administrativo", vol. I, 1987, pág. 305.

(29) Sobre esta matéria cfr. MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", 10ª edição, 1980, tomo I, pág. 187.

(30) Págs. 311 e segs.

(31) Ob. cit., págs. 315 e segs.

(32) Ob. cit., págs. 320 e segs.

(33) Ob. cit., pág. 323.

(34) Ob. cit., pág. 324.
Não confundir "estabelecimentos públicos" com "associações públicas". Escreve FREITAS DO AMARAL - ob. cit., pág. 370:
"Podemos assim definir "associações públicas" como sendo as pessoas colectivas públicas, de tipo associativo, criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública.
"Notar-se-á a semelhança desta definição com a que mais atrás propusemos para identificar os institutos públicos - salvo num ponto: é que estes são pessoas colectivas públicas de tipo institucional, ao passo que as associações públicas correspondem ao tipo associativo.
"No mais, as características são idênticas: as associações públicas - tal como os institutos públicos - são pessoas colectivas públicas; são criadas para assegurar a prossecução de interesses públicos determinados (pessoas colectivas de fins singulares); e servem para administrar interesses públicos que são interesses do Estado, ou de outra pessoa colectiva pública, mas que a entidade titular decide transferir, por devolução de poderes, para um sujeito de direito diferente.

(35) Ob. cit., pág. 326.

(36) Ob. cit., págs. 331 e segs.

(37) Ob. cit., págs. 372 e segs.

(38) FREITAS DO AMARAL só desde há pouco tempo defende a referida divisão quadripartida dos institutos públicos - cfr. FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo e Ciência da Administração", 1978-79, vol. II, págs. 16 e segs.
No mesmo sentido, SÉRVULO CORREIA, "Noções de Direito Administrativo", 1982, pág. 148, ao escrever: "Parece-nos manter actualidade a classificação dos institutos públicos feita por MARCELLO CAETANO - em serviços personalizados propriamente ditos, fundações públicas e empresas públicas".

(39) Ob. cit., pág. 589. E acrescenta a pág. 590:
"O regime jurídico das pessoas colectivas públicas não é um regime uniforme, não é igual para todas elas: depende da legislação aplicável. No caso das autarquias locais, todas as espécies deste género têm o mesmo regime, definido basicamente na CRP, na LAL e no CA. Mas já quanto aos institutos públicos e associações públicas, o regime varia muitas vezes de entidade para entidade, conforme a respectiva lei orgânica. Deste modo, quando pretendemos saber qual é o regime aplicável a uma certa pessoa colectiva pública, não nos podemos basear apenas nos traços gerais que a doutrina enumera: temos de estudar concretamente a legislação aplicável a essa pessoa colectiva".

(40) SÉRVULO CORREIA - "Noções de Direito Administrativo", vol. I, Editora Danúbio, Lda., pág. 190 - diz poderem a pessoas colectivas públicas diferentes do Estado "gozar", cumulativa ou isoladamente, de diversas formas de autonomia: autonomia política, autonomia de orientação, autonomia normativa, autonomia administrativa e autonomia financeira". E define assim as duas últimas, aqui mais em causa:
"A autonomia administrativa é o poder conferido aos órgãos de uma pessoa colectiva pública de praticar actos administrativos definitivos, que serão executórios desde que obedeçam a todos os requisitos para tal efeito exigidos por lei".
"A autonomia financeira é a titularidade de receitas próprias aplicáveis livremente segundo orçamento privativo às despesas ordenadas por exclusiva autoridade dos órgãos da pessoa colectiva".

(41) J. DIAS MARQUES, "Introdução ao Estudo do Direito", 1979, pág. 177.

(42) Ob. cit. págs. 155 e segs.


(43) Por vezes o legislador é mais cauteloso. Por exemplo, no artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro - tal como no antecedente Decreto-Lei nº 44/84, de 3 de Fevereiro -, o legislador distingue os "organismos de coordenação económica" e os "demais institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos". Aqui, como se vê, o conceito "serviço personalizado" é usado como espécie do género "instituto público" e não como sinónimo.

(44) Cfr. nota anterior. O Decreto-Lei nº 498/88 instituiu os princípios gerais enformares do recrutamento e selecção de pessoal e do processo de concurso para os quadros dos serviços ou organismos da administração pública regime que não foi estendido às empresas públicas.

(45) "Direito Administrativo e Ciência da Administração", ob. cit., pág. 21.
Anotações
Legislação: 
L 9/90 DE 1990/03/01 ART1 J ART2 ART3 ART4.
L 56/90 DE 1990/09/05.
CONST76 ART120 N2 ART269 N1.
DL 184/89 DE 1989/06/02 ART12.
DL 323/89 DE 1989/10/26 ART1 N1 ART2 N1 ART9.
DL 427/89 DE 1989/12/07 ART1 ART31 ART32.
CCIV66 ART9.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR CONST * ORG PODER POL.
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