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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
32/2002, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GNR
ESTATUTO
PROMOÇÃO
RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PROCESSO ESPECIAL
PROCESSO ADMINISTRATIVO
RECLAMAÇÃO
CONCURSO
INSTRUÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
IMPUGNAÇÃO
Conclusões: 
1.ª - No procedimento promocional de militares da Guarda Nacional Republicana a postos superiores da hierarquia compete ao comandante-geral da Guarda a verificação das condições gerais de promoção, que todos os candidatos devem possuir (artigo 119.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho);
2.ª – A decisão do comandante-geral que, nos termos do citado artigo, se pronuncia pela não verificação das condições gerais de promoção, deve ser fundamentada de facto e de direito e não assume natureza definitiva, podendo ser contestada pelo militar que se encontre nessas condições, nos termos e prazos mencionados no n.º 1 do subsequente preceito legal;
3.ª – A contestação, enquanto meio de impugnação da decisão de não verificação das condições gerais de promoção, enquadra-se na fase de instrução do processo, dela decorrendo a suspensão dos efeitos da decisão impugnada, e a sustação da passagem à fase da apreciação das condições especiais de promoção, até à decisão daquela;
4.ª – A decisão do comandante-geral, fundamentada de facto e de direito, que recaia sobre a contestação apresentada (artigo 120.º, n.º 2, do Estatuto), projecta-se como um acto final, não imediatamente eficaz para abertura da via contenciosa, devendo ser objecto de impugnação graciosa, através de reclamação e recurso hierárquico necessário;
5.ª – A interposição de recurso hierárquico necessário da decisão que se pronunciou pela não verificação das condições gerais de promoção tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 170.º, n.º 1, do CPA.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna,
Excelência:



I


Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar o parecer deste Conselho Consultivo[1] sobre a questão que enunciou nos seguintes termos:
«A Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 231/93, de 26 de Junho, distingue, para efeitos de promoção de militares da Guarda, entre condições gerais (artigo 116.°) e condições especiais (artigo 122.°). A posse das condições gerais de promoção está sujeita a um processo de verificação, no termo do qual pode haver uma decisão favorável, que implica a verificação das condições especiais de promoção, ou desfavorável, que é passível de contestação (artigos 117.° a 120.°).
Aquilo que se pretende saber é se a contestação apresentada pelo "militar considerado como não satisfazendo as condições gerais", bem como o eventual recurso hierárquico de decisão desfavorável do Comandante-Geral, possui efeito suspensivo, só podendo prosseguir o processo, mediante a verificação das condições especiais, após ser proferida, pela Administração, a decisão final sobre a matéria (independentemente, claro está, de posterior interposição de recurso contencioso), ou se, pelo contrário, o processo pode prosseguir, considerando-se que a contestação e o recurso hierárquico não estão dotados de efeito suspensivo.»
Os antecedentes que conduziram à apresentação do pedido de consulta decorrem dos Memorandos e ofício[2] apresentados pelo Senhor Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana e das informação[3] e parecer da Auditoria Jurídica desse Ministério.
Respiga-se como relevante dessa documentação que o Senhor Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, em matéria de processo de promoção dos militares da Guarda, se expressa nestes termos:
«b) Em relação ao procedimento adoptado nas promoções, considero que devem ser seguidas as disposições estatutárias e não o normativo constante dos artigos 100.° e seguintes do C.P.A. O processo ganharia em celeridade, sem que isso pusesse em causa quaisquer direitos dos militares, uma vez que, pelo estatuto, é sempre garantido o direito do militar, invocar os seus direitos e demonstrar a sua discordância em sede de reclamação [...].
c) Mais! Entende-se, com o devido respeito e dada a gravidade das circunstâncias actuais, que os projectos de portarias de promoção só deveriam ser enviados para a Auditoria Jurídica do MAl, quando houvesse em relação às listas de promoção quaisquer reclamações, caso contrário as mesmas deveriam ser aceites como correctas e publicadas. Em suma, considera-se que o processo de promoção não deverá ser suspenso quando um dos militares reclama, pelas implicações que tal situação acarreta para os outros elementos e, principalmente, para a Guarda.»
Contra a posição do Senhor Comandante-Geral se pronuncia a Auditoria Jurídica – primeiro na Informação e depois no parecer, em que se responde a esclarecimentos complementares suscitados –, considerando-a ilegal e inconstitucional, ao propor a não aplicação do Código do Procedimento Administrativo (doravante Código ou CPA), nomeadamente das disposições relativas à audiência prévia, bem como a tudo o que respeita ao direito à informação (artigos 61.º e 62.º), direito à notificação (artigos 66.º e seguintes) e ao direito de impugnar (artigos 158.º e seguintes).
Exposto, muito sucintamente o objecto da questão, cumpre, pois, emitir o parecer solicitado.

II
Apesar de não respeitar ao núcleo essencial da questão que vem suscitada, mas para melhor a analisar justificar-se-á que, preliminarmente, se deixe registo, ainda que em termos muito gerais e sintéticos, quer do enquadramento orgânico da Guarda Nacional Republicana quer do regime jurídico relativo às promoções dos militares que nela prestam serviço, destacando, especificamente, a figura da contestação no âmbito e sequência do procedimento promocional.
Considerar-se-á, depois, o regime de audiência dos interessados previsto no CPA e sua compatibilização com os regimes previstos em procedimentos administrativos especiais, após o que se examinará o regime dos actos destacáveis e sua impugnação graciosa, com particular enfoque na reclamação e no recurso hierárquico.
1. A Guarda Nacional Republicana é definida na respectiva Lei Orgânica, aprovada pela Lei n.º 231/93, de 26 de Junho[4], como uma força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas (artigo 1.º), dirigida por um comandante-geral que, nos termos do artigo 36.º, é um general nomeado pelos Ministros da Administração Interna e da Defesa Nacional, ouvido o Conselho de Chefes de Estado-Maior (n.º 1), sendo responsável pelo cumprimento das missões da guarda, bem como de outras que lhe sejam cometidas por lei (n.º 2), estando-lhe atribuídas no n.º 3 do mesmo artigo 36.º, especialmente, entre outras competências, “[e]xercer o comando completo sobre todas as forças e elementos da Guarda” [alínea a)], e “[d]ecidir e mandar executar toda a actividade respeitante à organização, meios e dispositivos, operações, instrução, serviços técnicos, logísticos e administrativos da Guarda” [alínea d)].
A Guarda Nacional Republicana compreende-se no Ministério da Administração Interna, atento o disposto no artigo 3.º, alínea c), do Decreto-
-Lei n.º 55/87, de 31 de Janeiro[5], constituindo um dos órgãos e serviços de que este se serve para o desempenho das suas atribuições e ao qual compete, em geral, promover, de acordo com as directrizes do Governo, a formulação, coordenação e execução da política de segurança interna e protecção civil, assegurar as medidas necessárias à organização e execução dos processos eleitorais e garantir, através do governador civil, a representação do Governo na área do distrito (artigo 1.º).
2. O Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho[6], aprovou e fez publicar em Anexo o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, adiante designado por Estatuto, dedicando o Capítulo VII, compreendendo os artigos 103.º a 136.º, às promoções e graduações dos militares dos quadros da Guarda, entendendo-se por militar da Guarda “aquele que, tendo ingressado nesta força de segurança, se encontra vinculado à Guarda com carácter de permanência ou nela presta serviço voluntariamente” (n.º 1 do artigo 2.º).
O artigo 103.º, sob a epígrafe “Promoções”, preceitua no n.º 1:
“1 – A promoção do militar dos quadros da Guarda realiza-se segundo o ordenamento estabelecido nas listas de promoção do quadro a que pertence, salvo no caso das promoções por distinção e a título excepcional.”
Às listas de promoção reporta-se o subsequente artigo 107.º, que estabelece:

“1 – Designa-se por lista de promoção a relação anual, ordenada, em cada posto e quadro, de acordo com as modalidades de promoção estabelecidas para acesso ao posto imediato, dos militares dos quadros da Guarda que até 31 de Dezembro de cada ano reunam as condições de promoção.
2 – A relação dos militares, ordenados por antiguidade, a incluir nas listas de promoção, acompanhada de todos os elementos de apreciação disponíveis, é submetida pelo órgão de gestão de pessoal à apreciação e decisão do comandante-geral, que deverá ouvir o Conselho Superior da Guarda[7] para a elaboração das seguintes listas:
a) De tenentes-coronéis a promover a coronel, por escolha;
b) De capitães a promover a major, por escolha;
c) De sargentos-chefes a promover a sargento-mor, por escolha;
d) De sargentos-ajudantes a promover a sargento-chefe, por escolha;
e) De cabos a promover a cabo-chefe, por escolha;
f) De soldados a promover a cabo, por excepção.
3 – As listas de promoção devem ser aprovadas pelo comandante-
-geral até 15 de Dezembro do ano anterior a que respeitam e destinam-se a vigorar em todo o ano seguinte.
4 – Cada lista de promoção deve conter um número de militares não superior ao dobro das vagas previstas para o ano seguinte e ser publicada na Ordem à Guarda de 31 de Dezembro do ano a que respeitam.
5 – No caso de qualquer lista de promoção estar esgotada num determinado posto, havendo vagas e militares, que satisfaçam todas as condições de promoção, será elaborada nova lista respeitante a esse posto para vigorar até ao fim do ano em curso.
6 – As listas de promoção de cada ano são totalmente substituídas pelas listas do ano seguinte.
7 – O comandante-geral pode, quando o entender conveniente, determinar a redução para seis meses do prazo de validade da lista de promoção, alterando-se, em conformidade, a data de publicação da lista subsequente.”
As listas de promoção para os postos de major, coronel, sargento-
-chefe e sargento-mor são organizadas considerando os militares que reúnam as condições de promoção e que se encontrem no terço superior da escala de antiguidade de cada quadro de capitães, tenentes-coronéis, sargentos-ajudantes e sargentos-chefes como se prevê, respectivamente, nos artigos 208.º, 210.º, 239.º e 240.º.
As modalidades de promoção prevêem-se no artigo 108.º, nos seguintes termos:
“Artigo 108.º
Modalidades de promoção
1 – As modalidades de promoção dos militares dos quadros da Guarda são as seguintes:
a) Habilitação com curso adequado;
b) Diuturnidade;
c) Antiguidade;
d) Escolha;
e) Distinção;
f) A título excepcional.
2 – Considera-se, também, como modalidade de promoção apenas aplicável a praças a que pode ser efectuada por excepção, nos termos previstos no presente Estatuto.”
O militar da guarda para ser promovido deve satisfazer as condições gerais e especiais de promoção, salvo nos casos previstos no Estatuto (artigo 115.º). Às condições gerais de promoção refere-se o artigo 116.º, assim redigido:

