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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
32/2017, de 19.01.2018
Data do Parecer: 
19-01-2018
Número de sessões: 
3
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Relator: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha

Votou em conformidade



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou em conformidade



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Eduardo Cura Mariano Esteves

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou parcialmente vencidoe



Fernando Bento

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Fernando Bento

Votou em conformidade



Maria Manuela Flores Ferreira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Manuela Flores Ferreira

Votou em conformidade

Descritores e Conclusões
Descritores: 
FEDERAÇÃO DESPORTIVA
ÓRGÃO
CARGO DIRIGENTE
INELEGIBILIDADE
INFRAÇÃO PENAL
CORRUPÇÃO
CONDENAÇÃO PENAL
NORMA RESTRITIVA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DISPENSA DE PENA
PENA SUSPENSA
NORMA INCONSTITUCIONAL
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO ARBÍTRIO
EFEITO DAS PENAS
PROIBIÇÃO DO EXCESSO
RESERVA RELATIVA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL
REPRISTINAÇÃO
Conclusões: 
1.ª – As federações desportivas, cujo regime jurídico se encontra no Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (RJFD) são pessoas coletivas privadas, de substrato associativo e sem fins lucrativos, que, por efeito do reconhecimento da utilidade pública desportiva ou da sua renovação, exercem poderes públicos regulamentares e disciplinares.

2.ª – O exercício de poderes públicos, assim como a atribuição de direitos exclusivos sobre determinados bens, justificam que o essencial da organização interna das federações desportivas e das situações funcionais dos titulares dos seus órgãos sejam considerados de ordem pública e obedeçam a uma configuração particularmente regulamentada por parte da lei.

3.ª – Contudo, essa configuração conhece limites. Assim, a inelegibilidade para órgãos das federações desportivas por condenação na prática de certas infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares tem de conformar-se com o direito fundamental de acesso a cargos públicos (cfr. artigo 50.º da Constituição) e com o regime das restrições a direitos, liberdades e garantias (cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, da Constituição).

4.ª – O disposto no artigo 48.º do RJFD não se limita às incapacidades civis de exercício nem às situações de mora no cumprimento de obrigações patrimoniais para com as federações desportivas. É inelegível quem tiver sido condenado por ilícito penal ou disciplinar no exercício de cargo dirigente de federação desportiva ou por ter lesado o seu património. É inelegível, de igual modo, até cinco anos sobre o cumprimento da pena quem tiver sido condenado por infração criminal, contraordenacional ou disciplinar «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», cumprindo neste domínio distinguir três tipos de comportamentos ilícitos, em categorias progressivamente mais amplas:
(i) as infrações estritamente antidesportivas, concernentes à honestidade das competições desportivas, circunscrita ao ilícito por dopagem (cfr. Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto) e à corrupção antidesportiva (cfr. Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto);
(ii) as infrações cometidas em âmbito ou contexto desportivo e que compreendem, designadamente os comportamentos ilícitos em provas e espetáculos desportivos, nos meios da publicidade e patrocínios desportivos, na imprensa desportiva ou em conteúdos desportivos divulgados por outros meios de comunicação social, em atividades associativas e reguladoras das modalidades desportivas, no trabalho desportivo ou contra a segurança no desporto; e,
(iii) por fim, todas as demais infrações «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», independentemente do contexto dos factos ou das conexões do agente com a atividade desportiva.

5.ª ­ – Nem por imperativo constitucional nem por razões de ordem hermenêutica se encontra fundamento para restringir a aplicação do disposto no artigo 48.º do RJFD às duas primeiras categorias, ou seja, ao âmbito ou contexto desportivo, muito menos ao estrito âmbito antidesportivo.

6.ª – Embora seja de afastar a aplicação analógica de restrições a direitos, liberdades e garantias, sob pena de ser infringida a reserva qualificada de lei que os protege (n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição) nada obriga a interpretar restritivamente, como odiosa restringenda, toda e qualquer norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, como é o caso daquela que determina inelegibilidades temporárias para órgãos das federações desportivas. Seria de interpretar restritivamente apenas se fosse demonstrado que o elemento literal fora além do fim ínsito na norma.

7.ª ­– Da comparação entre o artigo 48.º do RJFD com a norma que, no anterior regime jurídico, estabelecia as inelegibilidades para os órgãos das federações desportivas (o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril) resulta ter sido subtraída a locução «associadas ao desporto» e que circunscrevia as infrações relevantes por cuja condenação se determinava a inelegibilidade nos cinco anos posteriores ao cumprimento da pena.

8.ª – A diferença na sucessão dos dois regimes traduz uma inequívoca intenção do legislador no sentido de alargar o campo das infrações por cuja condenação se incorre na perda temporária do direito de aceder ao desempenho do mandato representativo nos órgãos das federações desportivas. Deixou de exigir-se um nexo de associação direta entre a infração e o desporto.

9.ª – Valem para as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias as regras e princípios da interpretação jurídica, nomeadamente o princípio segundo o qual ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. O legislador deixou claro quais as infrações que permaneceram indissoluvelmente associadas ao desporto: os crimes praticados no exercício de cargos em federações desportivas ou contra o património destas.

10.ª – No artigo 48.º do RJFD, o legislador empregou conceitos com diferentes graus de precisão, a fim de enunciar inelegibilidades para os órgãos das federações desportivas decorrentes da condenação pela prática de infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena».

11.ª – Só as infrações em matéria de dopagem são, em sentido próprio, sempre antidesportivas.

12.ª – O conceito de infrações em matéria de corrupção não autoriza distinções. A venalidade do comportamento corrupto não apresenta diferenças significativas entre os crimes de corrupção desportiva e os demais crimes de corrupção, não obstante a diversidade dos bens jurídicos a proteger e independentemente de motivações de filiação desportiva e de circunstâncias desportivas que envolvam a sua prática. A afinidade entre umas e outras infrações, por sua vez, demonstra a continuidade entre os tipos de ilícito, senão mesmo uma relação de especialidade, e reforça a pertinência da interpretação declarativa do disposto no artigo 48.º do RJFD.

13.ª – Todas as infrações cuja prática seja tipicamente descrita como comportamento corrupto, racista ou xenófobo, tenham ou não sido praticadas em contexto ou âmbito desportivo, relevam como motivo de inelegibilidade para órgão de federação desportiva, desde que a condenação transite em julgado ou, por outra forma, se consolide na ordem jurídica.

14.ª ­ – A maior indeterminação sobre o que sejam infrações em matéria de violência já obriga a distinções, até porque nem sempre é esta a expressão usada para identificar normativamente o uso ilegítimo da força, quer no ilícito penal, quer nos ilícitos contraordenacional e disciplinar.

15.ª – Devem considerar-se todas as infrações – associadas ao desporto, ou não – que contenham a violência, o uso da força ou a sua ameaça como elemento do seu tipo ou como circunstância que haja concretamente agravado a condenação.

16.ª ­– Uma vez que é pressuposto da inelegibilidade a condenação em pena a ser cumprida pelo arguido, não vale como impedimento a dispensa da pena. Pelo contrário, a pena suspensa é verdadeiramente uma pena, a cumprir em substituição de outra, e que pode vir a ser revogada.

17.ª – A inelegibilidade por cinco anos, contados do termo final do cumprimento da pena, e que só pode ser encurtada ou ampliada pela aplicação de sanção diversa (v.g. pena de substituição ou pena acessória por tempo inferior ou superior a cinco anos) viola o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, pois ali se proíbe a privação de direitos civis ou políticos como efeito necessário da punição pela prática de infrações cuja qualificação seja demasiado vaga, a ponto de se tornar imperiosa uma apreciação administrativa acerca das condições de elegibilidade de certa pessoa para órgãos das federações desportivas.

18.ª – O legislador pode considerar indigno para exercer determinados poderes públicos, mesmo em órgãos de pessoas coletivas privadas, quem tiver sido recentemente condenado pela prática de certas infrações e, como tal, renunciado ao bom nome e reputação que detinha sem mácula. Reputação que, por um certo tempo, é inidónea para garantir a imparcialidade administrativa na hora de exercer os poderes públicos de autoridade, próprios do órgão em cuja titularidade seria investido.

19.ª – A norma do artigo 48.º do RJFD é materialmente inconstitucional por infringir também o princípio da proibição do arbítrio (cfr. artigo 13.º da Constituição) e o da proporcionalidade ou proibição do excesso (cfr. n.º 2 do artigo 18.º da Constituição) enquanto pressuposto e limite das restrições ao direito de acesso a cargos públicos (cfr. n.º 3 do artigo 50.º da constituição) pois é rigidamente fixado um termo de cinco anos contados do cumprimento de toda e qualquer pena, sem atender à sua duração, à gravidade e censurabilidade do comportamento praticado nem sequer à natureza penal, contraordenacional ou disciplinar do ilícito.

20.ª – Por outro lado, a norma é orgânica e formalmente inconstitucional, pois a aprovação por decreto-lei de desenvolvimento não eximia o Governo à observância da reserva de competência legislativa parlamentar, a respeito de direitos, liberdades e garantias (cfr. alínea b], do n.º 1 do artigo 165.º). Reserva que, por ser relativa, consentia-lhe propor à Assembleia da República que o autorizasse, pelo modo próprio, a instituir inelegibilidades específicas no Regime Jurídico das Federações Desportivas.

21.ª – Todavia, sem que a norma seja declarada inconstitucional com força obrigatória geral (cfr. artigo 282.º da Constituição) os órgãos da Administração Pública e todos os demais aplicadores não jurisdicionais do direito encontram-se vinculados ao seu cumprimento.

22.ª – Como tal, é de aplicar o disposto nos artigos 48.º e 51.º do RJFD à condenação penal praticada por funcionário contra o exercício imparcial dos poderes que lhe estavam confiados e contra a confiança que a comunidade política nele depositou.

23.ª ­– A perda das condições de elegibilidade constitui incompatibilidade que determina a perda do mandato (cfr. n.º 1 do artigo 51.º do RJFD). A não ser prontamente deliberada pela Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, pode justificar a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva (cfr. alínea a] do n.º 1 do artigo 21, º do RJFD).

24.ª – Se vier a ser declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma do artigo 48.º do RJFD, operam os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, o que significa repristinar o disposto no artigo 43.º do DecretoLei n.º 144/93, de 26 de abril, circunscrevendo as infrações determinantes de inelegibilidade àquelas que se mostrem «associadas ao desporto».

25.ª – De todo o modo, constituem casos de corrupção «associada ao desporto» quer o percebimento indevido de fundos prodigalizados pelo agente ao erário de certa associação desportiva, quer a angariação de verbas para apoiar a sua candidatura a um cargo dirigente na mesma coletividade.

26.ª – Em ambos os casos, o comportamento ilícito consistiu no exercício venal de funções públicas, mas em estreita associação com a atividade desportiva.

27.ª – F. deve, portanto, considerar-se inelegível para a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, quer em face do artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, como também na hipótese de ser aplicado o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, por repristinação. Inelegível até terem decorrido cinco anos desde o termo do cumprimento da pena a que foi condenado pelo crime de corrupção passiva, enquanto dirigente municipal.

28.ª – No entanto, também a norma a repristinar se revela inconstitucional e por infração das mesmas normas e princípios da Constituição, posto que associa de forma automática a perda temporária de direitos civis e políticos à precedente aplicação de punições (cfr. n.º 4 do artigo 30.º), restringe imoderadamente o acesso a mandatos para exercer poderes públicos (cfr. n.º 3 do artigo 50.º e n.º 2 do artigo 18.º) e preteriu a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Juventude e Desporto,
Excelência,


Houve por bem Vossa Excelência[1] pedir parecer a este corpo consultivo, nos termos da alínea a) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público[2], a respeito da interpretação e aplicação do disposto no artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248B/2008, de 31 de dezembro, na sua atual redação[3].
Trata-se, em primeiro lugar, de saber se F., delegado à Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, deve considerar-se inelegível para o mandato 2016/2020, uma vez proferida e transitada em julgado decisão que o condenou por corrupção passiva, crime previsto e punido nos termos do artigo 373.º do Código Penal[4], sem terem ainda decorrido cinco anos desde o cumprimento da pena.
Pondera Vossa Excelência que a infração cometida, porque alheia ao âmbito das condutas designadas antidesportivas, possa excluir-se dos motivos de inelegibilidade para órgãos das federações desportivas, tal como são enunciados no citado artigo 48.º do RJFD.
Faz-se notar que o crime foi praticado por F., não enquanto agente desportivo, mas como dirigente municipal, no exercício e por conta desse cargo público, mas não desportivo.
Por outro lado, deu-se como provado que F. não arrecadou provento algum para o seu património pessoal ou familiar: «as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem direta recebida pelo arguido não se dissocia da ‘vida’ do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direção do clube» (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de abril de 2013).
Por conseguinte, o comportamento de F. deixou ilesos os bens jurídicos desportivos.
Sem ter praticado um crime específico de corrupção desportiva, F. continuaria a reunir condições para ser eleito e para exercer o mandato na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol.
No mais, suscita-se a dúvida sobre a extensão dos motivos de inelegibilidade para órgãos das federações desportivas e decorrentes da condenação pela prática de «infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia».
Importa saber, afinal, se «em matéria» destas categorias deve o intérprete cingir-se às chamadas condutas antidesportivas ou se, pelo contrário, há de atender a todas as infrações penais, contraordenacionais e disciplinares, em cujos elementos típicos se encontre previsto um comportamento violento, racista, xenófobo, corrupto ou um ato de dopagem.
Mais concretamente, é-nos perguntado o seguinte:
«1. Reúne F… os requisitos previstos na lei para o exercício de funções enquanto delegado da Assembleia Geral da FPF ?

2. O segmento ‘nem hajam sido punidos por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena’ do artigo 48.º do RJFD, deve ser interpretado apenas no âmbito de condutas antidesportivas ou, ao invés, inclui também a punição por infrações praticadas em sede diversa?».

Cumpre-nos prolatar parecer.

I – Do elemento literal do artigo 48.º do RJFD.
As duas questões apresentadas pelo órgão consulente dizem respeito à admissibilidade de uma interpretação restritiva (senão mesmo, redução teleológica) da norma contida no artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, com o efeito de circunscrever a inelegibilidade para os órgãos das federações desportivas à condenação por infração penal, contraordenacional ou disciplinar que, «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», seja de qualificar como infração antidesportiva.
A condenação por outros factos ilícitos, ainda que provada a violência, dopagem, corrupção ou a prática de comportamentos punidos por racismo ou xenofobia, em nada afetariam as condições de elegibilidade do infrator.
Antes de mais, importa situar e conhecer o enunciado normativo.
O Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) foi aprovado pelo Governo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, ou seja, como desenvolvimento legislativo de uma lei de bases; no caso, a Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro[5], que aprovou as Bases das Políticas de Desenvolvimento da Atividade Física e do Desporto.
No n.º 1 do artigo 3.º da Lei de Bases enunciam-se os princípios a observar em toda a atividade desportiva: por um lado, princípios morais ou éticos, objeto de receção material, e que, de certo modo, configuram uma cláusula geral de bons costumes na prática desportiva; por outro, os princípios «da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes» que, do mesmo passo, revelam bens jurídicos a promover e a proteger.
Do n.º 2 resulta para o Estado a incumbência de «adotar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas», identificando-as: «a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação» (cfr. n.º 2 do artigo 3.º).
Mas, se a Lei de Bases manda prevenir e punir as manifestações antidesportivas, num conjunto de normas sob a epígrafe ‘princípios da ética desportiva’, com isso não pretende excluir a prevenção nem a punição de outras condutas tidas por ilícitas no âmbito desportivo, nomeadamente os comportamentos que se afigurem suscetíveis de comprometer «a transparência e regularidade» da gestão das federações desportivas, valores expressamente firmados no n.º 3 do artigo 19.º.
Ao observarmos o que se dispõe no artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas (RJFD) vemos ter sido usada uma delimitação algo indeterminada para identificar as infrações cuja prática pode vir a justificar a perda temporária de direitos eleitorais:
«Artigo 48.º
(Requisitos de elegibilidade)
São elegíveis para os órgãos das federações desportivas os maiores não afetados por qualquer incapacidade de exercício, que não sejam devedores da federação desportiva, nem hajam sido punidos por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena, que não tenham sido punidos por crimes praticados no exercício de cargos dirigentes em federações desportivas ou por crimes contra o património destas, até cinco anos após o cumprimento da pena, salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial».

No artigo 51.º do RJFD, cuida-se das incompatibilidades no desempenho do mandato, e bem assim do efeito das inelegibilidades supervenientes à eleição e sem nada se acrescentar de significativo como critério decisivo de delimitação das infrações em causa:
«Artigo 51.º
(Perda de mandato)
1 – Sem prejuízo de outros factos previstos nos estatutos, perdem o mandato os titulares de órgãos federativos que, após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se apure uma das incompatibilidades previstas na lei ou nos estatutos.
2 – Perdem, ainda, o mandato os titulares dos órgãos federativos que, no exercício das suas funções ou por causa delas, intervenham em contrato no qual tenham interesse, por si, como gestor de negócios ou representante de outra pessoa, e, bem assim, quando nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim na linha reta ou até ao 2.º grau da linha colateral ou qualquer pessoa com quem viva em economia comum.
3 – Os contratos em que tiverem intervindo titulares de órgãos federativos que impliquem a perda do seu mandato são nulos nos termos gerais».

