Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
1/1989, de 11.05.1989
Data do Parecer: 
11-05-1989
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
GARCIA MARQUES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITO A INFORMAÇÃO
PROPAGANDA POLITICA
AUTARQUIA LOCAL
PODER REGULAMENTAR
DIREITOS FUNDAMENTAIS
DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
RESTRIÇÃO DE DIREITO
REGULAMENTO AUTONOMO
ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
CONFLITO DE DIREITOS
RESERVA DE LEI
REGULAMENTO DE EXECUÇÃO
RESERVA RELATIVA DE COMPETENCIA LEGISLATIVA
Conclusões: 
1 - A deliberação da Camara Municipal de Lisboa, de 12 de Janeiro de 1987, publicada no "Diario Municipal", de 4 de Março de 1987, resultante da aprovação da Proposta n 238/86, sobre pintura de inscrições em imoveis publicos ou particulares na area do concelho de Lisboa, e organicamente inconstitucional, por violar o artigo 168, n 1, alinea b), da Constituição, e materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 18, ns 2 e 3, e 37, n 1, da Constituição;
2 - A citada deliberação não ensaiou fazer a conciliação pratica da liberdade de expressão (artigo 37, n 1, da Constituição) com os direitos constitucionais da propriedade privada e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 62 e 66 da Constituição), tendo negado o exercicio daquela liberdade, mediante a proibição absoluta, permanente e indiscriminada de toda e qualquer pintura de inscrições em imoveis publicos ou particulares;
3 - Atraves do acordão n 307/88, de 21 de Dezembro de 1988, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatoria geral, das normas da aludida deliberação, por violação do disposto nos artigos 115, n 7, e 168, n 1, alinea b), da Constituição;
4 - A pratica, ou a programação, de operações de remoção e destruição de material de propaganda politica, por parte da Camara Municipal de Lisboa, a luz da deliberação atras referida, no periodo que antecedeu as eleições parlamentares de 19 de Julho de 1987, representou a violação dos direitos de liberdade de expressão e de liberdade de propaganda, previstos nos artigos 37, n 1, e 116, n 3, alinea a), da Constituição;
5 - A Lei n 97/88, de 17 de Agosto definiu as condições basicas e os criterios de exercicio das actividades de propaganda, tendo atribuido as camaras municipais a competencia para ordenarem e promoverem a remoção dos meios e mensagens de propaganda politica afixados ou inscritos em violação do disposto no diploma - cfr artigos 5, n 2, e 6, n 2;
6 - Com o inicio da vigencia da Lei n 97/88 foi tacitamente revogada a deliberação da Camara Municipal de Lisboa de 12 Janeiro de 1987;
7 - Nos termos do artigo 11 da Lei n 97/88, a edição de actos normativos de natureza regulamentar, necessarios a sua execução, compete a assembleia municipal, por iniciativa propria ou proposta da camara municipal;
8 - A liberdade de expressão, que representa a primeira vertente do direito fundamental de expressão do pensamento, abarca a liberdade de afixação ou inscrição mural de propaganda politica;
9 - Os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, pelo que importa assegurar a adequada compatibilização entre a liberdade de expressão, exercida atraves da afixação ou inscrição mural de material de propaganda politica e todo um conjunto de valores tambem constitucionalmente tutelados, alguns dos quais com a categoria de direitos fundamentais: o direito de propriedade privada, a protecção do patrimonio cultural e artistico, a paisagem, o meio ambiente, a paz e a tranquilidade publicas, a segurança, a liberdade de circulação, a salubridade publica e a imparcialidade dos agentes e serviços publicos;
10- A solução da situação de "conflito" devera encontrar-se no quadro da unidade da Constituição, mediante a harmonização tão equilibrada quanto possivel dos preceitos divergentes, prosseguindo-se a realização da sua concordancia pratica no respeito pelo criterio da proporcionalidade na distribuição das "compressões" dos direitos em confronto;
11- As leis restritivas dos direitos fundamentais tem de revestir caracter geral e abstracto e não podem ter efeitos retroactivos, devendo as restrições limitar-se ao necessario para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo, em caso algum, diminuir a extensão e o alcance do conteudo essencial dos preceitos constitucionais;
12- Apesar de a materia dos direitos, liberdades e garantias estar incluida no dominio da reserva de lei (artigo 168, n 1, alinea b) da Constituição, podem, sobre ela, ser editados regulamentos executivos das suas normas;
13- So mediante uma analise concreta das normas que compõem os regulamentos editados no exercicio da competencia normativa fixada pelo artigo 242 da Constituição sera possivel emitir um juizo, não so sobre a sua eventual conformidade material com a Constituição, mas tambem acerca da sua compatibilidade com o principio da reserva de lei em materia de direitos, liberdades e garantias.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da AQdministração Interna,
Excelência:

1.


Em face do pedido formulado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa no sentido de ser clarificada a área de actuação das autoridades municipais em matéria de exercício dos direitos consagrados no nº1 do artigo 37ºe na alínea a) do nº3 do artigo 116º da Constituição da República Portuguesa, dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer da Procuradoria-Geral
da República.

Cumpre, assim, emiti-lo, tendo presente a urgência com que foi requerido.

2.

2.1 - Em Junho de 1987, a Coligação Democrática Unitária (C.D.U.) intentou, perante o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, uma providência cautelar não especificada, de natureza inibitória, requerendo que fosse proferida uma decisão judicial que impedisse a Câmara Municipal de Lisboa de, designadamente, destruir ou remover a propaganda política que aquela Coligação promovia, através da afixação de cartazes, faixas ou tarjetas e a realização de pinturas murais com vista ao acto eleitoral que então se aproximava e que viria a realizar-se em 19 de Julho daquele ano (1).

0 processo instaurado sob o n.º 4 758/87 seguiu os respectivos termos pelo 4º Juízo Cível – 3ª Secção -, onde, após terem sido produzidas as provas oferecidas pelo requerente, foi proferida a sentença, em 9 de Junho de 1987, através da qual, o Mmo Juiz, deferindo parcialmente a providência cautelar requerida, ordenou que os requeridos se abstivessem de remover ou mandar remover a propaganda política da requerente, nomeadamente as faixas, as tarjetas ou cartazes por esta afixados nos locais da cidade.

2.2 - Não conformados com a decisão, os requeridos interpuseram recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, todavia, o Mmo Juiz Desembargador Relator, por despacho de 23 de Dezembro de 1987, considerado haver lugar à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do preceituado pelo artigo 287º, alínea e), do Código de Processo Civil.

Isto porque o acto eleitoral subjacente à matéria que deu origem ao pleito já se havia realizado (em 19 de Julho, como se referiu), pelo que o Tribunal da Relação se deveria abster de conhecer do recurso, posição que fez vencimento na decisão proferida em Conferência, conforme acórdão emanado em 7 de Janeiro de 1988.

De novo inconformados, os requeridos interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por entenderem que se estava perante matéria de "interesse permanente, nem que fosse para criar jurisprudência para casos futuros".

A Relação de Lisboa pronunciou-se, todavia, pela inadmissibilidade do recurso, em face do disposto no artigo 20º da nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (aprovada pela Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro), nos termos do qual a alçada do Tribunal da Relação em matéria cível passou a ser de 2 000 000$00, sendo certo que ao processo em causa fora atribuído o valor de 401 000$00.

0 Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, invocando "o interesse permanente da matéria e os casos futuros, uma vez que, normalmente, dada a tramitação processual, a decisão que for proferida em primeira instância pecará sempre de inutilidade superveniente ao ser apreciada em Tribunal Superior", manifestou a Vossa Excelência o interesse em que fosse solicitado parecer à Procuradoria-Geral da República.


2.3 - Solicitado por Vossa Excelência parecer ao Senhor Auditor Jurídico, entendeu este que "o especial melindre e complexidade das questões suscitadas aconselha a que seja ouvido o Conselho Consultivo da P.G.R.”, acrescentando que o interesse em se obter um esclarecimento profundo da controvérsia suscitada mantenha plena actualidade, pois que se objectivou já por duas vezes, nas eleições de 1985 e 1987, "e não podemos esquecer que se aproximam mais dois actos eleitorais".

Ensaiando sumariar as dúvidas e dificuldades colocadas, o Senhor Auditor Jurídico enumera as seguintes:

a) Conteúdo dos direitos consagrados no artigo 37º, nº 1, e no artigo 116º, nº 3, alínea a), da Constituição da República Portuguesa;

b) Limites ao exercício daqueles direitos imanentes à sua própria consagração no contexto de outros direitos e garantias fundamentais, igualmente previstos na Constituição, como é o caso do direito à segurança pessoal e colectiva, do direito à propriedade privada e do direito à protecção da propriedade pública e do património cultural;

c) Eventuais limites ao exercício dos mesmos direitos, existentes na na Constituição;

d) Delimitação da área de actuação por parte das autoridades municipais, distritais e governamentais, no domínio da disciplina do exercício dos direitos atrás referidos, com a finalidade de prevenir eventuais abusos e evitar danos sociais.

Diligenciar-se-á no sentido de analisar e responder às diversas questões formuladas, sem perdermos de vista a concreta natureza da dúvida suscitada pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, "no sentido de ser clarificada a área de actuação das autoridades municipais em matéria do exercício dos direitos consagrados no nº 1 do artigo 37º e na alínea a) do nº 3 do artigo 116º da C.R.P." (2)

Porque de "actuação das autoridades municipais" se trata, aí reside a raiz do problema colocado (e, portanto, também, a sua gênese).


3.

No caminho que se vai trilhar, percorrer-se-ão as seguintes etapas:

a) síntese dos argumentos fundamentais em que assentam as teses da requerente e dos requeridos;

b) análise dos antecedentes legislativos, doutrinários e Jurispru denciais sobre a matéria da consulta;

c) reflexão sobre a legislação posteriormente publicada, com especial incidência sobre a Lei nº 96/88, de 17 de Agosto;

d) extracção das conclusões pertinentes.


3.1 - Depois de invocar os antecedentes ocorridos por ocasião da campanha eleitoral que decorreu em Setembro e Outubro de 1985(3), a requerente alega ter fundado receio de que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e os demais requeridos procedam à destruição de propaganda eleitoral "que já se encontra afixada e da que irá ser colocada em locais diversos da cidade".

Fundamentando a aludida ameaça de lesão e o receio da sua concretização, invoca-se que, na reunião da CML de 12 de Janeiro de 1987 foi apresentada a proposta de Regulamento a que foi atribuído
o nº 238/86, a qual, tendo sido aprovada, se transformou na deliberação nº 6/CM/87(4).

Ora, no artigo lº da citada proposta de Regulamento pune-se com coima de 2 000$00 a 200 000$00 a pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares na área do concelho de Lisboa. Entende, por isso, a requerente (CDU) que a Câmara Municipal de Lisboa manifesta, assim, "uma inequívoca tendência para regulamentar direitos fundamentais que constitucionalmente são irregulamentáveis (artigo 18º, nºs 2 e 3 da Constituição)".

1

Com efeito, argumenta que a matéria, incluída no âmbito da liberdade de expressão e informação consagrada no artigo 37º do texto fundamental, constitui reserva de lei, atento o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 168º da CRP, pelo que a deliberação camarária padece de evidente inconstitucionalidade orgânica e material, tal como vem decidindo o Tribunal Constitucional, nos acórdãos nºs 74/84 e 248/86 (5) .

A requerente alegou ainda a prática, já verificada, por parte dos requeridos, de operações de remoção e destruição de material de propaganda eleitoral já afixado, e, bem assim, o agendamento de outras operações da mesma natureza para prazo muito próximo, sustentando, por isso, que as acções já realizadas e aquelas cuja realização se prevê violam claramente os princípios fundamentais do direito eleitoral português e dos direitos fundamentais constitucionais, sendo, por isso, "inequívoco o prejuízo para a CDU da actuação dos requeridos já verificada”, e podendo afirmar-se que a "actuação previsível e já programada põe em perigo direitos e interesses da requerente tutelados" (sic).

3.2 - A decisão do Tribunal de primeira instãncia procedeu à análise dos artigos 37º, nº 1, e 116º, nº 3, alínea a), da CRP, retirando a consequência de que "a liberdade de expressão, como direito fundamental, só pode sofrer as limitações previstas na Constituição e pela forma nela previstas (artigos 18º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea b), da CRP)".

Detendo-se sobre os normativos pertinentes da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, que aprovou a lei eleitoral para a Assembleia da República, pondera-se, especificamente quanto à propaganda gráfica, que o artigo 66º da referida Lei dispõe que a afixação de cartazes [...] não carece de autorização nem de comunicação às autoridades administrativas, proibindo tal afixação, bem como a realização de inscrições ou pinturas murais, "em monumentos nacionais, nos edifícios religiosos, nos edifícios sede dos árgãos de soberania, de regiões autónomas ou do poder local, nos sinais de trânsito ou placas de sinalização rodoviária, no interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo os estabelecimentos comerciais(6).

Considerando essas e outras disposições interpretadas, constantes da citada Lei nº 14/79, e reconhecendo verificar-se que é justificado o receio da requerente em ver destruída ou retirada a sua propaganda política, o tribunal declarou parcialmente a providência requerida, "ordenando-se que os requeridos se abstenham de remover a propaganda política da requerente, nomeadamente as faixas, as tarjetas ou cartazes afixados nos locais desta cidade pela requerente".

3.3 - As alegações que os agravantes produziram considera-se que a referida decisão ofende a lei, pelas seguintes razões essenciais:

a) a liberdade de expressão não é um direito absoluto e ilimitado;

b) com efeito, não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis de exercício, uma vez que, tendo de conviver com outros direitos constitucionais, há-de sofrer, desde logo, o limites decorrentes das necessidades impostas por essa convivência social ordenada;

c) a pintura de inscrições ou a colagem de cartazes em imóveis públicos ou particulares não é um meio normal e habitual de utilizar a liberdade de expressão protegida no artigo 37º da lei fundamental;

d) a liberdade de expressão terá de ser objecto de limitações quando colida com outros direitos constitucionalmente protegidos, como é o caso do direito à propriedade privada - artigo 62ºda CRP;

e) a colocação de tiras, faixas de pano e de cartazes gigantes suspensos por estruturas tubulares nos postes de iluminação pode constituir perigo para a segurança das pessoas;

f) a colocação de cartazes sustentados por estruturas metálicas em zonas ajardinadas e relvadas pode provocar danos em tais áreas;

g) as autarquias, por força do disposto pelos artigos 242º da CRP, 2º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e 46º, nº 12, 48º, nº 9, e 50º, nº 5, do Código Administrativo, têm, entre as suas atribuições, as de velar pela elegância e salubridade das edificações confinantes com ruas e lugares públicos, pela conservação de monumentos destinados ao embelezamento das povoações, pela consagração de pessoas ilustres ou de acontecimentos memoráveis do Concelho e, bem assim, pela limpeza das povoações e asseio exterior dos edifícios.

De quanto, em síntese, se deixou exposto, concluiram os requeridosque a deliberação camarária que proibe a pintura de inscrições ou a afixação de cartazes em imóveis públicos ou particulares não contraria o disposto no artigo 37º da CRP, "pelo que não sofre [...] do vício de inconstitucionalidade material".

Por outro lado, sustentaram os agravantes que a mesma deliberação também não sofre de inconstitucionalidade orgânica, visto resultar da combinação dos preceitos enunciados, que incumbe aos municípios "velar pela limpeza das povoações e asseio exterior dos edifícios do concelho".


4.

4.1 -A aludida e questionada proposta n2 238/86, aprovada por maioria na reunião camarária de 12 de Janeiro de 1987, constituiu já objecto de ponderação por parte deste corpo consultivo, no âmbito do parecer nº14/87, de 19 de Março de 1987(7), no qual se concluiu que "a deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 12 de Janeiro de 1987, publicada no Diário Municipal, de 4de Março de 1987, resultante da aprovação da Proposta nº 238/86,sobre pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares na área do concelho de Lisboa, é organicamente inconstitucional, por violar o artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, e materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, e 37º, n2 1, da lei fundamental".

Na sequência de requerimento do Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República, o Tribunal Constitucional viria, através do acordão nº307/88, de 21 de Dezembro de 1988(8), declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas da deliberação da Cãmara Municipal de Lisboa de 12 de Janeiro de 1987, resultante da aprovação da proposta nº 238/86, por violação do disposto nos artigos ll5º, nº 7, e 168º, nº 1, alínea b), da Constituição.

Tendo presentes as conexões óbvias entre a matéria dos referidos parecer e acõrdão e o objecto da presente consulta, compreender-se-á que não possamos dispensar-nos de recorrer ao entendimento firmado naquelas peças jurídicas, enriquecido ou iluminado, aqui ou além, por subsídios recolhidos nos precedentes (e já citados) acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 74/84 e 248/86(9).

4.2 - Na complexa categoria dos direitos, liberdades e garantias en quadram-se o direito de expressão do pensamento e o direito de informação, consagrados no artigo 37º (sob a epígrafe: "Liberdade de expressão e informação"), que nos seus nºs 1 e 2 dispõe o seguinte:

“1 Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminaçoes.

2 0 exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura".

Como se reconhece no citado parecer nº 14/87, "um dos meios mais profusamente usados, após o 25 de Abril de 1974, para os apontados fins, e em especial para a propaganda política, consistiu na afixação em muros e paredes de imóveis de cartazes ou na pintura directa de palavras e imagens nesses suportes.

Mas, se tais processos constituíram e constituem meios eficazes de transmissão de mensagens, são igualmente patentes os aspectos negativos de tal prática descontrolada, sob diversos aspectos. E, por isso, tem o legislador ordinário tentado disciplinar essa actividade, buscando a possível conciliação entre as apontadas liberdades e a salvaguarda de valores históricos, ambientais, estéticos, de segurança do tráfico e da defesa da propriedade pública e privada".


4.3 - Para a publicidade em geral, englobando a propaganda de carácter não político, já há muito existiam normas restritivas e disciplinadoras (10). Assim, e numa mera enunciação de alguns normativos mais importantes, podem ver-se os artigos 46º do Decreto nº 20 985, de 7 de Março de 1932, 3º, nº 6, do Decreto-Lei nº 39 987, de 22 de Dezembro de 1954, 1º e 2º do Decreto-Lei nº 42 466, de 22 de Agosto de 1959, 68º da Lei nº 2 110, de 19 de Agosto de 1961, que aprovou o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, 8º, nº 1, alínea f), e 10º, nº 1 alínea c), do Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro, 1º, 3º e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 637/76, de 29 de Junho.

Como se escreve no parecer que vimos acompanhando, "a problemática específica da propaganda política, designadamente político-partidária de cariz eleitoral e sindical em que, diferentemente do que concerne à publicidade comercial (11) 9 estão directamente em jogo os valores constitucionais de liberdade de expressão do pensamento por qualquer meio (artigo 37º), de participação dos cidadãos na vida pública (artigo 48º), do concurso dos partidos políticos para a organização e para a expressão da vontade popular (artigo lOº), e bem assim os direitos afins e conexos das associações e partidos políticos (artigo 51º) e das associações sindicais (artigo 57º), tem merecido do legislador um tratamento especial na legislação eleitoral".

Ora, o certo é que essa legislação, vigente à data da controvertida deliberação da CML, reconhecia implicitamente que a afixação e inscrição de propaganda não se conteria necessariamente nos espaços especiais destinados à afixação de cartazes, fotografias, jornais murais, manifestos e avisos, espaços esses que as juntas de freguesia deverão estabelecer em local certo - cfr. artigo 56º do Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3 de Maio, sobre as eleições presidenciais; artigo 55º do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, sobre as eleições autárquicas; artigo 66º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, sobre as eleições legislativas; artigo 59º do Decreto-Lei nº 318-E/76, de 30 de Abril, sobre as eleições regionais da Madeira (12) ; e o artigo 66º do Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto, sobre as eleições regionais nos Açores.

4.4- Como se reconhece no parecer nº 14/87, estabeleceu-se, através da citada legislação, uma dualidade de regimes.

Ali se escreveu, a prop6sito, o seguinte:

"Relativamente a certos espaços proibiu-se em termos absolutos a afixação de cartazes e a realização de inscrições ou pinturas murais: foi o caso dos edifícios públicos, templos, monumentos, instalações diplomáticas e consulares e placas de sinalização de trânsito (nº 3 do artigo 55º do Decreto-Lei nº 701-B/76); dos monumentos nacionais, edifícios religiosos, edifícios sede de órgãos de soberania, regiões autónomas ou do poder local, sinais de trânsito ou placas de sinalização rodoviária, no interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo os estabelecimentos comerciais (artigos 66º, nº 4, da Lei nº 14/79 e do Decreto-Lei nº 267/80); monumentos, templos, edifícios públicos, sinais de trânsito em vias públicas,e, em geral, fora dos espaços especiais estabelecidos pelas câmaras municipais (artigo 7º, nº 5, da Lei nº 40/80).

"A violação desta proibição era punida com prisão até 6 meses e multa de 1 000$ e 10 000$ (nº 1 do artigo 115º do Decreto-Lei nº 701-B/76), multa de 500$ a 2 500$ (artigos 138º da Lei nº 14/79 e do Decreto-Lei nº 267/80), multa de 1 000$ a 50 000$ (artigo 7º, nº 5, da Lei nº 40/80).

Um segundo regime respeita aos edifícios particulares.
"Embora, nos primeiros diplomas citados, não existissem normas expressas quer a reconhecer o direito quer a afirmar a ilegalidade da afixação ou inscrição de propaganda nesses edifícios, resultava das sanções previstas para a sua danificação que, em princípio, tal afixação ou inscrição era lícita e juridicamente tutelada face a terceiros, com ressalva do proprietário dos imóveis, que podia destruir essa propaganda sem incorrer em qualquer sanção. Dispunha, com efeito, o artigo 123º do Decreto-Lei nº 318-E/76 que:

“1. Aquele que furtar, destruir, rasgar, ou por qualquer forma inutilizar, no todo ou em parte, ou tornar ilegível o material de propaganda eleitoral afixado ou o desfigurar ou colocar por cima dele qualquer material com o fim de o ocultar será punido com prisão até seis meses e multa de 1 000$ a 10 000$.

2. Não serão punidos os factos previstos no número anterior se o material de propaganda houver sido afixado na própria casa ou estabelecimento do agente sem o seu conhecimento ou contiver matéria francamente desactualizada"(13).

"Estas normas foram reproduzidas, respectivamente, nos nºs 1 e 2 do artigo 127º do Decreto-Lei nº 319-A/76, nos nºs 2 e 3 do artigo 115ºdo Decreto-Lei nº 701-B/76, e nos nºs 1 e 2 dos artigos 139º da Lei nº 14/79 e do Decreto-Lei nº 267/80, de 8 de Agosto".

4.5 - Através da Lei nº 40/80, de 8 de Agosto (Lei Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira) foi introduzida uma inflexão no apontado regime. Com efeito, depois de, no nº 1, se estabelecer que "as câmaras municipais deverão colocar, até setenta e duas horas antes do início da campanha eleitoral(14), espaços especiais em locais certos destinados à afixação da propaganda eleitoral, em número e locais a aprovar pelo Ministro da República sob proposta das câmaras, após a audição dos partidos concorrentes, os nºs 5 e 6 do artigo 7º, dispõem o seguinte:

5. Incorre na pena de multa de 1 000$ a 50 000$ aquele que pintar ou afixar propaganda eleitoral fora dos espaços previstos no nº 1, nomeadamente em monumentos, templos, edifícios públicos, sinais de trânsito e vias públicas. Tratando-se de muros, ou edifícios privados, a pintura ou afixação só serão lícitas quando autorizadas pelo respectivo proprietário ou possuidor.

“6. A autorização prevista no número antecedente não se presume, mas presume-se que foi concedida com a obrigação de o responsável pela pintura ou afixação proceder a expensas suas à restituição do local à situação anterior, imediata mente após o termo da campanha eleitoral, sob pena de aplicação da multa prevista no número anterior".

Como se salienta no parecer nº 14/87, "a evolução legislativa eleitoral descrita assinala uma crescente limitação quanto aos locais utilizáveis para a afixação de cartazes ou a inscrição de pinturas: da ausência de proibições explícitas no Decreto-Lei nº 319-A/76 chegou-se à obrigação de utilizar exclusivamente locais pré-determinados pelas autoridades administrativas (Lei nº 40/80). Quanto aos imóveis particulares, passou-se da licitude da sua utilização para aqueles efeitos, oponível erga omnes excepto quanto aos próprios proprietários dos imóveis, para uma situação em que se exige a autorização prévia destes proprietários (ou legítimos possuidores) e se impõe aos utilizadores a obrigação de limpeza dos muros ou paredes, restituindo os edifícios ao estado de conservação anterior".


5.

5.1 - Tendo em consideração que "a afixação indiscriminada de cartazes e a realização de inscrições e pinturas murais têm provocado uma acentuada e progressiva deterioração das fachadas dos edifícios e de outros suportes, com a consequente conspurcação quer do património construído, quer do património natural, em inequívoco atentado ao direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, consagrado no artigo 66º da Constituição, senão mesmo ao direito de propriedade, também consignado na lei fundamental (artigo 62º) e ponderando, outros sim, que "não têm sido facultadas às câmaras municipais e aos titulares do respectivo direito de propriedade - uns e outros mais vocacionados para evitarem aquela degradação - os meios adequados à defesa dos valores e bens em causa", sendo, aliás, “confrangedor verificar que os esforços desenvolvidos por muitas câmaras municipais e pelos proprietários no sentido de procederem à limpeza das fachadas são inúteis ou desencorajados por muitas ofensivas que, a curto prazo, repõem a degradação anterior", o grupo parlamentar do PSD apresentou na Assembleia da República o projecto de lei nº 25/V (15) (que, aliás, retomou um texto apresentado pelo mesmo partido na anterior legislatura, concretamente o projecto de lei nº308/IV(16) , relativo ao condicionamento da afixação de publicidade ou de propaganda, bem como à realização de inscrições ou de pinturas murais.

5.2 - Em síntese, os traços marcantes do projecto eram os seguintes:

1) - só é permitida a afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza em lugares públicos ou destes perceptíveis nos seguintes casos, quando previamente licenciados pela câmara municipal:

a) nos suportes e locais destinados ao efeito, sitos na via pública, em instalações ou em edifícios;

b) em instalações públicas ou particulares visando a respectiva sinalização, identificação ou anúncio temporário de venda ou arrendamento (artigo 1º, nº 1);

2) - a realização de inscrições ou de pinturas murais sã é permitida nos espaços especialmente licenciados para o efeito pelas câmaras municipais (artigo 1º, nº 2);

3) - para os referidos licenciamento e destinação é também indispensável o consentimento do proprietário ou usufrutuário do respectivo local (artigo lº, nº 3), devendo a deliberação da câmara ser precedida de parecer favorável das entidades com jurisdição nos locais onde a publicidade for perceptível (artigo 2º, nº 2), sendo nulas e de nenhum efeito as licenças ou aprovações municipais emitidas sem verificação desses requisitos (artigo 2º, nº 3);

4) - a licença não deve ser concedida designadamente, nos seguintes casos:

a) quando provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou ambiente dos lugares ou da paisagem;

b) quando prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas;

c) quando causar prejuízos a terceiros;

d) quando afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária;

e) quando apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização do tráfego;

f) quando prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes (artigo 3º, nº 1);

5) os proprietários ou usufrutuários dos locais onde forem ilicitamente afixados cartazes ou realizadas inscrições ou pinturas murais podem - sem prejuízo do direito a indemnização dos prejuízos sofridos (artigo 7º, nº 2) – destruí-los, rasgá-los, apagá-los ou por qualquer forma inutilizá-los (artigo 5º);

6) as câmaras municipais podem:

a) - ordenar a suspensão de publicidade ou de propaganda e embargar ou demolir obras (de construção civil, cuja execução for exigida pela produção de publicidade ou de propaganda) quando for violado o disposto neste diploma (artigo 4º);

b) - promover a retirada da publicidade actualmente existente, a fim de dar satisfação aos fins prosseguidos pelo presente diploma (artigo 6º);

c)- publicar regulamentos em conformidade com o presente diploma (artigo 3º, nº 2), mantendo-se em vigor as posturas actualmente existentes em tudo quanto o não contrariar (artigo 3º, nº 2);

d)- aplicar (através do respectivo presidente) coimas às contra-ordenações por violação do disposto no artigo 1º verificadas na respectiva área, aplicando-se ao montante da coima, as sanções acessórias e às regras de processo as disposições constantes do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e revertendo o produto das coimas para a câmara municipal com competência para a respectiva aplicação (artigo 7º, nºs 1 e 3 a 5).

5.3 - Na respectiva justificação de motivos podem ler-se as considerações que a seguir se transcrevem:

"A primeira vista, e numa óptica jurídico-constitucional, pode parecer estar-se em presença de uma "colisão" de direitos quando se confronta o disposto no artigo 37º (liberdade de expressão e informação) e o artigo 66º (ambiente e qualidade de vida).

"Em nosso entender, não se verifica uma "colisão" de direitos constitucionalmente consagrados, mas antes um conflito aparente de normas jurídico-constitucionais, cuja harmonização material cabe ao legislador ordinário estabelecer.

"De facto, é de carácter regulamentador, e não de natureza restritiva, qualquer iniciativa legislativa no sentido .de disciplinar o exercício das referidas actividades de publicidade ou de propaganda.

"Tal como defende Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição Anotada, Coimbra Editora, 1980, pp. 21 e segs. ), referindo-se à interpretação sistemática da Constituição, “um preceito constitucional não deve ser considerado isoladamente e interpretado apenas a partir dele próprio. É que, formando a Constituição uma unidade de sentido lógico-ideológico, deve tomar-se em conta o conteúdo global da Constituição[...].

"Mesmo que assim não se entenda, sempre se deveria considerar que uma tal "restrição" a um direito fundamental teria fundamento na Constituição (artigo 66º) e que uma tal limitação expressa (artigo 18º, nº 2) se destinaria a salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos, designadamente quer o já citado direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado quer, inclusivamente, o direito de propriedade privada (incluindo os clássicos jus fruendi e jus utendi) consagrado no artigo 62º da Constituição. Acresce o facto de que não é de admitir uma dignidade constitucional inferior aos dois últimos direitos referidos em relação ao direito de livre expressão e informação".

5.4 - Pela relevância de que se reveste para a compreensão dos limites materiais constitucionalmente admissíveis aos apontados direitos fundamentais e do órgão constitucionalmente legitimado a determinar tais limites, interessa também transcrever a parte argumenta-tiva do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto de lei nº 25/V:

"De acordo com o preceituado no artigo 37º da Constituição, "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio [...]”. Tal direito inscreve-se no título da Constituição atinente aos "direitos, liberdades e garantias"
(artigo 17º), considerando a Constituição (artigo 18º) que:

a)- Tais preceitos "são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas";

b)- A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição;

c)- Devem as restrições limitar-se ao necessário para salva guardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;

d) - As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto;

e) - Não podem ter efeito retroactivo;

f) Nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

"Em face da moldura constitucional, impõe-se conhecer o exacto alcance normativo do projecto de lei nº 25/V.

"Do ponto de vista formal, a matéria de direitos, liberdades e garantias obedece, em toda a sua extensão, ao princípio do domínio reservado da lei. Só a lei pode restringir tais direitos e apenas nos casos constitucionalmente admitidos.

"Quando o projecto de lei (artigo 3º, nº 2) confere às câmaras municipais a faculdade de "publicação de regulamentos sobre espaços destinados à afixação de publicidade ou propaganda e realização de inscrições ou pinturas murais", é de admitir a hipótese de uma inconstitucionalidade orgânica.

"Há, todavia, quem admita que "a lei (formal) pode facultar às autarquias locais a intervenção regulamentar no domínio reservado, designadamente no dos direitos, liberdades e garantias" (José Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976).

"Estaremos, porém, no que ao projecto de lei diz respeito, em domínio exclusivamente regulamentar? Qualquer afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza (artigo lº) necessita de prévio licenciamento das câmaras municipais.

"Ora, por mais vinculado que seja o acto administrativo, fazer depender o exercício de um direito fundamental de um acto prévio e casuístico de licenciamento poderia abrir o risco de tal direito cair na disponibilidade dos órgãos da Administração. Situação essa que, de todo em todo, a Constituição visa impedir em matéria de direitos, liberdades e garantias, salvo nos casos por ela previstos.

"Aduzir-se-à que o licenciamento apenas procura disciplinar os espaços a utilizar e o modo de utilização dos meios de difusão e nunca condicionar o conteúdo das mensagens.

Ora, como se lê no Acórdão nº 74/84 do Tribunal Constitucional, exarado em 10 de Julho de 1984, "a liberdade de expressão, que o artigo 37º, nº 1, garante, compreende o direito de manifestar o próprio pensamento (aspecto substantivo) e, bem assim, o de livre utilização dos meios através dos quais esse pensamento pode ser difundido (aspecto instrumental)11.

"De onde poderia concluir-se que a faculdade conferida às câmaras municipais para regulamentar de forma materialmente inovatória na ordem jurídica, podendo assim atingir o conteúdo essencial do direito, como a capacidade que lhes é conferida para aplicar sanções de natureza contravencional,é susceptível de incorrer em dois vícios de inconstitucionalidade: no primeiro caso, inconstitucionalidade orgânica; no segundo, inconstitucionalidade material, (por subsumir(17) as infracções cometidas aos princípios gerais do direito criminal e à competência dos tribunais judiciais (artigo 37º, nº 3, da Constituição).

"Subsiste, entretanto, um problema essencial suscitado pelo projecto de lei em análise.

"Poderá a lei ordinária regular as condições de exercício dos direitos consagrados no artigo 37º da Constituição?

"Esse parece ter sido o ponto de vista do legislador ordinário, designadamente ao proibir, através da Lei nº 14/79, de 16 de Maio, a afixação de cartazes ou a realização de inscrições ou pinturas murais (artigo 66º, nº 4) em “monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgãos de soberania ou de regiões autónomas, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviária, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais".

"Estaremos, nestes casos, perante uma autêntica excepção ao artigo 37º, por aplicação do nº 2 do artigo 18º? Ou, em "lugar de restrição ao exercício de um direito fundamental, estar-se-á, como sugerem os autores do projecto de lei, perante um caso de compatibilização material de normas e direitos constitucionais só aparentemente incompatíveis?

"Afirma Vieira de Andrade (citado no acórdão supra-referído) que há leis reguladoras (leis de organização) que disciplinam a boa execução dos preceitos constitucionais e, com essa finalidade, poderão, quando muito, estabelecer condicionamentos ao exercício dos direitos. Condicionamentos, sublinhe-se, e não restrições. Mas, diz ainda Vieira de Andrade, "este poder regulamentar' do legislador é um poder vinculado, não lhe sendo, por isso, possível afectar ou modificar o conteúdo do direito fundamental, sob pena de se inverter a ordem constitucional das coisas".

"Essa inversão da ordem constitucional das coisas - ao atribuir vasta competência regulamentar às autarquias, ao tratar os eventuais ilícitos no âmbito de um direito de mera ordenação social, ao condicionar o exercício da liberdade de expressão a actos administrativos prévios - surge latente no projecto de lei nº 25/V.

"Julga-se que a redacção do nº 1 do artigo lº do projecto de lei levará a concluir que a afixação de publicidade ou de propaganda de qualquer natureza carece de prévio licenciamento. Verifica-se no restante articulado que o licenciamento visa, tão-sómente, os espaços ou suportes destinados à publicidade ou à propaganda.

"Afigura-se-nos a necessidade da obrigatoriedade da criação, pelas autarquias, de espaços destinados às mensagens e comunicações políticas, dado que os espaços a licenciar, previstos no projecto, parecem destinar-se a empresas que, para publicidade própria, ou para comercialização junto de terceiros, pretendam promover o objecto das suas actividades.

"De resto, assinala-se no projecto de lei a falta de uma distinção entre a publicidade comercial e a comunicação política, cujo tratamento merecia ser diferenciado.

"Em conclusão, a Comissão entende que o conflito de normas acima referido deverá ser ponderado em plenário, tendo em conta as mencionadas dúvidas de constitucionalidade, pelo que deve o projecto de lei subir ao Plenário".

5.5 - No debate subsequente foram, em grande parte, reeditados os argumentos que haviam sido invocados no debate precedente do projecto de lei nº 308/IV, o que em nada surpreende, uma vez que o projecto de lei nº 25/V se limitou a reproduzir o anterior (18) .

Assim, segundo uma parte dos deputados dos partidos da Oposição o projecto em causa não visava regulamentar o exercício de um direito fundamental mas restringi-lo em termos não permitidos pela Constituição, com a agravante de esta restrição não ter carácter de generalidade porque confiada a uma autorização prévia e individual das câmaras.

A título ilustrativo, passam a sintetizar-se os argumentos básicos contidos na intervenção de um deputado do PCP (19) :

a) a iniciativa legislativa em apreço confunde propaganda política com publicidade comercial (20) ;

b) por força da conexão entre as previsões dos artigos 37º e 18º do texto fundamental, a livre expressão e divulgação do pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio só pode ser sujeita a constrições, no caso de eventual colisão de interesses e normas, nos termos de uma malha apertada;

c) o projecto instaura a censura prévia ao conferir amplos poderes de regulamentação às autarquias, permitindo que, pelo licenciamento administrativo, se gerem situações de arbítrio ou de perseguição política;

d) não é juridicamente admissível proceder à administrativiza-cão dos direitos fundamentais(21).

Já o CDS, pela voz do Deputado NOGUEIRA DE BRITO, criticando embora o projecto, sustentou, invocando VIEIRA DE ANDRADE, que a regulamentação, enquanto organização do exercício de um qualquer direito, é compatível com a respectiva inviolabilidade, pelo que o disposto no artigo 18º da CRP "não é incompatível com uma certa dose de devolução às câmaras municipais para exercício de competências que lhes são próprias”.
Daí que, a finalizar a intervenção, o deputado NOGUEIRA DE BRITO tenha sublinhado que, para o seu partido, era importante salientar a "consciência de que a compatibilização entre a defesa da liberdade de expressão e as atribuições e competências das autarquias implica a publicação de um regime legal de enquadramento mais substancial que o constante da proposta".

Para os proponentes (22) , o projecto limitava-se a regulamentar o direito de expressão com vista a conciliá-lo com os direitos, também constitucionalmente tutelados, de propriedade privada, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e à fruição e criação cultural (artigos 62º, 66º e 78º da CRP).

5.6 - Pode, em síntese, dizer-se que, do debate travado, resultou a formulação das seguintes críticas ao projecto (23) :

a) risco de arbítrio e discricionaridade incontrolada no licenciamento municipal (24) ;

b ) Dúvidas sobre a constitucionalidade da atribuição as câmaras municipais da competência de regulamentação da lei que, pelo carácter não exaustivo desta, não se cingiria a aspectos não secundários, podendo assumir a natureza de regulamentos autónomos, considerados inadmissíveis em matéria de reserva de lei .

Um ponto houve em que se registou, todavia, unanimidade (entre o partido proponente e os partidos da oposição): o de que, sem a lei cuja aprovação o projecto em causa visava, não era possível às autarquias locais emitirem regulamentos sobre esta matéria.

Na sua intervenção de apresentação do projecto, disse, com efeito, o Deputado LICÍNIO MOREIRA:

"Nas várias discussões que se fizeram nesta Assembleia da República a propósito da presente iniciativa legislativa, os opositores, completos ou mitigados, ao diploma ora em discussão carrearam os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 74/84, de 10 de Julho, e 248/86, de 16 de Julho, os quais, respectivamente, consideraram inconstitucionais as posturas das Assembleias Municipais de Vila do Conde e de Santarém que visavam regulamentar, nas suas próprias circunscrições, aquelas actividades, já por mais de uma vez referidas, de afixação de cartazes ou de inscrições ou pinturas murais.

Ora, o que o Tribunal Constitucional acentuou naqueles dois acórdãos já citados, aliás, por unanimidade, o que lhe tira qualquer política, foi que a regulamentação do direito de expressão e de informação não era possível através de pos-tura camarária, mas tão-só através de lei parlamentar ou parlamentarmente autorizada, nos termos do artigo 18º da Consti-tuicão da República" (25) .

Demonstra-se, assim, que, mesmo no entendimento do partido proponente não era constitucionalmente legitimo aos municípios editarem regulamentos contendo matéria tendente a disciplinar o exercício de livre expressão. Como se reconhece no parecer nº 14/87, “este é um ponto sobre o qual se verificou unânime consenso na Assembleia da República. As divergências surgiram quanto a saber se, mesmo existindo lei formal (ou decreto-lei autorizado) a disciplinar esse direito fundamental, conciliando-o com outros, a competência regulamentar autárquica podia ir além da aprovação de regulamentos estritamente executivos (secundários)".


6.

6.1 - Na sequência do debate na especialidade, o projecto de lei viria a sofrer importantes alterações, pelo que foi possível, uma vez rejeitados diversos requerimentos de avocação pelo Plenário apresentados pelo Grupo Parlamentar do PCP, aprovar a referida iniciativa legislativa com os votos a favor do PSD, do PS e do CDS, votos contra do PCP e da ID e a abstenção do PRD(26).

Viria assim a ser editada a Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, subordinada à epígrafe "afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda".

Este diploma, contrariamente ao projecto de lei que lhe serviu de base, estabelece a distinção entre "mensagens publicitárias" (artigo 1º) e "mensagens de propaganda" (artigo 3º). As primeiras, de natureza comercial, dependem de licenciamento prévio, cujo regime consta do artigo 2º. 0 mesmo não acontece com as segundas.
Quanto às mensagens de propaganda, justifica-se transcrever o artigo 3º. Estabelece o seguinte:

“1. - A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais.

2.- A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda nos lugares ou espaços de propriedade particular depende do consentimento do respectivo proprietário ou possuidor e deve respeitar as normas em vigor sobre protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico".

0 artigo 4º, relativo a "critérios de licenciamento e de exercício” preceitua, no nº 1, que os mesmos (27) devem prosseguir os seguintes objectivos:

"a) Não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem;

b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas;

c) Não causar prejuízos a terceiros;

d) Não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeada mente na circulação rodoviária ou ferroviária;

e) Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego;

f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes".

Por outro lado, por força do nº 2 do referido artigo 4º, ficou proibida, em qualquer caso, a realização de inscrições ou pinturas murais em monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgão de soberania, das regiões autónomas ou de autarquias locais, tal como em sinais de trânsito, placas de sinalização rodoviária, interior de quaisquer repartições ou edifícios públicos ou franqueados ao público, incluindo estabelecimentos comerciais e centros históricos como tal declarados ao abrigo da competente regulamentação urbanística.

Nos termos do nº 2 do artigo 5º é definida a competência das câmaras municipais para, uma vez notificado o infractor, ordenar a remoção das mensagens de publicidade ou de propaganda e para embargar ou demolir obras quando contrárias ao disposto na lei.

Reportando-se aos "meios amovíveis de propaganda", fixa-se, no artigo 6º, o principio de que os mesmos devem respeitar as regras definidas no artigo 4º, sendo a sua remoção da responsabilidade das entidades que os tiverem instalado e competindo às câmaras municipais definir os prazos e condições de remoção dos meios de propaganda utilizados.

0 artigo 7º, sob a epígrafe "propaganda em campanha eleitoral", preceitua o seguinte:

“1 - Nos períodos de campanha eleitoral as câmaras municipais devem colocar à disposição das forças concorrentes espaços especialmente destinados à afixação da sua propaganda.

2 - As câmaras municipais devem proceder a uma distribuição equitativa dos espaços por todo o seu território de forma a que, em cada local destinado a afixação de propaganda política, cada partido ou força concorrente disponha de uma área disponível não inferior a 2 m2.

3 - Até 30 dias antes do início de cada campanha eleitoral, as câmaras municipais devem publicar editais onde constem os locais onde pode ser afixada propaganda política, os quais não podem ser inferiores a um local por 5 000 eleitores ou por freguesia".

0 artigo 8º concede aos proprietários ou possuidores de locais onde forem afixados cartazes ou realizadas inscrições ou pinturas murais em condições indevidas o direito de destruir, rasgar, apagar ou inutilizar os referidos meios de publicidade ou propaganda.

Por seu turno, de acordo com o artigo 9º, os custos da remoção dos aludidos meios, ainda quando efectivada por serviços públicos, cabem à entidade responsável pela afixação que lhe tiver dado causa.

Sob a epígrafe "Contra-ordenações”, estabelece o artigo.10º:

“1 - Constitui contra-ordenação punível com coima a violação do disposto nos artigos 1º, 3º, nº 2, 4º e 6º da presente lei.

2 - Quem der causa à contra-ordenação e os respectivos agentes são solidariamente responsáveis pela reparação dos prejuízos causados a terceiros.

3 - Ao montante da coima, às sanções acessórias e as regras de processo aplicam-se as disposições constantes do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.

4 - A aplicação das coimas previstas neste artigo compete ao presidente da câmara municipal da área em que se verificar a contra-ordenação, revertendo para a câmara municipal o respectivo produto".

Finalmente, o artigo 11º, tendo por epígrafe “competência regulamentar”, preceitua que "compete à assembleia municipal, por iniciativa própria ou proposta da câmara municipal, a elaboração dos regulamentos necessários à execução da presente lei" (sublinhado nosso).


6.2 - No já citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 307/88 escreve-se o seguinte, com pleno interesse para o presente parecer:

"A luz da disciplina da Lei nº 97/88 [...] parece poder antecipar-se que, com o início da sua vigência, resultou revogada deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 12 de Janeiro de 1987, constitutiva do objecto do presente processo.

Na verdade, embora aquela lei não haja operado qualquer revogação expressa, o certo é que, ao definir ex novo, e em toda a sua dimensão essencial, o regime da afixação e inscrição das mensagens de publicidade e propaganda, estabelecendo os seus critérios de licenciamento e de exercício, atribuindo as respectivas competências de efectivação e as punições das condutas que se traduzam em violação daqueles comandos, originou uma incompatibilidade manifesta entre a sua disciplina e aquela que se contém na deliberação em controvérsia, que não pode deixar de se saldar pela revogação tácita desta última.

Com efeito, a nova lei veio reger em toda a sua extensão a matéria respeitante à pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares, abrangendo todos os seus segmentos dispositivos e concedendo-lhe um tratamento diverso do anterior, em termos de se poder concluir que esta nova manifestação de vontade do legislador haja de prevalecer sobre a anterior (lex posterior revogat priori)".

Trata-se de entendimento que merece a nossa concordância.


7.

7.1 - À data em que a CDU requereu a providência cautelar não especificada que está na génese do presente parecer ainda não tinha sido editada a Lei nº 97/88. A justificação da ameaça de lesão e o receio da sua concretização fundamentaram-se, aliás, como se viu, na deliberação de aprovação, pela CML, da proposta nº 238/86 e, bem assim, na ocorrência, já consumada, de alguns actos concretos de remoção e destruição de material de propaganda, operações realizadas ao abrigo da aludida deliberação camarária - cfr. supra, 3.1.

As considerações já expendidas contribuem para sufragar o bom fundamento da decisão do tribunal de 1ª instância, ao decretar parcialmente a providência solicitada, ordenando que os requeridos se abstivessem de remover a propaganda política da requerente, nos termos oportunamente expostos - cfr. supra, 3.2.

A situação hoje em vigor é todavia, diversa, uma vez que o quadro normativo aplicável à regulação da problemática colocada foi modificado por virtude da publicação e entrada em vigor da Lei nº 97/88.

Justifica-se, no entanto, até para podermos penetrar na essência do conteúdo dos direitos consagrados nos artigos 37º, nº 1, e 116º, nº 3, alínea a), da CRP, e para podermos estabelecer os limites ao respectivo exercício, que acompanhemos, ainda que com brevidade, a fundamentação jurídica do acórdão do Tribunal Constitucional nº 307/88, que conduziu à declaração de inconstitucionalidade das normas da citada deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 12 de Janeiro de 1987.

7.2 - Como já se referiu, o requerimento do Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República de declaração da inconstitucionalidade das referidas normas teve na base o estudo realizado no âmbito do parecer nº 14/87, que concluiu que a citada deliberação era organicamente inconstitucional, por violar o artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, e materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, e 37º, nº 1, da lei fundamental (28).

Apesar disso, entendeu o Tribunal Constitucional indagar, antes de mais, se uma possível inconstitucionalidade formal não viciaria a deliberação (29).

7.2.1- 0 artigo 242º da Constituição, na sua redacção actual, preceitua que "as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar".

Este poder regulamentar das autarquias, por força do disposto no artigo 239º da Constituição, há-de conter-se nos limites estabelecidos por lei, sendo certo que esses limites não podem ultrapassar o plano que tem por referencial máximo a "prossecução dos interesses próprios das populações respectivas" (cf. artigo 237º, nº1 2, do texto constitucional).

As autarquias locais, como se extrai do artigo 2º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março (que procedeu à revisão da Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, definidora das atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos) , e dos artigos 50º, nº 5, 48º, nº 9, e 46º, nº 12º, do Código Administrativo, têm por atribuição velar pela elegância e salubridade das edificações confinantes com ruas e lugares públicos, pela conservação de monumentos destinados ao embelezamento das povoações e à consagração de pessoas ilustres ou de acontecimentos memoráveis do concelho e, bem assim, pela limpeza das povoações e asseio exterior dos edifícios.

No domínio destas matérias, agindo, designadamente, em defesa de valores estéticos e paisagísticos, visando preservar a beleza, as panorâmicas ou a salubridade dos locais, o órgão legalmente competente das autarquias pode editar regulamentos autónomos, isto é, "disciplina normativa inicial com eficácia regulamentar”(30) .

A tal propósito, ponderou-se no já também citado Acórdão nº 74/84:

"Trata-se de uma actividade regulamentar, que se enquadra de modo particular nas suas atribuições de polícia, com a qual se visa disciplinar a livre acção dos cidadãos, por forma que ela possa desenvolver-se harmonicamente, com respeito pelas exigências da vida em sociedade, designadamente pelos direitos dos outros cidadãos.

