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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
54/1990, de 11.10.1990
Data do Parecer: 
11-10-1990
Número de sessões: 
2
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Comércio e Turismo
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
INCOMPATIBILIDADE FUNCIONAL
CARGO PUBLICO
PESSOAL DIRIGENTE
PRINCIPIO DA EXCLUSIVIDADE
PROFISSÃO
ACTIVIDADE PROFISSIONAL
DINHEIROS PUBLICOS
FISCALIZAÇÃO
ACTIVIDADE PRIVADA
FUNÇÃO PUBLICA
Conclusões: 
1 - O conceito "actividade profissional" previsto na alinea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90, de 1 de Março (alterada pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro), circunscreve-se as actividades profissionais privadas;
2 - Entende-se por actividade de "função publica" a que alude o citado artigo 2º, alinea a), da Lei nº 9/90, a que e desenvolvida no ambito da administração central do Estado, incluindo os seus serviços personalizados e os fundos publicos, e da administração publica local e regional;
3 - A excepção ao regime de incompatibilidades relativa a participação dos titulares de cargos politicos e de altos cargos publicos em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros orgãos colegiais, prevista no artigo 4º, nº 3, da Lei nº 9/90 pressupõe que tais orgãos estejam previstos em lei especial e que a actividade neles desenvolvida se traduza em fiscalização ou controlo de dinheiros publicos;
4 - O referido conceito "dinheiros publicos" abrange os investimentos de capital que o Estado realize no sector empresarial, no ambito da sua intervenção economica;
5 - Os directores-gerais do Comercio Interno - Lic. (...) -, e da Concorrencia e Preços - Lic. (...) exercem, na empresa publica AGA - Administração Geral do Açucar e do Alcool - EP e na empresa de capitais maioritariamente publicos Trandingpor - Empresa de Comercio Externo de Portugal, SA, as funções de presidente da Comissão de Fiscalização e de vogal do Conselho Fiscal, respectivamente;
6 - A Comissão de Fiscalização da "AGA" esta prevista em lei especial artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78, de 14 de Fevereiro - e o Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR" consta de escritura publica;
7 - A actividade remunerada, susceptivel de ser exercida para alem do trienio, com caracter de regularidade, que aqueles directores-gerais desenvolvem na Comissão de Fiscalização da "AGA" e no Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR", respectivamente, integra o aludido conceito de actividade profissional privada, traduzindo-se na fiscalização e/ou controlo de dinheiros publicos;
8 - O exercicio cumulativo, por banda dos Lics. (...) e (...), dos cargos de director-geral do Comercio Interno e de presidente da Comissão de Fiscalização da "AGA" e de director-geral da Concorrencia e Preços e de vogal do Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR", respectivamente, e abrangido pela incompatibilidade prevista na alinea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90;
9 - A acumulação de cargos por banda do Lic. (...) e, porem, permitida, contrariamente ao que ocorre em relação ao Lic. (...), de harmonia com a excepção prevista no artigo 4º, nº 3, da Lei nº 9/90;
10- O Lic. (...) não está, no entanto ate ao termo do mandato em curso relativo ao cargo de director-geral da Concorrencia e Preços, nos termos do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 9/90, sujeito ao referido regime de incompatibilidade;
11- O subdirector-geral da Concorrencia e Preços - Lic. (...) - exerce, no Instituto Superior de Ciencias Sociais e Politicas da Universidade Tecnica de Lisboa, uma actividade remunerada de ensino superior;
12- A acumulação referida na conclusão anterior não e proibida seja pelo Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, seja pela Lei nº 9/90.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro do Comércio e Turismo,

Excelência


I

1. Os licenciados JOSÉ MANUEL DOS SANTOS CORREIA TAVARES, JOÃO EDUARDO PINTO FERREIRA e JOSÉ ADELINO EUFRÁSIO DE CAMPOS MALTEZ, directores-gerais do Comércio Interno e de Concorrência e Preços e Subdirector-Geral de Concorrência e Preços, requereram a V.Exª, em 27, 29 e 29 de Junho de 1990, com base na Lei nº 9/90, de 1 de Março (primitiva redacção), a exoneração do cargo de presidente da Comissão de Fiscalização da AGA - Administração Geral do Açúcar e do álcool-Ep, a cessação da função de vogal do Conselho Fiscal de Trandingpor-Empresa de Comércio Externo de Portugal, SA, se fosse entendida a incompatibilidade, e a exoneração do cargo de Subdirector-Geral da Concorrência e Preços a partir do momento em que se verificasse a incompatibilidade formal com a de assistente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, respectivamente.
2. O lic. José Tavares afirmou, a título de fundamentação da sua pretensão, haver sido nomeado, em 6 de Outubro de 1989, para desempenhar, em comissão de serviço, o cargo de Director-Geral do Comércio Interno, que exerce, e que tem vindo a desenvolver, na sequência de despacho, de 24 de Janeiro de 1989, dos Secretários de Estado do Tesouro e Finanças e do Comércio Interno, as funções de presidente da Comissão de Fiscalização de AGA, bem como na respectiva incompatibilidade.
O lic. João Ferreira alegou exercer as funções de Director Geral da Concorrência e Preços e haver sido eleito, através do Instituto de Participações do Estado, por indicação do então Secretário de Estado do Comércio Interno, em Assembleia Geral de 16 de Março de 1988, vogal do Conselho Fiscal da Trandingpor, onde substituiu o Engenheiro António Faco Viana Festas, ao tempo Subdirector-Geral do Comércio Externo.
O lic. José Maltez referiu, por seu turno, que exerce o cargo de Subdirector-Geral da Concorrência e Preços, em regime de acumulação com as funções de assistente convidado do ISCSP, a título não gratuito, mas de acordo com as regras financeiras do regime de acumulação.
3. V.Exª expressou, a propósito do requerimento do lic. José Tavares, o seguinte entendimento:
"3 ..................................................
Será que, na economia do diploma esta acumulação é lícita?
Tenho, para mim, que a resposta tem de ser afirmativa: o Dr. José Tavares pode, enquanto DGCE, acumular com a presidência da CF/AGA,EP.
Com efeito, os directores-gerais são autorizados, pela excepção contida no texto transcrito (nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90, de 1 de Março) a participar em comissões de fiscalização desde que previstas na lei: pressupondo um legislador normalmente culto e que sabe transcrever em palavras o seu pensamento, o termo "previstos" utilizado pela lei tem de reportar-se ao conjunto "conselhos consultivos, comissões de fiscalização e outros organismos colegiais" - não podendo, de acordo com as normas de correcta gramática, articular com "participação", e, por outro lado, é óbvio que a presença de um alto funcionário de Administração no órgão de fiscalização de uma EP (como é a AGA) obedece ao escopo da parte final do preceito.
Creio, assim, que nada na lei impõe a exoneração do Sr. DGCE do cargo de presidente da CF/AGA".
No que concerne à pretensão dos lics. João Ferreira e José Maltez, referiu V.Exª que "as questões suscitadas pelos requerentes têm alguma especialidade relativamente às emergentes do requerimento do Sr. DGCI...: é que a empresa de cujo Conselho Fiscal o Sr. DGC e P faz parte não é uma EP; e, quanto ao Sr. Sub.DGC e P, o problema que levanta é o de ser ou não equiparável, para efeitos da Lei 9/90, a Director Geral".
4. V. Exª. solicitou à Procuradoria-Geral da República parecer urgente sobre as aludidas questões; e cumpre emiti-lo.

II

O objecto da consulta circunscreve-se à questão de saber se é ou não é legalmente acumulável, à luz da Lei nº 9/90, de 1 de Março, o exercício dos cargos de:
- Director-Geral do Comércio Interno e de presidente da AGA;
- Director-Geral da Concorrência e Preços e de vogal do Conselho Fiscal da Trandingpor;
- Subdirector-Geral da Concorrência e Preços e de assistente do ISCSP.
A situação de acumulação de cargos em apreço evoluiu, em razão da alteração da Lei nº 9/90 pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, entre o tempo da consulta e a actualidade. A resposta às questões suscitadas terá, naturalmente, em linha de conta, a referida alteração legislativa.
A solução das referidas questões pressupõe a análise da natureza das funções que os lics. José Tavares, João Ferreira e José Maltez exercem, em acumulação com o cargo de Director-Geral do Comércio Interno, Director-Geral da Concorrência e Preços e de Subdirector-Geral da Concorrência e Preços, respectivamente, bem como do regime jurídico relativo à acumulação de cargos e incompatibilidades.
Não se justifica, considerando a natureza do tema da consulta, o desenvolvimento exaustivo do pretérito regime legal das acumulações e incompatibilidades, aliás já operado, por várias vezes, por este corpo consultivo (1.
Como não vem posta em causa, na consulta em apreço, a legalidade da referida acumulação de funções à luz do normativo anterior à vigência da Lei nº 9/90, no regime de incompatibilidades por esta instituído se centrará, sobretudo, a nossa análise.
Far-se-á, porém, para caracterizar a recente evolução desta problemática, uma breve referência não só à normação constitucional pertinente, como também à dos Decretos-Leis nºs 184/89, de 2 de Junho, 323/89, de 26 de Setembro e 427/89, de 7 de Dezembro, que se reportam aos princípios gerais em matéria de emprego público, à remuneração e gestão do pessoal da função pública, ao estatuto do pessoal dirigente da função pública e à definição do regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, respectivamente (2.

III

1. MARCELLO CAETANO definiu incompatibilidade como a "impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou que se encontre em algumas das situações, públicas ou particulares, enumeradas na lei".