“As condições gerais de promoção comuns a todos os militares são as seguintes:
a) Cumprimento dos deveres que lhes competem;
b) Desempenho com eficiência das funções do seu posto;
c) Qualidades e capacidades pessoais, intelectuais e profissionais requeridas para o posto imediato;
d) Aptidão física e psíquica adequada.”
A verificação das condições gerais de promoção é efectuada, como se prevê no artigo 117.º:
“1 – A verificação das condições gerais de promoção dos militares dos quadros da Guarda é feita através de:
a) Avaliações periódicas e extraordinárias dos comandantes das unidades ou chefes dos serviços conforme dispõe o capítulo IX;
b) Currículo, com indicação, nomeadamente, das funções desempenhadas nas diversas colocações;
c) Nota de assentos;
d) Outros documentos constantes do processo individual do militar ou que nele venham a ser integrados.
2 – Não é considerada matéria de apreciação aquela sobre a qual existe processo pendente de natureza disciplinar ou criminal enquanto sobre o mesmo não for proferida decisão definitiva.
3 – As competências relativas à verificação da satisfação das condições gerais de promoção são as definidas neste Estatuto.”
Nos casos em que não estejam reunidas as condições gerais de promoção rege o artigo 118.º:
“Artigo 118.º
Não satisfação das condições gerais de promoção
1 – A não satisfação das condições referidas nas alíneas a) e b) do artigo 116.º em qualquer momento da carreira do militar pode originar a sua apreciação para efeitos do disposto no artigo 75.º
2 – A inexistência de avaliações a que refere a alínea a) do n.º 1 do artigo anterior não pode constituir fundamento para se considerar o militar como não satisfazendo as condições gerais de promoção.
3 – Sem prejuízo do disposto no n.º 1, o militar dos quadros da Guarda que não satisfaça qualquer das condições gerais de promoção é preterido.
4 – O militar dos quadros da Guarda que num mesmo posto e em dois anos consecutivos seja preterido por não satisfazer as condições gerais de promoção é definitivamente excluído de promoção.”
O artigo 119.º respeita às “Condições gerais de promoção - Parecer e decisão”, com a seguinte formulação:
“1 – Nenhum militar pode ser dado como não satisfazendo as condições gerais de promoção sem o parecer do Conselho Superior da Guarda, que se baseará em todos os documentos integrantes do processo, no parecer do órgão do serviço de saúde, para o caso da aptidão física e psíquica, e naqueles que entender juntar-lhe, podendo, ainda, ouvir pessoalmente o militar e outras pessoas de reconhecido interesse.
2 – A decisão do comandante-geral, relativamente à não satisfação daquelas condições, tomará em conta os pareceres das entidades referidas no número anterior e, devidamente fundamentada, será notificada ao militar no prazo de 30 dias.”
De acordo com o iter procedimental estabelecido, é particularmente relevante atentar no disposto no n.º 2 do artigo transcrito, que alude a uma decisão do comandante-geral sobre a não verificação das condições gerais de promoção, decisão esta que, como se estabelece no artigo seguinte, pode ser impugnada, através do exercício da faculdade de a contestar.
O texto desse artigo está assim redigido:

“Artigo 120.º
Contestação
1 – O militar considerado como não satisfazendo as condições gerais de promoção pode apresentar ao comandante-geral, no prazo de 15 dias a contar da respectiva notificação, a sua contestação, por escrito, acompanhada dos documentos que entenda convenientes.
2 – No prazo de 30 dias, contado a partir da data da entrada da contestação, esta será decidida pelo comandante-geral e notificada ao interessado.”
É essencialmente deste preceito legal, cuja formulação já provém do anterior Estatuto de 1983 da GNR[8], e dos efeitos jurídicos que dele decorrem que surgem as preocupações do Senhor Comandante-Geral e que ditou o pedido de consulta por Vossa Excelência. Não obstante, afigurou-se conveniente transcrever as normas que, no procedimento promocional, respeitam à satisfação das condições gerais de promoção, bem como a reprodução, que a seguir se opera, das normas relativas às condições especiais de promoção, no estritamente necessário à compreensão e enquadramento de todo o procedimento promocional.
Dispõe o artigo 121.º, sob a epígrafe “Condições especiais de promoção” que “[a]s condições especiais de promoção a cada posto dos quadros da Guarda são fixadas neste Estatuto, competindo a sua verificação ao órgão de gestão de pessoal da Guarda”, sendo tais condições satisfeitas em comissão normal, como se preceitua no n.º 1 do artigo seguinte, estabelecendo-se, também, no n.º 3, que “[a] nomeação de militares em comissão especial ou de licença sem vencimento, para satisfazer as condições especiais de promoção, só é efectuada a requerimento dos interessados”.
Ainda que um militar não reuna todas as condições especiais de promoção, se estiver incluído no conjunto dos militares em apreciação, é analisado do mesmo modo que os militares com a totalidade das condições, com o parecer do órgão de gestão de pessoal da Guarda sobre os motivos da não satisfação (artigo 123.º) e, por outro lado, para efeitos de inclusão na lista de promoção, o comandante-geral, ouvido o Conselho Superior da Guarda e mediante despacho fundamentado, pode, a título excepcional e por conveniência de serviço, dispensar o militar dos quadros da Guarda das condições especiais de promoção, com excepção do tempo mínimo de permanência no posto e da prestação de provas de concurso (artigo 124.º, n.º 1).
Assinale-se que o militar que não satisfaça qualquer das condições gerais de promoção bem como as condições especiais de promoção, estas por razões que lhe sejam imputáveis é preterido na promoção (130.º, n.º 1).
Refira-se, por último, que, a culminar o procedimento promocional, a promoção do militar deve ser publicada no Diário da República e transcrita na Ordem à Guarda e nas ordens de serviço, constando aquela de documento que pode revestir a forma de decreto, estando em causa promoções por distinção de sargento a oficial e de oficiais, de portaria ministerial nas promoções e graduações de oficiais, de sargentos e praças por distinção, e por despacho do comandante-geral, nas restantes promoções e graduações (artigos 133.º, 212.º, 242.º e 270.º).
Dos preceitos reproduzidos, e em breve síntese, extraem-se as seguintes notas:
- O procedimento promocional de militares da Guarda é um procedimento complexo, que se inicia com a elaboração da relação dos militares, ordenados por antiguidade, que deve ser submetida pelo órgão de gestão de pessoal à apreciação e decisão do comandante-geral, que até 15 de Dezembro do ano anterior a que respeitam deve aprovar as listas de promoção;
- Em regra, o militar dos quadros da Guarda para ser promovido tem de satisfazer as condições gerais e especiais de promoção previstas no Estatuto (artigo 115.º);
- A não satisfação das condições gerais de promoção, bem como as condições especiais de promoção por razões que sejam imputáveis ao militar, implica a sua preterição [n.º 3 do artigo 118.º e n.º 1, alínea a) e b) do artigo 130.º];
- Compete ao comandante-geral da Guarda a decisão, devidamente fundamentada, em matéria de facto e de direito, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República, e 124.º, n.º 1, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, relativamente à não satisfação das condições gerais de promoção, a qual deve tomar em conta os pareceres do Conselho Superior da Guarda e do órgão do serviço de saúde, além daqueles que entenda socorrer-se, bem como, se assim o entender, da audição pessoal do militar e outras pessoas de reconhecido interesse (artigo 119.º);
- Da decisão do comandante-geral que o considera como não satisfazendo as condições gerais de promoção, pode o militar apresentar àquele contestação, por escrito, no prazo de 15 dias, a contar da sua notificação, acompanhada da documentação considerada conveniente (artigo 120.º, n.º 1);
- Nos 30 dias subsequentes à apresentação da contestação, o comandante-geral decidirá da contestação, por despacho fundamentado em matéria de facto e de direito, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República, e 124.º, n.º 1, alínea c), e 125.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, e notificará a decisão ao interessado (artigo 120.º, n.º 2).
- Nenhuma disposição do Estatuto alude aos efeitos que derivam para a decisão impugnada da apresentação da contestação.
- A norma que permite a contestação da decisão do comandante-
-geral é similar a outra de igual epígrafe e teor constante do artigo 87.º do anterior Estatuto da GNR, não se depreendendo alteração substancial do seu alcance, quando se compara a antecedente redacção e a actual.
III

O legislador classifica de contestação o poder que confere aos militares para impugnarem a decisão do comandante-geral, o que, ao menos num confronto de terminologia, faz supor que se trata de providência diversa daquela que se contém no Estatuto sobre o direito de reclamar.
A matéria das reclamações e também dos recursos está contemplada no Capítulo XI do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, compreendendo os artigos 182.º a 190.º. Destes normativos, importa reter, desde logo, o princípio geral inscrito no artigo 184.º, que se consubstancia no direito de reclamação e recurso conferido aos militares da Guarda em geral, formulado nos seguintes termos:

“Artigo 184.º
Reclamação e recurso dos actos administrativos
O militar tem direito de reclamação e de recurso dos actos administrativos que considere ilegais ou inconvenientes, nos termos da lei aplicável.”

O artigo seguinte dispõe sobre a legitimidade para reclamar e recorrer, consagrando a regra de que “[s]ó tem legitimidade para reclamar ou recorrer o militar que tenha interesse directo, pessoal e legítimo, na revogação, substituição ou modificação do acto objecto da reclamação ou recurso”.

Aos requisitos de forma que a reclamação deve respeitar e ao prazo em que deve ser apresentada rege o artigo 186.º. Nele se refere que “[a] reclamação contra um acto administrativo deve ser singular e dirigida por escrito, através das vias competentes, ao chefe que praticou esse acto, no prazo de 15 dias, contados a partir do seu conhecimento pelo reclamante” (n.º 1), precisando-se no n.º 2 que “[c]onsidera-se como data de conhecimento do acto administrativo que dá origem à reclamação aquela em que o militar dele for pessoalmente notificado ou da publicação do mesmo em ordem de serviço”.

No Estatuto prevêem-se, ainda, os termos em que se concretiza o direito ao recurso hierárquico necessário. Estabelece-se no artigo 187.º:

“Artigo 187.º
Recurso hierárquico
1 – Quando a reclamação, apresentada nos termos do artigo anterior, não for, no todo ou em parte, atendida, assiste ao reclamante o direito de recurso hierárquico para o chefe imediato daquele que proferiu o acto administrativo em causa, no prazo de 15 dias, contados a partir da data de notificação pessoal ou da publicação oficial da decisão proferida sobre a reclamação.
2 – Não sendo proferida decisão sobre a reclamação no prazo de 15 dias a contar da respectiva apresentação, a mesma é indeferida tacitamente, cabendo recurso hierárquico nos termos do n.º 1 do artigo seguinte.
3 – O recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 15 dias, a contar da data em que o mesmo for recebido pela entidade competente.
4 – Se, no prazo referido no número anterior, não for proferida decisão expressa, o recurso é tacitamente indeferido, cabendo recurso hierárquico para o chefe imediato, até esgotar todos os níveis da hierarquia.

Consagra-se também, no artigo 188.º, que da decisão do comandante-geral cabe sempre recurso para o Ministro da Administração Interna (n.º 1) e tal decisão “é definitiva e pode revogar, alterar ou manter a decisão requerida, no todo ou em parte” (n.º 2).


IV

1. O procedimento administrativo enquanto sequência pré-
-ordenada de actos dirigidos à produção de uma decisão final e em função da qual se sucedem, pode comportar um conjunto de actos que dele se projectam, autonomizando-se.
Na verdade, referem Mario Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, e J. Pacheco de Amorim[9] que “há actos ou formalidades procedimentais que têm, só por si, efeitos jurídicos externos, constituindo já uma decisão do procedimento quanto a alguns dos seus possíveis efeitos ou interessados, mesmo sem serem ainda a decisão final do procedimento”.
Tais decisões parciais, que se verificam no âmbito de procedimentos em geral complexos e multifaseados e que podem referir-se à decisão de um órgão sobre certos aspectos implicados no efeito final pretendido, incluem-se numa categoria ampla que a doutrina denomina de actos prejudiciais, “actos cujo conteúdo cria efeito conformativo para a actuação administrativa subsequente e que apresentam a característica de não realizarem ainda o efeito prático final procurado pelos particulares, embora o condicionem (ou possam condicionar) decisivamente”[10].
Na justa medida em que essas decisões criem efeitos jurídicos finais para os interessados devem considerar-se destacáveis para efeitos de impugnação. Dizendo de outro modo, causando tais actos lesividade imediata a um certo interessado, projectam-se então como acto destacável para efeitos da sua impugnação pelo lesado.
Actos destacáveis são, como expõe Vieira de Andrade[11], os actos “que, estando embora incluídos num procedimento, são susceptíveis de produzirem lesões em direitos dos particulares e que, por isso, podem justificar a sua impugnação autónoma (sem prejuízo de eventualmente poderem ser impugnados também no recurso contra o acto principal) – v., por exemplo, o caso dos pareceres vinculantes ou o das decisões de constituição de júris”.
Uma decisão desse tipo é passível de impugnação imediata, por via graciosa se o regime legal aplicável ao procedimento o contemplar, ou imediatamente por via contenciosa se põe termo ao processo e "desde que afecte uma pretensão ou posição de fundo de interessados”.
2. Não sendo objecto da consulta a impugnação contenciosa do acto administrativo, dediquemos atenção às modalidades, conteúdo, regime e escolhos que a via graciosa, quer através de reclamação quer de recurso hierárquico, pode suscitar.
Marcello Caetano[12] enquadrava a reclamação, a par do recurso hierárquico, no quadro dos meios graciosos de garantias dos administrados, consistindo tal forma de impugnação “em solicitar da própria autoridade que praticou o acto administrativo que reconsidere e o revogue ou substitua”, “podendo ser interposta com fundamento na ilegalidade ou na injustiça ou inconveniência do acto impugnado” (em itálico no original).
No quadro das garantias, Freitas do Amaral[13] define-as como “os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou de sancionar quer as violações do direito subjectivo, quer as ofensas de direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares, pela Administração Pública” e classifica-as, por um lado, em garantias preventivas e garantias repressivas, e, por outro lado, em garantias de legalidade e garantias dos particulares, estas últimas desdobrando-se em garantias políticas, graciosas e contenciosas.
Por garantias graciosas entende-se as que “se efectivam através da actuação dos próprios órgãos da administração activa”, sendo agrupadas em três espécies: garantias petitórias, garantias impugnatórias e a queixa ao Provedor de Justiça.
Interessa-nos a segunda espécie, que o autor define como “os meios de impugnação de actos administrativos perante autoridades da própria Administração Pública”, as quais compreendem a reclamação e o recurso hierárquico. Estas distinguem-se entre si consoante a impugnação seja feita perante o autor do acto impugnado, caso em que estaremos perante uma reclamação, ou perante o superior hierárquico do autor do acto impugnado, situação em que se estará perante um recurso hierárquico[14].
Quanto à figura da reclamação, explica o autor que esta garantia se justifica pelo facto de, podendo os actos administrativos ser, em geral, revogados pelo órgão que os tenha praticado, este poderá rever a sua posição, mercê de um exame mais atento e ponderado dos argumentos em que assenta a visão oposta da questão, quer por lhe terem sido fornecidos novos dados, quer, ainda, considerando circunstâncias não previstas na anterior decisão.
Inicialmente admitida como uma garantia facultativa, veio a assumir, transitoriamente, com o Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho (artigo 2.º), natureza necessária, como pressuposto de admissibilidade do recurso contencioso. Posteriormente, com a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos[15], cujo artigo 35.º, n.º 1, revogou o disposto no diploma legal de 1977, a reclamação reassumiu a sua natureza facultativa, salvo a existência de lei especial que a exija[16] [17].
No que ao recurso hierárquico se refere, o autor em apreço[18] define-
-o como o “meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o seu superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido”, assumindo natureza necessária, sempre que seja “indispensável utilizar para se atingir um acto verticalmente definitivo do qual se possa recorrer contenciosamente” ou facultativa em caso contrário, ou seja quando se está perante um acto verticalmente definitivo.
Quer a reclamação quer o recurso hierárquico contemplam-se nos artigos 158.º a 175.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). A primeira consiste no pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao seu autor (artigo 158.º, n.º 2), e o segundo consiste “no pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao superior hierárquico” (artigo 166.º), sendo este necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso (artigo 167.º, n.º 1).
Quanto aos efeitos, o CPA trata os que respeitam à reclamação e ao recurso em disposições distintas.
No que se refere à reclamação, o seu regime compreende-se no artigo 163.º, havendo que distinguir as situações em que do acto caiba ou não recurso contencioso. Assim, quando dela “não caiba recurso contencioso tem efeito suspensivo, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público” (n.º 1); por seu lado, “[a] reclamação de acto de que caiba recurso contencioso não tem efeito suspensivo, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto, oficiosamente ou a pedido dos interessados, considere que a execução imediata do acto causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação ao seu destinatário” (n.º 2).
Os efeitos dos recursos são regulados no artigo 170.º. O n.º 1 deste preceito estabelece que “[o] recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público”[19].
Desta norma decorre a regra geral e supletiva, segundo a qual, nada dizendo a lei ou o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público, o recurso hierárquico interposto tem efeito suspensivo.
3. Sendo este o regime do Código, pode-se actualmente questionar se a existência de reclamações e recursos necessários, como pressuposto necessário de admissão das vias contenciosas se conformam com a norma constitucional contida no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República.
A partir da revisão constitucional de 1989 emergiu um forte debate doutrinário em torno da inconstitucionalidade da figura do recurso gracioso necessário, que não foi acompanhado pela jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Constitucional.
Em termos sucintos, a invocação da inconstitucionalidade assenta em “argumentos da intencionalidade do legislador constituinte e da insusceptibilidade de restrição do direito de recurso, em razão do regime dos direitos, liberdades e garantias”[20] que seria incompatível com leis que possam estabelecer recursos hierárquicos obrigatórios. Noutros termos, “exigir a definitividade vertical do acto como pressuposto processual, é esquecer que houve uma revisão constitucional que alterou o texto do art. 268.º, retirando a anterior referência expressa à definitividade dos actos administrativos”, além de que, “continuar a admitir a definitividade como pressuposto de recurso contencioso de actos que lesem direitos ou interesses protegidos dos administrados, consiste em fazer interpretação da Constituição conforme à lei”, quando “não é a Constituição (art. 268.º, n. 4) que deve ser interpretada conforme à lei (L.P.T.A.: art. 25.º, n.º 1), mas antes a lei ordinária que se deve subordinar e adaptar à Constituição, daí resultando a inconstitucionalidade superveniente da citada disposição da L.P.T.A.”
Na verdade, “[c]ontinuar a exigir a definitividade do acto lesivo de posições subjectivas como pressuposto de recurso contencioso por parte dos interessados, isto significa que se está a estabelecer uma restrição ao exercício de um direito fundamental, sem que a mesma tenha qualquer fundamento expresso na Constituição”[21].
Em oposição à ideia de inconstitucionalidade da admissibilidade do recurso hierárquico pronunciaram-se outros autores[22]. Alude-se que “[o] n.º 4 do art. 268.º da CRP apenas visa conferir aos cidadãos o direito ao recurso contencioso contra qualquer acto de autoridade lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos - e esse direito não é obviamente negado pela necessidade de interposição prévia de recurso administrativo (não o é sequer em espécie, porque o acto do subalterno acaba por ser, ele próprio, impugnado na medida em que fica incorporado no acto do superior, expresso ou silente, que mantenha a decisão” além de que “[n]ão é aceitável o mero argumento formal-conceitual de que a CRP deixou de prever expressamente tal possibilidade, ao contrário do que antes acontecia, quando circunscrevia a garantia do recurso em função do carácter "definitivo" (e "executório") dos actos. É que sempre há-de caber à lei ordinária regular o processo administrativo e o legislador, no âmbito dessa sua competência, pode estabelecer esse requisito, assim como pode fixar outros pressupostos processuais: prazo de recurso, patrocínio judiciário, reclamações necessárias – tais leis constituem normas reguladoras, estabelecem condicionamentos e não são sequer restritivas de direitos fundamentais.
Além disso, “ainda que se tratasse de uma norma restritiva de um direito fundamental (análogo aos direitos, liberdades e garantias), a lei só seria inconstitucional se se provasse que tal restrição era arbitrária ou desproporcionada em face dos valores invocáveis para justificar o recurso (...).”
Por outro lado – acrescenta-se – “o recurso hierárquico não significa necessariamente uma desvantagem para o particular, constitui até uma alternativa válida ao recurso contencioso imediato, assegurando diversos benefícios do ponto de vista da defesa dos direitos e interesses dos administrados”, porque, designadamente, “suspende a eficácia do acto recorrido, que é porventura o maior dos benefícios que o particular pode ter num sistema de administração executiva”, “dispensa o patrocínio por advogado, é informal, é fácil de interpor, é barato e é rápido”, “obriga à decisão de um órgão administrativo mais qualificado”, e “permite também o controle do mérito”.
A jurisprudência, quer constitucional quer administrativa, pronunciou-
-se, desde sempre, no sentido da não inconstitucionalidade das normas que permitem a existência do recurso hierárquico prévio à impugnação contenciosa.
O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 499/96, de 20 de Março de 1996[23], decidiu nos seguintes termos:
«Não se pode concluir, porém, que seja hoje inconstitucional qualquer exigência de recurso hierárquico necessário. Quando a interposição deste recurso não obsta a que o particular interponha, no futuro, utilmente, em caso de indeferimento, recurso contencioso, não terá sido violado o direito de acesso aos tribunais administrativos, tal como é conformado pelo art. 268.º, n.º 4, da CRP. Nesta situação, a precedência de recurso hierárquico tem como efeito diferir o início do prazo para a interposição de recurso contencioso sem o restringir nem acarretar a sua inutilidade.»
Decisões idênticas têm sido proferidas pelo Tribunal Constitucional em numerosos acórdãos e nomeadamente no recente acórdão n.º 235/03, de 14 de Maio de 2003, ainda inédito. Nele se menciona que “[a] tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada, nem, sequer, restringida pela previsão de tal via hierárquica necessária como meio de, em primeira linha, tentar obter a satisfação do interesse do administrado pela revisão do acto administrativo praticado pelo órgão subalterno da Administração, previamente ao, sempre assegurado, recurso jurisdicional. Trata-se, apenas, de um condicionamento legítimo do direito de recurso contencioso, ficando sempre ressalvada a garantia da tutela judicial em todos os casos concretos [...].
O Supremo Tribunal Administrativo tem também entendido que a previsão de um recurso hierárquico necessário não colide com o disposto no artigo 268.º, nº 4, da Constituição da República. Só assim não acontecerá naqueles casos em que a lei imponha obstáculos tais que, na prática, suprimam ou restrinjam, em medida intolerável, o direito ao recurso contencioso.
Paradigmático deste entendimento é o acórdão n.º 1133/02, de 29 de Janeiro de 2003[24], onde se concluiu:
«I - A adopção pelo n.º 4 do art. 268.º da CRP do critério da lesividade do acto administrativo para a determinação da sua recorribilidade não implica que todo o acto lesivo seja susceptível de imediato recurso contencioso e que o interessado esteja dispensado do esgotamento dos procedimentos graciosos para a abertura da via contenciosa.
II - Só assim não será quando o percurso imposto por lei para a abertura da via contenciosa esteja de tal modo eriçado de dificuldades que, na prática, suprima, ou restrinja em medida intolerável, o direito ao recurso contencioso.
(…)»
4. Em 1 de Janeiro de 2004 entrou em vigor a Lei n.º 15/2002, de 19 de Fevereiro[25], que revogou a anterior Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, em cujos artigos 51.º e 59.º[26] se adoptam soluções que poderão excluir a figura do recurso hierárquico necessário, tal como genericamente se prevê no artigo 167.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
A doutrina refere que o diploma em apreço não exige, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa, donde decorre a regra geral da desnecessidade da utilização das vias de impugnação graciosa para seguir a via contenciosa.
Especificamente sobre este tema, Mario Aroso de Almeida[27] discorre nestes termos:
«Não nos parece, porém, que a entrada em vigor do CPTA tenha o alcance de eliminar definitivamente a figura do recurso hierárquico necessário – como, de resto, das impugnações administrativas necessárias, no seu conjunto. Na verdade, não nos parece que o CPTA tenha o alcance de revogar as múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, impondo o recurso à via da impugnação administrativa como pressuposto de acesso à via contenciosa. Recorde-se que cada norma geral pode ser afastada por normas especiais, incluindo por aquelas que já existiam à data em que entra em vigor a norma geral, uma vez que não se pode imputar a esta norma o propósito de as revogar. Ora, a nosso ver, as disposições legais avulsas instituidoras de impugnações administrativas necessárias são normas especiais que, como tais, prevalecem sobre a nova norma geral introduzida pelo CPTA x. Não se afigura, por isso, que se possa entender que elas foram revogadas sem disposição legal expressa que formalmente tenha determinado tal revogação. Ora, o CPTA não contém uma tal disposição, nem se afigura que tenha pretendido operar semelhante revolução sem o dizer com clareza.
«Por conseguinte, o CPTA não tem, quanto a nós, o alcance de revogar as disposições do CPA que se referem ao recurso hierárquico necessário, a começar por aquela que, no art. 167.º, estabelece a própria distinção entre recursos hierárquicos necessários e facultativos x1. Na verdade, se permanecem de pé as normas avulsas que impõem o recurso hierárquico necessário, nada justifica o desaparecimento do regime geral que o CPA faz corresponder à figura.»
Pelo contrário, Paulo Otero, pronunciando-se ainda no quadro do projecto de Código de Processo dos Tribunais Administrativos, exprimia-se no sentido da “revogação das disposições do Código do Procedimento Administrativo que se referem ao recurso hierárquico necessário” explicitando que, quanto “à legislação avulsa que consagra recursos hierárquicos necessários, a entrada em vigor da nova legislação do contencioso só determina a respectiva revogação se, enquanto lei geral, expressamente o mencionar face aos diplomas que se tenham como lei especial.”[28]
Decorre do exposto, que os autores comungam de idêntica perspectiva naqueles casos em que a exigência do recurso hierárquico decorra de norma especial; nestas situações, a vigência desses normativos há-de ter-se por assente, por não ser revogada pelo actual contencioso administrativo.