Esse poder regulamentar tem, porém, como limite o domínio reservado à lei. Aí só é permitida a intervenção do legislador, ou a do Governo, quando munido de autorização legislativa. 0 regulamento, designadamente o dos órgãos autárquicos, só é aí permitido quando for de simples execução".

Também AFONSO QUEIRÓ (31), teorizando em termos concordantes, escreve:

"A reserva da lei constitui o quinto limite do poder regulamentar: a administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva. Os únicos regulamentos que nas matérias reservadas à lei se admitem são os regulamentos de execução. 0 Executivo, neste domínio, só pode editar normas inovadoras sob a forma de decretos-leis, mediante autorização da Assembleia da República. (...)

A deslegalização das matérias reservadas não é possível entre nós: a disciplina integral destas matérias (salvo os pormenores de execução sempre susceptíveis de ser versados em regulamentos, nos termos já vistos) cabe em principio à lei e excepcionalmente a decretos-leis, - e (32) nunca a regulamentos"

7.2.2 - Considerando que a deliberação controvertida da CML revestia irrecusavelmente a natureza de um regulamento, pois que, "considerada numa perspectiva material, se tratava de uma norma Jurídica geral e abstracta, dimanada de órgão administrativo no desempenho da função administrativa”(33), justificar-se-ia começar por analisar a questão da sua inconstitucionalidade à luz do nº 7 do artigo 115º da Constituição.

Procedendo à referida análise em termos que a este parecer não importa acompanhar em detalhe, concluiu-se no âmbito do aludido acórdão nº 307/88 ser patente a inconstitucionalidade formal das normas da deliberação da CML, por violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição.

7.3 - Passando à apreciação da questão da inconstitucionalidade orgânica, o acórdão que estamos a acompanhar, depois de recordar que a reserva de lei constitui um dos limites do poder regulamentar, “porquanto a Administração não poderá editar regulamentos (independentes ou autónomos) no domínio dessa reserva, com ressalva dos regulamentos executivos", reconhece que a radical proibição constante da deliberação em apreço, para além do esquema sancionatório ali previsto, afasta-se do regime legal em vigor e introduz no ordenamento jurídico uma disciplina inovadora.

Por isso se conclui que, qualquer que seja a posição doutrinal que se adopte a propósito da admissibilidade dos regulamentos autónomos em matéria de direitos, liberdades e garantias (34), a normação administrativa em presença não beneficiaria de legitimidade constitucional. De onde se impõe a conclusão de que a norma em causa, invadindo a área de competência reservada da Assembleia da República, violava o disposto no artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição (35).


8.

8.1 - 0 certo é que a análise que nos é pedida não pode ignorar a edição da Lei n2 97/88, a qual revogou a deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 12 de Janeiro de 1987, introduzindo importante modificação qualitativa no quadro normativo em que temos de nos mover.

É, pois, em face das normas da referida Lei que devemos encontrar a adequada resposta para a questão colocada, ou seja, para a clarificação da área de actuação das autoridades municipais em matéria do exercício dos direitos consagrados no nº 1 do artigo 37º e na alínea a) do nº 3 do artigo 116º da Constituição.

8.2 - Tal como é sublinhado no parecer nº 14/87, foi “unânime o entendimento das diversas componentes da Assembleia da República de que, sem a edição da lei ali em elaboração, não era constitucionalmente possível a intervenção regulamentar das autarquias na matéria".

Como se viu, ao analisar os dispositivos da Lei nº 97/88, em vários desses normativos se prevê, expressa ou implicitamente, a edição de actos de natureza regulamentar por parte das autoridades autárquicas, cometendo-se, no artigo 11º, à assembleia municipal, por iniciativa própria ou proposta da câmara municipal, a elaboração dos regulamentos necessários à execução da lei.

As dúvidas e dificuldades que poderão, assim, erguer-se, no futuro, deverão dizer respeito à normação regulamentar que vier a ser editada, para execução da lei nº 97/88 e, bem assim, aos actos de remoção e inutilização de material de propaganda política, mormente em períodos de campanha eleitoral, por iniciativa das autoridades municipais, a realizar ao abrigo de tal normação (35-A).

Valerá a pena lembrar mais uma vez o que, a propósito, se escreveu no parecer nº 14/87:

"Uma vez existente a lei ali em elaboração, passa a ser admissível a intervenção regulamentadora das autarquias, embora não seja pacífica a extensão desta intervenção. Para uns (x), a lei (formal) pode facultar às autarquias locais a intervenção regulamentar no domínio reservado, designadamente dos direitos, liberdades e garantias, tendo tal regulamentação por objecto o desenvolvimento e a adaptação ao respectivo município dos princípios disciplinares contidos na lei [...]; para outros, "a própria regulamentação de direitos, liberdades e garantias deve ser feita por lei ou com base na lei, não podendo ficar para regulamentos dos órgãos autárquicos mais que "pormenores de execução” (xx), ou, noutra formulação, "no caso de direitos restringidos directamente por lei ou limitados através de decretos-leis autorizados, é a estes actos legislativos que compete estabelecer uma regulamentação suficientemente determinada e densa, incidente sobre os aspectos essenciais das restrições, o que exclui a possibilidade da existência, nesses casos, de regulamentos independentes ou autónomos (cfr. os artigos 115º, nºs 6 e 7,e 242º)".

8.3 - No nº 1 do artigo 37º da Constituição estão reconhecidos dois direitos (ou, melhor, tal como entendem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (36), dois conjuntos de direitos) distintos, "embora concorrentes: o direito de expressão do pensamento e o direito de informação". A fronteira entre ambos assenta na distinção comum entre, por um lado, a expressão de ideias ou opiniões e, por outro lado, a recolha e transmissão de informações. A matéria que representa o objecto da consulta insere-se, assim, no fundamental, no âmbito do primeiro conjunto, sem prejuízo de poder assumir formas concretas de veiculação de dados de natureza informativa.

0 "direito de expressão" (nº 1, lª parte, ou seja, "o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento") representa-se, assim, como um direito fundamental integrado na categoria dos direitos, liberdades e garantias, cuja primeira vertente é, desde logo, a liberdade de expressão, ou seja, o direito de não ser impedido de exprimir-se.

Como ponderam os constitucionalistas G. CANOTILHO e V. MOREIRA, "a liberdade de expressão e uma componente da clássica "liberdade de pensamento", que tem outras dimensões na liberdade de criação cultural (artigo 42º), na liberdade de consciência e de culto (artigo 41º), na liberdade de aprender e de ensinar(artigo 43º) e, em certa medida, na liberdade de reunião e manifestação (artigo 45º)”.

0 princípio da "liberdade de propaganda”, constante da alínea, a) do nº 3 do artigo 116º da Constituição, materializando um dos princípios vectores por que se devem reger as campanhas eleitorais, embora represente manifestas conexões com o direito de expressão do pensamento não se limita a exigir a sua observância, uma vez que, no seu âmbito se situa também o exercício das liberdades de reunião e de manifestação (a par das de expressão) durante os períodos eleitorais. Com efeito, dada a função democrática instrumental da propaganda eleitoral para a genuinidade do acto eleitoral, a densificação do conceito tem de abranger todas as actividades que, directa ou indirectamente, tenham como finalidade a promoção das candidaturas(37).

Ora, como resulta do que oportunamente se ponderou (cfr. também ponto 4.2.), a liberdade de expressão, enquanto primeira vertente do direito de expressão do pensamento, abarca a liberdade de propaganda política, exercida na forma e pelo meio de afixação e inscrição mural de cartazes, faixas, tarjetas, pinturas, etc..

8.4 - Como é sabido, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Além dos limites "internos", que resultam do conflito entre os valores que representam as diferentes facetas da dignidade humana, os direitos fundamentais têm limites "externos", uma vez que têm de conciliar as suas naturais exigências com as que são próprias da vida em sociedade: a ordem pública, a ética ou moral social, a autoridade do Estado, a segurança nacional, etc..

Desenvolvendo este principio básico, escreve VIEIRA DE ANDRADE(38):

“Nestes termos, poderá talvez afirmar-se que o problema dos limites dos direitos fundamentais se coloca, afinal, na maior parte dos casos, como um conflito prático entre valores - entre os valores próprios dos direitos ou entre esses e outros valores comunitários.

Porém, esse conflito não se apresenta sempre da mesma maneira e assume, visto da perspectiva do "direito limitado", formas diferentes, que convém separar.

Umas vezes, a "limitação" do direito atinge o seu próprio âmbito de protecção constitucional, de tal maneira que exclui em termos absolutos certas formas ou modos do seu exercício – fala-se então de limites imanentes.

“Outras vezes, a limitação resulta dos compromissos naturais entre valores constitucionais que concorrem directamente em determinados tipos de situações e que, nessas circunstâncias, reciprocamente se limitam - estamos perante as colisões de direitos ou conflitos em sentido estrito.

Noutros casos, ainda, a limitação resulta de uma intervenção normativa dos poderes públicos para salvaguarda de valores constitucionais - esta intervenção é reservada ao poder legislativo e, por isso, põe-se aqui o problema das leis restritivas de direitos fundamentais".

Não se justifica, no âmbito deste parecer, proceder à análise monográfica dos temas dos "limites imanentes” (39) e da colisão ou conflito de direitos fundamentais (40). Justificar-se-á tão somente que, sobre a segunda das apontadas matérias, deixemos consignados alguns princípios básicos. Assim, o problema consiste em saber como solucionar o conflito entre os bens tutelados constitucional mente quando todos eles se encontram efectivamente protegidos como objecto que são de direitos fundamentais.

É, por exemplo, o caso da liberdade de expressão quando se oponha à intimidade da vida privada ou ao direito ao bom nome e à reputação.

É ainda o caso, para nos aproximarmos do objecto da consulta, da liberdade de expressão, exercida através da afixação ou inscrição mural de material de propaganda política, em oposição a um conjunto de valores, tais como o direito de propriedade, a imparcialidade dos agentes e serviços públicos (artigo 266º, nº 2 da Constituição), a protecção do património cultural e artístico, a paisagem, o meio ambiente, a paz e a tranquilidade pública, a segurança e a liberdade de circulação, a salubridade pública e muitos outros.

Como sustenta VIEIRA DE ANDRADE, "a solução dos conflitos e colisões não pode ser resolvida com o recurso a ideia de uma ordem hierárquica dos valores constitucionais". E acrescenta: "Não pode, além disso, ignorar-se que nos casos de conflito, a Constituição protege os diversos valores ou bens em jogo e que não é lícito sacrificar pura e simplesmente um deles ao outro". Terá, assim, de respeitar-se a protecção constitucional dos diferentes direitos ou valores, procurando a solução no quadro da unidade da Constituição, tentando harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes, prosseguindo, assim, a realização do princípio da sua concordância prática. Como ensina o autor que estamos a acompanhar, este principio não prescreve a necessidade de realização óptima de cada um dos valores em termos matemáticos. Ou seja, a medida em que se vai comprimir cada um dos direitos pode ser diferente, dependendo do modo como se apresentam e das alternativas possíveis de solução do conflito.

A tal respeito deve ter-se presente, em cada direito fundamental, um núcleo essencial de protecção máxima e, depois, afastando-se do centro, espaços de protecção progressivamente menos intensa.

De tudo quanto se expôs resulta que "o princípio da concordância prática se executa através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito", com a menor compressão possível de cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação. Deverão, a propósito, ter-se presentes as normas dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, essenciais para a definição do regime jurídico dos direitos fundamentais.


9.

9.1 - Muitas vezes, porém, e foi o que aconteceu na matéria que está a ser objecto de análise, a lei ordinária intervém no quadro dos direitos, liberdades e garantias. E fá-lo com diferentes objectivos.

9.1.1 - Em primeiro lugar, a intervenção legislativa nem sempre implica uma restrição dos direitos, podendo intervir na matéria dos direitos fundamentais apenas para concretizar os preceitos constitucionais. 0 legislador não faz então mais do que declarar (aclarar) os limites imanentes de um direito fundamental.

9.1.2 - Para além de tal concretização, há ainda outros tipos de interferência legislativa na matéria dos direitos fundamentais que não podem ser considerados como restrição. Será o caso das normas que se limitam a introduzir e acomodar os direitos na vida jurídica. É que, como escreve J. C. VIEIRA DE ANDRADE, "os preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias, embora sejam directamente aplicáveis, não podem desprezar ou, por vezes, prescindir das vantagens práticas resultantes da sua organização e adaptação a vida real. 0 exercício dos direitos fundamentais no espaço, no tempo e no modo só será muitas vezes (inteiramente) eficaz se houver medidas concretas que, desenvolvendo a norma constitucional, disciplinem o uso e previnam o conflito ou proíbam o abuso e a violação dos direitos. Essa necessidade prática (que não se deve confundir com uma necessidade jurídica) é particularmente notória quando se trate de efectivar direitos em que predomina o aspecto institucional, mas pode ser referida à generalidade dos direitos fundamentais".

E logo a seguir: "Nestes casos, as leis são leis regulamentadoras (leis de organização), que organizam e disciplinam a 'boa execução' dos preceitos constitucionais e que, com essa finalidade, poderão, quando muito, estabelecer condicionamentos ao exercício dos direitos. A sua intenção não é restringir, mas, pelo contrário, assegurar praticamente e fortalecer o direito fundamental constitucionalmente declarado".

Mas este poder "regulamentar" do legislador - quer lhe seja expressamente atribuído pelo texto constitucional quer o seja tão-só implicitamente - é um poder vinculado.
Ele "poderá, é claro, optar entre diversas soluções organizatórias, mas não lhe é possível afectar ou modificar o conteúdo do direito fundamental, sob pena de se inverter a ordem constitucional das coisas"(41).

9.1.3- Mas, noutros casos, o legislador atinge ou afecta o conteúdo do direito fundamental. Então estamos perante leis restritivas propriamente ditas(42). Ora, é precisamente quanto às leis restritivas que se levantam alguns problemas em virtude da necessidade de autorização constitucional expressa para a restrição (artigo 18º, nº 3). É que, se é certo que, nalguns casos, a Constituição autorizou a lei a restringir este ou aquele aspecto de determinados direitos fundamentais, há, todavia, preceitos constitucionais que não prevêem quaisquer restrições. Daí não decorre, porém, necessariamente, na opinião de VIEIRA DE ANDRADE, que deva ser julgada inconstitucional, por violação do nº 3 do artigo 18º, uma lei que restrinja o exercício, por outras formas, dos direitos em questão. Segundo ele “estará em causa apenas um conflito entre o direito fundamental e outros valores comunitários, ou, mais correctamente, entre o direito e o modo como o legislador (democrático) perspectiva ou define certos valores da comunidade".

E acrescenta: "A (relativa) falta de preceitos constitucionais que autorizem a restrição pela lei pode, contudo, ser colmatada pelo recurso à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do nº 2 do artigo 16º (da Constituição). A Declaração, no seu artigo 29º, permite que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores aí enunciados: "direitos e liberdades de outrem", justas exigências da moral, e da ordem pública e do bem-estar geral numa sociedade democrática (43).

Assim, segundo VIEIRA DE ANDRADE, a norma do artigo 18º da Constituição deve ser interpretada como "proibição de uma relativização absoluta dos direitos fundamentais, ao consagrar o princípio da excepcionalidade da restrição que só deverá ser admitida quando se trate de salvaguardar um outro valor ou interesse constitucionalmente protegido".

E continua: "Mas o poder de restrição do legislador não absoluto, nem a sua concessão coloca os direitos fundamentais à mercê do legislador". Para além do mais, a Constituição estabelece, de facto certos requisitos para as leis restritivas: têm de revestir carácter geral e abs-tracto, não podem ter efeitos retroactivos, as restrições têm de limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo em caso algum diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º, nºs 2 e 3).

10.


10.1 – Resta-nos abordar, no elenco dos problemas jurídicos suscitados pela presente temática, a questão que se situa no ponto de convergência entre os conceitos de "reserva de lei" e de “autonomia regulamentar", na específica modalidade da reserva de autonormação das autarquias locais. Trata-se mais concretamente de averiguar em que medida é possível a "compressão" da reserva de lei na normação relativa aos direitos, liberdades e garantias, por virtude do exercício do poder regulamentar por parte das autarquias locais.

Estamos perante um tema vasto e complexo, relativamente ao qual as posições doutrinárias não são pacíficas.

No âmbito do presente parecer não se justifica, porém, que a questão seja abordada com grande profundidade. Isto porque a regulamentação autárquica a editar, nos termos do artigo 11º da Lei nº 97/88, só pode ser analisada, em sede de fiscalização de constitucionalidade, mediante uma apreciação a fazer em concreto das respectivas normas. Ora, não é invocado na consulta qualquer regulamento publicado após a entrada em vigor da respectiva Lei, a qual, por outro lado, revogou a normação regulamentar autárquica até então em vigor, designadamente a deliberação da CML que aprovou a proposta de regulamento nº 238/86(44).

10.2 Isto não significa, porém, que não haja interesse em tecer algumas considerações acerca da admissibilidade de as autarquias regulamentarem - e com que densidade normativa - a matéria da afixação da inscrição de mensagens de propaganda política.

10.2.1 - Ponto tido como de concordância geral consiste na afirmação de que toda a matéria dos direitos, liberdades e garantias está incluída na reserva de lei (artigo 168º, nº 1, alínea b)), constituindo, nas palavras de A. QUEIRÓ, um domínio legislativo por excelência.

A reserva normativa é, nesta matéria, reserva global. 0 problema que se põe é o de saber se a exigência constitucional de intensidade normativa da lei valerá ou não de forma idêntica para todo o domínio reservado.

Como escreve J.C. VIEIRA DE ANDRADE(45) se é pacífico que a consagração da reserva legal há-de implicar uma proibição de remissão e a imposição de uma especial densidade normativa da lei no círculo das matérias respectivas, falta, porém, determinar e justificar o grau da proibição e do imperativo de densidade, e ainda se esses graus têm de ser idênticos para qualquer intervenção normativa no espaço reservado".

Entre as diversas posições doutrinárias, distingue-se, como mais rígida, a defendida por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA que, “em face do artigo 168º [da Constituição] entendem não ser possível qualquer intervenção regulamentar em determinadas matérias de reserva de lei, como, por exemplo, em caso de restrição de direitos, liberdades e garantias, admitindo, em outras, regulamentos estritamente executivos e instrumentais de leis específicas, quando expressamente previstos por essas mesmas leis “(45-A) .

Segundo VIEIRA DE ANDRADE, "mais moderada parece ser a posição do Tribunal Constitucional, com apoio na doutrina, ao admitir em geral a intervenção regulamentar em execução estrita da lei, mesmo no caso das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, e, ao que parece, independentemente da autorização expressa das leis regulamentadas"..

Quer isto dizer que nenhum autor se pronuncia por uma interpretação, feita em termos absolutos, da reserva de lei, aceitando todos a emanação de regulamentos em matéria de direitos, liberdades e garantias. Mas, por outro lado, a doutrina e a jurisprudência têm sido unânimes em só admitir nas matérias reservadas à lei regulamentos executivos.

10.2.2 - É nesta problemática que VIEIRA DE ANDRADE aparece a introduzir uma visão algo inovadora, admitindo em termos mais amplos a possibilidade de uma normaçao administrativa em matéria de direitos, liberdades e garantias (46) .

Defende, em síntese, que:

a) a reserva de lei da alínea b) do artigo 168º, embora englobe toda a matéria de direitos, liberdades e garantias, não impõe sempre ao legislador o dever de a disciplinar de modo integral, nem em consequência, lhe proíbe necessariamente que autorize a intervenção de regulamentos administrativos para complementação em aspectos secundários, adaptação ou execução do regime legalmente determinado;

b) Em matéria de direitos, liberdades e garantias, nada obsta a que a lei possa remeter para normas administrativas a regulamentação de aspectos periféricos ou menores do conteúdo de um direito fundamental, bem como nados de intervenção que não impliquem restrições propriamente ditas e apenas tenham em vista a concretização, delimitação ou promoção dos direitos;

c A compressão da reserva de lei na normação relativa aos direitos, liberdades e garantias pode decorrer do disposto no artigo 2422 da Constituição, que confere às autarquias locais uma reserva de autonomia regulamentar, que a lei definidora do respectivo estatuto obrigatoriamente delimitou.

10.2.3 - Ou seja, para esta concepção, o alcance normativo do artigo 242º implica a garantia às autarquias locais de uma reserva de normação e a imposição ao legislador da definição de uma zona de competência normativa exclusiva dos entes autárquicos. De onde VIEIRA DE ANDRADE conclui que, “tal reserva de autonormação justifica a existência de regulamentos autárquicos independentes, no sentido de não necessitarem de uma lei específica anterior que visem regulamentar"(47).

Ora, sendo assim, escreve o autor que "não se pode ignorar a possibilidade de uma zona de intersecção entre o domínio próprio de normação dos órgãos autárquicos e o domínio reservado à lei, por exemplo, em matéria de direitos, liberdades e garantias. Nessa zona de intersecção os problemas de conflitos de competência têm de ser equacionados e resolvidos de modo a harmonizar os princípios constitucionais em presença, sem cair na tentação de fazer prevalecer um deles em absoluto relativamente ao outro".

10.2.4 - Prosseguindo, o autor entende que "uma interpretação harmónica dos preceitos constitucionais em presença leva a concluir pela admissibilidade em certas condições, de regulamentos independentes autárquicos (regulamentos autónomos) em matéria de direitos, liberdades e garantias, sem prejuízo da legitimidade de intervenção prevalecente do legislador, por não poder haver nessa matéria uma reserva excludente em favor das autarquias”.

Algumas condições são, todavia, necessárias para a admissibilidade da regulamentação autárquica nos termos expostos. São as seguintes:

a) a regulamentação terá de incidir directamente em matéria de interesse próprio ou específico da autarquia e corresponder à realização de tarefas colocadas por lei a cargo dos seus órgãos, o que só pode ser objecto de averiguação a fazer em concreto;

b) não pode estar em causa uma decisão fundamental ou relevante para a vida da comunidade nacional, qualquer tipo de decisão que pertença ao domínio legislativo (48) ;

c) no domínio dos direitos, liberdades e garantias, um outro limite absoluto será constituído pelo carácter de norma restritiva, uma vez que as restrições (em sentido próprio) dos direitos, liberdades e garantias só podem ser estabelecidas por lei ou com base numa lei que determine todos os aspectos essenciais da restrição (49).


No entendimento do autor, uma solução deste tipo tem sobre a posição dominante, a vantagem de realizar a concordância prática entre dois princípios constitucionais virtualmente concorrentes, assim contribuindo para a unidade normativa da Constituição.

10.2.5 - Atenta a sua directa correspondência com a matéria do parecer justifica-se que se transcreva uma parte das considerações finais do estudo que viemos acompanhando. Escreve VIEIRA DE ANDRADE, a concluir:

"A indisciplina na afixação de propaganda [...] politico-partidária, designadamente, a colocada ou pintada, tem posto em causa por toda a parte alguns desses valores ou interesses públicos, que, não sendo suficientemente salvaguardados pela legislação existente, levam os órgãos representativos de diversas comunidades locais a tentar introduzir regras através de posturas como as que foram declaradas inconstitucionais.

Julgamos que se trata de matéria que em grande medida se situa na zona de intersecção do domínio regulamentar autárquico com o da reserva de lei".

E, um pouco à frente, acrescenta:

"Por outro lado a regulamentação autárquica pode limitar-se a concretizar limites imanentes ou acondicionar o exercício da liberdade em função de outros valores com os quais possa entrar em colisão (ou até promover esse exercício) e, na medida em que observe esses limites, não contendo restrições ao conteúdo dos direitos e afectando, quando muito, aspectos menos relevantes, não deverá ser considerada inconstitucional por violação da reserva de lei. Isto sem prejuízo, como igualmente pusemos em relevo, de a lei poder estabelecer uma disciplina uniforme para todo o território, que revogaria ou prevaleceria sobre os regulamentos autárquicos.

Parece-nos, por isso, que a grande questão neste campo não é a da inconstitucionalidade orgânica, mas a da eventual inconstitucionalidade material. Tratando--se de uma zona de intensa conflitualidade, uma ponderação correcta, orientada pelos princípios da concordância pratica e da proibição da violação do núcleo essencial do direito, poderá ter que considerar factores muito variados, quer relativos ao conteúdo expressivo (comercial, político-partidário, religioso, oficial), quer relativos ao suporte de afixação (edifícios privados, públicos, monumentos, sedes de partidos políticos, igrejas) , quer relativo à zona circundante (áreas rurais ou urbanas, habitacionais ou não, de interesse estético, paisagístico, cultural, ou turístico), quer mesmo relativas à época (campanhas eleitorais, carnaval, festividades locais), etc.”(50).


10.3 - No entanto, tal como já se sublinhou, a questão que acaba de ser tratada não tem incidência prática directa na controvérsia subjacente à consulta. Se não deixámos de abordar tal temática, isso deveu-se não só à importância teórica dos problemas jurídicos nela envolvidos relativamente à economia do parecer, mas também à conveniência de deixar consignado um quadro de referências à luz do qual se poderá iniciar a análise da normação regulamentar autárquica editada ou a editar sobre esta matéria, com (ou sem) expressa referência à Lei nº 97/88.

