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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
74/1989, de 28.06.1990
Data do Parecer: 
28-06-1990
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer Complementar
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
SERVIÇO MILITAR
OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA
SERVIÇO CÍVICO
RECUSA
ABANDONO
BOLETIM DE INSCRIÇÃO
CLASSIFICAÇÃO
SELECÇÃO
RESERVA DE RECRUTAMENTO
DESOBEDIÊNCIA
CRIME DE OMISSÃO PURA
Conclusões: 
1 - Confirmam-se as conclusões do parecer 74A/89, de 9 de Novembro de 1989;
2 - A recusa a prestação de serviço civico tal como tem sido manifestada pelas "Testemunhas de Jeova", refere-se as obrigações decorrentes daquele serviço no seu conjunto, ou seja, ao dever de solidariedade social equivalente ao dever de prestação de serviço militar;
3 - O crime previsto pelo artigo 8, n 1, da Lei n 6/85, de 4 de Maio, apresenta-se como um delito autonomo, sem paralelo no serviço militar;
4 - A classificação e selecção como operações previas da colocação do objector de consciencia no serviço ou organismo onde executara as tarefas do serviço civico, pressupõem a indicação, prevista no boletim de inscrição, das areas preferenciais de actuação, a fim de aquela colocação respeitar os seus interesses;
5 - Se o objector de consciencia, ao preencher o boletim de inscrição para alem de expressar por escrito a sua recusa ao cumprimento do serviço civico e a sujeição as penalidades decorrentes dessa atitude, não indica as areas de preferencia, inviabiliza o processo futuro de classificação e selecção e, consequentemente, a sua colocação;
6 - No momento em que omite esse dever informativo que, em regra, perpetua no tempo, o objector consuma a pratica do crime de recusa de prestação do serviço civico, uma vez verificados os restantes elementos da infracção;
7 - Porem, se o objector fornece toda a informação que lhe e pedida atraves do boletim de inscrição, mas apesar disso manifesta por escrito a sua recusa de prestação do serviço civico, não se verifica a omissão de qualquer dever imposto, sendo irrelevante, sem mais, essa manifestação de intenção, pelo que o processo de classificação, selecção e colocação deve prosseguir;
8 - A mudança de atitude do objector de consciencia apos a consumação do crime nomeadamente deixando de omitir as obrigações a que esta sujeito, apenas influira no tipo de sanção a aplicar e sua medida;
9 - São distintas as infracções previstas no artigo 8, n 1, citado - recusa de prestação de serviço civico - e a falta de apresentação injustificada no organismo ou serviço em que o objector tiver sido colocado - artigo 47, n 2, da mesma Lei n 6/85, preceito aditado pela Lei n 101/88, de 25 de Agosto.
Texto Integral
Texto Integral: 
1


1.1. A solicitação de Vossa Excelência, o Conselho Consultivo emitiu o Parecer nº 74-A/89, de 9 de Novembro de 1989 (1)no qual se extraíram as seguintes conclusões:

"1ª - 0 direito à objecção de consciência previsto em termos gerais no nº 6 do artigo 41º da Constituição da República decorre do direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, só podendo ser limitado nos termos constitucionais;

2ª - Reconhecida a objecção de consciência no campo específico do serviço militar, o objector fica obrigado à prestação do serviço cívico, de duração e penosidade equivalentes às do serviço militar armado -artigo 276º, nº 4, da Constituição -, a qual constitui um compromisso entre a autonomia da consciência livre de cada um e o princípio da igualdade dos cidadãos sujeitos ao recrutamento militar;

3ª - A recusa ou abandono do serviço cívico, previstos pelo artigo 8º da Lei nº 6/85, de 4 de Maio, alterada pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto, são considerados como desobediência qualificada e puníveis de acordo com o nº 3 do artigo 388º do Código Penal, devendo os seus elementos constitutivos ser avaliados face aos preceitos daquela lei;

4ª - As disposições da Lei nº 6/85 não prevêem a existência de qualquer ordem expressa (de cumprimento do serviço cívico) como requisito integrador da prática do crime de recusa ou abandono do serviço cívico, previsto no citado artigo 8º daquela lei;

5ª- 0 cidadão objector de consciência que tenha recusado o serviço cívico ou o tenha abandonado e por tais factos venha a ser condenado, uma vez cumprida a pena continua sujeito às obrigações por si ainda não satisfeitas relativamente ao serviço cívico".


1.2. Tornada obrigatória a sua doutrina, para o MinistérioPúblico por despacho de Vossa Excelência, de 20.11.89, de acordo com os artigos 10º, nº 2, e 39º, nº 1, da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro - Lei Orgânica do Ministério Público - (2) , não se revelou pacífica a aplicação da mesma, tendo surgido algumas dúvidas, nomeadamente sobre a amplitude do parecer emitido.

1.2.1. Na Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra foi preparada, a pedido do Senhor Procurador-Geral-Adjunto Distrital, uma informação (3) da qual se sintetiza:

- o Gabinete de Serviço Cívico dos Objectores de Consciência tem remetido ao Ministério Público várias participações contra objectores em reserva de recrutamento que, ao devolverem os boletins de inscrição, neles declaram expressamente a sua recusa à prestação de serviço cívico;

- realizados os inquéritos e acusados os objectores pela prática do crime previsto pelo artigo 8º, nº 1 da Lei nº 6/85, de 4 de Maio, têm sido em regra condenados, havendo, porém, algumas decisões impugnadas;

- num recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, foi confirmada a decisão da lª instância que não recebera a acusação por se entender que aquela infracção "só pode ser praticada a partir da colocação do objector de consciência no serviço cívico respectivo";

- esta será a posição jurídica mais correcta, pois que haverá de se "distinguir entre obrigações decorrentes do serviço cívico e a obrigação de prestação de serviço cívico normal" sendo as primeiras - nomeadamente as descritas e impostas pelo artigo 15º, alíneas a) a d), do Decreto-Lei nº 91/87, de 27 de Fevereiro - instrumentais da segunda;

- a efectivação do serviço cívico inicia-se com a colocação e vai até à passagem à situação de disponibilidade imediata - artigos 4º, nº 4 e 10º, nº 3, do citado Decreto-Lei nº 91/87;

- só então se pode iniciar o crime de recusa -"crime de omissão pura" violando o objector o dever de facere;

- também o abandono do serviço cívico – nº 2 do artigo 8º da lei nº 6/85 não poderá verificar-se sem que o objector o tenha iniciado;

- a declaração de recusa prestada antes da notificação de colocação não será mais do que a revelação da intenção de não cumprir a prestação do serviço cívico;

- acontece que aquela declaração pode vir a ser revista pelo objector em face das tarefas que lhe forem concretamente atribuídas, alterando a sua atitude inicial (a própria lei admite a renúncia à situação de objector de consciência - artigo 13º, nºs 2 e 3, da Lei nº 6/85).

Considera-se, finalmente, que a doutrina do Parecer nº 74-A/89, poderá ter sido emitida apenas tendo em conta as "situações de efectiva recusa de iniciar ou prosseguir a actividade que àqueles (objectores) foi atribuída após a sua colocação"... (4)

1.2.2_ 0 Senhor Procurador-Ceral-Adjunto Distrital no Porto, ao mesmo tempo que informa da interposição de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência -contradição entre acórdãos da Relação do Porto e um acórdão da Relação de Coimbra (o citado na nota (4)) - envia um "trabalho saído da reunião dos magistrados da sede (daquele) Distrito Judicial, acerca de dúvidas na interpretação da circular"... (5) .

Uma parte destes magistrados navega nas mesmas águas dos magistrados do Distrito Judicial de Coimbra. Depois de se salientar que o que interessa é a recusa à prestação do serviço cívico e não a declaração de recusa diz-se:

- a expressão) serviço cívico é usada pela lei tanto em sentido amplo de "serviço nacional" de defesa da Pátria, como em sentido restrito, isto é, o conjunto de tarefas concretamente atribuídas a cada objector de consciência;

- a acção típica não é a recusa ao serviço cívico mas a recusa à prestação do serviço cívico concreto, pelo que não pode ocorrer durante a reserva de recrutamento por não haver ainda "obrigação de prestar";

- na reserva de recrutamento as obrigações do objector são apenas as impostas pelos artigos 8º, nº 4, e 15º do Decreto-Lei nº 91/87, sendo a sua violação punida segundo o artigo 47º;

- como conciliar a condenação por tal declaração de recusa se depois o objector responder à primeira convocatória e se apresentar para cumprir o serviço cívico?

- outro tratamento não estaria em conformidade com a equivalência de encargos ou penosidade com o serviço militar;

- o âmbito da consulta bem como as conclusões do Parecer nº 74-A/89 não afastariam o entendimento maioritariamente preconizado, embora careça de esclarecimento.

1.3. Dos (dois) acórdãos do Tribunal da Relação do Porto que nos foram enviadas (6) consta um aspecto que interessará também evidenciar.

Os recorrentes (7) haviam alegado que o disposto no artigo 8º da Lei nº 6/85 fora tacitamente revogado pelo artigo 47º, aditado pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto, constituindo agora a não apresentação no serviço ou organismo o crime de desobediência simples.

Nos acórdãos, porém, chama-se a atenção para a diferença de tipos. As obrigações decorrentes do serviço cívico iniciam-se com a aquisição do estatuto de objector. E quando o arguido preencheu o impresso do boletim fazendo a declaração de recusa "em vez de indicar, como lhe cumpria, qual a área de actuação que considerava preferencial" ... cortou cerce aquele vínculo e inviabilizou as operações de selecção e colocação que, normalmente, se seguiriam. A recusa é, pois, distinta da não apresentação no organismo ou serviço.


2

De uma coisa não resta dúvida: o Parecer nº 74-A/89 deixou dúvidas, o que se mostra indesejável quando se visa precisamente a uniformização de procedimentos.

Tentaremos circunscrevê-las, ver qual a resposta dada (ou intuída), aprofundá-la e reponderá-la, se for o caso.

2.1. Recorde-se o cerne da consulta, proveniente do Gabinete do Ministro Adjunto e da Juventude. Dizia-se (8):

“1. Tendo-se iniciado o processo de colocação dos primeiros objectores de consciência, cujo serviço cívico teve o seu arranque no passado dia 1 de Março, desde logo se verificou uma atitude de recusa no seu cumprimento por parte de numerosos objectores, pertencentes na sua totalidade à associação religiosa denominada "Testemunhas de Jeová".

"No Boletim de Inscrição que lhes é remetido pelo Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência para dar início ao respectivo processo de colocação, os referidos objectores atestam que o serviço cívico mais não é do que um serviço militar "disfarçado", pelo que, por razões de consciência se recusam à sua prestação.

"Acrescentam ainda que tomam conscientemente tal atitude e se encontram dispostos a suportar as penalidades previstas no artigo 8º da Lei nº 6/85, de 4 de Maio".

E mais adiante:

"Alguns dos procedimentos instaurados vieram a merecer despacho de arquivamento dos autos, com fundamento no facto de não estar verificado um dos elementos tipificadores do respectivo ilícito criminal, previsto no artigo 388º do Código Penal, ou seja, a existência de uma ordem, pelo que os arguidos não teriam cometido o crime de "desobediência qualificada".
..................................................................
.
"Acresce ainda, que no decurso dos respectivos inquéritos perante o Ministério Público, os arguidos confirmaram a sua firme recusa ao cumprimento do serviço cívico, o qual em sua opinião, "mais não é do que um serviço militar disfarçado".
..............................................................”.

"Quanto aos processos cujo arquivamento foi determinado, pese embora tenha sido requerida a reabertura dos autos, sendo tal reclamação deferida, julgo necessária a existência de um parecer interpretativo do artigo 8º, nº 1, da Lei nº 1, da Lei nº 6/85 por parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, a fim de garantir uma uniformidade no exercício da acção penal".

2.2. 0 Parecer emitido desdobrou-se em três partes:

- perspectiva global do movimento de objecção de consciência, a nível internacional e nacional, com relevo para os principais documentos produzidos em instâncias internacionais e para a discussão havida na Assembleia da República;

- articulação entre o disposto na norma do artigo 8º da Lei nº 6/85, de 4 de Maio e o nº 3 do artigo 388º do Código Penal;

- alguns tópicos sobre as consequências do regime legal vigente na antevisão de uma possível "espiral de condenações" dos objectores de consciência "totais".

As dúvidas que subsistem têm que ver, naturalmente, com a parte segunda aludida, maxime com o que foi dito (ou omitido) no ponto 5.2. do Parecer nº 74-A/89.

Em síntese, o Conselho afirmou que:

- os elementos típicos do crime de recusa de cumprimento do serviço cívico devem ser - procurados e encontrados nas leis sobre objecção de consciência;

- nas disposições respectivas inexiste qualquer ordem expressa como elemento integrador da prática do crime de recusa ou abandono do serviço cívico (9) .

Não se discutiu, em concreto, se para a verificação do crime previsto no artigo 8º da Lei nº 6/85, já havia ou não de ter sido assinada ao objector a sua colocação em determinado serviço ou organismo.

Nem, por outro lado, se conjecturou sobre se o Gabinete do Serviço Cívico prosseguiria ou não as operações de classificação, selecção e colocação, após a recepção do "boletim de inscrição" onde se expressara a recusa.

De qualquer modo, ficou clara a necessidade de instaurar o processo penal, através do inquérito, onde seria testada a credibilidade da declaração de recusa proferida pelo objector bem como o conjunto do restantes elementos necessários à verificação do facto criminoso - a ilicitude, a tipicidade, a culpa, o nexo de causalidade, a ausência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Suposta se encontrava, no entanto, a hipótese de o crime ser consumado antes de concretizada a colocação em determinado organismo ou serviço.


3

Face às divergências suscitadas mostra-se necessário mergulhar com maior profundidade nas disposições legais para extrair a interpretação considerada correcta, pesando os argumentos num e noutro sentido, sem prescindir da melhor classificação doutrinária do delito em causa.

3.1. Segundo o nº 2 do artigo 1º da Lei nº 6/85, de 4 de Maio - "Objector de consciência perante o serviço militar obrigatório":

"0 direito à objecção de consciência comporta a isenção do serviço militar, quer em tempo de paz quer em tempo de guerra, e implica para os respectivos titulares o dever de prestar um serviço cívico adequado à sua situação".

Serviço cívico adequado é “aquele que, sendo exclusivamente de natureza civil, não esteja vinculado ou subordinado a instituições militares ou militarizadas e que constitua uma participação útil em tarefas necessárias à colectividade, possibilitando uma adequada aplicação das habilitações e interesses vocacionais dos objectores" (artigo 4º, nº 1), descrevendo-se no nº 2 seguinte os domínios de realização do serviço cívico.

Dispõe-se no artigo 7º ("Tarefas e funções do serviço cívico"):

As autoridades competentes deverão ter em conta os interesses, a capacidade de abnegação e as habilitações literárias e profissionais do objector de consciência na definição das tarefas a incluir no serviço cívico, bem como na atribuição de funções concretas a cada objector de consciência.

2. Na definição das tarefas e na atribuição das funções a exercer em regime de serviço cívico devem ser tidas em conta as preferências manifestadas pelo interessado.

Repete-se aqui a norma fulcral em causa, o artigo 8º:

“1. Incorre na pena prevista no nº 3 do artigo 388º do Código Penal aquele que, tendo obtido o estatuto de objector de consciência, se recuse à prestação do serviço cívico a que esteja obrigado nos termos da presente lei.

2. Em igual pena incorre o objector de consciência que abandone o serviço cívico a que esteja obrigado, levando-se sempre em conta na respectiva dosimetria o tempo de serviço prestado.

3. As penas de prisão previstas nos números anteriores não podem ser substituídas por multa".

Nos termos do artigo 13º, o objector de consciência pode renunciar expressamente à situação de objector, sendo tal renúncia irrevogável.

Pondo de lado as normas processuais a observar para obtenção da situação de objector, agora de dispensar, importa transcrever alguns dos preceitos aditados pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto:

"Artigo 47º (Disposições penais)

1. A não devolução injustificada do boletim de inscrição no prazo de 30 dias constitui crime de desobediência simples, punido com prisão até 1 ano ou multa até 30 dias.

2. A não apresentação injustificada do objector de consciência no serviço ou organismo em que for colocado no prazo de 30 dias constitui crime de desobediência simples, punido com prisão até 1 ano e multa até 30 dias.

3. Os objectores de consciência que não comparecerem à convocação extraordinária para a prestação de novo serviço cívico por efeitos de reciclagem serão punidos com prisão até 6 meses ou multa até 80 dias.

4. Os objectores de consciência que, nos estados de excepção e nos termos legalmente definidos não comparecerem à convocação extraordinária para prestação de novo serviço cívico serão punidos com prisão de 6 meses a 3 anos.

5. Serão punidos com multa até 30 dias os objectores de consciência que não cumprirem os deveres enunciados no artigo 15º do Decreto-Lei nº 91/87, de 27 de Fevereiro.

6. Na graduação da pena aplicável por abandono da prestação de serviço cívico será tido em conta o tempo de serviço prestado.

7. As penas de prisão aplicadas nos termos dos números anteriores não podem ser substituídos por multa" (10) .

"Artigo 48º (Efeitos)

1. 0 cumprimento de penas aplicáveis nos termos do artigo anterior interrompe a contagem do tempo de prestação de serviço cívico.

2. Nos casos em que após a duração da pena haja ainda um período de serviço cívico a cumprir, o objector de consciência será colocado de acordo com a conveniência do serviço e as necessidades das entidades disponíveis".

3.2. No exórdio do diploma regulamentador das condições de prestação de serviço cívico - o Decreto-Lei nº 91/87, de 27 de Fevereiro - entendeu-se afirmar a sua execução "de forma paralela à do serviço militar", numa preocupação de não gerar injustiças mas também de não prejudicar os objectores de consciência.

Vejamos os preceitos que ora cumpre destacar.

Diz-se no artigo 4º (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 451/88, de 13 de Dezembro), sob a epígrafe "Estrutura do serviço cívico":

"1. As obrigações decorrentes do serviço cívico iniciam-se com a aquisição do estatuto de objector de consciência e prolongam-se até 31 de Dezembro do ano em que o objector de consciência completar 38 anos de idade...

2. 0 serviço cívico para os objectores de consciência compreende as seguintes situações:

a) Reserva de recrutamento;
b) Serviço cívico efectivo normal;
c) Reserva de disponibilidade imediata;
d) Reserva geral.

3. A reserva de recrutamento é constituída pelos cidadãos que obtiveram o estatuto de objector de consciência, até à sua colocação efectiva.

4. 0 serviço cívico efectivo normal compreende a prestação de serviço cívico desde a colocação até à passagem à reserva de disponibilidade imediata.

5. A reserva de disponibilidade imediata inicia-se com o fim da prestação do serviço cívico efectivo normal e termina quando se completarem seis anos sobre a passagem a esta situação, podendo os objectores de consciência, durante este período, ser convocados para a prestação do serviço cívico extraordinário...

6. A reserva geral verifica-se para os cidadãos que transitarem da reserva de disponibilidade imediata e termina em 31 de Dezembro do ano em que completarem 38 anos de idade" (11)

Interessa conhecer a forma como se processam as operações de recrutamento, selecção colocação dos objectores de consciência. operações)es que decorrem com a intervenção activa do Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência (GSCOC) ao qual compete, nomeadamente (artigo 7º):

- elaborar o registo nacional de objectores com indicação das "habilitações, áreas preferenciais de actuação e dados apurados nas provas de classificação e selecção";

- elaborar um ficheiro dos organismos disponíveis para receber prestadores do serviço cívico, número de objectores que podem receber e domínios respectivos;

- "classificar e seleccionar os objectores de consciência com vista à sua posterior colocação".

A sentença que reconhecer o estatuto do objector de consciência é enviada aos órgãos de recrutamento militar que, acompanhada do processo respectivo, a remetem ao GSCOC. Este, no prazo máximo de 15 dias após a recepção, enviara carta registada ao objector de consciência informando-o da sua sujeição às obrigações do serviço cívico.

Diz-se no nº 4 do artigo 8º:

"A carta referida no número anterior será acompanhada de impresso próprio, de modelo a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro, para ser preenchido e devolvido pelo objector ao GSCOC, no prazo de 30 dias (12)”.

A selecção é estabelecida nos termos do artigo 9º:

"1. Os objectores de consciência serão agrupados tendo em conta os seus interesses, as habilitações literárias e profissionais e o relatório médico a que se refere o nº 4 deste artigo, quando haja lugar à sua elaboração, tendo em vista a sua futura colocação em áreas e funções concretas a desempenhar pelo objector.

...................................................................”.

Se o objector sofrer de deficiência ou doença permanentes pode requerer a sua sujeição a exame médico, a efectuar por uma junta médica civil da área da sua residência, que se pronuncia sobre a sua inaptidão total ou parcial (nºs 2, 3 e 4 do artigo 9º citado).

A inaptidão parcial não leva à isenção do serviço cívico mas deve ser tida em conta nas funções concretas a atribuir ao objector.

No tocante à colocação dispõe o artigo 10º:

"1. A atribuição de tarefas e funções do serviço cívico será feita nos termos do artigo 7º da Lei nº 6/85, de 4 de Maio.

2. A colocação será efectuada nos seis meses seguintes à inscrição.

3. 0 objector de consciência será avisado da sua colocação para apresentação no local onde deverá prestar a sua actividade, mediante notificação feita com, pelo menos, 30 dias de antecedência.

4. 0 objector tem direito a reclamar da colocação que lhe foi atribuída, com fundamento em ilegalidade ...

5. A reclamação a que se refere o número anterior não tem efeitos suspensivos..."

0 artigo 15º concretiza alguns "deveres do objector":

"A partir da data do conhecimento da sentença, o objector fica sujeito aos seguintes deveres, a cumprir junto do GSCOC:
a) Informar das suas mudanças de residência;
b) Preencher os boletins de inscrição que lhe sejam distribuídos e dar-lhes andamento;
c) Apresentar-se nos locais para que for convocado nos dias e horas indicados;
d) Caso tenha requerido adiamento da prestação de serviço cívico por força da frequência de curso superior, comprovar anualmente até 15 de Novembro a matrícula".

3.3. 0 serviço cívico, de acordo com a Constituição - artigo 276º, nº 4 -, deve ter "duração e penosidade equivalentes às do serviço militar".

Interessará, pois, conhecer as regras e procedimentos previstos para o serviço militar, onde possa haver equivalência ao serviço cívico, sem esquecer a natureza exclusivamente civil deste.

Também a sujeição ao serviço militar e ao cumprimento das obrigações dele decorrentes vai dos 18 aos 38 anos de idade do cidadão português – nº 4 do artigo lº da Lei nº 30/87, de 7 de Julho.

0 serviço militar abrange as situações de reserva de recrutamento desde o recenseamento até à incorporação ou alistamento -, o serviço efectivo, a reserva de disponibilidade e licenciamento e a reserva territorial - artigos 2º a 6º.

Através do recenseamento as autoridades militares obtêm a informação dos cidadãos em idade de início das obrigações militares.

Atentemos nas operações de recrutamento (geral), de classificação, selecção, distribuição e alistamento (artigos 14º a 18º) .

Os cidadãos recenseados são convocados para se apresentarem nos centros de classificação e selecção onde são submetidos a provas para efeito de determinar o grau de aptidão psicofísica, procedendo-se ao agrupamento - para os julgados aptos - por especialidades ou classes, de acordo com as suas aptidões físicas, psíquicas, técnicas, profissionais e outras. Podem ser manifestadas preferências em termos de ramos, especialidades ou classes e de área geográfica de cumprimento do serviço militar, a atender desde que não resultem prejuízos para as necessidades das Forças Armadas (nº 3 do artigo 14º).

Estipula-se no artigo 15º:

"0 cidadão que não se apresente às provas para classificação e selecção ou reclassificação para que foi convocado e não justifique a falta cometida no prazo de 30 dias, ou se recuse a realizar alguma daquelas provas, é notado compelido à prestação de serviço militar, cumprindo todo o serviço efectivo normal, caso seja considerado apto".

Pela distribuição é feita a atribuição quantitativa e qualitativa dos recrutas a cada um dos ramos das Forças Armadas, sendo o alistamento a atribuição nominal a cada ramo ou à reserva territorial (artigos 16º e 17º) (13) .

0 serviço efectivo normal inicia-se com a incorporação (artigo 23º, alínea a)), e o recruta que não se apresente após a convocação e não justifique a falta é notado de refractário (nº 3 do artigo 24º).

A sujeição às obrigações militares implica ainda para os cidadãos (artigo 31º):

"a) Dar conhecimento das alterações de residência à entidade militar de que dependem;
b) Comunicar à referida entidade a obtenção de habilitações literárias, técnicas, profissionais e outras que correspondam à aquisição de conhecimentos com interesse para as Forças Armadas;
c) Apresentar-se nos dias, horas e locais que sejam legalmente determinados pela autoridade competente para o efeito".

3.3.1. Detenhamo-nos nas sanções pela falta ou não cumprimento das obrigações militares nas suas diversas formas.

Segundo o artigo 40º, na redacção originária da Lei nº 30/87, em princípio,

- as infracções referidas no transcrito artigo 15º (compelido) e no nº 3 do artigo 24º (refractário) eram punidas como desobediência qualificada;

- as demais infracções a disposições dessa lei eram punidas como desobediência simples.

Tal preceito foi objecto de alteração pela Lei nº 89/88, de 5 de Agosto. Verifica-se um claro abrandamento nas sanções.

Passou a dizer:

"l. Em tempo de paz, será punido:

a) Com prisão até 1 ano e multa até 30 dias(14) quem praticar as infracções previstas no artigo 15º e no nº 3 do artigo 24º;

b) Com prisão até 6 meses ou multa até 80 dias quem praticar a infracção prevista no artigo 13º (o faltoso ao recenseamento) ou não cumprir a convocatória a que se refere a alínea a) do nº 1 do artigo 28º (15) ;

c) Com multa até 30 dias quem não cumprir os deveres estabelecidos no artigo 34º.

2. .. ....................................

3. Quem não cumprir a convocação a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 28º será punido com prisão de 6 meses a 3 anos (16)

............... ....................................”.



4

Comparando o quadro legal para as situações de serviço militar e serviço cívico há semelhanças e equivalências e também evidentes dissemelhanças e especificidades.

4.1. São manifestas as dissemelhanças no capítulo da classificação e selecção.

4.1.1. Segundo a Lei e o Regulamento do Serviço Militar os cidadãos recenseados são submetidos a um conjunto de provas a realizar em órgãos próprios do Exército, os Centros de Classificação e Selecção (CCS) - artigos 5º, nº 1, alínea c), e 15º), ambos do Regulamento da LSM - podendo abranger exames complementares de diagnóstico e provas complementares de selecção.

A classificação, subsequente à prestação das provas, é determinada com base na aplicação de tabelas de perfis psicofísicos e de inaptidões; também a selecção(agrupamento dos cidadãos classificados de aptos em famílias de especialidades ou classes tendo em vista a sua futura distribuição) é efectuada de acordo com normas adrede estabelecidas após audição dos ramos das Forças Armadas.

Os cidadãos considerados aptos podem então manifestar as suas preferências relativamente ao ramo, especialidade, turno de incorporação e área geográfica em que desejam cumprir o serviço efectivo normal, preferências a ter em conta "sempre que delas não resultem prejuízos para as necessidades das Forças Armadas e desde que os resultados da classificação e selecção o permitam" - artigo 21º do Regulamento da LSM.

4.1.2. Também para o serviço cívico estão previstas as operações de classificação e selecção e as respectivas provas (17)

Simplesmente, não constam da lei quaisquer indicações sobre as provas a efectuar pelos objectores de consciência, salvo no que toca ao exame por junta médica requerido por aqueles que sofram de deficiência ou doença permanentes limitadoras ou impeditivas das actividades do serviço cívico.

Deste modo, a classificação e selecção dos objectores com vista à colocação basear-se-á, em regra, no conhecimento das suas habilitações literárias e profissionais e na declaração das suas preferências e interesses.

Repare-se que na definição de tarefas e funções concretas a atribuir a cada objector deverão ser tidos em conta, logo em primeiro lugar, os seus interesses.

E enquanto no recrutamento militar, à consideração das preferências dos recrutas se sobrepõem os interesses das Forças Armadas, aqui as preferências manifestadas pelo objector "devem ser tidas em conta".

Embora pareça que o critério dessas preferências não terá de ser absoluto.

Se no domínio escolhido pelo objector não existe qualquer organismo ou acção programada para acolher a sua pretensão, seria irrazoável obrigar o Estado a despender um esforço desproporcionado para satisfazer, por hipótese, um único pedido.

Mas não existe dúvida de que o vector fundamental da colocação do objector se situa nos seus interesses vocacionais, dentro de um serviço cívico organizado à partida em áreas de utilidade para a colectividade, e nos domínios constantes da lei.

A manifestação daquelas preferências prefigura-se, assim, como um requisito essencial ao prosseguimento destas operações de classificação e selecção. Tais preferências devem constar do boletim de inscrição, a preencher pelo objector de consciência, sob pena de não estarem reunidas as condições legais para o processo de recrutamento continuar.

4.2 Comparemos o quadro de infracções e sanções aplicáveis na fase de reserva de recrutamento e reserva de disponibilidade para o serviço militar e para o serviço cívico.

Sublinhe-se, a começar, que as leis onde se mostram consignadas foram publicadas com escassos dias de intervalo - a Lei nº 89/88, de 5 de Agosto, e a Lei nº 100/88, de 25 de Agosto (18) .

Quatro situações se revelam em termos de equiparação quanto a sanções:

a) para o serviço cívico: a não apresentação injustificada do objector no serviço ou organismo em que foi colocado é punida como desobediência simples (prisão até 1 ano e multa até 30 dias);
para o serviço militar: a não apresentação injustificada ou a recusa às provas para classificação e selecção (compelido) ou a não apresentação injustificada à incorporação (refractário) são puníveis igualmente com prisão até 1 ano e multa até 30 dias (19)

b) para o serviço cívico: o não comparecimento à convocatória para efeitos de reciclagem de serviço cívico é punível com prisão até 6 meses ou multa até 80 dias;
para o serviço militar: a mesma pena se aplica aos que não compareçam à convocatória, estando na disponibilidade, para efeito de reciclagem, treino, exercícios ou manobras militares;

c) para o serviço cívico: o não comparecimento a convocação extraordin6ria em estado de excepção é punível com prisão de 6 meses a 3 anos; para o serviço militar: a mesma pena se aplica aos que não comparecerem à convocatória em caso de perigo de guerra ou de agressão iminente ou efectiva por forças estrangeiras:

d) para os indivíduos sujeitos a serviço cívico ou ao serviço militar o não cumprimento de certos deveres de informação ou de outros deveres de comparência é sancionado com a pena de multa até 30 dias.

Todavia, sobram previsões específicas. Assim:

a) A não devolução injustificada do boletim de inscrição por parte do objector de consciência não tem punição equivalente no serviço militar;

b) Em sentido inverso, o cidadão que não se apresenta ao recenseamento militar (faltoso) não tem paralelo no serviço cívico.

Finalmente, a recusa à prestação do serviço cívico apresenta-se como um delito autónomo, sem paralelo no campo militar.

Nem se poderá dizer que exista comparação admissível entre aquela conduta e a recusa à realização de alguma das provas para classificação e selecção - artigo 15º da LSM -pois a sua dimensão e naturais consequências nos dois casos se antolham bem diferentes.

Não é, pois, ajustado, falar num total paralelismo de situações, excluído aliás pela natureza distinta dos dois serviços.

4.3. A tese de que para se consumar o crime de recusa de prestação do serviço cívico se torna necessário que a colocação do objector já tenha sido ordenada e notificada não pode escamotear uma dificuldade. Qual a forma de conciliar tal posição com a existência do tipo legal previsto no nº 2 do artigo 47º aditado pela Lei nº 101/88, isto é, com o facto de a não apresentação injustificada do objector de consciência no serviço ou organismo em que for colocado no prazo de 30 dias ser prevista como desobediência simples.

Daí que alguns arguidos tenham invocado a revogação tácita do preceito do artigo 8º da Lei nº 6/85 por aquele nº 2 do artigo 47º.

Todavia, passando em revista os trabalhos preparatórios que deram origem à Lei nº 101/88 verifica-se que essa distinção de tipos legais foi claramente desejada.

Logo na Proposta de Lei nº 2/V (que deu origem, em parte, à Lei nº 101/88) no artigo 3º, nºs 1 e 2, se estabelecia a previsão diferenciada das duas situações (20).

A redacção da proposta dava aso a uma repetição de normas, no respeitante à recusa (e ao abandono), logo salientada no Plenário da Assembleia da República (21) já que se esquecia a existência do artigo 8º da Lei nº 6/85.

Numa outra intervenção (22) chamava-se a atenção para a incongruência de punir da mesma maneira a não devolução injustificada do boletim de inscrição e a não apresentação injustificada no serviço ou organismo da colocação. E acrescentava-se: "Se a segunda conduta se pode equiparar à não comparência à chamada para efeitos de incorporação nas Forças Armadas, já a primeira não tem qualquer correspondência deste tipo, apresentando-se, neste aspecto, o regime dos objectores mais gravoso do que o daqueles que cumprem o serviço militar". Preconizava-se o seu tratamento como infracção administrativa.

Assim não veio a suceder na redacção final aprovada (23) , talvez pela importância do conteúdo do boletim de inscrição, uma vez preenchido, na colocação do objector de consciência.

Na verdade, a teleologia dos preceitos é distinta. A recusa da prestação do serviço cívico ou o abandono significam a intenção de não cumprir esse dever de solidariedade social, em globo, um sucedâneo para o dever de defesa da Pátria ínsito no cumprimento do serviço militar.

Por seu lado, a não apresentação injustificada no lugar da colocação em certa data pode ser determinada por outras e diversas razões, uma delas, por exemplo, não querer aceitar aquela colocação concreta mas outra.


5

Do que se disse já se intui a não adesão à tese da necessidade de o objector ser colocado e notificado para que só então se mostre integrada a prática do crime de recusa de prestação de serviço cívico.

Mas há que voltar aos argumentos invocados em sentido diferente.

5.1. Recordem-se no essencial.

A prestação do serviço cívico deve ser entendida em sentido restrito e não em sentido amplo. Essa "obrigação de prestar" só se iniciaria com a colocação em organismo ou serviço, sendo a recusa antes da notificação para a colocação uma simples declaração de intenção, despida de significado jurídico-penal, pois até pode ser revista face a uma colocação concreta.

Aliás, também para que o abandono tenha lugar deve o objector ter já sido colocado.

5.2. Como atrás deixámos dito a infracção prevista no artigo 8º tem carácter específico, sem correspondência em situação equivalente do serviço militar.

A letra do nº 1 do artigo 8º refere-se, àquele que obteve o estatuto de objector de consciência", o que sucede quando a decisão (em regra, judicial) de concessão se torna definitiva.

Por outro lado, as obrigações decorrentes do serviço cívico também se iniciam a partir desse momento da aquisição do estatuto de objector de consciência - artigo 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 91/87.

Mas - argumenta-se - o que está em causa é o serviço cívico efectivo normal, o qual só decorre desde a colocação, não podendo a recusa ter lugar na fase primeira, ou seja, a de reserva de recrutamento pois a recusa é à prestação e não ao serviço cívico.

Quod est demonstrandum!

Da letra do preceito não parece lícito extrair a redução da recusa aos ter-mos da prestação concreta. A sujeição às obrigações do estatuto de objector decorre dos 18 aos 38 anos de idade.

A problemática da recusa ou abandono do serviço substitutivo do serviço militar, conhecida de vários países, era evidentemente do conhecimento do legislador e mereceu-lhe um tratamento específico, mais grave do que a simples falta de apresentação no serviço ou organismo onde o objector fora colocado.

E no caso em apreço não falta a solicitação para um comportamento exterior pois ela surge quando a Administração, através do GSCOC, inicia o processo de recolha de elementos informativos com vista à colocação, remetendo ao objector de consciência o boletim de inscrição.

Concede-se, porém, que o elemento literal não seja decisivo.

5.3. 0 procedimento adoptado pelos objectores não representa mais que uma mera declaração de intenção de recusa - diz-se.

Não nos parece que seja assim.

Senão vejamos em pormenor.

Reconhecido o estatuto de objecção de consciência e comunicado ao GSCOC, este envia uma carta registada ao objector "informando da sua sujeição às obrigações do serviço cívico", ao mesmo tempo que lhe remete o boletim de inscrição.

Como se viu, um dos "itens" do boletim de inscrição (24) , a preencher pelo objector de consciência, é o respeitante às "áreas preferenciais de actuação", encontrando-se anexa a tabela respectiva.

Anotámos supra (pontos 3.2. e 4.l.) o relevo que assume, nas tarefas de selecção e classificação, a manifestação daquelas preferências, como elemento viabilizador da futura colocação, dada a ênfase que a lei põe nos interesses do objector e, por outro lado, a falta de realização de provas.

A partir do momento em que o objector de consciência deliberada e conscientemente assume a atitude de não indicação das "áreas preferenciais de actuação" para o serviço cívico que é chamado a desempenhar inviabiliza (utilizando a expressão da Relação do Porto), de modo essencial, o processo subsequente.

Como é possível agrupá-lo (artigo 9º do Decreto-Lei nº 91/87) "tendo em conta os seus interesses", e habilitações literárias e profissionais? Como é possível atribuir-lhe tarefas e funções de acordo com o artigo 7º da Lei nº 6/85, onde se impõe que sejam tidas em conta "as preferências manifestadas"?

Portanto a recusa, a oposição ao ditame legal, para se considerar perfeita, não tem que esperar pela colocação. Nos casos que estão na origem da consulta, os termos em que a recusa se manifestou esvaziaram de conteúdo os actos subsequentes de classificação, selecção e colocação. Para além de eventualmente inútil, a actuação subsequente da Administração não é juridicamente possível.

Porque aquela manifestação de vontade pode ser feita em condições as mais diversas, daí a necessidade de se proceder a inquérito onde se avaliará da credibilidade, fidedignidade e responsabilidade por tal declaração.

5.4. Argumenta-se ainda que o objector pode rever a sua aparente recusa em face das tarefas que lhe vierem a ser destinadas quando colocado num concreto organismo ou departamento.

Acabámos de constatar como a falta de manifestação de preferências impede o prosseguimento do processo de selecção e colocação. E enquanto os outros elementos informativos que compõem o boletim de inscrição poderão ser recolhidos de fonte exterior ao objector de consciência, a declaração de preferências é, por sua natureza, de índole pessoal.

Logo, não haverá possibilidade de qualquer convocação para iniciar o serviço em certo organismo! ...

Dir-se-á, todavia, que o cidadão pode não manifestar as suas preferência e nem por isso o processo se deverá interromper.

Por exemplo, o objector de consciência não assinala qualquer área de preferência, significando com a sua atitude a aceitação de qualquer uma das colocações possíveis. Não se vê razão para o processo de recrutamento não prosseguir, salvo se se levantarem dúvidas sobre aquela manifestação de vontade, dúvidas que a Administração deverá esclarecer previamente.

Só que esse comportamento é o oposto daquele em que o objector não indica qualquer preferência porque se recusa a cumprir o serviço cívico, seja qual seja. Além, o objector aceita, em princípio, qualquer colocação e "transfere" para a Administração a avaliação do que melhor se coaduna com os seus interesses.

Se - outra hipótese - o objector preencheu correcta e completamente o boletim de inscrição e o devolveu com uma declaração de recusa, do estereotipo usado pelas "Testemunhas de Jeová", também não haverá razão para ser interrompido o processo de selecção e colocação.

Aqui, sim, estamos perante uma simples manifestação de intenção de não cumprir, sem reflexo jurídico-penal enquanto não for "demonstrada" pela inobservância de uma norma.

À revisão do comportamento voltaremos, porém, infra, ponto 6.

5.5. Algum esclarecimento deve ser tentado sobre o crime de abandono de serviço cívico, não só em termos teóricos mas especialmente na relação com a argumentação expendida em contrário.

No ponto 5.2. do Parecer nº 74-A/89 afirmou-se, em certa altura, que também o abandono do serviço cívico podia ocorrer durante a reserva de recrutamento.

Diz-se, adversamente, que o abandono só pode ter lugar depois da colocação efectiva, uma vez iniciada a "prestação" de tarefas concretas. Seria, aliás, um argumento mais para afirmar que também a recusa só pode ocorrer a partir desse momento, já que a lei trata da mesma maneira o abandono e a recusa.

Admite-se, sem esforço, não ser facilmente configurável a figura do abandono antes de iniciado o desempenho das tarefas, após a colocação. 0 que, porém, não basta para acolher o argumento de equiparação de situações que se pretende extrair.

Na verdade, uma vez aceite, como se faz, que o crime de recusa pode consumar-se ainda antes da colocação, é congeminável a hipótese de o detentor do estatuto de objector devolver o boletim de inscrição com uma declaração semelhante à produzida pelas "Testemunhas de Jeová" sem manifestação de quaisquer preferências, e que de seguida saia do país com intenção de não voltar.

Será talvez mais correcto configurar aí uma situação de abandono do que de recusa.

Não se insiste na segurança de tal abordagem.

0 que, porém, não se aceita, e importa salientar, é a procedência do argumento de equiparação com vista a extrair a conclusão de que também a recusa só ocorre após a colocação.


6

6.1 0 bem jurídico protegido pelo tipo legal do artigo 8º da Lei nº 6/85 é, a nosso ver, a obrigação de solidariedade social imposta ao objector como contrapartida do seu direito de objecção de consciência, a fim de não bulir com a igualdade de ónus e encargos entre os objectores de consciência e os restantes cidadãos.

No artigo 8º da Lei nº 6/85 prevê-se um delito que não tem paralelo, por enquanto, no serviço militar.

Penetremos então na forma como a conduta, suporte do conceito de crime, é descrita.

A doutrina distingue (25) entre crimes de mera actividade (o agente faz alguma coisa que não deve), de comissão por acção (o agente faz alguma coisa que não deve e causa um evento descrito no tipo), de omissão pura (o agente não leva a cabo uma coisa que se lhe impõe), de comissão por omissão (o agente não leva a efeito uma conduta que obstaria à produção do resultado descrito no tipo).

A lei exige ao agente o cumprimento de um dever de solidariedade social, o dever de cumprir o serviço cívico. Ao recusar cumprir esse dever o agente omite a conduta que a lei lhe exige. Trata-se de um crime de omissão pura, já que essa omissão não aparece ligada a qualquer resultado.

Segundo C. Bettiol (26) "um comportamento assume a natureza de omissão só em referência a uma exigência, a uma norma que imponha a um sujeito o dever de activar-se". A omissão supondo um comportamento no espaço e no tempo, só se compreende plenamente em contacto com uma valoração. A omissão penal só terá relevo, portanto, em contacto com uma exigência jurídica.

Para Hans-Heinrich Jescheck (27)nos delitos de omissão o autor comporta-se de um modo puramente passivo pelo que haverá de se atender ao momento em que é posto em perigo o objecto da acção protegido ou, se for o caso, o aumento de perigo já existente.

F. Antolisei (28) , depois de assinalar como crimes por omissão "quelli che si pongono in essere con una condotta negativa", neles inclui os que a lei descreve com a expressão "recusa" ("rifiuta" ou "ritarda" ou semelhantes), embora a recusa em si própria não viole a norma, o que sucede, sim, com a omissão do acto ou actos que são impostos pela mesma norma.

0 que para a situação em apreço se mostra interessante.

Se a recusa revelada - a declaração de recusa - não fosse acompanhada do incumprimento de qualquer dever não haveria delito.

0 mesmo autor exemplifica ainda, como delitos de omissão, a omissão de actos de ofício, a omissão de denúncia de um crime, sublinhando o interesse da classificação para efeito de estabelecer o momento de consumação bem como para determinar o tempo e o lugar da sua prática (29) .

Cuello Calón (30), depois de referir que "los delitos de omisión consistem en la inacción, en la abstención del agente, cuando la ley impone la ejecución de un hecho determinado", a qual se traduz numa manifestação de vontade de "não fazer", acrescenta:

"Estos delitos (de omissão) se cometen en el tiempo en que el agente hubiera debido ejecutar la acción positiva que tenía el deber jurídico de realizar; comienzan en el momento en que se exige la ejecución del acto y duran tanto quanto dura el deber de ejecutarlo".

6.2. Dispõe o artigo 3º do Código Penal (Momento da prática do facto):

"0 facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido".

Detenhamo-nos, de novo sobre o caso em apreço.

0 crime de recusa de prestação de serviço cívico constitui um crime de omissão pura cuja prática se inicia no momento em que exigindo a lei uma determinada conduta o agente a omite.

Desde o reconhecimento do estatuto de objector de consciência que este fica sujeito aos deveres decorrentes do serviço cívico, sendo um deles o fornecimento dos elementos que compõem o boletim de inscrição, designadamente a indicação das áreas preferenciais de actuação.

Solicitado pelo GSCOC, com base na lei, a indicar tais elementos informativos, tendo em vista o prosseguimento das operações de classificação, selecção e colocação, o objector não só omite esse dever, tornando inútil e inviável o curso do processo, como enuncia expressamente a sua intenção de rejeição do serviço cívico em bloco, isto é, de cumprir quaisquer outras tarefas que lhe sejam pedidas.

A não se consumar nesse momento, o delito jamais se consumaria, posto que jamais haveria lugar à colocação, exigida, ex-adverso, como indispensável.

0 facto criminoso está consumado - a verificarem-se os restantes elementos do crime - e permanece no tempo, pois se trata de um crime que se assemelha aos permanentes (31)

Nem a situação é diferente se aquela posição (omissão) do objector surgir mais adiante, por hipótese já determinada a colocação e notificado para se apresentar.

Admitamos que o processo de classificação e selecção prosseguiu e o GSCOC procedeu à colocação do objector num organismo ou serviço mesmo sem a sua declaração de interesses, colocação que, em princípio, sofreria de ilegalidade.

Diz-se: o objector pode ter revisto a sua posição face à colocação que lhe foi atribuída ou simplesmente mudou de atitude.

0 crime de recusa, na nossa opinião, havia-se consumado e a conduta subsequente do objector apenas influiria no tipo ou medida da pena.

0 mesmo sucederia, aliás, se se entendesse, como na tese adversa, que o crime de recusa de serviço cívico apenas se consuma no momento em que o objector deixou decorrer o prazo de apresentação no organismo em que fora colocado.

Se o objector revir a sua atitude e aderir ao cumprimento das obrigações do serviço cívico o crime já se perfectionara e a sua conduta posterior apenas influirá no tipo ou medida da sanção a aplicar (32)


7

7.1. Vejamos o debate travado em Itália e Espanha a propósito de disposições afins.

7.1.1. Desde 1972 que a Itália admite a objecção de consciência ao serviço militar (33) como uma causa de conversão da prestação militar, ficando os seus beneficiários sujeitos a um serviço militar não armado ou ao serviço civil substitutivo.

0 artigo 8º da Lei nº 772, de 15.12.72, modificada pela Lei nº 695, de 24.12.74, prevê não só o delito de recusa do serviço militar em tempo de paz, por razões de consciência e antes da incorporação, como o delito de recusa do serviço alternativo, puníveis de dois a quatro anos de reclusão.

No primeiro caso, o cumprimento da pena extingue a obrigação do serviço militar, eliminando, assim, a “grottesca spirale delle condamne" anteriormente prevista. Não interessa para o caso qual o motivo por que o indivíduo não beneficia do serviço alternativo: o pedido de objecção pode ter sido rejeitado ou nem sequer fora apresentado, ou fora-o mas extemporaneamente.

No segundo caso, a expiação da pena não exonera da prestação de serviço alternativo, considerando-se que aqui se trata de uma "rebelião arbitrária ao dever de solidariedade social" enquanto além o legislador terá "reconhecido" a objecção na base de uma presumida sinceridade de motivos (34) .

Diz-se, no entanto:

" ... affinché si possa parlare di um rifiuto del servizio militare, é necessario che il rifiuto sia manifestato dopo avvenuta lã regolare chiamata alle armi, e che l'obbligato al servizio di leva abbia lasciato scadere il termine per lã presentazione al corpo di assegnazione senza assumere il servizio stesso".

Além de um elemento psicológico - voluntarístico do sujeito é necessário um comportamento exterior, o qual é facilmente captável nos seus contornos se a recusa se dirige a uma obrigação jurídica singular, o que já não sucederá quando a recusa tem por objecto o serviço militar no seu todo - acrescenta-se.

0 comportamento pode traduzir-se numa simples omissão -não se apresentar à incorporação - ou pode ser expresso por uma forma positiva, por exemplo, se o sujeito se apresenta com a finalidade única de declarar a sua recusa.

As mesmas considerações serão pertinentes para o crime de recusa do serviço alternativo (35) .

7.1.2. Apresentam-se as coisas de modo algo diferente em Espanha, embora partindo de textos semelhantes.

Segundo o Código Penal Militar "o espanhol, declarado útil para o serviço militar, que se recuse expressamente e sem causa legal a cumprir o serviço militar será punido com a pena de um a seis anos de prisão" (artigo 127º).

Para o serviço cívico existe uma disposição equivalente (36)

"Al que habiendo quedado exento del servicio militar, como objector de conciencia, rehúse cumplir lã prestación social substitutoria, se le imponderán lãs penas de prisión menor em sus grados medio o maximo y de inhabilitación absoluta durante el tiempo de lã condena".

Comentando estes preceitos (37), com especial incidência na norma da recusa do serviço militar, sublinha-se que a acção finalista do agente não é um mero desacato à ordem particular do superior para que vista o uniforme mas o amplo e deliberado propósito de não cumprir, em termos absolutos, a primordial obrigação de servir a Pátria. E acrescenta-se:

"A negativa tem de referir-se ao cumprimento do serviço militar genericamente considerado, no seu conjunto, e não a serviços ou deveres concretos cujo incumprimento dará lugar a outras figuras delitivas".

Considera-se essencial, ainda que o preceito não o diga, "que de alguma forma se haja infringido" el deber de prestar el servicio militar" y ello sólo se produce cuando lã actitud del sujeto tiene una transcendencia ante lãs personas encargadas de velar por el cumplimiento de ese deber, o en el lugar donde debe prestarlo" (38) .

Tais considerandos serão perfeitamente transponíveis para a interpretação do preceito transcrito, referente à prestação social substitutiva.

7.3. 0 sistema jurídico-penal português não está munido de uma disposição idêntica às indicadas para Itália e Espanha no que concerne à recusa de prestação de serviço militar (39) .

No entanto, a jurisprudência começa a ser confrontada com situações que valerá a pena trazer à discussão.

Num conflito negativo de competência suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça (40) dá-se conta de que uma "Testemunha de Jeová", requerente do estatuto de objector de consciência fora de prazo, se recusou a envergar a farda ou a praticar qualquer acto que objectiva ou subjectivamente significasse aceitação da incorporação.

Sendo certo que o problema a decidir era o de saber -qual o foro competente para conhecer da infracção - o comum ou o militar - o Supremo teve como correcto o entendimento de que a infracção praticada era a de falta à incorporação (refractário), prevista pelos artigos 24º, nº3, e 40º, nº 1, alínea a), da Lei do Serviço Militar.

É, porém, evidente que a conduta assumida representa uma rejeição em bloco do serviço militar e não apenas um mero não cumprimento do dever concreto de apresentação à incorporação.


8

Já na fase final de elaboração do presente parecer teve-se acesso ao Projecto de Lei nº 554/V, de 12.06.90 (41) .

Algumas mudanças sensíveis ao regime actual são propostas.

Para além de se preconizar que o estatuto de objector de consciência seja reconhecido por via administrativa e não judicial, baseado numa declaração do objector, de poder ser solicitado a todo o tempo, e de passar a duração do serviço cívico para um período de mais um terço que o serviço militar (uma vez e meia o período estabelecido para o serviço militar, com um mínimo de oito meses), os autores do projecto mostram preocupação em evitar que alguns se furtem ao serviço militar e também ao serviço cívico.

Embora mantendo a regra dos interesses do objector como vector fundamental das tarefas a atribuir-lhe, a norma do Projecto, equivalente ao artigo 8º da Lei nº 6/85, ou seja, o artigo 9º, reza assim:

"1. A revogação da declaração de disponibilidade para a prestação de serviço cívico alternativo (42), -a recusa da prestação desse mesmo serviço, o seu abandono ou a falta de manifestação de preferência que impeça a definição das tarefas a prestar importam a cessação automática do estatuto de objector de consciência, nos termos dos artigos 14º e 15º.

2. Considera-se abandonada a prestação de serviço cívico alternativo quando o objector falte, injustificadamente, durante cinco dias seguidos ou dez dias interpolados, no período de um ano, ao seu cumprimento.

.........................................................”

Cessada a situação de objector, o seu ex-titular fica sujeito ao cumprimento das obrigações militares normais, a menos que já tenha atingido a idade em que as mesmas findam.

Parece sintomática a equiparação expressa da falta de manifestação de preferência que impeça a colocação à recusa ou abandono de prestação de serviço cívico, embora, em nossa opinião, a igual conclusão se chegue pela interpretação dos textos vigentes.

Por outro lado, desaparece o tipo legal de crime hoje previsto no nº 2 do artigo 47º da Lei nº 6/85, isto é, a não apresentação injustificada do objector no serviço ou organismo em que foi colocado (cfr. artigo 32º do Projecto).

0 cumprimento das penas aplicadas nos termos da legislação anterior (a que se encontra vigente) suspende a contagem do tempo de prestação de serviço cívico (artigo 36º do projecto).

Apenas duas observações, relacionadas com a matéria ora em discussão.

A cessação "automática" do estatuto de objector por virtude da recusa ou abandono implicará, porventura, a prática de actos administrativos impugnáveis por outra via que não a simples queixa ou reclamação para o Conselho Nacional de Objecção de Consciência, o que pode redundar em situações não clarificadas por largo período.

Verificada a recusa ou abandono do serviço cívico o objector nos termos da nova Proposta perde o seu estatuto ficando sujeito ao cumprimento das obrigações militares normais.

0 sistema legal português não contempla qualquer disposição sancionadora da recusa do serviço militar, como sucede em Itália, Espanha e outros países. E não será difícil antever potenciada no serviço militar a recusa daqueles que nem o serviço cívico aceitam por não ser mais que "um serviço militar disfarçado".

9

Pelo exposto se formulam as seguintes conclusões:

1ª- Confirmam-se as conclusões do parecer nº 74-A/89, de 9 de Novembro de 1989;

2ª - A recusa à prestação de serviço cívico tal como tem sido manifestada pelas "Testemunhas de Jeová", refere-se às obrigações decorrentes daquele serviço no seu conjunto, ou seja, ao dever de solidariedade social equivalente ao dever de prestação de serviço militar;

3ª - 0 crime previsto pelo artigo 8º, nº 1, da Lei nº 6/85, de 4 de Maio, apresenta-se como um delito autónomo, sem paralelo no serviço militar;

4ª- A classificação e selecção como operações prévias da colocação do objector de consciência no serviço ou organismo onde executará as tarefas do serviço cívico, pressupõem a indicação, prevista no boletim de inscrição, das áreas preferenciais de actuação, a fim de aquela colocação respeitar os seus interesses;

5ª- Se o objector de consciência, ao preencher o boletim de inscrição, para além de expressar por escrito a sua recusa ao cumprimento do serviço cívico e a sujeição às penalidades decorrentes dessa atitude, não indica as áreas de preferência, inviabiliza o processo futuro de classificação e selecção e, consequentemente, a sua colocação;

6ª- No momento em que omite esse dever informativo que, em regra, perpetua no tempo, o objector consuma a prática do crime de recusa de prestação do serviço cívico, uma vez verificados os restantes elementos da infracção;

7ª- Porém, se o objector fornece toda a informação que lhe é pedida através do boletim de inscrição, mas apesar disso manifesta por escrito a sua recusa de prestação do serviço cívico, não se verifica a omissão de qualquer dever imposto, sendo irrelevante, sem mais, essa manifestação de intenção, pelo que o processo de classificação, selecção e colocação deve prosseguir;

8ª - A mudança de atitude do objector de consciência após a consumação do crime, nomeadamente deixando de omitir as obrigações a que está sujeito, apenas influirá no tipo de sanção a aplicar e sua medida;

9ª - São distintas as infracções previstas no artigo 8º, nº 1, citado - recusa de prestação de serviço cívico - e a falta de apresentação injustificada no organismo ou serviço em que o objector tiver sido colocado - artigo 47º, nº 2, da mesma Lei nº 6/85, preceito aditado pela Lei nº 101/88, de 25 de Agosto.


VOTOS

(António Silva Henriques Gaspar) – 1. Vencido quanto às conclusões 4ª a 8ª.
O tipo definido no artigo 8º, nº 1 da Lei nº 6/85, de 4 de Maio , vem descrito como a recusa à prestação de serviço cívico a que o agente esteja obrigado “nos termos da presente (daquela) lei”.
Configura-se, pois, dogmaticamente, como um crime de omissão pura.
A omissão neste tipo de delitos não se traduz num simples deixar de fazer algo, mas em deixar de fazer algo que esteja anteriormente determinado na lei, deste se deduzindo os termos e a configuração do dever de acção esperada.
Há-de estar definida na lei uma situação típica, que determina em cada caso o conteúdo concreto do dever de actuar, e cujo incumprimento (não agir nos termos esperados ou impostos segundo a situação definida) constitui a omissão (do comportamento devido).

2. Há, pois, que ver como se concretizam estes elementos da descrição do tipo definido no artigo 8º, nº 1 da citada Lei nº 6/85.
Estabelece-se o dever imposto a um agente no qual se reuna uma qualificação especial – que haja obtido o estatuto de objector de consciência. Esse dever traduz-se na prestação do serviço cívico, prestação a que o objector esteja (nos termos em que esteja) obrigado nos termos da Lei nº 6/85.
Assim, o dever de prestação, cuja recusa constitui a omissão punível como a desobediência (artigo 388º, nº 3 do Código Penal), há-de estar definido (concretizado, tipicamente determinado) nos termos daquela lei.
Nos termos da lei, a prestação de um serviço cívico traduz-se numa participação útil de tarefas necessárias à colectividade, organizado preferentemente nos domínios (sectores) enunciados no artigo 4º, nº 2, alíneas a) a m), da Lei nº 6/85.
Na definição destas tarefas (a incluir no serviço cívico), - artigo 7º, nº 1, - as autoridades competentes deverão ter em conta elementos objectivos e subjectivos pessoais do objector de consciência, mas, por isso mesmo, a análise e ponderação destes elementos é anterior à definição de tarefas a incluir no serviço cívico, isto é, à determinação do conteúdo legalmente definido da acção esperada, cuja omissão se sanciona.
0 objector está, pois, obrigado à prestação de serviço cívico nos termos da Lei nº 6/85. Concretizando, à prestação de um serviço em tarefas necessárias à colectividade, definidas pelas autoridades competentes.
Sem esta definição, ou anteriormente a esta definição, não está concretizada a situação típica, o conteúdo do dever de prestação, cuja recusa constitui a omissão punível.

3. Deste modo, fora dos elementos do tipo (da definição do conteúdo típico do dever de agir e, consequentemente, da recusa-omissão relevante) estão todas as situações ou deveres instrumentais de processo que estão preordenados precisamente à determinação precisa do conteúdo daquele dever de actuar.
Nesses momentos prévios, processuais, não está presente qualquer conteúdo do dever de prestação (do serviço, das tarefas) definido na Lei nº 6/85.
Por isso, a declaração de recusa, no momento preparatório do respectivo processo, como simples declaração de intenção, não assume relevância material por referência ao elemento essencial do conteúdo do dever de prestar, que nesse momento preparatório se não encontra ainda definido e concretizado.
0 preenchimento incorrecto ou o não preenchimento de formulários, ou a declaração de recusa, não inviabilizam o procedimento administrativo da determinação - sequente - dos deveres e tarefas de interesse da colectividade que aos objectores cabe cumprir na prestação do serviço cívico. Dificultarão, quando muito, a actuação administrativa, mas não inviabilizam, e muito menos juridicamente, a sequência do processo.
Acresce que a consideração das qualificações e preferências dos objectores, releva muito do ponto de vista do próprio interesse destes.
Nesta medida, a simples declaração de recusa, em fórmula integrada num processo instrumental de definição de funções e tarefas, mais não é do que isso mesmo; uma simples intenção sem corporização material na referência com o conteúdo efectivo e determinado do dever de prestação que, nesse momento, lógica e cronologicamente anterior, não pode ainda ser omitido.
Não pode haver recusa, traduzida efectivamente na omissão do comportamento devido, em momento em que, segundo a construção da lei e a definição do tipo, não estava ainda concretizada a situação típica que determina o âmbito, os limites, o conteúdo e a efectividade da recusa.


(Salvador Pereira Nunes da Costa) Vencido, nos termos expostos pelo Excelentíssimo Colega Dr. António Silva Henriques Gaspar, com o seguinte acrescentamento:
A consumação do crime de desobediência por recusa da prestação do serviço cívico, previsto no artigo 8º, nº 1, da Lei nº 6/85, de 4 de Maio, depende, além do mais, da apresentação do agente à entidade respectiva, do acto de distribuição por ela àquele da tarefa ou tarefas concretas, e de recusa por banda dele no que concerne à sua execução. A não apresentação injustificada do agente à entidade mencionada é susceptível de integrar o tipo de ilícito criminal previsto no artigo 47º, nº 2 daquela lei, e o início por ele da execução das tarefas que lhe hajam sido distribuídas seguido de abandono do serviço, o tipo de ilícito previsto no artigo 8º, nº 2, daquele diploma.

(Abílio Padrão Gonçalves) – Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. António Silva Henriques Gaspar.


(José Joaquim de Oliveira Branquinho) Vencido nos termos do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. António Silva Henriques Gaspar. Não obstante a posição que assumi votando o Parecer 74/89, a reponderação de todo o regime legal leva-me hoje a tomar a posição expressa nesse voto.







(1) Na mesma data o Conselho Consultivo aprovava o Parecer nº 74/89, respondendo a consulta do Ministro Adjunto e da Juventude, sobre igual matéria.

(2) Circular nº 12/89, da PGR.

(3) De 3.04.90, subscrita por um Procurador da República, com a qual concorda o Senhor Procurador-Geral-Adjunto Distrital e a generalidade dos magistrados do Ministério Público, segundo informa.

(4) Juntou-se fotocópia do acórdão da Relação de Coimbra, de 28.02.90, respeitante ao recurso do despacho de não recebimento da acusação, já referido, contra um objector que, em vez de indicar, no boletim de inscrição, a(s) área(s) de serviços de sua preferência escreveu recusar-se "a fazer qualquer espécie de serviço cívico". o Magistrado do Ministério Público junto da Relação pronunciou-se pela improcedência do recurso, o que veio a suceder. São os seguintes os argumentos do Tribunal da Relação: o arguido apenas está "a anunciar a sua intenção de vir a recusar-se" e também "não houve mandado legítimo a que ... tenha desobedecido". A obrigação de prestação do serviço cívico só existe após a classificação, selecção e colocação em organismo ou serviço. Há uma gradação de sanções para as diversas fases. "Não seria natural que o legislador estabelecesse a sanção mais grave, ao fim e ao cabo, para uma das formas como o boletim de apresentação é preenchido". Logo, "só pode ser praticada (a infracção) a partir da colocação do objector de consciência no serviço cívico efectivo".

(5) Ofício nº 501-MJ/PGD, de 9.04.90.

(6) Datados de 7.03.90 e 14.03.90.

(7) As alegações são idênticas nos dois recursos interpostos.

(8) Ofício de 25.08.89, assinado pelo Ministro Adjunto e da Juventude.

(9) A situação de abandono do serviço cívico, que não foi autonomizada no anterior Parecer, quanto ao momento da sua prática, voltaremos adiante.

(10) Nas notas (5) e (6) do parecer 74-A/89 já se formulavam algumas
observações sobre aspectos anómalos deste preceito.

(11) 0 Decreto-Lei nº 451/88, que deu nova redacção aos nºs 1, 2 e 6, atendeu à experiência colhida e às "disposições inovadoras consagradas na Lei do Serviço Militar, aprovada pela Lei nº 30/87, de 7 de Julho", de modo a que os objectores "possam cumprir o serviço cívico em condições equivalentes aos cidadãos sujeitos a obrigações militares" (do preâmbulo).

(12) Pela Portaria nº 465/89, de 24 de Junho (que revogou a Portaria 173/88, de 22 de Março), emitida em execução deste nº 4 foi aprovado o modelo do boletim de inscrição do objector de consciência.
Examinando a composição desse boletim verifica-se que, além dos elementos de identificação civil, fiscal, habilitações literárias e profissionais, devem ser indicadas pelo objector (ponto 13) as "áreas preferenciais de actuação". Nas "Instruções" de preenchimento para este ponto 13 refere-se que as áreas de preferência serão indicadas por ordem decrescente da tabela aí codificada, a qual segue "pari passu" a enumeração do artigo 2º do Decreto-Lei nº 91/87 respeitante aos domínios da prestação do serviço cívico.

(13) Os artigos 15º a 30º do Regulamento da Lei do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 463/88, de 15 de Dezembro, referem-se à classificação e selecção e os artigos 31º a 33º à distribuição e alistamento, nada aditando de interesse.

(14) A dosimetria é equivalente à da desobediência simples.

(15) Convocatória para prestação de serviço militar de cidadãos na disponibilidade - para reciclagem, treino, exercícios ou manobras militares.

(16) Convocatória de cidadãos na disponibilidade em caso de perigo de guerra ou de agressão iminente ou efectiva enquanto não for decretada a mobilização militar.

(17) Esta referência a provas de classificação e selecção incluída na alínea b) do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 91/87 poderia ainda ser entendida como elemento fornecido pelos órgãos de recrutamento militar, se tais provas já tivessem sido prestadas. Abstraindo das numerosas situações transitórias a que houve de fazer face, hoje a acção para atribuição do estatuto de objector deve ser proposta até ao 30º dia anterior à data da sua submissão à inspecção para efeitos de classificação e selecção - artigo 17º, nº 1, da Lei nº 6/85 e artigo 88º, nº 1, do Regulamento da LSM. E a propositura da acção suspende o cumprimento das obrigações militares. Não é, assim, provável que tais provas sejam as efectuadas no âmbito do recrutamento militar.

(18) Os trabalhos preparatórios da Lei nº 100/88 foram indicados em nota ao ponto 4.3. do Parecer nº 74-A/89.
Os da Lei nº 89/88 constam do DAR, II Série, nº 54, de 9.03.88, DAR, I Série, nº 87, de 13.05.88 e nº 93 de 27.05.88.
Curiosamente foram discutidas na mesma reunião plenária de 12.05.88, embora separadamente, quer a proposta de Lei nº 34/V, relativa às alterações à Lei do Serviço Militar, quer a proposta de Lei nº 37/V, respeitante às alterações à Lei nº 6/85 (objectores de consciência), que desembocou na Lei nº 100/88.

(19) Não se invoca, porém, na lei militar, a punição do crime como de desobediência simples.

(20) Dizia-se nesse artigo 3º (DAR, II Série, nº 9, de 16.10.87, pág. 53): "1 - A não devolução injustificada do boletim de inscrição ou a não apresentação injustificada do objector de consciência no serviço ou organismo em que for colocado... constitui crime de desobediência simples.... 2. A recusa ou o abandono da prestação do serviço cívico por parte do objector constitui crime de desobediência qualificada" ...

(21) Intervenção do Deputado NARANA COISSORÓ (CDS) - DAR, I Série, nº 16, de 30.10.87, pág. 356.

(22) Deputado MARQUES JUNIOR (PRD) - Ibidem, pág. 361.

(23) Pelo PSD, PS, PCP, PRD, CDS, ID, com a abstenção de os Verdes.

(24) Na Portaria nº 173/88, de 22 de Março - ora revogada pela Portaria nº 465/89, de 24 de Junho - a designação adoptada para o impresso era de "Boletim de Apresentação de Objector de Consciência". 0 novo modelo, para além de mudança da designação, passou a conter um campo para a menção da "residência actual" e número de telefone.

(25) Cfr., EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, I, Coimbra, 1963, pág. 286.

(26) Diritto Penale Parte Generale, 20ª edição, Padova, 1982, pág. 294

(27) Tratado de Derecho Penal, vol. II, Trad. de Mir Puig e Munõz Conde, Barcelona, 1981, págs. 709, 824 e segs..

(28) Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, 9ª edição, Milano, 1982, págs. 187 a 190, 218 a 220.

(29) CLAUS ROXIM, Problemas Fundamentais do Direito Penal, Vega (tradução), págs. 169 a 195, depois de estudar vários exemplos e de salientar a pouca atenção dedicada à figura jurídica da omissão "através de fazer alerta para o facto de existir uma ampla franja no campo dogmático ainda por explorar "na fronteira entre a comissão e a omissão".

(30) Derecho Penal, Tomo 1, 144 edição, Barcelona, 1964, págs. 296 e segs..

(31) Cfr., EDUARDO CORREIA, ob. cit., pág. 309.

(32) Partimos sempre do princípio de que a infracção cometida é a prevista no artigo 8º da Lei nº 6/85 - o escopo visado é de rejeição do serviço cívico - e não a mera falta injustificada de apresentação prevista pelo artigo 47º, nº 2.

(33) FRANCESCO C.PALAZZO, in Enciclopédia del Diritto, XXIX, Giuffré Editore, págs. 539 a 560.

(34) Mas se o objector, que recusou o serviço alternativo, pediu de novo o seu ingresso, o tempo de prisão é-lhe contado na prestação a que ainda esteja sujeito.

(35) 0 artigo 8º, nº 1, da Lei nº 772 pune (com reclusão de 2 a 4 anos) "chiunque, ammesso ai benefici della legge, rifiuti il servizio militare non armato o il servizío sostítutivo civile".

(36) 0 artigo 2º da Lei Orgânica 8/1984, de 26 de Dezembro, alterado pela Lei Orgânica 14/1985, de 9 de Dezembro.

(37) Comentários al Código Penal Militar, Coordenados por Ramón Blecua Fraga et aliud, Madrid, 1988.

(38) Não haverá crime - diz-se ainda - se "numa conversa ou carta privada uma pessoa ... comunica a seu pai ou a um seu amigo que rejeita o serviço militar e não deseja cumpri-lo, mas, apesar disso, realiza todos os actos de alistamento" ...

(39) Em análise comparativa da Direcção-Geral de Estudos, incluída num relatório preparado pelo Parlamento Europeu das Comunidades Europeias, constata-se a existência de disposições semelhantes em outros países da CEE.
Cfr. ainda a resolução do PE - Doc. A3 - 15/89, publicada no JC nº C 291/122, de 20.11.89.

(40) Acórdão de 13.12.89, recurso nº 40335 a cujo texto se teve acesso. Vem sumariado In Actualidade Jurídica, Ano 2, nº 4, Janeiro de 1990, onde também se encontra sumariado o acórdão de 6.12.89, recurso nº 40317

(41) Apresentado pelos Deputados da JSD e ainda não publicado

(42) Um dos elementos a incluir pelo candidato a objector na "Declaração de objecção de consciência" é a menção expressa da "disponibilidade do declarante para cumprir o Serviço Cívico alternativo" - alínea d) do nº 3 do artigo 17º.
Anotações
Legislação: 
L 6/85 DE 1985/05/04 ART8 ART1 N2 ART4 N1 ART7.
CP82 ART388 N3 ART3.
L 101/88 DE 1988/08/25 ART47 ART48.
DL 91/87 DE 1987/02/27 ART7 ART7 ART8 N4 ART10 ART15.
CONST76 ART276 N4.
L 30/87 DE 1987/07/07 ART1 N4 ART14 N3 ART15 ART16 ART17 ART31 ART40.
L 89/88 DE 1988/08/05.
Referências Complementares: 
DIR CRIM / DIR CONST * DIR FUND.
Divulgação
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