V
Antes de progredir vejamos o regime da audiência de interessados prevista no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo e confrontemo-la com o regime da contestação aludido no artigo 121.º do Estatuto.
A matéria da audiência de interessados já foi objecto de apreciação detalhada neste Conselho[29], incluindo as situações relativas a procedimentos especificamente regulados em diploma próprio mas que não contemplam expressamente a realização da audiência de interessados.
Diga-se, antes do mais que, quanto aos casos em que o direito de participação dos candidatos surge especialmente previsto, quer através de disposição expressa que tenha correspondência com a norma do artigo 100.º do CPA, quer por remissão para os termos gerais deste Código, não subsiste motivo para deixar de aplicar a disposição em causa, a menos que na hipótese concreta possa configurar-se uma situação de inexistência ou dispensa da audiência.
Questão diversa é a de saber se a formalidade da audiência dos interessados, tal como se encontra prevista no CPA, deverá ter aplicação em procedimentos administrativos especiais, nos casos em que os diplomas reguladores da respectiva tramitação não contêm qualquer menção à exigência dessa.
O n.º 1 do artigo 2.º do CPA, relativo ao campo de aplicação das normas do Código, estabelece que as disposições do CPA aplicam-se a todos os órgãos da Administração Pública que, no desempenho da actividade administrativa de gestão pública, estabeleçam relações com os particulares, bem como aos actos em matéria administrativa praticados pelos órgãos do Estado que, embora não integrados na Administração Pública, desenvolvam funções materialmente administrativas.
No parecer n.º 142/2001, ponderou-se a este propósito:
«Por seu lado, os n.os 6 e 7 desse artigo estatuem o seguinte (x2):
"6. As disposições do presente Código relativas à organização e à actividade administrativa são aplicáveis a todas as actuações da Administração Pública no domínio da gestão pública.
7. No domínio da actividade da gestão pública, as restantes disposições do presente Código aplicam-se supletivamente aos procedimentos especiais, desde que não envolvam diminuição das garantias dos particulares."
A delimitação do âmbito da aplicação das disposições do CPA, assim estabelecida, significa que as normas relativas à organização e actividade administrativa se aplicam em todos os casos em que a actividade de gestão pública da Administração envolva relacionamento com particulares, e as normas especificamente procedimentais apenas se aplicam directamente quando não existam procedimentos especiais que estejam previstos para determinadas situações. Existindo procedimentos especiais, as disposições procedimentais do Código apenas se aplicam supletivamente e desde que não diminuam as garantias (outras garantias) dos particulares previstas em cada procedimento especial(x3).
Posto que no n.º 7 se alude a procedimentos especiais, ensaiar-se-á a delimitação deste conceito, com o recurso à doutrina já firmada por este Conselho.
Visto que o CPA não prevê um procedimento-regra, mas apenas princípios a que devem obedecer os trâmites, formalidades e actos de qualquer procedimento, a noção de especialidade não pode ser referida por contraposição a um procedimento tipo.
Por isso, a especialidade estará no exercício de determinada competência que, enquanto tal, se encontra regulada em normas procedimentais próprias. Assim, poder-se-á aceitar que, para este efeito, procedimentos especiais "são todos aqueles cuja tramitação esteja estabelecida na lei, mais ou menos minuciosamente, para a prática de certa categoria de actos, regulamentos ou contratos administrativos"(x4).»
Na situação presente, estão em causa procedimentos concursais que se destinam a promover militares da Guarda a postos superiores. Os trâmites do concurso, entendidos como sucessão de actos procedimentais, encontram-se regulados no Estatuto, desde o momento preliminar da elaboração das listas até à publicação do documento de promoção.
Prevendo-se no Estatuto uma tramitação precisa e com suficiente detalhe, da intervenção da Administração e dos interessados no procedimento com o culminar de uma decisão final sobre a promoção, afigura-se ser de concluir que se está perante um tipo de procedimento especial a que se dirige a norma do n.º 7 do artigo 2.º do CPA.
A primeira consequência da existência de um procedimento especial – menciona-se no Parecer n.º 142/2001 – é que as normas particularizadas sobre os trâmites processuais que regulam esse procedimento devem em regra prevalecer sobre as regras genéricas do CPA com o mesmo objecto(x5). É o que resulta desde logo do n.º 7 do artigo 2.º do CPA, que considera o Código aplicável supletivamente aos procedimentos especiais, isto é, só em caso de lacuna ou dúvida insanável, e desde que a sua aplicação não envolva diminuição das garantias dos particulares (n.º 7 do artigo 2.º, in fine).
E acrescenta-se no mesmo parecer:
«Como anotam, porém, FREITAS DO AMARAL et alii(x6), situações há em que, "os princípios gerais da actividade administrativa consagrados no CPA, bem como as normas que concretizam preceitos constitucionais (administração aberta, direito à informação, dever de notificar, dever de fundamentar, audiência prévia dos interessados no processo de formação das decisões) aplicam-se a todos os procedimentos, mesmo os especiais."
Haverá, no entanto, que distinguir, para efeito da aplicação subsidiária do CPA, entre as normas deste Código que estabelecem o formalismo ou rito procedimental e aquelas que, segundo um certo critério científico, se limitam a estipular a respectiva regulamentação ou disciplina, definindo regras sobre os pressupostos e o modo da prática dos actos ou sobre as consequências da sua omissão.
Havendo lugar a um procedimento especial, o mais frequente é que o legislador, ao fixar a respectiva tramitação, se abstenha intencionalmente de definir as normas daquele segundo tipo, dando azo a que intervenham subidiariamente as disposições da lei geral aplicáveis aos casos análogos. Assim é, por exemplo, no tocante ao modo de contagem dos prazos: nada dizendo sobre essa matéria a legislação especial que regula um concreto procedimento administrativo, terão aplicação as disposições constantes do artigo 72.º do CPA.
Tratando-se, porém, de um certo trâmite processual que se encontre regulado no CPA, mas que o procedimento especial não contemple expressamente – como será o caso da audiência do interessado a que se refere o artigo 100º do CPA -, impõe-se averiguar mais atentamente se estamos perante uma típica situação de integração subsidiária, em que a formalidade deva ser admitida nesse procedimento por sobreposição aos demais actos especialmente previstos, ou antes perante uma verdadeira modificação do regime regra que torne injustificável o recurso à norma supletiva.
O primeiro critério a atender deverá ser o da essencialidade da formalidade, tendo em conta a natureza do procedimento e o objectivo que com ele se pretende prosseguir. Se a realização da formalidade, apesar de não especialmente prevista, se tornar exigível, na hipótese concreta, em função dos princípios gerais da actividade administrativa, é de aceitar, dentro do espírito do sistema, que tenha ocorrido uma omissão, que carece de ser integrada pela via do direito subsidiário. Ao contrário, se o procedimento especial contempla um mecanismo formal de participação dos interessados diferenciado que, nas circunstâncias, possa com vantagem substituir a formalidade prevista genericamente, ou se, de outro modo, a observância desta formalidade, no caso, possa colidir com os interesses em jogo ou pôr em risco a própria utilidade do procedimento, será de ponderar se o legislador não terá pretendido afastar a aplicação da norma processual geral.»
A matéria da audiência dos interessados no âmbito dos procedimentos especiais foi já desenvolvidamente analisada por este Conselho, destacando-se o que a tal respeito se mencionou no parecer n.º 64/99[30]:
«O instituto do direito de audiência traduz uma manifestação marcada do princípio da participação no procedimento administrativo.
Num Estado de Direito democrático, a aquisição ou descoberta procedimental dos interesses relevantes não dispensa a participação dos respectivos portadores.
A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e de interesses dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos de fora do procedimento, sob pena de se tornarem em meros objectos do poder, entidades inaptas para participar em relações jurídicas bilaterais com os titulares do poder, súbditos, em vez de cidadãos"(x7).
A participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito assume fundamentalmente duas formas em função da natureza dos efeitos de direito por ela produzidos: participação co-constitutiva e participação dialógica" (x8).
A participação é co-constitutiva quando a vontade do particular tem, a par da vontade da Administração, um papel gerador da constituição, modificação e extinção de uma situação jurídico-
-administrativa – a forma correspondente a este tipo de participação é o contrato administrativo.
Mas, como refere SÉRVULO CORREIA(x9), "a circunstância de a exclusiva autoria do acto final do procedimento caber à Administração não impede o estabelecimento de formas de intervenção do particular que lhe reservem a possibilidade do exercício de uma legítima influência sobre o sentido da decisão."
A sociedade pluralista e respeitadora da pessoa humana estrutura-
-se sobre uma rede de condutas comunicativas (kommunikativer Handlungen).
O poder legítimo identifica-se com a vontade dos cidadãos graças a um círculo de livre comunicação que canaliza para os órgãos titulares de autoridade o sentimento e a visão das coisas da generalidade das pessoas. Nesta circulação de pensamento livre repousa a associação do poder com o Direito. O Direito que organiza as condutas participadas da Administração assegura a transformação do poder de comunicação dos cidadãos (kommunikativer Macht) em poder administrativo. E para isso é essencial a abertura à sociedade do modelo procedimental e a sua capacidade de gerar consensos.
A necessidade de incentivar a troca de informações e de procurar soluções cujo equilíbrio ou proporcionalidade facilite o consenso, preservando a legitimidade de quem decide e a integração do administrado, impõe que a comunicação assuma no procedimento administrativo uma feição dialogante. O processo de concretização das normas jurídicas administrativas através de um tratamento de informação e da ponderação de alternativas permite falar de concretização sob a forma de diálogo (Konkretisierung als Dialog), de conduta administrativa dialógica (dialogisches Verwaltungshandeln).
Chamamos pois participação dialógica àquela que, sem uma co-
-autoria com a Administração na emissão do acto principal, relativamente ao qual o particular continua a figurar como destinatário, assegura a este último a emissão e a recepção, ao longo do procedimento, de comunicações informativas, valorativas e programáticas graças às quais desempenha um papel efectivo na aquisição, valoração, ponderação e qualificação jurídica de factos e interesses de onde resultará em termos lógicos o sentido da decisão.
No Estado de Direito democrático, a participação dialógica desempenha necessariamente uma dupla missão funcional e garantística.
A missão funcional cifra-se na contribuição do particular para a mais perfeita realização do interesse público, em virtude de, através de uma posição dialéctica ou de pura colaboração, enriquecer a perspectiva da Administração sobre a identidade, natureza e peso relativo dos interesses que povoam a situação real da vida que lhe cabe conformar. Inserido nessa situação, o particular poderá conhecê-la melhor do que os agentes administrativos. O contacto e até o confronto entre o particular e a Administração concorrerão para trazer ao procedimento os elementos que relevam para a decisão bem como, para além desse enriquecimento do iter cognoscitivo, argumentos que ilustrarão o item valorativo conducente à decisão.
Mas a intervenção do particular cujos interesses devam ser conformados pela decisão não poderá ser vista sob uma perspectiva totalmente funcionalizante, sob pena de se poder assistir a uma organização do procedimento pelo legislador que não defenda suficientemente o indivíduo do arbítrio do poder. A dignidade da pessoa humana, que o artigo 1º da Constituição arvora em valor basilar da República, não consente que a participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito seja totalmente ou maioritariamente funcionalizada ao serviço do interesse público. O cidadão é chamado para defender os seus interesses, desde que em abstracto susceptíveis de tutela jurídica e com emprego de meios lícitos.»
A participação procedimental projecta-se como um imperativo estruturante derivado do n.º 5 do artigo 267.º da Constituição[31], concretizando-se, relativamente à participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhes respeitem, nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
É a seguinte a redacção deste preceito:

