Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
24/2007, de 04.09.2008
Data de Assinatura: 
04-09-2008
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério dos Negócios Estrangeiros
Relator: 
MANUEL MATOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
ESTATUTO
REFUGIADO
APÁTRIDA
APATRIDIA
ASILO
CIDADANIA PORTUGUESA
NACIONALIDADE
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
PERDA DE NACIONALIDADE
Conclusões: 
1.ª Como se concluiu em anteriores informações, não se vislumbram objecções de natureza jurídica a opor à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954;

2.ª A Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, assinada em Nova Iorque, em 30 de Agosto de 1961, não se apresenta em geral desconforme com o ordenamento jurídico português nos planos constitucional e infraconstitucional;

3.ª O instrumento referido na conclusão anterior merece as considerações e observações constantes no ponto VI.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:





I

Por ofício subscrito pelo Chefe do Gabinete de Sua Excelência o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, visando eventual adesão da República Portuguesa à «Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas» e à «Convenção relativa à Redução dos Casos de Apátridas», solicita-se a «confirmação (…) do parecer relativo à primeira Convenção» e a emissão de «um parecer relativo à segunda Convenção»[1].

Tendo Vossa Excelência determinado a sua distribuição pelo Conselho Consultivo[2], cumpre emitir parecer, o qual, por força das limitações decorrentes do Estatuto do Conselho Consultivo, com competência restrita a matéria de legalidade [artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público[3]], visa essencialmente a compatibilidade do texto daquelas Convenções com as normas e princípios da ordem jurídica portuguesa, designadamente os princípios constitucionais.


II

1. A Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954, foi examinada na informação-parecer, datada de 9 de Julho de 1982, prestada no processo n.º 74/82 deste Conselho Consultivo, tendo aí sido tiradas as seguintes conclusões:

«1.ª – Não há objecções de natureza jurídica a opor à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954;
2.ª – É de ponderar a formulação de uma reserva semelhante à que se estabelece no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 43 201, de 1 de Outubro de 1960, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 281/76, de 17 de Abril, quanto à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de Julho de 1951.»

Com vista à eventual adesão do nosso País a esta Convenção, é solicitada a confirmação daquela informação-parecer.

2. Refira-se que este Conselho Consultivo já teve o ensejo de emitir outras informações complementares sobre este instrumento de Direito Internacional, sempre tendo-se em vista uma eventual adesão ao mesmo.

2.1. Assim, dada a pretensão da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros em ser habilitada «com a tradução para português, em adequada linguagem jurídica, da Convenção relativa ao estatuto dos apátridas» e, bem assim, com «um projecto do texto da reserva que no entender da Procuradoria-Geral da República seja de formular à referida Convenção», foi elaborada informação complementar[4] onde se concluiu:

«Caso se entenda formular, ao abrigo do artigo 38.º, uma reserva à Convenção relativa ao estatuto dos apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954, o seu texto poderá acompanhar o da reserva formulada à Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, assinada em Genebra em 28 de Julho de 1951, ou ao Protocolo de Nova Iorque, de 31 de Janeiro de 1967, adicional à mesma Convenção, constantes, respectivamente, dos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 281/76, de 17 de Abril.»

2.2. Posteriormente, «[c]om vista à reabertura, face à nova legislatura, do processo de adesão à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas», solicitou o Ministério dos Negócios Estrangeiros à Procuradoria-Geral da República «informações sobre a eventual confirmação» da informação-parecer n.º 74/82.

Foi então elaborada uma segunda informação complementar[5], onde se ponderou:

«Na informação-parecer n.º 74/82 fez-se apelo a alguns preceitos constitucionais, a saber: artigos 15.º, n.º 1 (os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português), 16.º, n.º 2 (os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem), e 22.º (é garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas).

Operada que foi a revisão constitucional – Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro –, revela-se de interesse averiguar se, na matéria, foram introduzidas alterações que importe realçar.

Feita a indagação, facilmente se pode constatar que os citados preceitos constitucionais têm uma correspondência quase textual na Constituição revista – cfr., respectivamente, os artigos 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 33.º, n.os 5 e 6.

O mesmo se diga no plano do direito ordinário, sendo aqui de sublinhar que os diplomas citados na informação-parecer n.º 74/82 – Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto, e Decreto-Lei n.º 281/76, de 17 de Abril – não sofreram qualquer modificação relevante para o domínio em que nos situamos (cfr., porém, o Decreto-Lei n.º 415/83, de 24 de Novembro).

Como assim, podemos afirmar que a evolução do ordenamento jurídico português, posteriormente à elaboração da referida informação-parecer, não postula alteração alguma às conclusões então alcançadas».

Na sequência, foi ali formulada a seguinte conclusão:

«Em face do exposto, reiteram-se as conclusões firmadas tanto na informação-parecer n.º 74/82, de 9 de Julho de 1982, como na que foi elaborada, em seu complemento, aos 23 de Maio de 1983.»

2.3. O Ministério dos Negócios Estrangeiros veio, de novo, solicitar «informações sobre a eventual confirmação» da informação-parecer prestada em 9 de Julho de 1982, referindo, tal como em Maio de 1986, que se tem em vista «a reabertura do processo de adesão à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas».

O pedido foi examinado no processo 55/89, tendo sido elaborada a informação-parecer com data de 20 de Setembro de 1989, na qual se considerou que:

«No plano do direito ordinário, nenhuma alteração significativa se verificou.

Em sede de direito constitucional, importa referir a revisão levada a cabo pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho.

Na informação-parecer n.º 74/82 invocaram-se os atinentes preceitos constitucionais: artigos 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 33.º, n.os 5 e 6.

Operada a revisão constitucional de 1982, veio a entender-se (informação de 30/7/86) que os referidos normativos tinham uma correspondência quase textual na Constituição revista (cfr., respectivamente, os artigos 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 33.º, n.os 5 e 6).

No que concerne à segunda revisão da Constituição, dela não resultou qualquer alteração para os referidos artigos (cfr. artigo 19.º da Lei Constitucional n.º 1/89).

Nestes termos, conclui-se que se mantêm válidos os pressupostos em que assentaram as anteriores informações.»

3. Aplicando a metodologia utilizada nas informações anteriores, cumpre determinar se ocorreram alterações relevantes, quer nas invocadas normas constitucionais, quer no direito ordinário, susceptíveis de determinarem a modificação das conclusões ali tiradas.

Relativamente aos preceitos constitucionais invocados nas anteriores informações, há que referir que não ocorreram alterações substanciais com as revisões da Constituição operadas desde 1989.

Assim, mantém-se o princípio constitucional, consagrado no artigo 15.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual «Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português».

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, comentando este preceito constitucional, sublinham que ele «inscreve-se na orientação mais avançada quanto ao reconhecimento de direitos fundamentais a estrangeiros e apátridas que se encontrem ou sejam residentes em Portugal. A Constituição, salvo as excepções do n.º 2, não faz depender da cidadania portuguesa o gozo dos direitos fundamentais bem como a sujeição aos deveres fundamentais. O princípio é o da equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses»[6].

Também se mantém o princípio, referido nas anteriores informações, da interpretação e da integração dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º, n.º 2, da Constituição).

Finalmente, o artigo 33.º da Constituição, sobre a extradição, expulsão e direito de asilo acolhe presentemente nos seus n.os 2 e 8, nos mesmos termos, as garantias que, na redacção decorrente da revisão de 1989, estavam consagradas nos n.os 5 e 6.

Quanto aos diplomas legais também invocados, tem permanecido inalterado o Decreto-Lei n.º 281/76, de 17 de Abril, registando-se, em contrapartida, uma acentuada intervenção do legislador no âmbito do direito de asilo e estatuto dos refugiados.

Assim, a Lei n.º 38/80, de 1 de Agosto, foi expressamente revogada pela Lei n.º 70/93, de 29 de Setembro, revogada, por sua vez, pela Lei n.º 15/98, de 26 de Março, diploma que, segundo a respectiva epígrafe, veio estabelecer um novo regime jurídico-legal em matéria de asilo e refugiados[7].

Muito recentemente, a Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, veio estabelecer «as condições de concessão de asilo ou protecção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de protecção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas n.os 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro»[8], revogando, a partir de 30 Agosto de 2008 (artigo 88.º) a Lei n.º 15/98.

O regime jurídico quanto ao direito de asilo e estatuto dos refugiados mantém a garantia daquele direito aos estrangeiros e aos apátridas «perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana» (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008). Mantém-se ainda, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, o direito à concessão de asilo dos estrangeiros e dos apátridas que, «receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual». Esta fórmula legal reproduz, no essencial, o texto dos correspondentes artigos 1.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 55/80, 2.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 70/93 e do artigo 1.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 15/98.

O asilo por razões humanitárias, contemplado no artigo 2.º da Lei n.º 38/80, passou, a partir da Lei n.º 70/93, a constituir uma forma de protecção subsidiária em sede de autorização de residência. No essencial, os fundamentos mantêm-se (cfr. artigo 7.º da Lei n.º 27/2008).

Nesta conformidade, e como se concluiu nas anteriores informações, não se vislumbram objecções de natureza jurídica a opor à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954.



III

A Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, assinada em Nova Iorque, em 30 de Agosto de 1961, pretende concretizar a intenção expressa na Resolução n.º 896 (IX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 4 de Dezembro de 1954, no sentido da «redução do número de casos de apatridia no futuro ou para a eliminação da apatridia no futuro».

Como aí se refere, a Comissão do Direito Internacional indicara «a questão da nacionalidade, aí se incluindo a apatridia, na lista das matérias de direito internacional provisoriamente escolhidas visando a sua codificação», conferindo-lhe prioridade a pedido do Conselho Económico e Social.

Transcreve-se, em seguida, o texto integral da Convenção em análise[9]:



«CONVENÇÃO SOBRE A REDUÇÃO DOS CASOS DE APATRIDIA [[10]]

Os Estados Contratantes,
Agindo em conformidade com a resolução 896 (IX) adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 4 de Dezembro de 1954, e
Considerando desejável reduzir a apatridia mediante um acordo internacional,
Acordam no seguinte:

Artigo 1.º

1. Cada Estado Contratante concederá a sua nacionalidade ao indivíduo nascido no seu território que, de outro modo, seria apátrida. Tal nacionalidade será concedida,

a) Por nascimento ex lege, ou

b) Mediante pedido formulado à autoridade competente, por ou em nome do interessado, segundo a forma prevista pelo direito interno do Estado em causa; sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo, o pedido não pode ser rejeitado.

O Estado Contratante cuja legislação preveja a concessão da sua nacionalidade mediante pedido, em conformidade com a alínea b) do presente número, poderá igualmente conceder a sua nacionalidade ex lege na idade e nas condições estabelecidas pelo seu direito interno.

2. O Estado Contratante poderá sujeitar a aquisição da sua nacionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do presente artigo, a uma ou várias das seguintes condições:

a) Que o pedido seja formulado dentro de um prazo fixado pelo Estado Contratante com início o mais tardar no momento em que a maioridade for alcançada, não podendo o termo desse prazo ocorrer antes de perfeitos os 21 anos de idade, entendendo-se, contudo, que o interessado deve dispor de, pelo menos, um ano para formular o pedido pessoalmente e sem que para isso seja necessária a obtenção de uma autorização legal;

b) Que o interessado tenha residido habitualmente no território do Estado Contratante sem que, todavia, o período de residência fixado por este último possa ser superior a 10 anos no total ou que o período imediatamente anterior à formulação do pedido possa ser superior a 5 anos;

c) Que o interessado não tenha sido condenado por um crime contra a segurança nacional nem punido com pena privativa da liberdade de duração igual ou superior a 5 anos por ilícito criminal;

d) Que o interessado não tenha adquirido, aquando do nascimento ou em momento posterior, uma nacionalidade.

3. Não obstante o disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do presente artigo, o menor nascido no território de um Estado Contratante e cuja mãe possui a nacionalidade desse Estado, adquirirá essa nacionalidade por nascimento se, de outro modo, se tornar apátrida.[[11]]

4. Cada Estado Contratante concederá a sua nacionalidade ao indivíduo que, de outro modo, seria apátrida e que não tenha podido adquirir a nacionalidade do Estado Contratante em cujo território tenha nascido por ter passado a idade fixada para a apresentação do seu pedido ou por não reunir as condições de residência exigidas, contanto que um dos seus progenitores possua, à data do seu nascimento, a nacionalidade do referido Estado Contratante. Caso os seus progenitores não possuíssem a mesma nacionalidade aquando do seu nascimento, o direito interno do Estado Contratante cuja nacionalidade é solicitada determinará se o menor segue a condição do pai ou da mãe. Se a nacionalidade for concedida mediante pedido, este deve ser formulado à autoridade competente, por ou em nome do interessado, segundo a forma prevista pelo direito interno do Estado em causa. Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do presente artigo, tal pedido não pode ser rejeitado.

5. Cada Estado Contratante poderá subordinar a concessão da sua nacionalidade, nos termos do n.º 4 do presente artigo, a uma ou várias das seguintes condições:

a) Que o pedido seja formulado antes do interessado atingir uma idade fixada pelo Estado Contratante em causa, a qual não poderá ser inferior a 23 anos;

b) Que o interessado tenha residido habitualmente no território do Estado Contratante em causa durante um determinado período imediatamente anterior à apresentação do pedido, estabelecido por esse Estado, cuja duração não pode, contudo, ser superior a três anos;

c) Que o interessado não tenha adquirido, aquando do nascimento ou em momento posterior, uma nacionalidade.

Artigo 2.º

O menor abandonado encontrado no território de um Estado Contratante é, até prova em contrário, considerado como nascido nesse território, de progenitores possuindo a nacionalidade desse Estado.

Artigo 3.º

Para efeitos de determinação das obrigações dos Estados Contratantes, no âmbito da presente Convenção, o nascimento a bordo de um navio ou de uma aeronave é considerado, como tendo ocorrido no território do Estado cujo pavilhão o navio arvora ou no qual a aeronave está registada.


Artigo 4.º

1. Cada Estado Contratante concederá a sua nacionalidade ao indivíduo que, de outro modo, seria apátrida e que não tenha nascido no território de um Estado Contratante se, aquando do nascimento, o pai ou a mãe possuísse a nacionalidade do primeiro desses Estados. Se, nesse momento, os progenitores não tivessem a mesma nacionalidade, o direito interno desse Estado determinará se o menor segue a condição do pai ou da mãe. A nacionalidade atribuída nos termos do presente número será concedida,

a) Por nascimento ex lege, ou

b) Mediante pedido formulado à autoridade competente, por ou em nome do interessado, segundo a forma prevista pelo direito interno do Estado em causa; sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo, o pedido não pode ser rejeitado.

2. Cada Estado Contratante poderá subordinar a aquisição da sua nacionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do presente artigo, a uma ou várias das seguintes condições:

a) Que o pedido seja formulado antes do interessado atingir uma idade fixada pelo Estado Contratante em causa, não podendo essa idade ser inferior a 23 anos;

b) Que o interessado tenha residido habitualmente no território do Estado Contratante em causa durante um determinado período imediatamente anterior à apresentação do pedido, estabelecido pelo referido Estado, cuja duração não pode, contudo, ser superior a três anos;

c) Que o interessado não tenha sido condenado por um crime contra a segurança nacional;

d) Que o interessado não tenha adquirido, aquando do nascimento ou em momento posterior, uma nacionalidade.


Artigo 5.º

1. Se a legislação de um Estado Contratante previr a perda da nacionalidade em consequência de uma alteração do estado civil, tal como o casamento, a dissolução do casamento, a legitimação, o reconhecimento ou a adopção, tal perda deverá ficar dependente da posse ou da aquisição da nacionalidade de um outro Estado.

2. Se, em conformidade com a legislação de um Estado Contratante, um menor nascido fora do casamento perder a nacionalidade desse Estado na sequência de um reconhecimento de filiação, ser-lhe-á oferecida a possibilidade de a recuperar mediante um pedido formulado à autoridade competente, o qual não poderá ficar sujeito a condições mais rigorosas do que as previstas no n.º 2 do artigo 1.º da presente Convenção.


Artigo 6.º

Se a legislação de um Estado Contratante previr que a perda ou a privação da sua nacionalidade por um indivíduo tem por consequência a perda dessa nacionalidade pelo cônjuge ou pelos filhos menores, tal perda ficará dependente da posse ou da aquisição por estes últimos de uma outra nacionalidade.

Artigo 7.º

1.

a) Se a legislação de um Estado Contratante previr a renúncia da nacionalidade, a renúncia só será efectiva se o interessado possuir ou adquirir uma outra.

b) O disposto na alínea a) do presente número não se aplica sempre que a sua aplicação for incompatível com os princípios enunciados nos artigos 13.º e 14.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

2. Um indivíduo que possua a nacionalidade de um Estado Contratante e que solicite a naturalização num país estrangeiro não perderá a sua nacionalidade a menos que adquira ou que lhe tenha sido assegurada a aquisição da nacionalidade desse país.

3. Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5 do presente artigo, nenhum indivíduo poderá perder a sua nacionalidade por motivos de abandono do país do qual seja nacional, de residência no estrangeiro, de falta de inscrição no registo ou por quaisquer outros motivos análogos, se ao perdê-la se tornar apátrida.

4. Os indivíduos naturalizados podem perder a nacionalidade por residirem no estrangeiro durante um período cuja duração, fixada pelo Estado Contratante, não pode ser inferior a sete anos consecutivos, se o interessado não declarar às autoridades competentes a sua intenção de conservar a sua nacionalidade.

5. Relativamente aos indivíduos nascidos fora do território do Estado Contratante de que sejam nacionais, a conservação dessa nacionalidade a partir do ano seguinte à data em que o interessado alcance a maioridade, poderá ficar sujeita pela legislação do Estado Contratante ao cumprimento do requisito de residência nessa data no território desse Estado ou de inscrição no registo junto da autoridade competente.

6. Salvo nos casos previstos no presente artigo, um indivíduo não pode perder a nacionalidade de um Estado Contratante se se tornar, consequentemente, apátrida, mesmo que tal perda não seja expressamente proibida por qualquer outra disposição da presente Convenção.

Artigo 8.º

1. Os Estados Contratantes não privarão da sua nacionalidade nenhum indivíduo se tal privação o tornar apátrida.

2. Não obstante o disposto no n.º 1 do presente artigo, um indivíduo poderá ser privado da nacionalidade de um Estado Contratante:

a) Nos casos em que, nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 7.º, for permitido determinar a perda da nacionalidade;

b) Se este tiver obtido a referida nacionalidade mediante declarações falsas ou qualquer outro acto fraudulento.

3. Não obstante o disposto no n.º 1 do presente artigo, cada Estado Contratante poderá conservar a faculdade de privar um indivíduo da sua nacionalidade se, no momento da assinatura, da ratificação ou da adesão, formular uma declaração para o efeito, especificando um ou vários dos seguintes motivos, desde que previstos no seu direito interno nessa data:

a) Quando, em condições incompatíveis com o dever de lealdade para com o Estado Contratante, o indivíduo;

i. Tiver, apesar de proibição expressa desse Estado, prestado ou continuado a prestar serviços a um outro Estado ou recebido ou continuado a receber remunerações de um outro Estado, ou

ii. Tiver tido uma conduta que tenha prejudicado seriamente os interesses vitais do Estado Contratante.

b) Quando um indivíduo tiver prestado juramento de lealdade ou tiver formulado uma declaração formal de lealdade a um outro Estado, ou tiver manifestado de forma inequívoca pela sua conduta a sua determinação em repudiar a sua lealdade para com o Estado Contratante.

4. Os Estados Contratantes somente exercerão a faculdade de privar um indivíduo da sua nacionalidade, nas condições definidas nos n.os 2 e 3 do presente artigo, em conformidade com a lei, a qual deverá prever a possibilidade de o interessado fazer valer todos os meios de defesa de que dispõe perante um tribunal ou outro organismo independente.

Artigo 9.º

Os Estados Contratantes não privarão da sua nacionalidade nenhum indivíduo ou grupo de indivíduos por motivos de natureza racial, étnica, religiosa ou política.

Artigo 10.º

1. Qualquer tratado celebrado entre os Estados Contratantes que preveja a cessão de um território deverá conter disposições que garantam que ninguém se torna apátrida na sequência da cessão. Os Estados Contratantes farão tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar que tais disposições figurem em qualquer tratado com tal natureza que celebrem com um Estado que não seja parte na presente Convenção.

2. Na ausência de disposições relativas a essa questão, o Estado Contratante ao qual um território seja cedido ou que, de outro modo, adquira um território, concede a sua nacionalidade aos indivíduos que, de outro modo, se tornassem apátridas na sequência da cessão ou da aquisição.

Artigo 11.º

Os Estados Contratantes comprometem-se a promover a criação, no âmbito da Organização das Nações Unidas, logo que possível, após o depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão, de um organismo ao qual as pessoas que se julguem no direito de beneficiar da presente Convenção possam recorrer para fins de análise dos seus respectivos pedidos e para obtenção de auxílio na apresentação do pedido à autoridade competente.

Artigo 12.º

1. O n.º 1 do artigo 1.º ou o artigo 4.º da presente Convenção aplicam-se, relativamente aos Estados Contratantes que não concedam a sua nacionalidade por nascimento ex lege, aos indivíduos nascidos, quer antes, quer após a entrada em vigor da Convenção.

2. O n.º 4 do artigo 1.º da presente Convenção aplica-se aos indivíduos nascidos, quer antes, quer após a entrada em vigor da Convenção.

3. O artigo 2.º da presente Convenção só se aplica aos menores abandonados, encontrados no território de um Estado Contratante, após a entrada em vigor da Convenção relativamente a esse Estado.

Artigo 13.º

As disposições da presente Convenção não prejudicam a aplicação das disposições mais favoráveis à redução dos casos de apátridas contidas na legislação em vigor ou que venha a entrar em vigor nos Estados Contratantes, ou em qualquer outro tratado, convenção ou acordo que esteja em vigor ou que venha a entrar em vigor entre dois ou mais Estados Contratantes.

Artigo 14.º

Todo o litígio entre as Partes Contratantes relativo à interpretação ou à aplicação da Convenção que não possa ser resolvido por outros meios será submetido ao Tribunal Internacional de Justiça a pedido de uma das Partes no litígio.

Artigo 15.º

1. A presente Convenção aplica-se a todos os territórios não autónomos, sob tutela, coloniais e outros territórios não metropolitanos cujas relações internacionais sejam asseguradas por um Estado Contratante; o Estado Contratante interessado deve, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo, no momento da assinatura, da ratificação ou da adesão, indicar o território ou territórios não metropolitanos aos quais a presente Convenção se aplicará ipso facto na sequência dessa assinatura, ratificação ou adesão.

2. Se, em matéria de nacionalidade, um território não metropolitano não for considerado como formando um todo com o território metropolitano ou se o consentimento prévio de um território não metropolitano for necessário, nos termos das leis ou práticas constitucionais do Estado Contratante ou do território não metropolitano, para que a Convenção se aplique a esse território, o referido Estado Contratante deve diligenciar no sentido de obter, no prazo de doze meses a contar da data da assinatura da Convenção, o consentimento necessário do território não metropolitano e, assim que tal consentimento tiver sido obtido, o Estado Contratante notificá-lo-á ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. A presente Convenção aplicar-se-á ao território ou territórios mencionados naquela notificação desde a data da sua recepção pelo Secretário-Geral.

3. Findo o prazo de doze meses mencionado no n.º 2 do presente artigo, os Estados Contratantes interessados informam o Secretário-Geral dos resultados das consultas com os territórios não metropolitanos cujas relações internacionais sejam por eles asseguradas e cujo consentimento para a aplicação da presente Convenção não tenha sido dado.

Artigo 16.º

1. A presente Convenção ficará aberta à assinatura, de 30 de Agosto de 1961 a 31 de Maio de 1962, na Sede da Organização das Nações Unidas.

2. A presente Convenção ficará aberta à assinatura:

a) De todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas;

b) De qualquer outro Estado convidado a participar na Conferência das Nações Unidas para a Eliminação ou Redução dos Casos de Apátridas no Futuro;

c) De qualquer outro Estado convidado a assinar ou a aderir pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

3. A presente Convenção será ratificada e os instrumentos de ratificação serão depositados junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

4. Os Estados previstos no n.º 2 do presente artigo poderão aderir à presente Convenção. A adesão far-se-á mediante o depósito do instrumento de adesão junto do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas.

Artigo 17.º

1. Qualquer Estado poderá, no momento da assinatura, da ratificação ou da adesão, formular reservas aos artigos 11.º, 14.º e 15.º.

2. Não são admitidas nenhumas outras reservas à presente Convenção.

Artigo 18.º

1. A presente Convenção entrará em vigor dois anos após a data do depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão.

2. Para cada Estado que ratifique a presente Convenção ou a ela adira após o depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão, a Convenção entrará em vigor no nonagésimo dia após o depósito por esse Estado do seu instrumento de ratificação ou de adesão ou na data de entrada em vigor da Convenção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do presente artigo, se esta última data for posterior.

Artigo 19.º

1. Qualquer Estado Contratante poderá, em qualquer momento, denunciar a presente Convenção mediante notificação escrita dirigida ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas. A denúncia produzirá efeitos, relativamente ao Estado Contratante interessado, um ano após a data de recepção da notificação pelo Secretário-Geral.

2. No casos em que, em conformidade com o disposto no artigo 15.º, a presente Convenção tenha sido aplicada a um território não metropolitano de um Estado Contratante, este último pode, com o consentimento do território em causa, notificar em seguida, em qualquer momento, ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas que a Convenção é denunciada relativamente a esse território. A denúncia produzirá efeitos um ano após a data da recepção da notificação pelo Secretário-Geral, o qual informará todos os outros Estados Contratantes dessa notificação, assim como da data de recepção dessa notificação.

Artigo 20.º

1. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas notificará todos os Estados membros da Organização e os Estados não membros mencionados no artigo 16.º:

a) Das assinaturas, ratificações e adesões previstas no artigo 16.º;

b) Das reservas formuladas nos termos do artigo 17.º;

c) Da data da entrada em vigor da presente Convenção nos termos do artigo 18.º;

d) Das denúncias previstas no artigo 19.º.

2. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas deverá, o mais tardar após o depósito do sexto instrumento de ratificação ou de adesão, chamar a atenção da Assembleia Geral para a questão da criação, em conformidade com o disposto no artigo 11.º, do organismo mencionado nesse artigo.

Artigo 21.º

A presente Convenção será registada pelo Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas na data da sua entrada em vigor.

EM FÉ DO QUE, os plenipotenciários abaixo assinados, assinaram a presente Convenção.

Feito em Nova Iorque, aos trinta dias do mês de Agosto de mil novecentos e sessenta e um, em inglês, chinês, espanhol, francês e russo, fazendo os textos igualmente fé, num único exemplar, que será depositado nos arquivos da Organização das Nações Unidas e cujas cópias autenticadas serão enviadas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas a todos os Estados membros da Organização, assim como aos Estados não membros previstos no artigo 16.º da presente Convenção.»


IV

1. A Constituição da República procede no seu artigo 4.º à definição do elemento pessoal do Estado Português, proclamando, sob a epígrafe, «Cidadania portuguesa» que:

«São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.»

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA chamam a atenção para a substituição do termo “nacionalidade” (designação tradicional nas constituições anteriores) pelo de “cidadania”, o que acontece ao longo de toda a Constituição. «A Constituição – afirmam estes Autores – parece ter evitado cuidadosamente utilizar o termo Nação (...) como entidade diferente e superior ao povo e ao conjunto dos cidadãos»[12].

Também JORGE MIRANDA considera que se deve afastar a palavra “nacionalidade”, pela sua menor precisão. Para este Autor, a nacionalidade «liga-se a nação, revela a pertença a uma nação, não a um Estado». A cidadania «é a qualidade de cidadão», significando ainda, «mais vincadamente, a participação em Estado democrático»[13].

A determinação da cidadania de cada indivíduo – prossegue este Autor – «equivale à determinação do povo (e, portanto, do Estado) a que se vincula. Tal como a determinação de quem compõe em concreto certo povo passa pelo apuramento das regras sobre aquisição e perda da cidadania aí vigentes»[14].

Trata-se, antes de mais, segundo o mesmo Autor, de problema a equacionar pelo Direito interno de cada Estado que, «interpretando o modo de ser da comunidade que lhe dá vida, escolhe e fixa os critérios da cidadania»[15]. Neste domínio, costumam ser destacados dois tipos fundamentais de critérios: o da filiação ou jus sanguinis e o do local de nascimento ou jus soli.

Por outro lado, «a matéria depende igualmente do Direito Internacional «porque – salienta o Autor que se vem citando – nenhum Estado poderia gozar de uma liberdade ilimitada no estabelecimento daqueles critérios; bem ao invés, cada Estado tem de os definir reconhecendo a existência dos restantes Estados e, por conseguinte, está adstrito a certas balizas. Além disso, avulta a necessidade de regras destinadas a evitar ou a resolver conflitos positivos (pluricidadania ou pluripatridia) ou negativos (apatridia, apolidia) de cidadania»[16].

A cidadania ou nacionalidade[17], é, pois, como escreve RUI MOURA RAMOS, «o vínculo que delimita o povo estadual, o suporte humano do Estado», sendo «a relação fundamental que intercede entre o indivíduo e a entidade pública a que este se encontra privilegiadamente ligado»[18]. Numa formulação muito próxima, «a cidadania proporciona a conexão legal entre um indivíduo e um Estado, fundamento para determinados direitos, nomeadamente o direito à representação e à protecção diplomática do Estado a nível internacional»[19].

Apresentando-se como estatuto do indivíduo, a nacionalidade configura-se como um autêntico direito, um direito fundamental das pessoas, base de outros direitos, reconhecido pelo artigo 15.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem[20]:

«Artigo 15.º

1 – Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2 – Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.»

Existe concordância na doutrina quanto à definição da nacionalidade, «enquanto situação jurídica geral, status, direito de personalidade, vínculo pessoal jurídico-público, direito fundamental, tudo isso associado intrinsecamente à integração numa comunidade nacional»[21].

Dentro da mesma linha, considera ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS que «o conceito de nacionalidade, na sua acepção mais lata, como vínculo jurídico-político de pertença de um sujeito de direito a um Estado, corresponde a uma realidade sociológica, factual, que lhe está subjacente e que, por isso mesmo, é extrajurídica», acrescentando, com referência ao direito nacional, que «além de ser um elemento do estado das pessoas, isto é, um status, e até mesmo um direito de personalidade, a nacionalidade é um direito fundamental»[22].

Também para JORGE PEREIRA DA SILVA «a cidadania é simultaneamente um estado e um direito. Por um lado, é um status, traduzido num vínculo jurídico que liga de uma forma estável um indivíduo a uma determinada entidade política soberana (na ordem externa), normalmente um Estado (unitário ou federal). Por outro lado, é também um direito de todos os indivíduos, como tal reconhecido por várias convenções internacionais e por muitos textos constitucionais – entre os quais se encontra a Constituição portuguesa, que reconhece à cidadania, no n.º 1 do seu art. 26.º, a qualidade de direito, liberdade e garantia, com as inerentes consequências de regime»[23].

A cidadania constitui, ainda, acrescenta este Autor, «um direito de acesso a direitos, uma vez que tanto o Direito Internacional como as ordens jurídicas internas dos diferentes Estados fazem em regra depender de um vínculo de cidadania previamente estabelecido a possibilidade de os indivíduos acederem a um significativo conjunto de direitos, fundamentalmente ligados às liberdades de deslocação (transfronteiriça) e de fixação e, bem assim, aos direitos e liberdades de participação política»[24].

O vínculo da cidadania é tradicionalmente moldado pelo próprio Estado com bastante liberdade, traduzindo, de certa forma, uma manifestação do seu poder soberano. Sendo a lei estadual que, em primeira linha, é chamada a definir em cada momento quem são os cidadãos do Estado, são, como acentua o Autor que vimos acompanhando, «cada vez mais fortes os constrangimentos derivados do Direito Internacional (convencional), ao ponto de porem em causa o princípio originário de que as questões da cidadania são fundamentalmente questões do foro interno dos Estados»[25].

Efectivamente, os direitos e obrigações dos Estados no que respeita à nacionalidade/cidadania estão previstos por alguns instrumentos normativos das Nações Unidas e de outras organizações internacionais, que interessa convocar.

2. No que releva especialmente para a presente informação, há que dar conta da Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas (1954) e a Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia (1961), aqui em análise, instrumentos normativos de capital relevância sobre os direitos dos apátridas e sobre a redução dos casos que podem gerar a apatridia.

Sob a égide do Conselho da Europa também foram adoptados dois instrumentos que estabelecem um quadro jurídico útil sobre a apatridia e forma de evitar o seu surgimento e que interessa pôr em relevo:

– A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, aberta à assinatura em Estrasburgo em 26 de Novembro de 1997, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 19/2000, de 2 de Dezembro de 1999[26];
– A Convenção do Conselho da Europa sobre a Prevenção da Apatridia relacionada com a Sucessão de Estados, adoptada pelo Comité de Ministros em 15 de Março de 2006.

De referir também a Convenção n.º 13, da Comissão Internacional do Estado Civil (CIEC), tendente a reduzir o número de casos de apatridia, assinada em Berna, em 13 de Setembro de 1973[27].

3. A apatridia constitui o estatuto de uma pessoa que não é considerada como nacional por nenhum Estado em conformidade com a sua ordem jurídica. De acordo com o artigo 1.º, n.º 1, da Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas de 1954, já examinada, «o termo “apátrida” designa uma pessoa que nenhum Estado considera como seu nacional em aplicação da sua legislação»[28].

Apontam-se várias circunstâncias que podem originar a apatridia. Em geral, poderá afirmar-se que ela abrange as pessoas que, por um conflito negativo de legislações quanto à nacionalidade, não chegaram a adquirir uma, ou as que perderam a sua nacionalidade, sem que tenham adquirido outra.

Para além das situações de conflito de leis, a apatridia pode resultar, nomeadamente, de circunstâncias como a sucessão de Estados, a recusa da transmissão da cidadania de uma mulher aos seus filhos, a perda automática da cidadania em virtude de uma permanência prolongada no estrangeiro, a perda da nacionalidade decorrente do casamento com um estrangeiro, a renúncia à nacionalidade sem aquisição de uma outra, etc.[29].

4. A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade enuncia no Capítulo II, constituído pelos artigos 3.º a 5.º, os princípios gerais relativos à nacionalidade.

No primeiro preceito referido, são definidas as competências do Estado em matéria de nacionalidade nos termos já examinados. De acordo com o disposto no n.º 1, «Cada Estado determinará quem são os seus nacionais nos termos do seu direito interno», estabelecendo o n.º 2 que este direito «será aceite por outros Estados na medida em que seja consistente com as convenções internacionais aplicáveis, com o direito internacional consuetudinário e com os princípios legais geralmente reconhecidos no tocante à nacionalidade».

Os princípios sobre a nacionalidade estão consagrados no artigo 4.º, cujo teor importa conhecer:

«Artigo 4.º
Princípios
As normas de cada Estado sobre a nacionalidade basear-se-ão nos seguintes princípios:

a) Todos os indivíduos têm direito a uma nacionalidade;
b) A apatridia deverá ser evitada;
c) Nenhum indivíduo será arbitrariamente privado da sua nacionalidade;
d) Nem o casamento ou a dissolução de um casamento entre um nacional de um Estado Parte e um estrangeiro, nem a alteração de nacionalidade por um dos cônjuges durante o casamento, afectará automaticamente a nacionalidade do outro cônjuge.»

O artigo 5.º consagra o princípio da não discriminação no ordenamento jurídico sobre nacionalidade, nos seguintes termos:

«Artigo 5.º
Não discriminação

1 – As normas de um Estado Parte sobre nacionalidade não conterão distinções nem incluirão qualquer prática que conduza à discriminação em razão de sexo, religião, raça, cor ou origem nacional ou étnica.
2 – Cada Estado Parte regular-se-á pelo princípio da não discriminação entre os seus nacionais, independentemente da nacionalidade ter sido adquirida por nascimento ou em qualquer momento subsequente.»

O capítulo III desta Convenção versa sobre as normas relativas à nacionalidade, sendo constituído pelos artigos 6.º (aquisição da nacionalidade), 7.º (perda da nacionalidade ex lege ou por iniciativa de um Estado Parte), 8.º (perda da nacionalidade por iniciativa do indivíduo) e 9.º (recuperação da nacionalidade).

Todos estes preceitos contêm disposições que visam prevenir a apatridia. Essa finalidade decorre, desde logo, dos termos amplos em que, no artigo 6.º, se prevê a aquisição da nacionalidade.

O intuito de prevenir situações de apatridia ou de lhes pôr termo encontra-se, por seu lado, expressamente contemplado nos n.os 1, alínea b) – aquisição da nacionalidade ex lege de cada Estado aos recém-nascidos abandonados, encontrados no seu território que, de outro modo, seriam apátridas; 2, alínea b) – aquisição da nacionalidade do estado a menores nascidos no seu território que, não tendo adquirido outra nacionalidade aquando do nascimento, permaneceram apátridas; e 4, alínea g) – aquisição da nacionalidade do Estado pelos apátridas habitualmente residentes no seu território.

Por outro lado, a perda da nacionalidade, seja por iniciativa do Estado, seja por iniciativa do indivíduo (renúncia), não deve, em regra, ser admitida se o indivíduo em causa se tornar, consequentemente, um apátrida (cfr. artigos 7.º, n.º 3, e 8.º, n.º 1, da Convenção).

As disposições da Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia foram incorporados na Convenção Europeia sobre a Nacionalidade no que se refere a garantir a nacionalidade aos menores nascidos no território de um Estado ou descendente de nacional de um Estado em circunstâncias que, em contrário, gerariam apatridia.


V

1. O regime jurídico fundamental da nacionalidade portuguesa consta da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril[30]. Os regimes da atribuição e da aquisição da nacionalidade portuguesa foram substancialmente modificados por este diploma, circunstância que determinou a aprovação de um novo Regulamento Nacionalidade Portuguesa, de que se encarregou o Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro.

O Título I daquela Lei, que aqui se designará também por Lei da Nacionalidade, na sua versão actual, é dedicado à «Atribuição, aquisição e perda da nacionalidade» e é constituído por seis capítulos, interessando especialmente para esta informação, os três primeiros capítulos, referentes, respectivamente, à atribuição da nacionalidade, à aquisição da nacionalidade e à perda da nacionalidade.

O quadro jurídico substantivo da nacionalidade portuguesa continua a distinguir entre a aquisição originária (atribuição) da nacionalidade e a aquisição derivada da nacionalidade.

2. A atribuição da nacionalidade portuguesa está prevista no artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, nos seguintes termos:

«Artigo 1.º
Nacionalidade originária

1 – São portugueses de origem:

a) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no território português;
b) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do Estado Português;
c) Os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses;
d) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento;
e) Os indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, se declararem que querem ser portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
f) Os indivíduos nascidos no território português e que não possuam outra nacionalidade.

2 – Presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos.»

Tal como sucedia no anterior regime jurídico da nacionalidade, pode distinguir-se, em sede de aquisição originária da nacionalidade, as situações em que ela decorre directamente da lei ou por efeito da lei e de uma manifestação de vontade.

O Regulamento da Nacionalidade continua a acolher esta distinção, prevendo, precisamente, com autonomia, a «nacionalidade originária por efeito da lei» e a «nacionalidade originária por efeito da vontade»[31].

2.1. Nos termos do preceito transcrito, a aquisição originária por mero efeito da lei tem lugar nas seguintes situações[32]:

– Quando se trate de filho de progenitor português que tenha nascido em território português – n.º 1, alínea a);
– Quando se trate de filho de progenitor português nascido no estrangeiro se o progenitor português aí se encontrar ao serviço do estado Português – n.º 1, alínea b);
– Quando se trate de filho de estrangeiros nascido em território português, se um dos progenitores aqui tiver nascido e aqui tiver residência, ao tempo do nascimento do filho, independentemente de título – n.º 1, alínea d);
– Quando se trate de indivíduo nascido em território português que não possua outra nacionalidade – n.º 1, alínea f).

2.2. A aquisição originária por efeito da vontade tem lugar nas seguintes hipóteses[33]:

– Quando se trate de filho de progenitor português, nascido no estrangeiro, se tiver o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declarar que quer ser português – n.º 1, alínea c);
– Quando se trate de filho de estrangeiro que não se encontre ao serviço do respectivo Estado, nascido em território português, se declarar que quer ser português, desde que, à data do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos seis anos – n.º 1, alínea e).

3. A aquisição derivada da nacionalidade corresponde a situações em que «a aquisição da nacionalidade portuguesa se não reporta à altura do nascimento, vindo a intervir, antes, em momento ulterior da vida do interessado»[34].

Neste domínio, a aquisição da nacionalidade pode ocorrer por efeito da vontade do interessado, por mero efeito da lei e por acto do Governo.

3.1. A primeira situação funda-se na vontade do interessado, prevendo a lei actual quatro hipóteses de aquisição da nacionalidade:

– A aquisição por filhos incapazes de mãe ou de pai que adquira a nacionalidade portuguesa – artigo 2.º da Lei da Nacionalidade e artigo 13.º do Regulamento;
– Aquisição em caso de casamento com nacional português – artigo 3.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade e artigo 14.º, n.º 1, do Regulamento;
– Aquisição em caso de união de facto com nacional português – artigo 3.º, n.º 3, da Lei da Nacionalidade e artigo 14.º, n.º 2, do Regulamento;
– Aquisição após perda da nacionalidade durante a incapacidade – artigo 4.º da Lei da Nacionalidade e artigo 15.º do Regulamento[35].

3.2. A aquisição derivada da nacionalidade por mero efeito da lei continua a ser permitida ao adoptado plenamente por nacional português, referindo-se-lhes os artigos 5.º da Lei da Nacionalidade e 16.º do Regulamento.

3.3. Finalmente, a aquisição da nacionalidade pode verificar-se por naturalização, verificados os requisitos enunciados no artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, cujo teor importa reter[36]:

«Artigo 6.º
Requisitos

1 – O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Serem maiores ou emancipados à face da lei portuguesa;
b) Residirem legalmente no território português há pelo menos seis anos;
c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa;
d) Não terem sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa.

2 – O Governo concede a nacionalidade, por naturalização, aos menores, nascidos no território português, filhos de estrangeiros, desde que preencham os requisitos das alíneas c) e d) do número anterior e desde que, no momento do pedido, se verifique uma das seguintes condições:

a) Um dos progenitores aqui resida legalmente há pelo menos cinco anos;
b) O menor aqui tenha concluído o 1.º ciclo do ensino básico.

3 – O Governo concede a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade.
4 – O Governo concede a naturalização, com dispensa do requisito previsto na alínea b) do n.º 1, aos indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente do 2.º grau da linha recta da nacionalidade portuguesa e que não tenha perdido esta nacionalidade.
5 – O Governo pode conceder a nacionalidade, por naturalização, com dispensa do requisito estabelecido na alínea b) do n.º 1, a indivíduos nascidos no território português, filhos de estrangeiros, que aqui tenham permanecido habitualmente nos 10 anos imediatamente anteriores ao pedido.
6 – O Governo pode conceder a naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos indivíduos que, não sendo apátridas, tenham tido a nacionalidade portuguesa, aos que forem havidos como descendentes de portugueses, aos membros de comunidades de ascendência portuguesa e aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado Português ou à comunidade nacional.»

A economia desta informação dispensa uma análise mais detalhada sobre a disciplina material da nacionalidade portuguesa vigente. Ainda assim, alguns tópicos podem ser convocados a tal propósito.

4. Assim, interessará referir que se operou com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, uma revalorização do critério do nascimento em território português, ou do jus soli, tanto na atribuição originária da nacionalidade, como na sua aquisição derivada, em sede de naturalização[37].

4.1. No domínio da cidadania originária ocorreu uma «alteração capital» que se traduziu na previsão de mais um fundamento de atribuição da nacionalidade portuguesa no momento do nascimento: o duplo jus soli, ou do «duplo nascimento» (do interessado e de um dos seus progenitores no território estadual)[38]. Este fundamento está previsto no artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade, nos termos do qual são portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento.

Ainda no âmbito da nacionalidade originária, importa sublinhar a manutenção da «cláusula antiapatridia»[39] contida na alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito, bem como a presunção prevista no n.º 2, que visa igualmente prevenir o surgimento de uma situação de apatridia: presumem-se nascidos no território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos.

4.2. No domínio da aquisição da nacionalidade por naturalização, foram profundas as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, quer nos requisitos, quer no processo. A própria configuração do instituto foi radicalmente alterada. Anteriormente, a naturalização aparecia-nos como o resultado do “exercício de um poder discricionário, condicionado embora à verificação de certos pressupostos”, o que, segundo RUI MOURA RAMOS, «implicava que o preenchimento das condições necessárias para a outorga da nacionalidade não determinasse sem mais a existência de um direito a que este fosse concedido ao interessado»[40].

Presentemente, estabelece o artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade que o Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente quatro requisitos ali fixados, não se utilizando a expressão que constava na versão anterior desta lei «o Governo pode conceder». Hoje, a lei prevê certas situações em que «a outorga da nacionalidade portuguesa por naturalização decorrerá necessariamente do preenchimento dos requisitos para o efeito legalmente previstos (-) sem que ao Governo reste qualquer margem de apreciação a este propósito. Nestas hipóteses, o acesso à naturalização transforma-se pois num processo juridicamente vinculado»[41].

As situações que convocam o exercício de um poder vinculado por parte do Governo estão enunciadas nos n.os 1, 2, 3 e 4 do n.º 1 do citado artigo 6.º, correspondendo, segundo RUI MOURA RAMOS, a «casos de naturalização obrigatória»[42]. Já as situações contempladas nos n.os 5 e 6 do mesmo preceito configuram hipóteses de concessão discricionária da naturalização. Admite-se aí que o Governo mantenha a margem de apreciação que até recentemente vigorava, permitindo-se-lhe expressamente «que pondere, preenchidos que se encontrem os respectivos pressupostos, se deve ou não conceder a naturalização»[43].

Das situações referidas no artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, interessará, na economia desta informação, destacar a que figura no n.º 3. Com dispensa dos requisitos relativos à residência legal em território português e ao conhecimento da língua portuguesa, a naturalização será concedida aos indivíduos que tenham tido a nacionalidade portuguesa e que, tendo-a perdido, nunca tenham adquirido outra nacionalidade. Contempla esta disposição uma cláusula antiapatridia de carácter correctivo, ainda assim dependente da verificação dos requisitos contidos nas alíneas a) e d) do n.º 1.

5. A matéria relativa à perda da nacionalidade está contemplada no artigo 8.º, único preceito que integra o Capítulo III do Título I da Lei da Nacionalidade. Dispõe o seguinte:

«Artigo 8.º
Declaração relativa à perda da nacionalidade

Perdem a nacionalidade portuguesa os que, sendo nacionais de outro Estado, declarem que não querem ser portugueses.»

No quadro jurídico português da nacionalidade, a perda da nacionalidade é deixada exclusivamente nas mãos dos indivíduos. Como salienta RUI MOURA RAMOS, «[a] natureza de direito fundamental que se reconhece ao vínculo da nacionalidade impede pois, na nossa ordem jurídica, que se tenha previsto qualquer forma de o extinguir que não passe pela vontade do indivíduo dele titular»[44].

Como de imediato decorre do texto legal, o cidadão português pode renunciar à sua nacionalidade portuguesa, desde que seja nacional de outro Estado, requisito que deve ser documentado[45].

A exigência da titularidade de outra nacionalidade para a eficácia da renúncia à nacionalidade portuguesa insere-se num intuito de prevenir a ocorrência de uma situação de apatridia. Trata-se de norma correspondente à que se contém no artigo 8.º, n.º 1, da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, já referenciada[46], harmonizando-se com as finalidades prosseguidas pela Convenção em exame.


VI

1. Conhecidos, em tese geral, o enquadramento jurídico da nacionalidade no direito interno e as fontes de direito internacional a que o Estado Português se encontra já vinculado, cabe efectuar a análise do texto convencional que é objecto de consulta numa perspectiva de averiguação de sua conformidade com os princípios e regras consagradas na ordem jurídica portuguesa.

2. A Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, como se depreende, desde logo, do seu preâmbulo, tem por objectivo a redução da apatridia. Retomando o conceito de apatridia[47], pretende-se eliminar ou reduzir aquelas situações em que, por motivos vários, uma pessoa não é considerada como nacional por nenhum Estado em conformidade com a sua ordem jurídica.

Esse objectivo encontra-se expressamente assumido em diversas disposições do instrumento jurídico em exame.

Desde logo no n.º 1 do seu artigo 1.º ao estabelecer a obrigação de cada Estado Contratante conceder a sua nacionalidade ao indivíduo nascido no seu território que, de outro modo, seria apátrida. Esta disposição encontra correspondência na norma contida no artigo 1.º, n.º 1, alínea f), da Lei da Nacionalidade.

Essa finalidade encontra-se ainda presente no caso de o indivíduo não ter nascido no território de um Estado Contratante, mas no território de um outro Estado Contratante, verificadas as condições estabelecidas no artigo 1.º, n.º 4.

O artigo 4.º contempla, por seu lado, a situação em que o indivíduo não tenha nascido no território de um Estado Contratante e que não tenha obtido a cidadania de tal Estado. Neste caso, exactamente para que tal indivíduo não permaneça apátrida, o Estado vinculado por esta Convenção conceder-lhe-á a sua nacionalidade desde que, no momento do nascimento, um dos seus progenitores tivesse a nacionalidade deste último Estado.

3. Na economia deste instrumento convencional, a concessão da nacionalidade de um Estado Contratante a favor de indivíduo que, de outro modo, ficaria apátrida, pode ter lugar por duas vias:

– Por atribuição ex lege, por via do nascimento;
– Mediante pedido, verificadas determinadas condições.

O regime português da nacionalidade acolhe, como já se deu conta, as duas vias. A nacionalidade originária é atribuída legalmente nas situações previstas no artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, interessando recordar o relevo que a Lei Orgânica n.º 2/2006 passou a conferir ao critério do jus soli.

Por outro lado, retenha-se ainda, no âmbito da nacionalidade originária, a regra contida no citado artigo1.º, n.º 1, alínea f), da mesma Lei, segundo a qual são portugueses de origem os indivíduos nascidos em território português que, por variadas razões, não possuam outra nacionalidade.

No nosso ordenamento jurídico, a aquisição originária da nacionalidade portuguesa opera, por mero efeito da lei, relativamente a indivíduo nascido em território português que não possua outra nacionalidade [citado artigo 1.º, n.º 1, alínea f), da Lei da Nacionalidade]. Assim, a situação prevenida no corpo do artigo 1.º, n.º 1, da Convenção em exame, é resolvida pela alínea a) do mesmo preceito e pelo artigo 1.º, n.º 1, alínea f), da Lei da Nacionalidade, não se justificando o recurso à via da concessão da nacionalidade por naturalização (a pedido).

4. O n.º 2 do artigo 1.º da Convenção prevê a concessão da nacionalidade de um Estado Contratante a indivíduo nascido no seu território, em relação ao qual ocorra uma situação de apatridia. A nacionalidade é concedida mediante pedido formulado à autoridade competente, verificadas uma ou várias das condições previstas no n.º 2 do mesmo preceito.

No regime jurídico português a nacionalidade portuguesa é atribuída ex lege aos indivíduos nascidos em território português nas três situações previstas no artigo 1.º, n.º 1, alíneas a), d) e f), da Lei da Nacionalidade, a saber:

– Aos que não possuam outra nacionalidade;
– Aos filhos de mãe portuguesa ou de pai português
– Aos filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores tiver nascido em território português e aqui tiver residência ao tempo do nascimento;

O mesmo preceito contempla ainda – alínea e) – a atribuição da nacionalidade portuguesa aos indivíduos nascidos em território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respectivo Estado, por efeito da vontade, ou seja, se declararem que querem ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores resida legalmente em território português há pelo menos cinco anos.

Não ocorrendo qualquer uma das situações enunciadas para a aquisição originária da nacionalidade portuguesa, contempla ainda a Lei da Nacionalidade a possibilidade de aquisição derivada da cidadania portuguesa, por naturalização, aos menores, nascidos em território português, filhos de estrangeiros, desde que verificadas as condições prescritas no artigo 6.º, n.º 2, da Lei da Nacionalidade.

Como se tem reconhecido, a lei portuguesa consagra um «claro desígnio de reforçar, pela facilitação do acesso à nacionalidade portuguesa, a integração dos estrangeiros imigrantes»[48]. As soluções contempladas para os nascidos em território português, filhos de estrangeiros, não contendem com a Convenção em análise, designadamente com o seu artigo 1.º, n.os 1 e 2, sendo certo que, na maioria dos casos, a cidadania portuguesa pode operar originariamente, quer por efeito da lei, quer por efeito da vontade, nos termos já referidos.

5. O n.º 3 do artigo 1.º desta Convenção prevê a atribuição da nacionalidade de um Estado Contratante ao menor nascido no seu território e cuja mãe possui a nacionalidade desse mesmo Estado, se de outro modo se tornar apátrida.

Esta norma harmoniza-se inteiramente com as disposições da lei portuguesa relativas à nacionalidade originária, vertidas no artigo 1.º da Lei da Nacionalidade. Desde logo, com o preceituado na alínea f) do n.º 1 desse artigo. Depois, porque, são portugueses de origem os filhos de mãe portuguesa nascidos no território português [n.º 1, alínea a) do citado preceito]. Está, assim, afastado o risco da apatridia relativamente a menor nascido em território português, filho de mãe portuguesa.

6. O n.º 4 do artigo 1.º do instrumento jurídico em exame estabelece que um Estado Contratante deve conceder a sua nacionalidade a um indivíduo que não tenha podido adquirir a nacionalidade de outro Estado Contratante em cujo território nasceu e que, de outro modo, ficaria apátrida, desde que um dos seus progenitores possua, à data do nascimento, a nacionalidade daquele referido Estado. De acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, a concessão da sua nacionalidade pode ficar sujeita à verificação de uma ou mais das condições aí enunciadas.

No regime jurídico português, a situação dos filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro encontra-se prevenida no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Nacionalidade. Em tal situação, esses indivíduos gozam da nacionalidade portuguesa originária desde que o seu nascimento ingresse no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses. Também neste caso se acautela devidamente o surgimento de uma situação de apatridia através da via da aquisição originária da cidadania portuguesa por intervenção da vontade.

7. Com alguma proximidade com a situação precedente, encontra-se a prevenida no artigo 4.º da Convenção. Contempla-se aí a situação do indivíduo que não tenha nascido em território de um Estado Contratante cujo pai ou mãe possuísse, na data do nascimento, a nacionalidade de um Estado Contratante. Segundo a disposição em apreço, o Estado Contratante deverá conceder a tal indivíduo a sua cidadania se, de outro modo, fosse apátrida. O Estado Contratante pode sujeitar a aquisição da sua nacionalidade a uma ou várias condições, enunciadas que o n.º 2 do mesmo preceito enuncia.

Examinando esta situação perante o quadro jurídico português da nacionalidade, de imediato concluímos que ela tem a mesma solução da situação anteriormente apreciada. Como já se referiu, a situação dos filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro encontra-se abrangida pelo artigo 1.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Nacionalidade. Em tal situação, esses indivíduos gozam da nacionalidade portuguesa originária desde que o seu nascimento ingresse no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses. Assim, por via da aquisição originária da cidadania portuguesa, se evita uma hipotética situação de apatridia.

8. Uma vez que nas situações examinadas a cidadania portuguesa pode operar precisamente pela via da atribuição da nacionalidade, seja por efeito da lei, seja por efeito da vontade, não há necessidade de examinar a conformidade com o ordenamento jurídico português das condições enunciadas nos artigos 1.º, n.os 2 e 5, e 4.º, n.º 2, da Convenção.

Tais condições podem intervir no domínio da concessão da nacionalidade por naturalização, sendo neste preciso âmbito que, no direito português da nacionalidade, condições paralelas (requisitos), previstas no artigo 6.º, n.º 1, da Lei da Nacionalidade, operam.

De todo o modo, sempre se dirá que as condições previstas nas citadas disposições da Convenção em análise não são exactamente coincidentes com os requisitos estabelecidos na Lei da Nacionalidade. Observa-se, neste domínio, uma desconformidade entre a condição prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 1.º da Convenção e o requisito estabelecido no artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade, sobre os limites da pena de prisão aplicada ao interessado. Na Convenção exige-se que o interessado não tenha sido punido com pena privativa da liberdade de duração igual ou superior a cinco anos por ilícito criminal. Na Lei da Nacionalidade a correspondente condição é mais restritiva e gravosa, na medida em que se prevê que o interessado não tenha sido condenado pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos.

Por outro lado, a Convenção não condiciona a concessão da nacionalidade ao suficiente conhecimento da língua do Estado Contratante em causa, requisito esse que a Lei da Nacionalidade contempla [cfr. artigo 6.º, n.º 1, alínea c)].

9. Retomando a análise das disposições mais relevantes da Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, deparamo-nos com a norma contida no artigo 2.º que estabelece uma dupla presunção, ilidível mediante prova em contrário, relativamente a menor abandonado no território de um Estado Contratante:

– Esse menor é considerado como nascido nesse território;
– Esse menor é considerado como filho de progenitores nacionais desse Estado.

A Lei da Nacionalidade contém uma disposição com uma previsão parcialmente coincidente[49]. Nos termos do n.º 2 do artigo 1.º, presumem-se nascidos em território português, salvo prova em contrário, os recém-nascidos que aqui tenham sido expostos.

10. Os artigos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º contêm disposições relativas à perda, renúncia e privação da nacionalidade.

O princípio fundamental que se extrai dessas disposições, e aí frequentemente enunciado, é o de que a perda, renúncia ou privação da nacionalidade somente será válida se a pessoa em causa possuir ou adquirir outra nacionalidade ou, dito de outro modo, se a pessoa não ficar apátrida. Visa-se, nesta medida, prevenir a ocorrência de situações de apatridia.

A generalidade dos casos em que, na economia desta Convenção, se admite a perda ou a privação da nacionalidade não tem correspondência no ordenamento jurídico português na medida em que, como já se disse, entre nós, perda da nacionalidade é deixada exclusivamente nas mãos dos indivíduos. A natureza de direito fundamental do vínculo da nacionalidade determina que não esteja previsto no direito ordinário português qualquer forma de o extinguir que não passe pela vontade do indivíduo dele titular[50].

11. A regra da Convenção nos termos da qual a perda da nacionalidade «deve ficar sujeita à posse ou à aquisição da nacionalidade de um outro Estado» (artigo 5.º, n.º 1), ou nos termos da qual «um indivíduo não pode perder a nacionalidade de um Estado Contratante se se tornar, consequentemente, apátrida» (artigo 7.º, n.º 6), encontra-se acolhida no artigo 8.º da Lei da Nacionalidade, cujo teor interessa recordar:

«Artigo 8.º
Declaração relativa à perda da nacionalidade

Perdem a nacionalidade portuguesa os que, sendo nacionais de outro Estado, declarem que não querem ser portugueses.»

12. Por seu lado, a situação prevista no artigo 6.º da Convenção em exame – perda da nacionalidade pelo cônjuge e pelos filhos menores em consequência da perda ou privação da nacionalidade do outro cônjuge ou do progenitor daqueles – não tem qualquer correspondência no ordenamento português da nacionalidade.

Na verdade, perante a caracterização da figura da perda da nacionalidade como um direito exclusivamente individual, em que releva, portanto, somente a vontade do interessado, os seus efeitos hão-se ser, em coerência, «rigorosamente individuais»[51]. Nesta perspectiva, o direito português da nacionalidade assegura o direito à manutenção da cidadania portuguesa ao cônjuge e filhos menores daquele que, por opção sua, tenha perdido a nacionalidade portuguesa.

Relativamente à privação da nacionalidade, cumpre sublinhar que, nos termos do artigo 26.º, n.º 4, da Constituição, ela não pode ter como fundamento motivos políticos.

Por outro lado, com a Lei n.º 37/81, «assiste-se – afirma RUI MOURA RAMOS – ao apagamento do Estado enquanto instância decisória em sede de perda da nacionalidade. Não só os seus órgãos a não podem já determinar em concreto (-) como ele não protege, agora, através de cláusulas automáticas de perda que sancionem, designadamente, a prática de actos que ponham em causa a própria segurança externa do Estado ou traduzam a colaboração dos seus nacionais em actos de agressão conduzidos por terceiros Estados»[52].

13. O artigo 9.º da Convenção, ao proibir a privação da cidadania por motivos de natureza racial, étnica, religiosa ou política, consagra um princípio coerente com a salvaguarda dos direitos humanos expressa nos mais relevantes instrumentos de direito internacional, de entre estes se destacando a Declaração Universal dos Direitos do Homem cujo artigo 2.º proíbe a discriminação nomeadamente por motivos de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra.

O princípio está contemplado no ordenamento jurídico português, referindo-se-lhe o artigo 13.º, n. 2, da Constituição, sendo ainda de referir, em matéria de nacionalidade, a norma contida no já citado artigo 26.º, n.º 4, da Constituição e, bem assim, o princípio da não discriminação acolhido no artigo 5.º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade.

14. Ainda a propósito da privação da nacionalidade ou da perda da nacionalidade por iniciativa do Estado, interessará referir que também a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, à qual Portugal está vinculado, consagra, no artigo 7.º, n.º 1, o princípio segundo o qual um Estado Parte não poderá prever, no seu direito interno, a perda da sua nacionalidade ex lege ou por sua iniciativa. Todavia, o mesmo preceito admite um conjunto de excepções, enunciadas nas subsequentes alíneas a) a g).

No que respeita ao objecto da Convenção aqui em análise – a apatridia – cumpre convocar a norma contida no n.º 3 do citado artigo 7.º da Convenção Europeia. Prescreve essa disposição que:

«3 – O direito interno de um Estado Parte não deverá prever a perda da sua nacionalidade nos termos dos n.os 1 e 2 do presente artigo se o indivíduo em causa se tornar, consequentemente, um apátrida, com excepção dos casos previstos no n.º 1, alínea b), do presente artigo».

Também a Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia proclama no seu artigo 8.º o princípio segundo o qual os Estados Contratantes não privarão da sua nacionalidade nenhum indivíduo se tal privação o tornar apátrida.

15. Não obstante esta regra, o n.º 2 do mesmo preceito admite a privação da cidadania de um Estado Contratante relativamente:

– Aos indivíduos naturalizados que residam no estrangeiro durante um determinado período fixado pelo Estado Contratante, se não declararem às autoridades competentes a sua intenção de conservar a sua nacionalidade [n.º 4 do artigo 7.º, por remissão da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º];

– Aos indivíduos que, nascidos fora do território do Estado Contratante de que sejam nacionais não cumpram determinados requisitos (de residência ou de registo), impostos pela legislação desse Estado, a partir do ano seguinte à data em que alcancem a maioridade [n.º 5 do artigo 7.º, por remissão da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º];

– Aos indivíduos que tiverem obtido a nacionalidade do estado Contratante mediante declarações falsas ou qualquer outro acto fraudulento [alínea b) do n.º 2 do artigo 8.º].

A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade estabelece, sobre a matéria, um regime mais restritivo. De facto, como resulta do transcrito n.º 3 do seu artigo 7.º, admite-se que um Estado Parte preveja no seu ordenamento jurídico a perda da sua nacionalidade, ainda que o indivíduo em causa se torne, consequentemente, apátrida, apenas no caso de ele ter obtido essa cidadania mediante conduta fraudulenta, informações falsas ou encobrimento de quaisquer factos relevantes [alínea b) do n.º 1, aplicável por força da ressalva contida no n.º 3 do artigo 7.º].

A Convenção Europeia sobre a Nacionalidade não admite, portanto, que se prevejam outras situações de privação da cidadania relativamente a indivíduos que, em consequência, se tornarão apátridas, não contemplando, designadamente, as situações previstas no artigo 8.º, n.º 2, alínea a), da Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia.

16. O n.º 3 do artigo 8.º da Convenção em análise estabelece a possibilidade de cada Estado Contratante conservar a faculdade de privar um indivíduo da sua nacionalidade se, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, formular, para esse efeito, uma declaração em que especifique um ou vários dos seguintes motivos, enunciados nas duas alíneas subsequentes, desde que previstos no seu direito nessa data.

«a) Quando, em condições incompatíveis com o dever de lealdade para com o Estado Contratante, o indivíduo;

i. Tiver, apesar de proibição expressa desse Estado, prestado ou continuado a prestar serviços a um outro Estado ou recebido ou continuado a receber remunerações de um outro Estado, ou

ii. Tiver tido uma conduta que tenha prejudicado seriamente os interesses vitais do Estado Contratante.

b) Quando um indivíduo tiver prestado juramento de lealdade ou tiver formulado uma declaração formal de lealdade a um outro Estado, ou tiver manifestado de forma inequívoca pela sua conduta a sua determinação em repudiar a sua lealdade para com o Estado Contratante».

A Lei da Nacionalidade não contém norma paralela já que, como se disse, não contempla a possibilidade de o Estado, por sua iniciativa, privar alguém da cidadania.

No entanto, o citado artigo 7.º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade prevê alguns casos – enumerados nas diversas alíneas do seu n.º 1 – que podem figurar no direito interno de um Estado Parte como fundamento para a perda da nacionalidade ex lege ou por iniciativa do próprio Estado.

As situações aí previstas não coincidem com as situações contempladas no n.º 3 do artigo 8.º da Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, assumindo ali uma amplitude muito maior. Atente-se que, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, é consentido a um Estado Parte prever, como fundamento para a privação da cidadania, a aquisição voluntária de outra nacionalidade.

17. As demais disposições da Convenção em apreço não suscitam comentário particular no que respeita à sua conformidade com a ordem jurídica portuguesa.

Como nota final, dir-se-á que a Convenção examinada tem por objectivo, como imediatamente decorre da sua própria designação, prevenir e reduzir a apatridia, não se apresentando desconforme com o ordenamento jurídico português nos planos constitucional e infraconstitucional.

Interessa sublinhar o carácter supletivo desta Convenção, explicitado no seu artigo 13.º: as suas disposições não prejudicam a aplicação de soluções jurídicas mais favoráveis à redução dos casos de apatridia contidas na legislação em vigor, ou que venha a vigorar, nos Estados Contratantes.

Refira-se, para terminar, que, de acordo com o disposto no artigo 17.º desta Convenção, somente se admite a formulação de reservas quanto à matéria dos artigos 11.º, 14.º e 15.º.




VII


Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1.ª Como se concluiu em anteriores informações, não se vislumbram objecções de natureza jurídica a opor à Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, concluída em Nova Iorque em 28 de Setembro de 1954;

2.ª A Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia, assinada em Nova Iorque, em 30 de Agosto de 1961, não se apresenta em geral desconforme com o ordenamento jurídico português nos planos constitucional e infraconstitucional;

3.ª O instrumento referido na conclusão anterior merece as considerações e observações constantes no ponto VI.





Lisboa, 4 de Setembro de 2008

O Procurador-Geral Adjunto


(Manuel Pereira Augusto de Matos)





[1] Ofício do Gabinete de do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, n.º 1765, de 14 de Março de 2007.
[2] Por Despacho de 3 de Abril de 2007.
[3] Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, alterada pelas Leis nos 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto, que lhe introduziu a designação de Estatuto do Ministério Público, 42/2005, de 29 de Agosto, 67/2007, de 31 de Dezembro, e,52/2008, de 28 de Agosto. A Lei n.º 60/98 foi rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/98, inserta no Diário da República, I série-A, n.º 253, de 2 de Novembro de 1998.
[4] Datada de 23 de Maio de 1983.
[5] Com data de 30 de Julho de 1986.
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição Coimbra Editora, 2007, pp. 356-357. V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 132 e segs.
[7] A Lei n.º 15/98 foi alterada pelas Leis n.os 67/2003, de 23 de Agosto, e 20/2006, de 23 de Junho, que, designadamente, procederam à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de Julho, e da Directiva n.º 2003/9/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, respectivamente.
[8] Do sumário oficial.
[9] A tradução foi efectuada pela Técnica Superior de 1.ª Classe (equiparada), Lic. Teresa Lourenço, em funções nos Serviços de Traduções da Procuradoria-Geral da República, tendo por base as versões inglesa, francesa e espanhola da Convenção. A tradução foi revista pelo signatário.
[10] Adopta-se esta designação à Convenção em análise em vez da denominação «Convenção relativa à Redução dos Casos de Apátridas», indicada no ofício do Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, referido na nota 1. A designação proposta é a que corresponde às versões oficiais nas línguas inglesa, francesa e espanhola disponíveis, sendo ainda utilizada em textos de organizações internacionais. Refira-se ainda ser essa a designação que surge no Aviso n.º 116/97 da Direcção-Geral dos Assuntos Multilaterais em que se torna público a adesão da Bósnia-
-Herzegovina à Convenção em apreço (v. Diário da República, I Série A, n.º 83, de 9 de Abril de 1997, p. 1596).
[11] Segue-se a versão inglesa, por estar mais conforme com o ordenamento jurídico-constitucional português, em detrimento das versões francesa e espanhola que aludem, respectivamente, a «enfant legitime» e a «hijo nacido dentro del matrimónio».
[12] Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 222.
[13] Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra Editora2002, pp.301-302.
[14] JORGE MIRANDA, ob. cit., p. 302. Sobre a natureza jurídica do vínculo da nacionalidade, v. RUI MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionalidade, Biblioteca Jurídica Coimbra Editora 4, 1984, pp. 115-121.
[15] Ibidem.
[16] Ob. cit., pp. 303-304.
[17] Uma vez que os instrumentos normativos que se referirão continuam a utilizar o termo «nacionalidade» para descrever o vínculo legal entre os indivíduos e o Estado, usar-se-ão nesta informação os termos «cidadania» e «nacionalidade» como sinónimos.
[18] Do Direito Português da Nacionalidade, cit., 1984, p. 117.
[19] V. Documento de Informacion y Modulo de Adhesion: Convención sobre el Estatuto de los Apátridas de 1954 y Convención para reducir los casos de Apatridia de 1961, elaborado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) – Divisão de Protecção Internacional (Junho de 1996, com revisão em Janeiro de 1999), disponível em http://www.acnur.org/biblioteca.
[20] Podendo convocar-se também o n.º 3 do artigo 24.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adoptado em Nova Iorque, em 16 de Dezembro de 1966, aprovado, para ratificação, pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho de 1978, onde se prescreve que «toda a criança tem direito a adquirir uma nacionalidade».
[21] Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 599/2005, de 2 de Novembro de 2005, anotado por JORGE PEREIRA DA SILVA, «“Culturas de Cidadania” – Em torno de um Acórdão do TC e da Nova Lei da Nacionalidade», Jurisprudência Constitucional, n.º 11, Julho-
-Setembro de 2006, pp. 72 e segs.
[22] Estudos de Direito de Nacionalidade, Coimbra, 1998, p. 11.
[23] «”Culturas de Cidadania” (…)», Jurisprudência Constitucional, cit., p. 81.
[24] Idem, ibidem.
[25] Ob. cit., p. 81.
[26] Diário da República, I série-A, n.º 55, de 6 de Março de 2000.
[27] Refira-se que a Procuradoria-Geral da República pronunciou-se sobre a eventual adesão de Portugal a esta Convenção na informação-parecer n.º 195/79, de 24 de Março de 1980, remetida ao Gabinete do Ministro da Justiça, em 25 de Março de 180, e na informação-parecer n.º 195/79 – complementar, de 27 de Junho de 1986, remetida ao mesmo Gabinete, em 1 de Julho de 1986.
[28] Conforme tradução junta no processo.
[29] Sobre as causas da apatridia, v. Nacionalidad y Apatridia – Rol del ACNUR, por STEPHANIE LEPOUTRE e ARIEL RIVA, ACNUR – Delegação Regional para o Sul da América Latina, Buenos Aires, Novembro de 1998, disponível em htpp://www.acnur.org/biblioteca.
[30] Anteriormente, a Lei n.º 37/81, fora alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de Janeiro.
[31] Epígrafes das Subsecções II e III da Secção I do Capítulo I do Título I do Regulamento Português da Nacionalidade.
[32] Estas hipóteses estão contempladas no artigo 3.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.
[33] Cfr. artigos 8.º e 10.º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.
[34] RUI MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionalidade, cit., p. 145.
[35] Trata-se, como salienta RUI MOURA RAMOS, de uma típica reaquisição da nacionalidade «na medida em que regressa por esta forma ao seio da comunidade portuguesa alguém que a esta já pertencera mas que fizera entretanto cessar o vínculo que a ela o ligava» por declaração emitida durante a sua incapacidade pelo respectivo representante legal (Do Direito Português da Nacionalidade, cit., p. 153).
[36] Cfr. artigos 18.º a 24.º do Regulamento da Nacionalidade.
[37] Aspecto salientado na apresentação da proposta de lei n.º 32/X – Altera a Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade). A discussão na generalidade dessa proposta, feita conjuntamente com outros projectos de lei, encontra-se documentada no Diário da Assembleia da República, I série, n.º 54/X/1, de 14 de Outubro de 2005.
[38] Cita-se RUI MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 136.º, Março-Abril de 2007, n.º 3943, pp. 198 e segs. Sobre o sentido desta alteração, v. JORGE PEREIRA DA SILVA, ob. cit., p. 86. Segundo este Autor, a terceira geração de imigrantes «será sempre, por mero efeito da lei, uma geração de cidadãos portugueses», assim se evitando, designadamente, «a situação de apatridia de facto de muitas destas crianças pertencentes à dita terceira geração, uma vez que não possuem qualquer ligação efectiva à terra dos seus antepassados» (ibidem).
[39] Expressão de RUI MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, cit., p. 202. Sobre o sentido dessa cláusula, v., do mesmo Autor, Do Direito Português da Nacionalidade, cit., pp. 133-134.
[40] “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, cit., p. 206.
[41] RUI MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, cit., p. 207. Salientando também o acto vinculado da naturalização, v. JORGE PEREIRA DA SILVA, ob. cit., p. 87.
[42] “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, cit., p. 207.
[43] RUI MOURA RAMOS, idem, ibidem.
[44] Do Direito Português da Nacionalidade, cit., p. 181.
[45] De acordo com o disposto no artigo 30.º, n.º 3, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, a declaração relativa à perda da nacionalidade portuguesa «é instruída com documento comprovativo da nacionalidade estrangeira do interessado».
[46] Cfr. supra ponto IV.4.
[47] V. ponto IV.3. e artigo 1.º da Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas.
[48] RUI MOURA RAMOS, “A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril”, Revista de Legislação e Jurisprudência, cit., p. 225.
[49] Tal como a Convenção Europeia sobre a Nacionalidade [cfr. artigo 6.º, n.º 1, alínea b)].
[50] V. RUI MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionalidade, cit., p. 181. Este Autor salienta, neste domínio, «o relevo concedido ao indivíduo pois apenas por decisão sua se pode accionar o instituto da perda da nacionalidade» (ob. cit., p. 194).
[51] A expressão pertence a RUI MOURA RAMOS, Do Direito Português da Nacionalidade, cit., p. 195.
[52] Do Direito Português da Nacionalidade, cit., pp. 194-195.
Anotações
Legislação: 
CONST76 - ART4 ART13 N2 ART15 N1 ART26 N4 ART33 N2 N8
L 38/80 DE 1980/08/01 - ART2
DL 281/76 DE 1976/04/17
L 70/93 DE 1993/09/29 - ART2 N1 N2
L 15/98 DE 1998/03/26 - ART1 N1 N2
L 27/08 DE 2008/06/30 - ART3 N1 N2 ART7 ART88
RAR 19/00 DE 1999/12/02
L 37/81 DE 1981/10/03
LO 2/06 DE 2006/04/17 - ART1 N1 A) B) C) D) E) F) N2 ART2 ART3 N1 N3 ART4 ART5 ART6 N1 A) B) C) D) N2 A) B) N3 N4 N5 N6 ART8 N1 ART9
DL 237-A/06 DE 2006/12/14 - N1 A) B) C) D) E) F) ART13 ART14 N1 N2 ART15 ART16
Jurisprudência: 
AC DO TC 599/05 DE 2005/11/02
Referências Complementares: 
DIR CONST* DIR INT PUBL* DIR TRAT/ DIR HOMEM*****
DIRECTIVA 2004/83/CE DO CONS DE 29 DE ABRIL
DIRECTIVA 2005/85/CE DO CONS DE 01 DE DEZEMBRO*****
DUDH - ART15 N1 N2 ART16 N2
RES DAS NAÇÕES UNIDAS N 896 (IX) DE 1954/12/04
CON EUROPEIA SOBRE A NACIONALIDADEDE 1997/11/26 - ART3 ART4 A) B) C) D) ART5 N1 N2 ART6 N1 B) N2 B) N4 G) ART7 N3 ART8 N1 N3 ART9
CONV DO CONS DA EUROPA SOBRE A PREVENÇÃO DA PATRIDIA RELACIONADA COM A SUCESSÃO DE ESTADOS DE 15 DE MARÇO DE 2006
CONV N.º 13 DA COMISSÃO INTERNACIONAL DO ESTADO CIVIL (CIEC) DE 1973/09/13 - ART3 ART4 A) B) C) D) ART5 N1 N2 ART6 ART7 N3 ART8 N1 ART9
Divulgação
16 + 2 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf