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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
61/1997, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer complementar
Votação: 
Não Aplicável
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PROTOCOLO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
PESSOA CONDENADA
TRANSFERÊNCIA DE PESSOA CONDENADA
DETECÇÃO
EXPULSÃO
DEPORTAÇÃO
EXTRADIÇÃO
REVELIA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
MEDIDA DE SEGURANÇA PRIVATIVA DE LIBERDADE
REINSERÇÃO SOCIAL
RESIDÊNCIA
ESTRANGEIRO
PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
GUARDA À VISTA
Conclusões: 
I) Justifica-se reiterar as conclusões 1ª a 3ª do parecer nº 61/97, do seguinte teor:

“1ª Não existem obstáculos constitucionais ou legais à assinatura, por Portugal, do Protocolo Adicional à Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, celebrada sob a égide do Conselho da Europa, desde que se formule a declaração adiante sugerida, relativa à medida de detenção prevista no respectivo artigo 2º, nº 2;

2ª Tem cabimento reproduzir, em relação ao Protocolo Adicional, as declarações formuladas a respeito da Convenção, com as seguintes modificações:
a) Nas declarações em que se citam preceitos da Convenção, acrescentar, após cada uma dessas referências: “da Convenção”;
b) Na alínea e), substituir a expressão “a transferência” por “a aplicação do Protocolo Adicional”.

3ª Justifica-se a emanação de mais três declarações, do seguinte (ou equivalente) teor:
h) Relativamente a estrangeiros ou apátridas que tenham residência habitual no Estado requerido, Portugal reserva-se o direito de, enquanto Estado da condenação, optar entre a aplicação do artigo 2º ou a apresentação de pedido de extradição;
i) Portugal só aplicará a medida provisória de privação da liberdade prevista no nº 2 do artigo 2º nos termos estabelecidos na sua Constituição e legislação ordinária para a detenção e a prisão preventiva;
j) Se a idade ou o estado físico ou mental da pessoa condenada o justificar, Portugal entende que a opinião, relativa à transferência, mencionada no artigo 3º, deverá ser emitida pelo respectivo representante.”

II) Tendo em conta o regime ora constante dos artigos 96º, nº 4, e 104º, nº 4, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, deixam de ter sentido, e devem ter-se por eliminadas, as conclusões 4ª e 5ª do aludido parecer.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da
República,
Excelência:



1.

O Senhor Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça solicitou ([1]) a emissão de parecer complementar acerca do “Protocolo adicional à Convenção relativa à transferência de pessoas condenadas”, aprovada, sob a égide do Conselho da Europa, em 21 de Março de 1983 (Convenção STE 112).

Na origem desta solicitação esteve o ofício nº 113 do Senhor Director do Gabinete de Direito Europeu (datado de 29 de Março de 2000), no qual se justificou tal iniciativa pelo facto de o Parecer nº 61/97, elaborado no âmbito da Procuradoria-Geral da República sobre o mesmo instrumento internacional, ter assentado em normativos que hoje se não mantêm integralmente, por haverem sido em parte modificados após a respectiva prolação.

Referem-se, sob esta perspectiva, nomeadamente:

- o Decreto-Lei nº 43/91, de 27 de Janeiro (cooperação judiciária internacional em matéria penal), revogado e substituído pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto;

- o Decreto-Lei nº 59/93, de 3 de Março (Regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional), revogado e substituído pelo Decreto-lei nº 244/98, de 8 de Agosto;

- o Acordo de Aplicação da Convenção de Schengen, integrado, por força do Tratado de Amesterdão, no âmbito da União Europeia, através do Protocolo nº 2 anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia.

Cumpre, pois, emitir o parecer solicitado, no qual se não abordarão as questões em relação às quais não ocorreu modificação do regime jurídico aplicável.

Quanto a elas, e após a respectiva reapreciação, reiteram-se as opiniões formuladas no originário parecer nº 61/97.


2.

2.1. Para um adequado reequadramento da apreciação das questões suscitadas, justifica-se recordar o teor das principais disposições do Protocolo em análise:

“Artigo 1º
Disposições gerais

1. Os termos e expressões empregues no presente Protocolo devem ser interpretados como tendo o mesmo significado que na Convenção.
2. As disposições da Convenção são aplicáveis na medida em que sejam compatíveis com as disposições do presente Protocolo.

Artigo 2º
Pessoas evadidas do Estado da condenação

1. Sempre que um nacional de uma Parte, que tenha sido objecto de uma condenação definitiva pronunciada no território de uma outra Parte, pretenda eximir-se à execução ou à continuação da execução da condenação no Estado da condenação, refugiando-se no território da primeira Parte antes de ter cumprido a condenação, o Estado da condenação pode enviar à primeira Parte um pedido com vista a que esta se encarregue da execução da condenação.
2. A pedido da parte requerente, a Parte requerida pode, antes da recepção dos documentos que instruem o pedido ou enquanto não é tomada a decisão relativa a esse pedido, proceder à detenção da pessoa condenada ou tomar qualquer outra medida adequada a garantir que ela permaneça no seu território até que seja proferida uma decisão sobre o pedido. Qualquer pedido neste sentido é acompanhado das informações mencionadas no número 3 do artigo 4º da Convenção. A detenção nestes termos da pessoa condenada não pode conduzir a um agravamento da sua situação penal.
3. A transferência da execução não necessita do consentimento da pessoa condenada.

Artigo 3º
Pessoas condenadas sujeitas a uma decisão
de expulsão ou deportação

1. A pedido do Estado da condenação, o Estado da execução pode, sob reserva da aplicação das disposições do presente artigo, dar o seu acordo à transferência de uma pessoa condenada, sem o consentimento desta, sempre que a condenação proferida contra ela, ou uma decisão administrativa tomada no seguimento dessa condenação, incluam uma medida de expulsão ou deportação ou qualquer outra medida em virtude da qual essa pessoa, uma vez posta em liberdade, não seja mais autorizada a permanecer no território do Estado da condenação.
2. O Estado da execução não dá o seu acordo, para os fins do número 1, senão depois de ter tomada em consideração a opinião da pessoa condenada.
3. Para os fins da aplicação do presente artigo, o Estado da condenação fornece ao Estado da execução:
a) uma declaração contendo a opinião da pessoa condenada no que respeita à sua proposta transferência, e
b) uma cópia da medida de expulsão ou deportação ou de qualquer outra medida em virtude da qual a pessoa condenada, uma vez posta em liberdade, não seja mais autorizada a permanecer no território do Estado da condenação.
4. Qualquer pessoa que tenha sido transferida em conformidade com as disposições do presente artigo não poderá ser perseguida, julgada ou detida com vista à execução de uma pena ou de uma medida de segurança, nem sujeita a qualquer outra restrição da sua liberdade individual, por qualquer facto anterior à sua transferência, diverso do que motivou a condenação executória, salvo nos seguintes casos:
a) sempre que o Estado da condenação o autorize: um pedido é apresentado para esse fim, acompanhado dos documentos e de um auto judicial com o registo das declarações da pessoa condenada; esta autorização é dada sempre que a infracção em virtude da qual a transferência é pedida é, por si própria, susceptível de extradição nos termos da legislação do Estado da condenação, ou sempre que a extradição fosse recusada apenas com base na medida da pena:
b) sempre que, tendo tido a possibilidade de o fazer, a pessoa condenada não tenha abandonado, nos 45 dias seguintes à sua libertação definitiva, o território do Estado da execução, ou se a ele tiver regressado após o ter abandonado.
5. Não obstante as disposições do número 4 do presente artigo, o Estado da execução pode tomar as medidas necessárias em conformidade com a sua legislação, incluindo o recurso a um processo à revelia, com vista à interrupção da prescrição.
6. Qualquer Estado contratante pode, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, anunciar que não assumirá da execução de condenações nas condições referidas no presente artigo.”


2.2. As normas transcritas foram comentadas no parecer nº 61/97 nos termos seguintes, que ainda mantêm actualidade:


“3.2 - O Protocolo incide, concretamente, em duas situações, bastante diversas entre si, mas que se pode dizer que ostentam em comum o facto de se reportarem à execução de uma condenação em Estado diferente daquele em que ela foi proferida, independentemente do consentimento do conde-nado.

Trata-se, por um lado, da hipótese de certa pessoa, condenada definitivamente em certo Estado, se ter evadido para o país da sua nacionalidade, com o objectivo de se subtrair à execução ou à continuação da execução da condenação naquele primeiro país (artigo 2º).

Prevê-se que , em tal situação, o Estado da condenação possa solicitar ao Estado em que a pessoa se encontre que assuma o encargo da execução de tal decisão - operação para a qual se prescinde do consentimento da pessoa condenada.

Admite-se, ademais, que o Estado requerido possa, mesmo antes da recepção da documentação instrutória do pedido, ou na pendência da decisão a este relativa, proceder à detenção da pessoa condenada ou tomar qualquer outra medida adequada a garantir que ela permaneça no seu território aguardando a tomada da mencionada decisão.

Esta detenção da pessoa condenada “não pode conduzir a uma a gravação da sua situação penal” (artigo 1º, parte final).

Não está aqui em causa, pois, uma verdadeira transferência de pessoa condenada - mas sim, porventura, o que poderá chamar-se, na esteira do próprio Protocolo, uma “transferência da execução” de uma condenação.

Constitui pressuposto dessa medida de cooperação judiciária internacional a concordância dos dois Estados implicados (Estado da condenação e Estado da execução), mas não já a da pessoa condenada.


3.3. - O Protocolo prevê, por outro lado, que, no caso de uma condenação, ou uma decisão administrativa tomada no seu seguimento, comportarem uma medida de expulsão, deportação (x) ou similar, em virtude da qual o condenado, uma vez libertado, não possa continuar no território do Estado da condenação, este tenha a faculdade de solicitar a execução da sentença ao país para o qual o condenado seria enviado (artigo 3º).

Esta transferência da pessoa condenada não exige o respectivo consentimento, embora o Estado da execução não possa dar o seu acordo a tal operação sem antes tomar em consideração a sua opinião acerca da mesma.

À situação decorrente deste tipo de transferência aplica-se o princípio da especialidade (xx), com as ressalvas indicadas nas alíneas a) e b) do nº 4 do artigo em apreciação, ou seja:

- se o Estado da condenação o autorizar, o que sucederá se o facto em questão, anterior à transferência, originasse já por si a extradição, segundo a legislação daquele país; ou

- se, tendo tido a possibilidade de o fazer, o condenado não tiver abandonado o território do Estado da execução nos 45 dias posteriores à sua libertação definitiva, ou se, após havê-lo deixado, a ele regressar.

De todo o modo, admite-se (artigo 3º, nº 6) que qualquer das partes contratantes possa, mediante declaração remetida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, indicar que não assumirá a execução de condenações nos termos deste preceito do Protocolo.

................................................................................................

4.2. - Quanto ao teor do artigo 2º, o “Relatório Explicativo” reconhece que a solução mais natural - e tendo em conta a resistência de muitos Estados a extraditarem os seus nacionais, ou a estipularem uma eventual convenção nesse sentido - seria a da aplicação da Convenção Europeia sobre o valor internacional das sentenças condenatórias.

Só que esse tratado apenas vigora entre um pequeno número de Estados - o que também sugeriria o provável insucesso da solução teoricamente mais correcta, que seria a da elaboração de novo instrumento sobre a execução das sentenças estrangeiras.

Entendeu-se, assim, que a elaboração de um Protocolo Adicional à Convenção STE 112 constituiria uma via aceitável para um considerável número de Estados (desde logo os vinculados por este último tratado).

Mas não deixa de se admitir que os objectivos principais da Convenção e do Protocolo são diversos: o daquela, consistindo no propósito humanitário de favorecer uma melhor reinserção do condenado (xxx); o deste, o de conseguir a efectiva execução da condenação de uma pessoa que, muito provavelmente, não seria extraditada.

Por isso é que, aliás, para a transferência do condenado ao abrigo da Convenção se exige sempre o consentimento dele - ao passo que nos termos do artigo 2º do Protocolo se prescinde de tal anuência.

O “Relatório Explicativo” refere, a este último propósito, que a evasão do condenado para o país de que é “nacional” poderá, implicitamente, ser interpretada como exprimindo o desejo de cumprir a pena nesse Estado.

4.3 - No tocante ao artigo 3º, conquanto no “Relatório Explicativo” se reconheça que a aplicação da Convenção assenta no consentimento de três entidades - Estado da condenação , Estado da execução e pessoa condenada -, considerou-se que se poderá prescindir da anuência desta última se, de todo o modo, ela não puder escolher entre deixar ou não o Estado da condenação.

Ponderou-se, mesmo, que não se promoverá a justiça, nem se proporcionará a reinserção do condenado, mantendo-o no Estado da condenação, se for certo que, uma vez libertado, ele não poderá aí permanecer.

Em contrapartida, a transferência do condenado poderá, em situações deste tipo, facilitar a sua reinserção, no Estado de destino da expulsão ou medida de efeito semelhante.

Tendo-se, não obstante, entendido aconselhável auscultar a opinião da pessoa condenada acerca da projectada transferência, admitiu-se ser suficiente tal audição por parte do Estado da projectada execução.

É que se partiu do pressuposto de que, em qualquer Estado democrático, o processo de expulsão ou análogo, tanto de natureza judicial como administrativa, sempre comportará, como passo legalmente necessário, a audiência do interessado.

Esta poderá ter relevância, nomeadamente, se a pessoa condenada possuir mais que uma nacionalidade, ou tiver razões para pretender não ser remetida para país de que seja nacional.”


2.3. Ressalta, desta síntese – tal como no parecer nº 61/97 já se apontou – que se verifica certos desfasamento lógico e valorativo entre a Convenção STE112 e o Protocolo em análise.

Aquela, exigindo sempre como requisito da sua aplicação o consentimento do condenado, perspectiva a transferência deste como uma medida tendente a facilitar a sua reinserção na sociedade (do Estado da execução, de que é nacional ou residente).

O Protocolo, ao invés, prescinde desse consentimento (apenas o substituindo, no caso do respectivo artigo 3º, pela audição do interessado). E, na hipótese do seu artigo 2º, nem sequer tem em vista a transferência do condenado. Em boa verdade, o Protocolo tem por objectivo, sim, propiciar a execução de condenações em situações em que esta pode, na prática, resultar comprometida.

Sendo assim, a forma mais natural para se alcançar tal finalidade seria a da aplicação da Convenção Europeia sobre o valor internacional das sentenças condenatórias.

Isto mesmo se reconhece, aliás, no Relatório Explicativo do Protocolo ([2]) – o qual justifica a solução escolhida pelo facto de aquela última Convenção, ao contrário da relativa à “Transferencia de pessoas condenadas”, ter sido ratificada por reduzido número de Estados, o que comprometeria a real eficácia do Protocolo.

Esta situação não configura obstáculo decisivo à aceitabilidade do Protocolo – muito embora possa vir a gerar dificuldades quando se tratar de interpretá-lo em função da Convenção STE112, na medida em que o regime desta se considera supletivo do daquele.


3.

3.1. A mudança de regime jurídico com maior incidência no objecto do presente parecer traduziu-se na substituição do Decreto-Lei nº 43/91 pela Lei nº 144/99, enquanto diploma geral regulador da cooperação judiciária internacional em matéria penal.

É certo que, em termos de pura hierarquia de normas, sempre o preceituado no Protocolo sobrelevaria, em regra, o determinado em diplomas internos, como os acima citados. Esse é, não só o princípio que a maioria da doutrina e jurisprudência extraem do artigo 8º da Constituição, como o que especificamente se determina no artigo 3º, nº 1, da Lei nº 144/99, ao prescrever que:

“Artigo 3º
Prevalência dos tratados, convenções e acordos internacionais

1. As formas de cooperação a que se refere o artigo 1º regem–se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculam o estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.
2. …………………………………………………………………...”.

Mas é sem dúvida importante averiguar se o sistema previsto no Protocolo se coaduna com o regime geral que o legislador português entendeu desejável estabelecer sobre a mesma matéria.


3.2. Confrontem-se, pois, as disposições pertinentes, respectivamente, do Decreto-Lei nº 43/91 e da Lei nº 144/99, relativas a questões reguladas no Protocolo ([3]):

Decreto–Lei nº 43/91
“TÍTULO IV
Execução de sentenças penais
CAPÍTULO I
Execução de sentenças penais estrangeiras

Artigo 89º
Princípio
1- As sentenças penais estrangeiras, transitadas em julgado, podem ser executadas em Portugal nas condições previstas neste diploma.
2- O pedido de delegação é formulado pelo Estado da condenação.




Artigo 90º
Condições especiais de admissibilidade

1- O pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira só é admissível quando, para além das condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes:
.........................................................................................
g) A execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime;
j) O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade.
..........................................................................................
3- A execução de sentença estrangeira que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do nº 1 quando tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença.

CAPÍTULO II
Execução, no estrangeiro,
de sentenças penais portuguesas
Artigo 97º

1- Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:
..................................................................................................
d) Existirem boas razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social;
e) O condenado, tratando-se de reacção criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento.
...................................................................................................
3- A execução no estrangeiro de sentença portuguesa que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas d) e e) do nº 1, quando o condenado se encontrar no território do Estado estrangeiro e a extradição não for possível ou for negada, pelos factos constantes da sentença.

Lei nº 144/99
“Execução de sentenças penais estrangeiras
Artigo 95.º
Princípio

1 - As sentenças penais estrangeiras, transitadas em julgado, podem ser executadas em Portugal nas condições previstas neste diploma.
...................................................................................................

Artigo 96.º
Condições especiais de admissibilidade

1 - O pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira só é admissível quando, para além das condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes:
..................................................................................................
g) A execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime;
j) O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade.
.....................................................................................................
3 - A execução de sentença estrangeira que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas g) e j) do n.º 1, quando, em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre, tiver sido negada a extradição do condenado pelos factos constantes da sentença.

4 – O disposto no número anterior é também aplicável, mediante acordo entre Portugal e o Estado interessado, ouvida previamente a pessoa em causa, aos casos em que houver lugar à aplicação de uma medida de expulsão posterior ao cumprimento da pena.

CAPÍTULO II
Execução no estrangeiro de sentenças penais portuguesas Artigo 104.º
Condições da delegação

1 - Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:
.........................................................................................
d) Existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado;
e) O condenado, tratando-se de reacção criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento;
.........................................................................................
3 - A execução no estrangeiro de sentença portuguesa que impõe reacção criminal privativa de liberdade é também admissível, ainda que não se verifiquem as condições das alíneas d) e e) do n.º 1, quando o condenado se encontrar no território do Estado estrangeiro e a extradição não for possível ou for negada, pelos factos constantes da sentença.
4 - O disposto no número anterior pode também aplicar-se, sempre que as circunstâncias do caso o aconselhem, mediante acordo com o Estado estrangeiro, quando houver lugar à aplicação de pena acessória de expulsão.”


3.3. A consideração comparativa das transcritas normas do Decreto-Lei nº 43/91 e da Lei nº 144/99 permite, desde logo, a formulação das seguintes ilações de índole geral:

a) Tanto um como outro desses diplomas enquadram sistematicamente a matéria em análise - em termos correctos, aliás, ao invés do Protocolo em discussão – sob o lema da “execução de sentenças penais”, e não já a propósito da “transferência de pessoas condenadas”.
b) Qualquer desses diplomas prevê e regula situações do tipo da contemplada no artigo 2º do Protocolo, em moldes bastante próximos dos neste estabelecidos.
c) Diversamente do que sucedia em relação ao Decreto-Lei nº 43/91, a Lei nº 144/99 consagra agora também regime análogo ao constante do artigo 3º do Protocolo.
Recorde-se, de resto, que nesse sentido apontava a conclusão 5ª do parecer nº 61/97 – desde que Portugal não apresentasse declaração segundo a qual não executaria condenações estrangeiras ao abrigo do artigo 3º do Protocolo.
d) Nos dois textos legais em consideração se admite a prisão preventiva como única medida de coacção privativa de liberdade, coadjuvante da execução de condenação proferida em país estrangeiro.


4.

4.1. Analisando agora, mais detidamente, cada um dos específicos aspectos de regime em causa, começará por realçar-se que se reconduz a uma explicitação de natureza pontual a diferença, entre o Decreto-lei nº 43/91 e a Lei nº 144/99, de abordagem de situação do tipo da consignada no artigo 2º do Protocolo.

Na verdade, não constava do primeiro desses diplomas a especificação “em caso de evasão para Portugal ou noutras situações em que a pessoa aí se encontre”, inserida no artigo 96º, nº 3, da Lei nº 144/99.

Trata-se, todavia, de expressão com finalidade mais explicativa que reguladora, pois que se poderia mesmo considerar implícita na norma em causa. De resto, tratando-se de execução, no estrangeiro, de condenações penais portuguesas, tanto no Decreto-lei nº 43/91 (artigo 97º, nº 3), como na Lei nº 144/99 (artigo 103º, nº 3), se utiliza a expressão, àquela equivalente, “quando o condenado se encontrar no Estado estrangeiro”.


4.2. Fazendo, por seu turno, o cotejo com o teor do artigo 2º do Protocolo, constata-se que ambos os diplomas legais portugueses em referência diferem - aliás em termos similares – em relação a dois aspectos, todavia não fulcrais, da previsão daquele.

Assim, enquanto que o artigo 2º do Protocolo pressupõe (conforme esclarece o seu Relatório Explicativo) a impossibilidade de extradição do condenado, as normas portuguesas estabelecem expressamente como requisito da respectiva aplicação, ou a negação da extradição (na Lei nº 144/90 artigo 95º, nº 3, no concernente à execução de sentenças penais estrangeiras), ou a impossibilidade ou negação de extradição (na Lei nº 144/99 artigo 105º, nº 3, a respeito da execução no estrangeiro de sentenças penais portuguesas).

Por outro lado, se o artigo 2º do Protocolo estipula como requisito de sua aplicação a pretensão do condenado a “eximir-se à execução ou continuação da execução no Estado da condenação”, qualquer dos diplomas portugueses prescinde desse elemento de difícil comprovação – dado o ingrediente psicológico que envolve - atendendo antes ao facto concreto, relevante e de mais fácil comprovação, de o condenado se encontrar no país da execução (na Lei nº 144/99, artigo 95º, nº 3: “em caso de evasão para Portugal ou noutra situação em que a pessoa aí se encontre”; e artigo 104º, nº 3: “quando o condenado se encontrar no território do Estado estrangeiro”).


5.

5.1. Tal como já se realçou, o Decreto-Lei nº 43/91 não continha normas aplicáveis a situações do tipo das previstas no artigo 3º do Protocolo em apreciação.


5.2. Diversamente, a Lei nº 144/99 contém regras de teor muito próximo do dessa cláusula convencional.

E, isso, como pôde constatar-se pela respectiva transcrição, tanto para a hipótese de ser Portugal o Estado da execução (artigo 96º, nº 4), quer para a de o nosso País figurar como Estado da condenação (artigo 104º, nº 4).

Em ambos esses preceitos se permite, mediante acordo entre os países interessados, que a execução de condenação em pena privativa de liberdade proferida em certo Estado seja executada noutro, independentemente de consentimento do condenado e de essa solução permitir melhor reinserção social deste, desde que haja sido decretada a respectiva expulsão.

Para além desta essencial analogia, detectam-se, de todo o modo, certas diferenças entre as duas disposições referidas.

Por um lado, a que prefigura a posição de Portugal como Estado da condenação (artigo 104, nº 4) contém a menção “sempre que as circunstâncias do caso o aconselhem” ([4]), ausente da outra prescrição em consideração. A relevância preceptiva dessa frase é, de todo o modo, bastante relativa.

Por outro lado, a prescrição que pressupõe que seja o nosso país o Estado da execução (artigo 96º, nº 4) impõe a prévia audição da pessoa condenada – exigência que não consta daquela em que se regula a execução, no estrangeiro, de condenações proferidas em Portugal (artigo 104º, nº 4).

Enfim, enquanto que esta última norma prevê como condição que haja lugar à aplicação da pena acessória de expulsão, aqueloutra regra reporta-se, mais latamente, à aplicação de uma medida de expulsão – qualquer, pois, mesmo que não constituindo pena acessória, ou, até, se assumir natureza administrativa – posterior ao cumprimento da pena.


5.3. Se agora se puser em confronto o teor do artigo 3º do Protocolo com as correspondentes regras da Lei nº 144/99, atrás transcritas, ressalta que os seus regimes assemelham na medida em que facultam a transferência de pessoas condenadas, mediante acordo entre o Estado da condenação e o da execução, e sem necessidade de consentimento daquelas, desde que à punição sofrida acresça uma decisão de expulsão (ou similar) das mesmas.

Para além deste essencial paralelismo, algumas diferenças, conquanto de pouco profunda relevância, se detectam entre os dois apontados sistemas.

Assim é que, por um lado, ao previsão do artigo 3º do Protocolo é particularmente ampla, já que se reporta a medidas de expulsão, deportação, ou quaisquer outras de similar eficácia, quer decorram da própria condenação, quer de decisão administrativa tomada no seguimento desta.

O regime da Lei nº 144/99 é, a este respeito, mais apertado, já que se reporta apenas a medidas de expulsão (sendo Portugal o Estado da execução), ou, mesmo, a pena acessória de expulsão (no caso de o nosso país ser o Estado da condenação).

Mas onde a diferença de regime surge mais marcante é no tocante à exigência de audição do condenado - constante do artigo 3º do Protocolo e do artigo 96º, nº 4, da Lei nº 144/99, quando Portugal figura como Estado da execução, mas não já do artigo 104º, nº 4, sendo o nosso país o Estado da condenação.

Anote-se, enfim, que o modo como a regra da especialidade, e as excepções à mesma admitidas, consignada no artigo 3º (nºs. 4 e 5) do Protocolo se aproxima bastante, ressalvados, alguns aspectos de regulamentação, dos termos em que essa matéria vem tratada, enquanto princípio geral aplicável em sede de cooperação judiciária internacional, no artigo 16º da Lei nº 144/99, ao estipular que:

“Artigo 16º
Regra da especialidade

1 – A pessoa que, em consequência de um acto de cooperação, comparecer em Portugal para intervir em processo penal como suspeito, arguido ou condenado não pode ser perseguida, julgada, detida ou sujeita a quaisquer outras restrições da liberdade por facto anterior à sua presença em território nacional, diferente do que origina o pedido de cooperação formulado por autoridade portuguesa.

2 – A pessoa que, nos termos do número anterior, comparecer perante uma autoridade estrangeira não pode ser perseguida, detida, julgada ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenação anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de cooperação.

3 – Antes de autorizada a transferência a que se refere o número anterior, o Estado que formula o pedido deve prestar as garantias necessárias ao cumprimento da regra da especialidade.
.................................................................................................”
4 – A imunidade a que se refere este artigo cessa quando:

a) A pessoa em causa, tendo a possibilidade de abandonar o território português ou estrangeiro, o não faz dentro de 45 dias ou regressa voluntariamente a um desses territórios;
b) O Estado que autoriza a transferência, ouvido previamente o suspeito, o arguido ou o condenado, consentir na derrogação da regra da especialidade.
........................................................................................... .”


6.

Outro diploma invocado no parecer nº 61/97 que entretanto foi objecto de revogação é o Decreto–Lei nº 59/93, de 3 de Março (regulador da entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional), substituído pelo Decreto–Lei nº 244/98, de 8 de Agosto.

No parecer nº 61/97 (nº 7.3), faz-se uma referência pontual ao Decreto–Lei nº 59/93, ao apontar-se que, nos termos dos respectivos artigos 2º e 54º e seguintes – conjugados com os artigos 15º, nº 1 e 44º, nº 2, da Constituição -, os estrangeiros residentes em Portugal gozam do direito a regressar ao território português.

Sendo assim, a medida provisória de privação da liberdade prevista no artigo 2º, nº 2 do Protocolo – da qual adiante nos ocuparemos mais detidamente – não poderia encontrar apoio constitucional na alínea c) do nº 3 do artigo 27º da Lei Fundamental, que admite a detenção de “pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional”.

Este argumento continua válido face ao regime do Decreto–Lei nº 244/98.

Este diploma instituiu dois tipos de autorização de residência (temporária e permanente; v. artigo 82º), no âmbito dos quais se apresentam similares os direitos e deveres dos estrangeiros delas titulares.

Ora, de toda a regulamentação desta matéria nesse diploma vigente ressalta – porventura ainda com maior evidência que no domínio da lei que o procedeu – que um dos direitos do estrangeiro residente é o de regressar ao território português.

Citem-se, nesse sentido, nomeadamente, os seguintes preceitos:

“Artigo 12º
Documentos de viagem e documentos que os substituem

1 – Para entrada ou saída do território português os estrangeiros têm de ser portadores de um documento de viagem válido reconhecido.

2 – A validade do documento de viagem deverá, ser superior à duração da esta, salvo quando se tratar da reentrada de um estrangeiro residente no País.
...............................................................................................”.

Artigo 13º
Visto de entrada

...............................................................................................
3 – Podem, no entanto, entrar no País sem visto:

a) Os estrangeiros habilitados com título de residência ou de prorrogação de permanência concedido nos termos do artigo 54º ou com o cartão de identidade previsto no nº 2 do artigo 96º, quando válidos;
....................................................................................... .”

Artigo 26º
Declaração de entrada

1 – Os estrangeiros que entrem no País por uma fronteira, não sujeita a controlo, vindos de outro Estado membro, são obrigados a declarar esse facto no prazo de três dias úteis a contar da data de entrada.
................................................................................................
3 – O disposto nos números anteriores não se aplica aos estrangeiros:
a) Residentes ou autorizados a permanecer no País por período superior a seis meses;
......................................................................................... .”
E mesmo o artigo 93º, que estipula os precisos e excepcionais termos em que ao estrangeiro residente pode ser cancelada a respectiva autorização, face à longa duração de ausência no estrangeiro, aponta no mesmo sentido:

“Artigo 93º
Cancelamento da autorização de residência

1 – A autorização de residência será cancelada sempre que o estrangeiro residente tenha sido objecto de uma decisão de expulsão do território nacional.

2 – A autorização de residência pode igualmente ser cancelada quando o interessado, sem razões atendíveis, se ausente do País:
a) Sendo titular de uma autorização de residência temporária, 6 meses seguidos ou 8 meses interpolados, no período total de validade da autorização;
b) Sendo titular de uma autorização de residência permanente, 24 meses seguidos ou, num período de 3 anos, 30 meses interpolados.
..................................................................................... .”


7.

7.1 – Passando, agora, a considerar, em termos de generalidade, a medida provisória de privação da liberdade prevista no artigo 2º, nº 2, do Protocolo, reitera-se a sua incompatibilidade, tal como prevista, com a Constituição portuguesa.

Dá-se por reproduzida, a corroborar esta afirmação, a argumentação a este propósito avançada no parecer nº 61/97.

Nomeadamente, não se apresenta conforme à Lei Fundamental uma medida de privação de liberdade tomada por via administrativa mas sem previsão de controlo judicial nem de limitação temporal.

E, ademais, a medida em questão não cabe em qualquer dos tipos previstos no artigo 27º, nº 3, da Constituição – norma que, aliás, tratando de limitações ao direito fundamental de liberdade, não pode ser aplicada por analogia.


7.2 – Esta perspectiva surge reforçada perante o diploma regulador da cooperação judiciária publicado após o parecer nº 61/97 (Lei nº 144/99), o qual, de entre as medidas de coacção privativas de liberdade, aplicáveis em relação à execução de sentenças estrangeiras, apenas prevê a prisão preventiva.

Quanto às demais medidas dessa natureza, remete para a lei processual penal geral.

É o que claramente decorre do respectivo artigo 111º, quando prescreve:
“Artigo 111º
Medidas de coacção

1 – A requerimento do Ministério Público, o tribunal da Relação, no processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira para fins de execução de reacção criminal privativa da liberdade, pode sujeitar o condenado que se encontra em Portugal a medida de coacção que considere adequada.
2 – Se tiver sido aplicada prisão preventiva, esta é revogada decorridos os prazos a que se referem os nºs 4 e 5 do artigo 100º, sem que tenha sido proferida decisão confirmativa.
3 – A prisão preventiva pode ser substituída por outra medida de coacção, nos termos da lei processual penal.
4 – A decisão relativa a medidas de coacção é susceptível de recurso, nos termos gerais.”


7.3 – Para cabal entendimento deste artigo, atente-se no que hoje dispõe o Código de Processo Penal acerca da prisão preventiva , como medida de coacção, e da detenção, medida cautelar que pode constituir meio para propiciar a efectivação daquela, e cujo actual regime resultou da alteração operada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto (posterior, portanto, à elaboração do parecer nº 61/97):

“Artigo 202º
(Prisão preventiva)

1. Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos; ou
b) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

2. Mostrando-se que o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofre de anomalia psíquica, o juiz pode impor, ouvido o defensor e, sempre que possível, um familiar, que, enquanto a anomalia persistir, em vez da prisão tenha lugar internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adoptando as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes.