Depois de afirmar que as incompatibilidades ou são comuns a todas as funções públicas ou especiais de certo cargo ou função, classificou-as aquele autor em naturais e morais por um lado, e absolutas e relativas por outro.
Definiu incompatibilidades naturais "as que resultam da impossibilidade material de desempenhar simultaneamente dois cargos ou duas actividades dentro das mesmas horas de serviço, em diferentes localidades ou dentro da mesma hierarquia", e, morais, "as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados em cuja dependência se encontrasse, em virtude de prestar serviços remunerados a particulares ou por estar ligado por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos, para seu proveito pessoal".
Caracterizou, finalmente, as incompatibilidades absolutas e relativas, respectivamente, como sendo "as que não podem ser removidas, forçando o funcionário a optar por um dos cargos incompatíveis", e "as que podem ser removidas mediante obtenção de autorização, dada pela autoridade competente, para o exercício dos dois cargos ou de um cargo e de uma actividade privada ..." (3.
As normas que provêem sobre incompatibilidades funcionais em relação aos titulares de cargos políticos e da administração pública, cominam-lhes deveres de natureza negativa que constituem limites à acumulação. Se a incompatibilidade não for legalmente susceptível de remoção, vedada está a possibilidade de acumulação (4.
A motivação das normas legais sobre incompatibilidades relativas ao exercício de cargos assenta, fundamentalmente, na ideia de que duas ou mais funções não podem ser exercidas, convenientemente, pela mesma pessoa.
A este propósito referiu-se, em parecer deste corpo consultivo: "pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a normalidade, objectividade e serenidade que lhe deve imprimir o cariz indiscutível do interesse geral e que mais não é do que a afloração, no Estado democrático de direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de confronto entre o interesse próprio, de natureza pessoal, e o interesse do Estado ou dos entes públicos que representam e lhes cumpre defender"(5.
2.O artigo 269º da Constituição da República Portuguesa estabelece, a propósito de acumulação e incompatibilidades, o seguinte:

"1. No exercício das suas funções, os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
.....................................................
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e de outras actividades" (6.
O referido normativo constitucional não proíbe, em absoluto, seja a acumulação de cargos públicos seja a acumulação de cargos públicos com actividades privadas. Estabelece, tão só, no que concerne à acumulação dos cargos públicos, que a regra é a proibição e a permissão a excepção, deixando para à lei ordinária o estabelecimento do regime legal das acumulações e incompatibilidades.
3. O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, sanciona, com suspensão, os funcionários e agentes que "exercerem por si ou por interposta pessoa, sem prévia participação ou autorização do superior hierárquico - estando obrigados a fazê-la ou a obtê-la -, actividades privadas", e com a pena de inactividade os funcionários e agentes que, "salvo nos casos previstos na lei, acumularem lugares ou cargos públicos ou exercerem, por si ou por interposta pessoa, actividades privadas,depois de ter sido reconhecida, em despacho fundamentado do dirigente do serviço,a incompatibilidade entre essa actividade e os deveres legalmente estabelecidos" (artigos 24º, nº 1, alínea c), e 25º, nº 2, alínea d)).
4. Do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, que, como já se referiu, versa sobre os princípios gerais em matéria de emprego público, remuneração e gestão do pessoal da função pública, importa considerar o que estatui, com algum relevo para o caso em apreço, sob a epígrafe "princípio da exclusividade de funções", o seu artigo 12º.
É o seguinte o seu conteúdo normativo:
"1. O exercício de funções públicas é norteado pelo princípio da exclusividade.
2. Não é permitida a acumulação de cargos ou lugares na Administração Pública, salvo quando devidamente fundamentada em motivo de interesse público, nas seguintes situações:
a) Inerência de funções;
b) Actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade principal;
c) Actividades docentes em estabelecimento de ensino cujo horário seja compatível com o exercício dos cargos.
3. O exercício de funções na Administração Pública é incompatível com o exercício de quaisquer outras actividades que:
a) Sejam consideradas incompatíveis por lei;
b) Tenham um horário total ou parcialmente coincidente com o do exercício da função pública;
c) Sejam susceptíveis de comprometer a regularidade exigida pelo interesse público no exercício de funções públicas.
4. A acumulação de cargos ou lugares na Administração Pública bem como o exercício de outras actividades pelos funcionários e agentes do Estado dependem de autorização, nos termos da lei".
O nº 1 deste artigo constitui mera concretização do princípio da exclusividade constante do artigo 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
O nº 2 mantém a regra proibitiva de acumulação de cargos públicos, constante do nº 4 do referido artigo 269º da Constituição, e estabelece as situações de excepção.
O nº 3 concretiza, enquanto prevê as situações de incompatibilidade relativamente ao exercício de funções na administração pública e fora dela, a previsão do nº 4 do artigo 269º da Constituição.
O referido dispositivo não inviabiliza, em absoluto, a acumulação de funções públicas correspondentes a cargos diversos nem de funções públicas e privadas. O nº 4 faz depender a acumulação de autorização (7.
5. O Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro, veio, por seu turno, dispor sobre o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local do Estado, regional e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos (artigo 1º, nº 1).
Os nºs. 1 e 2 do artigo 2º do citado Decreto-Lei nº 323/89 estabelecem, sob a epígrafe "Pessoal e cargos dirigentes", o seguinte:
"1. Considera-se dirigente o pessoal que exerce actividades de direcção, gestão, coordenação e controlo nos serviços ou organismos públicos referidos no artigo anterior.
2. São considerados cargos dirigentes os de director-geral, secretário-geral, inspector-geral, subdirector-geral, director de serviços e chefe de divisão, bem como os cargos a estes legalmente equiparados" (8.
Importa aqui salientar, face aos preceitos legais transcritos, que os cargos de director-geral e de subdirector-geral são legalmente qualificados de dirigentes.
O artigo 9º daquele Decreto-Lei nº 323/89 estabelece, por seu turno, sobre a epígrafe "Regime de exclusividade":
"1. O pessoal dirigente exerce funções em regime de exclusividade, não sendo permitido, durante a vigência da comissão de serviço, o exercício de outros cargos ou funções públicas remunerados, salvo os que resultem de inerências ou de representação de departamentos ministeriais ou de serviços públicos e bem assim do exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
2. O disposto no número anterior não abrange as remunerações provenientes de:
......................................................
c) Actividade docente em instituições de ensino superior, não podendo o horário em tempo parcial ultrapassar um limite a fixar por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação;
.....................................................
e) Participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei e no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
3. Não é permitido o exercício de actividades privadas pelos titulares de cargos dirigentes, ainda que por interposta pessoa, excepto em casos devidamente fundamentados, autorizados pelo membro do Governo competente, o qual só será concedido desde que a mesma actividade não se mostre susceptível de comprometer ou interferir com a isenção exigida para o exercício dos mencionados cargos.
...................................................".
6. Entre os artigos 12º do Decreto-Lei nº 184/89 e o ora transcrito artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89 decorre uma relação de generalidade-especialidade. Enquanto aquele normativo se reporta à exclusividade relativa ao exercício da função pública em geral, ou seja quanto à generalidade dos funcionários ou agentes, este versa sobre tal matéria apenas em relação ao pessoal dirigente da função pública.
O nº 1 do citado artigo 9º consagra a regra da proibição da acumulação de cargos públicos, e prevê as situações de excepção, que o nº 2 amplia.
O nº 3 consagra a regra geral de proibição da acumulação de cargos públicos com actividades privadas, mas prevê excepções de exercício justificado e autorizado pelo membro do Governo competente.
O nº 4 sanciona a violação do regime de incompatibilidades, com a decisão da cessação da comissão de serviço.
7. Vejamos agora qual o conteúdo funcional genérico dos cargos de director-geral e de subdirector-geral a que se reporta o objecto da consulta.
Compete ao director-geral "superintender em todos os serviços da sua direcção-geral, assegurar a unidade de direcção, submeter a despacho os assuntos que careçam de resolução superior, representar o serviço e exercer as competências que lhe houverem sido delegadas ou subdelegadas, administrar os recursos humanos e materiais na linha geral da política definida pelo Governo, participar na elaboração das políticas governamentais, na parte correspondente ao sector a seu cargo, criando e canalizando as informações para a sua definição, dirigir, organizar e coordenar os meios para a respectiva execução, controlar os resultados sectoriais, responsabilizando-se pela sua produção de forma adequada aos objectivos prosseguidos" (artigo 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 353/89, e mapa I anexo).
Ao subdirector-geral compete, por seu turno, "substituir o director-geral durante as suas faltas ou impedimentos, exercer as competências que lhe foram delegadas pelo membro do Governo competente ou delegadas ou subdelegadas pelo director-geral, bem como as que lhe forem expressamente cometidas pelo diploma orgânico do respectivo serviço ou organismo, colaborar na execução das políticas governamentais afectas às actividades sob a sua responsabilidade e coordenar actividades internas da direcção-geral" (artigo 11º, nº 4, do Decreto-Lei nº 353/89 e mapa I anexo).
8. O Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, assaz conexionado com o citado Decreto-Lei nº 184/89, veio estabelecer, como já se apontou, sobre o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 1º).
Importa destacar do âmbito do referido diploma, por se reportarem ao regime de acumulação de funções públicas e públicas e privadas, os artigos 31º e 32º.
Dispõe o citado artigo 31º:
"1. Não é permitida a acumulação de funções ou cargos públicos remunerados, salvo quando devidamente fundamentada em motivo de interesse público e no disposto nos números seguintes.
2. Há lugar à acumulação de funções ou cargos públicos nos seguintes casos:
a) Inerências;
b) Actividades de representação de departamentos ministeriais ou serviços públicos;
c) Actividades de carácter ocasional e temporário que possam ser consideradas complemento do cargo ou função;
d) Actividades docentes, não podendo o respectivo horário ultrapassar o limite a fixar em despacho conjunto dos Ministros das Finanças e Educação.
3. O disposto no nº 1 não é aplicável às remunerações provenientes de:
a) Criação artística e científica, realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras de idêntica natureza;
b) Participação em comissões ou grupos de trabalho quando criados por resolução ou deliberação do Conselho do Ministros;
c) Participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais, quando previstas na lei e no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
4. A acumulação prevista nas alíneas b) e c) do nº 2 é autorizada por despacho do membro do Governo competente.
5. No caso previsto na alínea d) do nº 2, a acumulação depende de requerimento do interessado e só pode ser autorizada se o horário a praticar como docente for compatível com o que competir ao cargo ou função principal.
6. É permitida a acumulação de cargos públicos não remunerados quando fundamentada em motivos de interesse público.

O artigo 32º estabelece, por seu turno:
"1. O exercício em acumulação de actividades privadas carece de autorização prévia do membro do Governo competente, a qual pode ser delegada no dirigente máximo do serviço.
2. O disposto no nº 1 não abrange a criação artística e literária e a realização de conferências, palestras, acções de formação de curta duração e outras actividades de idêntica natureza.
3. A autorização referida no nº 1 só pode ser concedida se se verificaram as seguintes condições:
a) Se a actividade a acumular não for legalmente considerada incompatível;
b) Se os horários a praticar não forem total ou parcialmente coincidentes;
c) Se não ficarem comprometidas a isenção e a imparcialidade do funcionário ou agente no desempenho de funções;
d) Se não houver prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
4. A recusa de autorização para o desempenho de funções públicas em acumulação com actividades privadas, carece de fundamentação, nos termos gerais".
9. É diverso, como foi salientado em recente parecer deste corpo consultivo, o regime de acumulação e de incompatibilidade no exercício de funções no âmbito da administração pública previsto nos Decretos-Leis nº 184/89 e 427/89 (9.
A norma revogatória do artigo 45º do Decreto-Lei nº 427/89 não abarcou qualquer normativo do Decreto-Lei nº 184/89. Mas como o artigo 12º do Decreto-Lei nº 184/89, por um lado, e os artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, por outro, estabelecem, afinal, sobre o regime de acumulação e de incompatibilidade relativo ao mesmo universo de funcionários e agentes da administração pública, importa concluir que o conteúdo do referido artigo 12º do Decreto-Lei nº 184/89 foi objecto de revogação tácita pelo disposto nos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89 (artigo 7º, nº 2, do Código Civil).
O regime de acumulação e de incompatibilidade do pessoal dirigente da função pública, previsto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, não coincide com o que é objecto do citado Decreto-Lei nº 427/89, diversidade naturalmente justificada em razão das exigências relativas ao conteúdo funcional respectivo e à preparação de quem, em termos de execução, o assume.
A norma revogatória do citado artigo 45º do Decreto-Lei nº 427/89 também não abrangeu o artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89.
Entre o regime de acumulação e de incompatibilidade de funções previsto nos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, cujo universo subjectivo de aplicação é extensivo à generalidade de funcionários e agentes da Administração Pública, e o previsto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, só aplicável ao pessoal dirigente da Função Pública, também decorre, tal como ocorre entre o dos artigos 12º do Decreto-Lei nº 184/89 e 9º do Decreto-Lei nº 323/89, uma relação de generalidade-especialidade.
O normativo legal geral não revoga o especial, salvo se outra por a intenção inequívoca do legislador (artigo 7º, nº 3, do Código Civil).
Não se vislumbra, do cotejo da normação do Decreto-Lei nº 427/89, a intenção do legislador de revogar o estatuído no artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89.
Propendemos, por isso, a concluir pela coexistência, nesta sucessão de leis no tempo, dos regimes jurídicos diversos de acumulação e de incompatibilidade no exercício de funções na Administração Pública do artigo 9º do Decreto-lei nº 323/89, aplicável ao pessoal dirigente ou equiparado e do dos artigos 31º e 32º do Decreto-Lei nº 427/89, aplicável aos restantes funcionários e agentes da Administração Pública.
10. O artigo 120º da Constituição da República Portuguesa, na versão resultante da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, que se reporta ao estatuto dos titulares de cargos políticos, estabelece, sob o nº 2, que "A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades (10.
Até à publicação da Lei nº 9/90, de 1 de Março, inexistia a definição do regime de incompatibilidades no exercício de cargos políticos, a que o citado nº 2 da Constituição da República Portuguesa se refere.
11. A Lei nº 9/90, de 1 de Março, na primitiva redacção derivou, mediatamente do Projecto de Lei nº 277/V, apresentado pelo Partido Socialista, que visava apenas, na concretização do estatuído no citado nº 2 do artigo 120º da Constituição da República Portuguesa, a disciplina dos "deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades" (11.
O deputado socialista Alberto Martins referiu, ao apresentar o aludido projecto de lei, o seguinte:
"Ao tomar a iniciativa deste projecto de lei, o PS não faz mais do que corresponder à necessidade de salvaguarda do princípio da separação entre órgãos de soberania, à garantia de imparcialidade das decisões por parte do Governo - qualquer que ele seja -, ao evitar da colisão entre os interesses público e privado e à salvaguarda da acumulação indevida de cargos e funções ou do seu exercício em prejuízo do interesse colectivo.
"É, em todo o caso, finalmente, a prossecução do objectivo essencial da moralização de vida pública na consciência precisa de que a democracia é o poder do povo pelos representantes do povo, mas é ao mesmo tempo uma protecção do povo contra os abusos que podem cometer os governantes eleitos (12.
"Ao salvaguardarmos este regime, demos resposta, desde logo, tal como no que se refere às incompatibilidades dos deputados, ao princípio da separação funcional de poderes entre órgãos de soberania, evitando a osmose entre o interesse público e o privado, e, consequentemente, à salvaguarda do interesse público como valor superior da colectividade.
E são as incompatibilidades e impedimentos de quaisquer actividades profissionais, a integração de corpos sociais de empresas concessionárias de serviços públicos e a detenção de partes sociais superiores a 10% o núcleo essencial que visa anular duplicidades funcionais no exercício da actividade pública" (13.
12. A Lei nº 9/90 veio também a integrar, sob proposta do Partido Social Democrata, a disciplina de incompatibilidades dos altos cargos públicos.
O deputado Alberto Martins salientou então, a propósito do alargamento do âmbito da aplicação do projecto-lei: "O sentido das soluções reconduz-se ao inicial e todos eles radicam no objectivo essencial de criar condições à realização da justiça, imparcialidade e dedicação ao exercício dos cargos públicos e,nesta vertente, garantir o princípio da igualdade dos cidadãos face à Administração Pública e aos órgãos de soberania" (14.
Carlos Encarnação, deputado social-democrata, afirmou a título de justificação da proposta de alargamento do seu Partido:
"O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata não podia deixar de aproveitar a oportunidade que os projectos do Partido Socialista ofereceram para se disponibilizar a um trabalho aprofundado sobre este assunto. E foi também, assim que na Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias conseguimos propor textos alternativos que vieram, na sua maior parte, a beneficiar do consenso de todos. Estava essencialmente em causa a questão de limitar ou de abrir o conjunto de abrangidos pelas incompatibilidades. Sem qualquer hesitação ou dúvida o PSD optou pela segunda hipótese de trabalho" (15.
13. Vejamos agora a normação da Lei nº 9/90, de 1 de Março, anterior à alteração que lhe foi introduzida pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, que releva na economia do parecer.
Dispunha o artigo 1º, no que concerne ao âmbito do universo dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos:
"1 - São considerados titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, para os efeitos da presente lei:
a) Primeiro-Ministro e membro do Governo;
b) Ministro da República para as regiões autónomas;
c) Membro do governo regional;
d) Alto-comissário contra a Corrupção;
e) Membros da Alta Autoridade para a Comunicação Social;
f) Governador e vice-governador civil;
g) Governador e secretário adjunto do governador de Macau;
h) Presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;
i) Governador e vice-governador do Banco de Portugal;
j) Gestor público ou presidente de instituto público autónomo;
k) Director-geral ou equiparado.
2 - São equiparados a titulares de altos cargos públicos todos aqueles cuja nomeação, assente no princípio da livre designação pelas entidades referidas nos números anteriores, se fundamente em razões de especial confiança ou responsabilidade e como tal sejam declarados por lei".
O artigo 2º estabelece, por seu turno, relativamente a incompatibilidades:
"A titularidade dos cargos enumerados no artigo antecedente implica, durante a sua pendência, para além das previstas na Constituição, as seguintes incompatibilidades:
a) O exercício remunerado de quaisquer outras actividades profissionais ou de função pública que não derive do seu cargo e o exercício de actividades de representação profissional;
b) A integração em corpos sociais de empresas ou sociedades concessionárias de serviços públicos, instituições de crédito ou parabancárias, seguradoras, sociedades imobiliárias ou quaisquer outras empresas intervenientes em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
c) O desempenho de funções em órgão executivo de fundação subsidiada pelo Estado;
d) A detenção de partes sociais de valor superior a 10% em empresas que participem em concursos públicos de fornecimento de bens ou serviços no exercício de actividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público".
O artigo 4º traçava, entretanto, a excepção à proibição constante do artigo 2º, nos termos seguintes:
"1 - As actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início de funções referidas no artigo 1º não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º, salvo a participação superior a 10% em empresas que contratem com a entidade pública na qual desempenhe o seu cargo.
2 - Não se consideram sujeitos ao regime de incompatibilidade e impedimentos previstos nos artigos anteriores os docentes do ensino superior e os investigadores científicos ou similares que exerçam a título gratuito as suas funções.
3 - O disposto na presente lei não exclui a possibilidade da participação das entidades referidas na alínea k) do nº 1 do artigo 1º em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei e no exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
4 - Não é excluída a possibilidade de o gestor de empresa pública ou empresa de capitais maioritariamente públicos desempenhar funções em órgãos sociais de empresas a ela associadas".
14. Afirmou-se, em recente parecer deste corpo consultivo, no domínio da interpretação da primitiva normação da Lei nº 9/90, relativamente às razões que determinaram a previsão das incompatibilidades de altos cargos públicos a par dos cargos políticos:
"Subjacente a este alargamento, continuou a estar a preocupação de evitar, também para os altos cargos públicos, a colisão entre os interesses público e privado, mediante a interdição da acumulação indevida de cargos e outras actividades profissionais ou funções, através do seu exercício em prejuízo do interesse colectivo. Pretende-se - e essa é a "ratio" da lei -, contribuir para a dignificação do exercício do mandato dos titulares dos cargos políticos e de altos cargos públicos, "evitando a osmose entre o interesse público e privado" e salvaguardando, assim, o interesse público como valor superior de colectividade" (16 .
15. O Partido Social Democrata apresentou na Assembleia da República, ainda antes do início da vigência da Lei nº 9/90, o projecto de Lei nº 524/V, com vista à sua alteração (17 .
Aquele Partido expressou, relativamente a tal projecto de lei, a seguinte motivação:
"1 - A Lei nº 9/90, de 1 de Março, que aprovou o novo regime de incompatibilidade de cargos políticos e altos cargos públicos, constitui um passo muito relevante na política de transparência, isenção e rigor que deve reger o exercício de tais cargos, quer pela dignificação das funções que ao Estado estão cometidas, quer pela salvaguarda do prestígio e da independência dos respectivos titulares. Reconhece-se, no entanto, que nem sempre a forma externa das normas reflectiu suficientemente bem a verdadeira intenção do legislador, pelo que, sem se pôr em causa a evidente bondade material das mesmas, se afigura necessário proceder a alguns ajustamentos formais, de modo que a letra da lei não induza a situações equivocas. Na verdade, nalguns casos pontuais, a lei peca simultaneamente por defeito e por excesso, havendo assim que delimitar correctivamente tais situações.
2 - Ao incluir os directores-gerais no âmbito dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, a Lei nº 9/90, de 1 de Março, inibiu-os de exercer qualquer outra actividade remunerada, de natureza pública ou privada, com excepção das que derivam do seu cargo e das que derivam da representação profissional.
Com esta norma, a Lei nº 9/90 afastou o regime que pouco tempo antes tinha sido definido no Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, que aprovou o estatuto do pessoal dirigente da função pública, e que coincidia, no essencial, com aquele que vinha vigorando desde 1979: a exclusividade de funções dirigentes como regra, admitindo-se como excepções aquelas que o interesse público viesse justificando, nomeadamente as funções docentes nos estabelecimentos de ensino superior.
3 - Por outro lado, corrigem-se ainda alguns lapsos técnicos, como a referência autónoma ao governador e vice-governador do Banco de Portugal, os quais são também gestores públicos, estando, em consequência, já integrados noutra previsão normativa mais genérica.
Da mesma forma, não se justificava nem a omissão relativamente aos vogais da direcção de institutos públicos e aos subdirectores-gerais, nem tão pouco a falta de equiparação dos gestores públicos aos administradores de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos; por outro lado, não faz também sentido a extensão do regime de incompatibilidades aos gestores públicos e similares que exerçam funções não executivas (18.
Noutro ponto susceptível de interpretações contraditórias clarifica-se ainda o regime aplicável aos gabinetes ministeriais e equiparados, o qual deve continuar a ser aquele que já consta da legislação própria.
4 - Finalmente, alarga-se o âmbito do regime transitório aos gestores públicos e aos directores-gerais, ou equiparados, por se entender que não devem alterar-se as condições do exercício dos actuais mandatos até estes findarem".
A deputada social-democrata Leonor Beleza afirmou, aquando da discussão parlamentar relativa à alteração da Lei nº 9/90, o seguinte:
"Pelo texto que irá sair da Assembleia da República nenhum titular de cargo político pode desempenhar quaisquer outras actividades regulares, remuneradas ou não, o que hoje não resulta da lei que está em vigor, que autoriza que, por exemplo que, os membros do Governo possam desempenhar funções docentes no ensino superior, sem remuneração" (19.
16. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias emitiu, em 3 de Maio de 1990, sobre o referido projecto de Lei nº 524/V, o seguinte parecer:
"O diploma em apreço excepciona ao regime de incompatibilidade da presente lei o pessoal dos gabinetes dos membros do Governo, remetendo a sua disciplina para legislação própria.
A solução delineada coloca-nos perante a dúvida sobre se o exercício de certas funções, cujo poder prático é de assinalável amplitude, pela delegação efectiva de poderes que representa, não justifica uma colocação idêntica à da entidade sob cuja confiança e responsabilidade exerceu o poder (cfr. nº 2 do artigo 1º da Lei nº 9/90).
Foi a esta filosofia que a Assembleia da República aderiu, por consenso, não extractando dela os membros dos gabinetes ministeriais.
5 - Do mesmo modo o diploma vem admitir o exercício remunerado de funções docentes ou investigação científica em acumulação.
O que já era permitido a título gratuito será agora permitido com remuneração. Isto é, passa-se a consagrar o regime de compatibilidade entre o exercício de qualquer cargo político e alto cargo público com o exercício de funções docentes universitárias e de investigação (remunerado).
Chega-se, assim, na prática, à consagração de um regime especial ou excepcional de favor legal, cuja perspectiva pode apontar para uma situação de favorecimento para o exercício das funções docentes ou, noutra perspectiva também ("legível"), de favorecimento do exercício das funções políticas ou de altos cargos públicos.
6 - O diploma agora em apreço considera não abrangidos pelo regime de incompatibilidade os actuais governadores e vice-governadores civis e presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais, tal como já o previa a lei vigente (ponto em relação ao qual a oposição se manifestou desfavoravelmente), mas alarga essa não incompatibilidade aos presidentes de institutos públicos autónomos, de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos; gestores públicos, membros do conselho de administração de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos e vogais da direcção de institutos públicos autónomos, desde que exerçam funções executivas (cargos que agora especificam a anterior referência genérica a gestor público ou presidente de instituto público), director-geral e subdirector-geral ou equiparado.
.............................................." (20.
17. O Partido Social Democrata reagiu ao parecer da referida Comissão com a seguinte declaração de voto:

