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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
33/2012, de 22.11.2012
Data do Parecer: 
22-11-2012
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Educação e Ciência
Relator: 
FERNANDO BENTO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FUNDAÇÃO ESCOLA PORTUGUESA DE MACAU
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
ESTATUTOS
UTILIDADE PÚBLICA
TERRITÓRIO DE MACAU
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA
SOBERANIA
SUCESSÃO DE ESTADOS
REASSUNÇÃO
NORMA DE CONFLITO
LEI PESSOAL
PRINCÍPIO DA NÃO INGERÊNCIA
PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE
Conclusões: 
1.ª – A Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, com a natureza de pessoa coletiva de direito privado, não foi afetada na sua existência e na sua natureza com a reassunção da soberania do território de Macau pela República Popular da China, ocorrida em 20 de dezembro de 1999;

2.ª – Face aos elementos constantes do processo, a sede estatutária e a sede da administração da Fundação devem ter-se por localizadas no território de Macau;

3.ª – Tendo em conta o disposto nos artigos 33.º, n.º 1, do Código Civil português e 31.º, n.º 1, do Código Civil de Macau, a Fundação tem como lei pessoal o ordenamento jurídico vigente na Região Administrativa Especial de Macau;

4.ª – Os estatutos da Fundação não foram afetados na sua vigência após 20 de dezembro de 1999, com ressalva de alguns aspetos de natureza terminológica referenciados no corpo do parecer, e ainda dos aspetos seguintes:

a) A referência feita no artigo 14.º, n.º 1, dos estatutos a um «revisor oficial de contas» deverá atualmente considerar-se feita a um auditor de contas inscrito na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas Registados da Região Administrativa Especial de Macau;

b) A norma constante do artigo 16.º, n.º 1, dos estatutos deverá ser interpretada no sentido de conferir ao Estado Português, através do Ministro da Educação e Ciência, o direito de, na sua qualidade de principal cofundador, manifestar a sua concordância ou discordância relativamente a qualquer projeto do conselho de administração visando a alteração dos estatutos da Fundação, constituindo a manifestação de discordância obstáculo a que a modificação estatutária possa ter lugar, conforme disposto no artigo 178.º, n.º 3, in fine, do Código Civil de Macau.

5.ª – Consequentemente, e por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, de tais estatutos, cabe ao Estado Português, através do Ministério da Educação e Ciência, a designação de três dos cinco membros do conselho de administração da Fundação, um dos quais será o presidente.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Educação e Ciência,
Excelência:



Em 9 de agosto de 2012, foi por Vossa Excelência proferido o seguinte despacho[1]:

«Considerando que a Fundação Escola Portuguesa de Macau (FEPM), criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9/04, encontra-se, desde 1999, em território pertencente à República Popular da China;

Considerando a premência do esclarecimento das seguintes questões:

– se continua a FEPM a reger-se pelo direito português ou se, desde a devolução da soberania à República Popular da China, ficou sujeita ao ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM);
- se o Ministro da Educação e Ciência continua, depois disso, a ter legitimidade para proceder à nomeação do Conselho de Administração da FEPM;
– se, na hipótese de estar sujeita ao ordenamento jurídico da RAEM, a FEPM continua a existir enquanto tal e se, assim sendo, os seus estatutos continuam em vigor tal como estão ou se se consideram tacitamente alterados, pelo menos em algumas disposições.

Considerando o parecer emitido pela Secretaria-Geral deste Ministério, com o n.º PL – 2012/4/GSG, que aprecia essas mesmas questões, que se anexa ao presente despacho e que dele faz parte integrante, e de cujas conclusões, se respiga, pela sua relevância, o seguinte:

1-A FEPM, enquanto pessoa coletiva de direito privado do tipo fundação foi instituída por um diploma normativo de direito português tendo-lhe sido fixada sede em Macau, passou a reger-se pelo direito da RAEM conforme os direitos e liberdades garantidos, designadamente os de associação, de ensino e da propriedade privada e também de acordo com as leis anteriormente vigentes, mantidas em vigor, podendo os estabelecimentos de ensino superior continuar a funcionar, mantendo a sua autonomia nas várias vertentes configuradas na lei pedagógica, administrativa e financeira;

2-Neste quadro, o Ministro da Educação e Ciência poderá, nos termos do artigo 5.° dos Estatutos da FEPM, continuar a designar, em nome do instituidor Estado, três membros do C.A., incluindo o presidente, cabendo a designação dos outros dois, um à APIM e outro à Fundação Oriente, enquanto esta última mantiver essa qualidade, ou seja, enquanto não for aprovada a alteração desses estatutos em que seja substituída, eventualmente, pela Fundação de Macau, pessoa coletiva de direito público, instituída pela Lei n.º 7/2001, de 11/06, cujos estatutos foram aprovados pelo Regulamento Administrativo n.º 12/2001, de 26/06, alterados pelo Regulamento Administrativo n.º 4/2006, de 3/04;

3-Independentemente do cumprimento de qualquer formalidade, seja ao abrigo dos Códigos Civis Português e de Macau, seja ao abrigo dos diplomas acerca da declaração de utilidade pública e de registo tanto de Portugal como do Território de Macau ou da RAEM, a FEPM continua a existir e continuam em vigor os estatutos, por agora, tal como estão e sem qualquer alteração tácita, forçada por esses diplomas ou pelos que definiram o quadro jurídico-constitucional da RAEM;

4-Qualquer alteração estatutária da entidade instituidora, a FEPM, através de deliberação dos seus instituidores, com sede em Macau e, portanto, sujeito ao direito próprio da RAEM, terá de processar-se no quadro da legislação própria, designadamente os artigos 140.° a 153.° – disposições gerais – e artigos 173.° a 185.° – fundações – do Código Civil de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 03/08, e entrado em vigor em 1/11/1999, "ex vi" do D.L. n.º 49/99/M, de 27/09, salvo se fosse acordado entre as Altas Partes, a utilização de um "ato normativo" da RAEM.

Determino:

a) Que o teor do parecer n° PL – 2012/4/GSG seja transmitido à FEPM, à IGEC e à SEEAE;

b) Que, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 37.° do Estatuto do Ministério Público, na versão revista e republicada pela Lei n.° 60/98, de 27 de agosto, seja solicitado ao Senhor Procurador-Geral da República que submeta ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República as questões acima identificadas, remetendo, para o efeito, o sempre mencionado parecer n° PL – 2012/4/GSG.»

Cumpre, assim, emitir o parecer solicitado.



I


1. A Fundação Escola Portuguesa de Macau foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, diploma este que, pela sua relevância para o parecer, seguidamente se transcreve:

«Decreto-Lei n.º 89-B/98
de 9 de abril


A aproximação do termo do processo de transição de Macau determinou a tomada de decisão do Governo de criação da Escola Portuguesa de Macau, como medida de salvaguarda da língua e cultura portuguesa naquele território após 20 de dezembro de 1999.
A criação da Escola Portuguesa de Macau implicou, necessariamente e desde o início do processo, a consideração da sua entidade titular.
Ponderadas as circunstâncias históricas e culturais, e sobretudo as circunstâncias do território após a sua transição para a administração chinesa na data já referida, optou-se por uma instituição de direito privado e utilidade pública, designada «Fundação Escola Portuguesa de Macau», aglutinadora de contributos específicos e complementares de ordem educativa, financeira e institucional.
Nesta perspetiva se conjugaram, em torno do projeto, o Estado Português, através do Ministério da Educação, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e a Fundação Oriente, que, nos termos do presente diploma, se constituem na instância responsável pela viabilização da Escola Portuguesa de Macau.
Ao Governo Português, enquanto intérprete dos desígnios nacionais, teria de caber, no entanto, a função de garante fundamental do futuro da instituição e do seu projeto educativo e cultural, o que o presente diploma salvaguarda através da participação maioritária do Ministério da Educação no conselho de administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau.
Deste modo, na sequência do acordado no protocolo celebrado entre o Ministério da Educação, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e a Fundação Oriente, procede-se à criação e organização da Fundação Escola Portuguesa de Macau, tendo para o efeito sido ouvidas e manifestado o seu acordo as entidades já referidas.

Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

Artigo 1.º
Instituição
É instituída pelo Estado, pela Fundação Oriente e pela Associação Promotora da Instrução dos Macaenses uma fundação denominada «Fundação Escola Portuguesa de Macau», adiante designada por Fundação.

Artigo 2.º
Natureza
A Fundação é uma instituição de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, durará por tempo ilimitado, tem a sua sede em Macau, na Avenida do Infante D. Henrique, e reger-se-á pelos estatutos em anexo ao presente diploma, que dele fazem parte integrante, e, subsidiariamente, pela demais legislação aplicável.

Artigo 3.º
Fins
A Fundação tem por fim garantir a criação e as condições de funcionamento e de desenvolvimento de uma escola portuguesa em Macau, podendo, ainda, apoiar e incentivar o fomento de ações, designadamente no domínio da língua portuguesa.

Artigo 4.º
Património
O património da Fundação é constituído pelos valores indicados no artigo 3.º dos respetivos estatutos.

Artigo 5.º
Contribuição financeira
1 – O Estado assegurará, anualmente, um subsídio que representará a contribuição destinada a garantir a sua parte nos meios financeiros previstos no n.º 2 do artigo 3.º dos respetivos estatutos.
2 – A atribuição do subsídio previsto no número anterior está sujeita a visto do Tribunal de Contas.

Artigo 6.º
Membros do conselho de administração
Os membros do conselho de administração serão designados, de acordo com as regras do n.º 1 do artigo 5.º dos estatutos, no prazo máximo de 30 dias após a publicação do presente diploma.

Artigo 7.º
Regime fiscal dos donativos
Os donativos concedidos à Fundação beneficiam automaticamente do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 40.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e no n.º 1 do artigo 56.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, da mesma data.

Artigo 8.º
Escritura pública
O presente diploma constitui título suficiente para todos os efeitos legais, sendo dispensada a celebração de escritura pública para a instituição da Fundação.

Artigo 9.º
Entrada em vigor
O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 19 de março de 1998. (…)
Para ser publicado no Boletim Oficial de Macau.
Promulgado em 2 de abril de 1998.
Publique-se.»


2. Os estatutos da fundação, constantes do anexo ao mesmo diploma, têm a redação seguinte:

«Estatutos da Fundação

CAPÍTULO I

Disposições gerais


Artigo 1.º
Denominação, sede e duração
A Fundação Escola Portuguesa de Macau, adiante denominada por Fundação, tem a sua sede em Macau e durará por tempo ilimitado.


Artigo 2.º
Fins
1 – A Fundação tem por fim garantir a criação e as condições de funcionamento e de desenvolvimento de uma escola portuguesa em Macau, adiante designada por Escola.
2 – A Fundação pode, ainda, apoiar e incentivar o fomento de ações, designadamente no domínio da língua portuguesa.

Artigo 3.º
Regime patrimonial e financiamento
1 – O património inicial da Fundação é constituído:
a) Por um fundo financeiro, no valor mínimo de 500000000$00, ou o seu equivalente em euros, não podendo corresponder a valor inferior a 25 milhões de patacas, constituído pelo Estado, através do Ministério da Educação, e pela Fundação Oriente, nas percentagens, respetivamente, de 51% e 49%;
b) Pela contribuição da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses, traduzida na disponibilização da utilização do terreno e do imóvel onde se encontra a funcionar a atual Escola Comercial Pedro Nolasco, sita na Avenida do Infante D. Henrique, em Macau, para os fins a prosseguir pela Fundação.
2 – Para além das contribuições para o património inicial da Fundação estabelecidas no número anterior, o Estado, através do Ministério da Educação, e a Fundação Oriente obrigam-se a garantir, nas percentagens previstas na alínea a) do número anterior, os meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau, transferindo até 31 de agosto de cada ano os fundos financeiros previstos no orçamento anual da Escola que tenha sido proposto pela direção da Escola e aprovado pelo conselho de administração da Fundação.
3 – O património da Fundação é ainda constituído por:
a) Quaisquer subsídios, donativos, heranças, legados ou doações de entidades públicas ou privadas, portuguesas ou estrangeiras, benefícios que serão aceites desde que não imponham condições que conflituem com os seus fins;
b) Todos os bens, móveis ou imóveis, que a Fundação venha a adquirir, a título gratuito ou oneroso;
c) Rendimentos dos seus bens próprios ou provenientes da prestação de serviços, designadamente no desenvolvimento das atividades referidas no artigo 2.º

CAPÍTULO II
Organização e funcionamento


Artigo 4.º
Órgãos
São órgãos da Fundação:
a) O conselho de administração;
b) O conselho de patronos;
c) O conselho fiscal.

SECÇÃO I
Conselho de administração


Artigo 5.º
Composição
1 – A administração da Fundação é exercida por um conselho de administração composto por cinco elementos, cabendo ao Estado, através do Ministério da Educação, a designação de três, um dos quais presidirá, à Associação Promotora da Instrução dos Macaenses um, com a qualidade de 1.º vice-presidente, e à Fundação Oriente um, com a qualidade de 2.º vice-presidente.
2 – O presidente é substituído, nas suas faltas e impedimentos, pelo 1.º vice-presidente, e na ausência de ambos pelo 2.º vice-presidente.
3 – O exercício de funções dos membros do conselho de administração será gratuito.
4 – O mandato dos administradores é de três anos, renováveis.


Artigo 6.º
Competência do presidente
Compete ao presidente do conselho de administração:
a) Representar a Fundação;
b) Convocar e presidir ao conselho de administração.

Artigo 7.º
Competência do conselho de administração
1 – Ao conselho de administração compete, em geral, a realização dos seus fins e a gestão do seu património.
2 – Compete, em especial, ao conselho de administração quanto à Fundação:
a) Programar as suas atividades;
b) Organizar e gerir os seus serviços;
c) Administrar o seu património;
d) Elaborar e aprovar anualmente o plano de atividades e o orçamento para o ano seguinte, ouvido o conselho de patronos;
e) Adquirir e dispor dos seus bens móveis e imóveis;
f) Atribuir a qualidade de membro do conselho de patronos;
g) Aprovar anualmente o relatório, balanço e contas do exercício.
3 – Compete, em especial, ao conselho de administração quanto à Escola Portuguesa de Macau:
a) Designar a direção;
b) Definir as linhas orientadoras do projeto da Escola;
c) Aprovar o projeto educativo;
d) Aprovar o orçamento apresentado pela direção para o ano seguinte;
e) Aprovar, anualmente, o relatório, balanço e contas do exercício de gestão da Escola;
f) Estabelecer os critérios e definir as condições da contratação do pessoal;
g) Aprovar o regulamento interno da Escola.

Artigo 8.º
Funcionamento
1 – O conselho de administração fixará a periodicidade das suas reuniões, a qual, porém, não deverá ser inferior a quatro vezes por ano.
2 – As reuniões são convocadas pelo presidente ou por quaisquer dois administradores.
3 – O quórum do conselho de administração é de três administradores.
4 – As deliberações são tomadas por maioria absoluta dos votos expressos, tendo o presidente em exercício na reunião voto de qualidade.
5 – As deliberações referidas no artigo 16.º só podem ser tomadas com o voto favorável de quatro membros do conselho de administração em efetividade de funções.

Artigo 9.º
Delegação de competências


O conselho de administração pode delegar em qualquer dos seus membros a prática de atos de gestão corrente da Fundação.

Artigo 10.º
Vinculação
A Fundação obriga-se:
a) Pela assinatura de dois administradores;
b) Pela assinatura de qualquer dos administradores no exercício de poderes que nele tenham sido delegados pelo conselho de administração;
c) Pela assinatura de um procurador, tratando-se de mandato para a prática de ato certo e determinado.

SECÇÃO II
Conselho de patronos


Artigo 11.º
Composição
O conselho de patronos é constituído por um número máximo de nove pessoas, que o conselho de administração, por deliberação fundamentada, entenda designar individualmente por maioria simples, atendendo à contribuição que possam dar ou tenham dado aos objetivos da Fundação.

Artigo 12.º
Competência
Compete, em especial, ao conselho de patronos:
a) Pronunciar-se sobre o plano anual de atividades e o orçamento que lhes serão submetidos pelo conselho de administração, podendo propor ações para nele serem contempladas;
b) Pronunciar-se sobre quaisquer outras questões que lhe sejam apresentadas pelo conselho de administração.

Artigo 13.º
Presidente, funcionamento, deliberações e mandato
1 – Os membros do conselho de patronos elegem entre si, trienalmente, um presidente.
2 – O conselho de patronos reúne:
a) Ordinariamente, uma vez por ano, mediante convocação do seu presidente;
b) Extraordinariamente, por iniciativa do seu presidente ou de um terço dos seus membros e ainda a pedido do conselho de administração ou do conselho fiscal.
3 – Em caso de falta ou impedimento do presidente a uma reunião, o conselho de patronos escolherá um dos membros presentes para presidir a essa reunião.
4 – O conselho de patronos delibera por maioria de votos dos membros presentes.
5 – A duração do mandato de cada elemento do conselho de patronos é de três anos.

SECÇÃO III
Conselho fiscal

Artigo 14.º
Composição
1 – O conselho fiscal é constituído por três elementos, um designado pelo conselho de administração, outro pela Fundação Oriente e o terceiro pelo Estado, através do Ministério da Educação, que será um revisor oficial de contas e que presidirá.
2 – A duração do mandato dos membros do conselho fiscal é de três anos.

Artigo 15.º
Competência


Compete ao conselho fiscal:
a) Verificar se a administração da Fundação se exerce de acordo com a lei e os estatutos;
b) Verificar a regularidade dos livros e registos contabilísticos, bem como da exatidão das contas anuais da Fundação.

CAPÍTULO III
Modificação dos estatutos e extinção da Fundação


Artigo 16.º
Modificação dos estatutos e extinção
1 – O conselho de administração, ouvido o conselho de patronos, poderá, em função das circunstâncias e fundamentadamente, propor à aprovação do membro do Governo da República Portuguesa responsável pela área da educação a modificação dos presentes estatutos.
2 – No caso de extinção da Fundação, o património desta reverterá para instituições congéneres existentes no território de Macau.»


3. A emissão do Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, foi precedida pela celebração de um Protocolo entre o Ministério da Educação, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) e a Fundação do Oriente, datado de 13 de dezembro de 1997 e publicado no Diário da República, II Série, n.º 25, de 30 de janeiro de 1998, com o seguinte teor:

«Protocolo n.º 7/98. – Protocolo entre o Ministério da Educação, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM) e a Fundação Oriente, em ordem à constituição da entidade titular da Escola Portuguesa de Macau
– Entre o Ministério da Educação, representado por Eduardo Carrega Marçal Grilo, a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), representada por Henrique Rodrigues Senna Fernandes, e a Fundação Oriente, representada por Carlos Augusto Pulido Valente Monjardino, foi acordado criar e organizar uma instituição, pessoa coletiva de direito privado, destinada a assegurar e promover o ensino curricular português em Macau, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:

1.ª
A instituição denominar-se-á Fundação Escola Portuguesa de Macau.

2.ª
1 – Os seus fins serão garantir a criação e as condições de funcionamento de uma escola portuguesa em Macau.
2 – A Fundação poderá ainda apoiar e incentivar o desenvolvimento de ações, através da escola, que contribuam para a sua viabilização financeira, designadamente no domínio da língua portuguesa.



3.ª
A sede da Fundação será em Macau.

4.ª
O património inicial da Fundação será constituído por um fundo financeiro, no valor mínimo de 500 000 000$, garantido nos termos seguintes:
a) Pelo Ministério da Educação, na percentagem de 51%;
b) Pela Fundação Oriente, na percentagem de 49%;
c) A contribuição da APIM traduzir-se-á na disponibilização da utilização do terreno onde se encontra a funcionar a atual Escola Comercial Pedro Nolasco, para os fins a prosseguir pela Fundação.

5.ª
1 – Para além das contribuições para o património da Fundação estabelecidas na cláusula antecedente, o Ministério da Educação e a Fundação Oriente obrigam-se a garantir, na mesma percentagem referida na cláusula anterior, os meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau, transferindo até 31 de agosto de cada ano os fundos financeiros previstos no orçamento anual da Escola que tenha sido proposto pela direção da Escola e aprovado pelo conselho de administração da Fundação.
2 – O orçamento anual da escola será elaborado tendo como base um conjunto de índices que caracterizam o funcionamento da Escola e que serão estabelecidos por acordo entre a direção da Escola e o conselho de administração da Fundação.
3 – As entidades subscritoras do presente protocolo diligenciarão no sentido de reforçar os meios financeiros da Fundação, designadamente através de contribuições a prestar por outras entidades igualmente interessadas na satisfação dos objetivos da Fundação.


6.ª
A Fundação terá os seguintes órgãos: um conselho de administração, um conselho de patronos e um conselho fiscal.

7.ª
1 – A direção da Fundação será assegurada por um conselho de administração, composto por cinco elementos, cabendo ao Ministério da Educação a designação de três, um dos quais presidirá, à APIM, um, com a qualidade de 1.º vice-presidente, e à Fundação Oriente, um, com a qualidade de 2.º vice-presidente.
2 – O exercício das funções dos membros do conselho de administração será gratuito.
3 – Competirá ao conselho de administração a representação da Fundação, a designação da direção da Escola e, em geral, a realização dos seus fins e a gestão do seu património.

8.ª
O conselho de patronos será constituído por nove pessoas que o conselho de administração, por deliberação fundamentada, entenda designar por maioria simples, atendendo à contribuição que possam dar ou tenham dado aos objetivos da Fundação e terá funções consultivas.

9.ª
O conselho fiscal será constituído por três elementos, sendo o primeiro designado pelo conselho de administração, o segundo pela Fundação Oriente, e o terceiro pelo Ministério da Educação, que será um revisor oficial de contas e que presidirá.




10.ª
A Fundação poderá aceitar subsídios ou doações desde que não imponham condições que conflituem com os seus fins.

11.ª
No caso de dissolução da Fundação, os bens na altura existentes serão atribuídos a instituições congéneres existentes no território de Macau.

12.ª
Os signatários do presente protocolo obrigam-se a promover as diligências necessárias à criação da projetada Fundação, o que deverá ser feito até 30 de abril de 1998.»


4. Conforme resulta da nota introdutória do Despacho Conjunto n.º 79/97, de 30 de maio de 1997, dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Educação, publicado no Diário da República, II Série, n.º 143, de 24 de junho de 1997, a criação da Escola Portuguesa de Macau foi precedida de contactos políticos entre responsáveis de Portugal e da República Popular da China e de consultas no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês[2], tendo as autoridades chinesas dado a sua concordância de princípio à manutenção dessa escola após 20 de dezembro de 1999.


5. Aquando da emissão do Decreto-Lei n.º 89/B/98, de 9 de abril, que instituiu a Fundação Escola Portuguesa de Macau, o regime jurídico relativo à criação de fundações de direito privado encontrava-se previsto nos artigos 157.º a 166.º e 185.º a 194.º do Código Civil português aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966[3].

Algumas das disposições referidas haviam, entretanto, sido alteradas ou revogadas pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, diploma que não foi tornado extensivo ao território de Macau pela forma prevista no artigo 72.º do respetivo Estatuto Orgânico então em vigor[4]. Todavia, no que respeita especificamente à instituição e ao reconhecimento das fundações, tal diploma não operou qualquer modificação.

Estatuía-se no artigo 185.º, n.º 1, do Código Civil que as fundações podiam ser instituídas por ato entre vivos ou por testamento.

Se instituídas por ato entre vivos, deveria o ato de instituição constar de escritura pública (n.º 3 do mesmo artigo).

No ato de instituição deveria o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens à mesma destinados (artigo 186.º, n.º 1).

Por força do disposto no artigo 158.º do Código Civil, as fundações adquiriam personalidade jurídica pelo reconhecimento, da competência da autoridade administrativa, incumbindo a esta elaborar os estatutos da fundação instituída por ato entre vivos, caso o instituidor o não tivesse feito (artigo 187.º, n.º 2).

Resultava do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de maio, que, independentemente dos fins que prosseguissem, competia ao Ministro da Administração Interna, cuja competência podia ser delegada, o reconhecimento das fundações nos termos e para os efeitos dos artigos 158.º, n.º 2, e 188.º do Código Civil[5].

O regime consignado no Decreto-Lei n.º 215/87 não foi, todavia, tornado extensivo a Macau.

O território de Macau, nos termos do artigo 2.º do seu Estatuto Orgânico[6], constituía uma pessoa coletiva de direito público que, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República e no Estatuto, gozava de autonomia administrativa, económica, financeira, legislativa e judiciária.

Conforme disposto no artigo 16.º de tal Estatuto, as funções executivas que, por normas constitucionais ou pelo Estatuto, não estivessem reservadas aos órgãos de soberania da República, eram da competência do Governador. Competia-lhe, designadamente, conduzir a política geral, superintender no conjunto da administração pública e administrar as finanças do território.

No ordenamento jurídico do território de Macau, o reconhecimento de fundações de direito privado era, pois, da competência do Governador, competência essa, aliás, múltiplas vezes exercida[7].


6. A atribuição do estatuto de utilidade pública encontrava-se prevista no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, que aprovou o estatuto das coletividades de utilidade pública[8].

Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, deste diploma, são pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública».

As associações ou fundações que prosseguissem algum dos fins previstos no artigo 416.º do Código Administrativo[9] poderiam ser declaradas de utilidade pública logo em seguida à sua constituição. As restantes associações ou fundações só poderiam ser declaradas de utilidade pública ao fim de cinco anos de efetivo e relevante funcionamento, salvo se especialmente dispensadas desse prazo em razão de circunstâncias excecionais (artigo 4.º).

A declaração de utilidade pública era da competência do Governo, devendo o requerimento respetivo ser dirigido ao Primeiro-Ministro (artigos 3.º e 5.º, n.º 4).

O regime constante do Decreto-Lei n.º 460/77 não foi tornado extensivo ao território de Macau.

Vigorava então no território a Lei n.º 11/96/M, de 12 de agosto, que regulou a atribuição às associações ou fundações privadas do estatuto de utilidade pública administrativa.

Nos termos do seu artigo 1.º, eram qualificadas como pessoas coletivas de utilidade pública administrativa as associações ou fundações privadas que prosseguissem fins de interesse geral da comunidade, cooperando com a Administração do Território e que, nos termos desse diploma, como tal fossem declaradas.

Nos termos do seu artigo 3.º, podiam ser declaradas de utilidade pública administrativa imediatamente a seguir à sua constituição as associações ou fundações que prosseguissem fins de beneficência ou humanitários, de assistência hospitalar, de apoio à infância ou à terceira idade, de educação, cultura, recreio e desporto, e de investigação científica e tecnológica. As restantes associações ou fundações só poderiam ser declaradas de utilidade pública administrativa após três anos de efetiva atividade.

A declaração de utilidade pública administrativa era da competência do Governador.

Verifica-se, assim, que o conceito de utilidade pública administrativa constante da Lei n.º 11/96/M tinha contornos análogos aos do de utilidade pública constante do Decreto-Lei n.º 460/77, tendo aquele diploma sido manifestamente influenciado por este.

Por um lado, ambos os diplomas tinham como destinatárias as associações ou fundações que prosseguissem fins de interesse geral, em cooperação com a Administração.

Por outro, os traços de direito públicos aplicáveis às duas figuras eram semelhantes: sujeição a registo próprio (artigos 8.º do Decreto-Lei n.º 460/77 e 9.º da Lei n.º 11/96/M), concessão de diversas isenções fiscais (artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 460/77 e 10.º da Lei n.º 11/96/M) e imposição de determinados deveres para com a Administração (artigos 12.º do Decreto-Lei n.º 460/77 e .º 11.º da Lei n.º 11/96/M).


7. A Fundação Escola Portuguesa de Macau, conforme resultava do protocolo celebrado entre os seus três instituidores em 13 de dezembro de 1997, deveria ter a sua sede em Macau (cláusula 3.ª), constituindo a sua finalidade principal garantir a criação e as condições de funcionamento de uma escola portuguesa em Macau (cláusula 2.ª, n.º 1). Como finalidade acessória, poderia ainda apoiar e incentivar o desenvolvimento de ações, através dessa escola, que contribuíssem para a sua viabilização financeira, designadamente no domínio da língua portuguesa.

Em suma, tendo a sua sede em Macau, a Fundação deveria prosseguir os seus fins no âmbito do respetivo território: garantindo a criação e o funcionamento de uma escola portuguesa e apoiando e incentivando o desenvolvimento de ações, através dessa escola, que contribuíssem para a sua viabilização financeira, designadamente no domínio da língua portuguesa.

Tendo presentes tais condicionalismos, a instituição e o subsequente reconhecimento da Fundação deveriam, caso fosse observado o formalismo consignado no Código Civil, ter tido lugar, respetivamente, mediante escritura pública outorgada pelos instituidores e através de ato administrativo da competência do Governador do território.

Embora o Estado Português fosse um dos seus instituidores, tratando-se, no caso, da criação de uma pessoa coletiva de direito privado[10], o mesmo surgia, enquanto tal, na mesma situação dos demais instituidores, despido de jus imperii, praticando conjuntamente com eles um negócio jurídico-privado unilateral de natureza plurisubjectiva[11].

Caberia à entidade com competência administrativa no território de Macau (Governador) decidir sobre se o fim da fundação deveria ou não ser considerado de interesse social (artigo 188.º, n.º 1, do Código Civil) e sobre a respetiva suficiência (n.º 2 do mesmo artigo), devendo, por outro lado, caber-lhe a decisão sobre a atribuição, no âmbito do respetivo território, do estatuto de utilidade pública (utilidade pública administrativa, na terminologia utilizada no respetivo ordenamento), com as consequentes imposições de direito público e isenções de natureza fiscal.

Na verdade, caso o reconhecimento da fundação fosse efetuado por ato administrativo do Ministério da Administração Interna e a atribuição à mesma do estatuto de utilidade pública fosse efetuado por ato administrativo do Primeiro-Ministro, tais instrumentos não teriam eficácia no território de Macau, já que o poder administrativo, no respetivo território, estava, nesse âmbito, cometido ao Governador[12].


8. Os fins educacionais e outros conexos a prosseguir pela fundação não eram, todavia, do interesse exclusivo do território de Macau e da respetiva coletividade. A opção política por parte do Estado Português de instituir, conjuntamente com duas outras pessoas coletivas de direito privado (Fundação Oriente e APIM), a Fundação Escola Portuguesa de Macau fundou-se na grande importância de tal projeto para a comunidade nacional, pois se tratava de uma forma de manter viva a cultura e a língua portuguesa naquele território do oriente, com implicações no futuro relacionamento de Portugal com essa zona, cujo desenvolvimento económico exponencial já se divisava.

Daí que o Governo português tivesse optado por instituir a Fundação Escola Portuguesa de Macau através de diploma legal – o já referido e transcrito Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril.

Embora despido dos clássicos atributos da lei, a generalidade e abstração, tal diploma, contemplando uma decisão política do Governo de grande importância para o relacionamento futuro do País com a zona geoestratégica em que Macau se integra, não contende com qualquer norma ou princípio constitucional.

No caso, a instituição da Fundação, tendo como instituidores, para além do Estado Português, duas pessoas coletivas de direito privado, foi precedida de um protocolo subscrito pelas mesmas, aceitando figurar como coinstituidoras nos termos consignados em tal diploma. A afetação das respetivas contribuições aos fins da fundação prevista no diploma teve, assim, o prévio acordo das referidas pessoas, não violando qualquer direito patrimonial das mesmas.

A emissão de diplomas desta natureza, visando não apenas o reconhecimento mas também a própria instituição de fundações de direito privado e a regulação da sua organização e funcionamento, vem sendo recorrente no nosso ordenamento[13], e o facto de se tratar de diplomas não revestidos das tradicionais características da generalidade e abstração não suscita, em geral, objeções na doutrina e na jurisprudência constitucional[14].

A respetiva força de lei derroga, no caso, a exigência das formalidades típicas da criação das fundações privadas de utilidade pública: a instituição por escritura pública e o reconhecimento e subsequente atribuição do estatuto de utilidade pública pelas autoridades administrativas competentes.

Para que o Decreto-Lei n.º 89-B/98 vigorasse no ordenamento jurídico do território de Macau exigia-se que dele constasse a menção de que deveria ser publicado no respetivo Boletim Oficial, e que posteriormente tal publicação aí tivesse efetivamente lugar (artigo 69.º[15]).

Tais condições mostram-se preenchidas, pois que do diploma consta efetivamente a menção de que era «para ser publicado no Boletim Oficial de Macau», tendo essa publicação ocorrido no Boletim Oficial de Macau n.º 15, I Série, de 13 de abril de 1998[16].


9. Tendo a respetiva sede em Macau[17] e tendo por fim a criação e manutenção de uma escola portuguesa para prosseguir atividades pedagógicas e culturais no respetivo território, passou a Fundação Escola Portuguesa de Macau, com a entrada em vigor do referido diploma em tal território, a dispor de personalidade jurídica de natureza privada e do estatuto de utilidade pública administrativa[18], constituindo um centro autónomo de imputação de direitos e obrigações sujeito ao ordenamento jurídico ali vigente.

Com efeito, decorre do artigo 159.º do Código Civil português que a sede da pessoa coletiva é a que os respetivos estatutos fixarem ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal.
O Código Civil de Macau posteriormente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de agosto, viria a consagrar idêntico regime no seu artigo 143.º.

Integrando-se no ordenamento jurídico do território de Macau, passaram a competir à autoridade administrativa com jurisdição nesse território os poderes de autoridade relativos à fundação que decorrem dos artigos 189.º a 193.º do Código Civil português e, após a entrada em vigor do Código Civil de Macau, os poderes análogos constantes dos respetivos artigos 178.º, 179.º e 180.º[19].

Enquanto pessoa coletiva de utilidade pública administrativa, passaram, correspondentemente, a ser regulados pela Lei n.º 11/96/M, de 12 de agosto, os aspetos atinentes ao seu registo (artigo 9.º), às isenções fiscais e emolumentares de que ficou a beneficiar (artigo 10.º) e às respetivas sujeições de direito público à Administração do território (artigo 11.º), competindo ainda ao Governador retirar o referido estatuto à fundação uma vez verificados os pressupostos referidos no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma[20].



II


1. A partir de 20 de dezembro de 1999, a República Popular da China reassumiu o exercício da soberania sobre o território de Macau.

Tal foi precedido de negociações entre os Governos de Portugal e da República Popular da China, que conduziram à emissão da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau[21].

Na introdução a essa Declaração Conjunta, os Governos dos dois países, «recordando com satisfação o desenvolvimento das relações amistosas entre os dois Governos e os dois povos existentes desde o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países», acordaram «em que uma solução apropriada da questão de Macau, legada pelo passado, resultante de negociações entre os dois Governos, seria propícia ao desenvolvimento económico e estabilidade social de Macau e a um maior fortalecimento das relações de amizade e de cooperação entre os dois países».

Nessa Declaração, o Governo da República Popular da China assumiu, em conformidade com o princípio «um país, dois sistemas», o compromisso de aplicar, em relação a Macau, várias «políticas fundamentais», entre as quais, pela sua relevância para o parecer, se destacam as seguintes:

1. De acordo com as disposições do artigo 31.º da Constituição da República Popular da China, esta, ao voltar a assumir o exercício da soberania sobre Macau, estabeleceria a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China [n.º 2, ponto 1)].

2. A Região Administrativa Especial de Macau ficaria diretamente subordinada ao Governo Popular Central da República Popular da China e gozaria de um alto grau de autonomia, exceto nas relações externas e na defesa, que seriam da competência do Governo Popular Central. À Região Administrativa Especial de Macau seriam atribuídos poderes executivo, legislativo e judicial independentes, incluindo o de julgamento em última instância [ponto 2, n.º 2)].

3. Os sistemas social e económico em Macau permaneceriam inalterados, bem como a respetiva maneira de viver. As leis vigentes manter-se-iam basicamente inalteradas. A Região Administrativa Especial de Macau asseguraria, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, designadamente as liberdades pessoais, a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de deslocação e migração, de greve, de escolha de profissão, de investigação académica, de religião e de crença, de comunicações e o direito à propriedade privada [n.º 2, ponto 4)].

4. A Região Administrativa Especial de Macau definiria, por si própria, as políticas de cultura, educação, ciência e tecnologia e protegeria, em conformidade com a lei, o património cultural em Macau. Além da língua chinesa, poder-se-ia usar também a língua portuguesa nos organismos do Governo, no órgão legislativo e nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau [n.º 2, ponto 5)].

5. A Região Administrativa Especial de Macau poderia estabelecer relações económicas de benefício mútuo com Portugal e outros países. Seriam devidamente tidos em consideração os interesses económicos de Portugal e de outros países em Macau. Os interesses dos habitantes de ascendência portuguesa em Macau seriam protegidos em conformidade com a lei (n.º 2, ponto 6)].

6. Os nacionais chineses e os portugueses e outros estrangeiros que previamente tivessem trabalhado nos serviços públicos (incluindo os de polícia) de Macau poderiam manter os seus vínculos funcionais. Os nacionais portugueses e de outros países poderiam ser nomeados ou contratados para desempenhar certas funções públicas na Região Administrativa Especial de Macau [n.º 2, ponto 3)].

7. Tais políticas fundamentais e os respetivos esclarecimentos constantes do anexo I à Declaração Conjunta seriam estipulados pela Assembleia Popular Nacional da República Popular da China numa Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e permaneceriam inalterados durante 50 anos (n.º 2, ponto 12)].

No n.º 3 da Declaração Conjunta os Governos dos dois países declararam que durante o período de transição compreendido entre a data de entrada em vigor da Declaração Conjunta e 19 de dezembro de 1999 o Governo da República Portuguesa seria responsável pela administração de Macau e continuaria a promover o desenvolvimento económico e a preservar a estabilidade social de Macau, e o Governo da República Popular da China daria a sua cooperação nesse sentido.

Dos esclarecimentos constantes do Anexo I à Declaração Conjunta, importa realçar os seguintes:

– Após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais atos normativos previamente vigentes em Macau manter-se-iam, salvo no que contrariasse o disposto na Lei Básica ou no que fosse sujeito a emendas pelo órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau. O ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau seria constituído pela Lei Básica, pelas leis previamente vigentes em Macau e pelas criadas pela Região Administrativa Especial de Macau (ponto III).

– A Região Administrativa Especial de Macau asseguraria, em conformidade com a lei, todos os direitos e liberdades dos habitantes e outros indivíduos em Macau, estipulados pelas leis previamente vigentes, designadamente as liberdades pessoais, a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de manifestação, de associação (nomeadamente de constituir e de participar em associações cívicas), de organização e de participação em sindicatos, de deslocação e de emigração, de escolha de profissão e de emprego, de greve, de praticar a sua religião e de crença, de ensino e de investigação académica; o direito à inviolabilidade do domicílio, das comunicações e de acesso ao direito e à justiça; o direito à propriedade privada, nomeadamente de empresas, à sua transmissão e à sua sucessão por herança e ao pagamento sem demora injustificada de uma indemnização apropriada em caso de expropriação legal; a liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família e de livre procriação.
Os habitantes da Região Administrativa Especial de Macau e os outros indivíduos que aí se encontrassem seriam iguais perante a lei, sem discriminações em razão da nacionalidade, ascendência, sexo, raça, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
A Região Administrativa Especial de Macau protegeria, em conformidade com a lei, os interesses dos habitantes de ascendência portuguesa em Macau, respeitando os seus costumes e tradições culturais.
As organizações religiosas e os crentes, na Região Administrativa Especial de Macau, desenvolveriam como antes as suas atividades nos limites das suas finalidades e nos termos da lei e poderiam manter relações com as organizações religiosas e os crentes de fora de Macau. As escolas, hospitais e instituições de beneficência pertencentes a organizações religiosas poderiam continuar a funcionar como anteriormente. As relações entre as organizações religiosas na Região Administrativa Especial de Macau e nas outras regiões da República Popular da China deveriam basear-se no princípio de não subordinação mútua, de não ingerência nos assuntos internos de cada uma e de respeito recíproco (ponto V).


2. Os princípios expostos viriam a ser consagrados na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, adotada em 31 de março de 1993 pela Primeira Sessão da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, e promulgada pelo Decreto n.º 3 do Presidente da República Popular da China para entrar em vigor em 20 de dezembro de 1999.

Reafirmando, no respetivo preâmbulo, a intenção de «favorecer a estabilidade social e o desenvolvimento económico de Macau», consagra-se na mesma o princípio «um país, dois sistemas» e a inaplicabilidade na respetiva Região Especial do sistema e das políticas socialistas, esclarecendo-se que «as políticas fundamentais que o Estado aplica em relação a Macau são as já expostas pelo Governo Chinês na Declaração Conjunta Sino-Portuguesa».

Estabelece-se no seu artigo 4.º que «a Região Administrativa Especial de Macau assegura, nos termos da lei, os direitos e liberdades dos residentes da Região Administrativa Especial de Macau e de outras pessoas na Região».

Estatui-se no respetivo artigo 8.º que «as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais atos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau», não podendo, nos termos do artigo 11.º, nenhuma lei, decreto-lei, regulamento administrativo ou ato normativo da Região Administrativa Especial de Macau contrariar as disposições da Lei Básica.

De acordo com o disposto no seu artigo 145.º, «ao estabelecer-se a Região Administrativa Especial de Macau, as leis anteriormente vigentes em Macau são adotadas como leis da Região, salvo no que seja declarado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como contrário a esta Lei» e «os documentos, certidões e contratos, válidos ao abrigo das leis anteriormente vigentes em Macau, bem como os direitos e obrigações neles compreendidos, continuam a ser válidos e são reconhecidos e protegidos pela Região Administrativa Especial de Macau, desde que não contrariem esta Lei».


3. Em 20 de dezembro de 1999, foi publicada a Lei da Reunificação, aprovada pela Assembleia Legislativa de Macau (Lei n.º 1/99, de 20 de dezembro).

Consignando no artigo 1.º, n.º 1, que a Região Administrativa Especial de Macau é uma região administrativa local da República Popular da China, estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1, que «as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais atos normativos previamente vigentes em Macau são adotados como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, salvo no que contrariarem a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau».

Nos nos 2 a 4 do artigo 3.º, tal diploma estatui que a legislação previamente vigente em Macau enumerada nos Anexos I, II e III não é adotada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, por contrariar a Lei Básica respetiva[22].

No artigo 4.º, n.º 4, tal diploma preceitua que «a legislação portuguesa previamente vigente em Macau, incluindo a elaborada por órgãos de soberania de Portugal exclusivamente para Macau, deixa de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau a partir do dia 20 de dezembro de 1999».

No artigo 5.º, consagra-se o princípio geral da continuidade da Administração Pública, estabelecendo-se que se mantêm «os vínculos funcionais dos funcionários e agentes públicos com a Administração Pública estabelecidos antes de 20 de dezembro de 1999 nos termos da legislação previamente vigente, bem como os poderes conferidos e as obrigações impostas, antes desta data, aos serviços públicos, institutos públicos, equipas de projeto e outras entidades públicas ou aos seus órgãos, bem como aos funcionários ou agentes públicos, sem prejuízo das eventuais modificações nos termos da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, da presente lei ou de demais diplomas legais aplicáveis».

No artigo 6.º consignou-se, em matéria de atos administrativos, que «salvo no que contrariar a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, a presente Lei ou demais diplomas legais aplicáveis, todos os atos administrativos praticados, antes de 20 de dezembro de 1999, nos termos da legislação previamente vigente, continuam a produzir efeitos depois desta data, sendo considerados como atos administrativos praticados pelo respetivo pessoal ou entidades da Região Administrativa Especial de Macau».

No artigo 12.º previu-se que «os poderes que o Governo detenha sobre as concessionárias de serviços públicos ou entidades de interesse público são exercidos pelo Secretário a indicar pelo Chefe do Executivo, nos termos previstos nos contratos de concessão ou nas leis ou demais diplomas legais aplicáveis».


4. A sucessão de Estados no exercício de poderes soberanos sobre determinado território tem, ao longo dos tempos, suscitado múltiplas e complexas questões. Como refere JORGE MIRANDA[23], nessa sucessão «se manifestam algumas grandes questões e tensões: a tensão entre a institucionalização e a soberania; a tensão entre os interesses do Estado predecessor e os do Estado sucessor; a tensão entre direitos adquiridos e reivindicações de justiça social internacional; entre um princípio de conservação e um princípio voluntarista de mudança; entre a segurança jurídica e a construção de uma nova ordem».

Uma das maiores dificuldades do direito relativo às mutações territoriais consiste na regulação dos problemas decorrentes da existência de duas ordens jurídicas sucessivas, a do Estado predecessor e a do Estado sucessor, sendo certo que, a partir do momento em que se verifica a mudança de soberania, a ordem jurídica nova se aplica de imediato[24].

Uma das questões mais controvertidas no âmbito da sucessão de Estados prende-se com os direitos adquiridos.

Na doutrina clássica, ou tradicional, fundada na jurisprudência do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, sustentava-se «que, por razões de certeza, de segurança jurídica, de confiança legítima, e também de equidade, o Estado sucessor está obrigado a respeitar as situações jurídicas de Direito Privado constituídas a benefício dos particulares sob o império da Ordem Jurídica do Estado predecessor, inclusive os compromissos por este assumidos para com os particulares»[25].

Tal doutrina, que se estendeu aos direitos resultantes de contratos de Direito Público, viria a ser posta em causa pelos Estados socialistas e pelos países do Terceiro Mundo, que a acusavam de se basear em princípios da economia de mercado e de conduzir ao desrespeito pela soberania do Estado sucessor, razão por que preconizavam a tese oposta de que o Estado sucessor poderia ignorar os compromissos assumidos pelo Estado predecessor[26].

O extremismo das duas posições doutrinárias expostas tem levado a doutrina a inclinar-se «para uma solução equilibrada que, por um lado, atenda à soberania do Estado sucessor e, por outro, não permita que ele faça tábua rasa dos direitos adquiridos, o que poria em perigo a estabilidade e a segurança no relacionamento internacional»[27].

Com efeito, «o Estado sucessor penetra não numa terra de ninguém, mas num território estatal organizado, provido de uma vida política, económica e jurídica que não pode apagar-se de uma penada»[28].

Por via disso, deverá entender-se que «quando surge um novo Estado a partir de uma comunidade antes dependente de outro ou quando um Estado incorpora um território de outro, subsistem em vigor as leis decretadas pelo Estado anterior em tudo quanto não contrariem os princípios da nova ordem jurídica»[29].


5. A questão da substituição da soberania portuguesa pela chinesa sobre o território de Macau foi objeto de grande consenso entre a República Portuguesa e a República Popular da China, visando uma solução «propícia ao desenvolvimento económico e estabilidade social de Macau e a um maior fortalecimento das relações de amizade e de cooperação entre os dois países», que se traduziu na celebração de um instrumento bilateral de direito internacional convencional, a já referida Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau[30].

No que interessa ao presente parecer, tal consenso veio a traduzir-se nas seguintes traves-mestras:

– Manutenção em Macau, durante cinquenta anos, do sistema social e económico e do modus vivendi existentes aquando da transferência do respetivo território para a soberania da República Popular da China, aplicando-se o princípio «um país, dois sistemas» (ponto n.º 4 da Declaração Conjunta e preâmbulo da Lei Básica);

– Manutenção do ordenamento jurídico vigente aquando da transferência da soberania, mantendo-se em vigor as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais atos normativos inalterados, salvo no que contrariasse o disposto na Lei Básica ou no que fosse sujeito a emendas pelo órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau (ponto n.º 4 da Declaração Conjunta e n.º III do seu Anexo I; artigos 8.º e 145.º da Lei Básica; artigo 3.º da Lei da Reunificação);

– Respeito, em conformidade com a lei, de todos os direitos e liberdades dos habitantes e de outras pessoas em Macau conferidos pelas leis previamente vigentes no território (ponto n.º 4 da Declaração Conjunta e ponto V do seu Anexo I; artigo 4.º da Lei Básica);

– Estabelecimento do princípio geral de continuidade da Administração Pública, mantendo-se os poderes e obrigações que recaíam, anteriormente a 20 de dezembro de 1999, sobre as entidades públicas e respetivos órgãos, e salvaguardando-se a eficácia de todos os atos administrativos praticados antes da referida data, salvo no que contrariasse a Lei Básica e a Lei da Reunificação ou outros diplomas legais aplicáveis (artigos 5.º e 6.º da Lei da Reunificação).


6. No artigo 4.º, n.º 4, da Lei da Reunificação, estabeleceu-se que «a legislação portuguesa previamente vigente em Macau, incluindo a elaborada por órgãos de soberania de Portugal exclusivamente para Macau, deixa de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau a partir do dia 20 de dezembro de 1999».

Trata-se de um preceito que revoga, genericamente, os diplomas legais emitidos pelos órgãos de soberania de Portugal (Assembleia da República e Governo) para vigorarem no território de Macau, ao abrigo das pertinentes disposições do respetivo Estatuto Orgânico.

Tal revogação, todavia, só operou para o futuro.

Com efeito, e como resulta do artigo 11.º do Código Civil de Macau, de redação idêntica à do artigo 12.º do Código Civil Português, a lei só dispõe para o futuro e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a mesma se destina a regular.

Como referem MARCELO REBELO DE SOUSA e SOFIA GALVÃO[31]:

«A revogação não afeta a existência ou a validade da lei revogada. Respeita tão somente à sua eficácia. A lei revogatória não risca da face do Direito a lei revogada. Limita-se a privá-la de efeitos a partir do momento da sua própria entrada em vigor, sem efeitos retroativos, ou seja, sem destruição dos efeitos produzidos pela lei revogada durante a respetiva vigência.»

Ora, não resultando do referido preceito revogatório qualquer menção que revele uma intenção de retroatividade, há que concluir que ficaram salvaguardados todos os efeitos produzidos pelas leis emitidas pelos órgãos de soberania portugueses anteriormente a 20 de dezembro de 1999 para vigorar em Macau, em conformidade com o respetivo Estatuto Orgânico[32].


7. Resulta do acima exposto que a Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada como pessoa coletiva de direito privado integrada no ordenamento jurídico do território de Macau antes da transferência da soberania deste para a República Popular da China, não foi afetada na sua existência jurídica e no respetivo estatuto por tal transferência de soberania.

Tendo sido criada por um diploma legal emitido pelo Governo português (Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril) cuja vigência foi estendida ao território de Macau, a sua existência como pessoa jurídica, entrando no comércio jurídico como sujeito autónomo de direitos e obrigações, remonta a data anterior a 20 de dezembro de 1999.

É, de igual modo, anterior à referida data o estatuto de utilidade pública, ou de utilidade pública administrativa, na terminologia utilizada no ordenamento jurídico macaense, que lhe foi atribuído.

A instituição e personalização da fundação, assim como a atribuição à mesma do estatuto de utilidade pública administrativa, constituem, pois, efeitos produzidos pelo referido diploma antes da transferência da soberania do território, cuja validade e manutenção em vigor não foram afetadas pela revogação genérica dos diplomas emitidos pelos órgãos de soberania de Portugal operada pelo n.º 4 do artigo 4.º da Lei da Reunificação, que apenas operou para futuro.

O mesmo se passaria caso a Fundação, ao invés de haver sido criada através de um diploma legal, tivesse sido instituída por escritura pública e subsequentemente, mediante decisões administrativas do Governador de Macau, tivesse obtido o reconhecimento e a atribuição do estatuto de utilidade pública administrativa.

Quer o ato de instituição, quer os atos administrativos referidos, constitutivos de direitos, manteriam a sua validade e eficácia após a transferência da soberania do território, como claramente flui da Declaração Conjunta (n.º 4 e ponto V do Anexo I), da Lei Básica (artigo 4.º) e da Lei da Reunificação (artigos 5.º e 6.º)[33].



III


Uma vez que a transferência da soberania sobre o território de Macau não afetou a existência da Fundação como pessoa jurídica, importa responder seguidamente a outra das questões colocadas na consulta: se a Fundação continua a reger-se pelo direito português ou se, desde a devolução da soberania à República Popular da China, ficou sujeita ao ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).


1. A Fundação Escola Portuguesa de Macau foi instituída tendo por fim essencial garantir a criação e as condições de funcionamento e de desenvolvimento de uma escola portuguesa em Macau (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 89-B/98, e artigo 1.º dos Estatutos da Fundação ao mesmo anexos).

Embora resulte dos respetivos estatutos a possibilidade de a mesma vir a apoiar e incentivar o fomento de ações, designadamente no domínio da língua portuguesa, trata-se de uma finalidade estabelecida com natureza claramente secundária e subordinada à finalidade primacialmente visada com a instituição da Fundação: a criação, o funcionamento e o desenvolvimento da Escola Portuguesa de Macau. Tal finalidade acessória, como resultava expressamente da vontade dos instituidores, consignada na cláusula 2.ª do protocolo de 13 de dezembro de 1997, deveria ser também prosseguida no âmbito da própria Escola, visando contribuir para a respetiva viabilização financeira.

A dotação patrimonial inicial (fundo financeiro de 500.000.000$00 e disponibilização da utilização do imóvel da então Escola Comercial Pedro Nolasco) e o financiamento futuro da Fundação por parte dos respetivos instituidores (garantia dos meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau, transferindo até 31 de agosto de cada ano os fundos financeiros previstos no orçamento anual proposto pela direção da Escola) estão, assim, juridicamente vinculados à prossecução daqueles fins no território de Macau.

A Fundação tem a sua sede em Macau (artigo 1.º dos estatutos).

Em caso de extinção da Fundação, o património respetivo deverá reverter para instituições congéneres existentes no território de Macau (artigo 16.º, n.º 2, dos Estatutos).

A Fundação encontra-se, pois, de acordo com a vontade dos respetivos instituidores, patrimonial e teleologicamente vinculada ao prosseguimento, no território de Macau, de atividades de interesse social, de natureza pedagógica e cultural, dirigidas aos membros da coletividade ali residente.

Existem, contudo, alguns elementos de conexão da Fundação com a ordem jurídica portuguesa: dois dos instituidores são pessoas coletivas de direito português (Estado Português e Fundação Oriente[34]); compete a esses dois instituidores a designação da maioria dos membros do conselho de administração e do conselho fiscal da Fundação; recai sobre esses dois instituidores a responsabilidade de suportarem financeiramente a atividade pedagógica da Fundação, no âmbito da Escola Portuguesa de Macau, nos termos do artigo 3.º, n.º 2, dos estatutos respetivos; a prossecução da referida atividade pedagógica, enquanto veículo de difusão da língua e da cultura portuguesas no oriente, é de manifesto interesse para o Estado português.

Refere-se, por outro lado, nos elementos que acompanharam o pedido de parecer, um outro elemento de conexão da Fundação com o nosso País: as reuniões do conselho de administração da Fundação têm vindo a efetuar-se alternadamente em Macau e em Portugal.


2. Resulta do Código Civil português, em matéria de normas de conflitos, que a pessoa coletiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efetiva da sua administração (artigo 33.º, n.º 1).

À lei pessoal compete especialmente regular: a capacidade da pessoa coletiva; a constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos; os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes direitos e deveres; a responsabilidade da pessoa coletiva, bem como a dos respetivos órgãos e membros, perante terceiros, e a transformação, dissolução e extinção da pessoa coletiva (n.º 2 do mesmo artigo).

O Código Civil da Região Administrativa Especial de Macau estabelece regime idêntico no seu artigo 31.º, nos 1 e 2.

Localizando-se a sede estatutária da Fundação em Macau, caso a sede principal e efetiva do respetivo órgão de administração (conselho de administração) aí se encontre também estabelecida, dúvidas não poderão suscitar-se sobre qual a lei pessoal da Fundação: será a lei da Região Administrativa Especial de Macau.

Uma vez, todavia, que, como acima se aludiu, existe no processo a referência de que as reuniões do conselho de administração da Fundação têm vindo a efetuar-se alternadamente em Macau e em Portugal, cumpre ter presente tal facto tendo como escopo aferir se o mesmo terá alguma influência na determinação da respetiva lei pessoal.

Como refere LUÍS DE LIMA PINHEIRO[35], a determinação da sede da administração pode suscitar dificuldades, entendendo-se geralmente que a sede se situa no lugar onde normalmente se forma a vontade dos órgãos de direção, ou seja, o lugar onde reúnem os administradores e onde as assembleias de membros são realizadas.