“Artigo 100.º
Audiência dos interessados
1 – Concluída a instrução e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 – O órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral.
3 – A realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos."
A caracterização do direito de participação pelos particulares efectua-se, no parecer que acompanhamos nos seguintes termos:
«A audiência dos interessados inicia uma fase do procedimento – de pré-decisão ou de saneamento (x9) –, quando o instrutor entenda que estão reunidos os elementos necessários para ponderar qual o sentido da decisão.
O direito a ser ouvido, que se concretiza mediante a audiência prevista no artigo 100.º do CPA, deve consistir na possibilidade concedida ao interessado de participação útil no procedimento.
Por isso, deve pressupor a possibilidade real e efectiva de apresentar factos, motivos, argumentação e razões susceptíveis de constituir, tanto uma cooperação para a decisão, como também elementos de um controlo preventivo por parte do particular em relação à Administração.
O direito de ser ouvido deve pressupor, assim, a concretização de várias possibilidades, como sejam, por exemplo, a oportunidade de o interessado exprimir as suas razões antes de ser praticado o acto final, direito a oferecer e a produzir prova; direito a que toda a prova pertinente oferecida venha a ser produzida, e que tal produção de prova seja efectuada antes da decisão final; o direito a controlar a produção de prova (x10).
A audiência é facultada aos interessados depois de 'concluída a instrução', isto é, quando se entenda (o instrutor entenda) que estão reunidos e coligidos no procedimento administrativo todos os elementos que interessam à decisão.”
Pressuposto da concretização da audiência de interessados é que se tenha finalizado a fase de instrução (n.º 1 do artigo 100.º).
A instrução consiste, socorrendo-nos dos termos da lei – artigo 87.º, n.º 1, do CPA –, na averiguação dos factos e de todos os elementos que interessam à decisão final, com a (através da) recolha das provas que se mostrarem necessárias relativamente a todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento[32].
Em termos similares se pronunciava a doutrina já antes da vigência do Código. Freitas do Amaral[33] referia que a instrução “destina-se a averiguar os factos que interessem à decisão final e, nomeadamente, à recolha das provas que se mostrarem necessárias”.
No quadro normativo vigente, Esteves de Oliveira et alii[34], aludindo à delimitação do objecto da instrução, referem que “se trata do complexo de actos e operações tendentes a identificar e valorar os dados jurídicos e factuais relevantes para a decisão a produzir, actos e operações que podem consistir no exame de documentos, em inspecções, em convocações e informações várias, em investigações, em exames, em buscas e peritagens, em auditorias, em discussões, em pareceres e testes, em reconstituições, sabe-se lá mais o quê.”
O conceito de instrução procedimental, para efeitos de determinação do momento em que actua o artigo 100.º, n.º 1, do CPA e da exigência da promoção da audiência dos interessados, deve abranger e integrar toda a actividade administrativa destinada a averiguar e recolher os factos e interesses relevantes para a decisão.
No exercício do seu direito de audiência, os particulares interessados devem pronunciar-se sobre o objecto do procedimento, ou seja, sobre todas as questões ou problemas a resolver pelo órgão administrativo competente, e no exercício concreto da respectiva competência administrativa, perante toda a informação (factos, elementos, interesses a ponderar) constantes e recolhidos no procedimento e tal como este se apresenta à entidade competente para a decisão final.
Registe-se, ainda, que na concretização do seu direito a ser ouvido, oralmente ou por escrito, o interessado pode pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (artigo 101º, n.os 1 e 3, do CPA), podendo ser efectuadas, após a audiência e nomeadamente a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes (artigo 104º do CPA).
Por fim, importa ter presente os efeitos para o procedimento do cumprimento desta formalidade. A este respeito, o n.º 3 do artigo 100.º, que resulta de uma inovação introduzida pela reforma do Código de 1996, estabelece que a realização da audiência dos interessados suspende a contagem de prazos em todos os procedimentos administrativos.
Freitas do Amaral et alii[35] esclarecem que o n.º 3 afasta as dúvidas sobre a suspensão dos prazos em procedimento administrativo em que seja necessário realizar a audiência prévia”, o que significa que “o prazo é acrescentado dos dias necessários para a realização da audiência (...)”, explicando, no entanto, Esteves de Oliveira et alii[36] que não são todos os prazos procedimentais que se suspendem, “mas apenas aqueles respeitantes a decisões ou formalidades cuja prática está dependente do curso da audiência”.
VI
Estamos chegados ao momento de enfrentar a resposta à questão colocada, que – recorde-se – consiste em saber se a contestação apresentada por militar da Guarda considerado como não satisfazendo as condições gerais de promoção, bem como o eventual recurso hierárquico de decisão desfavorável do comandante-geral, possui efeito suspensivo, só podendo prosseguir o processo, mediante a verificação das condições especiais, após ser proferida, pela Administração, a decisão final sobre a matéria.
1. Tudo passa, em primeira linha, por enquadrar e analisar a natureza jurídica da decisão e da contestação a que aludem o n.º 3 do artigo 119.º e o n.º 1 do artigo 120.º do Estatuto, no quadro do procedimento promocional dos militares da Guarda e à luz dos princípios constitucionais e legais da participação dos interessados na actividade administrativa.
Como vimos, o direito de audiência a que se reporta o artigo 100.º do CPA deve operar depois de concluída a instrução e salvo os casos de dispensa ou da sua inexistência[37]. Por outro lado, a audiência dos interessados enquanto concretização do princípio constitucional da participação, densificado na norma em apreço, projecta-se como uma figura aplicável a todo o procedimento.
E o momento em que a audiência deve ocorrer é situado pelo CPA depois da instrução e antes da decisão final, como decorre dos seus termos: «Concluída a instrução [...] antes de ser tomada a decisão final». É, pois, dentro destes limites que deve ocorrer a audiência dos interessados e tal compreende-se por ser o momento em que se «maximiza o potencial de democratização do exercício da função administrativa, porquanto submete a totalidade do “processo de transformação da competência em acto” à pronúncia e controlo do particular»[38] .
O momento a partir do qual se deve proceder à audição fixa-o o Código depois da instrução. Sobre esta já se fixaram atrás os seus contornos. Trata-se de conceito de um conteúdo funcional, que integrará, «para efeitos de determinação daquele momento procedimental, toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e interesses relevantes para a decisão»[39].
Situemos a decisão do comandante-geral, relativamente à não satisfação das condições gerais de promoção, e a subsequente contestação no âmbito e na marcha do procedimento, com vista a surpreender algumas indicações.
2. O procedimento promocional tal como se mostra concebido no Estatuto dos Militares da Guarda, com realização de diversas operações na fase de instrução, prévia à promoção, pode caracterizar-se como um procedimento complexo, pelas operações que envolve, sua sequência e actos a praticar.
Na verdade, o artigo 115.º estabelece que o militar da guarda para ser promovido tem de satisfazer as condições gerais e especiais de promoção, concretizando-se nas normas seguintes, sobretudo nos artigos 117.º a 119.º e 121.º, que umas e outras deverão ser apreciadas segundo critérios, momentos e entidades próprias para o efeito.
Na estrutura do procedimento promocional dos militares da guarda, a verificação das condições gerais de promoção integra-se e faz parte da instrução do processo, entendida nos termos que o legislador lhe confere no artigo 87.º do CPA, configurando-se como uma das diligências a realizar nessa fase.
No iter procedimental, a contestação insere-se em momento posterior a uma decisão do comandante-geral que considera não reunir o militar as condições gerais de promoção comuns a todos os militares, ao basear-se em todos os documentos integrantes do processo, no parecer do órgão do serviço de saúde, para o caso da aptidão física e psíquica, e naqueles que entender juntar-lhe, podendo, ainda, ouvir pessoalmente o militar e outras pessoas de reconhecido interesse.
Esta decisão poderá repercutir-se negativamente na esfera jurídica daqueles que são considerados não reunir as condições gerais de promoção, mas não tem qualquer impacte naqueles que as possuem. A redacção do n.º 2 do artigo 119.º, ao aludir à decisão do comandante-geral, relativamente à não satisfação dessas condições, induz a que a decisão está teleológica e exclusivamente direccionada para esse fim.
No entanto, esta decisão, quanto àqueles a quem se dirige, não é uma decisão final, posto que não define de imediato a situação jurídica dos interessados no processo. Na verdade, trata-se de uma decisão que se mostra condicionada e subordinada ao desenvolvimento procedimental ulterior, consubstanciado na apresentação da contestação e posterior decisão sobre esta ou, pelo menos, ao decurso do prazo para a apresentar, mas sempre no contexto e âmbito da própria instrução do processo.
Os efeitos desta decisão esgotam-se no âmbito do procedimento de promoção, sem assumirem, ainda, uma eficácia exterior. Não se trata, assim, de um acto administrativo que ponha termo ao processo e que defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto.
Na marcha do procedimento de promoção e particularmente no domínio específico da não verificação das respectivas condições gerais, a contestação, subsequente àquela decisão, projecta-se como uma “fase de defesa”, equivalente ao conceito de instrução contraditória vigente no processo penal ao tempo em que o primeiro Estatuto foi publicado.
A contestação desta decisão assume-se, pois, como um meio de defesa do interessado à decisão desfavorável do comandante-geral e à qual responde, podendo fazê-la acompanhar dos documentos que entenda convenientes, tendo em vista uma modificação da decisão no sentido por si pretendido.
Pelas características que reveste, a contestação – repete-se – configura-se como um acto de instrução, subsequente à decisão do comandante-geral de não verificação das condições gerais de promoção.
A possibilidade de contestação estava já consagrada no primitivo Estatuto da Guarda Nacional Republicana (artigo 87.º do Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro), vigente ainda antes da entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo de 1991, constituindo seguramente um dos casos, para além dos procedimentos do tipo sancionador[40], em que se materializava o exercício de audiência do interessado.
Esta formalidade processual, a começar pela sua denominação, parece receber precipitações da lógica dos processos hetero-compositivos sancionatórios, judiciais e mesmo administrativos, em que a uma fase de investigação se segue o exercício do contraditório pela pessoa visada, no quadro de uma fase instrutória.
Assim, no processo penal, após a fase do inquérito e dedução de acusação segue-se a fase da instrução, e, no processo disciplinar, após a fase investigatória e consequente formulação da nota de culpa, inicia-se a fase da defesa do arguido, em ambas as situações, tendo em vista, no primeiro caso confirmar ou infirmar a acusação e, no segundo caso, impor ou não uma sanção disciplinar.
A contestação que o Estatuto do Militar da Guarda prevê projecta-se como um meio de defesa contra uma decisão intercalar procedimental, de natureza instrutória, que considerou não se verificarem as condições gerais de promoção. Procedimentalmente trata-se de acto diferente da audiência prevista no artigo 100.º do CPA, mas que a pode substituir, por ser um plus relativamente a ela, consubstanciando, além do mais, um verdadeiro exercício do contraditório.
3. Tendo-se concluído que a contestação em apreço se compreende no âmbito da instrução do processo[41], e que, por outro lado, a decisão de não satisfação das condições gerais de promoção não põe termo ao procedimento, a passagem ao momento posterior do procedimento supõe a prévia resolução das questões (todas elas) suscitadas.
Na verdade, estando em causa um procedimento promocional, que visa seleccionar os militares com melhores qualidades para os cargos para que irão ser promovidos, onde a comparação relacional entre as qualidades e merecimentos de uns e outros hão-de ser ponderadas e valoradas, a unidade do procedimento promocional deve manter-se, sem cindibilidade, até à resolução das questões incidentais que se vão suscitando, no quadro da verificação das condições gerais.
Enquanto não forem resolvidas as questões incidentais surgidas com a decisão de não verificação das condições gerais de promoção, o procedimento não prosseguirá para o momento posterior da verificação das condições especiais de promoção.
Com efeito, estabelecendo o Estatuto dois momentos ou duas sub-fases distintas na fase de instrução, só após resolução das questões que a uma cabem se poderá progredir para a seguinte, em nome da essência própria do processo como encadeamento de actos dirigidos à prossecução de um fim.
Os actos que compõem o processo «não são praticados caótica e desligadamente: formam uma ordem, uma sequência [...] que se dirige para um fim. E valem apenas em regra como actos dessa sequência [...]»[42], que, no caso, se acha fixada no Estatuto, sendo a verificação das condições especiais antecedida cronologicamente da verificação das condições gerais.
4. Resta, por fim, analisar qual o efeito de que goza o recurso hierárquico interposto de decisão que considerou não se verificarem as condições gerais de promoção (n.º 2 do artigo 120.º).
Da decisão do comandante-geral que rejeita a contestação sobre a não satisfação das condições gerais de promoção, o Estatuto prevê em termos gerais que dela se reclame (artigo 186.º) e, não sendo esta acolhida, se possa recorrer hierarquicamente[43].
Este recurso configura-se como um recurso hierárquico necessário, devendo ser sempre interposto previamente à via contenciosa e sendo desta pressuposto[44].
Não se prevê no Estatuto o efeito a atribuir ao recurso hierárquico necessário, sendo a situação resolvida por aplicação das pertinentes disposições do Código do Procedimento Administrativo, que, no artigo 170.º, n.º 1, preceitua a suspensividade dos efeitos da decisão de que se recorre, salvo se o autor do acto considerar que a sua execução imediata causa grave risco ao interesse público.
Do exposto decorre a suspensão dos efeitos da decisão do comandante-geral de não satisfação das condições gerais de promoção até à sua apreciação e decisão pela entidade a quem cabe conhecer o recurso hierárquico necessário dela interposto[45].

VII
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1.ª - No procedimento promocional de militares da Guarda Nacional Republicana a postos superiores da hierarquia compete ao comandante-geral da Guarda a verificação das condições gerais de promoção, que todos os candidatos devem possuir (artigo 119.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho);
2.ª – A decisão do comandante-geral que, nos termos do citado artigo, se pronuncia pela não verificação das condições gerais de promoção, deve ser fundamentada de facto e de direito e não assume natureza definitiva, podendo ser contestada pelo militar que se encontre nessas condições, nos termos e prazos mencionados no n.º 1 do subsequente preceito legal;
3.ª – A contestação, enquanto meio de impugnação da decisão de não verificação das condições gerais de promoção, enquadra-se na fase de instrução do processo, dela decorrendo a suspensão dos efeitos da decisão impugnada, e a sustação da passagem à fase da apreciação das condições especiais de promoção, até à decisão daquela;
4.ª – A decisão do comandante-geral, fundamentada de facto e de direito, que recaia sobre a contestação apresentada (artigo 120.º, n.º 2, do Estatuto), projecta-se como um acto final, não imediatamente eficaz para abertura da via contenciosa, devendo ser objecto de impugnação graciosa, através de reclamação e recurso hierárquico necessário;
5.ª – A interposição de recurso hierárquico necessário da decisão que se pronunciou pela não verificação das condições gerais de promoção tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 170.º, n.º 1, do CPA.

VOTO


(Alberto Esteves Remédio) – Voto o parecer com a declaração seguinte.

1. O direito de audiência dos interessados (artigo 100.º do CPA) constitui concretização legislativa de imposição constitucional: «a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (artigo 267.º, n.º 4, da Constituição).

Salvo os casos de inexistência e dispensa (artigo 103.º do CPA), a audiência prévia dos interessados é obrigatória e constitui formalidade essencial a observar em todos os procedimentos administrativos, mesmo os especiais, criados ao abrigo de regimes anteriores ao CPA (cf. Mário Esteves de Oliveira et allii, Código..., cit., p. 452); o carácter prévio da audição visa possibilitar que a mesma possa contribuir para a formação da decisão (cf., por ex., João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora editora, p. 154).

O procedimento promocional de militares da GNR não integra nenhuma das situações de inexistência ou dispensa de audiência dos interessados, previstas no artigo 103.º do CPA.

Reconhecida a obrigatoriedade da audiência, importa saber qual o momento apropriado para a sua efectivação.

O CPA situa-a no termo da instrução e antes de ser proferida decisão final (artigo 100.º, n.º 1), opção naturalmente justificada com a finalidade da norma: nesse momento, a audiência pode ainda influenciar a decisão a proferir.

O procedimento promocional previsto no Estatuto dos Militares da GNR de 1993 prevê uma primeira fase que termina com a decisão do comandante-geral da GNR sobre a não satisfação pelo militar das condições gerais de promoção.

Tal decisão «tomará em conta os pareceres das entidades» intervenientes no procedimento, e «devidamente fundamentada, será notificada ao militar» (artigo 119.º, n.º 1, do Estatuto).

O militar considerado como não satisfazendo as condições gerais de promoção pode contestar a decisão, por escrito e com os documentos convenientes, contestação que será decidida pelo comandante-geral e notificada ao interessado (artigo 120.º).

Como se reconhece no parecer, «a contestação insere-se em momento posterior a uma decisão do comandante-geral que considera não reunir o militar as condições gerais de promoção», assumindo-se «como um meio de defesa do interessado à decisão desfavorável do comandante-geral» (VI, 2). A posterioridade da contestação em relação à decisão do comandante-geral e a sua natureza de meio de defesa são, logo a seguir, reforçadas com a invocação de paralelismo com os processos penal e disciplinar, rematando-se: «trata-se de acto diferente da audiência prevista no artigo 100.º do CPA, mas que a pode substituir, por ser um plus relativamente a ela, consubstanciado, além do mais, um verdadeiro exercício do contraditório» (VI, 2, in fine).

Este entendimento, com a preocupação de transmudar a contestação em audiência de interessados não respeita a natureza da contestação nem satisfaz a teleologia da audiência de interessados; ademais, descaracteriza e desvaloriza a decisão do comandante-geral da GNR referida no n.º 2 do artigo 119.º do Estatuto.


2. O procedimento constante dos artigos referidos do Estatuto da GNR de 1993 constava já do estatuto anterior, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro, este anterior ao CPA.

O Estatuto actual, apesar de posterior ao CPA, não curou de adaptar às exigências deste a tramitação do procedimento promocional de militares da GNR, reproduzindo, como que por inércia, a tramitação anterior.

Todavia, a contestação prevista no artigo 120.º não é nem substitui a audiência dos interessados prevista no artigo 100.º do CPA quer pelo momento em que se realiza – depois da própria decisão – quer pelo propósito que a determina, que é o de permitir reagir contra uma convicção já formada e expressa nessa decisão [neste sentido, para uma situação com alguma similitude com a aqui analisada, v. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Fevereiro de 1996 (Recurso n.º 39 100), Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXV, n.º 419, Novembro de 1996, p. 1250 e segs.].

Perante isto, deveria, em meu entender, reconhecer-se a omissão e introduzir-se a necessidade da audiência de interessado no procedimento promocional dos militares da GNR, mas no lugar próprio e de modo a potenciar as suas virtualidades, forçosamente antes da decisão do comandante-geral prevista no n.º 2 do artigo 119.º

A contestação prevista no artigo 120.º não é, pois, um sucedâneo nem substitui a audiência de interessados, antes deve manter a sua feição originária de meio (suplementar) de defesa, constituindo uma «forma específica» (expressão do acórdão do STA acima mencionado) de garantia dos direitos do militar em causa, uma garantia adicional do procedimento promocional, com a virtualidade de, ela própria, poder ainda influenciar a decisão do comandante-geral sobre a não satisfação das condições gerais de promoção.

Esta interpretação impõe-se, a meu ver, igualmente por ser a mais conforme com a Constituição e a que (melhor) concretiza a força normativa do direito de participação dos cidadãos, aqui os militares da GNR; nas decisões que lhes dizem directamente respeito.

Entendo, em face do exposto, que, no procedimento promocional dos militares da GNR e antes da decisão do comandante-geral a que se refere o artigo 119.º do Estatuto, deve ser dado cumprimento ao disposto no artigo 100.º do CPA.




[1] Ofício n.º 952, de 21 de Março de 2002, proc. 1304/01 – SEAI-Reg. 1032. Endereça-se o Parecer a Vossa Excelência atentas as competências que vos estão delegadas pelo Despacho n.º 12051/2002 (2.ª Série), publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Maio de 2002, pág. 9963.
[2] Memorandos n.º 08/2001/CG e n.º 08/2002/CG, datados de 13 de Novembro de 2001 e 26 de Março de 2002, e ofício n.º 5906 da GNR, de 29 de Janeiro de 2002.
[3] Informação n.º 5-G/02, P.º G/1596, de 7 de Janeiro de 2002, e parecer n.º 166-G/02, proc.º G/137, de 12 de Março.
[4] Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 138/93, de 31 de Julho, e alterada pelo Decreto-Lei n.º 298/94, de 2 de Novembro e pela Lei n.º 15/2002, de 29 de Janeiro.
[5] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 92/92, de 23 de Maio.
[6] Sucessivamente alterado e complementado pelos Decretos-Leis n.os 298/94, de 24 de Novembro, 297/98, de 24 de Novembro, 188/99, de 2 de Junho, e 15/2002, de 29 de Janeiro, sem implicações no objecto da consulta.
[7] Ao Conselho Superior da Guarda se refere o artigo 39.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana – Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho –, que o consagra como um órgão de carácter consultivo do comandante-geral e se lhe definem a composição e as competências. O Despacho Normativo n.º 3/2000, de 11 de Janeiro, aprovou o respectivo Regimento.
[8] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro. Estipulava-se então que no “[n]o prazo de 15 dias a contar da notificação referida na disposição anterior, o militar poderá apresentar, por escrito, ao comandante-geral a sua contestação acompanhada dos documentos que entenda convenientes. Nos casos em que, por virtude dos elementos presentes, o comandante-geral venha a alterar a sua decisão, será o militar notificado no prazo de 30 dias.” A comparação entre a redacção actual e a anterior, das quais se depreendem mudanças formais, não evidencia alteração substancial do seu alcance.
[9] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª edição, Almedina, 1998, anotação IV ao artigo 1.º, pág. 47.
[10] Ibidem.
[11] A Justiça Administrativa (Lições), 3.ª edição, Almedina, 2002, pág. 128.
[12] Manual de Direito Administrativo, volume II, 10.ª edição – 5.ª Reimpressão, Almedina, 1994, pág. 1264.
[13] Direito Administrativo, vol. IV, Lições aos alunos do curso de direito, em 1987/88, Lisboa, 1988, pág. 7 e segs.
[14] Na espécie recurso hierárquico surpreendem-se ainda as subespécies recurso hierárquico necessário, facultativo e tutelar, dispensando a economia do parecer maiores desenvolvimentos.
[15] Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, com alterações posteriores, entretanto revogado pela Lei n.º 15/2002, de 19 de Fevereiro, como se dá conta infra nota 24.
[16] No mesmo sentido, veja-se Paulo Otero, «Impugnações administrativas», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28 (Julho-Agosto 2001), págs. 50 e 51.
[17] Sobre a natureza da reclamação prevista no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, vd., infra, nota 45.
[18] Ob. cit., págs. 32 e 38.
[19] A redacção integral deste preceito é a seguinte:
“Artigo 170.º
Efeitos
1 - O recurso hierárquico necessário suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando a lei disponha em contrário ou quando o autor do acto considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
2 - O órgão competente para apreciar o recurso pode revogar a decisão a que se refere o número anterior, ou tomá-la quando o autor do acto o não tenha feito.
3 - O recurso hierárquico facultativo não suspende a eficácia do acto recorrido.”
[20] Vd. Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Reimpressão, colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 677, de onde se extraíram os trechos transcritos. Vd., também, André Salgado de Matos, «Recurso hierárquico necessário e regime material dos direitos, liberdades e garantias», Scientia Iuridica, Tomo L, 2001, n.º 289, pág. 78 e segs.
[21] Paulo Otero, «As garantias impugnatórias dos particulares no Código do Procedimento Administrativo», Scientia Ivridica, Tomo XLI, n.º 235/237 (Janeiro-Junho de 1992), pág. 60.
[22] Entre outros, José Carlos Vieira de Andrade, ob. cit., nota 11, págs. 238 e 239, e «Em defesa do recurso hierárquico», Cadernos... , n.º 0, pág. 20, que, a seguir se acompanha; Cândido de Oliveira, Reforma do Contencioso Administrativo – Trabalhos preparatórios – O debate universitário, Vol. I, edição do Ministério da Justiça, 2000, pág. 81, e José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo, Anotado e comentado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, anotação 5.ª ao artigo 167.º, pág. 864.
[23] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 152, de 3 de Julho de 1996, e nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, com comentário favorável de José Carlos Vieira de Andrade.
[24] Em sentido idêntico podem mencionar-se muitos outros arestos, de entre estes, os seguintes: acórdãos n.º 45243, de 2 de Dezembro de 1999, e n.º 01865/02, de 6 de Fevereiro de 2003.
[25] Com o sumário oficial seguinte: “Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (revoga o Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) e procede à quarta alteração do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelas Leis n.os 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Julho”. Foi rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 17/2002, de 6 de Abril.
[26] A redacção destes preceitos é a seguinte:
“Artigo 51.º
Princípio geral
1 - Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
2 - São igualmente impugnáveis as decisões materialmente administrativas proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que actuem ao abrigo de normas de direito administrativo.
3 - Salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
4 - Se contra um acto de indeferimento for deduzido um pedido de estrita anulação, o tribunal convida o autor a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de condenação à prática do acto devido, e, se a petição for substituída, a entidade demandada e os contra-interessados são de novo citados para contestar.

“Artigo 59.º
Início dos prazos de impugnação
(...)
4 - A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.
5 - A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do acto na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de providências cautelares.
(...).”
[27] “Implicações de Direito Substantivo da Reforma do Contencioso Administrativo”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 34, Julho-Agosto 2002, pág. 71. No mesmo sentido, do Autor, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 123.
x Neste sentido, cfr. Paulo Otero, “Impugnações administrativas”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 28, p. 52, nota 5.
x1 Em sentido contrário, cfr., no entanto, Paulo Otero, op. cit., p. 52.
[28] Paulo Otero, op. cit., pág. 52 e nota 5.
[29] Nomeadamente no Parecer n.º 142/2001, de 14 de Fevereiro de 2002, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Agosto de 2002, pág. 13746 e segs. Para uma síntese da aplicabilidade do CPA aos procedimentos administrativos especiais, vd. Pedro Machete «O Direito de ser ouvido no âmbito de procedimentos especiais», Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 2 (Março-Abril 1997), págs. 48 e segs.
(x2) Na redacção da Lei n.º 6/96, de 31 de Maio, que alterou também o n.º 5 do mesmo artigo.
(x3) Neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo n.º 64/99, de 27 de Janeiro de 2000, que aqui se segue, por momentos, textualmente.
(x4) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/JOÃO PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra, 2.ª edição, págs. 78-79. Cfr., também, o Parecer deste Conselho n.º 82/96, de 23 de Janeiro de 1997 (inédito).
(x5) Cfr. FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/JOÃO MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/PEDRO SIZA VIEIRA/VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 3.ª edição (Reimpressão), pág. 37.
(x6) Ibidem.
[30] De 27 de Janeiro de 2000, posteriormente retomado no Parecer n.º 142/2001 já mencionado. Veja-se, também, o parecer n.º 65/97, de 14 de Maio de 1998.
(x7) Cfr. JOSÉ SÉRVULO CORREIA, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, in, "Legislação", "Cadernos da Ciência da Legislação", ed. INA, n.º 9/10, Janeiro de 1994, págs. 133 e segs.
(x8) Cfr. idem, pág. 147.
(x9) Cfr. idem, págs. 148 a 150.
[31] Assim redigido:
"O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito."
(x9) A expressão "fase de saneamento" é de ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 453.
(x10) Cfr. v.g. A. GORDILLO, cit. em JOSÉ MANUEL DOS SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª edição, 1996, pág. 347.
[32] Formulação similar se encontra na jurisprudência administrativa: «Constitui "instrução" para efeitos do disposto no artº 100.°, n.° 1 do CPA, toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e elementos relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres, apresentação ou produção de provas, realização de diligências, vistorias, exames e avaliações necessárias à prolação da decisão final» – Acórdão do STA de 21 de Maio de 2003, processo n.º 0280/03.
[33] Direito Administrativo, cit., pág. 191.
[34] Ob. cit., pág. 413.
[35] Código do Procedimento Administrativo anotado, 4.ª edição, Almedina, 2004, anotação ao artigo 100.º, pág. 189.
[36] Ob. cit., anotação IX ao artigo 100.º, pág. 456.
[37] A existência de excepções à ocorrência da audiência de interessados evidencia que não se trata de uma regra absoluta, numa solução que é acompanhada pelo direito comparado.
[38] Pedro Machete, A Audiência..., pág. 450.
[39] Ibidem.
[40] Cfr. Freitas do Amaral, ob. cit., nota 30, pág. 191.
[41] Por isso se afasta uma qualquer visão que perspectivasse a contestação como equivalente a uma reclamação, com o conteúdo, sentido e alcance que se deixaram assinalados supra IV. 1. e 2. Desde logo, a intensidade própria que é exigida ao exercício da contestação mostra-se mais arrimada ao exercício de um direito de defesa do que à sua conformação com uma impugnação dirigida ao autor do acto para o rever e, eventualmente, substituir, modificar ou anular.
Por outro lado, no mesmo diploma, em momento posterior do Estatuto (artigos 186.º e segs.) é usado o termo reclamação com o seu exacto sentido.
Além disso, apelando às regras da hermenêutica jurídica, não seria sustentável considerar que o legislador tenha usado o termo contestação em vez de reclamação, quando se trata de designação que já vem do anterior Estatuto, não sendo de crer que se não tivesse sido essa a intenção do legislador, não teria sido objecto de alteração na revisão operada em 1993, tanto mais que não deve ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).
[42] Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1.º volume revisto e actualizado, edição da AAFDL, 1994 (reimpressão), pág. 39.
[43] Não se afigura necessário analisar, por não se enquadrar na formulação do pedido, se a reclamação prevista no Estatuto reveste natureza necessária ou facultativa, com as consequências que derivam da caracterização de uma ou outra das espécies. Assinale-
-se, todavia, que o Supremo Tribunal Administrativo vem considerando, desde o domínio do Estatuto de 1983, que se trata de reclamação necessária. Vd., nesse sentido, os Acórdãos de 13 de Julho de 1985, processo n.º 30307, de 2 de Dezembro de 1999, processo n.º 45243, e de 13 de Novembro de 2002, processo n.º 362/02, consultáveis na base de dados no sítio http://www.dgsi.pt/jsta.nsf?OpenDatabase.
[44] No caso de o superior hierárquico não decidir o recurso no prazo estabelecido, considera-se o recurso tacitamente indeferido, abrindo-se a via contenciosa (artigo 190.º do Estatuto). Sobre as implicações do acto tácito de indeferimento no acto administrativo impugnado e os efeitos decorrentes da abertura da via contenciosa, veja-se o Parecer deste Conselho n.º 42/92, de 19 de Fevereiro de 1993, publicado no Diário da República, II Série, n.º 224, de 23 de Setembro de 1993, pág. 9930 e segs. Neste parecer decidiu-se que, indeferido o recurso hierárquico, expressa ou tacitamente, o acto recorrido recobra a sua eficácia, cessando o efeito suspensivo que lhe era atribuído por lei.
[45] Suspensão que abrange a sustação do prosseguimento do procedimento, entretanto ocorrida por efeito da apresentação de contestação.
Anotações
Legislação: 
DL 231/93 DE 1993/06/26 ART116 ART122 ART117 ART120 ; CPA ART2 ART100 ART158 ART175 ART167 ART87 ART170 ; L 15/2002 DE 2002/01/29 ART51 ART59; DL 55/87 DE 1087/01/31 ; DL 265/93 DE 1993/07/31 ART103 ART136 ART182 ART190 ART120 ART119 ; DL 465/83 DE 1983/12/31 ART87
Jurisprudência: 
AC TRIB CONST 499/96 DE 1996/03/20 IN DR II S 152 DE 1996/07/03 ; AC TRIB CONST 235/2003 DE 2003/05/14 ; AC STA 1133/2002 DE 2002/01/29 ; AC STA DE 1996/02/13 IN AC DOUTR STA A 35 N419 NOV 1996 PAG 1250
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL * GARANT ADM / DIR MIL
Divulgação
Data: 
14-01-2005
Página: 
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