Confirma-se que o enunciado do artigo 48.º remete mais ou menos genericamente para certas categorias de infrações cometidas, ou melhor, para a aplicação de sanções de ordem pública consequentes à prática de certas infrações delimitadas de modo mais ou menos genérico.
Algumas, embora previstas e punidas como condutas antidesportivas (v.g. dopagem, corrupção desportiva) ou no contexto desportivo (v.g. violência ou insultos racistas em recintos desportivos) também conhecem tipos e molduras penais gerais ou comuns (v.g. corrupção, incitamento ao racismo) ou seja, podem mostrar-se inteiramente alheias à atividade desportiva.
O elemento literal do artigo 48.º do RJFD não autoriza o intérprete a circunscrever o alcance da inelegibilidade às infrações estritamente antidesportivas nem sequer às infrações cometidas no âmbito desportivo ou em contexto desportivo.
Essa operação hermenêutica representaria uma interpretação restritiva ou mesmo a redução teleológica da norma.
A verdade é que, no mesmo preceito, encontram-se outros motivos de inelegibilidade, previstos em termos bem mais especificados. E, esses sim, com ligação mais ou menos direta ao âmbito desportivo: crimes praticados no exercício de cargo dirigente de federação desportiva ou contra o património de uma federação desportiva.
Se a lei tivesse em vista cingir ao desporto os comportamentos violentos ou corruptos praticados na vida desportiva, como motivo de inelegibilidade para as federações desportivas, o mais razoável era ter usado um critério minimamente delimitativo, como usou com os crimes praticados no desempenho de cargos dirigentes federativos ou contra o património das federações.
Verifica-se que a lei tem em vista a condenação por certos crimes contraordenações ou infrações disciplinares, valendo-se discursivamente de maior ou menor imprecisão nas categorias que escolheu para os identificar: o conceito de dopagem é bastante mais preciso que o de violência; o de corrupção menos vago do que o de xenofobia.
Observa-se, ainda, que o uso da expressão «em matéria de (…)» nada contribui para uma delimitação clara das infrações visadas. Antes pelo contrário.
Esta relativa imprecisão contrasta com o emprego de definições mais precisas, em outras normas, para delimitar certa categoria de crimes ou referirse a determinado segmento da criminalidade.
Entre tantos outros, é o caso das Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-financeira, aprovadas pela Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro[6], cujo âmbito de aplicação abrange, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 1.º, a «corrupção ativa e passiva, incluindo a praticada nos setores público e privado e no comércio internacional, bem como na atividade desportiva».
Antes de prosseguirmos na operação hermenêutica, cumpre deixar assinalado que a norma do artigo 48.º do RJFD suscita as maiores dúvidas acerca da sua conformidade com algumas normas constitucionais.
Em primeiro lugar, e do ponto de vista orgânico-formal, não se descortina autorização parlamentar para dispor em matéria de direitos, liberdades e garantias, em contramão com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição).
Depois, e a confirmar-se o efeito restritivo à liberdade de acesso a cargos públicos (cfr. artigo 50.º da Constituição), importa saber se a norma deixa incólume a proibição do excesso nas restrições (cfr. n.º 2 do artigo 18.º da Constituição) ao determinar perentoriamente um prazo de cinco anos de inelegibilidade, sem atender à pena cumprida e à gravidade do ilícito nem sequer à natureza criminal, contraordenacional ou meramente disciplinar da infração praticada.
E, bem assim, confrontar o enunciado do artigo 48.º do RJFD, no segmento em questão, com a proibição de perda automática de direitos civis ou políticos por efeito de uma pena criminal, da aplicação de uma coima ou de uma punição disciplinar[7] (cfr. n.º 4 do artigo 30.º da Constituição).
Às questões de inconstitucionalidade voltaremos oportunamente, depois de prestada resposta às duas perguntas enunciadas, de modo expresso, no pedido de consulta.
De imediato, e consideradas as observações preliminares, em especial, os diferentes graus de imprecisão usados no artigo 48.º do RJFD para apontar as infrações por cuja condenação alguém se torna inelegível, iremos sistematizar essas mesmas infrações.

II – Sistematização das infrações a que se refere o artigo 48.º do RJFD.
Da norma ressaltam dois conjuntos de infrações a determinar a inelegibilidade para órgãos das federações desportivas, a saber:

a) Infrações penais (e apenas penais) praticadas no exercício de cargos dirigentes em federações desportivas ou que, embora alheias ao exercício de cargo dirigente, tenham sido perpetradas contra o património de uma federação desportiva; e

b) Infrações penais, contraordenacionais e disciplinares «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia» praticadas seja por quem for.

O primeiro conjunto estende-se além do estrito âmbito das infrações antidesportivas, ou seja, praticadas ou deixadas praticar contra a verdade, lealdade e correção das provas desportivas.
Os crimes cometidos por dirigente desportivo no exercício do cargo podem ser antidesportivos, como podem atingir ou pôr em perigo muitos outros bens jurídicos. Por sua vez, os crimes praticados contra o património de federações desportivas nem sequer se descortina como possam compreender comportamentos tipicamente antidesportivos, no sentido que vimos de assinalar.
No segundo conjunto, devem ser identificados, pelo menos, três círculos de infrações, todas «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», que, em face do enunciado do artigo 48.º do RJFD, sugerem, sem exceção, a inelegibilidade para órgãos das federações desportivas:
i) As infrações que atinjam a verdade desportiva e que, comummente são designadas como infrações antidesportivas (v.g. dopagem);

ii) As infrações que, sem porem em perigo nem lesarem diretamente a verdade desportiva, são cometidas no que podemos identificar como âmbito desportivo, a partir de uma conexão relevante com a atividade desportiva, designadamente as infrações cometidas por agentes desportivos, nessa qualidade, as infrações praticadas em circunstâncias tipicamente desportivas, (v.g. durante ou por causa de competições desportivas, em benefício ou contra clubes, sociedades e associações desportivas), as infrações cujo contexto possui conexões desportivas notórias (v.g. Imprensa desportiva, trabalho desportivo, tributação de rendimentos obtidos em atividades desportivas); e

iii) As demais infrações criminais, contraordenacionais ou disciplinares praticadas «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», ainda que fora do âmbito desportivo, i.e. sem uma conexão relevante com a atividade desportiva.

As infrações em matéria de dopagem (Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto[8]) são porventura as mais tipicamente antidesportivas.
Como crimes, definem-se os seguintes:
· Tráfico de substâncias e métodos proibidos (cfr. artigo 44.º),
· Administração de substâncias e métodos proibidos (cfr. artigo 45.º) e
· Associação criminosa (cfr. artigo 46.º).

Ainda que praticados na forma negligente (cfr. n.º 4 do artigo 49.º) são punidos como contraordenacionais os comportamentos descritos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º e que podemos recensear do modo seguinte:
· Adulteração do controlo lícito de dopagem, nomeadamente ao perturbar ou tentar perturbar quem legitimamente o executa (cfr. alínea a] do n.º 1);
· Entrega de informação fraudulenta a organização antidopagem (cfr. alínea a] do n.º 1);
· Intimidação ou tentativa de intimidação de uma potencial testemunha (cfr. alínea a] do n.º 1);
· Posse em competição de substância ou método proibido (cfr. alínea b] do n.º 1);
· Posse, fora de competição, de substância ou método proibido nos períodos considerados fora da competição, por parte de praticante desportivo ou de um membro do pessoal de apoio com ligação[9]:
– ao praticante desportivo,
– à competição, ou
– ao local de treino (cfr. alínea b] do n.º 1);

· Assistência, encorajamento, auxílio, instigação, conspiração, encobrimento ou outra forma de colaboração intencional para violar norma antidopagem ou frustrar a proibição de um terceiro participar em competição desportiva durante um período de suspensão (cfr. alínea c] do n.º 1);
· Tentativa de violação de norma antidopagem (cfr. alínea c] do n.º 1);
· Associação a membro do pessoal de apoio que:
– estando sujeito à autoridade de organização antidopagem, se encontre suspenso;
– apesar de não sujeito a uma tal autoridade, tenha sido sancionado por infração criminal ou disciplinar há menos de seis anos[10] por violação de norma que deva qualificar-se como antidopagem; ou
– atue como representante, comissário ou preposto de quem se encontrar em alguma das duas situações imediatamente antecedentes (cfr. alínea c] do n.º 1);
· Participação em competições oficiais de equipas, clubes ou sociedades anónimas desportivas através de praticante desportivo punido disciplinarmente por violação de norma antidopagem[11] (cfr. n.º 2).

No mesmo plano – do ilícito antidesportivo – encontram-se as infrações previstas e punidas segundo o Regime da Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto[12]).
Normas que descrevem comportamentos praticados por agentes desportivos e julgados «suscetíveis de alterarem fraudulentamente os resultados da competição» (cfr. artigo 1.º).
Definidos como crimes de adulteração da verdade desportiva, encontram-se os seguintes:
· Corrupção ativa e passiva (cfr. artigos 8.º e 9.º);
· Tráfico de influência (cfr. artigo 10.º);
· Oferta ou recebimento indevido de vantagem (cfr. artigo 10.º-A), associação criminosa (cfr. artigo 11.º) e aposta antidesportiva (cfr. artigo 11.º).
Conquanto não definidas como antidesportivas, mas claramente no âmbito ou em contexto desportivo, são algumas das infrações que encontramos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho[13], nomeadamente infrações criminais praticadas em espetáculos desportivos com o uso de violência ou sua ameaça, por vezes, com manifestação ativa de preconceitos raciais ou outras atitudes aviltantes e discriminatórias.
Referimo-nos, em especial:
· À participação em rixa na deslocação para ou de espetáculo desportivo (cfr. artigo 30.º), e
· Aos crimes de perigo contra a vida, a saúde, a integridade física ou a segurança de agentes desportivos, de membros de órgãos da comunicação social e agentes de segurança (cfr. artigo 34.º).
Acresce a previsão, no mesmo diploma, a título de contraordenações, de comportamentos suscetíveis de serem subsumidos às inelegibilidades do artigo 48.º do RJFD.
Primeiro, «a prática de atos ou o incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis» (cfr. alínea d), do n.º 1 do artigo 39.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho).
Depois, entre as contraordenações especificamente previstas como condutas ilícitas de promotores, organizadores e proprietários de recintos desportivos, «o incitamento ou a defesa públicas da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância ou do ódio, nomeadamente através da realização de críticas ou observações violentas, que utilizem terminologia desrespeitosa, que façam uso da injúria, difamação ou ameaça, ou que afetem a realização pacífica e ordeira dos espetáculos desportivos e a relação entre quaisquer entidades, grupos ou indivíduos envolvidos na sua concretização, ou a adoção de comportamentos desta natureza, em violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 8.º» (cfr. alínea i), do n.º 1 do artigo 39.º-A).
Deve registar-se, pois, que a lei prevê como ilícito de mera ordenação social[14] algumas infrações em matéria de violência e racismo praticadas no interior, em redor ou nos itinerários de recintos e espetáculos desportivos.
O enunciado de infrações em matéria de violência, racismo ou xenofobia adotou esta formulação genérica talvez por nem todas serem de natureza criminal.
Por último, e a fim de melhor se alcançar a extensão do que vimos de designar como demais infrações «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», haverá oportunidade de identificarmos múltiplos factos ilícitos previstos e punidos, tanto no Código Penal, como também em legislação avulsa e de cujos tipos consta, como elemento essencial ou como circunstância (por certo, agravante) um comportamento corrupto, violento, racista e/ou xenófobo[15].
Fiquemo-nos, para já, com a qualificação do homicídio movido por ódio racial (cfr. alínea f], do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal) e com os crimes de discriminação e incitação ao ódio e à violência (cfr. artigo 240.º do Código Penal).
Devemos interrogar-nos sobre se há razões significativas para admitir que a lei, ao prever no artigo 48.º do RJFD inelegibilidades para o acesso a órgãos das federações desportivas, tenha em vista que a sua aplicação pressuponha um ilícito desportivo ou se é apenas a singular inclemência do legislador a impressionar-nos?
Não se perca de vista que uma interpretação restritiva não pode deixar de confirmar que a letra da disposição haja ido além do espírito ou da ratio legis.
Não se encontraram elementos preparatórios do diploma que permitam reconstituir historicamente o pensamento do legislador, mas do confronto entre a redação do artigo 48.º do RJFD e a do artigo 43.º do DecretoLei n.º 144/93, de 26 de abril[16], ressalta uma diferença que evidencia uma inequívoca intenção de ir mais longe na inelegibilidade.
Transcrevemos o preceito do anterior regime jurídico, assinalando graficamente as diferenças de redação, em especial, aquela que se mostra determinante:
«Artigo 43.º
(Requisitos de elegibilidade)
São elegíveis para os órgãos de federação desportiva dotado de utilidade pública desportiva os maiores não afetados por qualquer incapacidade de exercício, que não sejam devedores da federação desportiva, nem hajam sido punidos por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, corrupção ou dopagem associadas ao desporto até cinco anos após o cumprimento da pena, que não tenham sido punidos por crimes praticados no exercício de cargos dirigentes em federações desportivas bem como por crimes contra o património destas, até cinco anos após o cumprimento da pena, salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial».

Para o Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, era pressuposto necessário da inelegibilidade para órgãos das federações desportivas que a infração ou as infrações determinantes da condenação estivessem associadas ao desporto.
Com o novo e atual regime subtraiu-se claramente o enunciado, nesse segmento, do mesmo passo que se ampliou o campo das infrações ao racismo e xenofobia.
A diferença de redação parece-nos ser um argumento decisivo para revelar a intenção expansiva do círculo das inelegibilidades.
Em todo o caso, é preciso confirmar este efeito ampliativo das inelegibilidades e determinar se permanece, ou não, alguma fronteira ao conjunto das infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares por cuja condenação alguém se torna inelegível até cinco anos após ter cumprido a pena.
Para responder a estas interrogações, importa enquadrar o regime das federações desportivas, a sua natureza jurídica e procurar captar a razão de ser das inelegibilidades previstas no artigo 48.º do RJFD.


III – Federações desportivas e exercício de poderes públicos.
A Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases), em termos que o RJFD se limita a reproduzir[17], dispõe sobre o que deve entender-se por federação desportiva:
«Artigo 14.º
(Conceito de federação desportiva)
As federações desportivas são, para efeitos da presente lei, pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade, preencham, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Se proponham, nos termos dos respetivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objetivos gerais:

i) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou de um conjunto de modalidades afins ou associadas;
ii) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados;
iii) Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou associadas, junto das organizações desportivas internacionais, bem como assegurar a participação competitiva das seleções nacionais;

b) Obtenham o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública desportiva».

Temos, por conseguinte, que as federações desportivas, não obstante resultarem da iniciativa dos associados e de, subsidiariamente ao regime próprio, verem aplicadas as normas sobre associações de direito privado[18], são incumbidas de atribuições públicas, revelando-se elemento essencial, para esse efeito, o reconhecimento da «utilidade pública desportiva». Sem esse reconhecimento, confinam-se ao estatuto de pessoas coletivas de «simples utilidade pública», na expressão do n.º 1 do artigo 13.º do RJFD.

Para melhor prosseguirem tais atribuições, a lei concede-lhes, por via do estatuto de utilidade pública desportiva, especiais prerrogativas. É o caso dos direitos exclusivos:
«Artigo 16.º
(Direitos desportivos exclusivos)
1 – Os títulos desportivos, de nível nacional ou regional, são conferidos pelas federações desportivas e só estas podem organizar seleções nacionais.
2 – A lei define as formas de proteção do nome, imagem e atividades desenvolvidas pelas federações desportivas».

A exclusividade das federações, na respetiva ou respetivas modalidades desportivas, observa-se igualmente no exercício de certos poderes de autoridade, como resulta do artigo 10.º do RJFD:

«Artigo 10.º
(Estatuto de utilidade pública desportiva)
O estatuto de utilidade pública desportiva confere a uma federação desportiva a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública, bem como a titularidade dos direitos e deveres especialmente previstos na lei».

E, por lhes serem reconhecidas competências de ordem pública, nomeadamente poderes regulamentares e disciplinares (cfr. n.º 2 do artigo 19.º da Lei de Bases) o legislador optou por submeter os litígios emergentes de atos e omissões dos seus órgãos ao contencioso administrativo (cfr. n.º 1 do artigo 18.º da Lei de Bases[19]) conquanto as questões estritamente desportivas[20] se encontrem reservadas a instâncias próprias da ordem desportiva (cfr. n.º 2 do artigo 18.º da Lei de Bases).

Em todo o caso, «as decisões e deliberações disciplinares relativas a infrações à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas» (cfr. n.º 4 do artigo 18.º da Lei de Bases).

As federações desportivas podem beneficiar diretamente de apoios ou comparticipações financeiras públicas. Podem beneficiar indiretamente, quando se trate de subvencionar «eventos desportivos de interesse público como tal reconhecidos por despacho do membro do Governo responsável pela área do desporto» (cfr. n.º 1 do artigo 46.º da Lei de Bases).

Por tudo isto, as federações desportivas encontram-se subordinadas a especiais vinculações de direito público, nomeadamente de universalidade:

«Artigo 9.º
(Direito de inscrição)
As federações desportivas não podem recusar a inscrição dos agentes desportivos, clubes ou sociedades desportivas com sede em território nacional, desde que os mesmos preencham as condições regulamentares de filiação definidas nos termos dos seus estatutos».

Vinculações de direito público também na sua organização e funcionamento e que hão de pautar-se pelos «princípios da liberdade, da democraticidade, da representatividade e da transparência» (cfr. n.º 1 do artigo 5.º do RJFD), pela independência em relação ao Estado, como também em relação aos partidos políticos e às instituições religiosas (cfr. n.º 2).

De há muito que este Conselho Consultivo tem vindo a ocupar-se da qualificação jurídica das federações desportivas[21], tendo presente a relevância que essa qualificação possui e considerando mostrar-se questão bastante controvertida.

Se há um setor da doutrina que se inclina para incluir as federações desportivas na administração pública enquanto entidades autorreguladoras, um outro setor prefere excluí-las do conceito de administração pública, não obstante, como pessoas coletivas privadas, serem chamadas a exercer a função administrativa.

A primeira qualificação surge encabeçada por JORGE MIRANDA[22] que qualifica as federações desportivas como associações públicas e, por isso, integradas na administração autónoma, o que explica os poderes de tutela exercidos pelo Governo.

Por seu turno, DIOGO FREITAS DO AMARAL[23] classifica as federações desportivas como figuras afins das associações públicas, pois, não obstante desempenharem funções públicas e os seus órgãos disporem de poderes de autoridade, são pessoas coletivas de direito privado e tratadas de modo separado da denominada administração pública do desporto.

Ao invés, JOÃO CAUPERS/VERA EIRÓ[24] consideram que a natureza privada é compatível com o conceito de administração pública, pelo menos, com um conceito funcional. Agrupam as federações desportivas ao lado das comissões vitivinícolas e das bolsas, todas estas entidades consideradas como «pessoas coletivas privadas de natureza associativa ou societária que exercem principalmente funções de regulação das atividades desenvolvidas pelos seus membros[25]».

Observa VITAL MOREIRA[26] que, «por um lado, elas não são consagradas legalmente como entidades públicas; por outro lado, elas são dotadas legalmente de funções oficiais de regulação e disciplina das relações desportivas».

O Autor conclui que se trata de «uma espécie de ‘pessoas coletivas de utilidade pública administrativa’, com a diferença de que, em vez de estarem encarregadas de serviços públicos prestacionais (como sucede com as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa de âmbito local […]), elas têm por função o desempenho de tarefas da administração regulatória, traduzida nomeadamente em poderes regulamentares e disciplinares[27]».

A questão revela-se ainda mais complexa, pois, como faz notar MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO[28], as federações desportivas, apesar de investidas no exercício de verdadeiros poderes públicos, também desenvolvem atividade em âmbito privado e com sujeição ao direito privado (cfr. artigo 4.º, in fine, do RJFD), e atividades periciais ou de cariz técnico-científico, estritamente desportivas, reguladas frequentemente por instituições internacionais (v.g. o Comité Olímpico Internacional e as federações ou uniões internacionais de federações das várias modalidades desportivas).

A extensão das múltiplas valências das federações desportivas – nem sempre manifesta – é ilustrada por JOSÉ MANUEL MEIRIM[29]:

«As federações desportivas desempenham importantes funções nos domínios do acesso à prática desportiva, da preservação da ética desportiva, da prática desportiva de alta competição, no sistema de cobertura de riscos da atividade desportiva, no acesso a profissões desportivas e no acesso ao exercício de atividades económicas».

Algo que o Autor prossegue, em outro passo[30]:

«As federações desportivas surgem perante a Administração Pública, representando e defendendo interesses: dos seus associados, da modalidade desportiva que promovem e regulamentam ou de ambos.
Por outro lado, em alguns casos, denota-se uma assumida representação nacional, do país.
Por último, (…) um número significativo interiorizou o estatuto de utilidade pública desportiva, o mesmo é dizer, veem-se como desempenhando poderes de natureza pública, como participantes no exercício de uma missão de serviço público».

Essa pluralidade de tarefas, juntamente com a criação privada, levam PEDRO GONÇALVES a qualificar as federações desportivas como pessoas coletivas privadas que exercem poderes públicos, rejeitando a sua integração na administração autónoma ou numa categoria afim[31]:

«A nossa interpretação revela-se claramente adequada para identificar a posição das federações quando no desempenho de ‘funções genuinamente estaduais’: o combate à violência no desporto ou ao doping são apenas dois exemplos de missões típica e genuinamente estaduais, que, só com distorção total da ‘natureza das coisas’, podem ser percecionadas como tarefas autónomas».

A verdade é que o exercício de poderes públicos, em especial o poder regulamentar e o poder disciplinar, não parecem resultar da criação das federações desportivas, mas antes do regime que se lhes aplica, mercê do reconhecimento do estatuto de utilidade pública desportiva, o qual, como veremos, pode ser suspenso, caducar ou ser cancelado.

Considerou este Conselho Consultivo no parecer n.º 24/2015, de 8 de julho de 2016[32], que «[a]s federações desportivas são associações de direito privado sem fins lucrativos, a que, através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, são conferidos poderes de natureza pública».

Compreende-se por que motivo as inelegibilidades para órgãos das federações desportivas são de ordem pública. Com efeito, a organização e o funcionamento das federações desportivas não podem ser deixados à autonomia privada com a mesma amplitude com que o são às associações privadas desprovidas de incumbências públicas.

Isto não permite, principalmente às associações que pretendam obter o reconhecimento da utilidade pública desportiva, ignorar nos seus estatutos a função administrativa que são chamadas a desempenhar.

Como a lei é bastante minuciosa na disciplina do sistema de governo e funcionamento, as federações desportivas são, na expressão de PEDRO GONÇALVES, associações privadas de configuração legal[33]:

«A lei define os tipos de órgãos de que dispõem (assembleia geral, presidente, direção, conselho de arbitragem, conselho fiscal, conselho jurisdicional), indica algumas competências que não podem deixar de lhes ser atribuídas (por ex., que o conselho jurisdicional tem competência para conhecer dos recursos das decisões disciplinares em matéria desportiva) e define a composição desses mesmos órgãos e as regras de eleição dos respetivos titulares. A intervenção legislativa em matéria de organização interna associativa visa incutir alguns valores de direito público (transparência, democraticidade) na vida da associação e está legitimada pelo facto de estar envolvida uma associação com funções públicas».

Compreende-se outrossim por que razão foi consagrado na Lei de Bases um poder administrativo de tutela inspetiva sobre as federações desportivas, ainda que sob uma designação menos incisiva:

«Artigo 21.º
(Fiscalização)
A fiscalização do exercício dos poderes públicos, bem como do cumprimento das regras legais de organização e funcionamento internos das federações desportivas é efetuada, nos termos da lei, por parte da Administração Pública, mediante a realização de inquéritos, inspeções e sindicâncias».

Tutela inspetiva essa que, no campo financeiro, incide na contabilidade organizada (cfr. n.º 5 do artigo 46.º da Lei de Bases) e na «obrigação de certificação das suas contas quando os montantes concedidos sejam superiores ao limite para esse efeito definido no regime jurídico dos contratos-programa de desenvolvimento desportivo[34]» (cfr. n.º 4 do artigo 46.º da Lei de Bases).
A tutela não é, contudo, meramente inspetiva. Assim, nos artigos 21.º a 23.º do RJFD podemos encontrar competências do Governo e seus pressupostos objetivos para suspender e para cancelar ou não renovar o estatuto de utilidade pública desportiva.
Percorrendo estas normas, encontramos como motivos de suspensão, para o que nos interessa apurar, os seguintes:
· Violação das regras de organização e funcionamento (alínea a], do n.º 1 do artigo 21.º);

· Incumprimento de obrigações relativas ao combate à corrupção e viciação de resultados, à violência, ao racismo e à xenofobia (alínea b]);

E para determinar o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva, os seguintes:

*Deixarem de subsistir os requisitos legais para a sua atribuição (alínea a] do n.º 1 do artigo 23.º);

*Ter decorrido o período de suspensão sem que a federação desportiva tenha eliminado os fundamentos (alínea b]).

Vale dizer que o legislador considera haver um interesse público relevante na designação dos titulares de órgãos das federações desportivas e no modo imparcial como devem desempenhar os cargos para que são nomeados ou os mandatos para que são eleitos.
Como tal, a inelegibilidade de certas pessoas para órgãos das federações desportivas, desde que observados os parâmetros constitucionais, não tem de representar uma intromissão infundada na liberdade de associação (cfr. n.º 2 do artigo 46.º da Constituição). O controlo exercido pelo Estado encontra respaldo, ainda que imperfeito[35], na norma constitucional que se transcreve:
«Artigo 267.º
(Estrutura da Administração)
(…)
6 – As entidades privadas que exerçam poderes públicos podem ser sujeitas, nos termos da lei, a fiscalização administrativa».

Se observarmos a tutela e, sobretudo as vinculações que ela pressupõe para os associados, do prisma das restrições a direitos, liberdades e garantias[36], designadamente as inelegibilidades e incompatibilidades consignadas, podemos afirmar que se trata de restrições expressamente previstas na Constituição, para efeito de aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, com suporte, bem assim, no n.º 3 do artigo 50.º:


«Artigo 50.º
(Direito de acesso a cargos públicos)
(…)
3 – No acesso a cargos eletivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respetivos cargos».

A inelegibilidade nos cinco anos imediatamente subsequentes ao cumprimento da pena por crime de corrupção mostra-se uma restrição adequada para guardar a isenção e independência no exercício dos mandatos, mas também não é de excluir como seu fundamento o de garantir a livre escolha dos eleitores em face da suspeita de subornos ou de promessas de vantagens a quem se candidate ou por quem se candidate a órgãos federativos.

Esta restrição visa proteger a confiança legítima que os administrados (associados da federação ou terceiros) devem poder depositar nas federações desportivas. O carácter transitório reflete (ou deveria refletir) o carácter temporário das penas e os seus fins ressocializadores.

Antes de iniciarmos o tratamento específico da inelegibilidade por crimes de corrupção, vale a pena notar que no RJFD, além do artigo 48.º, há ainda outros motivos de inelegibilidade ou de incompatibilidade e que resultam do poder disciplinar próprio das federações desportivas.

Outras inelegibilidades dispostas com o objetivo de prover à isenção e independência do exercício dos cargos. Assim, no n.º 2 do artigo 54.º, do RJFD, pode ler-se:

«[O]s agentes desportivos que forem punidos com a pena de incapacidade para o exercício de funções desportivas ou dirigentes por uma federação desportiva não podem exercer tais funções em qualquer outra federação desportiva durante o prazo de duração da pena».

Esta restrição consiste, ela própria, numa sanção disciplinar aplicada por uma federação desportiva – a sanção é especificamente desportiva e até estritamente federativa – e a norma apenas adianta que o efeito atinge o desempenho de funções em todas as demais federações desportivas.



IV - Os crimes de corrupção, em geral, e de corrupção desportiva, em especial.
Os crimes de corrupção ativa e passiva encontram-se imediatamente precedidos no Código Penal, pelo crime de recebimento indevido de vantagem[37], de acordo com os termos seguintes:
«Artigo 372.º
(Recebimento indevido de vantagem)
1 - O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes».

Seguem-se os mencionados tipos incriminadores da corrupção nas formas ativa e passiva, de corromper ou deixar-se corromper:
«Artigo 373.º
(Corrupção passiva)
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

Artigo 374.º
(Corrupção ativa)
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - A tentativa é punível».

Logo após, nos dois artigos imediatamente subsequentes trata-se do agravamento da moldura penal, em abstrato, segundo o valor da vantagem patrimonial, e, depois, dos pressupostos da dispensa ou atenuação de pena:
«Artigo 374.º-A
(Agravação)
1 - Se a vantagem referida nos artigos 372.º a 374.º for de valor elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada em um quarto nos seus limites mínimo e máximo.
2 - Se a vantagem referida nos artigos 372.º a 374.º for de valor consideravelmente elevado, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, é correspondentemente aplicável o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 202.º.
4 - Sem prejuízo do disposto no artigo 11.º, quando o agente atue nos termos do artigo 12.º é punido com a pena aplicável ao crime respetivo agravada em um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Artigo 374.º-B
(Dispensa ou atenuação de pena)
1 - O agente pode ser dispensado de pena sempre que:
a) Tiver denunciado o crime no prazo máximo de 30 dias após a prática do ato e sempre antes da instauração de procedimento criminal, desde que voluntariamente restitua a vantagem ou, tratando-se de coisa ou animal fungíveis, o seu valor; ou
b) Antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa ou animal fungíveis, o seu valor; ou
c) Antes da prática do facto, retirar a promessa ou recusar o oferecimento da vantagem ou solicitar a sua restituição.
2 - A pena é especialmente atenuada se o agente:
a) Até ao encerramento da audiência de julgamento em primeira instância, auxiliar concretamente na obtenção ou produção das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis; ou
b) Tiver praticado o ato a solicitação do funcionário, diretamente ou por interposta pessoa».

Por seu turno, para os titulares de cargos políticos, valem as disposições enunciadas na Lei n.º 34/87, de 16 de julho[38]:


«Artigo 17.º
(Corrupção passiva)
1 - O titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 - Se o ato ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e vantagem não lhe for devida, o titular de cargo político ou de alto cargo público é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.

Artigo 18.º
(Corrupção ativa)
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a titular de cargo político ou alto cargo público, ou a terceiro por indicação ou com o conhecimento destes, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 17.º, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 17.º, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.
3 - O titular de cargo político ou de alto cargo público que no exercício das suas funções ou por causa delas, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário ou a outro titular de cargo político ou de alto cargo público, ou a terceiro com o conhecimento deste, vantagem patrimonial ou não patrimonial que não lhe seja devida, com os fins indicados no artigo 17.º, é punido com as penas previstas no mesmo artigo».

Já a corrupção desportiva, nem sempre perpetrada através de comportamentos análogos, lesa outros interesses coletivos e que a comunidade política vem assumindo paulatinamente como interesse público, em especial, a verdade desportiva como garantia de igualdade de oportunidades dos praticantes desportivos em competições oficiais.
À honestidade do resultado desportivo não basta a verosimilhança. Ela exige absoluta imunidade perante fatores alheios ao mérito desportivo ou que comprometam a igualdade de oportunidades entre os atletas de alta competição, os praticantes, amadores ou profissionais, individualmente ou entre equipas adversárias[39].
Em dissertação académica sobre a corrupção associada ao desporto, BRUNO RODRIGUES SAMPAIO[40] chama a atenção para o especial interesse explicativo que revela o preâmbulo do diploma que, pela primeira vez, criminalizou os comportamentos corruptos antidesportivos: o Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de outubro.
Ali se consignou, com o efeito, o seguinte:
«A luta contra a corrupção no fenómeno desportivo, como resposta a manifestações, factos e acontecimentos que perturbem fraudulentamente a verdade e a lealdade da competição e o resultado desportivo, e que contendem com o genuíno exercício da atividade desportiva, há de desenvolver-se segundo dois modos complementares: a prevenção, através da formação e educação dos agentes desportivos, e, como ultima ratio, a via repressiva, pela definição dos comportamentos lesivos e respetivas sanções.
O interesse fundamental a ter em vista e a proteger será a lealdade, a correção da competição e do seu resultado e o respeito pela ética na atividade desportiva.
É um interesse público que se revela e manifesta na supra-individualidade dos interesses de todos quantos (adeptos, simpatizantes e espetadores) esperam que a prática desportiva pública e os resultados das competições desportivas não sejam afetados e falseados por comportamentos fraudulentos dos respetivos agentes, visando precisamente alterar a verdade desportiva.
Na defesa deste interesse público deve atribuir-se particular relevo à escolha e desenvolvimento das ações de índole preventiva. E estas terão de ser de natureza essencialmente informativa, formativa e educativa, junto dos jovens, em geral, e de todos os agentes desportivos, em particular.
Às federações desportivas, outras associações e, em particular, aos clubes desportivos cabe também, nesta matéria, uma imprescindível tarefa de educação e formação dos respetivos agentes desportivos.
Num outro campo de proteção do interesse público, da lealdade, verdade e correção nas competições desportivas e como limite último de intervenção, situa-se a definição de comportamentos fraudulentos, tipicamente descritos, que tenham como finalidade a alteração da verdade e da ética da competição ou seus resultados, e a respetiva definição de sanções.
Optou-se, neste aspeto, pela criminalização dos comportamentos fraudulentos, considerando a gravidade que em si mesmos encerram perante a dignidade e o valor social dos interesses que se pretendem, deste modo, acautelar.
A imposição de sanções públicas pela consideração do valor e relevância dos interesses a proteger exige, porém, a ocorrência da prática desportiva pública e ou de competição. Esta, por este aspeto, existirá sempre que a atividade desportiva se apresente organizada, regulamentada e exercida através dos organismos que, por qualquer modo, detenham competência nesta matéria».

Tudo aponta para que o mais específico do ilícito antidesportivo seja punir comportamentos suscetíveis de afetar a correção e autenticidade das competições desportivas e o seu resultado.
O resultado de uma prova ou de uma competição pode justificar prémios e, não raro, é condição sine qua non de qualificações e apuramentos para competições nacionais e internacionais. O êxito de um atleta ou de uma equipa desportiva contribui para as receitas publicitárias e pode valorizar os direitos de transmissão da imagem, além de se mostrar absolutamente determinante para as apostas mútuas[41]. E, não menos importante, interessa ao prestígio dos clubes, dos treinadores e da direção, sufragados em cada partida em cada torneio pelos sócios e demais adeptos.
Por outras palavras, desperta fortes interesses apelativos a comportamentos adúlteros sobre os resultados das competições.
Garantir a verdade e correção desportivas, como também o lazer e o convívio em paz social, revelam-se os desideratos fundamentais da incriminação do ilícito antidesportivo, no que toca, pelo menos, às competições oficiais, assumidas como de interesse público.
Interesse público que vem sendo mais intenso, quanto mais a atividade desportiva conquista novos praticantes, novas franjas etárias e novas modalidades.
É que o desporto favorece o desenvolvimento da personalidade e das relações sociais num plano de igualdade. Por outro lado, a sua prática pode contribuir para uma vida mais saudável.
Ao Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de outubro, sucedeu o atualmente vigente Regime da Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto), conservando, no essencial, os tipos de ilícito criminal de corrupção passiva e ativa:
«Artigo 8.º
(Corrupção passiva)
O agente desportivo que, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer ato ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Artigo 9.º
(Corrupção ativa)
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a agente desportivo, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, com o fim indicado no artigo anterior, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 - A tentativa é punível».

Em ambos os tipos criminais surge como intenção típica do agente alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva.
Por outro lado, em ambos os crimes descritos, assim como no tráfico de influência e na oferta ou recebimento indevido de vantagem (cfr. artigos 10.º e 10.º-A, respetivamente) opera um agente desportivo que solicita ou aceita vantagem ilícita ou a sua promessa.
Agentes desportivos são, de acordo com a definição legal consignada na alínea f) do artigo 2.º:
«As pessoas singulares ou coletivas referidas nas alíneas anteriores[42], bem como as que, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, a título individual ou integradas num conjunto, participem em competição desportiva ou sejam chamadas a desempenhar ou a participar no desempenho de competição desportiva».

Acerca das razões que levaram à específica criminalização da corrupção desportiva, explica JOÃO LIMA CLUNY[43]:
«A corrupção no Código Penal teve sempre como pano de fundo o exercício de funções públicas. Deste modo, tal criminalização não era suficiente para proteger o bem jurídico que o legislador tinha em mente quando criou o crime de corrupção desportiva em 1991[44] e o alterou em 2007[45], e, por outro lado, para abarcar no seu âmbito de aplicação todos os agentes visados pelo legislador».

Com efeito, a corrupção desportiva passiva tem sempre como elemento típico o comportamento ativo ou omissivo de um agente desportivo, nessa qualidade, e a intenção de alcançar um resultado desportivo diferente daquele que sem o comportamento ilícito teria lugar.
E até mesmo na corrupção ativa – crime não específico, por poder ser praticado por qualquer um[46] – a vantagem oferecida ou prometida há de ter como destinatário último um agente desportivo.
Mais se determina na Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, a aplicação cumulativa de penas acessórias, nos termos do que vai transcrito:
«Artigo 4.º
(Penas acessórias)
Aos agentes dos crimes previstos na presente lei podem ser aplicadas as seguintes penas acessórias:
a) Suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos;
b) Privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, regiões autónomas, autarquias locais e demais pessoas coletivas públicas por um período de 1 a 5 anos;
c) Proibição do exercício de profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período de 1 a 5 anos, tratando-se de agente desportivo».

A proibição do exercício de certa profissão, função ou atividade, a acrescer à pena principal, recai sobre agentes desportivos e pode impedir a eleição para órgãos federativos por um lapso de tempo inferior ao das inelegibilidades controvertidas do artigo 48.º do RJFD.
Mas aquelas incriminações, de modo algum, esgotam a prática de crimes de corrupção no âmbito desportivo. Nem todo o ilícito desportivo ou associado ao desporto é tecnicamente antidesportivo.
De um funcionário ou de um titular de cargo político que se deixem corromper por motivações desportivas pode afirmar-se que agiram ou deixaram de agir ilicitamente no âmbito desportivo, sem haver lesão da verdade e honestidade de uma determinada competição. É o caso do agente público que aliena a sua isenção para favorecer uma modalidade em detrimento de outras, para prejudicar ou privilegiar este ou aquele agente desportivo, esta ou aquela coletividade associativa.
No entanto, é clara a afinidade entre os comportamentos corruptos e corruptores, seja para adulterar o resultado de uma partida desportiva, seja para prover a outros fins.
O traço comum é a venalidade, motivo por que todo o comportamento condenado por crime de corrupção deve ser considerado indigno dos mandatos em órgãos das federações desportivas.
A diferença entre corrupção antidesportiva e outras formas é bem mais diminuta do que poderia parecer à primeira vista.
Com efeito, aquilo em que a Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, se distancia do Código Penal, é em pouco mais do que não prever a designada corrupção imprópria ou por prática de ato lícito.
Algo que decorre do cotejo dos seus tipos criminais com o disposto no n.º 2 do artigo 373.º e com o n.º 2 do artigo 374.º do Código Penal.
Valendo-nos, por uma vez mais, da opinião de JOÃO LIMA CLUNY[47], esta diferença evidencia-se, precisamente, na comparação entre os bens jurídicos protegidos, embora possa iludir a continuidade típica da intenção criminosa, dos meios empregues e a desconsideração pela verdade como critério ético do agir humano. A corrupção aliena a dignidade e a honra pessoais, ao arrepio da convicção legítima da comunidade na irredutibilidade e inalienabilidade destas virtudes morais e cívicas.
De um lado, na corrupção comum, é atingida a margem de livre decisão de um ou mais órgãos do Estado, pelo simples facto de a competência se prestar à condição de mercadoria[48], justificando a punição, mesmo em caso de ato ou omissão lícitos.
Do outro, na corrupção antidesportiva, são comprometidas a verdade, a lealdade e a correção das competições desportivas. É por isso que se admite não punir um comportamento insuscetível de prejudicar a honestidade de uma competição desportiva, como sejam os prémios e outros incentivos aos atletas.
Se a liberalidade ou a promessa de uma liberalidade visam exclusivamente estimular os jogadores para alcançarem a vitória por meios lícitos, por seus méritos e dedicação, a verdade desportiva não sai lesada nem fica sob a mira de um perigo:
«Com efeito, a obtenção da vitória num jogo/desafio é a razão de ser da competição. Esta existe, exatamente, para que os intervenientes compitam entre si para obterem a melhor classificação/resultado possível. Assim, prometer ou oferecer uma vantagem que tem como fim último atingir o objetivo para que a competição foi criada não altera, nem pode alterar, a ‘verdade, lealdade e correção’ da mesma[49]».
Regressando à estreita afinidade entre os comportamentos típicos da corrupção, o citado Autor não exclui, porém que determinados agentes desportivos, por exemplo, os dirigentes ou os árbitros, possam ou devam ser qualificados penalmente como funcionários e destarte sujeitos a responsabilidade penal por corrupção imprópria[50].
Por conseguinte, já será de punir a corrupção para ato lícito em competições desportivas, se «o sujeito ativo ou o seu destinatário detiverem a qualidade de funcionário (…), categoria esta que abarca os agentes dotados de utilidade pública, na aceção ampla que nos dá o artigo 386.º do Código Penal[51]».
Encontramo-nos ainda no âmbito desportivo dos crimes de corrupção. Aquele em que as infrações são cometidas em contexto desportivo ou por motivações desportivas (lícitas ou ilícitas).
Este aspeto parece-nos evidenciar a linha de continuidade entre a corrupção antidesportiva e a corrupção comum, praticada por titular de cargo político ou por funcionário.
Recorde-se a definição legal de funcionário no artigo 386.º do Código Penal, com particular atenção para o disposto na alínea d) do n.º 1.
«Artigo 386.º
(Conceito de funcionário)
1 - Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
(…)».

A prática de corrupção no desempenho de funções públicas em federação desportiva, que beneficie do estatuto de utilidade pública desportiva, constitui crime de corrupção comum, embora praticado no âmbito desportivo. Se preencher as formas ativa ou passiva de corrupção previstas na Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, configurando o que, em rigor se designa corrupção antidesportiva, prefere ao tipo comum, segundo uma relação de especialidade.



V – Relevância desportiva da corrupção geral ou comum.
Avistar a ampla área de confluência que se joga entre a corrupção antidesportiva (Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto) e a corrupção comum, ajuda a perceber quão vasta pode ser a corrupção associada ao desporto, não necessariamente antidesportiva.
Se a dopagem é, por definição, antidesportiva[52], o mesmo já não sucede com a corrupção (tão-pouco com a violência, o racismo ou a xenofobia).
A fronteira entre a criminalidade desportiva e a criminalidade comum não é estanque.
Na comparação entre os tipos comuns de corrupção e a fisionomia da corrupção desportiva, ELISABETE CLETO DOS REIS[53], comentando as alterações trazidas com a Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, observa o seguinte:

« (…) [V]erificamos que se manteve a estrutura quanto à verificação da conduta típica, no sentido de, quer o crime de corrupção passiva quer o crime de corrupção ativa, se consumarem no momento em que a declaração de vontade do corruptor ou do agente desportivo, ao revelar a intenção de (numa competição desportiva) ceder ou obter vantagem para alterar ou falsear o resultado dessa competição, chegue ao conhecimento do destinatário dessa declaração, independentemente de este não aceitar a vantagem, nada dizer, de esta se concretizar ou de ter chegado a ocorrer ato de alteração ou falseamento do resultado».

Por seu turno, explica JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA[54] que «a corrupção no setor privado e no desporto têm como matriz ou protótipo normativo os tipos legais de corrupção previstos no CP», conquanto as agravações e atenuações introduzidas nos artigos 374.º-A e 374.º-B do Código Penal sejam de aplicar apenas aos crimes de corrupção aí previstos.
Em sentido convergente, acerca de uma unidade essencial dos tipos criminais de corrupção comum e corrupção desportiva, escreve JOSÉ MOURAZ LOPES[55]:
«Sendo um fenómeno socialmente localizado e que pretende essencialmente proteger a verdade e a lealdade desportiva, as federações desportivas de cada país e os clubes desportivos desempenham uma função pública ou prestam um serviço público nos termos definidos no artigo 2.º da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção[56] e, nessa medida, podem integrar-se nos tipos criminais estabelecidos na lei geral penal como comportamentos fraudulentos cometidos na área desportiva.
No que respeita aos tipos criminais não existem razões substanciais para efetuar grande distinção entre o tipo de crime de corrupção no fenómeno desportivo e a corrupção estabelecida na Lei Penal geral, a nível da estrutura do tipo de crime. Sendo bens jurídicos diferentes a proteger, nada impede, no entanto, que os tipos formais sejam semelhantes. Como semelhantes deverão ser as molduras penais».

Ao retomar a situação sumariamente descrita no pedido de consulta, haveremos de reconhecer que, se alguém, enquanto funcionário, deixa-se corromper com o intuito de reverter uma vantagem patrimonial para o clube ou associação desportiva de que seja adepto, comete o ato ilícito num contexto desportivo e como candidato a agente desportivo.
Outrossim, quem deixa corromper-se com o fim de angariar fundos para patrocinar a campanha da eleição a que se propõe como candidato a um mandato em clube desportivo, comete o facto ilícito no âmbito desportivo.
Em suma, F. mostra-se inelegível (ou tornou-se supervenientemente inelegível, com os efeitos previstos no artigo 51.º do RJFD) para a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, por não terem ainda decorrido cinco anos desde o cumprimento da pena por crime de corrupção passiva a que foi condenado por decisão transitada em julgado.
A condenação penal a que se refere o pedido de consulta deve ser considerada como pertencendo ao âmbito desportivo, embora se trate de corrupção comum e não contra a verdade desportiva.
Por conseguinte, não se justificaria diante destes pressupostos de facto tomar posição sobre se a inelegibilidade para órgão de federação desportiva respeita estritamente à corrupção praticada em contexto desportivo ou se também em outros contextos.
É-nos perguntado mais, contudo. A resposta à segunda questão formulada implica ir além dos crimes de corrupção praticados em contexto desportivo e saber até onde se estende o domínio das infrações penais, contraordenacionais e disciplinares «em matéria de violência, corrupção, dopagem, racismo e xenofobia» para o efeito de privar alguém das condições de elegibilidade para os órgãos das federações desportivas. Trata-se de saber se porventura este pressuposto, que já se viu não confinado ao ilícito antidesportivo, deve, ainda assim, averbar uma conexão relevante com a atividade desportiva.
VI – Extensão e sentido das inelegibilidades para os órgãos das federações desportivas «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia».
Admitir que a inelegibilidade devida à prática de tais infrações dispense toda e qualquer conexão com a atividade desportiva pode, á primeira vista, mostrar-se demasiado severo, em especial na comparação com as inelegibilidades previstas para órgãos políticos, designadamente para os mandatos autárquicos. Nesse setor, com efeito, apenas se encontra a condenação por crime praticado no exercício de cargo político ou alto cargo público equiparado (cfr. artigo 13.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto[57]), sem prejuízo do efeito imediato da perda de mandato (cfr. artigo 29.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho[58]) e a condenação em pena acessória de interdição do exercício de certos cargos e mandatos (cfr. artigo 66.º do Código Penal).
Por seu turno, constitui requisito geral da constituição de relação jurídica de trabalho em funções públicas não se encontrar o candidato a trabalhador inibido do exercício de funções públicas[59] nem ter-lhe sido interditado especificamente o exercício «daquelas que se propõe desempenhar» (cfr. alínea c], do n.º 1 do artigo 17.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas[60]).
Recorde-se que, por outro lado, determina o n.º 2 do artigo 179.º do mesmo diploma dever dar-se conhecimento ao empregador público da condenação de trabalhador sob a sua dependência hierárquica, na eventualidade de ter sido condenado pela prática de todo e qualquer crime.
A interdição do exercício de certas funções pode até resultar da aplicação de sanção acessória contraordenacional, como resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 21.º do Regime Geral das Contraordenações[61]: «Interdição do exercício de profissões ou atividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública».
E o ingresso em determinados postos de trabalho pode obrigar a provas bem mais criteriosas da idoneidade cívica[62].
No caso das federações desportivas, o legislador entendeu usar também de elevado critério restritivo na fixação de inelegibilidades, provavelmente por reconhecer que a atividade desportiva e as suas instituições apresentam vulnerabilidades agudas na exposição a certas formas de criminalidade.
Avultadíssimos interesses patrimoniais atraem, em certas modalidades, comportamentos mais ou menos subtis de dopagem ou corrupção. Exacerbados sentimentos individuais e coletivos de adesão ou de pertença a este ou àquele clube levam, não raro, a tomar o adversário como um inimigo, despertando atos de violência e manifestações de racismo ou de outros atavismos discriminatórios.
Pudemos ver que o caso concretamente descrito no pedido de consulta cabe, pelo contexto e motivação do agente, no que se reconhece como âmbito desportivo.
Apesar de o crime de corrupção que justificou a condenação não ser um crime de corrupção antidesportiva, como sucede com os crimes previstos e punidos pelos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, ele situa-se no âmbito desportivo. Ficou provado na condenação transitada em julgado que as vantagens patrimoniais foram afetas a uma associação desportiva e a uma campanha eleitoral para a direção da mesma associação desportiva.
Mas, se fosse, de todo, alheio ao mundo do desporto?
Na verdade, continuámos a responder apenas parcialmente à segunda das questões enunciadas. Tão-só na parte em que considerámos que as inelegibilidades previstas no artigo 48.º do RJFD «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia» não se circunscrevem a infrações previstas e punidas pela citada Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto (Regime da responsabilidade penal por comportamentos antidesportivos) ou pela Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto (Lei antidopagem).
Estes dois regimes, aliás, não contemplam sequer infrações que possam considerar-se suscetíveis de serem praticadas em matéria de violência, racismo e xenofobia.
As infrações especificamente antidesportivas – já o vimos – são apenas as que atingem ou são suscetíveis de pôr em perigo a verdade, a lealdade ou a correção e a igualdade de oportunidades em provas desportivas (e entre provas desportivas que entre si se combinam e se desenrolam num mesmo campeonato ou torneio).
Uma clivagem demasiado linear entre as infrações antidesportivas e todas as demais infrações praticadas com violência, racismo, ou corrupção, faria perder de vista o espaço em que se situam as infrações de âmbito desportivo ou em contexto desportivo e que relevam para as garantias de transparência, dignidade e isenção das federações desportivas.
Começámos por deslindar este segundo círculo de infrações relevantes que se subsumem a um conceito, mais amplo, de âmbito desportivo, a começar pelas infrações previstas e punidas pela Lei n.º 39/2009, de 30 de julho (Regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos).
A estas fizemos acrescer os crimes de corrupção que, embora previstos e punidos fora de regimes jurídicos desportivos, como o Código Penal ou a Lei n.º 34/87, de 16 de julho, tenham sido praticados no âmbito desportivo.
Falta saber da relevância das infrações criminais, contraordenacionais e disciplinares «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia» quando não previstas como especificamente antidesportivas nem cometidas em contexto desportivo.
Por outras palavras, falta saber se as inelegibilidades por efeito do cumprimento de uma pena e previstas no artigo 48.º do RJFD têm como pressuposto necessário o âmbito desportivo das infrações ou se porventura outros comportamentos corruptos, violentos, racistas ou xenófobos, previstos e punidos como infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares, mas alheios ao âmbito desportivo, devem ser também considerados sob a restrição que o legislador introduziu na capacidade eleitoral passiva dos candidatos a órgãos das federações desportivas.
Pelo que nos é dado verificar, através da consulta a diversos regulamentos eleitorais de federações desportivas[63], a questão possui um interesse concreto.
Ao contrário dos demais, o Regulamento Eleitoral da Federação Portuguesa de Natação[64], o Regulamento Eleitoral da Federação Portuguesa de Bridge[65] e os Estatutos da Federação Portuguesa de Voleibol[66] contraem o círculo das inelegibilidades: somente as infrações que, «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», estejam associadas à atividade desportiva. Conservam a redução que o anterior regime jurídico das federações desportivas (o já citado Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril) consagrava no seu artigo 43.º.
Antes de prosseguirmos, é necessário, porém, delimitar um outro conceito enunciado no preceito e que pode diminuir consideravelmente o campo das situações de inelegibilidade: o cumprimento de uma pena.
Sem o cumprimento de uma pena, não há inelegibilidade. Por seu turno, há penas acessórias e penas de substituição que podem ter como efeito aumentar ou reduzir o prazo de cinco anos.


a) Aplicação de sanção diversa por decisão judicial.
Dispõe-se no artigo 48.º do RJFD que a inelegibilidade vá para além do tempo determinado para a pena aplicada. Com efeito, a inelegibilidade perdura ao longo de «cinco anos após o cumprimento da pena» pelo infrator, «salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial».
Quer isto dizer que o período de tempo por que alguém é inelegível pode ser maior ou menor do que cinco anos se tiver havido decisão judicial que o haja ampliado ou reduzido.
Esta margem mais ou menos ampla da inelegibilidade tem de resultar de decisão judicial, o que deixa de fora as sanções aplicadas por autoridades administrativas, salvo se elas próprias forem substituídas ou modificadas por decisão dos tribunais.
Por conseguinte, restringe-se às infrações penais e às decisões proferidas na sequência de impugnação judicial de sanções contraordenacionais e de sanções disciplinares.
A proibição do exercício de determinados direitos ou profissões encontra-se genericamente prevista no n.º 2 do artigo 65.º do Código Penal, norma que obriga à especificação por concreta disposição legal.
Logo no artigo imediatamente subsequente, o Código Penal consigna várias penas acessórias e seus pressupostos, cuja aplicação está reservada a uma ponderação concreta e individual do juiz:
«Artigo 66.º
(Proibição do exercício de função)
1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da atividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
2 - O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável às profissões ou atividades cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública.
3 - Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
4 - Cessa o disposto nos n.os 1 e 2 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de medida de segurança de interdição de atividade, nos termos do artigo 100.º
5 - Sempre que o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, for condenado pela prática de crime, o tribunal comunica a condenação à autoridade de que aquele depender».

Admite-se, bem assim, que a interdição do exercício de certas atividades resulte de medida de segurança, reservada, uma vez mais, ao tribunal:
«Artigo 100.º
(Interdição de atividades)
1 - Quem for condenado por crime cometido com grave abuso de profissão, comércio ou indústria que exerça, ou com grosseira violação dos deveres inerentes, ou dele for absolvido só por falta de imputabilidade, é interdito do exercício da respetiva atividade quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente, houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie.
2 - O período de interdição é fixado entre 1 e 5 anos; mas pode ser prorrogado por outro período até 3 anos se, findo o prazo fixado na sentença, o tribunal considerar que aquele não foi suficiente para remover o perigo que fundamentou a medida.
3 - O período de interdição conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo de nele ser imputada a duração de qualquer interdição decretada, pelo mesmo facto, a título provisório.
4 - O decurso do período de interdição suspende-se durante o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança. Se a suspensão durar 2 anos ou mais, o tribunal reexamina a situação que fundamentou a aplicação da medida, confirmando-a ou revogando-a.»

Por outro lado, no artigo 46.º do Código Penal dispõe-se, nos exatos termos que se transcrevem, a substituição da pena de prisão por proibições do exercício de certas funções, o que decerto não exclui o desempenho de cargo ou mandato em órgão de federação desportiva:
«Artigo 46.º
(Proibição do exercício de profissão, função ou atividade)
1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos é substituída por pena de proibição, por um período de dois a cinco anos, do exercício de profissão, função ou atividade, públicas ou privadas, quando o crime tenha sido cometido pelo arguido no respetivo exercício, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - No caso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 a 5 do artigo 66.º e no artigo 68.º.
3 - O tribunal revoga a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação:
a) Violar a proibição;
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade não puderam por meio dela ser alcançadas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 57.º
5 - Se, nos casos do n.º 3, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já cumprido tempo de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido.
6 - Para o efeito do disposto no artigo anterior, cada dia de prisão equivale ao número de dias de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, que lhe corresponder proporcionalmente nos termos da sentença, procedendo-se, sempre que necessário, ao arredondamento por defeito do número de dias por cumprir».

Naturalmente que as penas acessórias ou de substituição, para se poderem subsumir ao enunciado na parte final do artigo 48.º do RJFD – «salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial» – têm de ostentar o mínimo de similitude com os efeitos da inelegibilidade. Não pode tratar-se de uma pena acessória que limite ou condicione outros direitos e liberdades. Conquanto o artigo 48.º do RJFD se refira linearmente a sanção diversa, está em causa tão-somente a medida da sanção.
Se a sanção não apresentar essa analogia, em nada altera o termo de cinco anos da inelegibilidade ope legis.
É o caso da pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos, prevista na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho:
«Artigo 35.º
(Pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos)
1 - Pela condenação nos crimes previstos nos artigos 29.º a 34.º é aplicável uma pena de interdição de acesso a recintos desportivos por um período de 1 a 5 anos, se pena acessória mais grave não couber por força de outra disposição legal.
2 - A aplicação da pena acessória referida no número anterior pode incluir a obrigação de apresentação e permanência junto de uma autoridade judiciária ou de órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, podendo ser estabelecida a coincidência horária com a realização de competições desportivas, nacionais e internacionais, da modalidade em cujo contexto tenha ocorrido o crime objeto da pena principal e que envolvam o clube, associação ou sociedade desportiva a que o agente se encontre de alguma forma associado, tomando sempre em conta as exigências profissionais e o domicílio do agente.
3 - Para efeitos de contagem do prazo da pena prevista no n.º 1, não é considerado o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.
4 - A aplicação da pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos é comunicada ao ponto nacional de informações sobre futebol, tendo em vista, sempre que seja imprescindível, a comunicação da decisão judicial portuguesa às autoridades policiais e judiciárias de outro Estado membro da União Europeia».

E encontram-se, bem assim, as sanções contraordenacionais acessórias previstas no mesmo diploma e cujo pertinente artigo se transcreve:

«Artigo 42.º
(Sanções acessórias)
1 - A condenação por contraordenação prevista nas alíneas d), g) e h) do n.º 1 do artigo 39.º pode determinar, em função da gravidade da infração e da culpa do agente, a aplicação da sanção acessória de interdição de acesso a recintos desportivos por um período de até 2 anos.
2 - O disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 35.º e no artigo 38.º aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos a que se refere o presente artigo.
3 - A condenação por contraordenação prevista nos artigos 39.º-A e 39.º-B pode determinar, em função da gravidade da infração e da culpa do agente, a aplicação da sanção acessória de realização de espetáculos desportivos à porta fechada, por um período de até 12 espetáculos».