A complexidade da organização das empresas, mormente nos grupos de sociedades, associada à internacionalização e globalização das economias, levando à existência de sociedades-mães e de filiais situadas em múltiplos países, tem vindo a fazer prevalecer na doutrina o entendimento de que a sede da administração corresponderá ao lugar onde as decisões fundamentais da direção são convertidas em atos de administração corrente[36].

Como acentua o mesmo Autor[37], quando o ordenamento jurídico no âmbito do qual determinada pessoa coletiva foi criada impõe, para a respetiva constituição, a intervenção de órgãos públicos, verifica-se, em princípio, a coincidência entre o lugar da sede estatutária e o lugar da sede da administração, uma vez que os órgãos públicos que intervêm no processo de constituição se considerarão vinculados à lei local. Existe, assim, uma presunção de coincidência entre a sede estatutária e a sede da administração. Por força de tal presunção, e na falta de demonstração de que a sede da administração se situa noutro Estado, deverá ser aplicado, como lei pessoal, o Direito da sede estatutária.

Esta presunção tem, no que respeita às pessoas coletivas, arrimo no regime estabelecido no artigo 159.º do Código Civil Português e no artigo 143.º do Código Civil de Macau, de redação idêntica: a sede da pessoa coletiva é a que os respetivos estatutos fixarem ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal.

Decorre de tais preceitos que a sede fixada nos estatutos é que funciona como sede da pessoa coletiva. A sede de facto funcionará como sede legal da pessoa coletiva na falta de designação estatutária[38]. Existindo uma sede estatutária, a transferência de facto da sede implica a necessidade da correspondente alteração dos estatutos da pessoa coletiva. Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, «havendo uma sede fixada nos estatutos, é irrelevante uma sede de facto, ou seja, o lugar onde funciona normalmente a administração principal»[39].

A Fundação Escola Portuguesa de Macau foi instituída e reconhecida por meio de diploma legal que, de acordo com a vontade dos instituidores, lhe fixou a sede em Macau.

Não resulta do diploma que lhe conferiu existência e personalidade jurídica, nem dos estatutos ao mesmo anexos, até ao presente inalterados, assim como do protocolo subscrito pelos instituidores que os antecedeu, qualquer alusão relativamente à possibilidade de a administração da Fundação vir a instalar-se em território diverso do de Macau, e designadamente em território português.

A atividade da Fundação, desde a sua criação, está centrada no funcionamento da Escola Portuguesa de Macau, atualmente integrada no sistema de ensino oficial daquela Região Administrativa Especial, sendo no âmbito deste território que é prosseguida a gestão corrente da Fundação, independentemente do lugar em que tenham lugar as reuniões do respetivo conselho de administração e as deliberações respetivas.

Realizando o fim de interesse social para que foi criada na Região Administrativa Especial de Macau, dirigido à respetiva comunidade residente, a Fundação, com o correspondente património, encontra-se sujeita a diversas vinculações de natureza jurídico-pública no quadro do ordenamento jurídico macaense, que não podem ser afastadas. Tais vinculações encontram-se previstas nos artigos 178.º a 182.º do Código Civil de Macau, e respeitam, essencialmente, à sujeição das alterações estatutárias à homologação da autoridade administrativa competente para o reconhecimento e à competência da mesma autoridade para providenciar pela afetação do património da Fundação a outros fins de interesse público, uma vez verificados os pressupostos legalmente estabelecidos.

A Fundação encontra-se, pois, integrada patrimonial e teleologicamente no território de Macau, onde tem a sede estatutária, ali sendo prosseguidos os fins para que foi criada, sendo nesse território que as deliberações essenciais da respetiva administração, entre elas a que aprova o respetivo plano de atividades e o orçamento anual, são transformadas em atos de gestão corrente.

Tendo sido instituída com sede em Macau, o diploma legal que a criou não estabeleceu qualquer distinção entre sede estatutária e sede da administração, pelo que se presume a coincidência entre ambas.

Atento o circunstancialismo exposto, o facto de, como vem referido nos elementos que acompanharam o pedido de parecer, o conselho de administração da fundação ter vindo a reunir alternadamente em Macau e em Portugal não é idóneo a afastar a referida presunção. Reunindo também em Macau, é nesse território que a generalidade das suas deliberações são traduzidas em atos de gestão corrente, pelo que é nesse território que deve ter-se por estabelecida a sede da respetiva administração para efeitos do disposto no artigo 33.º, n.º 1, do Código Civil Português, e do artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil de Macau. A sua lei pessoal será, assim, a vigente na Região Administrativa Especial de Macau.

Aliás, tendo a sede da Fundação, por vontade dos instituidores, sido estabelecida em Macau, ficando consagrada nos respetivos estatutos, é altamente duvidoso que o conselho de administração possa, sem proceder à alteração dos seus estatutos, determinar, em contrário da vontade dos instituidores, uma cisão entre a sede estatutária e a sede da administração, em termos de esta passar a localizar-se em país diferente, assim determinando a sujeição da mesma a um ordenamento jurídico diverso (nova lei pessoal).

O princípio da presunção de coincidência entre ambas as sedes apontaria, no caso, para que a sede da administração também se devesse considerar estatutariamente vinculada ao território de Macau, pelo que a sua transferência para outro país, determinando a sujeição da Fundação a uma nova lei pessoal, implicaria a necessidade da correspondente alteração dos estatutos, com eficácia dependente da correspondente homologação por parte da autoridade administrativa da Região Administrativa Especial de Macau (artigo 178.º, n.º 4, do Código Civil de Macau)[40].

Em conclusão, tendo a Fundação como lei pessoal a vigente na Região Administrativa Especial de Macau, a essa lei caberá a regulação dos aspetos relativos à sua capacidade, à constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos, à sua responsabilidade, bem como à dos seus órgãos, perante terceiros, e à respetiva transformação, dissolução e extinção (artigo 31.º, nos 1 e 2, do Código Civil de Macau).



IV


Importa, seguidamente, analisar outra das questões postas na consulta: se, na hipótese de estar sujeita ao ordenamento jurídico da RAEM, os estatutos da Fundação continuam em vigor tal como estão ou se se consideram tacitamente alterados, pelo menos em algumas disposições.

Conexa com tal questão encontra-se outra: se o Ministro da Educação e Ciência continua, após a devolução da soberania à República Popular da China, a ter legitimidade para proceder à nomeação de três dos membros do Conselho de Administração da Fundação.


1. O artigo 1.º dos estatutos da Fundação, relativo à denominação, à sede e à duração da mesma, não suscita qualquer objeção no âmbito do ordenamento jurídico macaense, mantendo-se plenamente em vigor.


2. Regulam-se no artigo 2.º dos estatutos os fins Fundação, consistindo em garantir a criação e as condições de funcionamento de uma escola portuguesa em Macau, e em apoiar e incentivar ações, designadamente no domínio da língua portuguesa.

Conforme resulta da documentação que acompanhou o pedido de parecer, a Escola Portuguesa de Macau foi criada e encontra-se a funcionar normalmente, estando inserida no sistema de ensino da Região Administrativa Especial de Macau, com um currículo próprio, que adapta o plano de estudos português às circunstâncias locais. Resulta da mesma documentação que os diplomas da Escola dão acesso a estudos superiores em Macau e na União Europeia e são amplamente reconhecidos internacionalmente.

O fim consistente na criação da Escola encontra-se, assim, realizado.

Mantêm-se presentes os dois fins restantes, a que os instituidores atribuíram duração ilimitada: a garantia do funcionamento da Escola e o apoio e incentivo à realização, no respetivo âmbito, de ações, designadamente no domínio da língua portuguesa.

A prossecução de tais fins, gozando do beneplácito das autoridades locais, não suscita qualquer dificuldade sob o ponto de vista jurídico. Obviamente que, quer no que respeita à atividade pedagógica, quer no atinente às ações culturais a realizar no âmbito da Escola, designadamente no domínio da língua portuguesa, a Fundação terá que conformar-se com o ordenamento jurídico vigente na Região Administrativa Especial de Macau.


3. Regula-se no artigo 3.º dos estatutos o regime patrimonial e financeiro da Fundação.

Estabeleceu-se em tal preceito, em primeiro lugar, a obrigação de atribuição à Fundação de um fundo financeiro, no valor mínimo de 500.000.000$00, a suportar pelo Estado Português – Ministério da Educação, na percentagem de 51%, e pela Fundação Oriente, na percentagem de 49%.

Como bem de atribuição permanente, estabeleceu-se a obrigação por parte da Associação Promotora da Instrução dos Macaenses de disponibilizar a utilização do terreno e do imóvel onde se encontrava a funcionar a Escola Comercial Pedro Nolasco, ficando os mesmos afetos à prossecução dos fins da Fundação.

A título de atribuição futura, estabeleceu-se a obrigação, por parte do Estado Português (Ministério da Educação) e da Fundação Oriente, de contribuírem, nas percentagens de 51% e 49%, respetivamente, com os meios financeiros necessários ao funcionamento anual da Escola Portuguesa de Macau, transferindo até 31 de agosto de cada ano os fundos financeiros previstos no orçamento anual da Escola aprovado pelo conselho de administração da Fundação. A referência ao Ministério da Educação constante dos estatutos deve, presentemente, considerar-se como respeitando ao Ministério da Educação e Ciência[41].

A título de bens futuros potenciais, consignou-se que o património da Fundação será constituído por quaisquer subsídios, donativos, heranças, legados ou doações de entidades públicas ou privadas, portuguesas ou estrangeiras, que serão aceites desde que não imponham condições que conflituem com os seus fins. A referência a entidades portuguesas ou estrangeiras deverá ter-se, presentemente, por desatualizada, uma vez que a Fundação deixou de estar sedeada em território sob soberania portuguesa, devendo considerar-se a expressão com o significado atual de entidades de qualquer nacionalidade.

Estabelece-se nos estatutos ainda que constituirão património da Fundação todos os bens, móveis ou imóveis, que a Fundação venha a adquirir, a título gratuito ou oneroso, e os rendimentos dos seus bens próprios.

O regime patrimonial e financeiro da Fundação constante do mencionado preceito estatutário mantém-se presentemente em vigor.

Parte das obrigações que do mesmo decorrem para os instituidores poderão, entretanto, já se encontrar cumpridas[42]. Outras renovam-se anualmente, como sucede com as contribuições por parte do Estado Português e da Fundação Oriente a que se reporta o n.º 2 do artigo 3.º dos estatutos da Fundação.

O facto de se tratar de uma contribuição do Estado Português para uma fundação integrada no ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau, sujeita à soberania da República Popular da China, não suscita qualquer objeção sob o ponto de vista jurídico, designadamente na vertente do direito internacional.

É certo que, no que concerne ao funcionamento interno da pessoa coletiva Estado[43], a atribuição anual da contribuição é regulada por normas de direito público, estando, aliás, sujeita ao visto do Tribunal de Contas (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 89-B/98).

Todavia, conforme acima se acentuou, o Estado Português, ao figurar, conjuntamente com duas outras pessoas coletivas, como coinstituidor e cofinanciador de uma fundação de direito privado, ficou, nessa qualidade, despido do jus imperii que detém e exerce enquanto pessoa coletiva pública.

Como refere FREITAS DO AMARAL[44], a Administração atua umas vezes segundo o direito público, desenvolvendo uma atividade administrativa pública, e outras segundo o direito privado, exercendo uma atividade administrativa privada, devendo considerar-se atos de gestão privada «os que compreendem uma atividade em que a pessoa coletiva, despida do poder público, se encontra e atua numa posição de paridade com os particulares a que os atos respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado»[45].

A contribuição financeira anual do Estado Português para a Fundação Escola Portuguesa de Macau, tendo a mesma natureza jurídica da contribuição anual devida pela Fundação Oriente, não implicando o exercício de qualquer poder de autoridade sobre aquela no âmbito do território da Região Administrativa Especial de Macau, não afronta o ordenamento jurídico desta e contém-se plenamente dentro dos cânones do direito internacional[46].


4. Prevê-se no artigo 4.º dos estatutos que os órgãos da Fundação são o conselho de administração, o conselho de patronos e o conselho fiscal.

O conselho de administração, nos termos do artigo 5.º, é composto por cinco elementos, designados pelos três instituidores. Ao Estado Português, através do Ministério da Educação (Ministério da Educação e Ciência), cabe a designação de três elementos, um dos quais presidirá. Os dois elementos restantes serão designados, respetivamente, pela APIM e pela Fundação Oriente.

Como se referiu anteriormente, o Estado Português, enquanto coinstituidor e cofinanciador da Fundação, não atua jure imperii, pautando a sua atuação pelos princípios do direito privado. O mesmo se passa relativamente à designação de três dos membros do conselho de administração da Fundação: ao fazê-lo, o Estado pratica um ato jurídico de direito privado, de natureza análoga aos praticados pela APIM e pela Fundação Oriente quando designam, cada uma, um membro para o mesmo órgão.

A prática desse ato por parte do Estado Português, através do Ministro da Educação e Ciência, respeitando o regime jurídico das fundações previsto no Código Civil de Macau, não ofende qualquer norma ou princípio de direito internacional.

A forma de designação dos membros do conselho de administração da Fundação que decorre do artigo 5.º, n.º 1, dos estatutos respetivos deve, consequentemente, considerar-se em vigor, não tendo sido afetada pela transferência da soberania que se verificou relativamente ao território de Macau.


5. Mantêm-se, de igual forma, em vigor as normas estatutárias que estabelecem o regime de gratuitidade do exercício de funções dos membros do conselho de administração (n.º 3 do artigo 5.º), a duração do respetivo mandato (n.º 4 do artigo 5.º), a competência do presidente (artigo 6.º) a competência do conselho de administração (artigo 7.º), o seu funcionamento (artigo 8.º), a delegação de competências (artigo 9.º) e a vinculação da Fundação (artigo 10.º), pois se trata de preceitos que respeitam o regime jurídico das fundações constante do Código Civil de Macau na sua dimensão imperativa (designadamente as disposições constantes dos seus artigos 145.º a 149.º).


6. Os artigos 11.º a 13.º dos estatutos regulam a composição, a competência, a presidência, o funcionamento, as deliberações e o mandato do conselho de patronos da fundação.

Trata-se de um órgão de natureza consultiva, constituído por um máximo de nove membros designados pelo conselho de administração, com o mandato de três anos.

O regime estatutário deste órgão não suscita qualquer objeção no quadro do atual ordenamento jurídico macaense, pelo que se mantém integralmente em vigor.


7. Os artigos 14.º e 15.º dos estatutos regulam a composição e a competência do conselho fiscal da Fundação.

Tendo um mandato de três anos, o mesmo é constituído por três elementos, sendo um designado pelo conselho de administração, outro pela Fundação Oriente e o terceiro pelo Estado Português (artigo 14.º).

Compete-lhe verificar se a administração da Fundação se exerce de acordo com a lei e os estatutos, e verificar a regularidade dos livros e registos contabilísticos, bem como a exatidão das contas anuais da Fundação (artigo 14.º).

A forma de designação dos membros deste órgão, a duração do seu mandato e a respetiva competência não suscitam qualquer objeção em face do ordenamento jurídico macaense.

Reafirma-se aqui, no que respeita à designação de um dos membros pelo Estado Português, que se trata de um ato de natureza jurídico-privada praticado na qualidade de coinstituidor da Fundação, que não contende com a soberania chinesa e com a autonomia de que, no âmbito daquela, goza a Região Administrativa Especial de Macau.

A norma constante do n.º 1 do artigo 14.º dos estatutos da Fundação suscita, todavia, uma objeção em face do ordenamento jurídico macaense, ao estatuir que o elemento nomeado pelo Estado Português para tal órgão deverá ser um revisor oficial de contas.

No âmbito do ordenamento jurídico português, as entidades do setor não lucrativo, entre as quais se encontram as fundações, estão, por força do disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 36-A/2011, de 9 de março, sujeitas anualmente à certificação legal das contas se ultrapassarem os limites referidos no artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais[47].

Essa certificação legal é efetuada por um revisor oficial de contas, conforme estabelecido nos artigos 40.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 487/99, de 16 de novembro[48], no exercício de funções de interesse público que lhe são legalmente atribuídas, sendo dotada de fé pública, só podendo ser impugnada por via judicial quando arguida de falsidade (artigo 44.º, n.º 7, daquele diploma).

O exercício do referido poder de autoridade de certificação legal de contas[49] só pode ser levado a cabo pelos revisores oficiais de contas inscritos na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas no âmbito do território nacional. O exercício desse poder de autoridade em relação a uma entidade com sede em Macau e integrada no ordenamento jurídico-fiscal dessa Região Administrativa Especial da República Popular da China, traduzindo-se numa interferência nos assuntos internos de outro Estado, contende com os princípios do direito internacional a que acima se aludiu.

Como se referiu no parecer deste Conselho n.º 65/2006, de 16 de novembro de 2006[50], «a aplicação no espaço do direito administrativo obedece, por regra, ao princípio da territorialidade. Segundo tal princípio, e ressalvados os casos excecionais em que a exportabilidade das leis administrativas é admitida pelo direito internacional[51], «as normas de direito administrativo português», prossegue o mesmo parecer citando AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ[52], «aplicam-se em Portugal, são as únicas que se aplicam em Portugal e só se aplicam em território português: têm uma eficácia espacial definida pelas fronteiras portuguesas, porque só aos limites delas se estende a competência dos órgãos que as emanam».

Em matéria de certificação legal das contas das fundações vigora, na Região Administrativa Especial de Macau, o Decreto-Lei n.º 71/99/M, de 1 de novembro, que aprovou o Estatuto dos Auditores de Contas.

Estatui-se no artigo 1.º do Estatuto dos Auditores de Contas anexo a esse diploma que se designam por auditores de contas os que, registados nos termos deste Estatuto, procedem à revisão e certificação legal de contas e, ainda, planificam, organizam, executam ou assumem a responsabilidade pela execução da contabilidade de pessoas singulares ou coletivas, públicas ou privadas e, conjuntamente com tais pessoas, assinam as respetivas declarações fiscais.

Nos termos do artigo 2.º do Estatuto, os auditores de contas, bem como as sociedades de auditores de contas, só podem exercer as funções respetivas depois de inscritos em lista organizada pela Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas Registados.

Aos auditores de contas e às sociedades de auditores de contas é passado alvará, sendo ainda aos auditores de contas atribuído cartão profissional, cujos modelos são aprovados por despacho do Governador (artigo 11.º, n.º 1).

Estabelece-se no artigo 20.º do mesmo Estatuto que é atribuição dos auditores de contas a função exclusiva de interesse público de revisão e certificação legal de contas das empresas e outras entidades, estando à mesma sujeitas, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, as sociedades que, nos termos da legislação aplicável, devem ter conselho fiscal, bem como as empresas públicas, as concessionárias de serviços públicos, os institutos públicos e as fundações.

Conforme resulta do artigo 26.º, n.º 6, do Estatuto, a certificação legal das contas, em qualquer das suas modalidades, bem como a declaração de impossibilidade de certificação legal, são dotadas de fé pública, só podendo ser impugnadas por via judicial quando arguidas de falsidade.

O facto de se ter previsto no artigo 14.º, n.º 1, dos estatutos da Fundação que o presidente do conselho fiscal será revisor oficial de contas só se compreende na perspetiva de integrar naquele órgão uma pessoa com competência para proceder ao exame e à certificação das respetivas contas, nos termos legalmente previstos.

Assim sendo, deverá a norma estatutária referida considerar-se parcialmente desatualizada, passando a referência a um revisor oficial de contas da mesma constante a considerar-se feita a um auditor de contas inscrito na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas Registados da Região Administrativa Especial de Macau.


8. O último dos artigos dos estatutos (16.º) versa sobre a modificação dos estatutos e sobre a extinção da Fundação.

No que respeita à extinção, estatui-se no n.º 2 desse artigo que, caso a mesma ocorra, o património da Fundação reverterá para instituições congéneres existentes no território de Macau.

Esta norma não suscita qualquer objeção, estando em sintonia com o disposto no artigo 158.º do Código Civil de Macau, que regula o destino dos bens das pessoas coletivas em caso de extinção[53].

No que se refere à alteração dos estatutos da Fundação, estabelece-se no n.º 1 do mesmo artigo que «o conselho de administração, ouvido o conselho de patronos, poderá, em função das circunstâncias e fundamentadamente, propor à aprovação do membro do Governo da República Portuguesa responsável pela área da educação a modificação dos presentes estatutos».

Como se estatui no artigo 178.º, nos 3 e 4, do Código Civil de Macau, os estatutos da Fundação podem a todo o tempo ser modificados pelo órgão de administração, ou através de outro órgão indicado nos mesmos, contanto que não haja alteração essencial do fim da instituição e se não contrarie a vontade do fundador. As modificações estão sujeitas a homologação por parte da entidade competente para o reconhecimento, considerando-se as mesmas tacitamente homologadas uma vez decorridos trinta dias sobre o pedido de homologação sem que tal entidade se pronuncie.

Resulta de tais preceitos que a competência para proceder à alteração dos estatutos é do conselho de administração ou de outro órgão da fundação indicado nos estatutos. A alteração não poderá contrariar a vontade do fundador, e fica sujeita a homologação da autoridade administrativa da RAEM, para produzir efeitos.

O membro do Governo da República Portuguesa responsável pela área da educação (Ministro da Educação e Ciência) não é órgão da Fundação. Não lhe cabe, pois, o direito de alterar os estatutos da Fundação e de requerer subsequentemente a respetiva homologação à autoridade administrativa de Macau.

Tal não significa, todavia, que, na sua qualidade de cofundador e de principal garante da sobrevivência da Fundação, o Estado Português, através do referido membro do Governo, não possa manifestar o seu acordo ou desacordo relativamente a qualquer modificação dos estatutos que o conselho de administração pretenda efetuar e submeter a homologação. O artigo 178.º, n.º 3, in fine, do Código Civil de Macau dá plena cobertura a um tal entendimento, ao estabelecer que as modificações estatutárias não podem contrariar a vontade do fundador.

A manifestação da vontade do fundador, podendo ter que deduzir-se do ato de instituição da fundação, designadamente no caso de o fundador já haver perecido, também poderá, já que nada na lei macaense o impede, ser objeto de exteriorização posterior, aquando da elaboração das propostas de alteração dos estatutos, se o fundador ainda existir (se for vivo, sendo pessoa física, ou existir como pessoa coletiva).

Uma tal manifestação de vontade, na qualidade de cofundador da instituição, no sentido da concordância ou discordância relativamente a determinada alteração a introduzir nos respetivos estatutos, configurando-se como um ato jurídico-privado, é perfeitamente compatível com o ordenamento jurídico de Macau e com os princípios do direito internacional.

Já assim não sucederia se pretendesse interpretar-se presentemente a norma estatutária em causa como atribuindo ao Ministro da Educação e Ciência o poder administrativo de alterar os estatutos da fundação previsto no artigo 189.º do Código Civil Português. O exercício de um tal poder de autoridade relativamente a uma fundação integrada no ordenamento jurídico de Macau seria inadmissível pelas razões já várias vezes afloradas.

Em conclusão, admite-se a vigência da norma constante do artigo 16.º, n.º 1, dos estatutos da Fundação, desde que interpretada no sentido de conferir ao Estado Português, através do Ministro da Educação e Ciência, o direito de, na qualidade de principal cofundador, manifestar a sua concordância ou discordância relativamente a qualquer projeto do conselho de administração visando a alteração dos estatutos, constituindo a manifestação de discordância obstáculo a que a modificação estatutária possa ter lugar, conforme disposto no artigo 178.º, n.º 3, in fine, do Código Civil de Macau.


9. Antes de concluir, entende-se serem pertinentes as observações seguintes:

Como resulta claro do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de Abril, o Governo Português, «ponderadas (…) sobretudo as circunstâncias do território após a sua transição para a administração chinesa», optou pela criação de «uma instituição de direito privado e utilidade pública».

Tal opção acarretava, como se ressalta no parecer, consequências jurídicas quanto ao controlo futuro da fundação e do seu projecto educativo e cultural: tratando-se de uma pessoa colectiva de direito privado sedeada em Macau, a mesma ficaria, após a transferência da soberania, a ser regulada pela lei dessa Região Administrativa Especial, incumbindo exclusivamente às autoridades administrativas e judiciárias desta o exercício relativamente à mesma das prerrogativas de autoridade que tal ordenamento contempla.

Daí que, no mesmo preâmbulo, se afirme o seguinte: «Ao Governo Português, enquanto intérprete dos desígnios nacionais, teria de caber, no entanto, a função de garante fundamental do futuro da instituição e do seu projecto educativo e cultural, o que o presente diploma salvaguarda através da participação maioritária do Ministério da Educação no conselho de administração da Fundação Escola Portuguesa de Macau».

Verifica-se, assim, que o Governo Português, consciente de que lhe cabia garantir, enquanto intérprete dos desígnios nacionais, a função de garante do futuro da instituição e do seu projecto educativo e cultural, designadamente como seu principal financiador, procurou salvaguardar essa função, consignando nos estatutos da fundação a nomeação, por parte do Ministério da Educação e Ciência, da maioria dos membros do respectivo conselho de administração.

É, pois, através desse mecanismo de salvaguarda que o Governo Português pode acautelar o futuro e o projecto educativo e cultural da Fundação, dado que todas as decisões essenciais relativas ao funcionamento da Fundação e da Escola Portuguesa de Macau, entre elas avultando a aprovação dos planos anuais de actividade, dos orçamentos e dos relatórios e contas, são da sua competência.

No plano do nosso ordenamento interno, a atribuição anual à Fundação do subsídio por parte do Estado continua a estar sujeita ao visto do Tribunal de Contas (artigo 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 89-B/98).

Na concessão desse visto, e exclusivamente para efeitos da sua concessão ou recusa, o Tribunal de Contas não está impedido de solicitar o envio, para análise, dos planos de actividade, dos orçamentos e dos relatórios e contas da Fundação relativos a anos anteriores. A análise da documentação que nesse âmbito lhe for facultada não traduzirá, obviamente, o exercício pelo Tribunal de qualquer poder jurisdicional ou administrativo sobre a Fundação.

Por outro lado, a actividade da Fundação está sujeita a controlos administrativos e judiciários por parte das autoridades de Macau, tendentes a assegurar que a mesma funciona dentro da legalidade, prosseguindo os objectivos para que foi criada (artigos 178.º a 182.º do Código Civil de Macau e 9.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 11/96/M, de 12 de Agosto).

É de admitir que esta conjugação de mecanismos de aferição e controlo da actividade prosseguida pela Fundação seja suficiente para garantir que a mesma continua fiel ao projecto educativo e cultural para que foi criada, e que aplica devidamente os fundos que lhe são anualmente destinados, designadamente através de contribuições do Estado Português.

Outra poderia, contudo, ter sido a solução a adoptar no caso. Se para tanto existisse vontade concordante dos competentes órgãos de soberania da República Portuguesa e da República Popular da China, nada obstaria, no plano do direito internacional, a que o Estado Português criasse, sob tutela do Governo, uma pessoa colectiva de direito público (um instituto público, na modalidade de estabelecimento público[54]) com sede no território de Macau.

Sendo tal estabelecimento público instalado no território de Macau com a expressa autorização da República Popular da China, nada obstaculizaria a que o mesmo ficasse sujeito a todas as vinculações de natureza jurídico-pública a que estão adstritos os estabelecimentos análogos sedeados em território nacional, e designadamente às previstas nos artigos 6.º e 7.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos (Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro).

Uma tal solução contribuiria, por certo, para garantir um controlo muito mais apertado do funcionamento da instituição e do destino dos fundos públicos despendidos pelo Estado Português com o respectivo funcionamento.

Não tendo sido essa a opção tomada pelo Governo Português, nada impedirá que possa vir eventualmente a ser equacionada no futuro.

As exigências de maior rigor relativamente à criação, ao funcionamento e à transparência das fundações que estiveram na base da publicação da Lei-Quadro das Fundações (Lei n.º 24/2012, de 9 de Julho), cujo regime, pelas razões expressas no parecer, não é aplicável à Fundação Escola Portuguesa de Macau, poderão justificar uma ponderação actualizada sobre se a opção inicialmente tomada será de manter indefinidamente para o futuro.



V


Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª – A Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, com a natureza de pessoa coletiva de direito privado, não foi afetada na sua existência e na sua natureza com a reassunção da soberania do território de Macau pela República Popular da China, ocorrida em 20 de dezembro de 1999;

2.ª – Face aos elementos constantes do processo, a sede estatutária e a sede da administração da Fundação devem ter-se por localizadas no território de Macau;

3.ª – Tendo em conta o disposto nos artigos 33.º, n.º 1, do Código Civil português e 31.º, n.º 1, do Código Civil de Macau, a Fundação tem como lei pessoal o ordenamento jurídico vigente na Região Administrativa Especial de Macau;

4.ª – Os estatutos da Fundação não foram afetados na sua vigência após 20 de dezembro de 1999, com ressalva de alguns aspetos de natureza terminológica referenciados no corpo do parecer, e ainda dos aspetos seguintes:

a) A referência feita no artigo 14.º, n.º 1, dos estatutos a um «revisor oficial de contas» deverá atualmente considerar-se feita a um auditor de contas inscrito na Comissão de Registo dos Auditores e dos Contabilistas Registados da Região Administrativa Especial de Macau;

b) A norma constante do artigo 16.º, n.º 1, dos estatutos deverá ser interpretada no sentido de conferir ao Estado Português, através do Ministro da Educação e Ciência, o direito de, na sua qualidade de principal cofundador, manifestar a sua concordância ou discordância relativamente a qualquer projeto do conselho de administração visando a alteração dos estatutos da Fundação, constituindo a manifestação de discordância obstáculo a que a modificação estatutária possa ter lugar, conforme disposto no artigo 178.º, n.º 3, in fine, do Código Civil de Macau.

5.ª – Consequentemente, e por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, de tais estatutos, cabe ao Estado Português, através do Ministério da Educação e Ciência, a designação de três dos cinco membros do conselho de administração da Fundação, um dos quais será o presidente.

ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2012.

Maria Joana Raposo Marques Vidal – Fernando Bento (Relator) – Maria Manuela Flores Ferreira – Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita (Vencido pelas razões constantes do voto da minha Exm.ª Colega Doutora Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão – Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão (Com voto de vencida em anexo) – Maria de Fátima da Graça Carvalho – Manuel Pereira Augusto de Matos.



(Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão)
Votei vencida todas as conclusões do Parecer n.º 33/2012 pelas razões que se passam a expor.


voto de vencida

1. Colocação do problema e sequência

A minha discordância com o presente parecer parte de um pressuposto fundamental, que se prende com a natureza jurídica (pública e privada) da Fundação Escola Portuguesa de Macau (adiante designada abreviadamente FEPM), que, como se demonstrará infra, altera completamente o percurso argumentativo em torno das questões colocadas pelo Consulente.

Além disso, e independentemente da natureza jurídica da Fundação, as relações internas que se estabelecem entre o Estado português e uma fundação da qual é o principal instituidor – aquele cuja entrada patrimonial é maioritária e que continua a financiar maioritariamente para o respetivo funcionamento – são sempre regidas pelo Direito Administrativo. Isto decorre, obrigatoriamente, da imposição, contitucional e legal, de sujeitar todas as atuações da Administração Pública a um conjunto de vinculações jurídico-públicas.

Como se procurará demonstrar, esta é a solução correta, mesmo que a fundação se encontre sedeada em território estrangeiro.

Finalmente, à luz destes pressupostos, adiantar-se-á uma resposta às três questões suscitadas na Consulta.

O desenvolvimento do presente voto de vencida, que se terá de conter, necessariamente, nos limites naturais de uma declaração deste tipo, seguirá a seguinte sequência:

i) Do conceito de pessoa coletiva pública;
ii) Da natureza jurídica da FEPM e sua integração na Administração indireta do Estado português;
iii) Do Direito aplicável às relações internas que se estabelecem entre o Estado português e a FEPM e respetiva sujeição a vinculações jurídico-públicas de Direito Administrativo;
iv) Conclusão: resposta às questões colocadas na Consulta.


2. Do conceito de pessoa coletiva pública

A determinação de um conjunto de critérios que permitam traçar a distinção entre pessoas coletivas públicas e pessoas coletivas privadas é uma das questões mais complexas do Direito Administrativo moderno, tendo em conta a criação de novas realidades institucionais que não se subsumem facilmente no conceito tradicional de Administração Pública.

PEDRO GONÇALVES afirma mesmo que “a personalidade de Direito Público deixou de ser o critério adequado para delimitar com precisão as fronteiras da província do Direito Público”[55].

Os critérios que têm sido avançados, tradicionalmente, pela doutrina portuguesa para caracterizar a personalidade jurídica pública são o critério da iniciativa, o critério do ato de criação público, o critério do fim, o critério dos poderes exorbitantes ou poderes de autoridade, o critério do regime específico de Direito Público e o critério da obrigatoriedade de existência[56].

Verifica-se, no entanto, que nenhum dos critérios é isento de críticas, razão pela qual a própria doutrina acaba por recorrer, muitas vezes, à determinação legal, que, em rigor, é um “não-critério”, na medida em que prescinde de qualquer análise substancialista do conceito[57].

Ora, não se percebe a razão pela qual o intérprete tem de ficar preso a uma determinação legal que é, manifestamente, inconsistente com as características da figura em causa[58].

Trata-se, além do mais, de garantir a unidade do sistema jurídico, aspeto que não pode deixar de ser tido em conta em face do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil. Se a norma legal que procede à qualificação de uma determinada entidade como privada estiver em contradição com o ordenamento jurídico no seu todo, por haver outras normas legais que sujeitam aquela entidade a um conjunto de regras que levam a qualificá-la como pública, essa unidade está posta em causa.

Por outro lado, não compete à lei resolver problemas concetuais de natureza dogmática, nem estabelecer qualificações jurídicas[59].

De facto, sem prejuízo de a indicação legal dever ser, em princípio, respeitada há casos em que o nomen iuris utilizado pelo legislador chega a ser contraditório com o regime jurídico estabelecido no mesmo diploma legal ou resultante do ordenamento jurídico no seu conjunto[60].

Torna-se, por isso, imperativo adotar-se uma perspetiva substancialista, que atenda à materialidade subjacente e não à qualificação legal. Por outras palavras, trata-se de atender ao conteúdo e não ao rótulo legal.

Existem, actualmente, várias regras jurídico-públicas que são aplicáveis a todas as entidades que prossigam um fim público e que sejam de iniciativa pública, que conduzem a uma unificação do respetivo regime jurídico e que compreendem[61]:

- a sujeição aos princípios constitucionais, aos princípios gerais do Direito Administrativo e aos princípios do Código do Procedimento Administrativo adiante designado abrevidamente CPA), nos termos do artigo 2.º, n.ºs 4 e 5, deste diploma;
- a vinculação direta aos direitos fundamentais, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, da CRP[62];
- a aplicação das regras da contratação pública, de acordo com o artigo 2.º, n.º 2, do CCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro;
- a sujeição à intervenção do Provedor de Justiça, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril;
- a sujeição à Lei da Acesso aos Documentos Administrativos (adiante designada abreviadamente “LADA”) e à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (adiante designada abreviadamente “CADA”), de acordo com o disposto no artigo 4.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto;
- a fiscalização pelo Tribunal de Contas, à luz do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto;
- a sujeição à jurisdição administrativa, nos termos do artigo 212.º, n.º 3, da CRP e, muito claramente, à luz do artigo 4.º, n.º 1, alíneas d) e i) do ETAF.

Estas vinculações foram desenvolvidas de forma lapidar e, à data, precursora, pelo Conselho Consultivo, no Parecer n.º 611/2000, de 11 de janeiro de 2001, a propósito, exatamente, de uma fundação (a Fundação para a Prevenção e Segurança) que, tal como a FEPM, foi criada por entidades públicas, para a prossecução de fins públicos, mas sob forma privada.

Conclui-se, deste modo, que existe, em geral, um regime jurídico de Direito Público aplicável a todas as entidades de criação pública, cujo objetivo seja a prossecução de um fim de interesse público[63].

Por isso, o critério do fim ou do interesse é aquele que deve prevalecer, daí decorrendo a aplicação de um conjunto de vinculações jurídico-públicas que permitem integrar essas entidades no conceito de pessoa coletiva de Direito Público.

A adoção de uma forma jurídico-privada ou a aplicação de normas de Direito Privado não afasta, só por si, a qualificação como sujeito de Direito Público[64].

No que se refere às fundações (ditas) de Direito Privado instituídas pelo Estado, alguns Autores referem-se às mesmas como autênticas ficções jurídicas (BLANCO DE MORAIS[65] e, na doutrina estrangeira, PROSPER WEIL[66]), atendendo ao seu caráter instrumental face à(s) entidade(s) pública(s) matriz, visando, muitas vezes, apenas elidir a sujeição da Administração ao princípio da legalidade[67].

Como refere DOMINGOS FARINHO, “[Q]uando o Estado opta por autonomizar parte do seu património para criar uma fundação pública ou para instituir uma fundação privada é ainda e semore de natureza pública que cuidamos”[68].

É de salientar, como aspeto fundamental a ter em conta na presente análise, que a conceção substancialista aqui adotada é imposta pelo Direito da União Europeia.

De facto, apesar de não existir no Direito da União Europeia uma definição unitária de Administração Pública[69], a verdade é que o Tribunal de Justiça da União Europeia construiu o conceito de “organismo de Direito Público”, consagrado no Acórdão “Mannesmann”[70], de acordo com o qual são poderes adjudicantes os “organismos criados para satisfazer especificamente necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial, dotado de personalidade jurídica e estreitamente dependente do Estado, das autarquias locais ou de outros organismos de Direito Público, requisitos que são cumulativos”.

Trata-se de um conceito essencialmente funcional ou material, que torna mais ou menos irrelevante a forma jurídica adotada pela entidade, traduzindo-se no “levantamento do véu” da personalidade jurídica das entidades instrumentais[71] criadas pela Administração Pública.