Análise essa que, como já se disse, não pode deixar de ser feita caso a caso, em função e de acordo com as normas concretas constantes dos referidos regulamentos.


11

Nestes termos extraem-se as seguintes conclusões:

1ª. - A deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 12 de Janeiro de 1987, publicada no “Diário Municipal", de 4 de Março de 1987, resultante da aprovação da Proposta nº 238/86, sobre pintura de inscrições em imóveis públicos ou particulares na área do concelho de Lisboa, é organicamente inconstitucional, por violar o artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, e materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, e 37º, nº 1, da Constituição;

2ª.- A citada deliberação não ensaiou fazer a conciliação prática da liberdade de expressão (artigo 37º, nº 1, da Constituição) com os direitos constitucionais da propriedade privada e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigos 62º e 66º da Constituição), tendo negado o exercício daquela liberdade, mediante a proibição absoluta, permanente e indiscriminada de toda e qualquer pintura de inscrições em imóveis públicos ou parti-culares;

3ª. - Através do acórdão nº 307/88, de 21 de Dezembro de 1988, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas da aludida deliberação, por violação do disposto nos artigos 115º, nº 7, e 168º, nº 1, alínea b),da Constituição;

4ª. - A prática, ou a programação, de operações de remoção e destruição de material de propaganda política, por parte da Câmara Municipal de Lisboa, à luz da deliberação atrás referida, no período que antecedeu as eleições parlamentares de, 19 de Julho de 1987, representou a violação dos direitos de liberdade de expressão e de liberdade de propaganda, previstos nos artigos 37º, nº 1, e 116º, nº3, alínea a), da Constituição;

5ª. - A Lei nº 97/88, de 17 de Agosto definiu as condições básicas e os critérios de exercício das actividades de propaganda, tendo atribuído às câmaras municipais a competência para ordenarem e promoverem a remoção dos meios e mensagens de propaganda política afixados ou inscritos em violação do disposto no diploma - cfr. artigos 5º, nº 2, e 6º, nº 2;

6ª. - Com o início da vigência da Lei nº 97/88 foi tacitamente revogada a deliberação da Câmara Municipal de Lisboa de 12 de Janeiro de 1987;

7ª. - Nos termos do artigo 11º da Lei nº 97/88, a edição de actos normativos de natureza regulamentar, necessários à sua execução, compete à assembleia municipal, por iniciativa própria ou proposta da câmara municipal;

8ª. - A liberdade de expressão, que representa a primeira vertente do direito fundamental de expressão do pensamento, abarca a liberdade de afixação ou inscrição rural de propaganda política;

9ª. - Os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, pelo que importa assegurar a adequada compatibilização entre a liberdade de expressão, exercida através da afixação ou inscrição mural de material de propaganda política e todo um conjunto de valores também constitucionalmente tutelados, alguns dos quais com a categoria de direitos fundamentais: o direito de propriedade privada, a protecção do património cultural e artístico, a paisagem, o meio ambiente, a paz e a tranquilidade públicas, a segurança, a liberdade de circulação, a salubridade pública e a imparcialidade dos agentes e serviços públicos;

lOª. -A solução da situação de "conflito" deverá encontrar-se no quadro da unidade da Constituição, mediante a harmonização tão equilibrada quanto possível dos preceitos divergentes, prosseguindo-se a realização da sua concordância prática no respeito pelo critério da proporcionalidade na distribuição das "compressões" dos direitos em confronto;

11ª. - As leis restritivas dos direitos fundamentais têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeitos retroactivos, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo, em caso algum, diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais;

12ª. - Apesar de a matéria dos direitos, liberdades e garantias estar incluída no domínio da reserva de lei (artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição, podem, sobre ela, ser editados regulamentos executivos das suas normas;

13ª - Só mediante uma análise concreta das . normas, que compõem os regulamentos editados no exercício da competência normativa fixada pelo artigo 24211 da Constituição será possível emitir um juízo, não só sobre a sua eventual conformidade material com a Constituição, mas também àcerca da sua compatibilidade com o princípio da reserva de lei em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Notas

(1) Foram requeridos, nos autos em referência, além da Câmara Municipal de Lisboa, o seu Presidente e dois funcionários que desempenhavam, respectivamente, os cargos de chefe do serviço de limpeza e de Chefe de Divisão dos Serviços de Salubridade e Transportes.
0 pedido consistiu em solicitar que fosse ordenado aos requeridos que:

a) se abstenham de decidir ou aplicar qualquer acto administrativo de natureza regulamentar ou não persecutório do exercício das liberdades cívicas por parte da CDU, seus dirigentes, candidatos e apoiantes;
b) se abstenham, nomeadamente, de proibir, perseguir e aplicar sanções por qualquer meio ao exercício do direito de pintar inscrições murais em imóveis particulares;
c) se abstenham de destruir ou remover a propaganda política da requerente, legalmente afixada nos locais da cidade".

(2). Veja-se o ofício, que formalizou o pedido de consulta – oficio nº 55, de 3/1/89, do Gabinete do Ministro da Administração Interna.

(3) No âmbito da qual a Aliança Povo Unido (APU) - que, antecedendo a ora requerente (CDU) era integrada, no essencial, pelas mesmas forças políticas - também requerera providência cautelar inibitória contra a Câmara Municipal de Lisboa, a qual foi decretada, segundo se dá conta.

(4) Publicada no "Diário Municipal", ano III, nº 15 081, de 4 de Março de 1987, pág. 338.

(5) De 10 de Julho de 1984 e de 16 de Julho de 1986 publicados, respectivamente, no "Diário da República", I S~rie, n2 211, de 11 de Setembro de 1984,e n2 212, de 15 de Setembro de 1986.

(6) Cfr. , respectivamente, os n2s 3 e 4 do referido artigo 662

(7) Submetido ao Conselho Consultivo pelo Excelentíssimo Conselheiro Procurador-Geral da República, ao abrigo do disposto no artigo 34º, alínea e), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro. 0 citado parecer teve a sua origem no pedido formulado pelos vereadores da APU na CML no sentido de o Senhor Procurador-Geral da República submeter a deliberação da referida Câmara Municipal, resultante da aprovação da aludida proposta, à apreciação do Tribunal Constitucional, com vista à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - cfr. artigo 281º, nº1, alínea a), da CRP.

(8) Publicado no "Diário da República", nº 18, I Série, de 21 de Janeiro de 1989, págs. 252 e seguintes.

(9) O acórdão nº 74/84 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do nº 2 da postura da Câmara Municipal de Vila do Conde sobre propaganda de carácter politico-partidário, constante do edital de 30 de Abril de 1979, por violação dos artigos 37º,nºs 1 e 2 , 18º, nºs 2 e 3, e 167º,alinea c), da Constituição (este último preceito na redacçãode 1976). Por sua vez, o acórdão nº 248/86 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do§ único do artigo 3º, com referencia ao nº 1 do artigo 1ºda postura sobre propaganda colocada e ou dependurada, aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Santarém de4 de Março de 1983, por violação dos artigos 18º, nºs 2 e3, 37º, nºs 1 e 2 e 168º, nº 1, alínea b), da Constituição.

(10) Veja-se, para maior desenvolvimento, o ponto 5. do referido parecer nº 14/87.

(11) A "publicidade" é o conjunto de procedimentos técnicos destinados a atrair a atenção do público, informando-o sobre um produto, um serviço ou uma acção, para o convencer a comprá-lo, a utilizá-lo ou a participar nessa actividade. Por outras palavras, a publicidade consiste na acção dirigida ao público com o objectivo de promover, directa ou indirecta mente, produtos, serviços ou uma actividade económica, procurando persuadir os seus destinatários sobre a excelência dos objectos publicitados - cfr. pontos 4.1. e 4.2. do parecer nº 88/87, de 19 de Novembro de 1987.
Por sua vez, a propaganda é a técnica que visa obter a adesão a um sistema ídeo1ógico, político, social, económico ou religioso. Utiliza meios idênticos aos da publicidade, tem a finalidade de provocar do mesmo modo uma decisão de adesão, mas o seu objecto e de natureza ideológica ~ cfr. JOAO M. LOUREIRO, "Direito da Publicidade", 1981, pág. 12, e JEAN MARIE AUBY e ROBERT DUCLOS-ADER, "Droit de l'information", págs. 3 e 532. Designando o termo "propaganda", em sentido lato, toda a difusão ou divulgação de uma dada doutrina ou prática, pode dizer-se que, por extensão, "propaganda -política" significa que a doutrina ou a prática assim difundidas têm conteúdo ou objectivos políticos. Numa situação e num meio democráticos, os especialistas da comunicação em ciências sociais e políticas consideram a propaganda política como um esforço deliberado no sentido de influenciar a opinião pública sobre questões controversas e em favor de uma dada preferencia política. A sua linguagem deve ser clara, concisa e directa, o que não significa que se devam evitar necessariamente todas as ambiguidades - cfr. J. M. DOMENACH, "Lá propagande politique", Paris, 1962, e "POLIS - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado", vol. 4, págs. 1 630 e seguintes.
Definindo "propaganda eleitoral", o artigo 61ºda Lei nº 14/79 estabelece que a mesma compreende toda a actividade que vise directa ou indirectamente promover candidaturas, seja dos candidatos, dos partidos políticos, dos titulares dos seus órgãos ou agentes ou de quaisquer outras pessoas, nomeadamente a publicação de textos ou imagens que exprimam ou reproduzam o conteúdo dessa actividade – vejam-se ainda, em sentido equivalente, os artigos 51º do Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3 de Maio, diploma que regulamenta a eleição do Presidente da República e 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 70l-B/76, de 29 de Setembro, que estabelece o regime eleitoral para a eleição dos órgãos das autarquias locais. Vejam-se ainda os artigos 61º do Decreto-Lei n2 267/80, de 8 de Agosto e 54º do Decreto-Lei nº 318-E/76, de 30 de Abril.
Sobre o conceito de propaganda eleitoral, vejam-se ainda LUIGI PRETI, "Diritto Elettorale Politico”, Milano, 1957, pág. 400 e seguintes, e "Novissimo Digesto Italiano", vol. XIV, págs. 92 e seguintes. Aqui se pode ler que “é propaganda elettorale l’attivitá svolta da parte di partiti e di cittadini singoli o i,euniti in gruppi, nel periodo che precede lá consultazione eletto-ale, per influire sull'esercizio del diritto di voto, da parte degli elettori ".

(12) 0 artigo 7º da Lei nº 40/80, de 8 de Agosto, sobre as eleições regionais na Madeira, atribuiu essa competência às câmaras municipais.

(13) Em consonância com o regime exposto, veja-se o artigo 17º da Lei francesa de 29 de Julho de 1881, mantida em vigor pelo artigo 48º do Code Electoral daquele País - cfr. o referido Código, - 4 ème édition, Codes Dalloz, Paris, 1988, pág. 42, no que se refere à transcrição e comentário das disposições daquela lei sobre “l´affichage.

(14) Sobre o conceito de "campanha eleitoral" e, bem assim, para o de senvolvimento das noções de "propaganda política", mormente em período de campanha eleitoral, vejam-se ainda “Giurisprudenza costituzionale11, Ano nono, 1964, Milão, págs. 605 e segs.; VITTORIO ITALIA, “Considerazioni su propaganda e liberta di manifestazione del pensiero”, in “Scritti su le fonti normative e altri temi di vario diritto”, in onore di Vezio Crisafulli, II, Padova, 1985, pags. 349 e segs. ;"Giurisprudenza Costituzio nale", Ano XXX-1985, Fasc. 6, pág. 986 e segs.; “Code Électoral commenté”, par PHILIPPE CHAIX, Janeiro de 1986, págs. 37 e segs. e FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO, “Aproximacion a la nueva normativa electoral”, pags. 38 e segs..

(15) Publicado no "Diário da Assembleia da República", V Legislatura, l!! Sessão Legislativa (1987-1988), 11 Série, n2 10, de 17 de Outubro de 1987, págs. 112 e 113. 0 parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o referi do projecto de lei acha-se publicado no D.A.R., II Série, nº 19, de 7 de Novembro de 1987, págs. 393 a 395. Acerca da discussão na generalidade do projecto de lei n2 25/V, cfr. D.A.R., I Série,n2S 44 e 45, de 23 de Janeiro e 27 de Janeiro de 1988. 0 projecto de lei viria a ser aprovado com votos a favor do PSD, do PS e do CDS, votos contra do PCP e da ID e a abstenção do PRD, depois de, em comissão, terem sido introduzidas importantes modificações no respectivo texto - cfr. D.A.R., I Série, nº 111, de 6 de Julho de 1988.

(16) 0 projecto de lei n2 308/IV encontra-se publicado no “Diário da Assembleia da República", IV Legislatura, II Sessão Legislativa (19861987), 11 Série, nº 15, de 3 de Dezembro de 1986, págs. 737 e 738.
Este projecto fora antecedido, na anterior legislatura, pelo projecto de lei nº 460/111, publicado no "Diário da Assembleia da República", III Legislatura, 2ª Sessão Legislativa (1984-1985), 11 Série, nº 70, de 22 de Março de 1985, págs. 2 429 e 2 430, e rectificado no mesmo "Diário" nº 89, de 17/5/85, pág. 2 954.

(17) Ter-se-à querido escrever "subtrair".

(18) Sobre o debate ocorrido, aquando da discussão do projecto de lei nº 308/IV, veja-se o citado parecer nº 14/87, na segunda parte do ponto 8.

(19) Cfr. intervenção do Deputado JOSÉ MANUEL MENDES, "Diário da Assembleia da República11, I Série, nº 44, de 23 de Janeiro de 1988, págs. 1 403 e seguintes.

(20) Em sentido idêntico, cfr. a intervenção do Deputado JORGE LACÃO (PS), in loc. cit., págs. 1 398 e seguintes.

(21) -Também outras intervenções, tais como as dos Deputados IGREJAS CAEIRO (PS) e RUI SILVA (PRD), levantaram dúvidas de constitucionalidade - cfr. loc. cit., págs. 1 402 e 1 409, respectiva mente -, pelo que admitiram aperfeiçoar as soluções do projecto em sede de discussão e votação na especialidade.

22) Veja-se a intervenção do Deputado LICÍNIO MOREIRA (PSD), ao apresentar o projecto de lei, no "Diário da Assembleia da Republica", I Série, nº 43, de 22 de Janeiro de 1988, págs . 1 388 e seguintes.

(23) Para além da falta de distinção entre publicidade comercial e propaganda política, crítica genericamente apresentada pelos diferentes deputados dos partidos da Oposição.

(24) Risco esse que, segundo varias intervenções, devia ser reduzido na votação na especialidade, designadamente no sentido de que essa intervenção das autarquias devia ser feita, não em função de solicitações pontuais, mas segundo uma definição geral - cfr.,para além das já citadas intervenções, as do Deputado JORGE LACÃO (PS), in "Diário da Assembleia da República", I série, nº 44, pág. 1 407. 0 próprio PSD, pela voz do Deputado MENDES BOTA, mostrou receptividade à referida crítica - cfr. loc. cit., págs. 1 407 e 1 408.

25) É, aliás, interessante transcrever um trecho da intervenção do Deputado LICÍNIO MOREIRA, aquando da apresentação do antecedente projecto nº 308/IV. Afirmou então o citado parlamentar:
"Contudo, uma coisa é o regulamento ou a postura municipal conter matéria inovatória tendente a disciplinar o exercício dos direitos de livre expressão e de informação e de ser informado, sem qualquer apoio na lei da Assembleia da República ou de decreto-leí do Governo no uso de autorização legislativa, como fizeram, por exemplo, as assembleias municipais de Vila do Conde, Figueira da Foz e Santarém, entre outras, e outra bem diferente é tal diploma legal desenvolver e adaptar ao respectivo município os princípios regulamentadores e disciplinadores contidos na lei.
Por outras palavras: aprovado o presente projecto de lei nesta Assembleia da República e convertido em lei, as 305 assembleias municipais poderão editar posturas ou regulamentos que, não excedendo o âmbito do presente diploma, disciplinem no respectivo concelho o exercício da propaganda, da publicidade e das pinturas murais.
É o que defendem, de forma aberta, os professores VIEIRA DE ANDRADE e
AFONSO QUEIRÓ respectivamente em "Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976”, Coimbra, 1983, pág. 325 e "Lições de Direito Administrativo", I, Coimbra, 1976, pág. 433, e, mais mitigadamente, de forma a apenas abranger a simples execução nos regulamentos autárquicos, os constitucionalistas GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, pág. 173.
A presente iniciativa legislativa passará a ser o suporte legal que faltava - como se acentuou nos Acórdãos do Tribunal Constitucional de 10 de Julho de 1984 e de 16 de Julho de 1986 - para as autarquias locais poderem exercer cabalmente as atribuições atrás apontadas”.

(26) Cfr. infra, nota 15, "in fine".
Teve-se, entretanto, conhecimento da pendência, no Tribunal Constitucional, de uns autos de fiscalização abstracta, resultantes do pedido formulado por um grupo de deputados do PCP que requereram a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de diversas normas da Lei nº 97/88. Os referidos autos (Procº nº 404/88) ficaram a aguardar oportunidade de distribuição.

(27) Entenda-se: “os critérios a estabelecer no licenciamento da publicidade comercial, assim como o exercício das actividades de propaganda”

(28) Mais se entendeu que a deliberação camarária estava ainda viciada de ilegalidade por incompetência, uma vez que a emissão de regulamentos sobre "defesa" e protecção do meio ambiente e da qualidade de vida" (artigo 2º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 100/84) compete à assembleia municipal e não à câmara municipal (artigo 39º, nº 2, alínea a), do referido diploma) - cfr. ponto 10 do citado parecer.

(29) Em declaração de voto, o Juiz Conselheiro MÁRIO DE BRITO manifestou o entendimento de que se deveria ter apreciado em primeiro lugar e inconstitucionalidade orgânica, a qual, se declarada, tornaria mesmo inútil apreciar a inconstitucionalidade formal.

(30) - Cfr. AFONSO QUEIRÓ, "Teoria dos Regulamentos" (12 Parte), in "Revista de Direito e Estudos sociais", ano XXVII, n2s 1 a 4, Janeiro-Dezembro 1980, pág. 16.

(31) -Local citado, págs. 17 e 18.

(32) -Em sentido idêntico ao entendimento exposto, cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, 2º vol. , 1985, págs. 55, 66 e 392 e ESTEVES DE OLIVEIRA, "Direito Administrativo", vol. I, 1980, pág. 111.

(33) Cfr. AFONSO R. QUEIRÓ, obra e local citados, pág. 195. No dizer de MICHEL FROMONT, citado por AFONSO QUEIRÓ, regulamento é "nu cate suspeite de s’ apliquei nu nobre indetermine de fios à nu nobre indetermine de persignes”.

(34) Quer-se aludir à posição sustentada por J. C. VIEIRA DE ANDRADE no estudo "Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei. Algumas reflexões acerca da admissibilidade de regulamentos das autarquias locais em matéria de direitos, liberdades e garantias", Coimbra, 1987, ao qual oportunamente dedicaremos a devida atenção.

(35) Entendeu o acórdão ser desnecessário abordar a matéria da inconstitucionalidade material, o que determinou uma posição discordante do Juiz VITAL MOREIRA, traduzida em declaração de voto. Aí se reconhece que a liberdade de expressão não pode deixar de abarcar o "direito ao graffiti”, não podendo, à partida, excluir-se a inscrição mural como elemento integrante do conceito de liberdade de expressão constitucionalmente garantido (o artigo 37º da CRP fala, a propósito, na liberdade de expressão "pela imagem ou por qualquer outro meio").
Mas ali também se acrescenta "naturalmente que, tal como acontece sempre que o exercício de um direito colide com outro ou outros, haverá que proceder à compatibilização do direito à inscrição mural com o direito de propriedade e com o direito ao património e ao ambiente. Mas a compatibilização de dois direitos consiste não no sacrifício total de um deles a favor do(s) outro(s),mas sim na sua conciliação, de modo que, através de limitações recíprocas, se alcance a maximização do exercício de todos". Para VITAL MOREIRA, no que a contestada deliberação da CML se refere, não se trata de simples "regulamentação" do exercício de um direito, "mas sim de uma verdadeira e própria "restrição", traduzida na eliminação de uma componente da liberdade de expressão, proibindo-se de todo em todo o seu exercício".

(x) - J. C. VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976", Coimbra, 1983, pág. 325.

(xx) - Acórdão nº 248/86, de 16 de Julho de 1986, do Tribunal constitucional.

(35-A) Não deverá, todavia, olvidar-se que a remoção da referida propaganda é, hoje, possível, nos termos da Lei nº 97/88.

(36) "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, 12 volume, 1984, pág. 233.

(37) Abrange, assim, actividades do mais diverso conteúdo, desde a publicação de textos, imagens, conferências, espectáculos, comícios, desfiles, etc..

(38) Cfr. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976", 1983, pág. 214.

(39) Pode falar-se em "limites imanentes” quando é o próprio preceito constitucional que não protege determinadas formas de exercício do direito fundamental, ou seja, sempre que é a Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui da respectiva esfera normativa certo tipo de situação.

(40) Vejam-se sobre a matéria o autor citado na nota (38) , pág. 215 e seguintes, GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 4ªedição, págs. 478 e seguintes e JORGE MIRANDA, "Manual de Direito Constitucional", tomo IV, págs. 27 e seguintes.

(41) - J. C. VIEIRA DE ANDRADE, obra citada, págs. 227 a 229.

(42) A propósito das "restrições de direitos", cfr. A. QUEIRÓ e BARBOSA DE MELO, "A liberdade de empresa e a Constituição", in "Revista de Direito e Estudos Sociais", ano XIV, pág. 236.

(43) Trata-se da posição defendida por MOTA PINTO, à qual VIEIRA DE ANDRADE dá o seu acordo -cfr. obra citada, págs. 231 a 232.
Também JORGE MIRANDA sustenta que, na medida em que o artigo 16º,nº 2,da Constituição Portuguesa manda interpretar os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a D.U.D.H., não pode deixar de entender-se que tal regra vale plenamente, hoje, no nosso ordenamento jurídico e se aplica não apenas aos direitos fundamentais como - por maioria de razão- a todos os demais direitos - cfr. obra citada, tomo IV, pág. 272.
Esta posição não é pacífica. Com efeito, por exemplo, GOMES CANOTILHO discorda de tal entendimento, sustentando que a limitação carece de autorização constitucional expressa(artigo 18º, nº 2), não bastando, por exemplo, que a protecção de um bem superior da comunidade justifique, através de um simples critério de ponderação de ínteresses ou bens, a limitação dos direitos fundamentais.

(44) A alteração que, atenta a matéria da consulta, se deve ter como substancial, resultante da publicação da Lei nº 97/88, consistiu na competência atribuída às câmaras municipais para ordenarem a remoção dos meios e mensagens de propaganda utilizados com violação dos condicionalismos e critérios fixados no diploma.

(45) Cfr. "Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei", estudo que passaremos, neste ponto, a acompanhar de perto, atenta a circunstância de as teses nele defendidas, sobre as quais não se toma posição, servirem para ilustrar alguns problemas que se podem colocar.

(45-A) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, loc. cit., pág. 13

(46) Refira-se que o estudo citado nas notas (34) e (45) foi inspirado nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 74/84 e 248/86 que, como se referiu, declararam, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de normas contidas em duas posturas municipais reguladoras da afixação de propaganda por partidos políticos e outtra entidades.
(47) Cfr. obra citada, pág. 29.

(48) Um limite absoluto à possibilidade de invocação da esfera autonómica será definido pela referência às “normas gerais da República” (artigo 115º, nº 4, da Constituição).

(49) É por isso que, independentemente da posição doutrinária que se perfilhasse quanto ao problema que estamos discutindo, a deliberação camarária analisada no âmbito do parecer nº 14/87, não poderia deixar de ser tida como materialmente inconstitucional. É que, na mesma, não se buscou a conciliação prática da liberdade de expressão com os direitos constitucionais da propriedade privada e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigos 62º e 66º da CRP). Negou-se, pura e simplesmente, o exercício daquela liberdade, mediante a proibição absoluta, permanente e indiscriminada, de toda e qualquer forma de afixação ou inscrição mural.

50) Cfr. obra e local citados, págs. 35 e 36.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART37 ART18 N2 N3 ART116 N3 A ART115 N7 ART168 N1 B ART242 ART239.
L 14/79 DE 1979/05/16 ART66.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART2.
CADM40 ART46 N12 ART48 N9 ART50 N5.
DL 319-A/76 DE 1976/03/05 ART56.
DL 701-B/76 DE 1976/09/29 ART55.
DL 318-E/76 DE 1976/04/30 ART59.
DL 267/80 DE 1980/08/08 ART66.
L 40/80 de 1980/08/08 ART7.
L 97/88 DE 1988/08/17 ART3 ART4 ART7 ART11 ART15 N2 ART6 N2.
Jurisprudência: 
AC TC 74/84 IN DR IS 1984/09/11.
AC TC 248/86 IN DR IS 1986/09/15.
AC TC 307/88 IN DR IS 1989/01/21.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND.
Divulgação
Número: 
DR136
Data: 
16-06-1989
Página: 
5896
Pareceres Associados
15 + 3 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf