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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
31/2009, de 16.09.2010
Data do Parecer: 
16-09-2010
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Relator: 
PIMENTEL MARCOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
MINISTÉRIO PÚBLICO
AUTONOMIA
INQUÉRITO
INTERVENÇÃO HIERARQUICA
CONTAGEM DE PRAZO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Conclusões: 
1. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, mas os seus magistrados são hierarquicamente subordinados, consistindo essa hierarquia na subordinação, nos termos da lei, dos de grau inferior aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das directrizes, ordens e instruções recebidas (nºs 1 e 3 do artigo 76.º do Estatuto do Ministério Público e nºs 2 e 4 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa), e os despachos por eles proferidos são passíveis de reapreciação, estando sujeitos ao controlo do seu imediato superior hierárquico, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º e 279.º do Código de Processo Penal;
 
2. No prazo de 20 dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura da instrução, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que tiver proferido o despacho de arquivamento do inquérito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade, determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações prossigam, devendo, neste caso, indicar as diligências que reputa necessárias e o prazo para a sua realização;
 
3. O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade só podem requerer a intervenção do imediato superior hierárquico, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Penal, no prazo (de vinte dias) em que podiam ter requerido abertura da instrução nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º do mesmo código;
 
4. O prazo referido na conclusão n.º 2 (e no n.º 1 do artigo 278.º) é sempre contado a partir do dia seguinte àquele em que tiver terminado o prazo em que podia ser requerida a abertura da instrução, independentemente de a intervenção hierárquica ser oficiosa ou ter sido requerida pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade;
 
5. Este prazo é peremptório, quer nos casos em que a intervenção hierárquica é oficiosa, quer quando é requerida por quem tenha legitimidade para o efeito, pelo que o imediato superior hierárquico não poderá decidir após o seu decurso;
 
6. O assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade não podem requerer cumulativa ou sucessivamente a abertura da instrução e a intervenção hierárquica, tendo que optar por uma delas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:
 
 
 
I

 
1. Oportunamente foi enviada a Vossa Excelência uma exposição, solicitando a intervenção da Procuradoria-Geral da República no sentido de ser uniformizada a interpretação e a actuação do Ministério Público junto dos vários tribunais, relativamente ao artigo 278º do Código de Processo Penal, designadamente quanto à contagem do prazo para intervenção hierárquica (oficiosa ou provocada) e sua natureza jurídica.
 
De acordo com os exponentes, em diversos processos em que são denunciantes, e nos quais foi proferido despacho de arquivamento, e onde requereram a intervenção hierárquica, a interpretação feita pelo Ministério Público naqueles processos é contrária à interpretação que muitos outros magistrados do Ministério Público têm defendido, quer no âmbito de processos concretos, quer no âmbito de sessões de formação da Ordem dos Advogados – o que, segundo eles, cria “enorme instabilidade” e contraria princípios basilares do processo penal, pondo em causa a segurança jurídica e a confiança dos cidadãos no bom funcionamento da justiça.
 
Ainda segundo os exponentes são as seguintes as interpretações que têm sido defendidas:
 
a) - O prazo de 20 dias previsto no n.º 1 do art. 278º do CPP determina única e exclusivamente o limite temporal dentro do qual o superior hierárquico deverá intervir, seja por iniciativa própria, seja depois de ter sido suscitada a intervenção hierárquica, para decidir da procedência de tal requerimento;
b) – O prazo de 20 dias aproveita ainda aos intervenientes processuais com capacidade para requerer a intervenção hierárquica, devendo tal requerimento ser apresentado de forma a que o superior hierárquico consiga decidir do mérito do mesmo dentro do referido prazo.
 
Na sua perspectiva, este último entendimento seria contrário aos princípios que “norteiam” o processo penal, uma vez que “não confere aos intervenientes processuais a certeza, estabilidade e segurança jurídica essenciais à boa administração da justiça”, pois, nesse caso, “o sistema processual estaria a exigir ao próprio requerente um exercício de cálculo de pura prognose em relação ao tempo que seria necessário ao superior hierárquico para decidir do requerimento”.
 
Face ao teor dessa exposição, e tendo em consideração que os processos em que foi indeferido o pedido de intervenção hierárquica correram termos em serviços do Ministério Público da área da Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra, foi determinado por Vossa Excelência que o Procurador-Geral Distrital se dignasse «providenciar no sentido de ser prestada informação sobre as questões concretas referidas na (...) exposição, bem como sobre a eventual existência no Distrito Judicial de Coimbra, de entendimentos diversos acerca do disposto no artigo 278.º do Código de Processo Penal».
 
Da informação prestada importa considerar o seguinte:
 
A) – Quanto aos processos concretamente identificados pelos exponentes, feita a análise dos elementos disponíveis concluiu-se que a intervenção hierárquica não foi suscitada no prazo previsto para o requerimento de abertura de instrução, ou seja, nos 20 dias posteriores à notificação do despacho de arquivamento, conforme o disposto no art. 278.º n.º 2 e 287.º n.º 1, al. b), uma vez que foi suscitada nos 20 dias a contar da data em que a instrução já não podia ser requerida.
Por isso, no entendimento perfilhado pelo Procurador da República que elaborou aquela informação, o despacho do superior hierárquico apenas poderia ser validamente proferido dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 278º, ou seja, nos 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não pudesse ser requerida, prazo esse que se encontrava já esgotado aquando daquela intervenção.
 
B) – Mesmo que não fosse esse o entendimento sufragado, as exposições dos requerentes não poderiam conduzir à prolação de despacho por parte do Procurador-Geral da República ou do Procurador-Geral Distrital, no sentido de alterar a decisão dos imediatos superiores hierárquicos dos magistrados que proferiram os despachos de arquivamento, porquanto, como decorre do n.º 1 do art. 278.º do CPP, apenas o imediato superior hierárquico tem competência para reapreciar aquele despacho.
 
C) – Quanto à interpretação do artigo 278.º, com excepção da intervenção oficiosa a que alude o seu n.º 1 (cujo entendimento é uniforme) foram identificadas no Distrito Judicial de Coimbra três posições diferentes, podendo ser assim sintetizadas:
 
              1. O imediato superior hierárquico pode decidir a todo o tempo a intervenção hierárquica suscitada, desde que o respectivo requerimento tenha sido apresentado no decurso do prazo de 40 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento;
              2. O prazo previsto no artigo 278º tem natureza peremptória, pelo que a decisão do imediato superior hierárquico deverá ser proferida no seu decurso e não para além dele;
              3. Desde que o requerimento de intervenção hierárquica tenha sido formulado no prazo em que pode ser requerida a abertura de instrução, nos termos do n.º 2 do artigo 278º, o superior hierárquico pode decidir a todo o tempo a intervenção hierárquica suscitada; se aquele requerimento tiver sido apresentado para além daquele prazo o superior hierárquico apenas pode intervir no prazo peremptório do n.º 1 do mesmo preceito.
 
2. Em face da informação prestada pela Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra, foi solicitada às restantes Procuradorias-Gerais Distritais informação sobre a situação nos respectivos Distritos, “consignando-se que se pretende uniformizar a actuação do Ministério Público nesta matéria”.
 
Em cumprimento de tal determinação foram prestadas por vários círculos judiciais as informações solicitadas, das quais foi feita uma súmula no parecer elaborado no Gabinete de Vossa Excelência. Todavia, julga-se não ser necessário repetir aqui as várias opiniões expendidas nos diversos círculos judiciais.
 
No entanto, as questões sobre a interpretação do artigo 278.º do Código de Processo Penal, que é o que está em causa, podem ser assim sintetizadas:
 
           1. Não há divergências quanto à inexistência de mais de um grau de decisão, pois é uniforme o entendimento de que a intervenção hierárquica apenas pode ter lugar num grau de hierarquia;
             
              2. Também não há divergências sobre a natureza jurídica do prazo de 20 dias a que alude o n.º 1, nos casos em que a intervenção é oficiosa, ou seja, tratar-se-á de um prazo peremptório, que deve ser contado da data em que já não puder ser requerida a abertura da instrução;
             
              3. Assim sendo, as divergências de opinião verificam-se, essencialmente, no seguinte:
 
              a) qual o prazo em que pode ser requerida a intervenção hierárquica (ou seja, quando pode ter lugar a intervenção provocada);
              b) qual o prazo em que o imediato superior hierárquico deve pronunciar-se sobre a intervenção provocada;
           c) qual a natureza jurídica deste prazo: peremptório ou meramente ordenador?
 
II
 
1. No que diz respeito às diversas posições assumidas sobre a interpretação a dar ao artigo 278.º foi referido no parecer elaborado no Gabinete de Vossa Excelência: «[c]omo se alcança das informações prestadas, é uniforme o entendimento de que a intervenção hierárquica apenas pode ter lugar num grau de hierarquia; posição que é também sufragada e defendida pela maioria da doutrina que se tem pronunciado sobre a questão». E concluiu-se: «estando estabilizado o entendimento de que apenas o imediato superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho de arquivamento pode intervir hierarquicamente nos termos do artigo 278.º do CPP, não haverá razões para a emissão de qualquer directiva, orientação ou instrução tendo em vista uniformizar procedimentos ou entendimentos».
 
2. Quanto ao prazo para a intervenção hierárquica foi sublinhado:
 
              - Relativamente a esta questão não existe uniformidade de entendimentos, ocorrendo até situações em que no mesmo Círculo Judicial são feitas interpretações diferentes do artigo 278.º.
 
              - Porém, essas divergências não se situam em relação ao prazo para a intervenção oficiosa (situação relativamente à qual é entendimento unânime de que apenas poderá ter lugar no prazo peremptório previsto no n.º 1 do citado preceito, ou seja, no prazo de 20 dias a contar da data em que não puder ser requerida a abertura de instrução) mas antes quanto ao prazo relativo à intervenção hierárquica suscitada – quer quanto ao prazo concedido para suscitar a intervenção, quer quanto ao prazo para decisão do imediato superior hierárquico.
 
- Assim:  
 
I - É uniforme o entendimento de que a intervenção hierárquica apenas pode ter lugar num grau de hierarquia;
 
I.1 – Estando estabilizado o entendimento de que apenas o imediato superior hierárquico do magistrado que proferiu o despacho de arquivamento pode intervir hierarquicamente nos termos do artigo 278.º do CPP, não há razão para a emissão de qualquer directiva relativamente a esta matéria.
 
Seguidamente foram formuladas as seguintes «conclusões e sugestão»:
 
1. Não existe homogeneidade na interpretação do artigo 278.º do CPP relativamente ao prazo para intervenção hierárquica suscitada pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente;
 
2. Tal situação tem determinado a prolação de decisões divergentes relativamente a situações com os mesmos ou idênticos contornos, o que não será de aceitar em face, nomeadamente, dos efeitos processuais e externos do despacho de arquivamento;
 
3. Impor-se-á, assim, harmonizar entendimentos e procedimentos, para o que se afigura conveniente a emissão de Directiva para esse efeito;
 
4. Afigura-se-nos que as interpretações que consideram que o prazo para a intervenção hierárquica suscitada é meramente ordenador, podendo o superior hierárquico intervir a todo o tempo, mesmo para além do prazo de 20 dias a contar do termo do prazo para a abertura de instrução, não encontram apoio na letra da lei, nem na natureza do procedimento de reapreciação previsto no citado artigo 278.º do CPP, nem nos fundamentos que subjazem ao mesmo;
 
5. Na nossa perspectiva, o artigo 278º do CPP não prevê dois procedimentos distintos de reapreciação do despacho de arquivamento mas apenas um único procedimento, que poderá ocorrer por iniciativa do superior hierárquico ou ser suscitado pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente;
 
6. No n.º 1 do artigo 278.º, o legislador fixou as formas possíveis de intervenção hierárquica e o prazo dentro do qual esta poderia ter lugar, quer esteja em causa intervenção “ex officio”, quer esteja em causa intervenção suscitada;
 
7. O n.º 2 do artigo 278.º apenas clarifica expressamente a possibilidade de o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir assistente poderem suscitar a intervenção hierárquica, fixando o prazo dentro do qual o podem fazer, o qual coincide com o prazo para requerer a abertura de instrução, da qual aquele pedido é alternativo;
 
8. A fixação de tal prazo não invalida, contudo, a possibilidade de aqueles intervenientes processuais poderem suscitar a intervenção hierárquica no prazo de 20 dias previsto no n.º 1 do artigo 278.º do CPP, situação que, no entanto, não vincula o superior hierárquico a intervir, sem prejuízo de poder intervir por sua iniciativa;
 
9. Em todas aquelas situações a intervenção do superior hierárquico apenas pode ter lugar no prazo peremptório de 20 dias previsto no n.º 1 do artigo 278º do CPP, contado do termo do prazo máximo para requerer a abertura de instrução;
 
10. Dada a natureza peremptória do prazo para a intervenção hierárquica, e de modo a evitar que a mesma não possa ocorrer por eventuais atrasos no processamento dos autos ou por outras razões, afigura-se-nos ser de considerar a hipótese de, em eventual directiva que venha a ser emitida, se determinar a atribuição de natureza urgente aos inquéritos e pedidos respectivos, nos termos do artigo 103º, nº 2, al. f), do CPP.
 
3. Sobre esta informação foi proferido, em 10 de Julho de 2009, pelo Senhor Vice-Procurador-Geral, o seguinte despacho: «apresente-se ao Senhor PGR com a proposta de que seja solicitado ao CC/PGR, parecer relativo, nomeadamente, à natureza do prazo e à contagem do mesmo prazo, previsto no artigo 278.º do CP Penal».
 
Dignou-se Vossa Excelência anuir àquela proposta, pelo que cumpre emitir parecer.
 
III
 
1[1]. Do ponto de vista orgânico, tem-se considerado na doutrina que o Ministério Público constitui um órgão autónomo da Administração da Justiça, de matriz constitucional, a quem cabe colaborar com o poder judicial na realização do Direito[2]. Segundo alguns autores, o Ministério Público constitui mesmo um órgão do poder judicial[3].
 
Os princípios que regem a actividade do Ministério Público e o estatuto dos seus magistrados encontram-se, no essencial, constitucionalizados. Assim, têm assento na actual Constituição os princípios da autonomia, da hierarquia, da responsabilidade e da inamovibilidade.
 
Com efeito, dispõe o artigo 219º da Constituição, inserido em capítulo sob a epígrafe «Ministério Público», do seguinte modo:
 
              «Artigo 219º
              (Funções e estatuto)
 
              1.  Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
              2.  O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
              3.  A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos de crimes essencialmente militares.
              4.  Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
              5.  A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República.»
 
«A Constituição prescreve um estatuto de autonomia que o legislador ordinário tem de respeitar no seu conteúdo essencial e fixa alguns parâmetros para este estatuto, ao configurar a Procuradoria-Geral da República como órgão superior do Ministério Público e prever para esta magistratura uma prerrogativa de estabilidade idêntica à dos juízes.
Aplicando estes princípios, o Estatuto do Ministério Público estabelece que o Ministério Público goza de autonomia em relação aos demais órgãos de poder central, regional e local. E declara que a autonomia do Ministério Público se caracteriza “pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções” nele previstas»[4].
 
Sobre esta conformação constitucional do Ministério Público e sua concretização estatutária já se pronunciou este Conselho Consultivo noutras ocasiões, em termos que aqui se retomam.
 
Os princípios constitucionais enunciados têm sido recebidos nos sucessivos regimes orgânicos do Ministério Público, estando igualmente inscritos no actual Estatuto do Ministério Público (doravante EMP ou Estatuto)[5]. Neste se contém a densificação infraconstitucional dos conceitos e princípios consagrados na Constituição.
 
Assim, o estatuto de autonomia do Ministério Público caracteriza-se – nos termos do artigo 2º, n.º 2, do EMP – pela «sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas nesta lei». Essa autonomia impõe-se, quer face ao Governo e demais órgãos do poder central, regional e local, quer face à magistratura judicial, relativamente à qual se consagram os princípios da independência e do paralelismo (artigos 2º, nº 1, e 75º, nº 1, do EMP).
 
Sobre a autonomia do Ministério Público escreve PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE em anotação ao artigo 48.º[6]: «O Ministério Público é um órgão autónomo de administração da justiça, que não exerce uma função judicial. A actividade do Ministério Público visa a descoberta da verdade e a realização do direito, colaborando com o tribunal para a realização desses fins (…). Na sua actividade processual e extraprocessual, o Ministério Público orienta-se por critérios de legalidade e objectividade e pela sujeição às directivas, ordens e instruções previstas na lei. Nesta dupla sujeição à lei e à hierarquia consiste a autonomia do Ministério Público».
 
«Se o MP está vinculado a critérios de legalidade e lhe cumpre defender a legalidade democrática não pode aceitar nenhuma ordem ou instrução que se afaste da legalidade, venha ela de onde vier, e, por isso, a sua consequente autonomia funcional (…). À autonomia funcional do MP inere a autonomia orgânica necessária a garantir aquela que encontra expressão, desde logo, na exclusiva competência da Procuradoria-Geral da República para a “nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar” (art. 219.º, n.º 5, da CRP)»[7].
 
Constituem princípios estruturantes da magistratura do Ministério Público os da responsabilidade, da hierarquia e da inamovibilidade.
 
O princípio da responsabilidade consiste em os magistrados do Ministério Público «responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem» (artigo 76º, nº 2, do EMP).
 
O princípio da hierarquia traduz-se na «subordinação dos magistrados aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas» (artigo 76º, nº 3, do EMP).
 
O princípio da inamovibilidade [consagrado no Estatuto como «princípio da estabilidade» ([8])] exprime a ideia de que os magistrados do Ministério Público «não podem ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados, demitidos ou, por qualquer forma, mudados de situação senão nos casos previstos na lei».
 
A dimensão autonómica do Ministério Público é reforçada quando a Constituição atribui os poderes de gestão e disciplina dos quadros do Ministério Público à Procuradoria-Geral da República, à qual os respectivos agentes estão «funcionalmente subordinados» ([9]).
 
Segundo o artigo 15º, nº 1, do Estatuto, estes poderes são exercidos através do Conselho Superior do Ministério Público ([10]), órgão colegial compreendido na Procuradoria-Geral da República e com assento no artigo 220º, nº 2, da Constituição. Desenvolvendo tal regra, elenca o artigo 27º do Estatuto, entre as competências desse órgão, na sua alínea a), a de «[n]omear, colocar, transferir, promover, exonerar, apreciar o mérito profissional, exercer a acção disciplinar e, em geral, praticar todos os actos de idêntica natureza respeitantes aos magistrados do Ministério Público, com excepção do Procurador-Geral da República».
 
Como decorrência desses princípios, são ainda de assinalar, como características estruturantes da magistratura do Ministério Público, a sua unidade e indivisibilidade, o que significa que «todos os magistrados que fazem parte de uma mesma comarca, departamento ou serviço devem, em regra, possuir igual competência para exercer funções que estejam cometidas a esse escalão hierárquico» ([11]), e a exclusividade de funções, que se encontra expressamente consagrada na Constituição apenas para os magistrados judiciais (artigo 216º, nº 3), mas que vale igualmente para os magistrados do Ministério Público ([12]), sendo, pois, vedado a estes o desempenho de «qualquer outra função pública ou privada, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, nos termos da lei» (como, aliás, estabelece o artigo 81º, nº 1, do EMP).
 
2. Conhecidos, em traços gerais, os princípios basilares que enformam a magistratura do Ministério Público, vejamos mais em pormenor o princípio da hierarquia.
 
O princípio da independência é próprio dos tribunais[13], enquanto detentores do poder jurisdicional, e significa que o juiz apenas deve obediência à lei, e, por isso, não pode receber ordens, instruções ou directivas de outros órgãos sobre casos sujeitos a julgamento. Estabelece com efeito o n.º 2 do artigo 216.º da CRP que «os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consagradas na lei». Por sua vez, o n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais[14] estipula que «os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recuso, pelos tribunais superiores». E o n.º 1 do artigo 5.º, à semelhança daquele artigo da Constituição, estatui que «os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões».
 
Por outro lado, o Ministério Público, como se disse, goza de estatuto próprio e de autonomia, que se concretiza, pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei. Assim, os magistrados do Ministério Público, estando embora vinculados à lei (regem-se por critérios de legalidade e de objectividade), encontram-se inseridos numa hierarquia, pelo que são responsáveis pela observância das directivas, ordens e instruções que lhes são transmitidas, embora devam recusá-las com fundamento em ilegalidade, e possam recusá-las com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica (artigo 79.º, n.º 2 do EMP).
 
 Mas o Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, nos termos do próprio Estatuto. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA[15] referiam já em 1993 em anotação ao artigo 221.º da CRP (correspondente ao actual 219.º): «[a] autonomia do MP vale face ao Governo e também face à magistratura judicial. Na sua primeira vertente ela significa que ele não depende hierarquicamente do Governo, o qual lhe não pode dirigir ordens ou instruções nem influir no respectivo governo e administração». Por outro lado, a autonomia do Ministério Público implica que os magistrados responsáveis pela condução do inquérito vinculem a sua actuação a critérios de legalidade e objectividade, sujeitando-se apenas às, ordens, directivas e intrusões legalmente previstas.
 
 Conforme preceituado no n.º 1 do artigo 76.º do EMP, os magistrados do Ministério Público são responsáveis e hierarquicamente subordinados. E, como se disse, o princípio da hierarquia consiste na subordinação, nos termos da lei orgânica, dos magistrados de grau inferior aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das directrizes, ordens e instruções recebidas. Mas há que ter em consideração os “limites aos poderes directivos” a que se refere o artigo 79.º do Estatuto e os “poderes do Ministro da Justiça” a que alude o artigo 80.º.
 
«O ministério público surge entre nós como um órgão de administração da justiça com a particular função de, nas palavras do artigo 53.º [do CPP] “colaborar com o juiz na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade”. Dada esta incondicional intenção de verdade e de justiça que preside à intervenção do ministério público no processo penal – tão tradicional que é obrigado a investigar à charge e à décharge e pode interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa [artigo 53.º, n.º 2, alínea d)] -, torna-se claro que a sua atitude não é a de interessado na acusação, antes obedece a critérios de estrita legalidade e objectividade…»[16].  E a hierarquia configurada no seu Estatuto não constitui uma hierarquia administrativa e, por isso, não participa de todas as suas características. É uma hierarquia com um conteúdo específico quando comparada com outras estruturas hierárquicas, pois o carácter subordinado da magistratura do Ministério Público, traduzindo-se numa hierarquização dos seus agentes, sujeitos mais a critérios funcionais do que em relação a categorias profissionais, impõe-se que se respeite a estruturas da cadeia hierárquica, como resulta dos artigos 8.º, 76.º, n.º 3 do estatuto.
 
Com efeito, «o Ministério Público é um órgão de administração da justiça, autónomo, organizado hierarquicamente para representar o Estado, exercer a acção penal, participar na execução da política criminal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar»[17].
 
              «Mas a hierarquia do Ministério Público corresponde também a necessidades impostas pela natureza das funções e por um objectivo de democratização da administração da justiça.
              Exercendo funções de iniciativa e acção que, até por razões de celeridade, reclamam uma actuação unipessoal (os órgãos colegiais estão sujeitos a um processo mais moroso de formação da vontade), é necessário que haja mecanismos que, de forma preventiva ou a posteriori, acautelem a variação de procedimentos.
              Noutra perspectiva, é especialmente por intermédio do Ministério Público que se asseguram as finalidades de uniformização da jurisprudência e de igualdade dos cidadãos perante a lei e a justiça. Por via dos recursos (particularmente dos recursos para uniformizar jurisprudência e de constitucionalidade), o Ministério Público potencia a unidade do direito e a igualdade dos que recorrem aos tribunais.
              Cabendo ao Ministério Público amplos poderes de iniciativa que cobrem praticamente todas as áreas da vida em sociedade, a ausência de hierarquia poderia significar a multiplicação de entendimentos e a colocação dos cidadãos numa situação de verdadeira desigualdade.
              A hierarquia permite evitar ou resolver a fragmentação de procedimentos ou de correntes doutrinais no interior do Ministério Público e, ao uniformizar as iniciativas desta magistratura, previne e remedeia a divisão da jurisprudência»[18].
 
3. O inquérito constitui a primeira fase do processo penal e compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1) [19].
 
A titularidade do inquérito, tal como a sua direcção, pertencem exclusivamente ao Ministério Público [artigos 263.º e 53.º, n.º 2, alínea b)].
 
O Ministério Público é, pois, o detentor da acção penal. É esta, aliás, uma das suas mais importantes atribuições. E, no seu exercício, age como órgão de justiça, o que implica a sua autonomia em relação aos demais poderes de Estado, e significa também que as suas intervenções processuais devem obedecer a critérios de estrita objectividade.
 
Por isso, o Ministério Público não está vinculado a ordens concretas dadas por qualquer outro órgão. Todavia, como magistratura hierarquizada que é, os despachos proferidos pelos seus magistrados são passíveis de apreciação posterior, estando sujeitos ao controlo do seu imediato superior hierárquico, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º e 279.º, como melhor se verá. E há que destacar desde já que não podem ser objecto de recusa as decisões proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo [n.º 5, alínea a) do artigo 79.º do EMJ].
 
IV
 
1. Como se deduz das informações prestadas pelos vários círculos judiciais, é uniforme o entendimento de que a intervenção hierárquica apenas pode ter lugar num grau de hierarquia.
 
E este entendimento é também sufragado pela doutrina que se tem pronunciado sobre a questão. Assim:
                   
              - CUNHA RODRIGUES[20]: «Compreende-se, neste contexto, que o processo penal tenha clarificado o conceito de hierarquia e comprimido o seu conteúdo, ao excluir a reclamação hierárquica do despacho de arquivamento e substituí-lo por um procedimento oficioso de controlo, delimitado no tempo, e titulado pelo imediato superior hierárquico. Paralelamente, é ao imediato superior hierárquico que compete agora apreciar a reclamação deduzida do despacho que deferir ou recusar a reabertura do inquérito.
              Ao mesmo tempo, o despacho de arquivamento passou a ser objecto de oposição jurisdicionalizada e ficou esclarecido que a hierarquia de funções comporta apenas um grau (ao arrepio das regras da função pública)».
             
              - PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE [21]: O magistrado competente para proceder à reapreciação do despacho de arquivamento é o “imediato” superior hierárquico e só ele. Portanto, a decisão do superior hierárquico não é passível de reapreciação por outro magistrado colocado em grau superior da hierarquia».
 
              - ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR[22]: «A reapreciação é limitada, e razoavelmente, a um grau na estrutura hierárquica. A lei apenas refere o imediato superior hierárquico; a decisão deste não será susceptível de reapreciação por outro magistrado colocado em grau superior da hierarquia».
             
              - PAULO DÁ MESQUITA[23]: «Da lei processual conjugada com a organização do Ministério Público português resulta que para efeito de exercício de poderes processuais deixou de existir um centro unitário corporizado na figura do procurador-geral da República, pois existem regras de competência territorial definidas ope legis e a expressa previsão dos casos excepcionais na lei. Acresce que a interferência hierárquica apenas pode se operada pelo imediato superior hierárquico».
 
              - No Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto[24] também se defende esta doutrina, citando no mesmo sentido ARMÉNIO SOTTOMAYOR (RMP, Ano 18, n.º 71, págs. 129/132): «[d]o despacho de indeferimento não há lugar a apreciação em segundo grau, competindo esta apenas ao imediato superior hierárquico do magistrado que determinou o arquivamento dos autos».
 
Por isso são se justificam grandes considerações a este respeito.
 
Com efeito, esta solução parece resultar directamente da letra da lei ao referir-se apenas ao «imediato superior hierárquico» e não a qualquer outro. Será este a proferir a última decisão, a qual não poderá ser reapreciada por qualquer magistrado colocado noutro grau superior da hierarquia. Caso contrário poderia chegar-se à conclusão de que todos os despachos de arquivamento deveriam se apreciados pelo Procurador-Geral, o que, manifestamente, está fora da letra da lei e do seu espírito.
 
Como dissemos, a hierarquia do Ministério Público tem um conteúdo específico, não constituindo uma hierarquia administrativa e não participando, por isso, de todas as suas características, razão pela qual, a lei apenas se refere ao imediato superior hierárquico, o que, por um lado, significa que existe apenas um grau de reapreciação, e, por outro, que esse superior é justamente o imediato, e não qualquer outro. Além disso, como veremos, o interessado poderá, em alternativa, requerer a abertura da instrução.
 
Portanto, a reapreciação está limitada a um grau da estrutura hierárquica do Ministério Público. E apenas o imediato superior hierárquico tem competência para proceder à reapreciação do despacho de arquivamento do inquérito.
 
2. No que diz respeito ao prazo para a intervenção hierárquica não existe uniformidade de critérios. Estas divergências não se verificam porém quanto ao prazo para a intervenção oficiosa do superior hierárquico nos termos do n.º 1 do artigo 278.º (situação relativamente à qual há unanimidade no sentido de que apenas poderá ter lugar no prazo peremptório de 20 dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura de instrução), mas sim relativamente ao prazo em que a intervenção hierárquica pode ser requerida (quer quanto ao prazo em que deve ser suscitada, quer quanto ao prazo em que o imediato superior hierárquico deve decidir).
 
Consequentemente, há que fazer uma análise mais cuidada dos artigos 278.º, 279.º e 287.º.
 
 
V
 
Afigura-se útil conhecer antes de mais o regime do Código de Processo Penal de 1929.
 
O artigo 23º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945, sob a epígrafe «relação trimestral dos despachos de abstenção de acusação» determinava a obrigatoriedade de remessa trimestral, ao Procurador da República, de uma relação dos processos de instrução preparatória, relativos a crimes públicos a que não correspondesse processo correccional ou de querela, que não tivessem conduzido à acusação. E estabelecia a possibilidade de o Procurador da República, no prazo de trinta dias, em relação a cada processo, determinar a formulação da acusação, determinar o prosseguimento das averiguações ou propor ao Procurador-Geral da República que a instrução preparatória fosse cometida à Polícia Judiciária.
 
Estava em causa, uma intervenção oficiosa decorrente da comunicação daqueles despachos ao respectivo superior hierárquico.
 
O artigo 27º do mesmo diploma legal previa que os despachos de arquivamento proferidos ao abrigo do artigo 25.º, e os despachos de abstenção de acusação proferidos nos termos do artigo 26º (“falta de prova indiciária suficiente”), fossem comunicados ao denunciante, o qual, se tivesse a faculdade de se constituir assistente, podia reclamar, no prazo de 5 dias, para o Procurador da República, que decidiria se devia ou não ser deduzida a acusação.
 
Estava assim previsto um verdadeiro direito de reclamação hierárquica para o Procurador da República.
 
E comentava MAIA GONÇALVES a respeito do artigo 27.º[25]:
 
«O artigo 27.º confere ao denunciante que tenha a faculdade de se constituir assistente o direito de reclamar, para o procurador da República, da falta de acusação do M P.
Nesta hipótese, é ao procurador que compete definitivamente decidir, na apreciação da reclamação, se o denunciante tem ou não a faculdade de se constituir assistente, por ser condição de legalidade para a reclamação…».
 
Estabelecia-se, pois, no artigo 23.º uma forma de intervenção hierárquica relativamente aos processos em que não tivesse sido deduzida acusação (intervenção oficiosa do Procurador da República em obediência ao princípio da hierarquia). E no artigo 27.º previa-se a intervenção hierárquica provocada.
 
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS ensinava que o legislador tinha previsto, para controlo da decisão de abstenção do Ministério Público, uma fiscalização apenas hierárquica, a qual podia ser desencadeada por uma tríplice via[26]:
 
              a) Pela via do denunciante, que deveria ser notificado da abstenção da acusação e que, se fosse pessoa com a faculdade de se constituir assistente, poderia reclamar para o procurador da República da falta de acusação (art. 27.º do DL n.º 35007);
              b) Pela via do juiz, a quem, na falta de reclamação, os autos seriam conclusos e que, se entendesse que estavam verificadas as condições suficientes para a acusação, faria constar de despacho as suas razões, subindo os autos ao procurador da República (art. 28.º);
           c) Pela via directa do procurador da República, a quem o MP enviará trimestralmente «relação dos autos de instrução preparatória referentes a crimes públicos a que corresponda processo correccional ou de querela que não conduziram a acusação» (art. 23.º); não havendo reclamação nem despacho do juiz, «o arquivamento só será definitivo depois de decorridos trinta dias sobre a comunicação ao Procurador da República nos termos do art. 23.º» (art. 29.º § ún.).
 
O artigo 23.º veio porém a ser revogado pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 321/76, de 4 de Maio. E esta mesma disposição normativa determinava que o artigo 27.º se aplicava apenas aos despachos proferidos em processos de inquérito policial.
 
Entretanto, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, na redacção original determinava: «[o] despacho do Ministério Público que, após o encerramento do inquérito policial, determine o seu arquivamento ou ordene que aguarde a produção de melhor prova é susceptível de reclamação hierárquica, nos termos do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13 de Outubro de 1945». Mas o artigo 6º-A daquele mesmo diploma legal (na redacção do Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro) veio estabelecer: «[q]uando o Ministério Público deixe de requerer o julgamento ou deduzir acusação, após o encerramento do inquérito preliminar ou da instrução preparatória, será disso notificado o denunciante, o qual, se tiver a faculdade de se constituir assistente, poderá, no prazo de 5 dias, reclamar hierarquicamente».
 
Os denunciantes dispunham então de um prazo de cinco dias a contar daquela notificação para reclamar do despacho de arquivamento, não tendo, porém, sido fixado qualquer prazo para a decisão a proferir pelo superior hierárquico.
    
VI
 
Vejamos agora o regime do Código de Processo Penal de 1987 na primitiva redacção.
 
Na versão originária, o artigo 278º dispunha, sob a epígrafe “Intervenção hierárquica”:
 
              «No prazo de trinta dias, contado da data do despacho de arquivamento, o imediato superior hierárquico do Ministério Público, se não tiver sido requerida a abertura de instrução, pode determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento».
 
No dizer de ALBERTO AUGUSTO ANDRADE DE OLIVEIRA[27], com o novo Código, o legislador decidiu não contemplar norma correspondente aos artigos 27.º do Decreto-Lei n.º 35007 e 6.º-A do Decreto-Lei n.º 605/75 (redacção do Decreto-Lei n.º 377/77). «Neste ponto, o legislador implantou uma norma semelhante a estas, mas não já para o despacho que em primeira mão arquiva os autos, antes, e apenas, para o despacho que não reabre os autos, o que fez pelo mecanismo do artigo 279.º. Ao invés, decidiu o legislador contemplar norma semelhante à do artigo 23.º, embora deixando agora, e bem, à estrutura interna do MP a forma de decidir como obter o conhecimento do despacho».
 
A verdade é que esta disposição normativa suscitou interpretações divergentes, designadamente quanto ao início do prazo para intervenção hierárquica e quanto à possibilidade de a mesma ser requerida pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade.
 
Entendiam alguns que este artigo previa apenas uma intervenção oficiosa, cujo prazo estava determinado para o imediato superior hierárquico, não podendo ser prorrogado. Apesar disso, considerava-se que os interessados, mesmo não tendo o direito a reclamar para o superior hierárquico, sempre poderiam «apresentar as suas exposições». E, neste caso, se o procurador da República entendesse que deveria intervir e ainda dispusesse de prazo para o efeito, poderia apreciar aquelas pretensões. «O que não se tratará é de deferir qualquer reclamação. Tratar-se-á de intervir oficiosamente, aproveitado uma chamada de atenção que lhe é feita e que vem suprir o seu eventual não conhecimento do caso». Por outro lado, aquela intervenção teria necessariamente que ter lugar no prazo de 30 dias previsto no artigo 278º.[28]
 
Esta posição foi também defendida por CUNHA RODRIGUES[29] ao afirmar: «[c]ompreende-se, neste contexto, que o processo penal tenha clarificado o conceito de hierarquia e comprimido o seu conteúdo, ao excluir a reclamação hierárquica do despacho de arquivamento e substituí-lo por um procedimento oficioso de controlo, delimitado no tempo, e titulado pelo imediato superior hierárquico».
 
Porém, HENRIQUES GASPAR[30] considerava que «a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado que tiver proferido o despacho poderá ser suscitada – e suscitada no uso de um verdadeiro direito a exercer no processo como mecanismo processual de impugnação - por um titular de interesse legítimo em tal reapreciação: o despacho de arquivamento é notificado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e às partes civis».
 
 Com efeito, este autor, depois de afirmar que o despacho de arquivamento estava sujeito a reapreciação hierárquica por parte do imediato superior hierárquico do magistrado que o tivesse proferido e que as condições processuais de reapreciação estavam fixadas no artigo 278.º (prazo de 30 dias contados da data do despacho de arquivamento, e não tiver sido requerida a abertura da instrução) acrescenta: «[a] intervenção prevista no artigo 278.º do CPP não relevará, assim, unicamente da coordenação interna dos agentes do M.P. no plano da relação de hierarquia, nada excluindo, nem a letra, nem a “ratio”, nem o sistema que a lei preveja, aqui, um verdadeiro direito à apreciação em outro grau passível de exercício intra-processual».
 
Ainda a este propósito comenta também PAULO DÁ MESQUITA[31]: «[n]a redacção originária do código confrontavam-se duas linhas interpretativas, pois havia quem o denominasse como um simples “procedimento oficioso de controlo” (Cunha Rodrigues, 1995:24) e quem o classificasse como consagração de um “verdadeiro direito à apreciação em outro grau” (A. H. Gaspar, 1992:77)». Mas, segundo o mesmo autor, «a questão ficou, contudo, ultrapassada com a revisão de 1998 que consagrou de forma expressa este mecanismo, cumulando o controlo oficioso e o direito à reapreciação endoprocessual e intra-orgânica da decisão de arquivamento, que pode ser exercido pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente (daí que o termo inicial do prazo seja a notificação do arquivamento ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente)».
 
Por sua vez, ANABELA MIRANDA RODRIGUES[32], depois de afirmar que, quer a decisão de acusação (artigo 283.º), quer a de arquivamento (artigo 277.º) deviam ser passíveis de controlo judicial, «possibilidade que o novo código assegura aos interessados -  arguido e assistente – através do direito que lhes confere de requererem a abertura da instrução, da competência do juiz de instrução…» acrescentava: «[p]ara além desse controlo judicial está ainda consagrada a possibilidade de, no caso de arquivamento, de um controlo hierárquico (artigo 278.º), que se quer que funcione não como modo normal de controlo da legalidade da abstenção de acusação, mas cujo sentido é o de assegurar uma “válvula de segurança” no sistema, para a sindicância de casos escandalosos em que não haja partes interessadas e face à impossibilidade do exercício dos poderes gerais de avocação após o encerramento do inquérito».
 
No Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto[33] parece defender-se abertamente esta segunda posição, ao afirmar-se: «Com a entrada em vigor do CPP de 1987 (…) foi instituída não só a faculdade de o denunciante com a faculdade de se constituir assistente poder reclamar hierarquicamente no prazo de 30 dias do despacho de arquivamento do inquérito, como também de o imediato superior hierárquico do Magistrado que determinou o arquivamento, intervir oficiosamente, determinando o prosseguimento das diligências ou a dedução de acusação (art. 278 do CPP)». E aí se defende também que a intervenção oficiosa só era permitida desde que estivessem reunidos dois pressupostos: que não fosse requerida a instrução e que a intervenção ocorresse no prazo de trinta dias.
 
No âmbito da actuação do Ministério Público, a Circular n.º 8/87, de 21 de Dezembro de 1987, estabelecia, no ponto 5, procedimentos tendentes a permitir a intervenção hierárquica em caso de arquivamento do inquérito. Esta foi revogada pela circular n.º 6/2002, de 11 de Março de 2002, a qual, no n.º 4 do Ponto V, manteve o dever de comunicação ao imediato superior hierárquico dos despachos de arquivamento proferidos nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º relativos a crimes puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, excepcionando os processos contra desconhecidos, e alargando aquele dever aos «casos que tenham tido, ou se preveja que venham a ter importante impacto público».
 
De qualquer forma parece não haver dúvidas de que era necessária a verificação cumulativa de dois pressupostos para a intervenção hierárquica no caso de arquivamento do inquérito: que não tivesse sido requerida a abertura da instrução e que a intervenção ocorresse no prazo de 30 dias a contar da data do despacho de arquivamento.
 
VII
 
1. Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o artigo 278.º passou a ter a seguinte redacção:
 
              «No prazo de trinta dias, contado da data do despacho de arquivamento ou da notificação deste ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, se a ela houver lugar, o imediato superior hierárquico do Ministério Público, se não tiver sido requerida a abertura de instrução, pode determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento».
 
Em anotação a este artigo comentava MAIA GONÇALVES[34]: «Reproduz o art. 278.º do Proj., salvo quanto à condicional se não tiver sido requerida a abertura de instrução, que foi introduzida na fase final dos trabalhos preparatórios e das expressões da notificação e ao assistente e ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente, se a ela houver lugar, que foram introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto». E defende também que, embora a lei não o diga expressamente, deve entender-se que os assistentes ou outros interessados que mostrem ter um interesse legítimo, «podem reclamar, rectius, recorrer hierarquicamente para o superior hierárquico, dos despachos de arquivamento, deste modo provocando uma intervenção hierárquica». E ainda: «[s]e porém tiver sido requerida a abertura da instrução, não é lícito ao superior hierárquico intervir, nem poderá haver lugar a reclamação ou recurso hierárquico».   
                                                                                                                                                                                                                                                                             
 
Passou então a prever-se a contagem do prazo de 30 dias a partir da data do despacho de arquivamento ou da notificação deste ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade (e não apenas, como antes, «da data do despacho de arquivamento»).
 
Como dissemos, PAULO DÁ MESQUITA, na citada obra, pág. 290, nota 92, diz que a questão ficou ultrapassada com a revisão de 1998.
 
E, na verdade, bem poderá dizer-se que aquela alteração veio reforçar os argumentos daqueles que defendiam que a intervenção hierárquica não tinha apenas natureza oficiosa, pois, doutro modo, não se justificaria a notificação do assistente ou do denunciante com a faculdade para se constituir nessa qualidade.
 
Parece-nos, contudo, que a questão não terá ficado devidamente esclarecida, pelo que também poderá dizer-se que essa alteração não trouxe argumentos suficientes para fazer alterar o entendimento dos defensores da tese contrária, que mantiveram a posição de que a intervenção continuava a ser apenas oficiosa, e que a actuação do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade mais não era do que um “alerta” ao superior hierárquico para que este, querendo, pudesse intervir.
 
Com efeito, se é certo que ficou esclarecido que o prazo de 30 dias passou a contar-se a partir da data do despacho de arquivamento ou da sua notificação (o que faz admitir claramente a possibilidade de intervenção provocada), a verdade é que nada foi dito em relação ao prazo em que essa intervenção poderia ser requerida nem nada acrescentado no sentido de que o assistente ou o denunciante com a possibilidade de se constituir nessa qualidade poderiam requerer a intervenção.
 
E sobre esta problemática afigura-se oportuno citar o que foi referido nos trabalhos preparatórios da Lei n.º 59/98: «O processo assegura o pleno exercício do contraditório na fase da instrução, que visa a comprovação judicial da decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não o caso a julgamento (artigo 286.º), sem prejuízo, ainda, de, não sendo esta requerida, funcionarem procedimentos de controlo interno do Ministério Público relativamente aos casos de arquivamento».
 
De qualquer forma, trata-se de questão ultrapassada, como se verá.
 
2. Parece, contudo, ser de referir dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça relativos à possibilidade de ser requerida, sucessivamente, a intervenção hierárquica e a instrução, porquanto, de algum modo, embora indirectamente, esta questão é abordada e não é posta em causa a possibilidade de intervenção hierárquica provocada.
 
No acórdão de 15 de Dezembro de 2004[35] foi decidido o seguinte[36]:
 
              1. O prazo para requerer a abertura da instrução é de 20 dias a contar da notificação do arquivamento ordenado nos termos do artigo 277.º do CPP;
              2. Por isso, quando se requer a intervenção hierárquica para apreciação do despacho de arquivamento, já não se poderá, até pela preclusão do respectivo prazo, requerer a abertura de instrução.
 
Estava em causa saber se, depois de ter sido requerida a intervenção hierárquica, nos termos do artigo 278.º, e tendo o imediato superior hierárquico confirmado o despacho de arquivamento, ainda podia ser requerida a abertura da instrução (estávamos então no domínio da versão do CPP anterior a 2007, mas posterior à Lei n.º 59/98).
 
O inquérito tinha sido declarado encerrado e arquivado, nos termos do artigo 277.º, n.º 1, pelo magistrado do Ministério Público a quem o processo estava distribuído. Notificado desse despacho, o interessado requereu a intervenção hierárquica, no sentido de serem feitas novas diligências tendentes à posterior acusação. O superior hierárquico indeferiu esse pedido, ou seja, confirmou aquele despacho. Seguidamente, o interessado requereu a abertura da instrução nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea b). Sustentava o recorrente que podia requerer a abertura da instrução porque o prazo para esse efeito só devia ser contado a partir da notificação do despacho do superior hierárquico, com o fundamento de que só este é um acto definitivo e executório; só este despacho constituiria a última palavra da hierarquia do Ministério Público. Mas esse requerimento foi indeferido pelo juiz de instrução, por extemporâneo, e daí o recurso em causa naquele acórdão do STJ. Para tanto foi considerado (no despacho recorrido) que o requerimento para a abertura da instrução e a reclamação hierárquica «constituem duas possibilidades de reagir contra o despacho de arquivamento alternativas e não sucessivas».
 
Na parte que agora interessa considerar foi referido neste acórdão:
 
              «Do nosso ponto de vista, a ratio deste normativo, que teve por fonte o art. 23º do DL 35.007, de 13 de Outubro de 1945 (remessa pelo Mº Pº de uma relação trimestral dos processos arquivados ao superior hierárquico), reside mais, na possibilidade e até no dever de o superior hierárquico, “fiscalizar” ou controlar o exercício da acção penal pelo detentor do inquérito, do que na concessão de quaisquer meios, v.g. reclamação, para os interessados impugnarem o arquivamento entretanto ordenado pelo MºPº. E é nesta preocupação e função de controlo que se insere o citado nº 4 do art. 276º do CPP.
 
              Esta nos parece ser a melhor interpretação do normativo, sobretudo se o conjugarmos com o disposto no art. 287º, nº 1 – prazo de 20 dias para abertura de instrução. Na verdade, a intervenção hierárquica, oficiosa ou a requerimento dos interessados só ocorrerá dentro do prazo de 30 dias após o arquivamento ou a notificação deste ao assistente ou denunciante com a faculdade de se constituir assistente. E porquê 30 dias?
 
           A nosso ver, pela razão simples de que, primeiramente haverá que decorrer o prazo para abertura de instrução, 20 dias. E, só se esta não tiver sido requerida, então sim, poderá o superior hierárquico avocar a si, oficiosamente ou a requerimento, o inquérito para os fins tidos por convenientes.
 
              Assim se harmonizam os dois preceitos dos artigos 278.º e 287.º, no sentido de que, quando se requer a intervenção hierárquica para apreciação do despacho de arquivamento, já não se poderá, até pela preclusão do respectivo prazo, requerer a abertura da instrução; enquanto que, se se requeresse desde logo a abertura de instrução já não pode operar a intervenção hierárquica».
 
E conclui-se no sentido de que quem reclamar hierarquicamente já não poderá requerer a abertura da instrução, até porque, entretanto, ficou precludido o prazo para este efeito. Finalmente, refere-se que esta jurisprudência tem sido seguida consensualmente ao nível das Relações, «onde a questão se tem posto com mais frequência do que no Supremo».
 
O acórdão foi tirado por maioria.
 
No voto de vencido considerou-se que só o despacho do superior hierárquico que confirmou o despacho do titular do processo constitui a posição final do Ministério Público relativamente ao encerramento do inquérito, pelo que a então recorrente (assistente) ainda estaria em tempo de requerer a abertura da instrução (tal como pretendia).
 
Para tanto foi ponderado:
 
              - O despacho de arquivamento nos termos do artigo 277.º pode não constituir a intervenção definitiva do Ministério Público relativamente ao encerramento do inquérito;
              - Não resulta da lei que a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado que tiver proferido o despacho não possa ser suscitada – e suscitada no uso de um verdadeiro direito a exercitar, como tal, no processo (como mecanismo processual de impugnação verdadeiro e próprio) – por algum interessado, titular de um interesse legítimo em tal reapreciação: o arguido, o assistente, o denunciante com a faculdade de se constituir assistente. E, assim, a intervenção prevista no artigo 278.º não relevará unicamente da coordenação interna dos agentes do Ministério Público ordenados na respectiva estrutura segundo as suas próprias regras orgânicas; nada exclui, nem a letra nem a ratio, nem o sistema que se preveja, aqui, um verdadeiro direito à apreciação em outro grau, passível de exercício intraprocessual.
              - No caso de o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade solicitar a intervenção hierárquica, só após a decisão do superior hierárquico competente «se poderá falar em despacho de arquivamento como posição processual definitiva no âmbito dos poderes de intervenção e do exercício das competências processuais do Mº Pº no encerramento do inquérito».
              - «Mas, sendo assim, então o despacho de arquivamento (o despacho que constitui a posição final do encerramento do inquérito do órgão do Estado titular da acção penal de acordo com a conformação processual das respectivas competências) é a decisão do imediato superior hierárquico que confirme o despacho de arquivamento de que o interessado reclamou, ou seja, o despacho que não determinou que fosse formulada acusação ou que não decidiu que as investigações deveriam prosseguir.
              De outro modo não faria sentido, nem pela coerência interna do sistema, nem pela consideração da natureza e estrutura do processo penal e das posições e competências do M.º P.º na fase de inquérito (arts. 262.º, 263.º e 264.º do CPP)».
              - «Por isso, a norma do artigo 278.º do CPP, na parte em que limita a intervenção do superior hierárquico do Mº Pº aos casos em que não tenha sido requerida instrução, não pode ser lida como uma qualquer forma de preclusão ou de obrigatória alternativa do uso de faculdades processuais dos interessados, mas apenas como uma (inteiramente lógica) imposição derivada da natureza das competências e da função dos instrumentos processuais: o impedimento de intervenção simultânea, com idêntica finalidade, da decisão hierárquica e da confrontação judicial».
 
Portanto, segundo a doutrina defendida no voto de vencido, no caso de o assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade requerer a intervenção hierárquica, só após a decisão do superior hierárquico competente se poderá falar em despacho de arquivamento como posição processual definitiva no âmbito dos poderes de intervenção e do exercício das competências processuais do Mº Pº no encerramento do inquérito e, consequentemente, só a partir deste despacho se poderá contar o prazo para abertura da instrução (e ainda mais: os dois meios poderiam ser usados sucessivamente).
 
A diferença entre a doutrina que fez vencimento e a defendida no voto de vencido parece ser, no essencial, a seguinte: naquela, o interessado tem de optar entre requerer a instrução ou a intervenção hierárquica (não pode usar os dois meios, sucessiva ou simultaneamente, mas apenas um deles, em alternativa); nesta, após a decisão do superior hierárquico (porque só o despacho do superior hierárquico que confirmar o despacho do titular do processo constitui a posição final do Ministério Público relativamente ao encerramento do inquérito), o interessado ainda poderá requerer a abertura da instrução (os dois meios poderão ser usados sucessivamente).
 
Questão semelhante foi apreciada e decidida, no mesmo sentido, no acórdão de 17 de Janeiro de 2007 do mesmo Tribunal[37].
 
Consta do nºs VI e VII do respectivo sumário:
 
              «VI- Arquivado o inquérito nos termos do art. 277.º do CPP, o respectivo despacho pode ser sindicado nos seguintes termos:
- no caso de processo por crime que não admita a constituição de assistente, exclusivamente por via hierárquica, nos termos do art. 278.º, contando-se o prazo aí previsto da data daquele despacho;
- no caso de processo por crime que admita a constituição de assistente:
a) por via judicial, através de requerimento de abertura da instrução;
b) não tendo esta sido requerida, por intervenção hierárquica, a exercer apenas depois de decorrido o prazo para aquele requerimento;
c) no caso de renúncia à abertura da instrução, por intervenção hierárquica eventualmente suscitada pelo interessado, sem possibilidade, naturalmente, de posteriormente se confrontar esta decisão com a abertura da instrução.
              VII - O pedido de intervenção dirigido ao imediato superior hierárquico do titular do processo, no decurso do prazo para requerer a abertura da instrução, significa necessariamente renúncia a essa faculdade; não pode o recorrente, não tendo ali obtido ganho de causa, vir depois requerer a instrução a que renunciara, e cujo prazo para o efeito há muito estava esgotado».
 
Entretanto, em sentido semelhante à posição assumida no voto de vencido já tinha sido proferido no TRL o acórdão de 15 de Outubro de 2002[38], no qual, depois de ser citado o artigo 278.º, na redacção de 1998, foi afirmado, na parte que aqui importa considerar:
 
           «Decorre desta disposição que, se tiver sido requerida a instrução, não pode o superior hierárquico, oficiosamente, ou a requerimento, ordenar que seja deduzida acusação, nem ordenar o prosseguimento das investigações.
              Não pode inferir-se daquele texto legal que, no caso de ser suscitada, pelo denunciante, a intervenção da hierarquia do MP, tal facto tenha qualquer reflexo no direito de requerer a instrução – quer no sentido de precludir o exercício deste direito, quer no sentido de interromper ou suspender o curso do prazo consignado para o efeito – porque a tal obsta o disposto no citado art. 287º, nº.1.
              Assim, o facto de o denunciante, com a faculdade de se constituir assistente, provocar a apreciação do despacho de arquivamento pelo superior hierárquico do MP, não extingue o direito de requerer abertura da instrução, mas este direito só pode ser exercido no prazo de 20 dias contados desde a comunicação a que se refere o n.º 3 do art. 277º do CPP, ou seja, do despacho proferido nos termos dos nºs. 1 e 2 do mesmo artigo, pelo magistrado que declarando encerrado o inquérito determina o arquivamento.»
 
3. Antes de mais convém lembrar que é doutrina assente que, tendo sido requerida a instrução já não pode ser suscitada a intervenção hierárquica (quer oficiosamente, quer por requerimento dos interessados). O requerimento de abertura de instrução faz precludir o direito de requerer a intervenção hierárquica. O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente não podem suscitar a intervenção hierárquica, nem o superior hierárquico o pode fazer oficiosamente. Mas esta doutrina foi defendida[39] desde a primitiva redacção do artigo 278.º, pois, por um lado, isso mesmo resultava directamente da letra da lei («se não tiver sido requerida a abertura de instrução») e, por outro, a instrução não poderia ser posta em causa por força de um despacho posterior do Ministério Público sobre a mesma questão.
 
De iure condendo nada impediria que o interessado gozasse da faculdade de requerer a abertura da instrução, em determinado prazo, depois de ser proferido o despacho do superior hierárquico, pois só então é proferida a “última palavra da hierarquia do Ministério Público”[40]. Ou seja, numa primeira fase seria proferido o despacho do imediato superior hierárquico; no caso de este ser confirmado, poderia ser requerida a abertura da instrução. Mas, nesse caso, a lei teria de prever que ao interessado fossem concedidas cumulativamente duas vias de reacção ao despacho de arquivamento: primeiro a intervenção hierárquica e, depois, se esta não fosse procedente, a via judicial (requerimento da abertura da instrução).
 
A questão poderia não ser muito clara antes da Lei n.º 48/2007, pois a intervenção hierárquica deveria ter lugar no prazo de 30 dias a contar da data do despacho de arquivamento ou da notificação deste[41], e, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, a abertura da instrução podia ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da acusação ou (também) do arquivamento.
 
Com a redacção dada ao artigo 278.º pela Lei n.º 48/2007 tudo ficou mais claro no sentido, aliás, em que foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir como tal têm de optar entre requerer a abertura da instrução e a intervenção hierárquica.
 
No entanto, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[42] defende ainda agora que «a interposição da reclamação hierárquica não preclude o direito de requerer a abertura da instrução, após a decisão final tomada pelo MP na sequência da intervenção do superior hierárquico». É que, «tal como o arguido pode reagir com um pedido de instrução a uma acusação que venha a ser deduzida na sequência da intervenção hierárquica, também o assistente pode reagir com um pedido idêntico a um segundo arquivamento posterior à intervenção hierárquica». O assistente tem assim «o direito constitucional de controlo judicial da última palavra do Ministério Público sobre o objecto do inquérito, como o mesmo direito tem o arguido». E cita o mesmo autor em abono da sua tese, aquele voto de vencido e o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de Outubro de 2002 (C.J. Ano XXVII, 4, 134) (no domínio da Lei 59/98).
 
Todavia, na nota 8 ao mesmo artigo (278.º) e na citada obra escreve: «o requerimento de abertura de instrução preclude o direito de requerer a intervenção hierárquica. Sendo requerida a abertura de instrução, o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente não podem interpor a reclamação hierárquica, nem o superior hierárquico pode exercer os poderes de controlo oficioso. A razão deriva da natureza jurisdicional da instrução: a instrução judicial não pode ser desprovida de objecto por força de despacho do Ministério Público posterior à sua abertura pelo juiz de instrução». E acrescenta na nota 4: «o superior hierárquico pode intervir a dois títulos: a título oficioso, só no prazo de vinte dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida; ou a requerimento, que pode ser apresentado pelo assistente ou pelo denunciante no prazo de quarenta dias contados da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida».
 
Parece-nos, porém, que o artigo 278.º prevê claramente dois prazos distintos: um de 20 dias para a intervenção hierárquica, contado da data em que a abertura da instrução já não pode ser requerida; outro, também de 20 dias, anterior àquele, durante o qual pode ser requerida a instrução ou a intervenção hierárquica. Temos assim dois prazos sucessivos, ambos de 20 dias. E bem se compreende que assim seja, uma vez que a intervenção hierárquica só poderá ter lugar no caso de não ter sido requerida a instrução.
 
Depois de notificado do despacho de arquivamento, o assistente tem o prazo de 20 dias para, em alternativa, requerer a instrução ou a intervenção hierárquica. As dúvidas que até então legitimamente se podiam suscitar ficaram esclarecidas com a última redacção dada ao artigo 278.º.
 
Decorrido o prazo para a intervenção hierárquica (oficiosa ou mediante requerimento) já terminou também (obviamente) o prazo para a abertura da instrução, pelo que não se vê como esta possa depois ser requerida, caso a decisão do superior hierárquico confirme a decisão do magistrado que proferiu o despacho de arquivamento. Entende-se, pois, que aquela doutrina não tem o mínimo apoio legal: o prazo para a decisão do superior hierárquico só começa a contar «da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida». E isto, quer tenha lugar oficiosamente ou a requerimento dos interessados com legitimidade para o efeito.
 
Consequentemente, não pode ser requerida cumulativamente a instrução e a intervenção hierárquica.
 
Assim, o que verdadeiramente está em causa é saber qual a natureza jurídica do prazo em que o imediato superior hierárquico pode decidir, nos casos de intervenção provocada[43].
 
VIII
 
Há, pois, que apreciar aquelas questões à luz da redacção resultante da Lei n.º 48/2007, de 28 de Agosto, em vigor, citando-se desde já o artigo 278.º.
 
«Artigo 278.º
Intervenção hierárquica
 
              1. No prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento.
           2. O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem, se optarem por não requerer a abertura de instrução, suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do número anterior, no prazo previsto para aquele requerimento.»
 
1. Adquirida notícia de um crime, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia (obrigatória ou facultativa), o Ministério Público, na qualidade de titular do exercício da acção penal, verificados os pressupostos de legitimidade, deve abrir inquérito[44] – artigos 241.º e s.s. e 262.º, n.º 2).
 
«O inquérito é lógica e cronologicamente uma fase processual. É uma fase em sentido lógico, já que é dominado por actos pertinentes a uma mesma ideia, a uma finalidade determinada: a decisão sobre a acusação. É também uma fase em sentido cronológico, enquanto os actos que lhe correspondem e que a caracterizam em sentido lógico são contíguos no tempo. O inquérito, em sentido lógico e cronológico, inicia-se com um despacho do Ministério Público, e, finda, em sentido lógico, com a decisão que sobre ele tomar o Ministério Público e, em sentido cronológico com o requerimento de abertura da fase de instrução ou com a remessa a tribunal de julgamento»[45].
 
Como preceitua o n.º 1 do artigo 276.º, o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação. E, em conformidade com o artigo 277.º, procede, por despacho, ao seu arquivamento, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento (n.º 1); o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes (n.º 2) [46].
 
Pelo contrário, se, durante o inquérito, como estabelece o artigo 283.º, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra ele (n.º1), considerando-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (n.º 2).
 
«O encerramento do inquérito é um acto complexo que, além da decisão sobre a acção penal, incorpora uma decisão de encerramento do inquérito como actividade, isto é a conclusão das investigações e das diligências pertinentes, que é um segmento do complexo decisório que expressa a correlação funcional: notícia, investigação, encerramento»[47].
 
Assim, findo o inquérito, o Ministério Público poderá tomar uma das seguintes medidas:
 
              - deduz a acusação quando haja indícios suficientes da verificação do crime e dos seus agentes (artigo 283.º);
              - determina a suspensão provisória do processo (mediante concordância do juiz de instrução) se se verificarem os pressupostos referidos nos artigos 281.º e 282.º[48];
              - procede ao seu arquivamento nos termos do artigo 280.º (dispensa de pena) (mediante concordância do juiz de instrução) [49];
              ­- procede, por despacho, ao seu arquivamento nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º.
 
Pode, contudo, ser requerida a abertura da instrução, nos termos do artigo 287.º, pelo arguido [n.º 1, alínea a)] ou pelo assistente [n.º 1, alínea b)]. E poderá ainda ser deduzida acusação particular, eventualmente acompanhada pelo Ministério Público (artigo 285.º).
 
Finalmente, o despacho de arquivamento é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado (artigo 277.º, n.º 3).
 
2. Nas palavras de MAIA GONÇALVES, o despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público pode ser impugnado nos termos seguintes[50]:
 
              - Se não tiver sido requerida a instrução, no prazo de 20 dias, nos termos do artigo 278.º, pode o imediato superior hierárquico do M.P. determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações continuem;
              - Esgotado o prazo de 20 dias referido no artigo 278.º, pode o inquérito ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados no despacho de arquivamento, como se estabelece no artigo 279.º. Competirá aos eventualmente interessados fornecer ao MP os novos elementos de prova;
              - Por via judicial, através da abertura de instrução, requerida por quem para tanto tenha legitimidade.
 
Com efeito, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, conforme o caso, pode ser requerida a instrução:
 
a) pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação [artigo 287.º, n.º 1, alínea a)]; ou
b) pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação [artigo 287.º, n.º 1, alínea b)].
 
A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, tem carácter facultativo (artigo 286.º), e é dirigida por um juiz de instrução (artigo 288.º).
 
O despacho de abertura da instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor (artigo 287.º, n.º 5).
 
Para o que agora interessa considerar, não obstante o arquivamento do inquérito, pode não ser requerida a instrução, uma vez que esta é facultativa. E a intervenção hierárquica poderá ou não ser requerida por quem tenha legitimidade para o efeito. Mas, e é isso que está em causa, no prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida, o imediato superior hierárquico pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações prossigam, indicando, neste caso, as diligências a efectuar e o prazo para o seu cumprimento.
 
Portanto, no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento do inquérito pode ser requerida a abertura da instrução [artigo 287.º, n.º 1 alínea b)]. E, noutro prazo também de 20 dias, a contar da data em que a instrução já não pode ser requerida (ou seja, quando terminar o primeiro prazo), o imediato superior hierárquico pode intervir, oficiosamente ou mediante requerimento.
 
Em síntese:
 
              - O Ministério Público procede ao arquivamento do inquérito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º[51];
              - O despacho é notificado nos termos do n.º 3 do artigo 277.º.
              - No prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento pode ser requerida a abertura da instrução pelo assistente (nunca o MP), se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público, não tiver deduzido acusação [artigo 287.º, n.º 1, alínea b)].
              - Passado este prazo poderá ter lugar a intervenção hierárquica, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º, no prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida.
 
Colocam-se então as questões que mais directamente dizem respeito ao parecer:
 
              - O prazo de intervenção oficiosa a que se refere o n.º 1 do artigo 278.º é um prazo peremptório ou meramente ordenador;
              - Em que prazo pode ser requerida a intervenção hierárquica;
              - Nos casos em que esta intervenção é provocada, qual o prazo em que o superior hierárquico deve decidir;
              - E este prazo  é peremptório ou meramente ordenador.
          
3. «Chama-se prazo ao período de tempo dentro do qual um acto pode ser realizado (prazo peremptório, conclusivo, preclusivo ou resolutivo) ou a partir do qual um outro prazo começou a correr (prazo dilatório ou suspensivo)»[52]. «Semelhantes aos prazos peremptórios são os chamados (por alguns autores) prazo cominatórios. Dizem-se cominatórios, por envolverem uma cominação ou ameaça, os prazos estabelecidos para o efeito de a pessoa realizar certo acto dentro de determinado período de tempo, sob pena de sofrer uma sanção por praticá-lo posteriormente»[53].
 
Como resulta do preceituado no artigo 144.º do Código de Processo Civil, o prazo processual pode ser estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz. Mas, por via de regra, o prazo é fixado por lei, sendo raros os casos em que essa fixação fica ao arbítrio do juiz. E, conforme preceituado no seu artigo 145.º, o prazo é dilatório ou peremptório (n.º 1); o prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo (n.º 2); o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito a praticar o acto respectivo (n.º 3).
 
Nos termos do n.º 1 do artigo 147.º do CPC, o prazo processual marcado pela lei só pode ser prorrogado nos casos nela previstos. O prazo fixado pelo juiz pode, em regra, ser prorrogado.
 
Estes princípios são também aplicáveis em processo penal, embora o n.º 1 do artigo 104.º se refira apenas à contagem de prazos e não à sua natureza: «aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil».
 
Para os efeitos em causa poderemos então definir prazo como o período de tempo durante o qual pode ser praticado um determinado acto do processo.
 
Os prazos processuais podem, pois, ser classificados segundo vários critérios. Aqui importa considerar a classificação desses prazos em: dilatórios, peremptórios ou meramente ordenadores.
 
«Os prazos dilatórios marcam o momento a partir do qual o acto processual pode ser praticado ou ter início a sua execução, a qual se encontra, de certo modo, suspensa no decurso do prazo…»[54]. «Os prazos peremptórios estabelecem o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado (terminus intra quem). Se o acto não for praticado no prazo peremptório, também chamado preclusivo, não poderá mais, em regra, ser praticado». «Em regra, os prazos estabelecidos por lei para a prática de actos pelo arguido, pelo assistente e pelas partes civis e bem assim pelo Ministério público na fase de julgamento são peremptórios». «Os prazos meramente ordenadores estabelecem um limite de tempo para a prática dos actos, mas nem por isso se praticados após o decurso desse prazo perdem validade»[55].
 
No mesmo sentido escrevia MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA[56]: «Quanto à sua função, os prazos distinguem-se em dilatórios e peremptórios. O prazo dilatório procura afastar no tempo o acto processual; este não pode ser praticado antes de decorrido determinado prazo. O prazo dilatório é o período de tempo dentro do qual não pode praticar-se um acto processual, o qual só findo o prazo terá lugar.
O prazo peremptório destina-se, pelo contrário, a acelerar o andamento do processo; é o período dentro do qual deve ser praticado o acto processual».
 
 Prazo peremptório é, assim, aquele que é estabelecido para a prática de um determinado acto processual e que, uma vez decorrido, deixa de poder ser praticado. Mas é sobretudo importante distinguir um prazo cominatório dum prazo meramente ordenador. Nos prazos cominatórios, os actos praticados após o seu decurso não são válidos. Pelo contrário, nos prazos meramente ordenadores os actos praticados após o seu decurso não deixam de o ser.
 
No domínio do CPC a regra é ser peremptório o prazo processual relativo aos actos a praticar pelas partes. Os prazos relativos aos actos a praticar pelo juiz são meramente indicativos ou ordenadores.
 
 Em processo penal os prazos para a prática de actos por parte do arguido, do assistente e das partes civis são também, em regra, peremptórios. E o mesmo sucede com os actos a praticar pelo Ministério Público fora da fase do inquérito.
 
Pelo contrário, os actos a praticar pelo tribunal e pela secretaria são, em regra, ordenadores. E o mesmo sucede com os actos a praticar pelo Ministério Público na fase do inquérito, uma vez que, nesta, como vimos, é ele que tem a direcção do processo.
 
E bem se compreende que os prazos relativos aos actos praticados pelo juiz sejam meramente ordenadores, pois seria de todo inadmissível que, decorrido um determinado período de tempo, já não pudessem ser validamente praticados. E o mesmo sucede em relação ao Ministério Público na fase do inquérito, onde é ele o detentor da acção penal. Assim, por exemplo, decorrido o prazo para o fim do inquérito seria impensável que o processo terminasse. A acumulação de serviço e a necessidade de serem feitas diligências que, por vezes, não estão na disponibilidade do Ministério Público, justificam plenamente que o legislador caracterize esses prazos como meramente ordenadores. Caso contrário, corria-se o risco de poucos inquéritos atingirem o seu termo com decisão final que não fosse o seu arquivamento pelo decurso do tempo. Por isso, os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, como resulta claramente do disposto nos artigos 276.º e 277.º, pois não é possível a priori determinar com rigor o tempo necessário para o efeito[57].
 
Mas, na fase da instrução e do julgamento, já se justifica que sejam peremptórios os actos processuais praticados pelo Ministério Público, à semelhança do que acontece com o arguido, pois, neste caso, a direcção do processo cabe ao juiz.
 
Como foi salientado no acórdão do Tribunal Constitucional de 15 de Julho de 2004 (recurso n.º 609/2004) «[n]o processo criminal, a previsão da existência de prazos de recurso impõe-se desde logo como postulado necessário da garantia concedida na parte final do n.º 2 do art.º 32º da CRP de que o arguido “deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”». E, como bem refere Paulo DÁ MESQUITA[58] «a fixação processual de prazos peremptórios para a intervenção intra-orgânica não se prenda com razões internas ou orgânicas, mas com o valor da segurança jurídica e, fundamentalmente, com a paz jurídica do arguido, valor que também determina os requisitos para a reabertura de inquérito».
 
Portanto, a existência de prazos processuais que devam ser observados constitui uma exigência do direito do arguido a ser julgado em prazo razoável. Mas se esses prazos não forem respeitados (não sendo peremptórios) as diligências praticadas após o seu decurso mesmo assim são válidas.
 
Para estes, a lei prevê contudo, por um lado, a possibilidade de procedimento disciplinar para os casos de manifesta ultrapassagem dos prazos sem justificação e, por outro, o incidente da aceleração processual (artigos 108.º e 109.º).
 
4. O n.º 1 do artigo 278.º, na redacção de 2007, sofreu algumas alterações:
 
              - O prazo aí referido passou de 30 para 20 dias;
              - Este prazo era contado «da data do despacho de arquivamento ou da notificação deste ao assistente ou ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente…»; passou a contar-se «da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida».
              - Passou a prever-se expressamente que o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem requerer a intervenção hierárquica do imediato superior do magistrado do Ministério Público autor do despacho de arquivamento (assim se acabando definitivamente as dúvidas a este respeito).
 
Como já foi dito, não se têm suscitado grandes dúvidas sobre a natureza jurídica do prazo de 20 dias referido no n.º 1 do artigo 278.º[59] no que diz respeito à intervenção oficiosa[60]. E esta só pode ter lugar no prazo de 20 dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura da instrução (esta deve ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação do arquivamento).
 
E trata-se de um prazo peremptório e não meramente indicativo ou ordenador, podendo citar-se neste sentido, por exemplo:
 
- ARMÉNIO SOTTOMAYOR[61]: «Temos como certo que o referido prazo é um prazo peremptório cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, como resulta do número 1 do artigo 279.º do Código de Processo Penal».
- No Código de Processo Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, em nota ao artigo 278.º comenta-se: «Esgotado o prazo de trinta dias, que consideramos peremptório atento o disposto no n.º 1 do artigo 279.º, carece o superior hierárquico de legitimidade para conhecer da reclamação ou intervir oficiosamente».
- PAULO DÁ MESQUITA[62]: «Em termos processuais constata-se que o regime legal é completo: o despacho de arquivamento só pode ser revogado (oficiosamente ou a pedido do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente) pelo imediato superior hierárquico do titular do processo no prazo peremptório de 30 dias» [agora 20 dias].
- PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[63]: «Decorrido o prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida e não tendo sido requerida nem determinada oficiosamente a intervenção hierárquica, o superior hierárquico já só pode intervir nos termos do artigo 279.º do C.P.P.».
 
Os prazos referidos no artigo 278.º são posteriores ao encerramento do inquérito e o superior hierárquico, para decidir, não tem que fazer qualquer diligência, pois considera que existem elementos suficientes no processo para poder ser formulada a acusação ou entende que devem ser feitas outras diligências.
 
Com efeito, como diz MAIA GONÇALVES[64], «[n]o prazo referido neste artigo [278.º], o despacho de arquivamento é revogável pelo superior, sem quaisquer restrições, portanto mesmo só com os elementos de prova carreados para o processo, a até com outro tratamento de direito da matéria de facto apurada. Decorrido esse prazo, já o superior hierárquico imediato não pode intervir nos termos deste artigo, mas só eventualmente determinar a reabertura do inquérito, se se verificarem os pressupostos do art. 279.º».
 
Consequentemente, pelo exposto, e com este fundamento, não se justificaria que o prazo fosse meramente ordenador.
 
Portanto, a intervenção do “imediato superior” só pode ter lugar no prazo (peremptório) de 20 dias «a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida», ou seja, a partir do dia seguinte àquele em que terminou o prazo durante o qual podia ser requerida a instrução.
 
5. O n.º 2 do artigo 278.º é novo, pois foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, mas, no essencial, parece limitar-se a clarificar que o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem requerer a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público[65], desde que optem por não requerer a abertura da instrução, e a indicar o prazo durante o qual pode ser requerida a intervenção hierárquica.
 
Não há agora qualquer dúvida de que estes têm legitimidade para requerer a intervenção hierárquica. Assim, após o despacho de arquivamento, nos termos referidos, e nos aludidos prazos, além da intervenção oficiosa pode ter lugar a intervenção hierárquica provocada.
 
Mas, o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente só podem requerer a intervenção do imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público desde que não requeiram a abertura da instrução. Com efeito, se tiverem requerido a abertura da instrução, fica precludido o direito de requererem a intervenção hierárquica, como se disse
 
O arguido não tem aqui qualquer intervenção. Mas o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente podem optar por uma de três soluções, depois de notificados do despacho de arquivamento do inquérito: nada dizer; requerer a abertura da instrução; requerer a intervenção hierárquica.
 
Portanto, se não quiserem requerer a instrução, podem suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do n.º 1. E podem fazê-lo no mesmo prazo em que poderiam ter requerido a instrução. E esta pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação do despacho de arquivamento[66] [artigos 287.º, n.º 1, alínea b) e 278.º, n.º 2].
 
Poderia pensar-se que este prazo seria contado a partir da data em que a abertura da instrução já não pudesse ser requerida. Mas não é assim: este prazo é o concedido ao imediato superior hierárquico para decidir, como resulta da primeira parte do n.º 1 («por sua iniciativa ou a requerimento do assistente…»).
 
Com efeito, neste artigo são previstos dois prazos, ambos de 20 dias: o referido no n.º 1 é aquele em que o imediato superior hierárquico deve decidir; o referido no n.º 2 apenas poderá reportar-se ao prazo em que pode ser requerida a abertura da instrução. É que não faria o menor sentido conceder-se ao superior hierárquico um prazo para decidir coincidente com o prazo concedido ao assistente para requerer a intervenção hierárquica (caso contrário o legislador teria concedido prazos diferentes para a decisão – conforme fosse oficiosa ou provocada).
 
Mas, e isto é muito importante, se o assistente pudesse beneficiar deste prazo, o imediato superior hierárquico dificilmente poderia decidir em tempo, como é óbvio, pois frequentemente seriam entregues requerimentos no último dia do prazo. E, como estabelece o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
 
6. Como vimos, há quem entenda que o prazo de 20 dias só é peremptório nos casos de intervenção oficiosa. E isto porque, sendo o requerimento do assistente feito em igual prazo, o imediato superior não poderia decidir nesse período de tempo. E assim seria se, efectivamente, a intervenção pudesse ser requerida depois de terminado o prazo estipulado para o requerimento de abertura da instrução. Só que, face às razões referidas, não vemos qualquer justificação para se considerar que, no caso da intervenção hierárquica provocada, o superior hierárquico pode decidir para além do prazo fixado no n.º 1 do artigo 278.º. Antes da reforma de 2007 ainda poderiam suscitar-se dúvidas, face à redacção do artigo em causa, no qual não se fazia qualquer referência aos prazos em que, eventualmente, o assistente poderia requerer a intervenção. O n.º 2 explicita agora que o assistente e o denunciante com a possibilidade de como tal se constituir, podem suscitar a intervenção hierárquica, ao abrigo do n.º 1, «no prazo previsto para aquele requerimento», ou seja, no prazo em que podiam ter requerido a instrução.
 
Mas, poderia entender-se que, nos casos em que a intervenção hierárquica é provocada, o superior hierárquico não teria que intervir nesse prazo, ou seja, neste caso o prazo de 20 dias referido no n.º 1 do artigo 278.º seria meramente ordenador. Porém, parece-nos que não é isso o que resulta quer da letra da lei quer do seu espírito. Com efeito, parece-nos resultar claramente do texto daquelas disposições legais que o prazo concedido ao assistente e ao denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade é o prazo em que podiam requerer a abertura da instrução. E bem se compreende que assim seja, pois a eles compete optar por uma daquelas soluções, nada justificando que lhes sejam concedidos dois prazos (um para requerem a abertura da instrução e, seguidamente, outro para requererem a intervenção hierárquica, quando é certo que só podem requerer uma daquelas providências). Na altura própria, o interessado terá que optar entre requerer a intervenção hierárquica e a intervenção judicial, dispondo de um prazo considerado suficiente para o efeito pelo legislador. Passado esse prazo, seguem-se os termos da instrução (e o superior hierárquico já não poderá intervir) ou então, o imediato superior hierárquico do magistrado autor do despacho tem de decidir no prazo de 20 dias.
 
No n.º 1 do artigo 278.º diz-se muito claramente que no prazo de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não pode ser requerida, o imediato superior hierárquico pode, «por sua iniciativa ou a requerimento (…) determinar que seja formulada acusação ou que as investigações prossigam…». Daqui parece resultar sem margem para dúvidas que o prazo de 20 dias nele previsto se aplica, quer nos casos em que a intervenção é oficiosa, quer nos casos em que é provocada.
 
E se, como vimos, é entendimento generalizado de que em relação à intervenção oficiosa o prazo é peremptório, não se vêm razões plausíveis para se admitir que seja diferente quando a intervenção é provocada.
 
Fixou-se um prazo para os interessados poderem optar entre a via judicial e a intervenção da hierarquia do Ministério Público. No prazo seguinte será proferida decisão pelo imediato superior hierárquico, justificando-se plenamente que exista um único prazo para ambos os casos.
 
A este propósito pode ler-se no preâmbulo do Código: «Mesmo no contexto de uma apresentação sumária, não pode deixar de sublinhar-se outra das modificações que esteve na primeira linha dos trabalhos da reforma: a procura de uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal». E ainda: «acresce que a celeridade é também reclamada pela consideração dos interesses do próprio arguido, não devendo levar-se a crédito do caso o facto de a Constituição, sob influência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, lhe ter conferido o estatuto de um autêntico direito fundamental. Há pois que reduzir ao mínimo a duração de um processo que implica sempre a compressão da esfera jurídica de uma pessoa que pode ser – e tem mesmo de presumir-se – inocente».
 
E refere-se ainda nesse preâmbulo que o Código assume a «ideia-mestra segundo a qual o processo penal tem por fim a realização da justiça no caso, por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.» E procura-se da mesma forma alcançar «uma maior celeridade e eficiência na administração da justiça penal».
 
Há, pois, que ter em consideração que não estão em causa apenas os direitos do assistente, mas também os direitos o arguido. E este tem direito a ver esclarecida a sua situação em prazo razoável.
 
Portanto, tendo em consideração as dúvidas que se levantavam no domínio da legislação anterior a 2007, e que sendo agora a filosofia do código orientada pela preocupação da celeridade processual, não se justificaria que este prazo fosse meramente ordenador. A razão de ser é a mesma.
 
Sobre a questão escreve PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE[67]:
 
«A reclamação deve ser interposta no prazo máximo de quarenta dias contados desde a notificação do despacho de arquivamento ao assistente e ao denunciante com faculdade de se constituir assistente.
O superior hierárquico pode intervir a dois títulos: a título oficioso, só no prazo de vinte dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida; ou a requerimento, que pode ser apresentado pelo assistente ou pelo denunciante no prazo de quarenta dias contados da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida[68]. Dito de outro modo, quer o superior hierárquico quer o reclamante podem desencadear a intervenção hierárquica no prazo de vinte dias a contar da data em que a abertura de instrução já não puder ser requerida, mas só o reclamante pode suscitar essa intervenção dentro do prazo previsto para o requerimento de abertura da instrução. Assim se garante simultaneamente um prazo de reclamação alargado e o direito de abertura da instrução».
 
Mas, como vimos, não nos parece que a intervenção possa ser requerida no prazo a que alude o n.º 1. Por um lado, porque cremos ser essa a única interpretação possível face a letra da lei[69] (que concede um único prazo de 20 dias) e, por outro, a ser assim, os prazos de decisão e de requerimento de intervenção seriam, em parte, coincidentes. Parece não haver dúvidas de que o prazo para a decisão é de 20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida. Se a intervenção hierárquica ainda pudesse ser requerida nesse prazo, o superior hierárquico não disporia, em muitos casos, de qualquer prazo, pois os requerimentos poderiam ser apresentados no último dia do prazo. Pelo contrário, se os interessados apenas puderem requerer a intervenção no prazo em que podiam requerer a abertura da instrução, o superior hierárquico poderá pronunciar-se no mesmo prazo (20 dias a contar da data em que a abertura da instrução já não pode ser requerida) quer oficiosamente, quer a requerimento. Daí que não compreendamos a alusão ao prazo de 40 dias (20+20), pois a lei concede um único prazo de 20 dias.
 
No C.P. Penal anotado pelos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto citado comenta-se: «Com a redacção dada pela Lei n.º 48/2007 ao artigo 278.º do CPP, o prazo de 30 dias anteriormente previsto para a intervenção hierárquica, foi alargada para o total de 40 dias. Actualmente a intervenção hierárquica pode ser requerida pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente no prazo de quarenta dias a contar da notificação do despacho de arquivamento. Isto é, nos termos do n.º 1 do art. 278.º, o imediato superior hierárquico do Ministério Público pode intervir a título oficioso no prazo de vinte dias a contar da data em que a abertura da instrução já não puder ser requerida ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir assistente (20+20)» (pág. 698).
 
Porém, como se disse, não vemos como possa defender-se que os interessados disponham do prazo de 40 dias para requererem a intervenção hierárquica, face à redacção da parte final do n.º 2 do artigo 278.º. O prazo aí previsto é, claramente, de 20 dias.
 
Não vemos, pois, que o imediato superior hierárquico possa decidir para além do prazo de 20 dias, mesmo quando a intervenção é provocada. Ainda pelas razões apontadas, não se vê que os interessados disponham do prazo de 40 dias, como alguns defendem. A lei fixou em termos claros, por um lado, o prazo em que pode ser suscitada a intervenção e, por outro, o prazo para o superior hierárquico decidir. Os prazos são sucessivos, e ambos de 20 dias.
 
Portanto, o n.º 1 do artigo 278.º prevê um único prazo para a prolação da decisão do superior hierárquico, quer se trata de fiscalização oficiosa ou de fiscalização provocada. E o n.º 2 fixa um prazo para a apresentação do requerimento pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade, sendo este (de 20 dias) coincidente com o prazo para requerer a abertura de instrução, de que é alternativo (nestes casos a decisão do superior hierárquico apenas poderá ter lugar no prazo de 20 dias a contar do termo daquele prazo).
 
É certo, como diremos, que, no caso de o requerimento ser apresentado fora deste prazo, sempre o superior hierárquico poderá tomá-lo em consideração, mas apenas como se de um “alerta” se tratasse no sentido de ele suscitar oficiosamente a questão. Trata-se, contudo, de uma questão completamente diferente.
 
7. Esta conclusão resulta ainda da conjugação dos artigos 278.º e 279.º, prescrevendo este:
 
«Artigo 279.º
Reabertura do inquérito
 
              1. Esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior, o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento.
              2. Do despacho do Ministério Público que deferir ou recusar a reabertura do inquérito há reclamação para o superior hierárquico imediato.
 
Daqui se infere desde logo que foi fixado um prazo determinado para a decisão do superior hierárquico nos termos do artigo 278.º, ou seja, o prazo de 20 dias nele previsto é peremptório, quer se trate de intervenção oficiosa, quer se trate de intervenção provocada. Doutro modo não vemos como seria possível contar esse prazo. Se não fosse assim, no artigo 279.º o legislador teria dito qualquer coisa como: «após a decisão referida no artigo anterior, o inquérito só pode ser reaberto se…». A verdade é que foi feita referência expressa ao termo final de um prazo.  Até ao termo daquele prazo haverá sempre possibilidade de o imediato superior hierárquico proferir decisão no sentido da formulação da acusação ou do prosseguimento das investigações, conforme os casos. E, esgotado esse prazo, é natural que o inquérito apenas possa ser reaberto se e quando surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público no despacho de arquivamento. A paz jurídica é um valor deveras importante e, por isso, deve ser preservada, pelo que não é qualquer novo facto surgido após o despacho de arquivamento que justifica a reabertura do inquérito. Aqui não estão em causa apenas os direitos do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade, mas também os direitos do arguido, como vimos. Também por isso se justifica que seja fixado um prazo peremptório para o imediato superior hierárquico proferir a sua decisão.
 
Esta reabertura pode ser feita oficiosamente ou a pedido de algum interessado, com legitimidade para o efeito. E do despacho (do magistrado do Ministério Público titular do processo) que deferir ou recusar a reabertura do inquérito cabe reclamação para o imediato superior hierárquico. Ou seja: a reclamação pode ser feita por quem viu o seu requerimento indeferido, ou, no caso de deferimento, por quem se sentir lesado pela reabertura do inquérito (e, obviamente, tenha para tanto legitimidade).
 
Trata-se aqui, em qualquer caso, de uma verdadeira reclamação para o imediato superior hierárquico. Mas o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova e depois de «esgotado o prazo a que se refere o artigo anterior». Daí que, também por essa razão, se deva entender que o prazo de 20 dias a que alude o n.º 1 do artigo 278.º se aplica tanto no caso de intervenção oficiosa como no caso de intervenção provocada.
 
IX
 
1. Mas o interessado, nesse mesmo prazo, caso não tenha requerido a abertura da instrução e por qualquer razão não tenha podido requerer em tempo a intervenção hierárquica, sempre poderá “alertar” o superior hierárquico, caso este não tenha tomado a iniciativa. Todavia, neste caso, o superior hierárquico não tem o dever de se pronunciar sobre esse requerimento, por ser extemporâneo. Se o fizer, tudo se passará como se fosse dele a iniciativa. O direito do denunciante a requerer a intervenção provocada extinguiu-se pelo decurso do prazo.
 
2. Outra questão prende-se, naturalmente, com a dificuldade que o imediato superior hierárquico possa ter em decidir em tempo útil, face à eventual acumulação de serviço. Mas a solução não deverá passar pela atribuição àquele prazo de uma natureza meramente ordenadora. Deverá antes atribuir-se ao acto carácter de urgência e determinar-se que o superior hierárquico seja imediatamente informado da decisão tomada.
 
 
X
 
Pelo exposto formulam-se as seguintes conclusões:
 
1. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, mas os seus magistrados são hierarquicamente subordinados, consistindo essa hierarquia na subordinação, nos termos da lei, dos de grau inferior aos de grau superior e na consequente obrigação de acatamento das directrizes, ordens e instruções recebidas (nºs 1 e 3 do artigo 76.º do Estatuto do Ministério Público e nºs 2 e 4 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa), e os despachos por eles proferidos são passíveis de reapreciação, estando sujeitos ao controlo do seu imediato superior hierárquico, em conformidade com o disposto nos artigos 278.º e 279.º do Código de Processo Penal;
 
2. No prazo de 20 dias a contar da data em que já não puder ser requerida a abertura da instrução, o imediato superior hierárquico do magistrado do Ministério Público que tiver proferido o despacho de arquivamento do inquérito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 277.º do Código de Processo Penal pode, por sua iniciativa ou a requerimento do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade, determinar que seja formulada a acusação ou que as investigações prossigam, devendo, neste caso, indicar as diligências que reputa necessárias e o prazo para a sua realização;
 
3. O assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade só podem requerer a intervenção do imediato superior hierárquico, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Penal, no prazo (de vinte dias) em que podiam ter requerido abertura da instrução nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º do mesmo código;
 
4. O prazo referido na conclusão n.º 2 (e no n.º 1 do artigo 278.º) é sempre contado a partir do dia seguinte àquele em que tiver terminado o prazo em que podia ser requerida a abertura da instrução, independentemente de a intervenção hierárquica ser oficiosa ou ter sido requerida pelo assistente ou pelo denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade;
 
5. Este prazo é peremptório, quer nos casos em que a intervenção hierárquica é oficiosa, quer quando é requerida por quem tenha legitimidade para o efeito, pelo que o imediato superior hierárquico não poderá decidir após o seu decurso;
 
6. O assistente ou o denunciante com a faculdade de se constituir nessa qualidade não podem requerer cumulativa ou sucessivamente a abertura da instrução e a intervenção hierárquica, tendo que optar por uma delas.
 
 
ESTE PARECER FOI VOTADO NA SESSÃO DO CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, DE 16 DE SETEMBRO DE 2010.
 
Fernando José Matos Pinto Monteiro – José David Pimentel Marcos (Relator) – Alberto Esteves Remédio – Manuel Pereira Augusto de Matos – José Luís Paquim Pereira Coutinho – Fernando Bento – António Leones Dantas (com voto de vencido em anexo) – Maria Manuela Flores Ferreira.
 
Vencido no que se refere à matéria da conclusão 5.ª, na parte em que da mesma decorre que o superior hierárquico do Magistrado subscritor do despacho de arquivamento não pode decidir o pedido de intervenção que tenha sido formulado pelo assistente ou denunciante com a faculdade de se constituir assistente, fora do prazo referido no n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Penal.
 
A revisão do Código de Processo Penal, decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao introduzir o n.º 2 daquele artigo 278.º, não se limitou a reafirmar o pedido de intervenção hierárquica do assistente ou denunciante com a faculdade de se constituir como tal, como forma de reacção ao arquivamento alternativa da instrução, mas reintroduziu, de facto, no sistema processual penal português a figura da reclamação hierárquica.
 
Esta figura surge, assim, como uma solução autónoma da intervenção hierárquica oficiosa que vinha da versão inicial do artigo 278.º daquele código e terá de ser tratada processualmente em termos diversos, por força da sua diferente natureza.
 
Na verdade, a intervenção oficiosa, tal como concebida na versão inicial do artigo 278.º do Código de Processo Penal, ocorre no contexto de uma relação interna da Magistratura do Ministério Público, no âmbito dos poderes de fiscalização atribuídos ao superior hierárquico e só terá expressão no processo se o superior hierárquico entender que deve alterar o sentido da decisão proferida pelo Magistrado titular do mesmo.
 
Trata-se de uma intervenção que se pode configurar como não processual, ocorrendo fora dos estritos termos do processo. Ao processo interessará apenas a decisão do superior hierárquico quando não concorde com os termos da decisão de arquivamento proferida, podendo determinar a continuação das investigações, ou a dedução de acusação.
 
Ao contrário, a intervenção na sequência de um pedido do assistente ou do denunciante com a faculdade de se constituir como assistente, ocorre no contexto de conflito no processo acerca da decisão de encerramento proferida, conflito este que terá de ser tratado no âmbito do mesmo e dará origem a tramitações processuais e a decisões, a notificar a todos os sujeitos processuais, incompatíveis com a informalidade de tramitação que está subjacente à intervenção oficiosa.
 
Ora, a integração no processo do litígio acerca decisão de encerramento, litígio que não existe na intervenção oficiosa, acarreta termos processuais incompatíveis com a dimensão do prazo fixado no referido n.º 1 do artigo 278.º e que não existem na intervenção oficiosa.
 
Na verdade, não faz sentido, por exemplo, que o Magistrado visado com o pedido de intervenção não se pronuncie antes da intervenção do superior hierárquico, na qualidade de magistrado responsável pelo processo e pela decisão atacada, nomeadamente para tomar posição sobre os motivos da divergência subjacentes àquele pedido de intervenção, o que pode constituir uma base para a decisão do superior hierárquico.
 
A lealdade ente os sujeitos processuais e os membros da relação hierárquica que está subjacente à intervenção em causa impõe essa audição.
 
Deste modo, a intervenção do superior hierárquico no processo, oficiosamente, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º, ocorre em condições diversas da intervenção sugerida, nos termos daquele artigo.
 
Não pode também esquecer-se que a intervenção oficiosa decorre da discricionaridade subjacente à intervenção do superior hierárquico, o qual no caso da intervenção a pedido não poderá deixar de tomar posição face à mesma, o que é incompatível com qualquer expediente avulso, e terá forçosamente que ocorrer no processo.
 
No que se refere à intervenção hierárquica, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º, face à natureza atribuída ao prazo previsto naquela disposição legal, pode aceitar-se que a mesma já não possa ocorrer para além do termo do daquele prazo.
 
Contudo, no que se refere à intervenção do superior hierárquico a pedido, ela será decidida, uma vez cumpridos os termos processuais que a deverão integrar, dentro do prazo normal para prolação dos despachos dos Magistrados do Ministério Público, cujo incumprimento origina apenas as consequências que decorrem da natureza meramente ordenativa dos mesmos.
 
De facto, a processualização dessa intervenção retira-a do espaço do n.º 1 do artigo 278.º e das preocupações subjacente à forma de intervenção ali prevista para a configurar como acto decisório de um incidente processual.
 
É o que se passa com a intervenção hierárquica referida no n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo penal que é tratada como um incidente processual e em que a decisão do superior hierárquico do magistrado responsável pelo processo é decidida num prazo sujeito ao regime normal dos prazos de natureza ordenativa, que nada têm a ver com a natureza do prazo referido no n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Penal.
 
A sujeição da decisão do superior hierárquico proferida nos casos de intervenção não oficiosa ao prazo previsto no n.º 1 deste artigo 278.º, é contrária à natureza incidental dessa forma de intervenção e neutraliza a intenção legislativa de a consagrar como uma solução alternativa à instrução na sindicância das decisões de arquivamento do inquérito, proferidas nos termos do artigo 277.º do Código de Processo Penal.
 
Termos em que a mencionada conclusão 5.º do presente parecer não merece a minha adesão.
 

 
[1]    Neste número segue-se em boa parte (e por vezes textualmente) o parecer n.º 119/2004, de 16 de Dezembro de 2004, no qual foi citado o parecer n.º 499/2000, de 17 de Junho de 2004, que também aí se acompanhou de perto.
[2]    Assim, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, pp. 22-26, JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal no novo Código de Processo Penal, Universidade Católica, Porto, 1993, pp. 94-96, e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 117/120.
[3]    Neste sentido, v. CUNHA RODRIGUES, entrada «Ministério Público», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. V, Lisboa, 1993, p. 540, e Em Nome do Povo, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 99, e ANTÓNIO CLUNY, Pensar o Ministério Público Hoje, Edições Cosmos, Lisboa, 1997, pp. 149-150. Sobre o estatuto do Ministério Público, cfr. ainda, v.g., MANUEL SIMAS SANTOS, «Ministério Público: Estatuto e organização», Revista do Ministério Público (RMP), ano 9º (1988), nos 35 e 36, pp. 9 ss., e EDUARDO MAIA COSTA, «O modelo português do Ministério Público: autonomia e centralismo», RMP, ano 16º (1995), nº 63, pp. 151 ss.
[4]    CUNHA RODRIGUES, Em Nome do Povo, Coimbra Editora, 1999, pág. 105
[5]    Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, rectificada pela Declaração publicada no Diário da República (DR), I, de 14 de Novembro de 1986, e alterada pelas Leis nos 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto (que passou a adoptar a designação de Estatuto do Ministério Público e que foi rectificada pela Declaração de Rectificação nº 20/98, de 2 de Novembro), 42/2005, de 29 de Agosto, 67/2007, de 31 de Dezembro, 52/2008, de 28 de Agosto, e 37/2009, de 20 de Julho.
[6]    Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª Edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009. pág. 140.
[7]    GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 2000, vol. I, pág. 244.
[8]    A expressão “inamovibilidade” foi utilizada por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, comentando o equivalente anterior artigo 221º da Constituição (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 830), enquanto CUNHA RODRIGUES preferia a expressão “estabilidade”, para, assim, «conceitualmente a distinguirmos de idêntica prerrogativa que a Constituição prevê para os juízes sob a qualificação de “inamovibilidade”» (ob. cit., p. 528).
[9]    Com esta formulação, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 831.
[10]   O Conselho Superior do Ministério Público é constituído, nos termos do artigo 15º, nº 2, do Estatuto, pelo Procurador-Geral da República, pelos procuradores-gerais distritais, por um procurador-geral-adjunto, por dois procuradores e por quatro procuradores-adjuntos, todos eleitos de entre e pelos seus pares, por cinco membros eleitos pela Assembleia da República e por duas personalidades, de reconhecido mérito, designadas pelo Ministro da Justiça.
[11]   Assim, CUNHA RODRIGUES, ob. cit., pp. 548-549.
[12]   Neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 830.
[13]   Os tribunais são independentes e apenas sujeitos à lei (artigo 203.º da CRP).
[14]   Aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, alterado ao abrigo da autorização concedida pela Lei nº80/88, de 7 de Julho, pelo Decreto-Lei nº 342/88, de 28 de Setembro, e pelas Leis 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94 de 5 de Maio, 44/96, de 3 de Setembro, 81/98, de 3 de Dezembro, 143/99, de 31 de Agosto, 3-B/2000, de 4 de Abril, 42/2005, de 29 de Agosto, 26/2008, de 27 de Junho, 52/2008, de 28 de Agosto, 63/2008, de 18 de Novembro, e 37/2009, de 20 de Julho.
[15]   Ob. cit. pág. 830.
[16]   JORDE DE FIGUEIREDO DIAS, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 8. Abril-Junho 1998, pág. 205.
[17]   GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit. pág. 242.
[18]   CUNHA RODRIGUES, ob. loc. cit. págs. 113/114.
[19]   O processo penal processa-se em três momentos distintos: o inquérito (presidido pelo Ministério Público), a instrução (facultativa – podendo ser requerida pelo arguido ou pelo assistente - presidida pelo juiz de instrução e (se for caso disso) o julgamento.
[20]   Sobre o modelo de hierarquia na organização do Ministério Público, Revista do Ministério Público, Ano 16, Abril-Junho 1995, n.º 62, pág. 24.
[21]   Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2009, pág. 723 (nota 5).
[22]   Ministério Público, hierarquia e processo penal, Revista do Ministério Público, Cadernos 6, pág. 88, e ainda na RMP, Ano 13, Janeiro-Março, 1992, n.º 49, Impugnação das decisões do Ministério Público no inquérito, pág. 77.
[23]   Ob. cit. pág. 230/231.
[24]   Coimbra Editora, 2009, pág. 698.
[25]   Código de Processo Penal, 4.ª Edição, Almedina, 1980, pág. 760.
[26]   Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág. 406/407.
[27]   «Impugnação dos Despachos do Ministério Público em Inquérito, Meios de Intervenção Hierárquica, Reclamação, Recorribilidade» – Revista do Ministério Público, n.º 43, págs. 87/88.
[28]   Neste sentido ALBERTO AUGUSTO ANDRADE DE OLIVEIRA, ob. cit. pág. 89.
[29]   Revista do Ministério Público, Ano 16, Abril-Junho 1995, nº 62, pág. 24.
[30] Ministério Público, hierarquia e processo penal – Revista do Ministério Público – Cadernos, 6, pág. 88, e Impugnação das Decisões do Ministério Público no Inquérito – Revista do Ministério Público, n.º 49, pág. 76.
[31]   Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, Coimbra Editora, 2003, pág. 290, nota 92.
[32]   O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra – 1995, pág. 76.
[33]   Coimbra Editora, 2009, pág. 697.
[34]  Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, Almedina, 14.ª Edição, 2004, pág. 560.
[35]   Portanto ainda na vigência da redacção dada a vários artigos do CPP pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
[36]   Colectânea de Jurisprudência (STJ) Ano XII, Tomo III/2004, pág. 246.
[37]   Disponível na Internet.
[38]   Este acórdão foi publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano 2002, Tomo IV, pág. 134, e nele foram referidos outros acórdãos da mesma e doutras Relações que teriam decidido no mesmo sentido.
[39]   A título de exemplo: HENRIQUES GASPAR, RMP n.º 49 citada, pág. 76.
[40]   Cremos ser tese defendida no voto de vencido.
[41]   E discutia-se mesmo se era admissível a intervenção hierárquica provocada, como ficou dito.
[42]   Ob. cit. pág. 724.
[43]   Nos casos de intervenção oficiosa, como se disse, não se suscitam dúvidas desde a primitiva redacção.
[44]   Como estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 53.º, compete ao Ministério Público receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes.
[45]   GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2000, pág. 72.
[46]   O inquérito pode ainda ser encerrado nas hipóteses previstas nos artigos 280.º (arquivamento em caso de dispensa de pena) e 281.º e 282.º (suspensão provisória do processo).
[47]   PAULO DÁ MESQUITA, ob. cit, pág. 85.
[48]   Esta decisão não é susceptível de impugnação (artigo 281.º, n.º 5).
[49]   Neste caso, a decisão de arquivamento também não é susceptível de impugnação (artigo 280.º, n.º 3).
[50]   Ob. cit. (17.ª Edição), pág. 662.
[51]   A intervenção hierárquica só tem lugar nos casos em que o arquivamento é feito pelos fundamentos a que alude o artigo 277.º (mas não nos arquivamentos em caso de dispensa de pena - artigo 280.º - e nos casos de suspensão do processo - artigo 281.º).
[52]   ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 63.
[53]  Ibidem
[54]   No acórdão do Plenário das secções criminais do STJ, n.º 2/96, de 6 de Dezembro de 1995, foi fixada doutrina obrigatória no sentido de que em processo penal não há prazos dilatórios: «a disciplina autónoma do processo penal em matéria de prazos prescinde da figura da dilação, pelo que a abertura da instrução tem de ser requerida no prazo, peremptório, de cinco dias, previsto no n.º 1 do artigo 287.º do Código de Processo Penal».
[55]   GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 2008, Vol. II, págs. 59/60.
[56]   Curso de Processo Penal, Editora Danúbio, Ldª, 1986, pág. 184.
 
[57]   No entanto, nos nºs 4 a 6 do artigo 276.º prevê-se que o imediato superior hierárquico pode avocar o processo, o qual dá sempre conhecimento ao Procurador-Geral, ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito, e ainda que o Procurador-Geral da República, recebida essa comunicação, pode determinar a aceleração processual nos termos do artigo 109º.
[58]   Ob. cit. pág. 293.
[59]   Das informações recebidas dos vários círculos judiciais não consta que tenha sido defendida solução diferente, à semelhança do que sucede, como vimos, com a existência de um único grau da estrutura hierárquica do Ministério Público.
[60]   E já era também assim antes da Lei n.º 48/2007.
[61]   Intervenção hierárquica em processo penal - Escusa de superior hierárquico – Suspensão da instância início do prazo, RMP Ano 18, n.º 71, pág. 130.
[62]   Ob. cit. pág. 290.
[63]   Ob. cit. pág. 724
[64]   Ob. cit. (17.ª Edição), pág. 662.
[65]   Na primitiva redacção, a questão foi muito discutida, como se viu, embora menos após a Lei n.º 59/98.
[66]   É um prazo peremptório, pois o seu decurso faz extinguir o direito à prática do acto – Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 2/96, de 6 de Dezembro de 1995, Diário da República, I série-A, de 10 de Janeiro de 1996.
[67]   Ob. cit. pág. 723.
[68]   Aqui parece haver lapso, pois, a ser assim, a intervenção poderia ser requerida 20 dias depois de expirado o prazo a que alude o n.º 1 do artigo 278.º. Supomos que se terá querido referir o prazo em que pode ser requerida a abertura da instrução.
[69]   Interpretação diferente da que vimos defendendo não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.º 9.º, n.º 3, do C. Civil).
Anotações
Legislação: 
CRP ART216 N2, ART219; CPP ART219, ART262 N1, ART263, ART278 N1, ART279, ART287; L 47/86 DE 1986/10/15 ART2 N2, ART75, ART76 N1 E N3, ART79 N2; L 2/90 DE 199001/20; L 21/85 DE 1985/07/30; DL 342/88 DE 1988/09/28; L 2/90 DE 1990/01/20; L 10/94 DE 1994/05/05; L 44/96 DE 1996/09/03; L 81/98 DE 1998/12/03; L 143/99 DE 1999/08/31; L 3-B/2000 DE 2000/04/04; L 42/2005 DE 2005/08/29; L 26/2008 DE 2008/06/27; L 52/2008 DE 2008/08/28; L 63/2008 DE 2008/11/18; L 37/2009 DE 2009/07/20; DL 35007 DE 1945/10/13 ART23 E SEGS; DL 321/76 DE 1976/05/04; DL 605/75 DE 1975/11/01; DL 377/77 DE 1977/09/06; L 59/98 DE 1998/08/25
Jurisprudência: 
AC STJ DE 2004/12/15; AC STJ DE 2007/01/17; AC TRL DE 2002/10/15; AC TC DE 2004/07/15
Referências Complementares: 
DIR PENAL
Divulgação
Data: 
08-11-2012
Página: 
36626
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