DA DETENÇÃO
Artigo 254º
(Finalidades)

A detenção a que se referem os artigos é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de 48 horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; ou
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autorização em acto processual.
2. O arguido detido fora de flagrante delito para aplicação ou execução da medida de prisão preventiva é sempre apresentado ao juiz, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 141º.”


8.

8.1 – Uma outra alteração ocorreu, ainda, após a elaboração do parecer nº 61/97, nos normativos considerados na respectivo fundamentação.

Reportou-se a mesma ao Acordo de Aplicação da Convenção de Schengen, cujo artigo 68º, transcrito no parecer nº 61/97, admite uma medida provisória de privação da liberdade, designada por “guarda à vista” (do francês “garde à vue”), para situação do tipo da regulada no artigo 2º Protocolo em análise, e que de resto parece mesmo ter inspirado a solução neste consignada.

A dita modificação não incidiu no conteúdo dessa regra, mas, sim, nos seus enquadramentos e relevância jurídicos.

Com efeito, o Protocolo nº 2, anexado, por força do Tratado de Amesterdão, ao Tratado da União Europeia e ao Tratado que institui a Comunidade Europeia, incluiu (artigo 1º) o “acervo de Schengen” no quadro institucional e jurídico da União Europeia, acrescentando que cabe ao Conselho determinar a base jurídica de cada uma das disposições e decisões que o constituem (artigo 2º).


8.2 – Importa, pois, apreciar se esta mudança de enquadramento e relevância jurídicos do artigo 68º do Acordo de Aplicação da Convenção de Schengen afecta de algum modo o juízo de incompatibilidade com a Constituição portuguesa que no parecer nº 61/97 se formulou acerca do instituto de “guarda à vista” nesse preceito mencionado.

Anote-se, desde já, que, de qualquer modo, essa norma sempre terá o seu âmbito de aplicação restringido aos países da União Europeia – enquanto que o Protocolo anexo à Convenção 112 largamente ultrapassa essa amplitude. Na verdade, podem aderir ao dito Protocolo todos os Estados susceptíveis de ser parte da Convenção 112, elenco que excede mesmo o dos membros do Conselho da Europa, pois que, embora celebrada sob a égide desta organização europeia, a referida Convenção foi aberta à assinatura ou adesão de quaisquer países que o pretendessem.


8.3 – Mesmo dentro do respectivo âmbito de eficácia, deve entender-se que, ainda que às cláusulas do Acordo de Aplicação da Convenção de Schengen venha a será atribuído o valor de verdadeiras normas de Direito Comunitário, continua a ter cabimento a perspectiva a seu respeito sustentada no parecer nº 61/97, face à Lei Fundamental portuguesa.

Não se ignora que certa jurisprudência do Tribunal de Justiça e alguma doutrina vêm defendendo a supremacia do Direito Comunitário mesmo em relação às Constituições dos Estados-membros da União Europeia.

Não se afigura, todavia, sustentável essa posição perante a ordem jurídica portuguesa – nomeadamente quando se trate de recusar a debilitação de direitos fundamentais reconhecidos pela nossa Constituição, enquanto elementos essenciais do Estado de Direito por ela estruturado.

Todo o sistema de controlo da Constitucionalidade consagrado na Lei Fundamental parece deixar claro que esta se institui como padrão de aferição máximo em relação a todas e quaisquer normas de qualquer outra natureza.

Denotam-no, nomeadamente, o seu artigo 207º, ao vedar aos tribunais a aplicação de quaisquer normas contrárias à Constituição , bem como o respectivo artigo 281º, ao dispôr que o controlo superveniente da constitucionalidade incide sobre “quaisquer normas”.

Afigura-se convincente, neste mesmo sentido, a argumentação expendida, designadamente, por Mota de Campos ([5]), bem como por Sousa Pinheiro e Brito Fernandes ([6]) e Botelho Moniz e Moura Pinheiro ([7]).

Aliás, às normas de Direito Comunitário apenas é reconhecida vigência na ordem jurídica interna portuguesa porque e na medida em que o artigo 8º, nº 3, da Constituição, assim dispõe.

É certo que através dos Tratados de Roma, Maastricht e Amesterdão, o Estado português cedeu à União Europeia uma parcela da sua soberania.

Mas continuou titular da expressão essencial desse poder político supremo da instituição estadual, juridicamente plasmado na Lei Fundamental.

E isto é assim porque (e na medida em que) a União Europeia não assume a natureza de uma nova instituição estadual, integradora da dos respectivos membros, e possuidora de constituição própria – como sucederia se ela se houvesse transformado em verdadeiro Estado federal.



9.

9.1 – Curando, enfim, de sintetizar a relevância, em relação ao Protocolo em análise, das modificações normativas operadas após a elaboração do parecer nº 61/97, cabe começar por apontar que a Lei nº 144/99 admite, em termos de assinalável similitude de regime, as soluções previstas nos artigos 2º e 3º daquele instrumento internacional.

Desta verificação decorre, pois, não só que o teor dessas normas internacionais é compatível com o direito interno português aplicável na matéria, como, ainda, que, mesmo que o Protocolo não viesse a ser ratificado por Portugal, um regime do tipo do que nele se consigna acabaria por ser aplicado no nosso país, por força do estatuído, a título supletivo, na Lei nº 144/99.

O sistema ora constante desta Lei nº 144/99 é, mesmo, mais próximo do do Protocolo que o antes constante do Decreto–Lei nº 43/91, na medida em que, como referido – ao contrário do que neste sucedia –, integra também regras que configuram solução do género da consagrada no artigo 3º daquele diploma convencional.

Do confronto entre o artigo 3º do Protocolo e as correspondente normas da Lei nº 144/99 ressalta, até, que o regime daquele é globalmente mais garantístico, na medida em que exige sempre a audição do estrangeiro a expulsar, deportar ou afastar, enquanto que tal formalidade é dispensada (conquanto sem razão evidente) tratando-se da aplicação, ao abrigo do aludido diploma legal, da pena acessória de expulsão por parte de tribunal português.


9.2 – Por seu turno, o novo regime de “entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional” definido pelo Decreto–Lei nº 244/98, reiterando, e mesmo reforçando, em relação ao anterior sistema do Decreto–Lei nº 59/93, o direito de os estrangeiros residentes regressarem a Portugal, corrobora o argumento, apresentado no parecer nº 61/97, no sentido de a medida provisória de privação da liberdade prevista no artigo 2º do Protocolo não poder encontrar apoio no artigo 27º da Constituição – nomeadamente no respectivo nº 3, alínea c).

9.3 – Enfim, a integração do “acervo de Schengen” no âmbito da União Europeia operada pelo Tratado de Amesterdão, embora robustecendo a respectiva relevância jurídica, não é de molde a infirmar o juízo de inconstitucionalidade avançado no parecer nº 61/97 - elaborado antes da celebração daquele instrumento internacional -acerca da medida provisória de privação da liberdade (“guarda à vista”) consagrada no artigo 68º do Acordo de Aplicação da Convenção de Schengen.

Surgindo o Protocolo em discussão com autonomia em relação àqueles instrumentos comunitários, justifica-se manter, por todas as razões expendidas no parecer nº 61/97, a opinião neste formulada acerca da desconformidade com a Constituição portuguesa da medida provisória de privação de liberdade contemplada no artigo 2º daquele instrumento elaborado sob a égide do Conselho da Europa.


10.

Em conclusão:

I) Justifica-se reiterar as conclusões 1ª a 3ª do parecer nº 61/97, do seguinte teor:

“1ª Não existem obstáculos constitucionais ou legais à assinatura, por Portugal, do Protocolo Adicional à Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, celebrada sob a égide do Conselho da Europa, desde que se formule a declaração adiante sugerida, relativa à medida de detenção prevista no respectivo artigo 2º, nº 2;

2ª Tem cabimento reproduzir, em relação ao Protocolo Adicional, as declarações formuladas a respeito da Convenção, com as seguintes modificações:
a) Nas declarações em que se citam preceitos da Convenção, acrescentar, após cada uma dessas referências: “da Convenção”;
b) Na alínea e), substituir a expressão “a transferência” por “a aplicação do Protocolo Adicional”.

3ª Justifica-se a emanação de mais três declarações, do seguinte (ou equivalente) teor:
h) Relativamente a estrangeiros ou apátridas que tenham residência habitual no Estado requerido, Portugal reserva-se o direito de, enquanto Estado da condenação, optar entre a aplicação do artigo 2º ou a apresentação de pedido de extradição;
i) Portugal só aplicará a medida provisória de privação da liberdade prevista no nº 2 do artigo 2º nos termos estabelecidos na sua Constituição e legislação ordinária para a detenção e a prisão preventiva;
j) Se a idade ou o estado físico ou mental da pessoa condenada o justificar, Portugal entende que a opinião, relativa à transferência, mencionada no artigo 3º, deverá ser emitida pelo respectivo representante.”

II) Tendo em conta o regime ora constante dos artigos 96º, nº 4, e 104º, nº 4, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, deixam de ter sentido, e devem ter-se por eliminadas, as conclusões 4ª e 5ª do aludido parecer.










[1]) Ofício nº 1238, de 10 de Abril de 2000 (Pº 2960/97).
x) O texto francês utiliza a expressão “reconduite à la frontière”, típica do direito gaulês, a que a versão inglesa faz corresponder o termo “deportation”.
xx) O princípio da especialidade é definido, na ordem jurídica portuguesa, no artº 16º do Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro. V., a seu respeito, o parecer/informação nº 70/95, deste Conselho.
xxx) V., por todos, Eric David, “Le transfèrement international des personnes condamnées”, in Mélanges offerts à Robert Legros”, págs. 103 e segs.
[2]) V. Parecer nº 61/97, nº 4.2.
[3]) Não se abordarão, especificamente, as normas relativas ao regime geral da transferência de pessoas condenadas propriamente dita, não só por se tratar de questões reguladas na Convenção STE112, e não no Protocolo, mas, também, por não se detectarem aí divergências de relevo entre o estatuído no Decreto-Lei nº 43/91 e na Lei nº 144/99 (Capítulo IV).
[4]) Anote-se, aliás, que esta especificação não deixa de implicar certa contradição lógica com a formulação básica do preceito: “pode também aplicar-se, sempre que…”.
[5]) “Direito Comunitário”, vol.II, 2ª ed., Lisboa, 1988, págs. 531 e segs.
[6]) “Comentário à IV Revisão Constitucional”, Lisboa, 1999, fls. 77-80.
[7]) “As relações da ordem Jurídica portuguesa com a ordem jurídica comunitária – algumas reflexões”, in “Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação”, nºs. 4/5, 1992, págs. 139-140.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART8 N3 ART207 ART44 ART27 ART15
L 144/99 DE 1999/08/31 ART16 ART95 ART96 ART104
DL244/98 DE 1998/08/08 ART26 ART13 ART82 ART93
DL 43/91 DE 1991/01/22 ART16 ART89 ART90 ART97
DL 59/93 DE 1993/03/03
CPP87 ART202
L 59/98 DE 1998/08/25
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * DIR TRAT / DIR CONST * DIR FUND*****
AC DE APLICAÇÃO DA CONV SCHENGEN ART68
TRAT DE AMESTERDÃO*****
CONV RELATIVA À TRANSF DE PESSOAS CONDENADAS DE 1983/03/21
Divulgação
Pareceres Associados
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