Por sua vez, o regime das infrações estritamente antidesportivas (Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto) já vimos que entre as penas acessórias previstas contém a de «proibição do exercício de profissão, função ou atividade, pública ou privada, por um período de 1 a 5 anos, tratando-se de agente desportivo» (cfr. alínea c) do artigo 4.º).
É bem de ver que só a aplicação da última das penas acessórias pode reduzir o período de inelegibilidade para órgãos desportivos federativos e apenas se recair sobre o exercício de funções públicas, em geral, ou em federações desportivas, especificamente.

Por seu turno, o regime dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos (Lei n.º 34/87, de 16 de julho) estabelece a perda do mandato (cfr. artigo 29.º) ou a demissão (cfr. artigos 30.º e 31.º), consoante a natureza dos cargos, como efeito imediato da condenação penal transitada em julgado.

A este efeito, a Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, faz acrescer para os órgãos das autarquias locais a inelegibilidade a que já aludimos. Dispõe nos seguintes termos:

«Artigo 13.º
(Inelegibilidade)
A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, implica a sua inelegibilidade nos atos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico».

Teremos oportunidade de acompanhar a controvérsia suscitada por esta norma na jurisprudência constitucional e entre a doutrina.




b) O termo de cinco anos após o cumprimento da pena.

Repare-se que, no artigo 48.º do RJFD, são usadas indistintamente as expressões pena e sanção como se fossem sinónimas.

O legislador poderia ter usado de maior rigor, abstendo de referir-se à pena como paradigma das sanções determinantes de inelegibilidade, já que o ilícito de mera ordenação social só admite a advertência, a condenação no pagamento de coima e sanções acessórias. Sanções geralmente aplicadas por órgãos administrativos e que não podem ser consideradas penas.
Em todo o caso, ao empregar a locução «cumprimento da pena» parece inequívoco que o legislador quis cobrir sanções penais, contraordenacionais e disciplinares, até porque, como vimos, a parte final do mesmo preceito, referese a «sanção diversa»; não a pena diversa.
Mas, já não pode dizer-se que pretendeu abarcar todas as condenações, ao referir-se a cumprimento.
Deixou de fora a dispensa de pena: em que, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º, «pode o tribunal declarar o réu culpado mas não aplicar pena.
Poderia suscitar-se a dúvida de saber se entre as penas cumpridas para efeito das inelegibilidades estatuídas pelo artigo 48.º do RJFD devem, ou não, ser consideradas as penas cuja execução seja suspensa.
No Código Penal, consigna-se em matéria de suspensão da execução da pena, o seguinte:
«Artigo 50.º
(Pressupostos e duração)
1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 - A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 - O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos».

Da pena que permaneça suspensa até ao termo fixado pelo tribunal poderia dizer-se não ter legitimamente sido cumprida, o que afastaria a inelegibilidade, a menos que o tribunal determinasse o contrário.
Contudo, parece haver boas razões para considerar a pena suspensa como verdadeira pena de substituição.
No sumário que introduz acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de junho de 2008[67], pode ler-se o seguinte
«I – O novo ordenamento jurídico-penal estatuído com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/82, de 3 de setembro consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição;
II – Do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas;
III – A pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como «[...] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua aceção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» - (Cfr. FIGUEIREDO DIAS «Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime», Aequitas - Editorial Noticias, 1993,90);
IV – A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: suspensão simples; suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta); suspensão acompanhada de regime de prova.
V – Sendo a suspensão da execução da pena sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, estas podem ser modificadas até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da pena de prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redação em vigor na data da decisão condenatória).
VI – Ocorrendo uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações, em função das respetivas consequências: uma primeira, quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de «plano de reinserção»), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão; e outra segunda quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal).
VII – Tendo sido aplicada uma pena suspensa em substituição de uma pena de prisão (pena principal) o decurso do prazo não começa a correr enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição);
VIII – A suspensão da execução da pena constitui-se, assim, como causa de suspensão da pena principal, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal o que equivale a dizer que só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal;
IX – As penas de substituição, como verdadeiras penas, encontram-se sujeitas a um prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, o que nos termos do artigo 122.º, n. º1, alínea d), do C. Penal ocorre com o decurso de quatro (4) anos a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º do Código Penal».

Para sentido convergente apontou o Tribunal da Relação de Évora em acórdão tirado em 20 de janeiro de 2015[68]:
«1 – As penas encontram-se submetidas ao princípio da legalidade e da tipicidade (art. 29.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e art. 1.º do CP) que abrange a sua definição, as condições de aplicação, o controlo das fontes, a proibição da retroatividade e a proibição da analogia contra reo.
2. A «suspensão da execução da prisão» e a «prestação de trabalho a favor da comunidade» são duas penas de substituição de diferente natureza, com um sentido e pressupostos próprios, que o Código Penal trata separadamente nos arts. 50.º a 57.º e nos arts. 58.º e 59.º, respetivamente.
3. Condicionar a suspensão da prisão a uma obrigação de prestação de trabalho comunitário é uma fusão arbitrária de duas diferentes penas de substituição e, como tal, violadora do princípio da legalidade».

Mais recentemente, o Tribunal da Relação de Coimbra retomaria a qualificação da suspensão da execução de pena como pena de substituição, por acórdão de 12 de julho de 2017[69]:
«I - A aplicação desta pena de substituição [suspensão da execução da pena de prisão] só pode e deve ter lugar quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
II - Refere Figueiredo Dias que, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
III - E acrescentava que, para a formulação de um tal juízo, ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
(…)»

E por último, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 13/2016, de 7 de julho de 2016[70], usou expressão que traz consigo implícito o mesmo entendimento e cujo sumário vai transcrito[71]:
«A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de setembro».

Uma vez assente que o tempo de suspensão da pena é execução da pena, e pois, cumprimento da pena, ter-se-á de concluir, na aplicação do artigo 48.º do RJFD que ao tempo de suspensão da execução da pena acrescem os mesmos cinco anos que ao tempo de cumprimento efetivo da pena principal decretada.

c) Infrações associadas à atividade desportiva ou todas as infrações em matéria de violência, corrupção, dopagem, racismo e xenofobia.
Ainda poderia haver outros motivos para considerar que as infrações por cuja condenação se incorre na mesma causa de inelegibilidade para órgãos de federações desportivas – «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia» – devessem restringir-se a comportamentos ilícitos antidesportivos ou, pelo menos, em contexto ou âmbito desportivo, como sucede com as demais infrações previstas no artigo 48.º do RJFD: «crimes praticados no exercício de cargos dirigentes em federações desportivas ou (…) crimes contra o património destas».
Trata-se de norma restritiva do direito a ser eleito (capacidade eleitoral passiva) e que, como tal, deveria ser restritivamente interpretada.
A verdade é que não resulta da Constituição nenhum imperativo que determine a interpretação restritiva das restrições a direitos, liberdades e garantias.
Nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição, encontramos as principais salvaguardas contra o alcance ablativo que a criação de normas possa ter na esfera de proteção reconhecida a cada um dos direitos, liberdades e garantias, em termos que podem condensar-se no princípio do caráter restritivo das restrições: (i) reserva de lei[72]; (ii) habilitação na própria norma constitucional que consagra o direito ou em norma que salvaguarde outros direitos ou interesses constitucionalmente qualificados; (iii) limitação ao necessário em face do fim que autoriza a restrição, com o sentido de proibir restrições excessivas; (iv) generalidade e abstração da norma restritiva; (v) proibição da retroatividade; e (vi) irredutibilidade do conteúdo essencial «dos preceitos constitucionais».
No essencial, a defesa dos direitos, liberdades e garantias contra efeitos arbitrários das restrições opera em relação à criação das normas e não tanto à sua interpretação.
Assim, por exemplo, à reserva de lei que recai sobre as restrições repugna o uso de conceitos demasiado vagos ou indeterminados, o que, nas palavras de JORGE MIRANDA/JORGE PEREIRA DA SILVA[73] tem por escopo «garantir aos regimes legais restritivos a densidade e a determinabilidade suficientes para evitar que, com perturbação do equilíbrio constitucional de poderes, órgãos não legislativos sejam autorizados ao preenchimento de aspetos essenciais do âmbito da previsão ou da estatuição legal».
Uma coisa é daqui retirar um princípio de oposição ao emprego da analogia ou mesmo de contenção na interpretação extensiva de normas restritivas; outra bem diversa seria vincular o aplicador e intérprete a coartar a expressão do sentido, extensão e alcance da norma restritiva, para além das situações de dúvida razoável acerca da compatibilidade entre a letra e o espírito da lei.
Nem sequer a interpretação em conformidade com a Constituição tem por paradigma a interpretação restritiva de normas restritivas, muito menos a sua redução teleológica, como seria confinar as inelegibilidades controvertidas do artigo 48.º do RJFD às infrações associadas ao desporto:
«A interpretação conforme com a Constituição não consiste (…) tanto em escolher entre vários sentidos possíveis e normais de qualquer preceito o que seja mais conforme com a Constituição quanto em discernir no limite – na fronteira da inconstitucionalidade –um sentido que, embora não aparente ou não decorrente de outros elementos de interpretação, é o sentido necessário e o que se torna possível por virtude da força conformadora da Lei Fundamental[74]».

É depois de franqueado esse limite, nas raias da inconstitucionalidade (infração direta de uma específica norma constitucional) que devemos procurar os meios próprios para operar a interpretação conforme. Aí, sim, pode justificar-se a interpretação restritiva, tanto como a interpretação extensiva[75].
Isto para dizer que não há nenhum ponto de partida hermenêutico para reduzir o alcance da previsão da norma. Mais ainda: nada autoriza abrir-lhe distinções contrárias ao sentido da eliminação do pressuposto enunciado como infrações «associadas ao desporto», o qual, como vimos, não transitou do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril (artigo 43.º) para o atual regime das federações desportivas (artigo 48.º).
Tão-pouco a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto autoriza ou sugere um critério redutor. Nada contém acerca de inelegibilidades.
E conquanto enuncie, no artigo 3.º, sob a epígrafe «princípio da ética desportiva», a incumbência ao Estado de «adotar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação» (cfr. n.º 2), isso não implica que as causas de inelegibilidade para órgãos das federações desportivas não possam dever-se a infrações praticadas com violência, racismo, xenofobia ou outras formas de discriminação fora do contexto estritamente desportivo, v.g. na vida política, cultural, profissional, no mundo do trabalho ou dos negócios. É de algum modo uma forma de prevenir manifestações antidesportivas com inspirações e expressões comportamentais análogas.
Sustentar que o âmbito desportivo subsiste como critério restritivo na delimitação das infrações relevantes também seria incompatível com a expressão deliberadamente usada pelo legislador – «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia» – sem alusão alguma à matéria, domínio ou âmbito desportivo.
Aquilo que o legislador parece ter em vista é impedir a propagação para o desporto de outros comportamentos violentos, corruptos, racistas ou xenófobos, ou melhor impedir a eleição para órgãos desportivos com poderes de autoridade das pessoas cujos comportamentos violentos, corruptos, racistas ou xenófobos deixem legitimamente em dúvida o modo imparcial como irão prevenir e reprimir esses mesmos fenómenos.
O propósito é o de resguardar a atividade desportiva, especialmente propensa a tensões e particularmente exposta às mais engenhosas subtilezas no falseamento da honestidade competitiva.
Onde o legislador quis restringir os motivos de inelegibilidade, não hesitou em enunciá-lo.
Assim, como vimos da análise do artigo 48.º do RJFD, encontram-se autonomizadas, na parte final, as infrações específicas, praticadas por certos agentes desportivos (dirigentes desportivos) e com lesão ou perigo de lesão para as federações desportivas ou para o seu património.
Aliás, o citado Regulamento Eleitoral da Federação Portuguesa de Futebol (cfr. n.º 5 do artigo 21.º) confirma esta distinção como a única a tomar em linha de conta, reproduzindo o artigo 48.º do RJFD.
Contudo, já nos demos conta de, pelo menos, em três federações desportivas ter permanecido circunscrito o espectro das infrações em matéria de violência, corrupção, dopagem, racismo e xenofobia àquelas que se mostrem associadas à atividade desportiva.
No entanto, nem a violência nem o racismo, tão-pouco a xenofobia, são apanágio da atividade desportiva, como se vê no enunciado de infrações penais que, embora alheias ao âmbito desportivo, encerram tipicamente, como elementos essenciais, o ódio, a violência ou a discriminação racista.
É verdade que comportamentos com essas características adquirem um desvalor específico no contexto desportivo e é talvez pelo justo receio de os importar de outros âmbitos sociais e institucionais que o legislador se mostrou especialmente intransigente na instituição de garantias reforçadas da imparcialidade e dignidade das federações desportivas e dos seus associados.
Primeiro, pela fragilidade a que encontra exposta a ética desportiva. O desporto, embora ordenado à prática de atividades saudáveis e revigorantes, e não obstante incrementar a socialização das pessoas e fomentar a solidariedade e a fraternidade[76], a verdade é que, não raro, desperta pulsões competitivas desenfreadas, além de vorazes apetites económicos ou pelo poder e notoriedade.
Depois, pela exigência da verdade desportiva. Uma discretíssima irregularidade pode comprometer seriamente o resultado de uma competição desportiva, motivo por que os padrões de objetividade na marcação das faltas e na aplicação de penalizações, em especial pelos árbitros, são controvertidos exaustivamente entre técnicos, comentadores e a generalidade dos adeptos, constituindo uma outra vertente da atividade desportiva, durante e depois das competições.
Em terceiro lugar, por motivo de a atividade desportiva e as competições desportivas se mostrarem especialmente vulneráveis à violência ou a ultrajes racistas e xenófobos. Basta pensar que nos espetáculos desportivos e nos percursos de viagem de e para as competições as altercações e a exaltação dos ânimos adquirem muito maior intensidade e propagam-se velozmente. A euforia pode concorrer para a representação coletiva de impunidade das infrações, a crer na diluição da autoria por entre as multidões de adeptos que se concentram nos mesmos lugares e partilham a exaltação dos ânimos.
Em quarto lugar, por atingirem atividades que o Estado e outras pessoas coletivas públicas fomentam em vista do benefício constitucionalmente reconhecido à cultura física e ao desporto. A receita pública afeta às atividades desportivas pode tornar-se estéril se as pessoas deixarem de participar em espetáculos desportivos ou deixarem de praticar certas modalidades com receio da violência ou do ódio infamante de terceiros.
Os direitos fundamentais à cultura física e ao desporto, entre os demais direitos culturais, é que constituem a razão de ser das tarefas do Estado na promoção, estímulo, orientação e apoio da prática desportiva, como resulta da norma constitucional:
«Artigo 79.º
(Cultura física e desporto)
1 – Todos têm direito à cultura física e ao desporto.
2 – Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto».

Por outras palavras, não é o espetáculo desportivo que releva como objeto do direito fundamental nem das tarefas públicas que o incrementam. O Estado tem incumbências onerosas neste setor, mas que obedecem a uma função consignada. Encontram-se ao serviço da cultura física e do desporto, sem que haja uma garantia institucional das corporações desportivas, muito menos de serem apoiadas ou de serem todas apoiadas por fundos públicos. Nem o aparelho do Estado pode servir-se do desporto como instrumento para outros fins, nem às instituições desportivas pode permitir-se que condicionem a vida política.
Há vozes particularmente autorizadas a admitirem, justamente por conta destas incumbências públicas na atividade desportiva, uma maior separação entre os poderes desportivos e o poder político.
Assim, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA[77] não excluem a admissibilidade de o fazer «quer através de incompatibilidades de cargos nos dois campos, quer através de medidas de transparência obrigatória nas relações financeiras entre o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais, por um lado, e os clubes desportivos, por outro lado», uma vez que «o desporto é hoje um fenómeno de massas, dado o número de praticantes, de adeptos e de espetadores, sendo por isso muito tentador o seu aproveitamento ou instrumentalização para efeitos políticos e partidários, a todos os níveis do poder (local, regional e nacional)».
Por seu turno, do n.º 2 do artigo 79.º da Constituição, resulta para o Estado uma específica tarefa de prevenir a violência no desporto.
É precisamente essa missão de prevenir a violência no desporto a justificar no artigo 48.º do RJFD que entre as inelegibilidades para órgãos federativos se encontrem as infrações «em matéria de violência», expressão que suscita especiais dificuldades perante o grau de indeterminação do conceito e em face da pluralidade de contextos em que os comportamentos violentos podem ter lugar: desde a intimidade doméstica aos estádios de futebol.
Vimos como a corrupção, seja contra a imparcialidade administrativa, seja contra a verdade desportiva, guarda, no essencial, uma matriz comum que se identifica pela venalidade, pelo comércio de bens públicos indisponíveis e pela pusilanimidade com que se deixa aviltar o superior interesse geral.
Essa matriz é bem clara no artigo 48.º do RJFD. Tanto se compreende a inelegibilidade de quem, sendo dirigente desportivo, foi condenado por certos crimes de corrupção («no exercício de cargos dirigentes em federações desportivas ou […] contra o património destas») como a inelegibilidade de quem foi condenado pela prática de outros crimes de corrupção – corrupção por agentes desportivos contra a verdade desportiva ou corrupção comum por funcionário ou titular de cargo político.
O mesmo vale para os crimes cuja descrição legal contenha uma manifestação de racismo ou de xenofobia.
Dito isto, o problema permanece, contudo, em torno das infrações tipicamente praticadas com violência.
Basta percorrer a parte especial do Código Penal para descortinarmos um vasto conjunto de crimes que, nos seus elementos típicos, contêm o uso de meios violentos ou a ameaça do seu emprego.
Entres outros, podem ser recenseados os seguintes:
- Violência doméstica (cfr. artigo 152.º),
- Coação (cfr. n.º 1 do artigo 154.º),
- Tráfico de pessoas (cfr. alínea a] do n.º 1 do artigo 160.º),
- Rapto (cfr. n.º 1 do artigo 161.º),
- Coação sexual (cfr. n.º 1 do artigo 163.º),
- Violação (cfr. n.º 1 do artigo 164.º),
- Lenocínio (cfr. alínea a] do n.º 2 do artigo 169.º),
- Roubo (cfr. artigo 210.º),
- Dano com violência (cfr. n.º 1 do artigo 214.º),
- Extorsão (cfr. n.º 1 do artigo 223.º),
- Subtração de menor (cfr. alínea b] do n.º 1 do artigo 249.º),
- Impedimento, perturbação ou ultraje a ato de culto ou de cerimónia fúnebre (cfr. artigos 252.º e 253.º),
- Participação em motim (cfr. artigo 302.º),
- Entrega ilícita de pessoa a entidade estrangeira (cfr. artigo 321.º),
- Alteração violenta do Estado de direito (cfr. artigo 325.º),
- Incitamento à desobediência coletiva (cfr. artigo 330.º),
- Ligações com o estrangeiro para subverter o Estado de direito (cfr. artigo 331.º),
- Coação contra órgãos constitucionais (cfr. artigo 333.º),
- Obstrução à inscrição de eleitor (cfr. n.º 1 do artigo 337.º),
- Perturbação de assembleia eleitoral (cfr. n.º 1 do artigo 338.º),
- Coação de eleitor (cfr. artigo 340.º),
- Resistência e coação sobre funcionário (cfr. n.º 1 do artigo 347.º),
- Tirada e motim de presos (cfr. artigos 349.º e 354.º).
Mas, além destes, relativamente aos quais, encontramos expressis verbis, a violência como elemento do tipo, há muitos outros que não podem deixar-se à margem apenas por não usarem a concreta expressão ‘violência’ nem nenhum dos seus cognatos. Pensamos nos crimes cuja descrição inculca o uso da força ou a ameaça da força sem, contudo, adjetivarem o comportamento típico como sendo violento.
GERMANO MARQUES DA SILVA[78] explica a dificuldade em identificar verbalmente categorias criminais, sobretudo sem se recorrer a um bem jurídico comum, uma vez que o legislador emprega elementos muito heterogéneos:
«São elementos descritivos aqueles cujo conhecimento se opera através de simples verificação sensorial (matar, ferir, destruir). A identificação de tais elementos dispensa, em regra, qualquer valoração.
Ao lado dos elementos descritivos encontramos os chamados elementos normativos, que só podem ser compreendidos mediante valoração jurídica ou cultural. Encontramos exemplos da primeira hipótese quando na descrição do comportamento se referem elementos de natureza jurídica como moeda, documento, etc.; da segunda, quando o tipo se refere a elementos cujo conhecimento exige o recurso a valores culturais, como a honra, a consideração, etc.
Uma terceira espécie entrelaça elementos descritivos e normativos, que se determinam através de um juízo cognitivo, que deriva da experiência e dos conhecimentos que esta proporciona (v.g. perigo)».

Estamos em crer que o elemento ‘violência’ pertence justamente a esta terceira espécie compósita. A violência traduz uma valoração particularmente negativa dos intentos e dos meios usados pelo agente. Traz consigo um lastro de excesso na agressão, de incontinência no uso da força, de intimidação na ameaça.
Todas as infrações em cuja condenação tenha pesado como requisito ou como circunstância agravante a violência do comportamento descrito na lei, cabem na inelegibilidade, desde que se verifique o trânsito em julgado ou haja caso decidido (e, obviamente, não tenham decorrido cinco anos sobre o termo final da pena).
Violência que pode caracterizar o ilícito desportivo, que caracteriza alguns ilícitos de mera ordenação social associadas ao desporto[79] e outras que, fora desse âmbito, são cometidas com tanta ou maior violência e punidas com sanções contraordenacionais ou disciplinares.


VII – Da inconstitucionalidade material e da inconstitucionalidade orgânico-formal da inelegibilidade em prazo uniforme por infrações descritas de modo vago.
Todavia, e chegados a este ponto, havemos de reconhecer que o enunciado do artigo 48.º do RJFD suscita fortes dúvidas quanto à sua conformidade em relação a determinadas normas e princípios constitucionais[80].
Considerando o estatuto das federações desportivas, as atribuições de natureza pública que lhes são confiadas e os poderes de autoridade pública de que são incumbidos os respetivos órgãos, qualificámos a elegibilidade para órgãos das federações desportivas como condição do acesso a cargos públicos, constituindo parte do direito protegido pelo n.º 3 do artigo 50.º da Constituição. Trata-se, pois, de um direito político.
E, acrescidamente é um direito civil, em face da natureza privada das federações desportivas e da capacidade eleitoral passiva que encerra.
Perante algumas das inelegibilidades determinadas pelo artigo 48.º do RJFD, não há como deixar de perguntar pelo sentido de proibir a perda de direitos civis e políticos decorrente da condenação e execução de uma pena, de uma sanção contraordenacional ou disciplinar.
E não há como deixar de perguntar pela infração ao disposto no n.º 4 do artigo 30.º [81] da Constituição, no pressuposto de a perda do direito a ser eleito constituir um efeito necessário e inelutável de uma sanção aplicada.
«Artigo 30.º
(Limites das penas e das medidas de segurança)
(…)
4 – Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
(…)».

Entendeu o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 473/2009, de 23 de setembro de 2009[82], em sintonia com jurisprudência pacífica precedente ali citada, que esta norma constitucional «proíbe ao legislador ordinário a possibilidade de criar um sistema de punição complexa, no seio do qual a lei possa fazer corresponder automaticamente à condenação pela prática de determinado crime, e como seu efeito, a perda de direitos», ou, como deliberou no acórdão n.º 239/2008[83], «sem necessidade de se efetuar um juízo que pondere, na situação concreta, a adequação e necessidade da produção desses efeitos», sendo «imprescindível a mediação de um juízo que avalie os factos praticados e pondere a adequação e necessidade de sujeição do condenado a essas medidas, não podendo as mesmas resultarem ope legis da simples condenação penal».
Objetar-se-ia que o efeito não é absolutamente inelutável, porquanto, como resulta da parte final do artigo 48.º do RJFD, ele pode sobrestar, se assim o entender o tribunal: «(…) salvo se sanção diversa lhe tiver sido aplicada por decisão judicial». Como se viu, nos termos do Código Penal, a privação temporária do exercício de certas funções pode ser determinada como pena substitutiva (cfr. n.º 2 do artigo 46.º) ou como pena acessória (cfr. artigo 66.º).
A objeção não pode, contudo, singrar. Desde logo, por no artigo 48.º do RJFD caberem sanções aplicadas por autoridades administrativas que não passam sequer pelos tribunais. Depois, porque nada vincula o tribunal a optar entre o efeito automático da condenação ou a aplicação de sanção diversa. De resto, como pode o tribunal, ao proferir uma condenação, representar a eventualidade de o arguido no quinquénio imediatamente posterior ao cumprimento da pena vir a ter como propósito exercer um mandato numa das muitas dezenas de federações desportivas? Só um absurdo enxerto do princípio do pedido facultaria ao arguido requerer ao tribunal que lhe aplicasse uma pena acessória de inibição do desempenho de mandatos desportivos, estimando, assim, conseguir um tempo de inelegibilidade inferior a cinco anos.
Por outro lado, dir-se-ia não infringida aquela norma constitucional, na linha do que deliberou este corpo consultivo, no Parecer n.º 14/90, votado em 6 de dezembro de 1990[84], no sentido de que o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição «apenas proíbe que o legislador ordinário ligue automaticamente a perda [de] direitos à condenação em pena de certa natureza ou gravidade, mas já não à condenação por certos crimes, enunciados nominalmente ou através de um critério geral».
O elenco de infrações a partir de elementos típicos, como a dopagem ou a corrupção satisfariam a necessidade de um critério geral, a preencher pelos tribunais, mas tem de recusar-se igual estatuto à imprecisão usada pela lei ao referir-se a infrações «em matéria» de racismo, xenofobia ou, principalmente violência. O preenchimento destes conceitos em face da cada caso concreto acaba por ser devolvido à função administrativa, a começar pelos órgãos das próprias federações desportivas, deliberando sobre a elegibilidade, ou não, de uma determinada pessoa[85].
Opor-se-ia, contudo, que o efeito automático decorre de crimes, apesar de tudo, determináveis, e não simplesmente da pena, da sua natureza ou medida. Isto no caso de infrações criminais «em matéria» de dopagem ou corrupção.
A norma do artigo 48.º do RJFD só parcialmente infringiria o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
A distinção entre efeitos da pena e efeitos do crime[86] não é de ordem nominal ou formal, como poderia parecer.
A indexação a uma certa pena, sem mais, apenas pela sua natureza e medida, deixa ignorado o motivo da condenação.
Já, pelo contrário, um crime ou categoria razoavelmente determinada de crimes revelam em concreto um determinado comportamento, permitindo estabelecer um nexo com a inelegibilidade imposta e saber da adequação, da necessidade e proporcionalidade em sentido estrito da medida.
Com efeito, uma coisa é associar efeitos automaticamente a todo e qualquer crime, apenas por ser punível com uma certa pena (v.g. o conceito pregresso de pena de prisão maior), outra bem diferente é partir de um certo crime ou de uma categoria de crimes (v.g. criminalidade violenta).
Esta diferença entre efeito do crime e da pena foi assinalada por MÁRIO ARAÚJO TORRES[87] em comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/84, de 15 de fevereiro de 1984[88] e a um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de julho de 1983[89].
Louvando-se este Autor no legado de EDUARDO CORREIA[90], escreveu, em crítica ao julgamento por inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar, o seguinte:
«Afigura-se-nos, porém, que neste acórdão não se atentou na diferença entre a perda de direitos civis, profissionais ou políticos ser consequência automática da condenação em certa pena e ser consequência necessária da condenação por certo crime».

E prossegue o Autor[91]:
«Resumindo: a Constituição apenas proíbe que a condenação em certa pena implique automaticamente a perda de quaisquer direitos profissionais, civis ou políticos; não proíbe que estas consequências se sigam necessariamente à condenação por certos crimes. Aqui o legislador ordinário tem liberdade para optar entre dois sistemas: ou enumera os tipos de crimes que acarretam aquelas consequências – como fez o § único do artigo 65.º do Código Penal de 1886 e o artigo 37.º do Código de Justiça Militar vigente –, ou formula um critério geral orientador da decisão que, caso a caso, será tomada pelo julgador – como o fez o Código Penal de 1982. Segundo aqueles Códigos, um funcionário ou um militar condenado por furto em pena de prisão é necessariamente demitido; segundo este, só o será se o juiz entender que o agente praticou o crime com flagrante e grave abuso da função que exerce, ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, ou revelando incapacidade ou indignidade para exercer o cargo, ou implicando a perda de confiança geral necessária ao exercício da função».

Dito de outro modo, há uma diferença essencial, no que toca a efeitos automáticos, entre o crime concretamente praticado e uma determinada pena aplicada por um qualquer crime.
Apenas nesta hipótese se infringiria o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
E pode ainda acrescentar-se com apoio em autorizadas opiniões que normas como a do artigo 48.º do RJFD não contêm propriamente uma sanção penal, mas um pressuposto de facto das condições de elegibilidade para certos cargos públicos[92].
Com efeito, ao determinar inelegibilidades para certos cargos públicos pode o legislador decidir, com inteira legitimidade, que a recente condenação de alguém por ter cometido certo delito o torna suspeito para exercer poderes públicos de autoridade e afeta a dignidade do órgão. O que deve é enunciar, da forma mais clara que possa, quais sejam esses crimes especialmente desprestigiantes para o cargo ou mandato e estabelecer um termo razoável.
Em anotação de MÁRIO FERREIRA MONTE[93] ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/2009, pode ler-se com especial interesse:
«[E]xistem obviamente razões para considerar a inelegibilidade uma medida ou condição (negativa) de candidatura a um cargo político, com causas diversas, entre as quais, a da condenação prévia por crime no exercício de cargo político, não, como é óbvio, como efeito penal dessa condenação, antes como condição que confere idoneidade, isenção e dignidade ao exercício de um cargo de natureza política.
Assim sendo, ela [a inelegibilidade] não será uma sanção acessória, também não será um efeito da pena, senão uma condição material e procedimental de elegibilidade – na sua vertente positiva – que, comportando uma restrição de direitos fundamentais, em todo o caso, limitada no tempo, se justifica constitucionalmente pela aplicação do artigo 18.º da CRP».

Aqui chegados, ainda poderíamos admitir a conformidade constitucional do artigo 48.º do RJFD na parte em que determina ser inelegível para órgãos das federações desportivas quem tiver concluído o cumprimento de pena há menos de cinco anos, por condenação transitada em julgado pela prática de infração «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», não fora a imprecisão da parte inicial da proposição – «em matéria de (…)».
Esta expressão, introduz uma ampla incerteza e sobrestima a pena aplicada como causa da restrição, ao diluir o nexo que haveria de mostrar-se líquido com determinadas infrações, especificadas ou delimitadas segundo categorias verbais adequadas.
Acrescem outros aspetos por que a mesma norma incorre em inconstitucionalidade.
Neste ponto da consulta, decerto, já foi possível estranhar a rigidez do termo final da inelegibilidade para órgãos das federações desportivas – o tempo do cumprimento da pena, acrescido por mais cinco anos, salvo decisão judicial diversa – independentemente da medida da sanção aplicada, da censurabilidade do comportamento e da natureza criminal, meramente contraordenacional ou disciplinar do ilícito.
Ora, ainda que se admita, como nos parece dever admitir-se, que as causas de inelegibilidade encontram arrimo suficiente no n.º 3 do artigo 50.º e no n.º 2 do artigo 79.º da Constituição, para valerem como restrições válidas ao direito de acesso a cargos públicos, o certo é que comprometem indelevelmente o critério de moderação que se fixa no n.º 2 do artigo 18.º, também da Constituição.
Se o tribunal não aplicar nem pena de substituição nem pena acessória equivalente à inelegibilidade, a falta de capacidade eleitoral passiva por mais cinco anos, tal como resulta do artigo 48.º do RJFD, revela-se um efeito tarifado. Uma severa condenação penal ou uma leve punição disciplinar operam o mesmo efeito. É dirimente e irredutível: cinco anos.
A inelegibilidade resulta, por igual, de situações desiguais, violando a proibição constitucional do arbítrio (cfr. artigo 13.º da Constituição).
A restrição operada pela norma mostra-se tão rígida que só pode ser mitigada por uma eventual substituição da pena ou pela aplicação de pena acessória com menor extensão. O tribunal não pode simplesmente remover o efeito da inelegibilidade. E se porventura a sanção for administrativa e não impugnada, mais ostensiva é a impossibilidade de uma certa modulação.
Quer isto significar que a rigidez e uniformidade do termo de cinco anos, sem atender à gravidade das infrações nem distinguir entre as que são punidas com pena de prisão ou de multa, com coima ou sanção disciplinar, atingem a proibição do excesso que obriga todas as restrições sobre direitos, liberdades e garantias a limitarem-se ao necessário, de acordo com norma constitucional:
«Artigo 18.º
(Força jurídica)
(…)
2 – A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos.
(…)».

A norma do artigo 48.º do RJFD afronta a tal ponto o princípio constitucional da proporcionalidade[94] que o tempo da inelegibilidade pode revelar-se por superior ao da pena já cumprida.
Se alguém for condenado a dois anos de prisão ou a dez, é sempre de cinco o tempo por que, depois de cumprida a pena, permanece inelegível para órgãos das federações desportivas.
Por último, a norma do artigo 48.º do RJFD, embora aprovada em desenvolvimento de uma lei de bases – que, de resto, nada estabelece sobre condições de elegibilidade para órgãos das federações desportivas[95] – não obteve a necessária autorização legislativa parlamentar, sem o que infringe a reserva parlamentar de competência legislativa da Assembleia da República, tal como resulta do preceito que se transcreve:
«Artigo 165.º
(Reserva relativa de competência legislativa)
1 – É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
a) Estado e capacidade das pessoas;
b) Direitos, liberdades e garantias;
c) Definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal;
(…)».

Ao arrepio da alínea b), o Governo incorreu em inconstitucionalidade orgânico-formal, ao aprovar a referida norma legislativa, cujo conteúdo, recorde-se, institui algumas inelegibilidades para cargos que implicam o exercício de funções públicas (cfr. n.º 3 do artigo 50.º).

Sucede que não estamos perante desconformidade com norma constitucional cujo valor jurídico negativo autorize a desaplicação administrativa[96], como seria o caso da preterição de requisitos de qualificação, cominada pela inexistência jurídica[97].

Por conseguinte, a norma do artigo 48.º do RJFD conserva plenamente a produção de efeitos, sem se alterarem as inelegibilidades verificadas, até que um destes factos venha a ocorrer:

· Declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 282.º da Constituição);
· Desaplicação judicial, a título concreto e incidental, em ação administrativa proposta contra a perda de mandato (artigo 204.º da Constituição); ou,
· Revogação com efeitos retroativos.
A ser declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma do artigo 48.º do RJFD, operam os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, o que significa repristinar o disposto no artigo 43.º do DecretoLei n.º 144/93, de 26 de abril, o qual reduz o campo das infrações determinantes de inelegibilidade àquelas que se mostrem «associadas ao desporto».

Ora, pelos motivos oportunamente expostos, as infrações pelas quais F. veio a ser condenado revelam estreita associação com o desporto, de modo que a repristinação não impede a perda do mandato.

A inelegibilidade superveniente constitui incompatibilidade que determina a perda do mandato (cfr. n, º 1 do artigo 51.º do RJFD).

A não ser prontamente deliberada pela Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, pode justificar a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva por parte do membro do Governo com poderes próprios ou delegados para esse efeito (cfr. alínea a] do n.º 1 do artigo 21, º do RJFD).

A deliberação pode ser impugnada por F., assistindo-lhe o direito de suscitar na ação administrativa a inconstitucionalidade da norma do artigo 48.º do RJFD, de exaurir as vias de recurso ordinário e recorrer, então, para o Tribunal Constitucional (cfr. n.º 1 do artigo 280.º da Constituição) se até lá não ocorrer desaplicação.

E os tribunais podem impedir a repristinação, de acordo com o n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, nomeadamente se entenderem que também a norma anterior é inconstitucional[98], invocando a segurança jurídica ou um «interesse público de excecional relevo» como fundamento para limitar os efeitos do julgamento ou da declaração de inconstitucionalidade.

Porque também a norma do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, é material, orgânica e formalmente inconstitucional, assiste à parte interessada e ao Ministério Público poderem suscitar incidentalmente em juízo a sua invalidade, como pode o tribunal desaplicá-la oficiosamente.

Na verdade, infringia em termos análogos o disposto no n.º 4 do artigo 30.º, no n.º 3 do artigo 50.º e no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, preterindo, de igual modo a reserva relativa dos poderes legislativos da Assembleia da República para criar restrições a direitos, liberdades e garantias (cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 165.º).


VIII – Conclusões.
Em vista do pedido de consulta e, uma vez apreciadas as questões suscitadas, estamos em condições de apresentar as conclusões seguintes:

1.ª – As federações desportivas, cujo regime jurídico se encontra no Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (RJFD) são pessoas coletivas privadas, de substrato associativo e sem fins lucrativos, que, por efeito do reconhecimento da utilidade pública desportiva ou da sua renovação, exercem poderes públicos regulamentares e disciplinares.

2.ª – O exercício de poderes públicos, assim como a atribuição de direitos exclusivos sobre determinados bens, justificam que o essencial da organização interna das federações desportivas e das situações funcionais dos titulares dos seus órgãos sejam considerados de ordem pública e obedeçam a uma configuração particularmente regulamentada por parte da lei.

3.ª – Contudo, essa configuração conhece limites. Assim, a inelegibilidade para órgãos das federações desportivas por condenação na prática de certas infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares tem de conformar-se com o direito fundamental de acesso a cargos públicos (cfr. artigo 50.º da Constituição) e com o regime das restrições a direitos, liberdades e garantias (cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, da Constituição).

4.ª – O disposto no artigo 48.º do RJFD não se limita às incapacidades civis de exercício nem às situações de mora no cumprimento de obrigações patrimoniais para com as federações desportivas. É inelegível quem tiver sido condenado por ilícito penal ou disciplinar no exercício de cargo dirigente de federação desportiva ou por ter lesado o seu património. É inelegível, de igual modo, até cinco anos sobre o cumprimento da pena quem tiver sido condenado por infração criminal, contraordenacional ou disciplinar «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», cumprindo neste domínio distinguir três tipos de comportamentos ilícitos, em categorias progressivamente mais amplas:
(i) as infrações estritamente antidesportivas, concernentes à honestidade das competições desportivas, circunscrita ao ilícito por dopagem (cfr. Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto) e à corrupção antidesportiva (cfr. Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto);
(ii) as infrações cometidas em âmbito ou contexto desportivo e que compreendem, designadamente os comportamentos ilícitos em provas e espetáculos desportivos, nos meios da publicidade e patrocínios desportivos, na imprensa desportiva ou em conteúdos desportivos divulgados por outros meios de comunicação social, em atividades associativas e reguladoras das modalidades desportivas, no trabalho desportivo ou contra a segurança no desporto; e,
(iii) por fim, todas as demais infrações «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», independentemente do contexto dos factos ou das conexões do agente com a atividade desportiva.

5.ª ­ – Nem por imperativo constitucional nem por razões de ordem hermenêutica se encontra fundamento para restringir a aplicação do disposto no artigo 48.º do RJFD às duas primeiras categorias, ou seja, ao âmbito ou contexto desportivo, muito menos ao estrito âmbito antidesportivo.

6.ª – Embora seja de afastar a aplicação analógica de restrições a direitos, liberdades e garantias, sob pena de ser infringida a reserva qualificada de lei que os protege (n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição) nada obriga a interpretar restritivamente, como odiosa restringenda, toda e qualquer norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, como é o caso daquela que determina inelegibilidades temporárias para órgãos das federações desportivas. Seria de interpretar restritivamente apenas se fosse demonstrado que o elemento literal fora além do fim ínsito na norma.

7.ª ­– Da comparação entre o artigo 48.º do RJFD com a norma que, no anterior regime jurídico, estabelecia as inelegibilidades para os órgãos das federações desportivas (o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril) resulta ter sido subtraída a locução «associadas ao desporto» e que circunscrevia as infrações relevantes por cuja condenação se determinava a inelegibilidade nos cinco anos posteriores ao cumprimento da pena.

8.ª – A diferença na sucessão dos dois regimes traduz uma inequívoca intenção do legislador no sentido de alargar o campo das infrações por cuja condenação se incorre na perda temporária do direito de aceder ao desempenho do mandato representativo nos órgãos das federações desportivas. Deixou de exigir-se um nexo de associação direta entre a infração e o desporto.

9.ª – Valem para as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias as regras e princípios da interpretação jurídica, nomeadamente o princípio segundo o qual ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit. O legislador deixou claro quais as infrações que permaneceram indissoluvelmente associadas ao desporto: os crimes praticados no exercício de cargos em federações desportivas ou contra o património destas.

10.ª – No artigo 48.º do RJFD, o legislador empregou conceitos com diferentes graus de precisão, a fim de enunciar inelegibilidades para os órgãos das federações desportivas decorrentes da condenação pela prática de infrações penais, contraordenacionais ou disciplinares «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia, até cinco anos após o cumprimento da pena».

11.ª – Só as infrações em matéria de dopagem são, em sentido próprio, sempre antidesportivas.

12.ª – O conceito de infrações em matéria de corrupção não autoriza distinções. A venalidade do comportamento corrupto não apresenta diferenças significativas entre os crimes de corrupção desportiva e os demais crimes de corrupção, não obstante a diversidade dos bens jurídicos a proteger e independentemente de motivações de filiação desportiva e de circunstâncias desportivas que envolvam a sua prática. A afinidade entre umas e outras infrações, por sua vez, demonstra a continuidade entre os tipos de ilícito, senão mesmo uma relação de especialidade, e reforça a pertinência da interpretação declarativa do disposto no artigo 48.º do RJFD.

13.ª – Todas as infrações cuja prática seja tipicamente descrita como comportamento corrupto, racista ou xenófobo, tenham ou não sido praticadas em contexto ou âmbito desportivo, relevam como motivo de inelegibilidade para órgão de federação desportiva, desde que a condenação transite em julgado ou, por outra forma, se consolide na ordem jurídica.

14.ª ­ – A maior indeterminação sobre o que sejam infrações em matéria de violência já obriga a distinções, até porque nem sempre é esta a expressão usada para identificar normativamente o uso ilegítimo da força, quer no ilícito penal, quer nos ilícitos contraordenacional e disciplinar.

15.ª – Devem considerar-se todas as infrações – associadas ao desporto, ou não – que contenham a violência, o uso da força ou a sua ameaça como elemento do seu tipo ou como circunstância que haja concretamente agravado a condenação.

16.ª ­– Uma vez que é pressuposto da inelegibilidade a condenação em pena a ser cumprida pelo arguido, não vale como impedimento a dispensa da pena. Pelo contrário, a pena suspensa é verdadeiramente uma pena, a cumprir em substituição de outra, e que pode vir a ser revogada.

17.ª – A inelegibilidade por cinco anos, contados do termo final do cumprimento da pena, e que só pode ser encurtada ou ampliada pela aplicação de sanção diversa (v.g. pena de substituição ou pena acessória por tempo inferior ou superior a cinco anos) viola o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, pois ali se proíbe a privação de direitos civis ou políticos como efeito necessário da punição pela prática de infrações cuja qualificação seja demasiado vaga, a ponto de se tornar imperiosa uma apreciação administrativa acerca das condições de elegibilidade de certa pessoa para órgãos das federações desportivas.

18.ª – O legislador pode considerar indigno para exercer determinados poderes públicos, mesmo em órgãos de pessoas coletivas privadas, quem tiver sido recentemente condenado pela prática de certas infrações e, como tal, renunciado ao bom nome e reputação que detinha sem mácula. Reputação que, por um certo tempo, é inidónea para garantir a imparcialidade administrativa na hora de exercer os poderes públicos de autoridade, próprios do órgão em cuja titularidade seria investido.

19.ª – A norma do artigo 48.º do RJFD é materialmente inconstitucional por infringir também o princípio da proibição do arbítrio (cfr. artigo 13.º da Constituição) e o da proporcionalidade ou proibição do excesso (cfr. n.º 2 do artigo 18.º da Constituição) enquanto pressuposto e limite das restrições ao direito de acesso a cargos públicos (cfr. n.º 3 do artigo 50.º da constituição) pois é rigidamente fixado um termo de cinco anos contados do cumprimento de toda e qualquer pena, sem atender à sua duração, à gravidade e censurabilidade do comportamento praticado nem sequer à natureza penal, contraordenacional ou disciplinar do ilícito.

20.ª – Por outro lado, a norma é orgânica e formalmente inconstitucional, pois a aprovação por decreto-lei de desenvolvimento não eximia o Governo à observância da reserva de competência legislativa parlamentar, a respeito de direitos, liberdades e garantias (cfr. alínea b], do n.º 1 do artigo 165.º). Reserva que, por ser relativa, consentia-lhe propor à Assembleia da República que o autorizasse, pelo modo próprio, a instituir inelegibilidades específicas no Regime Jurídico das Federações Desportivas.

21.ª – Todavia, sem que a norma seja declarada inconstitucional com força obrigatória geral (cfr. artigo 282.º da Constituição) os órgãos da Administração Pública e todos os demais aplicadores não jurisdicionais do direito encontram-se vinculados ao seu cumprimento.

22.ª – Como tal, é de aplicar o disposto nos artigos 48.º e 51.º do RJFD à condenação penal praticada por funcionário contra o exercício imparcial dos poderes que lhe estavam confiados e contra a confiança que a comunidade política nele depositou.

23.ª ­– A perda das condições de elegibilidade constitui incompatibilidade que determina a perda do mandato (cfr. n.º 1 do artigo 51.º do RJFD). A não ser prontamente deliberada pela Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, pode justificar a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva (cfr. alínea a] do n.º 1 do artigo 21, º do RJFD).

24.ª – Se vier a ser declarada com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma do artigo 48.º do RJFD, operam os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, o que significa repristinar o disposto no artigo 43.º do DecretoLei n.º 144/93, de 26 de abril, circunscrevendo as infrações determinantes de inelegibilidade àquelas que se mostrem «associadas ao desporto».

25.ª – De todo o modo, constituem casos de corrupção «associada ao desporto» quer o percebimento indevido de fundos prodigalizados pelo agente ao erário de certa associação desportiva, quer a angariação de verbas para apoiar a sua candidatura a um cargo dirigente na mesma coletividade.

26.ª – Em ambos os casos, o comportamento ilícito consistiu no exercício venal de funções públicas, mas em estreita associação com a atividade desportiva.

27.ª – F. deve, portanto, considerar-se inelegível para a Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol, quer em face do artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, como também na hipótese de ser aplicado o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de abril, por repristinação. Inelegível até terem decorrido cinco anos desde o termo do cumprimento da pena a que foi condenado pelo crime de corrupção passiva, enquanto dirigente municipal.

28.ª – No entanto, também a norma a repristinar se revela inconstitucional e por infração das mesmas normas e princípios da Constituição, posto que associa de forma automática a perda temporária de direitos civis e políticos à precedente aplicação de punições (cfr. n.º 4 do artigo 30.º), restringe imoderadamente o acesso a mandatos para exercer poderes públicos (cfr. n.º 3 do artigo 50.º e n.º 2 do artigo 18.º) e preteriu a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º).


ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 19 DE DE JANEIRO DE 2018.


Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – Eduardo André Folque da Costa Ferreira (Relatora) – João Eduardo Cura Mariano Esteves – Maria Isabel Fernandes da Costa – João Conde Correia dos Santos - Maria de Fátima da Graça Carvalho (com voto de vencido em anexo) – Fernando Bento – Maria Manuela Flores Ferreira.


(Maria Fátima da Graça Carvalho)

VOTO DE VENCIDO


Votei vencida quanto à matéria das conclusões 4.ª a 15.ª, acerca do conteúdo dos conceitos utilizados no n.º 1 do artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro.
De facto, não obstante os importantes argumentos invocados no parecer a favor de uma interpretação da referida norma que abrange a prática de todo e qualquer ilícito (penal, contraordenacional e disciplinar) «em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia», independentemente de terem sido ou não cometidos em contexto desportivo ou de estarem ou não associados de algum modo à atividade desportiva, e não obstante reconhecer também que importantes elementos de ordem literal, relevando mesmo da evolução do texto da norma, poderiam apontar nesse sentido, a verdade é que dou particular importância a outros argumentos, sobretudo de ordem lógico-racional, sistemática e teleológica que, a meu ver, justificam uma interpretação mais restritiva da norma no sentido de que apenas relevam para o efeito de inelegibilidade por ela cominado os ilícitos que ofendam a ética desportiva ou que constituam “manifestação antidesportiva”.
De facto, por maior que possa e deva ser a preocupação do legislador com a ética e idoneidade dos dirigentes desportivos, não se mostra compreensível que estabeleça um regime de inelegibilidades para estes dirigentes tão diferenciado e tão mais exigente daqueles que o mesmo legislador estabelece para os diversos titulares de cargos públicos.
Tal disparidade e a abrangência da previsão, como o parecer a acolhe, redunda num larguíssimo leque de situações determinantes de inelegibilidades dos dirigentes desportivos em situações que se afiguram manifestamente excessivas e desproporcionais.
Ora, se atentarmos nas normas da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro), no desenvolvimento das quais foi aprovado o citado artigo 48.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, encontramos elementos que nos levam a concluir que o legislador tinha em vista apenas as infrações atentatórias da ética desportiva, ou seja, determinadas infrações praticadas em contexto desportivo e assim associadas à atividade desportiva. Dou particular importância ao n.º 2 do artigo 3.º da referida lei de bases, que tem por epígrafe “Princípio da ética desportiva”, e que dispõe: «Incumbe ao Estado adotar as medidas tendentes a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação».
A inclusão da mesma especificação, do mesmo elenco e dos mesmos conceitos no citado artigo 48.º leva-me a concluir que existe uma identidade dos respetivos conteúdos na previsão de ambas as normas e que, tal como no artigo 3.º n.º 2 da lei de bases, também no n.º 1 do artigo 48.º do regime jurídico se visam apenas as práticas ilícitas que constituem «manifestações antidesportivas» e já não quaisquer outras que lhe sejam completamente alheias.
Assim, a única solução que se me afigura compreensível e coerente no âmbito do sistema é a que reduz o campo de aplicação do artigo 48.º aos ilícitos de diversa natureza – especificados pelo legislador – desde que atentem contra a ética desportiva e consistam em manifestações antidesportivas, ou seja, cuja comissão esteja de algum modo associada à atividade desportiva e já não os ilícitos cometidos em contexto totalmente alheio a essa atividade.
A interpretação que preconizo, não sendo suficiente para afastar os problemas de inconstitucionalidade da norma, bem explanados no parecer (que, nesta parte, acompanho), sempre consagraria também, pelo menos no que à proporcionalidade concerne, uma solução mais consentânea com os princípios constitucionais.



[1] Através do ofício n.º 445/2017, de 20 de setembro de 2017. O pedido de parecer foi distribuído ao relator, em 28 de setembro de 2017, por despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República.
[2] Lei n.º 47/86, de 15 de outubro, na redação fixada desde a publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril.
[3] Alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, e pela Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto.
[4] Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, do qual tomamos por referência a redação dada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, e que representa a 45.ª alteração posterior à revisão empreendida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março.
[5] Alterada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro
[6] Cuja atual redação conhece alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2008, de 29 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 242/2012, de 7 de novembro, pela Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto, pela Lei n.º 55/2015, de 23 de junho, e pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio.
[7] A favor da aplicação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição a norma disciplinar, mesmo no contexto de uma ordem profissional, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 368/2008, de 2 de junho, in Diário da República, II Série, n.º 155, de12 de agosto de 2008.
[8] Alterada pela Lei n.º 95/2015, de 13 de agosto. Adota na ordem jurídica interna as regras do Código Mundial Antidopagem e incrimina os seguintes comportamentos: tráfico de substâncias e métodos proibidos (cfr. artigo 44.º), administração de substâncias e métodos proibidos (cfr. artigo 45.º), associação criminosa para os crimes previstos nesta lei (cfr. artigo 46.º). Define outros como ilícito de mera ordenação social (cfr. artigo 49.º) e como infrações disciplinares (cfr. artigo 56.º).
[9] Exceto se demonstrar que decorre de uma autorização de utilização terapêutica ou de outra justificação aceitável.
[10] A menos que a pena seja aplicada por tempo superior (cfr. ii) da alínea k) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto).
[11] Salvo se provarem que o praticante agiu por sua inteira responsabilidade (cfr. n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto).
[12] Com alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril, e pela Lei n.º 13/2007, de 2 de maio.
[13] Regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança. Conheceu alterações por via da Lei n.º 52/2013, de 25 de julho.
[14] E não somente ilícito criminal, como poderia julgar-se à luz dos bens jurídicos em causa.
[15] V. infra, capítulo VI, c).
[16] Cfr. Declaração de retificação n.º 129/93, Diário da República, I Série-A, de 31 de julho de 1993. Alterações e revogações parciais a cargo dos diplomas seguintes: Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de maio, Lei n.º 112/99, de 3 de agosto, e Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de agosto.
[17] Cfr. Artigo 2.º do RJFD.
[18] Cfr. Artigo 4.º do RJFD.
[19] Cfr. Artigo 12.º do RJFD.
[20] Sobre este conceito, v. por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 10 de julho de 2013, processo n.º 1119/13 (www.dgsi.pt).
[21] Assim, no contraponto entre federação desportiva e liga, v. Parecer n.º 114/2004, de 3 de março de 2005, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 72, de 7 de março de 2007; No sentido de os poderes públicos serem atribuídos pelo Estado, e não originários das federações, v. Parecer n.º 7/2001, de 18 de abril de 2001, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 139, de 18 de junho de 2001; Acerca do cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva e de incompatibilidades dos titulares de um órgão, v. Parecer n.º 46/2004, de 25 de novembro de 2004, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 49, de 10 de março de 2005; Sobre o reforço dos poderes disciplinares das federações, no cotejo com as ligas de clubes, v. Parecer n.º 9/2016, de 12 de maio de 2016, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 136, de 18 de julho de 2016. A favor da qualificação de federação desportiva como administração autónoma, v. Parecer n.º 101/98, de 9 de fevereiro de 1989, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 131, de 8 de junho de 1989. A respeito da qualificação de decisões e deliberações de federação desportiva como atos administrativos, v. Parecer n.º 114/85, de 30 de janeiro de 1986, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 173, de 30 de julho de 1986; A respeito da configuração legal de elementos estatutários essenciais, v. Parecer n.º 65/88, de 12 de abril de 1989, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 200, de 31 de agosto de 1989.
[22] As Associações públicas no direito português, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXVII, 1986, p. 73.
[23] Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª edição, Almedina Ed., Coimbra, 2006 (reimp. de 2008), p. 445.
[24] Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª ed., Âncora Ed., Lisboa, 2016, p. 139.
[25] Idem.
[26] Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Ed., 1997, p. 303.
[27] Idem, p. 305.
[28] O novo regime das federações desportivas, in Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Ano VII, 2009 (setembro/dezembro), n.º 19, p. 23.
[29] A Federação Desportiva como sujeito público do sistema desportivo, Coimbra Ed., 2002, p. 702.
[30] Idem, pp. 690-691.
[31] V. pp. 857-858.
[32] In Diário da República, 2.ª Série, n.º 147, de 2 de agosto de 2016.
[33] Ob. cit., p. 862.
[34] Trata-se do Decreto-Lei n.º 273/2009, de 1 de outubro, com alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2013, de 6 de setembro, e pela Lei n.º 101/2017, de 28 de agosto.
[35] Posto que ganharia em prever, especificamente, poderes de tutela administrativa e financeira.
[36] Sobre as inelegibilidades para órgãos das autarquias locais como restrições em sentido próprio v. Entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 430/2005, de 6 de setembro, in Diário da República, II Série, n.º 190, de 3 de outubro de 2005.
[37] A autonomização de uma «forma particular de ‘corrupção’ (aquela na qual não se determina o ato/omissão)», segundo JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, A Reforma Legislativa em Matéria de Corrupção: uma análise crítica das Leis n.ºs 32/2010, de 2 de setembro, e 41/2010, de 3 de setembro, Wolter Kluwers/Coimbra Ed., 2011, p. 79.
[38] Na redação alterada sucessivamente pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro, pela Lei n.º 30/2008, de 10 de julho, pela Lei n.º 41/2010, de 3 de setembro, pela Lei n.º 4/2011, de 16 de fevereiro, pela Lei n.º 4/2013, de 14 de janeiro, e pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril.
[39] Assim, as condições meteorológicas adversas ou o apoio mais ou menos entusiasta dos espetadores são determinantes admissíveis, que não põem em causa a igualdade de oportunidades. Por outro lado, a familiaridade com as condições do local das provas e um apoio mais numeroso dos adeptos à equipa anfitriã justificam que em muitos torneios ou campeonatos as partidas sejam disputadas em recintos alternados.
[40] A Corrupção no Fenómeno Desportivo: uma análise crítica, Universidade Católica Portuguesa, Escola de Direito do Porto, 2011, p. 10.
[41] Sobre as «quantias monetárias astronómicas» que o desporto de alta competição atrai, tornando a verdade desportiva presa apetecível de condutas corruptas, v. JOSÉ MOURAZ LOPES, O Espectro da Corrupção, Almedina Ed., 2011, pp. 69 e seguintes. Especificamente a respeito das apostas desportivas através de meios eletrónicos, v. LUÍS ALEXANDRE SERRAS DE SOUSA, As perigosas ligações entre as apostas desportivas online e o match fixing, in Direito e Finanças do Desporto (JOÃO MIRANDA/NUNO CUNHA RODRIGUES), Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (suporte eletrónico), Lisboa, 2015, pp. 152 e seguintes.
[42] As alíneas anteriores referem-se ao dirigente desportivo: aquele que for «o titular do órgão ou o representante da pessoa coletiva desportiva, quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da atividade e o diretor desportivo ou equiparado» (cfr. alínea a)) ao técnico desportivo, definido como «o treinador, o orientador técnico, o preparador físico, o médico, o massagista, os respetivos adjuntos e quem, a qualquer título, orienta praticantes desportivos no desempenho da sua atividade» (cfr. alínea b)), ao árbitro desportivo, definido como sendo «quem, a qualquer título, principal ou auxiliar, aprecia, julga, decide, observa ou avalia a aplicação das regras técnicas e disciplinares próprias da modalidade desportiva» (cfr. alínea c)), ao empresário desportivo, que é «quem exerce a atividade de representação, intermediação ou assistência, ocasionais ou permanentes, na negociação ou celebração de contratos desportivos» (cfr. alínea d)) e, por fim, as pessoas coletivas desportivas, conceito sob o qual se designam «os clubes desportivos, as sociedades desportivas, as federações desportivas, as ligas profissionais, as associações e agrupamentos de clubes nelas filiados, bem como as pessoas coletivas, sociedades civis ou associações que representem qualquer das categorias de agente desportivo referidas nas alíneas anteriores» (cfr. alínea e)).
[43] O(s) crime(s) de corrupção desportiva, in Liber Amicorum Manuel Simas dos Santos (coord. ANDRÉ PAULINO PITON/ ANA TERESA CARNEIRO), Rei dos Livros Ed., Lisboa, 2016, pp. 780-781.
[44] O Autor refere-se ao Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de outubro.
[45] O Autor refere-se à Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto.
[46] JOÃO LIMA CLUNY, ob. cit., p. 792.
[47] Ob. cit., p. 796.
[48] A. ALMEIDA COSTA, Sobre o Crime de Corrupção, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1984.
[49] JOÃO LIMA CLUNY, ob. cit., p. 797.
[50] Ibidem.
[51] ELISABETE CLETO DOS REIS, A corrupção no desporto in Direito e Finanças do Desporto (JOÃO MIRANDA/NUNO CUNHA RODRIGUES), Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (suporte eletrónico), Lisboa, 2015, p. 180.
[52] Sem prejuízo de outros proveitos ilícitos a retirar do resultado falseado.
[53] Ob. cit., p. 179.
[54] Ob. cit., p. 81.
[55] O Espectro da Corrupção, Almedina Ed., Coimbra, 2011, pp. 71-72.
[56] O autor refere-se à convenção adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 31 de outubro de 2003, que a Assembleia da República aprovou, através da Resolução n.º 47/2007, de 21 de setembro, e o Presidente da República ratificou, através do Decreto n.º 97/2007, de 21 de setembro, conforme o Aviso n.º 148/2008, de 30 de julho, que tornou público o depósito do instrumento de ratificação.
[57] «Artigo 13.º
(Inelegibilidade)
A condenação definitiva dos membros dos órgãos autárquicos em qualquer dos crimes de responsabilidade previstos e definidos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, implica a sua inelegibilidade nos atos eleitorais destinados a completar o mandato interrompido e nos subsequentes que venham a ter lugar no período de tempo correspondente a novo mandato completo, em qualquer órgão autárquico».
[58] «Artigo 29.º
(Efeitos das penas aplicadas a titulares de cargos políticos de natureza eletiva)
Implica a perda do respetivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de cargo político:
a) Presidente da Assembleia da República;
b) Deputado à Assembleia da República;
c) Deputado ao Parlamento Europeu;
d) Deputado a assembleia regional;
e) (Revogada.)
f) Membro de órgão representativo de autarquia local.
[59] Há muito vinha este Conselho Consultivo pugnando por um tal critério na aferição da idoneidade como requisito de provimento na função pública. Assim, pode ler-se entre as conclusões do Parecer n.º 115/83, de 13 de maio de 1983: «A exigência de certificado de registo criminal limpo que vem sendo imposta como regra aos candidatos a quaisquer cargos na Administração Pública não se conforma com os princípios constitucionais nem com a filosofia políticocriminal de ressocialização do delinquente, sem prejuízo da verificação da eventual inibição de exercício de funções ou equiparadas, decretada judicialmente», in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 332, p. 278.
[60] Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua 9.ª versão, em resultado da redação dada pela Lei n.º 73/2017, de 23 de agosto.
[61] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, cuja redação veio a ser retificada, conforme publicação no Diário da República, Série I, 6 de janeiro de 1983. A primeira alteração resultou do Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de outubro, retificada conforme declaração publicada no Diário da República, Série I, de 31 de outubro de 1989. Veio a conhecer nova revisão com o Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, e duas alterações subsequentes: a primeira, por via do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de dezembro, a segunda, através da Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro.
[62] Cfr. Entre outros, n.º 1 do artigo 12.º do Estatuto do Gestor Público (Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, na atual redação atribuída pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho; artigo 30.º-D do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, com a redação atualmente vigente, atribuída pela Lei nº 109/2017, de 24 de novembro.
[63] Das seguintes federações desportivas: de Futebol (anexo aos Estatutos alterados segundo escritura pública outorgada em 9 de novembro de 2016) de Surf (19 de dezembro 2015), de Ciclismo (8 de fevereiro de 2010), de Judo (versão alterada em 7 de fevereiro de 2016), de Columbofilia (25 de julho de 2009), de Golfe (versão alterada em 29 de junho de 2016), de Vela (versão alterada em 26 de abril de 2016), de Desporto para Pessoas com Deficiência (26 de março de 2015), de Bilhar (12 de agosto de 2015), de Remo (23 de março de 2015), de Natação (23 de novembro de 2015), de Andebol (13 de agosto de 2012), de Atletismo (13 de setembro de 2014) de Basquetebol (versão alterada em 28 de março de 2015), de Bridge (14 de dezembro de 2016), de Canoagem (25 de março de 2017), de Rugby (14 de setembro de 2015), de Ténis (Estatutos, aprovados em 29 de novembro de 2014) e de Voleibol (Estatutos aprovados em 11 de abril de 2015).
[64] Cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º: São elegíveis para titulares dos órgãos federativos, e para delegados à Assembleia Geral, os cidadãos que, cumulativamente, preencham os seguintes requisitos: (…) e) Não hajam sido punidos por infração de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia associadas ao desporto, ou que, tendo-o, hajam já decorrido cinco anos após o cumprimento da sanção».
[65] Cfr. alínea c) do artigo 3.º: «São elegíveis para os órgãos da Federação os maiores de 18 anos que, cumulativamente: (…) c) Não tenham sido punidos por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar, em matéria de dopagem, violência, corrupção, racismo ou xenofobia, associadas ao desporto em geral e ao Bridge em particular, ou que, tendo-o sido, tenham já decorrido cinco anos após o cumprimento da respetiva pena».
[66] Cfr. alínea d) do artigo 40.º: «São condições de elegibilidade para os Órgãos Sociais: (…) d) Não ter sido punido por infrações de natureza criminal, contraordenacional ou disciplinar em matéria de violência, dopagem, corrupção, racismo e xenofobia associadas ao desporto, até cinco anos após o cumprimento da pena».
[67] www.pgdlisboa/leis/lei_mostra_articulado.
[68] Idem.
[69] www.dgsi.pt.
[70] Diário da República, 1.ª Série, n.º 193, de 7 de outubro de 2016.
[71] Por seu turno, o Tribunal Constitucional não julgou desconforme com o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, a interpretação da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, segunda a qual, a pena de prisão suspensa, sendo embora uma pena, não tem que ter o mesmo tratamento que a pena de prisão privativa da liberdade, em matéria de recurso (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/2010, de 6 de outubro de 2010, 3.ª Secção, in Diário da República, Série II, n.º 218, de 10 de novembro de 2010.
[72] E de lei parlamentar ou decreto-lei autorizado, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
[73] Constituição Portuguesa Anotada (JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS), Tomo I, 2.ª ed., Wolters Kluwer – Portugal/Coimbra Ed., 2010, p. 361.
[74] Cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 4.ª ed., Coimbra Ed., 2000, pp. 267-268.
[75] V. JORGE MIRANDA, ob. cit., p. 268.
[76] V. ÁLVARO MELO FILHO, Especificidade do desporto: projeções jurídicas, in Desporto & Direito, n.º 17, Ano VI (2009). Escreve o Autor: «[A] especificidade desportiva em razão de poliédricas funções e fundamentos, erige-se como fator de participação na vida social, de tolerância, de aceitação das diferenças e de respeito às regras que conduzem à promoção da ética e da solidariedade, infundindo na sociedade sua mensagem de fair play e de universalismo». (p. 259). Acrescenta, entre outros fatores da especificidade desportiva, nomeadamente a integridade e equilíbrio das competições desportivas e a imprevisibilidade do resultado das partidas (p. 262). No mesmo sentido, v. AMANDA RUSSO NOBRE, Desporto como Direito Social, in Direitos Humanos e Ética no Desporto (Coord. JÓNATAS E.M. MACHADO), Coimbra Ed., 2015, pp. 115-116.
[77] Constituição da República Portuguesa – Anotada, vol. 1, 4.ª ed., Coimbra Ed., p. 937.
[78] Direito Penal Português – Teoria do Crime, Universidade Católica Ed., Lisboa, 2015, p. 28.
[79] No capítulo I, já nos referimos a duas contraordenações previstas na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho: «a prática de atos ou o incitamento à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis» (cfr. alínea d), do n.º 1 do artigo 39.º) e, por parte de promotores e organizadores de espetáculos desportivos e proprietários de recintos desportivos, «o incitamento ou a defesa públicas da violência, do racismo, da xenofobia, da intolerância ou do ódio, nomeadamente através da realização de críticas ou observações violentas, que utilizem terminologia desrespeitosa, que façam uso da injúria, difamação ou ameaça, ou que afetem a realização pacífica e ordeira dos espetáculos desportivos e a relação entre quaisquer entidades, grupos ou indivíduos envolvidos na sua concretização, ou a adoção de comportamentos desta natureza, em violação do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 8.º» (cfr. alínea i), do n.º 1 do artigo 39.º-A).
[80] V. LÚCIO MIGUEL CORREIA/ LUÍS PAULO RELÓGIO, O Novo Regime Jurídico das Federações Desportivas – Anotado e comentado, 2.ª ed., Vida Económica Ed., Porto, 2017, p. 134.
[81] Sobre a formação desta norma na Revisão Constitucional de 1982 e seus antecedentes históricos, v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 748/93, de 23 de novembro de 1993, proc. 109/93, in Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 23 de dezembro de 1993.
[82] Proc. 771/09, 2.ª Secção, in www.tribunalconstitucional.pt.
[83] Proc. 1086/07, Diário da República, 1.ª Série, n.º 94, de 15 de maio de 2008.
[84] Diário da República, II Série, n.º 104, 1.º Suplemento, de 7 de maio de 1991.
[85] Um dos aspetos que reúne maior consenso em torno do n.º 4 do artigo 30.º é o de a proibição ter em vista impedir uma autónoma apreciação administrativa das consequências de uma condenação. Cfr. por todos Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 19/2004, de 13 de janeiro de 2004, 3.ª Secção, in Diário da República, II Série, n.º 42, de 19 de fevereiro de 2004, em que pode ler-se: «A Constituição, partindo do princípio da dignidade da pessoa humana, intentou, através da disposição constante do seu artigo 30.º, que da aplicação de uma pena não pode resultar, de forma meramente automática, a aplicação de uma outra, exigindo, por isso, que a aplicação desta última haja de ser precedida de uma adequada ponderação judicial».
[86] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - Parte Geral II - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Ed., 2009, pp. 160-161.
[87] Suspensão e demissão de funcionários ou agentes como efeito de pronúncia ou condenação criminais, Revista do Ministério Público, n.º 25, 1986 (1.º), pp. 119 e seguintes.
[88] Proc. 27/83, 2.ª Secção, in Diário da República, II Série, n.º 110, de 12 de maio de 1984.
[89] Revista do Ministério Público, n.º 25, 1986 (1.º), pp. 116 e seguintes
[90] Nos trabalhos da Comissão Revisora do Projeto da Parte Geral de Código Penal de 1963, a propósito do artigo 76.º do projeto: «É claro que certos crimes podem implicar, automaticamente, certos efeitos, isso, porém, nada tem que ver com o problema [de] ligar ou não de forma automática certos efeitos a certas penas. Tudo está pois nisto: pode-se ligar certos efeitos a certos crimes (…) mas o que não se deve é ligar certos efeitos a certas penas. Daí que que se continue a considerar o preceito em análise como inteiramente rigoroso e como estando na melhor linha da teoria da chamada ‘pena unitária’», apud MÁRIO ARAÚJO TORRES, loc. cit., p. 123.
[91] Loc. cit. p. 124.
[92] Cfr. Declaração de voto dissidente junta ao citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 473/2009, de 23 de setembro, pelos Conselheiros BENJAMIM RODRIGUES, JOAQUIM DE SOUSA RIBEIRO, MARIA LÚCIA AMARAL e RUI MANUEL MOURA RAMOS.
[93] A perda de mandato e a inelegibilidade emergente de crimes praticados no exercício de cargos políticos, Ac. do Tribunal Constitucional de 23.09.2009, Proc. 771/09, in Direito Regional e Local, n.º 8, 2009, p. 66.
[94] Admitindo um juízo de proporcionalidade mesmo em relação a efeitos mediatos decorrentes da condenação por infrações e deixando abertura, implicitamente, a efeitos consequentes não valorados autonomamente pelos tribunais, v. Voto de de vencido do Conselheiro PEDRO MACHETE, junto ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 331/2016, de 19 de maio de 2016, 2.ª Secção, in Diário da República, Série II, n.º 112, de 14 de junho de 2016.
[95] Limita-se no artigo 39.º a remeter para ulterior ato legislativo a definição de incompatibilidades dos agentes desportivos. No artigo 51.º, contudo, previa-se a distinção entre os desenvolvimentos legislativos sob reserva da competência da Assembleia da República e os demais. Nem sequer os trabalhos preparatórios revelam ter sido tratada a questão das inelegibilidades (cfr. exposição de motivos da proposta de lei n.º 80/X, in www.parlamento.pt).
[96] Sobre a incompetência dos órgãos não jurisdicionais para desaplicarem normas por inconstitucionalidade, no entendimento deste Conselho Consultivo, v. Entre outros, Parecer n.º 4/96, de 16 de junho de 1996, in JOSÉ AUGUSTO GARCIA MARQUES/LUÍS LINGNAU DA SILVEIRA, Procuradoria-Geral da República – Pareceres, V, Lisboa, 1998, p. 90; Parecer n.º 37/2005, de 30 de janeiro de 2005 (inédito); Parecer n.º 66/2005, de 30 de junho de 2005, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 167, de 31 de agosto de 2005; e Parecer n.º 14/2005, de 16 de dezembro de 2005, in Diário da República, 2.ª série, n.º 40, de 24 de fevereiro de 2006.
[97] Ou ainda «(…) se se tratar de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, caso dos direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República», como pode ler-se no Parecer complementar n.º 20/2010, de 17 de janeiro de 2013, in Diário da República, 2.ª Série, n.º 53, de 15 de março de 2013.
[98] Admitindo este fundamento como absolutamente plausível na restrição do efeito repristinatório, v. JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed. Wlters Kluver Portugal/Coimbra Ed., 2010, p. 979.
Anotações
Legislação: 
DL248-B/2008 DE 31/12 ART4 ART9 ART10 ART13 ART48 ART51 ART54; CPENAL82 ART46 ART50 RT65 ART66 ART100 ART132 N2 F) ART152 ART154 N1 ART160 N1 A) N3 ART161 N1 ART163 N1 ART164 N1 ART169 N2 A) ART210 ART214 N1 ART223 N1 ART 240 ART249 N1 B) ART252 ART253 ART302 ART321 ART325 ART330 ART331 ART333 ART337 N1 ART338 N1 ART340 ART347 N1 ART349 ART354 ART372 ART 373 ART374 ART374-A ART374-B; CONST76 ART13 ART18 ART30 N4 ART50 ART79 ART165 ART180 ART198 N1 C) ART267; L5/2007 DE 16/01 ART3 N1 N2 ART14 ART16 ART18 ART19 N3 ART21 ART22 ART23 ART46; L5/2002 DE 11/01 ART1 N1 F); L38/2012 DE 28/08 ART44 ART45 ART46 ART49 N1 N2 N4; L50/2007 DE 31/08 ART1 ART4 ART8 ART9 ART10 ART10-A ART11 ART30 ART34; L39/2009 DE 30/07 ART35 ART39 N1 D) ART39 N1 I) ART42; DL144/93 DE 26/04 ART43; DL273/2009 DE 01/10; L34/87 DE 16/07 ART17 ART18 ART29; DL390/91 DE 10/10; L27/96 DE 01/08 ART13; L35/2014 DE 20/06 ART17 N1 C) ART179 N2; L38/2012 DE 28/08
Jurisprudência: 
AC TCONST N368/2008 DE 02/06; AC STA DE 10/07/2013 P1119/13
AC TCONST N430/2005 DE 06/09/2005
AC REL COIMBRA DE 04/06/2008
AC REL ÉVORA DE 20/01/2015
AC REL COIMBRA DE 12/07/2017
AC STJ N13/2006 DE 07/07/2016
AC TCONST N473/2009 DE 23/09/2009 P771/09
AC TCONST N239/2008 P1086/07
AC TCONST N19/2004 DE 13/01/2004
AC TCONST N16/84 DE 15/02/1984 P27/83
AC REL LISBOA DE 20/07/1983
Referências Complementares: 
DIR DESP/ DIR ADM/ DIR PENAL/ DIR CONST*****
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO
Divulgação
Data: 
18-04-2018
Página: 
11080
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