"1 - O PSD votou favoravelmente a Lei nº 9/90, de 9 de Março, aquando da sua discussão e apreciação na Assembleia da República.
2 - Porém, após a publicação do referido diploma, constataram-se alguns efeitos perversos, que importa corrigir, e algumas dúvidas, que importa esclarecer.
3 - A delicadeza da matéria impunha, pois, nova iniciativa legislativa que atendesse às questões surgidas, o que se concretiza, agora, com o projecto de lei nº 524/V.
4 - Tais questões são fundamentalmente as seguintes:
a) Julgou-se necessário esclarecer que os membros dos gabinetes ministeriais e equiparados não estão abrangidos pela Lei nº 9/90, mas por legislação especial, o que é, aliás, a única solução razoável face às consequências penais da infracção ao regime estabelecido por este diploma;
b) O tempo decorrido desde a publicação da lei deixou compreender que se está em risco, em virtude de algumas das suas disposições, de que muitos docentes de ensino superior optem por abandonar tais funções, o que terá consequências muito negativas;
c) O âmbito geral da aplicação da lei necessitou manifestamente de algum alargamento, por argumento de igualdade de razão (administrador de sociedades de capitais públicos, vogais de direcção de institutos públicos autónomos e subdirectores-gerais), e do esclarecimento de que não é aplicável a gestores em regime não executivo.
5 - Não se compreendem, assim, alguns dos considerandos (nºs. 4 a 7) do parecer ora votado, enquanto indiciários ou reveladores de discordância relativamente ao projecto de Lei nº 524/V e soluções nele consagradas".
O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma constante do artigo 1º do Decreto da Assembleia da República nº 248/V, na parte que deu nova redacção ao nº 2 do artigo 7º da Lei nº 9/90 - equiparação, para efeitos de incompatibilidades, dos deputados do Parlamento Europeu aos deputados da Assembleia da República.
O Tribunal Constitucional decidiu, em 26 de Julho de 1990, não se pronunciar pela incompatibilidade (21.
18. O referido projecto de lei deu origem à Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, que revogou os artigos 9º a 11º e alterou os artigos 1º, 3º a 7º e 8º da Lei nº 9/90 (22.
A aludida alteração é na parte que interessa ao objecto da consulta, do seguinte teor:
"Artigo 1º
Âmbito
1 - Para os efeitos da presente lei são considerados titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos:
a) Presidente da República;
b) Primeiro-Ministro e membro do Governo;
c) Ministro da República para as regiões autónomas;
d) Membro de governo regional;
e) Alto-comissário contra a Corrupção;
f) Membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social;
g) Governador e vice-governador civil;
h) Governador e secretário-adjunto do governador de Macau;
i) Presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;
j) Presidente de instituto público autónomo, de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos;
l) Gestor público, membro de conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e vogal da direcção de instituto público autónomo, desde que exerçam funções executivas;
m) Director-geral e subdirector-geral ou equiparado.
2 - O Governo deve definir, por decreto-lei, no prazo de 90 dias, o regime de incompatibilidades aplicável àqueles cuja nomeação, assente no princípio da livre designação pelas entidades referidas no número anterior, se fundamente por lei em razões de especial confiança e que exerçam funções de maior responsabilidade de modo a garantir a inexistência de conflitos de interesses.
Artigo 4º
Excepção
1 - As actividades de mera administração do património pessoal e familiar existente à data do início das funções referidas no artigo 1º não estão sujeitas ao disposto no artigo 2º, salvo no caso de participação superior a 10% em empresas em que contratem com a entidade pública na qual o titular desempenhe o seu cargo.
2 - Nos casos previstos nas alíneas e), f), g), i), j), l) e m) do nº 1 do artigo 1º, o disposto na alínea a) do artigo 2º não obsta ao exercício de funções docentes do ensino superior e de investigador científico ou similar, nos termos previstos à data da entrada em vigor da presente lei.
3 - O disposto na presente lei não exclui a possibilidade da participação das entidades referidas na alínea m) do nº 1 do artigo 1º em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei, no exercício da fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
4 - Não é excluída a possibilidade de o gestor de empresa pública ou empresa de capitais maioritariamente públicos desempenhar funções em órgãos sociais de empresas a ela associadas.
5 - Não é incompatível a participação dos titulares de cargos políticos referidos na alínea i) do nº 1 do artigo 1º nos órgãos sociais de empresas que prossigam fins de reconhecido interesse público local em que a respectiva autarquia ou associação de municípios participe, desde que o exercício de funções não seja remunerado.
6 - Os vereadores em regime de meio tempo encontram-se sujeitos às incompatibilidades previstas na presente lei, com as seguintes excepções:
a) Não são aplicáveis as incompatibilidades previstas na alínea a) do artigo 2º e no nº 1 do artigo 3º da Lei nº 29/87, de 30 de Junho;
b) É admissível a participação de vereadores em regime de meio tempo em órgãos sociais de empresa que prossiga fins de reconhecido interesse público local em que a respectiva autarquia ou associação de municípios participe e a remuneração percebida no exercício de tais cargos acumulada com a de vereador a tempo parcial não exceda a de vereador a tempo inteiro.
Artigo 8º
Regime transitório
1 - .................................................
2 - Os titulares, aquando da entrada em vigor da presente lei, dos cargos referidos na alínea g) do nº 1 do artigo 1º, bem como, até ao fim do respectivo mandato, os então titulares dos cargos referidos nas alíneas i), j), l) e m), não estão abrangidos pelas incompatibilidades referidas na alínea a) do artigo 2º, continuando sujeitos ao regime de incompatibilidades vigentes à data da entrada em vigor da presente lei".
3 - ..................................................
O artigo 3º da Lei nº 56/90 dispõe, relativamente ao âmbito de aplicação do nº 2 do artigo 8º da Lei nº 9/90 e à produção de efeitos da Lei nº 56/90, o seguinte:
"1 - O nº 2 do artigo 8º da Lei nº 9/90, de 1 de Março, é aplicável aos presidentes e membros do conselho de administração de sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, aos vogais da direcção de institutos públicos autónomos, aos subdirectores gerais e equiparados, titulares de tais cargos à data da publicação da presente lei.
2 - Os efeitos da presente lei reportam-se à data da entrada em vigor da Lei nº 9/90, de 1 de Março, quanto aos titulares de cargos já abrangidos por aquela lei.
3 - Quanto aos restantes titulares, a presente lei só produz efeitos no prazo de 60 dias após a sua publicação" (23.
19. Apontada a evolução legislativa pertinente ao objecto da consulta, é altura de analisar a natureza da actividade que os lics. José Tavares, João Ferreira e José Maltez desenvolvem, em acumulação com o cargo de director-geral do Comércio Interno, director-geral da Concorrência e Preços e subdirector-geral da Concorrência e Preços, na AGA, na Trandingpor e no ISCSP, respectivamente.
A "AGA" é uma empresa pública, instituída pelo Decreto-Lei nº 33/78, de 14 de Fevereiro, que goza de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e patrimonial, e está sujeita à tutela do Ministro do Comércio e Turismo - artigo 1º (24.
O artigo 3º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 33/78 estabelece o seguinte objecto principal de "AGA":
"a) assegurar o abastecimento do açúcar e do álcool etílico;
b) efectuar, em regime de concorrência, operações genéricas de importação e exportação;
c) "disciplinar e controlar a produção e o comércio do álcool etílico, melaço, matérias primas alcoógenas, aguardentes, licores e outras bebidas espirituosas de origem não vínica e alcoóis não etílicos;
d) Exercer directamente, nos circuitos produtivos e de comercialização dos produtos referidos nas alíneas anteriores, as funções que lhe sejam cometidas pelo Ministro do Comércio e Turismo".
Os órgãos da "AGA" são o conselho de gerência e a comissão de fiscalização (artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78).
A Comissão de Fiscalização é integrada por três membros, que escolhem entre si o presidente, um deles indicado pelos trabalhadores da empresa, nomeados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Comércio e Turismo, por três anos, renováveis (artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78).
Aquela Comissão de Fiscalização compete, nos termos do artigo 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78:
"a) Velar pelo cumprimento das leis, regulamentos e demais normas aplicáveis;
b) Fiscalizar a gestão da empresa;
c) Acompanhar a execução dos planos de actividade financeira plurianuais, dos programas anuais e a actividade dos orçamentos anuais;
d) Examinar a contabilidade de empresa;
e) Verificar a existência de quaisquer espécies de valores pertencentes à empresa ou por ela recebidos em garantia, depósito ou outros títulos;
f) Verificar se o património da empresa está correctamente avaliado;
g) Verificar a exactidão do balanço, da demonstração dos resultados, da conta de exploração e dos restantes elementos a apresentar, anualmente, pelo conselho de gerência, e emitir parecer sobre os mesmos, bem como sobre o relatório anual do referido conselho;
h) Dar conhecimento aos órgãos competentes das irregularidades que apurar na gestão da empresa;
i) Pronunciar-se sobre a legalidade e conveniência dos actos do conselho de gerência nos casos em que a lei ou os estatutos exigirem a sua aprovação ou concordância;
j) Pronunciar-se sobre qualquer assunto de interesse para à empresa que seja submetido à sua apreciação pelo conselho de gerência".
A Comissão de Fiscalização reúne, pelo menos, uma vez em cada mês e os seus membros poderão assistir, individual ou conjuntamente, às reuniões do conselho de gerência, sempre que o presidente deste o entenda conveniente (artigo 13º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 33/78).
"Os vencimentos dos membros da Comissão de Fiscalização são fixados por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Comércio e do Turismo" (artigo 11º, nº 3, do Decreto-Lei nº 33/78).
O regime jurídico da "AGA" que vem exposto, é revelador de que esta empresa desenvolve, no sector do açúcar e do álcool, sob a égide do Governo, o interesse público da produção e abastecimento.
O lic. José Tavares exerce, naquela empresa, numa comissão de fiscalização criada por lei especial, sob nomeação do Governo, uma função, remunerável de fiscalização que tem directamente por objecto, além do mais, a gestão empresarial.
Trata-se de um cargo que, pela sua natureza, não exigirá ao lic. José Tavares a execução de quotidianas tarefas de fiscalização, mas que é susceptível de ser exercido por três ou mais anos e envolve regular actividade.
20. Trandingpor foi constituída por escritura notarial de 12 de Setembro de 1984 e tem por objecto o comércio internacional de importação e exportação (artigo 3º do Estatutos) (25.
O seu capital social é, actualmente, de 150.000.000$, dividido em acções de valor nominal de 1.000$ cada uma, e está integralmente subscrito e realizado (artigo 4º, nº 1, dos Estatutos) (26.
Os órgãos sociais da referida sociedade são a assembleia geral, o conselho geral, o conselho de administração e o conselho fiscal (artigo 9º dos Estatutos).
O conselho fiscal é integrado por três membros efectivos e por um suplente, eleitos por 3 anos, em assembleia geral, a quem também compete indicar o presidente daquele conselho e fixar a remuneração dos órgãos sociais (artigos 14º, alíneas c) e d), e 26º, nºs. 1 a 3 dos Estatutos).
Compete ao conselho fiscal, que reúne, ordinariamente, uma vez por mês, e extraordinariamente sempre que convocado pelo seu presidente, pela maioria dos seus membros ou pelo conselho de administração, fiscalizar os negócios da sociedade (artigos 26º, nº 1, e 27º, nº 1, dos Estatutos).
Os únicos accionistas da Trandingpor são o BFE - Banco de Fomento e Exterior, SA e o IPE - Investimentos e Participações do Estado - SA, cada um com 50% do capital social, percentagem correspondente a 75.000.000 acções (27.
O Banco de Fomento e Exterior, com o estatuto de sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, sucedeu, por transformação, por força do Decreto-Lei nº 428/89, de 7 de Dezembro, ao Banco de Fomento Nacional - Ep (artigo 1º, nº 1) (28.
O IPE foi criado, na forma de empresa pública dotada de personalidade jurídica, com autonomia financeira e património próprio, pelo Decreto-Lei nº 163-C/75, de 27 de Março (29.
A referida empresa pública foi transformada pelo Decreto-Lei nº 330/82, de 18 de Agosto, em sociedade anónima de capitais públicos, com a designação de IPE - Investimento e Participações do Estado, SARL (artigo 1º, nº 1).
A faculdade de aquisição das acções da referida sociedade é circunscrita ao Estado, às pessoas colectivas de direito público e às empresas públicas (artigo 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 330/82 e 5º, nº 3, dos Estatutos aprovado por aquele diploma).
O IPE, como empresa "holding" que é, tem por objecto, além do mais, gerir as suas participações sociais e promover a constituição de sociedades (artigo 3º, alíneas a) e b), dos Estatutos).
A fim de realizar o referido objecto estatutário, incumbe-lhe, além do mais, adquirir participações no capital de sociedades e designar os membros dos órgãos sociais em cujo capital participe (artigo 4º, alíneas b) e c), dos Estatutos).
A ampla maioria do capital social da Trandingpor foi realizado, conforme resulta da natureza dos accionistas - IPE e Banco de Fomento -, pelo sector público.
A referida participação indirecta do Estado no capital social de Trandingpor é conforme aos fins que legalmente prossegue, através do Ministério do Comércio e Turismo, de operar "a definição e a execução da política nacional, no âmbito do comércio externo e interno e a coordenação e execução das acções que se compreendem naqueles sectores" (artigo 1º do Decreto-Lei nº 23/84, de 14 de Janeiro).
O Director-Geral da Concorrência e Preços - João Ferreira exerce, pois, numa empresa em que o Estado português tem interesses, uma função de fiscalização da gestão empresarial, susceptível de remuneração.
Trata-se de actividade que visa realizar, como aliás se infere do facto de o lic. João Ferreira haver sido indicado para o seu exercício pelo Secretário de Estado do Comércio Interno e proposto para o efeito pelo IPE, o interesse do próprio Estado, ou seja o interesse público.
Também aqui se trata de um cargo que não exigirá ao lic. João Ferreira diária tarefa de fiscalização, mas que é susceptível de ser exercido durante três anos e que envolve regular actividade.
21. O Estatuto Legal da Universidade Técnica de Lisboa foi aprovado, com base no artigo 3º da Lei nº 108/88, de 24 de Setembro, pelo Despacho Normativo nº 70/89, de 1 de Agosto.
"A UTL é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar, organicamente integrada por um conjunto de instituições de ensino, investigação e prestação de serviços, federativamente organizada, bem como por outros organismos de âmbito específico nos domínios da ciência, da cultura e da acção social escolar" (artigo 1º do Despacho Normativo nº 70/89).
A UTL integra, além do mais, a escola designada por Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira (artigo 2º, alínea e), do Despacho Normativo nº 70/89).
O Subdirector-Geral da Concorrência e Preços, José Maltez exerce, pois, no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, uma actividade remunerada de ensino superior, naturalmente de interesse público.
22. É altura de analisar o âmbito da alteração da Lei nº 9/90, operada pela Lei nº 56/90 e a conexão do regime de incompatibilidades que dela resulta com o que respeita aos titulares de cargos dirigentes previsto no Decreto-Lei nº 323/89, e de determinar o sentido prevalente dos conceitos de actividade profissional e de função pública a que se reporta a alínea a) do artigo 2º, e do estatuído no nº 3 do artigo 4º da citada Lei nº 9/90.
A alteração da Lei nº 9/90 pela Lei nº 56/90 consistiu, no concernente ao âmbito da titularidade de cargos políticos e de altos cargos públicos e da excepção ao regime de incompatibilidades, no seguinte:
a) inclusão no elenco dos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos, do Presidente da República, do presidente de empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, dos membros do conselho de administração das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos e de vogal da direcção de instituto público autónomo, que exerçam funções executivas, e do subdirector geral ou equiparado;
b) exclusão do regime de incompatibilidades dos gestores públicos e do presidente de instituto autónomo, que não exerçam funções executivas;
c) eliminação da previsão relativa à equiparação aos titulares de alto cargo público dos nomeados com base no princípio da livre designação e razões legalmente declaradas de especial confiança ou responsabilidade, cujo regime de incompatibilidades é remetido para acto legislativo futuro do Governo;
d) eliminação da proibição de participação, sem remuneração, por banda do presidente do município ou vereador a tempo inteiro, nos órgãos sociais de empresas que prossigam fins de reconhecido interesse público local, participadas pela respectiva autarquia ou associação de municípios;
e) alargamento limitado do regime de incompatibilidades aos vereadores em regime de meio tempo;
f) alargamento do âmbito da excepção ao regime de incompatibilidades à função docente no ensino superior e de investigação científica remunerada, exercida por certos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, incluindo directores gerais e subdirectores gerais;
g) eliminação, sob o nº 3 do artigo 4º, entre as expressões "quando previstos na Lei" e "no exercício da fiscalização ou controlo de dinheiros públicos", do elemento de ligação "e" e inserção, em seu lugar, de uma vírgula;
h) exclusão da sujeição de certos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, incluindo directores gerais, em funções aquando do início da vigência da Lei nº 9/90, ao regime de incompatibilidades previsto no artigo 2º, alínea a), daquela lei, uns sem limite de tempo - governador e vice-governador civil -, outros - directores gerais, por exemplo -, até ao termo do mandato.
Cotejando o regime de incompatibilidades constante do artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, com o que agora consta da Lei nº 9/90, parece legítima a conclusão de que, do âmbito do pessoal dirigente a que o primeiro dos mencionados diplomas legais se reporta, se destacou, através daquela Lei, um regime especialíssimo de incompatibilidades aplicável aos titulares de altos cargos públicos.
Os directores-gerais e os subdirectores-gerais, por exemplo, que integram, por força do estatuído no artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 323/89, a categoria de pessoal dirigente da função pública, estão agora sujeitos, no que se refere a incompatibilidades, à luz do estatuído no artigo 1º, nº 1, alínea m), da Lei nº 9/90, ao regime previsto nesta Lei.
Aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos é legalmente vedado, por força da alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90, o exercício remunerado de:
- actividade de função pública que não derive do cargo;
- actividade profissional.
O referido normativo, que põe em paralelo as actividades profissionais e a de função pública, é susceptível de permitir o entendimento de que o legislador expresso "actividades profissionais" querendo expressar "actividades privadas".
A alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90 resultou remotamente, do artigo 1º do Projecto de Lei nº 177/V, já referido, apresentado na Assembleia da República pelo Partido Socialista, do seguinte teor:
"As funções de membro do Governo são incompatíveis com o exercício do mandato parlamentar, funções de representação profissional de carácter nacional, o exercício da função pública que não derive do seu cargo, assim como actividade profissional, incluindo a de comércio e indústria" (30.
O citado dispositivo foi inspirado no nº 3 do artigo 98º da Constituição Espanhola de 1978, que dispõe:
"Los miembros del Gobierno no podrán ejercer otras funciones representativas que las proprias del mandato perlamentario, ni cualquier otra función públicà que no derive de su cargo, ni actividad profesional o mercantil alguna".
O conteúdo deste artigo do projecto sofreu, na respectiva discussão parlamentar, até à aprovação do texto final do artigo 2º, alínea a), da Lei nº 9/90, significativa alteração, que consistiu na eliminação dos segmentos relativos ao exercício do mandato parlamentar, ao carácter nacional da representação profissional e à actividade profissional de comércio e indústria. O núcleo normativo essencial não foi, porém, alterado.
Confrontando os referidos trabalhos preparatórios e a normação da alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90, parece legítimo o entendimento de que esta disposição não insere o aludido paralelismo entre actividades privadas e de função pública - inexistindo, por isso, erro conceitual -, mas entre actividades profissionais privadas e de função pública.
O substantivo "função", derivado do latim "functio", significa, numa das suas acepções, cargo, emprego ou exercício.
O conceito de função pública, utilizado (e nunca definido) na Constituição da República Portuguesa e na lei ordinária, é assaz fluido.
A Constituição estabelece, sob o artigo 168º, nº 1, alínea v), que só à Assembleia da República compete legislar sobre as bases do regime e âmbito da função pública.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA ensinam que aquele regime abrangerá "o estatuto próprio da função pública como organização e como relação de emprego específica" e que a delimitação do seu âmbito se traduzirá na "demarcação das áreas em que os organismos e os servidores do Estado estão sujeitos àquele regime" (31.
A Comissão Constitucional emitiu, em 19 de Abril de 1979, um parecer no qual concluiu que o referido regime da função pública abrangia a administração central do Estado e a administração pública local e regional (32.
O âmbito objectivo de aplicação dos Decretos-Leis nºs. 184/89, de 2 de Junho, 323/89 e 427/89, que se reportam aos princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão do pessoal da função pública, ao estatuto de pessoal dirigente da função pública e ao regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na função pública, respectivamente, é variável.
O amplo âmbito de aplicação dos mencionados diplomas, que resulta do respectivo artigo 2º, engloba a administração central do Estado, incluindo os institutos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, bem como a administração pública local e regional.
A referência da alínea a) do artigo 2º da Lei 9/90 à actividade de função pública prende-se com o aspecto da área em que organismos e servidores do Estado estão sujeitos ao regime da função pública.
Perante a dificuldade de definição do conceito de actividade da função pública utilizado na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 90/90, entende-se correcto caracterizá-lo em termos da maior amplitude acima mencionada.
A dicotomia relativa a actividades profissionais e de função pública, prevista no normativo em apreço, traduz a abrangência, em sede de incompatibilidades funcionais, de qualquer actividade profissional privada, e de função pública (não derivada do cargo).
Actividade profissional é aquela que respeita ao exercício de uma profissão.
O conceito "profissão" corresponde ao termo latino "professio", que deriva do infinitivo do verbo latino "profiteri", com o significado de manifestar ou exprimir o modo de vida ou o género de trabalho exercido por uma pessoa. O conceito de "profissão traz consigo a ideia do exercício de um ofício, ... ou cargo, com habitualidade" (33.
Leon Husson afirmou, numa perspectiva estática, que o conceito de profissão é susceptível de ser entendido na tríplice vertente da ocupação traduzida em actividade quotidiana, do trabalho desta derivado (normal mas não necessariamente remunerado) e do estatuto social que tal ocupação assegura (34.
Fernando Olavo escreveu, numa tentativa de definição deste conceito, que, "numa acepção rigorosa, profissão é o exercício estável ou habitual de uma actividade como meio de vida" ou seja, "para prover às necessidades da existência de quem a exerce e dos que a seu cargo se encontram e, portanto, com fim lucrativo" (35.
Breda Simões escreveu, numa perspectiva dinâmica do conceito "profissão", que "o grau de divisão do trabalho atingido por uma sociedade determina o alargamento progressivo de diferentes actividades especializadas que se institucionalizam" - as actividades produtivas que são as profissões -, e que "cada profissão, implica o exercício de funções típicas, correspondendo-lhe um estatuto dependente da própria estrutura social em que se situa", que a "mobilidade cultural e a mobilidade tecnológica provocam o dasaparecimento de profissões e o aparecimento de novas profissões" e que tal tipo de mobilidade também exerce "a sua acção modificadora nos estatutos profissionais e nos respectivos níveis de prestígio social" (36.
Cassiano Maria Reimão referiu, por seu turno, sem acentuar os elementos relativos à estabilidade e à remuneração, que o conceito "profissão" se traduz no exercício de certo tipo de trabalho específico, correspondente a um posto de trabalho, no âmbito de uma organização tendente à consecução de um resultado final (37.
O conceito "profissão", independentemente da perspectiva de análise - económica, sociológica, filosófica, psicológica ou outra -, tem evoluído, a par da permanente transformação da realidade sócio-económica, no sentido de cada vez maior abertura.
A actividade profissional já não é apenas aquela que é quotidianamente exercida no tempo pleno institucionalizado, com o escopo de provisão às necessidade de existência do respectivo agente. æ condição profissional basta a realização regular de trabalho, enquadrada em determinado posto ou função, no âmbito de consecução de certo objectivo final.
O conceito "actividade profissional", previsto na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90, parece não pressupor necessariamente, certo que a proibição que aquela disposição envolve apenas enfoca o exercício remunerado, o elemento "remuneração".
Não é legítimo inferir, em razão da autonomização, sob as alíneas b) e c) daquele artigo, da proibição de integração, pelos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, dos corpos sociais de empresa, sociedade ou fundação, que a lei não considera tal integração exercício de actividade profissional, além do mais, porque a aludida alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90 prevê um elemento - a remuneração -, que as citadas alíneas b) e c) não contemplam.
Se o legislador tivesse pretendido estabelecer que a integração dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos nos corpos sociais de empresas ou sociedades se não traduz no exercício de uma actividade profissional, resultaria sem lógico sentido a normação de excepção prevista no artigo 4º, nº 3 a 6, alínea b) da Lei nº 9/90.
O objectivo da Lei nº 9/90, exuberantemente sublinhado na discussão parlamentar respectiva, é, além do mais, o de permitir a máxima dedicação dos titulares dos cargos políticos e dos altos cargos públicos ao exercício das respectivas funções, com isenção, rigor e transparência. A ideia força é no sentido do exercício exclusivo das funções inerentes àqueles cargos.
O conceito "actividade profissional" - actividade profissional privada -, previsto no artigo 2º, alínea a), da Lei nº 9/90, deverá ser entendido, aliás em conformidade com o espírito da lei consubstanciado na ideia de permitir a máxima dedicação dos titulares dos cargos políticos e dos altos cargos públicos ao exercício das respectivas funções, com isenção, rigor e transparência, à que se fez referência, em sentido amplo.
A averiguação relativa à aplicação daquele conceito em cada caso passa pela análise, à luz de critérios indiciários que tenham em linha de conta, além do mais, a relevância/irrelevância, a regularidade/irregularidade a estabilidade/instabilidade do exercício da actividade desenvolvida em paralelo com a que é própria do cargo político ou do alto cargo público, a existência/inexistência e a natureza da contrapartida remuneratória, o enquadramento/desenquadramento face a certo conjunto organizativo dirigido a um escopo final determinado ou relativo a certo título socialmente institucionalizado, a conexão/desconexão de cargos, a exigência/inexigência de específica qualificação (38.
A incompatibilidade prevista no artigo 2º da Lei nº 9/90 não abrange, além do mais, relativamente a directores-gerais e subdirectores-gerais:
a) o exercício de funções docentes do ensino superior e de investigador científico ou similar (nº 2 do artigo 4º daquela lei);
b) a participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais, quando previstos na lei, no exercício de fiscalização o controlo de dinheiros públicos (nº 3 do citado artigo 4º).
A interpretação do estatuído no nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90 também suscita, conforme resulta do objecto da consulta, certa dificuldade.
Aquele normativo reproduz integralmente o da alínea e) do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, que se reporta, como já foi aludido, a uma das excepções ao regime de incompatibilidade do pessoal dirigente.
A alínea c) do nº 3 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, também contém idêntico normativo, mas, em vez da expressão "organismos", utiliza a palavra "órgãos", e da expressão "previstos" a de "previstas".
Parece que a fonte imediata de inspiração quanto ao normativo do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90 foi, considerando a fidelidade de reprodução, o da alínea e) do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 323/89.
A alteração da Lei nº 9/90 pela Lei 56/90 consubstanciada na substituição, a seguir à expressão "previstos na Lei", da copulativa "e" por uma vírgula, parece ter afectado, como abaixo se refere, o sentido do normativo em apreço.
Devendo o intérprete presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - artigo 9º, nº 3 do Código Civil -, forçoso é concluir que a expressão "previstos na lei", inserta no citado nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90, é complementar do conjunto expressivo "conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos (39, e não da expressão "participação".
Os conselhos consultivos, comissões de fiscalização e outros organismos colegiais são os previstos, o que é índice de prosseguirem o interesse público, em lei especial. Não faria, com efeito, sentido que bastasse a previsão dos artigos 162º do Código Civil, 262º e 413º do Código das Sociedades Comerciais, à verificação do pressuposto da excepção à cominação de incompatibilidade ou de proibição do exercício de cargos ou funções.
O pressuposto de excepção quanto a incompatibilidades ou proibição de acumulação de cargos ou funções relativo ao "exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos" já constava, sem qualquer ligação expressa a conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou órgãos colegiais, do artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 323/89.
A referida expressão "e" era susceptível de permitir o entendimento de que a excepção ao regime de incompatibilidades não dependia da verificação simultânea dos pressupostos relativos à participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros organismos colegiais legalmente previstos e ao exercício de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos.
Da actual redacção do nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90 já não é legítimo extrair tal entendimento. A participação em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou noutros órgãos colegiais está directamente conexionada com a citada actividade de fiscalização ou controlo de dinheiros públicos. A excepção ao regime de incompatibilidades a que o normativo em apreço se reporta depende, pois, da simultânea verificação dos referidos pressupostos.
Os dinheiros públicos, ou seja, as receitas públicas resultam não só de taxas, impostos ou empréstimos como também de rendimentos patrimoniais do Estado.
O Estado é hoje titular, no âmbito da sua intervenção na vida económica, de vasto e importante património mobiliário, constituído por participações de capital seja em empresas mistas seja em empresas públicas, com o inerente risco relativo à dinâmica de resultados positivos ou negativos. É o que ocorre em relação à Trandingpor e AGA.
É evidente o interesse do Estado na nomeação para os órgãos de fiscalização dessas empresas de pessoas que, por razões várias, designadamente de vínculo à administração pública, garantam a defesa do interesse público. É o caso de nomeação dos lics. José Tavares e João Ferreira, para o órgão de fiscalização da AGA e Trandingpor, respectivamente os quais, nessa função, fiscalizam ou controlam a dinâmica do investimento público ou seja do aproveitamento pontual dos dinheiros públicos.
23. Perscrutado o sentido jurídico das normas aplicáveis ao caso concreto em apreço, e operada a concretização da actividade que os lics. José Tavares, João Ferreira e José Maltez desenvolvem em acumulação com a do cargo de director-geral do Comércio Interno, director-geral da Concorrência e Preços e de subdirector-geral da Concorrência e Preços, respectivamente, importa determinar sobre a legalidade ou ilegalidade da acumulação a que a consulta em apreço se reporta.
O conteúdo da afirmação dos lics. José Tavares, João Ferreira e de José Maltez, tendente a suscitar a incompatibilidade de acumulação de funções, dirigida à entidade consulente, não foi por esta posta em causa. É, por isso, legítimo concluir que ele corresponde à realidade.
O lic.José Tavares foi nomeado, por despacho dos Secretários de Estado do Tesouro e Finanças e do Comércio Interno, para o exercício das funções de presidente da Comissão de Fiscalização da AGA.
O lic. João Ferreira foi eleito para o exercício das funções de vogal do Conselho Fiscal da Trandingpor por indicação do Secretário de Estado do Comércio Interno.
Também aqui é legítimo inferir, considerando o processo de nomeação do lic. José Tavares para o exercício do cargo de presidente da Comissão de Fiscalização da AGA e da indicação do lic.João Ferreira para o exercício das funções de vogal do Conselho Fiscal da Trandingpor, que a acumulação em apreço foi autorizada por quem de direito.
O processo não contém qualquer informação sobre se o lic. João Maltez foi ou não autorizado, pelo respectivo superior hierárquico, a exercer a função docente. Mas como foi omitida, pela entidade consulente, qualquer informação no sentido da inexistência de autorização, é razoável admitir que tal exercício também fora superiormente autorizado.
No que concerne à questão de saber se o exercício de actividade em acumulação, fora da respectiva direcção-geral, pelos lics. José Tavares, João Ferreira e José Maltez era ou não remunerada, o processo só fornece informação em sentido afirmativo, no que ao último concerne. Mas é natural, face ao normativo a que já se fez referência, que prevê a remuneração das funções de fiscalização exercidas pelos lics. José Tavares e João Ferreira, na AGA e na Trandingpor, respectivamente, e à normalidade das coisas, que tal actividade seja objecto de remuneração.
24. A questão de incompatibilidade funcional que nos é posta tem em vista, considerando que surgiu na vigência da primitiva redacção da Lei nº 9/90, o regime legal desta derivado e não também o resultante Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro, aplicável, como já se referiu, aos titulares dos cargos dirigentes da função pública. Mas como os directores gerais e os subdirectores-gerais que já exerciam funções ao tempo do início de vigência da Lei 9/90 continuam sujeitos, por força dos artigos 8º, nº 2, desta Lei e 3º nº 1, da Lei nº 56/90, até ao termo do mandato, ao regime do Decreto-Lei nº 323/89, importa considerar se ocorrerá ou não, no caso vertente, violação do estatuído neste diploma.
A actividade exercida pelos lics. José Tavares, João Ferreira e José Maltez, na comissão de fiscalização da AGA, no conselho fiscal da Trandingpor, e no ISCSP, em acumulação com a do cargo de Director-Geral do Comércio Interno, Director-Geral da Concorrência e Preços e de Subdirector-Geral da Concorrência e Preços, respectivamente, não é, à luz do estatuído no artigo 9º, nºs. 1 e 2, alíneas c) e d) e nº 3 do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Outubro, abrangida por qualquer incompatibilidade.
E no que concerne ao regime instituído pela lei nº 9/90, de 1 de Março? Vejamos.
25. A actividade remunerada que os lics. José Tavares e João Ferreira, titulares de alto cargo público por força do artigo 1º, nº 1, alínea m), da Lei nº 9/90, exercem na comissão de fiscalização da AGA e no conselho fiscal da Trandingpor, respectivamente, não se integra na função pública - porque não é prestada no âmbito da administração central do Estado, incluindo os institutos na modalidade de serviços personalizados ou de fundos públicos, nem na administração pública local ou regional -, mas é qualificável para efeitos do estatuído no artigo 2º, alínea a), daquela lei, de profissional.
26. O lic. José Maltez, subdirector-Geral da Concorrência e Preços, não era legalmente considerado, na primitiva redacção da Lei nº 9/90, titular de alto cargo público; mas passou a sê-lo na sequência da alteração que lhe foi introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 56/90.
Ele exerce uma actividade docente remunerada, no ensino superior, não proibida pelo Decreto-Lei nº 323/89, enquadrada na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90. Funciona, porém, no caso, a excepção ao regime de incompatibilidades funcionais prevista no artigo 4º, nº 2, daquele lei.
A acumulação de funções em apreço pelo lic. José Maltez não é, por isso, ilegal.
O lic. José Tavares exerce, porém, na já referida comissão de fiscalização da empresa pública AGA, especialmente prevista na lei, uma actividade que se traduz, afinal, como, aliás, resulta do artigo 12º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78, de 14 de Fevereiro, na fiscalização e controlo de dinheiros públicos.
O exercício da referida actividade não é, contudo, legalmente proibido, porque permitido a coberto da excepção a que se reporta o artigo 4º, nº 3, da Lei nº 9/90.
O lic. João Ferreira não beneficia, porque o órgão de fiscalização de Trandingpor em que exerce a aludida função não é previsto em lei especial, do regime de excepção previsto no nº 3 do artigo 4º da Lei nº 9/90 ou em qualquer outra das suas normas.
Ocorre, pois, uma situação de incompatibilidade de exercício do cargo de director-geral da Concorrência e Preços e de membro do conselho fiscal de Trandingpor. A mencionada ilegalidade está, porém, legalmente afastada, por força do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 9/90, até ao termo do mandato do lic. João Ferreira para o cargo de director-geral.

CONCLUSÕES

IV


Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª - O conceito "actividade profissional" previsto na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90, de 1 de Março (alterada pela Lei nº 56/90, , de 5 de Setembro), circunscreve-se às actividades profissionais privadas;
2ª - Entende-se por actividade de "função pública" a que alude o citado artigo 2º, alínea a), da Lei nº 9/90, a que é desenvolvida no âmbito da administração central do Estado, incluindo os seus serviços personalizados e os fundos públicos, e da administração pública local e regional;
3ª - A excepção ao regime de incompatibilidades relativa à participação dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos em conselhos consultivos, comissões de fiscalização ou outros órgãos colegiais, prevista no artigo 4º, nº 3, da Lei nº 9/90, pressupõe que tais órgãos estejam previstos em lei especial e que a actividade neles desenvolvida se traduza em fiscalização ou controlo de dinheiros públicos;
4ª - O referido conceito "dinheiros públicos" abrange os investimentos de capital que o Estado realize no sector empresarial, no âmbito da sua intervenção económica;
5ª - Os directores-gerais do Comércio Interno - lic. José Manuel dos Santos Correia Tavares -, e da Concorrência e Preços - lic. João Eduardo Pinto Ferreira exercem, na empresa pública AGA - Administração Geral do Açúcar e do Álcool - ep e na empresa de capitais maioritariamente públicos Trandingpor - Empresa de Comércio Externo de Portugal, SA, as funções de presidente da Comissão de Fiscalização e de vogal do Conselho Fiscal, respectivamente;
6ª - A Comissão de Fiscalização da "AGA" está prevista em lei especial artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 33/78, de 14 de Fevereiro - e o Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR" consta de escritura pública;
7ª - A actividade remunerada, susceptível de ser exercida para além do triénio, com carácter de regularidade, que aqueles directores-gerais desenvolvem na Comissão de Fiscalização da "AGA" e no Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR", respectivamente, integra o aludido conceito de actividade profissional privada, traduzindo-se na fiscalização e/ou controlo de dinheiros públicos;
8ª - O exercício cumulativo, por banda dos lics. José Tavares e João Ferreira, dos cargos de director-geral do Comércio Interno e de presidente da Comissão de Fiscalização da "AGA", e de director-geral da Concorrência e Preços e de vogal do Conselho Fiscal da "TRANDINGPOR", respectivamente, é abrangido pela incompatibilidade prevista na alínea a) do artigo 2º da Lei nº 9/90;
9ª - A acumulação de cargos por banda do lic. José Tavares é, porém, permitida, contrariamente ao ocorre em relação ao lic. João Ferreira, de harmonia com a excepção prevista no artigo 4º, nº 3, da Lei nº 9/90;
10ª - O lic. João Ferreira não está, no entanto, até ao termo do mandato em curso relativo ao cargo de director-geral da Concorrência e Preços, nos termos do artigo 8º, nº 2, da Lei nº 9/90, sujeito ao referido regime de incompatibilidades;
11ª O subdirector-geral da Concorrência e Preços - lic. José Adelino Eufrasio de Campos Maltez - exerce, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, uma actividade remunerada de ensino superior;
12ª - A acumulação referida na conclusão anterior não é proibida seja pelo Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro, seja pela Lei nº 9/90.







(1Cfr., a título exemplificativo, os pareceres nºs. 251/78, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1979 e no "Boletim do Ministério da Justiça" nº 288, págs. 177 e segs., 122/80, de 6 de Novembro de 1980, publicado no "Diário da República", II Série, de 12 de Setembro de 1981, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 309, págs. 54 e segs., 61/84, de 20 de Dezembro de 1984, publicado no "Diário da República", II Série, de 18 de Julho de 1985, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 346, págs. 54 e segs., 45/87, de 28 de Janeiro de 1988, publicado no "Diário da República", II Série, de 16 de Dezembro de 1988, 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, ainda inédito, 26/90, de 28 de Julho de 1990, também inédito.
(2O Decreto-Lei nº 191-F/79, de 26 de Junho, publicado durante a vigência da 1ª versão da Constituição da República Portuguesa, versava sobre o estatuto do pessoal dirigente dos serviços da administração central, local do Estado e regional. Este diploma foi, nessa parte, revogado pela alínea a) do artigo 26º do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro.
(3"Manual de Direito Administrativo", tomo II, Coimbra, 1983, págs. 720 a 722.
Cfr. os pareceres deste conselho consultivo nº 61/84, de 20 de Dezembro de 1984 e 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, aquele publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 346, págs. 54 a 87, e este não publicado.
(4JOÃO ALFAIA, "Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico de Funcionalismo Público", vol.1º, Lisboa, 1985, págs. 171 e segs.
(5Parecer nº100/82, de 22 de Julho de 1982, publicado no "Diário da República", II Série, de 25 de Junho de 1983, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 326, págs. 224 e segs.
(6O nº 1 corresponde, sem alteração ao nº 1 do artigo 269º do texto resultante da 1ª revisão constitucional e, com alteração, ao nº 1 do artigo 270º da versão originária. Os nºs 4 e 5 correspondem, sem alteração, aos nºs. 4 e 5 do artigo 269º resultante da 1ª revisão e aos nºs 4 e 5 do artigo 270º na versão originária.
(7Cfr. o parecer deste corpo consultivo nº 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, ainda não publicado.
(8Sublinhado agora.
(9Parecer nº 75/89, de 22 de Fevereiro de 1990, ainda não publicado.
(10Este normativo não diverge, salvo quando ao modo da expressão, do anterior, inserido pela lei constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro.
(11"Diário da Assembleia da República", I Série, de 18 de Novembro de 1988, pág. 356.
(12"Diário da Assembleia da República", I Série nº 14, de 18 de Novembro de 1988, pág. 356.
(13"Diário da Assembleia da República", I Série, de 25 de Outubro de 1989, págs. 176 e 177.
(14"Diário da Assembleia da República", I Série, de 25 de Outubro de 1989, pág. 176.
(15"Diário da Assembleia da República", I Série, de 25 de Outubro de 1989, pág.179.
(16Parecer nº 26/90, de 28 de Julho, não publicado.
(17A Lei nº 9/90, de 1 de Março, só entrou em vigor 60 dias após à sua publicação (artigo 12º).
(18Sublinhado agora.
(19"Diário da Assembleia da República", I Série, de 5 de Maio de 1990, pág. 2404.
(20"Diário da Assembleia da República", II Série, de 5 de Maio de 1990.
(21"Diário da Assembleia da República, II Série, nº 184, de 10 de Agosto de 1990.
(22Aquela alteração foi aprovada no plenário de 21 de Junho de 1990 - Diário da Assembleia da República, I Série, nº 89, de 22 de Junho de 1990.
(23Aquela alteração foi aprovada no plenário de 21 de Junho de 1990 - "Diário da Assembleia da República", I Série, nº 89, de 22 de Junho de 1990.
(24O Decreto-Lei nº 260-E/81, de 2 de Setembro, alterou o estatuto da "Administração Geral do Açúcar e do Álcool-Ep,, aprovado pelo Decreto-Lei nº 33/78, de 14 de Fevereiro.
O artigo 21º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 23/84, de 14 de Janeiro, também dispõe que o Ministro do Comércio e do Turismo exerce a tutela sobre aquela empresa pública.
(25A referida escritura foi lavrada, no 17º Cartório Notarial de Lisboa, a fls. 68 a 71 do Livro de Notas nº 238-F, e publicada no "Diário da República, III Série, de 3 de Outubro de 1984. Os estatutos sofreram, por escritura de 16 de Junho de 1986, lavrada de fls. 52 a fls. 84 do Livro de Notas nº 133-E de 17º Cartório Notarial de Lisboa, publicada no "Diário da República", III Série, de 19 de Julho de 1986, alteração quanto à competência do Conselho Geral.
(26O conteúdo actual do artigo 4º, nº 1, do referido Estatuto resultou da alteração operada por escritura de 13 de Fevereiro de 1987, lavrada de fls.35 a fls.37 do Livro de Notas nº 244-A, do 17º Cartório Notarial de Lisboa, publicada no "Diário da República, III Série, de 25 de Março de 1987.
(27Instrumento de informação, de 27 de Julho de 1990, veiculado pela Inspecção Geral de Finanças, junto ao processo.
(28O Banco de Fomento Nacional foi criado pelo Decreto-Lei nº 41 957, de 13 de Novembro de 1958, constituído por escritura pública outorgada, em 4 de Agosto de 1959, no 9º Cartório Notarial de Lisboa, e transformado em empresa pública por força do Decreto-Lei nº 132-A/75, de 14 de Março (artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 428/89, de 7 de Dezembro).
(29Os Estatutos do Instituto de Participações do Estado - Ep foram aprovados pelo Decreto-Lei nº 496/76, de 26 de Junho.
(30"Diário da Assembleia da República, II Série, nº 91, de 19 de Julho de 1988.
(31"Constituição da República Anotada", vol. 1º, Coimbra, 1984, pág. 198, e Parecer deste Corpo Consultivo nº 93/87, publicado no "Diário da República", II Série, de 27 de Setembro de 1988.
(32Parecer nº 11/79, "Pareceres da Comissão Constitucional", 8º vol., Imprensa Nacional, Lisboa, 1980, págs. 55 e segs. e 70.
(33PLACIDO E SILVA, "obra citada", vol.III, pág.1235.
(34"Les activités professionelles et le droit", Archives de Philosophie du Droit, Nouvelle Série, Deontoligie et Discipline Professionelle, Paris, 1953/54, págs. 1 a 5.
(35"Direito Comercial", vol.I, Lisboa, 1970, págs. 401 e 404; cfr. o parecer nº 26/90, de 28 de Julho de 1090, não publicado.
(36Verbo-Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 15º vol., Lisboa, 1973, pág. 1184.
(37Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 4º, Lisboa, 1986, págs. 1586 a 1594.
(38Afigura-se-nos que a tese ora defendida não colide frontalmente com a que foi sustentada no âmbito do parecer nº 26/90, de 28 de Junho findo. Entendeu-se aí que é legal a acumulação pelo Inspector-Geral de Finanças do cargo de vogal do Conselho Administrativo da Fundação da Casa de Bragança. Para a defesa da doutrina então perfilhada por este corpo consultivo, segundo a qual se considerou que a referida actividade não deveria ser qualificada como "actividade profissional", salientaram-se diversos índices, todos extraídos da lei, de entre os quais se podem referir os seguintes:
- a revelação da estreita ligação que a lei historicamente estabelece entre a aludida Fundação e o Ministério das Finanças;
- a natureza específica da Fundação da Casa de Bragança, vocacionada para a prossecução de fins de ordem exclusivamente cultural, beneficiente e histórica;
- a forma como está prevista na lei a remuneração dos vogais do Conselho Administrativo, a qual poderá assumir a qualificação de "vencimento" ou "gratificação", podendo ser ou não atribuída ou podendo ocorrer variação do respectivo quantitativo, de vogal para vogal ou, ao longo do tempo, para o mesmo vogal;
- a longa tradição, velha de mais de vinte e cinco anos, da acumulação em apreço, reveladora da especial ligação da Fundação ao Estado e contribuindo para uma adequada prossecução do interesse público que a Fundação, pessoa colectiva de utilidade pública, está estatutariamente vocacionada a alcançar.
(39A expressão correcta seria "órgãos", que consta da alínea c) do nº 3 do artigo 31º, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART120 ART269 N1 N4 N5.
L 9/90 DE 1990/03/01 ART1 ART2 ART4 ART8.
L 56/90 DE 1990/09/05.
EDF84 ART24 N1 C ART25 N2 D.
D 184/89 DE 1989/06/02 ART12.
DL 323/89 DE 1989/10/26 ART1 N1 ART2 N1 N2 ART9 N1 N2 C E N3 ART11 N2 N4.
DL 427/89 DE 1989/12/07 ART1 ART31 ART32 ART45.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL * FUNÇÃO PUBL.
Divulgação
Número: 
DR161
Data: 
16-07-1991
Página: 
5
5 + 2 =
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