O conceito adotado pelo Tribunal do Luxemburgo assenta essencialmente no elemento teleológico e material, que implica a sujeição a normas de Direito Público – no caso, relativas à contratação pública – de pessoas coletivas que adotam forma jurídico-privada, independentemente de terem base associativa, fundacional ou empresarial. Estas entidades acabam por assumir a natureza de sujeito de Direito Público se forem constituídas, controladas ou financiadas por pessoas colectivas públicas[72].

Mais: o próprio legislador, que recorre de forma tão frequente à criação de entidades públicas sob forma privada, aprova também diplomas normativos de Direito Público que trazem essas mesmas entidades para o universo da Administração Pública, publicizando-as (v. o elenco acima referido).

E, no que às fundações diz respeito, o legislador foi ainda mais longe.

Corroborando integralmente o entendimento da doutrina que considerava como pessoas coletivas públicas as fundações, mesmo as criadas sob forma privada, por entidades públicas, com dinheiros públicos, para a prossecução de fins públicos, o legislador aprovou, recentemente, a Lei Quadro das Fundações Públicas, através da Lei n.º 24/2012, de 9 de julho (adiante designada LQFP).

Neste diploma, as fundações “criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante”[73] passam a ser qualificadas como “fundações públicas de direito privado” [alínea c) do artigo 4.º, n.º 1].

E não se trata de uma qualificação para o futuro, visto que a LQFP dispõe retrospetivamente, ou seja, aplica-se às “fundações de direito privado já criadas e reconhecidas” (n.º 2 do artigo 57.º), determinando mesmo que o Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais e demais pessoas coletivas de direito público estão impedidas de criar ou participar em novas fundações públicas de direito privado (n.º 1 do mesmo preceito).

Esta solução legal é a assunção inequívoca de que as fundações com as características acima enuncidas sempre foram, mesmo antes da publicação da LQFP, fundações públicas, independentemente do nomen iuris adotado, não fazendo esta lei mais do que fazer corresponder a qualificação legal ao substrato material.

É por isso que a LQFP determina a aplicação às fundações públicas de direito privado da “legislação aplicável às pessoas coletivas públicas” (artigo 52.º, n.º 1), designadamente, a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, entre outras disposições de natureza jurídico-pública, constantes dos artigos 48.º a 56.º da LQFP.

Razões pelas quais as considerações acima tecidas sobre a adoção, imposta constitucionalmente e pelo Direito da União Europeia, de um conceito substancialista de pessoa coletiva pública são particularmente justificadas – e com estribo legal expresso – no caso das fundações.


3. Da natureza jurídica da FEPM e sua integração na Administração indireta do Estado português

Cumpre agora qualificar a FEPM à luz deste enquadramento concetual.

Fazendo o Parecer uma análise detalhada do Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, que criou aquela Fundação, não cumpre repeti-lo, muito menos na economia de um voto de vencido.

Mas a conclusão que retiro daquela análise é, com o devido respeito, a oposta, uma vez que a FEPM apresenta os seguintes índicios de administratividade:

- criação por ato legislativo (o facto de o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, prescindir da escritura pública só corrobora a sua natureza exorbitante, alheia do Direito Privado);
- prossecução de fins de interesse público (artigo 3.º do diploma preambular e artigo 2.º dos estatutos);
- instituição pelo Estado, que entrou com uma participação inicial maioritária e continua a financiar maioritariamente a Fundação (artigos 1.º e 5.º, n.º 1, do diploma preambular e artigo 3.º dos estatutos aprovados em anexo);
- controlo da gestão pelo Estado, através da nomeação de três dos cinco administradores (artigo 5.º dos estatutos);
- nomeação de um represente do Estado português para o conselho fiscal, que tem de ser um revisor oficial de contas (artigo 14.º dos estatutos):
- necessidade de autorização do Estado português, através do Ministério da Educação, para se proceder à modificação dos estatutos (artigo 16.º dos estatutos).

A estes aspetos acrescem os seguintes vínculos jurídico-públicos, que resultam do ordenamento jurídico em geral:

- sujeição à LQFP e, supletivamente, à LQIP, o que inclui, entre outros aspetos, a superintendência e a tutela do Estado português;
- sujeição ao controlo do Tribunal de Contas (artigo 2.º, n.º 2, da respetiva lei orgânica, já citada);
- sujeição à LADA e à CADA;
- integração no âmbito de aplicação subjetivo do CCP [artigo 2.º, n.º 1, alínea e) ou, quando muito, pelo n.º 2 , alínea b) do mesmo preceito].

Daqui se retira que a FEPM sempre foi, independentemente da designação legal, uma fundação pública, não sendo o disposto na LQFP mais do que a confirmação de uma realidade pré-existente.

Por isso, afigura-se até despiciendo saber se a LQFP é ou não aplicável à FEPM.

Sempre se diga, no entanto, que a inaplicabilidade da LQFP à FEPM parte do pressuposto de que se trata de uma fundação privada e, por isso, estando sedeada em Macau, que é hoje território estrangeiro, aplica-se-lhe o Direito de Macau.

Mas já assim não será se se tratar de uma pessoa coletiva pública, que não se rege pelas regras dos artigos 25.º e seguintes do Código Civil (adiante designado abreviadamente “CC”), especialmente pelo artigo 33.º.

Contudo, e antes de desenvolver a questão do Direito aplicável, cumpre referir ainda que, independentemente até da sua qualificação como pública ou privada, há um aspeto que é inequívoco: é que a FEPM pertende à Administração indireta do Estado português.

Efetivamente, o reconhecido fenómeno de “fuga para o Direito Privado”[74], há muito fez com que a doutrina largamente maioritária considerasse que as pessoas coletivas sob forma privada que prossigam fins do Estado pertendem à sua Administração indireta.

E – saliente-se – esta posição é adotada quer pela doutrina que continua a admitir a prevalência da qualificação legal, ou seja, que continua a considerar privadas essas pessoas coletivas, quer por aquela que as requalifica como públicas.

A ampliação da aceção orgânica da Administração Pública é, atualmente, um aspeto inteiramente pacífico na doutrina, no sentido de inluir naquele conceito também organizações públicas criadas sob forma privada.

Defendem esta posição, entre muitos outros, o seguintes Autores: MARCELO REBELO DE SOUSA[75], PAULO OTERO[76], PEDRO GONÇALVES[77], JOÃO CAUPERS[78].

Ora, a inserção de uma determinada entidade na Administração indireta do Estado tem consequências imediatas e relevantes, desde logo, por imposição constitucional, designadamente, da alínea d) do artigo 199.º, quando determina que o Estado, através do Governo, exerce os poderes de superintendência e tutela sobre a Administração indireta.

Por outras palavras: a atribuição de personalidade jurídica privada a uma entidade criada pelo Estado, com fundos públicos e para a prossecução de fins públicos não a pode eximir aos poderes de superintendência e tutela, sob pena de inconstitucionalidade.

Como referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, “…a Constituição não parece abrir a porta a soluções em que o Governo fique pura e simplesmente desprovido de poderes intra-administrativos que lhe assegurem efetivamente o estatuto de órgãos superior da Administração pública e, num Estado democrático, por ela politicamente responsável”[79].

E, a propósito da questão de saber se as (ditas) pessoas coletivas de direito privado estão abrangidas no conceito de Administração indireta e, consequentemente, pelo disposto no artigo 199.º, alínea d) da CRP, aqueles Autores afirmam, de forma inequívoca e:

“Não é seguro, por outro lado, a menos que se adote uma visão puramente formalista e concetual, que se possa circunscrever sem mais o âmbito de aplicação da administração indireta e da administração autónoma ao terreno das pessoas coletivas de direito público. Uma tal delimitação, salvo se - numa aproximação metodológica que suscita as maiores reservas – se pretender extrair de uma prévia caracterização da entidade como pessoa coletiva de direito público ou de direito privado consequências jurídicas ao nível do regime jurídico que lhes é aplicável, não consegue captar a versatilidade e a multifuncionalidade das figuras subjetivas que constituem hoje o universo da Administração Pública portuguesa.”

E, mais adiante, a propósito concretamente das empresas públicas sob a forma de sociedade anónima:

“Ainda assim, as empresas públicas de direito privado, se bem que não sejam reconduzíveis a nenhuma das categorias típicas de entidades públicas, não podem estar imunes ao princípio da unidade da Administração, tanto mais que é legítimo admitir que tais pessoas coletivas, ainda que de direito privado, se integram na orgânica da Administração Pública, não sendo constitucionalmente aceitável que a variação da configuração jurídica concreta que as entidades dominadas pelo Estado assumem possa ser determinante na delimitação do âmbito da vigilância governativa da atuação administrativa”[80].


E a circunstância de essa entidade estar sedeada no estrangeiro tão pouco pode suprimir tais poderes, visto que, nesses casos, não se estabelece uma relação entre uma pessoa coletiva de nacionalidade estrangeira e o Estado português.

Pelo contrário, existem inúmeros casos de entidades sedeadas no estrangeiro e que estão na dependência de outro Estado, do qual são nacionais, exatamente porque as regras do CC relativas à determinação da nacionalidade das pessoas coletivas não lhe são aplicáveis (escolas portuguesas no estrangeiro, representações diplomáticas e consulares, etc).

A tal não se opõe, como se desenvolverá no ponto 4., o princípio da territorialidade do Direito Público, que deixou de ser um dogma do Direito Internacional Privado moderno[81].

Por outro lado, afigura-se inaceitável entender que é o Governo de Macau que exerce esses poderes de superintendência e tutela sobre a FEPM, desde logo porque esta fundação pertence à Administração indireta do Estado português e não do Estado chinês ou da Região Autónoma de Macau.

Note-se que, apesar de em 1998, data da criação da FEPM, Macau ainda ser território português, não foi o Governo de Macau, mas sim o Governo português que instituiu aquela Fundação, e que continua a financiá-la.

Mais: o fim público prosseguido pela FEPM corresponde a um interesse do Estado português constitucionalmente consagrado no artigo 78.º, n.º 2, alínea d) da CRP – a difusão da língua e da cultura portuguesas -, razão pela qual seria (à data) e continuaria a ser hoje absurdo que uma fundação que prossegue tal fim fosse tutelada pela Administração de Macau.

Esta conclusão não afasta os poderes de fiscalização e controlo que um governo tem sobre qualquer entidade que atue no seu território, mas estes poderes (regulação, cobrança de impostos, vigilância pelo cumprimento das leis e normas em geral, etc), não se confundem com os poderes-deveres de tutela e superintendência.

Contudo, mesmo os poderes que as autoridades públicas têm sobre as fundações (verdadeiramente) privadas, previstos no artigo 189.º a 193.º do CC português e que correspondem aos artigos 178.º, 179.º e 180.º do CC de Macau, não podem ser atribuídos, sem ulteriores indagações, ao Governo da Região Autónoma de Macau.

Veja-se, a este propósito, o disposto nos artigos 178.º e 179.º - cuja transcrição não se justifica aqui repetir, uma vez que estão transcritos no Parecer -, que cometem a competência para homologar qualquer modificação dos estatutos e, inclusivamente, uma alteração do fim a que a fundação está adstrita “à entidade competente para o reconhecimento”.

Ora, não se vislumbra como pode este preceito aplicar-se à FEPM.

Por um lado, porque a mesma não esteve sujeita a qualquer ato de reconhecimento, uma vez que foi criada por diploma legal.

Por outro lado, porque o artigo 16.º dos estatutos, que continuam em vigor, determina que a modificação dos estatutos está sujeita à “aprovação do membro do Governo responsável pela área da educação”, o que não se confunde com a mera “audição do fundador” a que se refere o artigo 179.º do CC de Macau.

De facto, apesar de o artigo 178.º referir que a modificação não pode contrariar a vontade do fundador, o artigo 179.º, relativo à alteração do fim, apenas menciona que aquele deve ser “ouvido”.

Por outras palavras: os próprios estatutos da FEPM demonstram que esta está sujeita a um regime “exorbitante”, que não se compadece, sem mais, com a aplicação do Direito Privado.

Aliás, mal se compreenderia que o conselho de administração da FEPM pudesse alterar o fim que a mesma prossegue – que é um fim público -, bastando para tal a audição do Governo português e a homologação do Governo da Região Autónoma de Macau.

E nem se diga que, nessa circunstância, a situação ficaria resolvida através da interrupção do financiamento por parte do Estado português.

Por um lado, porque houve uma entrada patrimonial inicial, e, por outro lado – e sobretudo – porque deixaria de ser realizado um fim de interesse público que o Estado português pretendeu que fosse prosseguido, mesmo após a transição de Macau para a dependência chinesa: a divulgação da língua e cultura portuguesas naquele território.

Como salienta JOÃO CAUPERS, “[É] difícil separar o criador da criatura, uma vez que isso implicaria o abandono, por parte do criador, do interesse público que lhe cabe legalmente prosseguir”[82].

E é a prossecução deste fim de interesse público - consagrado, aliás, na Constituição, como já referimos -, que justifica e impõe a manutenção dos poderes de superintendência e tutela do Estado português sobre a FEPM.

De qualquer forma, sendo a Fundação uma entidade inequivocamente pertencente à Administração indireta do Estado, não pode deixar de estar sujeita a esses poderes, na medida em que a opção pela forma jurídico-privada não pode afastar a imposição constitucional constante do artigo 199.º, nº 1, alínea d) da CRP.

Permitia-me citar, a este propósito, a lapidar afirmação de SÉRVULO CORREIA, exatamente a propósito das fundações e associações públicas de direito privado[83]:

“O valor da sociedade plural aponta sem dúvida para um princípio dialógico, que permite articular várias realidades sem as reduzir à unidade. Mas a diversificação institucional tem de processar-se dentro de quadros tendentes a impedir as patologias institucionais. O sistema não deve permitir a formação de estruturas que gerem disfunções à luz dos valores constitucionais e que induzam sistematicamente resultados político-administrativos não otimizados. A autonomia, presumida fonte de eficiência e criatividade, não pode significar cessação do controlo que garante a efetivação das responsabilidades políticas e jurídicas.”

Pelo exposto, considero que a FEPM é, atendendo à materialidade subjacente, uma entidade pública, e que, independentemente disso, pertence, inequivocamente, à Administração indireta do Estado português.

Este entendimento não pode, obviamente, deixar de se refletir no Direito aplicável à Fundação.


4. Do Direito aplicável às relações internas que se estabelecem entre o Estado português e a FEPM e respetiva sujeição a vinculações jurídico-públicas de Direito Administrativo

Sendo a FEPM uma entidade pública ou, pelo menos, estando integrada na Administração indireta do Estado português, o Direito aplicável às relações que se estabelecem entre aquela e este não pode deixar de ser o Direito Administrativo português.

Por um lado, porque essas relações (inter-subjetivas) são moldadas a partir dos poderes-deveres de tutela e de superintendência, cuja existência é, como referi supra, uma imposição constitucional constante do artigo 199.º, alínea d) da CRP, desenvolvido nos preceitos da LQFP, em especial no artigo 55.º ex vi o artigo 57.º, n.º 2, daquele diploma[84].

Por outro lado, porque as relações que se estabelecem entre o Estado português e a FEPM são relações jurídico-administrativas[85].

Contra este entendimento podem aduzir-se dois argumentos, a saber: o facto de a LQFP ter sido aprovada e publicada em 2012 e a FEPM ter sido criada em 1998; e a circunstância de, nesta data (2012), Macau já não ser um território português e a Fundação ser uma pessoa coletiva estrangeira.

Quanto ao primeiro argumento, limitar-me-ia a remeter para as considerações já expendidas sobre o “universo fundacional” português anterior à aprovação da LQFP, que justificou, aliás, que o legislador atribuísse retrospetividade a este diploma.

No que respeita ao segundo argumento, cumpre analisá-lo com maior detalhe.

A qualificação da FEPM como uma pessoa coletiva estrangeira, sujeita, por isso, ao Direito de Macau (ou do Estado chinês) decorre da aplicação dos preceitos do Código Civil português sobre determinação da lei aplicável, designadamente, o artigo 33.º (correspondente ao artigo 31º do Código Civil da Região Especial de Macau).

Acontece, porém, que essas disposições só serão aplicáveis se se considerar que a Fundação não é uma entidade pública, aspeto sobre o qual já manifestámos a nossa posição.

E, mesmo que se entenda que se trata de uma entidade privada, a sua inserção orgânica na Administração indireta do Estado português acarreta, necessariamente, a aplicação de normas de Direito Público português.

A aplicação de normas de Direito Público português nas relações entre o Estado português e a FEPM não viola o princípio da territorialidade, nem depende, salvo melhor opinião, da autorização das autoridades que atualmente governam Macau.

Como salienta LUÍS DE LIMA PINHEIRO, o dogma a territorialidade do Direito Público está ultrapassado, na dupla asserção de que nem um Estado se pode reger pelo direito estrangeiro, nem de que o Direito Público de um Estado nunca se pode aplicar noutro Estado[86].

E o Autor continua, referindo que ambas as asserções podem ser afastadas em certas situações, admitindo-se, por exemplo, que um Estado formule, em certas situações, pretensões fundadas no seu Direito Público, quer perante a Administração, quer perante os tribunais de outro Estado[87].

Esta possibilidade não põe em causa a soberania do Estado estrangeiro.

O Parecer do Conselho Consultivo n.º 65/2006, citado no Parecer em apreço, é tão perentório a afirmar o princípio da territorialidade do Direito Administrativo, como a afirmar que esse princípio comporta exceções, citando, aliás, AFONSO QUEIRÓ.

Este Autor elenca diversas exceções àquele princípio e, apesar de referir que, por regra, a “exportação” de Direito Administrativo português só é possível com base no Direito Internacional, também afirma que “[Q]uando a aplicação do direito administrativo português no estrangeiro prescinda da instalação de serviços públicos específicos, deixa de se requerer, para a exportação dele, qualquer permissão de Direito Internacional”[88].

E o Parecer cita exatamente esta passagem e continua:

“A regulação do ensino do português no estrangeiro constitui uma manifestação de direito administrativo «exportável», designadamente nas situações em que é desenvolvido mediante a instalação pelo Estado Português em país estrangeiro de serviços apropriados, como sucede no caso de criação pelo próprio Estado de escolas portuguesas. Ainda que isto não aconteça, continua a ser direito administrativo «exportável» a emanação pelo Estado Português, no âmbito da promoção e divulgação do ensino da língua e da cultura portuguesas, de normação específica dirigida, por exemplo, ao recrutamento, colocação e contratação de docentes ou ao apoio a estas actividades levadas a cabo por outras entidades.”

Ora, é exatamente disso que se trata quando estão em causa apenas as relações entre o Estado português e a FEPM e não entre esta e os restantes sujeitos de Direito com os quais se relaciona no território de Macau.

Nesta linha, a CADA declarou-se competente para dar parecer sobre um pedido de acesso a documentos administrativos formulado por um particular à FEPM em dois pareceres (Pareceres n.º 110/2008, de 9 de abril, proferido no Processo n.º 21/2008, e n.º 144/2012, de 16 de junho, proferido no Processo n.º 174/2010).

E, recentemente, o Ministério da Educação determinou, através do Despacho n.º 7433/2012, de 22 de maio, a realização de uma avaliação externa à Escola Portuguesa de Macau por parte da Inspeção-Geral da Educação e Ciência – atuação que se afigura, na linha do raciocínio exposto no presente voto, perfeitamente legítima.

Finalmente, permitia-me salientar um último aspeto que, na minha opinião, revela, com o devido respeito, a existência de uma contradição no Parecer.

No Parecer defende-se que, mesmo após a transição de Macau para a China, a Fundação manteve o estatuto de utilidade pública conferido pelo Estado português, ao abrigo da legislação portuguesa (o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro).

Ora, esse estatuto vincula a atual Administração do território a um conjunto de aspetos dele decorrentes, o que constitui uma clara manifestação da extraterritorialidade do Direito Administrativo que o Parecer rejeita a propósito da sua aplicação às relações entre o Estado português e a Fundação.


5. Conclusão: resposta às questões colocadas na Consulta

Para concluir, permitia-me adiantar uma resposta às questões colocadas pelo Consulente, à luz da posição assumida no presente voto de vencida.

A primeira questão prende-se com a questão de saber “se continua a FEPM a reger-se pelo direito português ou se, desde a devolução da soberania à República Popular da China, ficou sujeita ao ordenamento jurídico da Região”.

Cumpre distinguir entre relações internas e externas: nestas, que se estabelecem entre a FEPM e os sujeitos de Direito que com a mesma se relacionem no território de Macau, aplica-se o ordenamento jurídico deste território, mas, quanto às relações internas entre o Estado português (instituidor) e a Fundação, aplica-se o Direito Administrativo português.

A segunda questão formulada é “se o Ministro da Educação e Ciência continua, depois disso, a ter legitimidade para proceder à nomeação do Conselho de Administração da FEPM”, não podendo deixar de se responder afirmativamente.

Finalmente, a terceira dúvida tem a ver com o seguinte: “se, na hipótese de estar sujeita ao ordenamento jurídico da RAEM, a FEPM continua a existir enquanto tal e se, assim sendo, os seus estatutos continuam em vigor tal como estão ou se se consideram tacitamente alterados, pelo menos em algumas disposições”.

Esta resposta decorre, em parte da solução dada à primeira questão. No essencial, esses estatutos permanecem em vigor inalterados, uma vez que defendemos a aplicação do Direito português às relações entre o fundador e a Fundação.







[1] Através do ofício n.º 1771, de 13 de agosto de 2012, com a Referência Ent. 4352, Proc. N.º 20.23/2012.439), subscrito pelo Chefe do Gabinete, foi remetida cópia do Despacho à Procuradoria-Geral da República, onde deu entrada em 16 de agosto de 2012, tendo sido objeto de distribuição em 14 de setembro de 2012.
[2] A criação deste Grupo de Ligação foi prevista no n.º 4 da Declaração Conjunta do Governo da República Portuguesa e do Governo da República Popular da China sobre a Questão de Macau, tendo por objetivo assegurar a aplicação efetiva da Declaração Conjunta e criar as condições apropriadas para a transferência de poderes em 1999. A Declaração Conjunta foi aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 25/87, de 14 de dezembro, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 38-A/87, de 14 de dezembro.
[3] O Código Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, entrou em vigor no continente e ilhas adjacentes em 1 de junho de 1967. Pela Portaria n.º 22.869, de 4 de setembro de 1967, foi tornado extensivo às “províncias ultramarinas”, onde entrou em vigor em 1 de janeiro de 1968.
O Código Civil de Macau viria a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de agosto, tendo entrado em vigor em 1 de novembro de 1999, ex vi do disposto no Decreto-Lei n.º 48/99/M, de 27 de setembro.
[4] O artigo 72.º do Estatuto Orgânico de Macau na sua redação originária, constante da Lei n.º 1/76, de 17 de fevereiro, tinha a seguinte redação:

«ARTIGO 72.º
1 - Os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania da República que devam ter aplicação no território de Macau conterão a menção de que devem ser publicados no Boletim Oficial e serão aí obrigatoriamente publicados, mantendo a data da publicação no Diário do Governo.
2 - Só entrarão, porém, em vigor no território de Macau depois de transcritos no respetivo Boletim Oficial, salvo se deverem aplicar-se imediatamente por declaração inserta nos próprios diplomas; a transcrição será, em qualquer caso, obrigatoriamente feita num dos dois primeiros números do Boletim Oficial que forem publicados depois da chegada do Diário do Governo.
3 - Nos casos em que se declare nos diplomas a sua aplicação imediata e nos demais casos de urgência, o seu texto será transmitido telegraficamente, reproduzindo-se logo o telegrama no Boletim Oficial ou em suplemento a este. Em tal caso, o diploma entrará em vigor na data da publicação do referido telegrama.»

O mesmo Estatuto viria, posteriormente, a ser alterado pela Lei n.º 53/79, de 14 de setembro, pela Lei n.º 13/90, de 10 de maio, e pela Lei n.º 23-A/96, de 29 de julho.
[5] Pelo Decreto-Lei n.º 152/96, de 30 de agosto, a competência para o reconhecimento das fundações de solidariedade social foi atribuída ao ministro da tutela, nos termos e para os efeitos do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro.
Pelo Decreto-Lei n.º 284/2007, de 17 de agosto, foi revogado o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 215/87, de 29 de maio, passando o reconhecimento das fundações, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 158.º e no artigo 188.º do Código Civil, a competir ao Ministro da Presidência.
Pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, passou o reconhecimento a ser da competência do Primeiro-Ministro, com a faculdade de delegação (artigos 6.º, 40.º, 43.º e 46.º da Lei-Quadro anexa ao diploma).
[6] Na redação decorrente da Lei n.º 23-A/96, de 29 de julho.
[7] A título exemplificativo, poderão indicar-se as seguintes fundações reconhecidas por ato administrativo emitido pelo Governador de Macau: Fundação STDM, reconhecida pelo Despacho n.º 50/GM/88; Fundação Choi para a Educação e Cultura, reconhecida pelo Despacho n.º 63/GM/90; Fundação Badi, reconhecida pelo Despacho n.º 74/GM/90; Fundação da Educação de Macau, reconhecida pelo Despacho n.º 21/GM/93; Fundação Católica de Ensino Superior Universitário, reconhecida pelo Despacho n.º 21/GM/96; Fundação Wong Ieng Kuan, reconhecida pelo Despacho 26/GM/96; Fundação Sino-Latina de Macau, reconhecida pelo Despacho n.º 91/GM/96, e Fundação da Deusa A-Má de Macau, reconhecida pelo Despacho n.º 49/GM/99.
[8] Tal diploma vigorava ainda na sua redação originária. Posteriormente viria a ser alterado pela Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro, que procedeu à respetiva republicação (entretanto retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-B/2008, de 11 de fevereiro). Presentemente, no que respeita às fundações, a atribuição do estatuto de utilidade pública encontra-se regulado na respetiva Lei-Quadro, anexa à Lei n.º 24/2012, de 9 de julho, sendo da competência do Primeiro-Ministro, com a faculdade de delegação.
[9] Os fins previstos no artigo 416.º do Código Administrativo reportavam-se às seguintes valências: associações beneficentes ou humanitárias; institutos de educação ou assistência; hospitais, hospícios, asilos, casas pias, creches, lactários, albergues, dispensários, sanatórios e bibliotecas e estabelecimentos análogos.
[10] Sobre a distinção entre pessoas coletivas de direito público e pessoas coletivas de direito privado e respetivos regimes, vide: MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pp. 71-80; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 2.ª Edição, LEX, Lisboa, 1995, pp. 371-395; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 281-291; os pareceres deste Conselho nos 171/76, de 02-06-1977, (Diário da República, II Série, n.º 200, de 30 de agosto de 1977), 611/2000, de 11 de janeiro de 2000 (Diário da República, II Série, n.º 55, de 6 de março de 2001), 617/2000, de 12 de julho de 2001, 48/2004, de 19 de janeiro de 2006, 60/2004, de 17 de fevereiro de 2005 (Diário da República, II Série, n.º 198, de 14 de outubro de 2005), 132/2004, de 17 de março de 2005, e 40/2005, de 16 de fevereiro de 2006 (Diário da República, II Série, n.º 174, de 8 de setembro de 2006).
[11] Sobre a natureza jurídica do ato de instituição de uma fundação de direito privado, vd., MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, ob. cit., pp. 93-106; LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, ob. cit. pp. 467-469 e Vol. II, 2.ª Edição, LEX, 1996, pp. 46-50; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, ob. cit., pp. 302-306; os pareceres deste Conselho nos 13/95, de 27 de abril de 1995 (Diário da República, II Série, n.º 152, de 4 de julho de 1995, 611/2000, de 11 de janeiro de 2000 (Diário da República, II Série, n.º 55, de 6 de março de 2001), 2/2001, de 18 de abril de 2001 (Diário da República, II Série, n.º 245, de 22 de outubro de 2001), 48/2004, de 19 de janeiro de 2006, 132/2004, de 17 de março de 2005, e 40/2005, de 16 de fevereiro de 2006 (Diário da República, II Série, n.º 174, de 8 de setembro de 2006).
[12] Foi devido a tal facto que a Fundação Oriente, instituída pela Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., em 18 de março de 1988, e posteriormente reconhecida pelo Governo da República Portuguesa por portaria do Ministro da Administração Interna, de 14 de junho do mesmo ano, publicada na II série do Diário da República, de 13 de julho, tendo uma delegação em Macau, se viu na necessidade de requerer ao Governador de Macau a concessão do estatuto de utilidade pública administrativa, então ainda regulado pelo Decreto-Lei n.º 23229, de 25 de novembro de 1933 (Reforma Administrativa Ultramarina), para beneficiar das isenções fiscais correspondentes no âmbito daquele território. Tal estatuto foi atribuído à Fundação pelo Decreto-Lei n.º 16/89/M, de 8 de março.
[13] O Governo tem recorrido, com efeito, num significativo número de casos, à criação de fundações de direito privado através de decreto-lei, com dispensa, consequentemente, do formalismo consignado no Código Civil e no Decreto-Lei n.º 460/77.
Poderão, a título exemplificativo, indicar-se as fundações seguintes instituídas e reconhecidas de utilidade pública por decreto-Lei: Fundação Aga Kahn de Portugal, através do Decreto-Lei n.º 27/96, de 30 de março; Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, através do Decreto-Lei n.º 149/90, de 10 de maio; Fundação Cartão do Idoso, através do Decreto-Lei n.º 102/97, de 28 de abril; Fundação Casa da Música, através do Decreto-Lei n.º 18/2006, de 26 de janeiro; Fundação Cidade de Guimarães, através do Decreto-Lei n.º 202/2009, de 28 de agosto; Fundação das Descobertas, através do Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de outubro; Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, através do Decreto-Lei n.º 164/2006, de 9 de agosto; Fundação de São Carlos, através do Decreto-Lei n.º 75/93, de 10 de março; Fundação de Serralves, através do Decreto-Lei n.º 240-A/89, de 27 de julho; Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, através do Decreto-Lei n.º 168/85, de 20 de maio; Fundação Martins Sarmento, através do Decreto-Lei n.º 24/2008, de 8 de fevereiro; Fundação Mata do Buçaco, através do Decreto-Lei n.º 120/2009, de 19 de maio; Fundação Museu do Douro, através do Decreto-Lei n.º 70/2006, de 23 de março; Fundação Museu Nacional Ferroviário Armando Ginestal Machado, através do Decreto-Lei n.º 38/2005, de 17 de fevereiro; Fundação para a Proteção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, através do Decreto-Lei n.º 306/2000, de 28 de novembro; Fundação Paula Rego, através do Decreto-Lei n.º 213/2009, de 4 de setembro, e Fundação Minerva – Ensino e Investigação Científica, através do Decreto-Lei n.º 117/2003, de 14 de junho.
[14] Sobre a problemática da admissibilidade de diplomas desta natureza no nosso ordenamento jurídico--constitucional, cfr. JORGE MIRANDA, Funções, Órgãos e Atos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 172-196, e Manual de direito Constitucional, Tomo V, Coimbra Editora, 1997, pp. 128-150; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, O Problema da Responsabilidade do Estado por Atos Lícitos, Livraria Almedina, Coimbra, 1974, pp. 146-151; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 454-456; J. J. GOMES CANOTILHO-VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição Revista, Volume II, Coimbra Editora, 2010, pp. 898-899; JORGE MIRANDA-RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pp. 714-717; RUI MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade do Estado por Atos Legislativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pp. 14-24, e a Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1999, pp. 100-107; JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 487-488; MARIA LÚCIA C. A. AMARAL PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador, Coimbra Editora, 1998, pp. 221-303; CARLOS BLANCO DE MORAIS, As Leis Reforçadas, Coimbra Editora, 1998, pp. 84-90, 109-136; JORGE REIS NOVAIS, As Restrições aos Direitos Fundamentais não Expressamente Autorizadas pela Constituição, Coimbra Editora, 2003, pp. 801-815; LUÍS S. CABRAL MONCADA, Lei e Regulamento, Coimbra Editora, 2002, pp. 1077-1080; MANUEL AFONSO VAZ, “O conceito de lei na Constituição da República Portuguesa – uma perspetiva de reflexão”, Direito e Justiça, Vol. III, 1987-1988, pp. 179-192.
Na jurisprudência constitucional, poderão citar-se os acórdãos n.os 26/85, de 15-02-1985, 80/86, de 11-03-1986, 405/87, de 06-10-1987, 157/88, de 07-07-1988, 365/91, de 07-08-1991, 121/92, de 31-03-1992, 195/94, de 01-03-1994, 276/93, de 02-03-1994, 1/97, de 08-01-1997, 444/97, de 25-03-1997, 510/98, de 14-07-1998, e 353/2007, de 12-06-2007.
[15] O artigo 69.º do Estatuto Orgânico de Macau, na redação da Lei n.º 23-A/96, de 29 de julho, tinha a seguinte redação:

«Artigo 69.º
1 - Os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania da República que devam ter aplicação no território de Macau conterão a menção de que devem ser publicados no Boletim Oficial e serão aí obrigatoriamente publicados, mantendo a data da publicação no Diário da República.
2 - Só entrarão, porém, em vigor no território de Macau depois de transcritos no respetivo Boletim Oficial, salvo se deverem aplicar-se imediatamente por declaração inserta nos próprios diplomas; a transcrição será, em qualquer caso, obrigatoriamente feita num dos dois primeiros números do Boletim Oficial que forem publicados depois da chegada do Diário da República.
3 - Nos casos em que se declare nos diplomas a sua aplicação imediata e nos demais casos de urgência, o seu texto será transmitido telegraficamente ou por meio de telecópia, reproduzindo-se logo o telegrama ou telecópia no Boletim Oficial ou em suplemento a este. Em tal caso, o diploma entrará em vigor na data da publicação dos referidos documentos.
4 - Os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania da República que concedam amnistias e perdões genéricos só serão, porém, aplicados no território de Macau mediante parecer favorável da Assembleia Legislativa.»

[16] Como se poderá consultar em http://bo.io.gov.mo/bo/i/98/15/bo15.asp.
[17] Artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 89-B/98, e artigo 1.º dos estatutos ao mesmo anexos.
[18] A publicação do Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de abril, no Boletim Oficial de Macau, para vigorar nesse território, contemplando a atribuição do estatuto de utilidade pública à Fundação, só pode ser interpretada como pretendendo atribuir à mesma o estatuto na configuração vigente nesse território, então contemplado na Lei n.º 11/96/M, de 12 de agosto, reguladora do estatuto das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.
[19] É a seguinte a redação de tais preceitos:

«Artigo 178.º
(Homologação dos estatutos e suas alterações)

1. Os estatutos estão sujeitos a homologação por parte da entidade competente para o reconhecimento.
2. Se, decorridos 30 dias sobre o pedido de homologação, a entidade competente não se pronunciar, considera-se o pedido tacitamente aceite, contanto que a fundação já tenha sido reconhecida.
3. Os estatutos da fundação podem a todo o tempo ser modificados pelo órgão de administração, ou através de outro órgão indicado nos mesmos, contanto que não haja alteração essencial do fim da instituição e se não contrarie a vontade do fundador.
4. Aplica-se às modificações estatutárias o disposto nos n.os 1 e 2, devidamente adaptados.

Artigo 179.º
(Transformação)

1. Mediante proposta escrita do órgão com competência para proceder a alterações dos estatutos, e depois de ouvido o fundador, se for vivo, a entidade competente para o reconhecimento pode atribuir à fundação um fim diferente:
a) Quando tiver sido inteiramente preenchido o fim para que foi instituída ou este se tiver tornado impossível;
b) Quando o fim da instituição deixar de revestir interesse social; ou
c) Quando o património se tornar insuficiente para a realização do fim previsto.
2. A mudança do fim da fundação está sujeita a publicação no Boletim Oficial de Macau, sob pena de não produção de efeitos em relação a terceiros.
3. O novo fim deve aproximar-se, no que for possível, do fim fixado pelo fundador.
4. Não há lugar à mudança de fim, se o ato de instituição prescrever a extinção da fundação.

Artigo 180.º
(Encargo prejudicial aos fins da fundação)

1. Estando o património da fundação onerado com encargos cujo cumprimento impossibilite ou dificulte gravemente o preenchimento do fim institucional, pode o órgão de administração da fundação, depois de obtido o acordo da entidade competente para o reconhecimento, suprimir, reduzir ou comutar esses encargos, ouvido o fundador, se for vivo.
2. Se, porém, o encargo tiver sido motivo essencial da instituição, pode-se, mediante o mesmo processo, considerar o seu cumprimento como fim da fundação, ou incorporar a fundação noutra pessoa coletiva capaz de satisfazer o encargo à custa do património incorporado, sem prejuízo dos seus próprios fins.»

[20] Estabelece-se no artigo 12.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 11/96/M que a declaração de utilidade pública administrativa cessa por decisão do Governador, se deixarem de estar reunidos os requisitos necessários à declaração ou não tiverem sido respeitadas as condições a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, referindo-se neste último preceito que à declaração de utilidade pública administrativa podem ser aditadas condições e recomendações, desde que compatíveis com a natureza da pessoa coletiva e seus fins.
[21] Cfr. nota 2.
[22] Foram os seguintes os diplomas ou preceitos abrangidos nesses três anexos:

«Anexo I
1. Lei n.º 5/90/M, que define os níveis de conhecimento linguístico para efeitos de ingresso e acesso na função pública;
2. Lei n.º 4/91/M, que aprova o regime eleitoral da Assembleia Legislativa de Macau;
3. Leis n.os 7/93/M, 10/93/M e 1/95/M, que regulam o Estatuto dos Deputados e as suas alterações;
4. Decretos-Leis n.os 17/92/M, 18/92/M, 55/92/M, 45/96/M, 28/97/M, 8/98/M e 10/99/M, que regulam o sistema judiciário de Macau;
5. Decreto-Lei n.º 5/93/M, que clarifica o âmbito de aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau;
6. Decreto-Lei n.º 20/99/M, que esclarece algumas questões relativas à declaração do Presidente da República que investe os tribunais de Macau na plenitude e exclusividade de jurisdições;
7. Resolução da Assembleia Legislativa n.º 1/93/M, que aprova o Regimento da Assembleia Legislativa de Macau.

Anexo II
1. Lei n.º 6/86/M, que estabelece o regime do domínio público hídrico do território de Macau;
2. Decretos-Leis n.os 60/92/M e 37/95/M, que regulam o estatuto do pessoal recrutado na República Portuguesa para exercer funções em Macau;
3. Decreto-Lei n.º 19/99/M, que aprova o novo regime de emissão do Bilhete de Identidade de Residente.

Anexo III
1. Os artigos da Lei n.º 6/80/M, que aprova a Lei de Terras, relativos à venda de terrenos e ao direito à obtenção de licença especial para ocupação ou utilização por pessoas coletivas portuguesas de direito público com capacidade de gozo do direito de propriedade sobre imóveis;
2. O n.º 5 do artigo 18.º da Lei n.º 10/88/M, que regula o processo de recenseamento eleitoral;
3. Os artigos da Lei n.º 24/88/M, que aprova o Regime Jurídico dos Municípios, que revelem o gozo de poder político por parte dos órgãos municipais;
4. Os artigos 2.º, 17.º e 41.º da Lei n.º 11/90/M, que cria o Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa;
5. Os artigos da Lei n.º 1/96/M que alteram o Regime Eleitoral da Assembleia Legislativa de Macau;
6. O n.º 1 do artigo 10.º e o n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 41/83/M, que regulamenta a elaboração e execução do Orçamento Geral do Território e da contabilidade pública territorial, a elaboração das contas de gerência e exercício e a fiscalização da atividade financeira do setor público administrativo de Macau;
7. Os artigos 38.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 5/91/M, que criminaliza atos de tráfego e consumo de estupefacientes e promove medidas de combate à toxicodependência, no que manda aplicar a lei portuguesa sobre extradição;
8. O artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 19/92/M, que altera alguns preceitos relativos à criação das Forças de Segurança;
9. O artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 2/95/M, que reestrutura a orgânica da Polícia Marítima e Fiscal, referente ao dia comemorativo;
10. O artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 3/95/M, que reestrutura a orgânica do Corpo de Polícia de Segurança Pública, referente ao dia comemorativo;
11. O artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 4/95/M, que reestrutura a orgânica do Corpo de Bombeiros, referente ao dia comemorativo;
12. O n.º 5 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 15/95/M, que aprova o diploma orgânico da Capitania dos Portos de Macau;
13. A alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 55/95/M, que altera o regime geral de entrada, permanência e fixação de residência em Macau.»

[23] Direito Internacional Público – I, Faculdade de Direito da Universidade Lisboa, 1995, p. 263.
[24] CHARLES ROUSSEAU, Droit International Public, Huitième Édition, Dalloz, 1976, p. 177.
[25] ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA – FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, p. 339; CHARLES ROUSSEAU, ob. cit., pp. 177-178; NGUYEN QUOC DINH – PATRICK DAILLIER – ALAIN PELLET, Direito Internacional Público, 2.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2003, pp. 557-558.
[26] ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA – FAUSTO DE QUADROS, ob. cit., p. 340; NGUYEN QUOC DINH – PATRICK DAILLIER – ALAIN PELLET, ob. cit., pp. 558-559.
[27] ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA – FAUSTO DE QUADROS, ob. cit., p. 340.
[28] NGUYEN QUOC DINH – PATRICK DAILLIER – ALAIN PELLET, ob. cit., p. 554.
[29] JORGE MIRANDA, ob. cit. p. 263.
[30] A transferência da soberania de Macau para a República Popular da China foi precedida de análogo processo relativamente a Hong Kong, que passou para a soberania chinesa a partir de 1 de julho de 1997, constituindo a Região Administrativa Especial de Hong Kong. Sobre os termos em que tal transferência se operou, cfr. MALCOLM N. SHAW, International Law, Fifth Edition, Cambridge University Press, Cambridge, 2003, pp. 912-913; ANTHONY AUST, Modern Treaty Law and Practice, Cambridge University Press, 2000, pp. 322-323; STEVE TSANG, A Modern History of Hong Kong, I. B. Tauris Co Ltd, London-New York, 2007, pp. 211-273.
[31] Introdução ao Estudo do Direito, 5.ª Edição, LEX, Lisboa, 2000, p. 134.
[32] Sobre o princípio da não retroatividade da lei, cfr. J. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 231-251; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O DIREITO – Introdução e Teoria Geral, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 300-305, 537-571; INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Introdução ao Estudo do Direito, reimpressão com notas de atualização, Volume 1, 7.ª tiragem, Lisboa, 1995, pp. 218-228.
[33] Foi o que se passou relativamente às múltiplas fundações de direito privado constituídas no território de Macau e reconhecidas por ato administrativo do respetivo Governador antes da transferência da soberania, a que se fez referência na nota 7.
[34] A «Fundação Oriente» foi instituída pela Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., em 18 de março de 1988, e posteriormente reconhecida pelo Governo da República Portuguesa por portaria do Ministro da Administração Interna, de 14 de junho do mesmo ano, publicada na II série do Diário da República, de 13 de julho.
[35] Direito Internacional Privado, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 81.
[36] Ibidem, p. 82. Sobre a presunção de coincidência da sede da administração com a sede estatutária, vd., do mesmo Autor, Estudos de Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 28-30.
[37] Ibidem, pp. 97-98.
[38] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Volume I, 2.ª Edição, LEX, Lisboa, 1995, p. 458.
[39] Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1979, p. 152.
[40] A natureza específica das fundações e as vinculações de natureza jurídico-pública a que estão sujeitas suscitam dificuldades relativamente à transferência da sede da respetiva administração para um país diverso do da sede estatutária. Assim, e embora a doutrina, no que respeita às sociedades e às associações, aponte claramente para a possibilidade dessa transferência, já relativamente às fundações essa solução não surge propugnada da mesma forma – vd. LUÍS DE LIMA PINHEIRO, ob. cit., pp. 93-94, 116-118.
[41] A Lei Orgânica do Ministério da Educação e Ciência foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 125/2011, de 29 de dezembro, que revogou a Lei Orgânica do Ministério da Educação aprovada pelo Decreto-Lei n.º 213/2006.
[42] Atendendo ao lapso temporal decorrido desde a criação da Fundação, é de presumir que o fundo financeiro a que se reporta a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º dos estatutos da Fundação já se encontre realizado pelo Estado Português e pela Fundação Oriente. Não resulta, todavia, dos elementos recebidos informação clara a tal respeito.
[43] Sobre a aceção do Estado como «pessoa coletiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direção do Governo, a atividade administrativa», vd. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 219-226.
[44] Ob. cit., pp. 149-150.
[45] Sobre a atividade de gestão privada das pessoas coletivas públicas, vd. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª Edição, Coimbra Editora, 1973, pp. 217-221, e Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 36-37; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1996, pp. 28-31; ANTÓNIO DA COSTA NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais, Coimbra Editora, 1985, pp. 54-104.
[46] Sobre o princípio da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, vd. NGUYEN QUOC DINH – PATRICK DAILLIER – ALAIN PELLET, ob. cit., pp. 447-458; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA – FAUSTO DE QUADROS, ob. cit., pp.330-331; CHARLES ROUSSEAU, ob. cit., pp. 98-102; JORGE MIRANDA, ob. cit., pp. 250-254.
[47] Estabelece-se no n.º 2 do artigo 262.º do Código das Sociedades Comerciais que as sociedades que não tiverem conselho fiscal devem designar um revisor oficial de contas para proceder à revisão legal desde que, durante dois anos consecutivos, sejam ultrapassados dois dos três seguintes limites: a) Total do balanço: 1 500 000 euros; b) Total das vendas líquidas e outros proveitos: 3 000 000 euros; c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício: 50.
[48] Este diploma foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 4-A/2000, de 31 de janeiro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2008, de 20 de novembro, que o republicou, e pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de agosto.
[49] Sobre a natureza de poder público de autoridade da atividade, por parte de particulares, de produção de declarações às quais a ordem jurídica reconhece força especial, vd. PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 607-612.
[50] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 33, de 15 de fevereiro de 2007.
[51] Caso da atividade administrativa prosseguida a bordo de navios de guerra portugueses ancorados ou navegando em águas territoriais estrangeiras, ou no âmbito das embaixadas, dos consulados e de outros serviços públicos instalados no estrangeiro.
[52] Lições de Direito Administrativo, Volume I, Coimbra, 1976, pp. 528-529.
[53] É a seguinte a redação desse preceito:

«Artigo 153.º
(Destino dos bens no caso de extinção)
1. Extinta a pessoa coletiva, se existirem bens que lhe tenham sido doados ou deixados com qualquer encargo ou que estejam afetados a um certo fim, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários, de qualquer associado ou interessado, ou ainda de herdeiros do doador ou do autor da deixa testamentária, atribuí-los-á, com o mesmo encargo ou afetação, a outra pessoa coletiva.
2. Os bens não abrangidos pelo número anterior têm o destino que lhes for fixado pelos estatutos ou por deliberação dos associados, sem prejuízo do disposto em leis especiais; na falta de fixação ou de lei especial, o tribunal, a requerimento do Ministério Público, dos liquidatários ou de qualquer associado ou interessado, determinará que sejam atribuídos a outra pessoa coletiva ou ao território de Macau, assegurando, tanto quanto possível, a realização dos fins da pessoa extinta.»
[54] Sobre o conceito de estabelecimento público, como subespécie da figura jurídica dos institutos públicos, vd. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 371-373.
[55] Cfr. PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 250.
[56] V., por todos, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 753. À luz destes critérios, na doutrina têm sido adoptados conceitos que combinam vários destes aspetos, definindo pessoas coletivas públicas como “pessoas coletivas criadas por iniciativa pública, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos” (FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 753), ou as que são “criadas por lei ou por um ato público com fundamento numa lei, expressamente sujeita a um específico regime jurídico-público de ingerência ou de controlo ou investida de poderes públicos indissociáveis da função pública que lhe está confiada” (PEDRO GONÇALVES, op. cit., págs. 265 e 266), e ainda “...que participam, de forma imediata e necessária, por direito próprio, no exercício da função administrativa do Estado-colectividade” (MARCELO REBELO DE SOUSA, “Os Novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia”, in Estudos de Direito Público Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, obra coletiva, Coimbra, 2003, pág. 65).
[57] A propósito das empresas públicas sob a forma de sociedade anónima, PEDRO GONÇALVES, op. cit., pág. 266, apesar de defender, em última análise, o recurso à qualificação legal, observa que “há empresas públicas que observam, ponto por ponto, os requisitos da personalidade pública: criadas, em alguns casos, por iniciativa pública, por ato de Direito Público (decreto-lei), sujeitas a controlo público e até com poderes públicos”.
[58] V. ALEXANDRA LEITÃO, Contratos Interadministrativos, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 37.
[59] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, págs. 368 e 369, refere-se às “virtualidades libertadoras da dogmática jurídica”.
[60] Cfr., neste sentido, referindo-se a uma “ultrapassagem da qualificação operada pelo legislador”, MIGUEL RAIMUNDO As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos. Contributo para a Delimitação do âmbito da Jurisdição Administrativa face às Entidades Empresariais Instrumentais da Administração Pública, Coimbra, 2007, págs. 318 a 320.
[61] Sobre as vinculações jurídico-públicas a que está sujeita a Administração, mesmo quando adota uma forma privada de actuação, v., por todos, MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 167 e seguintes.
[62] V. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 815, que incluem as sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos no conceito de entidade pública para efeitos de vinculação aos direitos fundamentais.
[63] V. ALEXANDRA LEITÃO, “Da Admissibilidade de Pessoas Coletivas de Iniciativa Pública beneficiarem do Estatuto de Utilidade Pública”, in Estudos em Homeagem ao prof. Doutor Sérvulo Correia, obra coletiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pág. 16.
[64] A propósito das empresas públicas, JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, “Definição de Empresa Pública”, in Boletim da Faculade de Direitos da Universidade de Coimbra, volume XXXIV, 1991, pág. 460, refere que o conceito de personalidade jurídica de Direito Público está desvalorizado ou debilitado e que existe uma “atipicidade” ou “destipificação” das pessoas coletivas institucionais.
[65] V. BLANCO DE MORAIS, Da Relevância do Direito Público no Regime Jurídico das Fundações Privadas, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, obra coletiva, Lisboa, 1995, pág. 591.
[66] A expressão é de PROSPER WEIL, « Le Critère du Contrat Administratif en Crise », in Mélanges Offerts a Marcel Waline, Tomo II, obra coletiva, Paris, 1974, pág. 833.
[67] Neste sentido, v. RICARDO RIVERO ORTEGA, Administraciones Públicas y Derecho Privado, Madrid, 1998, pág. 71.
[68] V. DOMINGOS FARINHO, “Para Além do Bem e do Mal: As Fundações Público-Privadas”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, obra coletiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 363.
[69] Até porque não existe um conceito de Administração Pública comum aos ordenamentos jurídicos de todos os Estados-membros da União Europeia, como sublinha JOSÉ ANTÓNIO MORENO MOLINA, Contratos Públicos: Derecho Comunitário y Derecho Español, Madrid, 1996, págs. 152 e 153.
[70] Acórdão de 15 de janeiro de 1998, proferido no Processo n.º C-44/96.
[71] Estas entidades podem definir-se como “o conjunto das organizações de que se servem os entes territoriais para cumprir tarefas concretas de serviço público ou de intervenção administrativa”. Cfr. RAMON PARADA, Derecho Administrativo, volume II, 18ª Edição, Madrid, 2006, pág. 258.
[72] V., neste sentido, DOMINGOS FARINHO, “As Fundações como Entidades Adjudicantes no Código dos Contratos Públicoa: Algumas Considerações, in Revista de Contratos Públicos, n.º 4, 2011, págs. 226 e seguintes.
[73] Considera-se existir influência dominante, nos termnos do artigo 4.º, n.º 2, quando exista: i) afetação exclusiva ou maioritária dos bens que integram o património financeiro inicial da fundação; ou ii) direito de designar ou destituir a maioria dos titulares do órgão de administração da fundação. No caso da FEPM verificam-se ambos os critérios.
[74] Na terminologia adotada pela primeira vez em Portugal por MARIA JOÃO ESTORNINHO na obra já citada supra.
[75] MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral. Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, 2ª Edição, Lisboa, 2006, págs. 49 e 50.
[76] PAULO OTERO, Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra, 1998, págs. 73 a 75
[77] PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Administrativos, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 58, 2006, pág. 52.
[78] JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 10ª edição, Âncora, Lisboa, 2009, págs. 30 a 32.
[79] V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 732
[80] V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 734.
[81] Como salienta, exatamente nestes termos, LUÍS DE LIMA PINHEIRO, “Contratos de Estado”, in Estudos de Direito Internacional Privado. Direito de Conflitos, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Coimbra, 2006, pág. 107.
[82] V. JOÃO CAUPERS, op. cit., pág. 132.
[83] V. SÉRVULO CORREIA, “As Fundações e Associações Públicas de Direito Privado”, in Os Caminhos da Privatização da Administração Pública, obra coletiva, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág, 302.
[84] Neste sentido, precisamente a propósito da FEPM, v. DOMINGOS FARINHO, Direito Administrativo Fundacional - Enquadramento Dogmático. Contributo para o Estudo da Influência do Conceito Normativo de Interesse Público sobre o Espectro de Administratividade do Direito Fundacional Português, dissertação de doutoramento, inédita, 2012, pág. 482.
[85] Existe amplíssima doutrina sobre o conceito de relação jurídica-administrativa, que a economia de um voto de vencida não pode, obviamente, comportar. Salientaria apenas que os indícios atrás referidos – prossecução do interesse público, utilização de fundos públicos e presença de, pelo menos, uma entidade pública – são mais do que suficientes para qualificar como administrativas estas relações. VASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 193 e 194, define as relações jurídicas administrativas como “as concretas ligações entre os privados e as autoridades administrativas (ou entre as próprias autoridades administrativas), criadas por um qualquer facto (atuação da Administração Pública ou do particular, contrato, evento natural, etc) juridicamente relevante, e tendo por conteúdo direitos e deveres previstos na Constituição e nas leis, ou decorrentes de contrato, ou de actuação unilateral da Administração”

[86] V. LUÍS DE LIMA PINHEIRO, op. cit., pág. 108.
[87] Idem, pág. 114.
[88] V. AFONSO QUEIRÓ, Direito Administrativo, volume I, Coimbra, 1978, pág. 533.
Anotações
Legislação: 
DL 89-B/98 DE 09/04 ART1 ART2 ART3 ART4 ART5 ART6 ART7 ART8 ART9; DESPCONJ 79/97 DE 21/06; RAR 25/87 DE 14/12; DPR 38-A/87 DE 14/12; CCIVIL66 ART33 N1 N2 ART157 A 166 E ART185 A 194; PORT 22869 DE 04/12/1967; DL 39/99/M DE 03/08; DL 48/99/M DE 27/09; L 1/76 DE 17/02 ART2 ART16 ART69 ART72; L 53/79 DE 14/09; L 13/90 DE 10/05; L 23-A/96 DE 29/07; DL 215/87 DE 29/05 ART17; DL 460/77 DE 07/11 ART1 N1 ART3 ART4 ART5 N4; L 40/2007 DE 24/08; CADM36 ART416; DL 391/2007 DE 13/12; RECT 5-B/2008 DE 11/02; L 24/2012 DE 09/07; L 11/96/M DE 12/08 ART1 ART3 ART9 ART10 ART11 ART12; DL 39/99/M DE 03/08 ART143; L 1/99 DE 20/12 ART1 N1 ART3 N1 N2 N3 N4 ART4 N4 ART5 ART6 ART12; DL 125/2011 DE 29/12; DL 487/99 DE 16/11 ART44 N7; RECT 4-A/2000 DE 31/01; DL 224/2008 DE 20/11; DL 185/2009 DE 12/08; DL 71/99/M DE 01/11 ART1 ART2 ART11 N1 ART14 N1 ART16ART20
Jurisprudência: 
AC TCONST N26/85
AC TCONST N80/86
AC TCONST N405/87
AC TCONST N157/88
AC TCONST N365/2001
AC TCONST N121/92
AC TCONST N195/94
AC TCONST N276/93
AC TCONST N1/97
AC TCONST N444/97
AC TCONST N510/98
AC TCONST N353/2007
Referências Complementares: 
DIR ADM*ADM PUBL/ DI INT PUBL*****
PROTOCOLO 7/98 DR II N25 DE 30/01/98
Divulgação
Data: 
07-05-2013
Página: 
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