Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
2/2007, de 14.06.2007
Data do Parecer: 
14-06-2007
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério dos Transportes e Comunicações
Relator: 
FERNANDO BENTO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DOMÍNIO PÚBLICO
ESTRADA NACIONAL
CANALIZAÇÕES DE ÁGUAS E ESGOTOS
SERVIÇO PÚBLICO
SOCIEDADE CONCESSIONÁRIA
SISTEMAS MULTIMUNICIPAIS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
RECOLHA TRATAMENTO E REJEIÇÃO DE EFLUENTES
TAXA
INCIDÊNCIA
ISENÇÃO
Conclusões: 
1.ª - As obras da iniciativa do Estado e das demais pessoas colectivas públicas a que se reporta o artigo 11.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, estão fora do âmbito de incidência das taxas previstas no n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma;
2.ª – As canalizações de águas e esgotos respeitantes a serviços públicos explorados, mediante concessão, por pessoas colectivas de direito privado, estão isentas das referidas taxas, por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 15.º desse diploma;
3.ª - A isenção referida na anterior conclusão aplica-se às canalizações e esgotos da iniciativa de entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, constituídas sob a forma de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos ao abrigo do disposto nos Decretos-Leis n.os 379/93, de 5 de Novembro, 319/94, de 24 de Dezembro, e 162/96, de 4 de Setembro.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações,
Excelência:



1


1.1 Solicitou Vossa Excelência a este corpo consultivo a emissão de parecer sobre a aplicabilidade ou não às entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais da isenção que consta da alínea b) do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro ([1]).

Posteriormente, foi solicitada urgência na emissão do mesmo parecer ([2]) ([3]).

Cumpre, pois, emiti-lo.


1.2. A consulta vem acompanhada de uma «Nota Informativa», subscrita pela Chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações ([4]), com o teor seguinte:

«As entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais têm vindo junto da EP - Estradas de Portugal, E.P.E. (EP), a contestar a cobrança, por esta, das taxas previstas no artigo 15.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 25/2004, de 24 de Janeiro, por entenderem estar abrangidas pela isenção que consta da alínea b) do n.° 3 do mesmo artigo, que dispõe que são isentas de taxas as “canalizações de água e esgotos respeitantes a serviços públicos”.
A questão que divide estas entidades prende-se com a interpretação a dar à noção de serviços públicos, tal como utilizada no Decreto-Lei n.° 13/71, uma vez que a EP considera que as entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais não estão abrangidas por aquela isenção de taxa, por desenvolverem a sua actividade no âmbito de uma concessão de serviço público, não sendo por isso serviços públicos. Por outro lado, estas entendem que a isenção lhes é aplicável uma vez que exercem uma actividade de serviço público.
A este propósito deram entrada neste Gabinete dois pareceres com conclusões contraditórias, que anexamos. Atendendo
1) Aos pareceres supra referidos;
2) À natureza jurídica da EP, a qual é uma empresa do sector empresarial do Estado que de acordo com os seus estatutos, publicados em anexo ao Decreto-Lei n.° 239/2004, de 21 de Dezembro, tem por objecto:
A prestação do serviço público, em moldes empresariais, de planeamento, gestão, desenvolvimento e execução da política de infra-estruturas rodoviárias definida no Plano Rodoviário Nacional, numa perspectiva integrada de ordenamento do território e desenvolvimento económico. Incluem-se ainda no objecto da EP — Estradas de Portugal, E. P. E.:
a) Assegurar a concepção, a construção, a conservação e a exploração da rede rodoviária nacional;
b) Aplicar, em articulação com todas as entidades interessadas, as normas regulamentares aplicáveis ao sector e os níveis de desempenho da rede rodoviária, assegurando a sua qualidade em termos de circulação, segurança, conforto e salvaguarda de valores patrimoniais e ambientais;
c) Exercer, de acordo com as orientações do Governo, os poderes e as faculdades do concedente previstos nos contratos de concessão e zelar pela qualidade das infra-estruturas concessionadas, assegurando a execução das respectivas obrigações contratuais;
d) Representar o Estado nos processos de concessões, na fase de preparação dos concursos e dos contratos, por indicação do concedente;
e) Contribuir, no âmbito das suas competências, para a articulação entre a rede rodoviária e outros modos de transporte e promover o desenvolvimento do conhecimento e os estudos que contribuam, no âmbito das suas atribuições, para o progresso tecnológico e económico do sector rodoviário;
f) Assegurar a fiscalização, o acompanhamento e a assistência técnica nas fases de execução de empreendimentos rodoviários e zelar pela sua qualidade técnica e económica, em todas as fases de execução;
g) Promover a melhoria contínua das condições de circulação, com segurança e conforto para os utilizadores e salvaguarda de valores patrimoniais e ambientais, e assegurar a protecção das infra-estruturas rodoviárias e a sua funcionalidade, nomeadamente no que se refere à ocupação das zonas envolventes;
h) Manter actualizado o registo e o diagnóstico do estado de conservação do património rodoviário nacional;
i) Promover a comunicação e o apoio ao utente, na perspectiva de satisfação do serviço público rodoviário;
j) Assegurar a participação e colaboração com outras instituições nacionais e internacionais no âmbito das suas competências.
A EP representa o Estado como autoridade nacional de estradas em relação às infra-estruturas rodoviárias concessionadas e não concessionadas, pelo que é responsável não só pela conservação e exploração dessas infra-estruturas, mas também por assegurar em boas condições de segurança e comodidade a circulação das estradas sob sua jurisdição.
Os membros do Conselho de Administração da EP, isto é o presidente, o vice-presidente e os cinco vogais, sendo dois não executivos, são nomeados por Despacho Conjunto do Primeiro-Ministro, dos Ministros das Finanças, da Administração Pública e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O orçamento dessa entidade pública empresarial resulta maioritariamente de transferências oriundas do Orçamento de Estado, tendo, contudo, algumas receitas próprias provenientes, nomeadamente, das taxas cobradas pela utilização do domínio público rodoviário por entidades terceiras.
3) À natureza jurídica das entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, as quais são sociedades anónimas criadas pelo legislador, sendo os respectivos estatutos adoptados, por decreto-lei, pelo Conselho de Ministros.
É o Conselho de Ministros que decide qual é o respectivo capital social, quem são os accionistas e qual é a participação social de cada accionista, reservando-se o Estado sempre para si próprio a maioria desse capital social (a participação social maioritária do Estado é sempre detida através da AdP - Águas de Portugal, SGPS, S.A., sociedade que, por sua vez, é controlada pelo Estado, directa e indirectamente, a 100%).
É ainda o Governo que decide qual o objecto social dessas sociedades, restringindo o mesmo à exploração e gestão dos sistemas multimunicipais. Assim, na área geográfica que corresponde a cada sistema multimunicipal, e para cada um dos serviços públicos que estão em causa, o Estado constitui uma entidade gestora, sob a forma de sociedade concessionária, que assegura a respectiva exploração e gestão (produzindo água para consumo público, que é fornecida aos municípios que integram o sistema; e recolhendo, tratando e descarregando, nos meios próprios, os efluentes que provêm de cada sistema municipal).
Para além do controlo que exerce sobre as sociedades concessionárias enquanto accionista indirecto que detém o controlo das mesmas, o Estado tem, nos termos da lei – Decretos-Leis n.os 379/93, de 5 de Novembro, 319/94, de 24 de Dezembro, e 162/96, de 4 de Setembro, na redacção, respectivamente, dos Decretos-Leis n.°s 103/2003, de 23 de Maio, 222/2003, de 20 de Setembro, e 223/2003, de 20 de Setembro –, e através do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, poderes de fiscalização, direcção, autorização, aprovação e suspensão de actos das mesmas. As concessionárias dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais são, na acepção do Decreto-Lei n.° 558/99, de 17 de Dezembro, empresas públicas.
São entidades públicas, encarregadas da gestão de serviços públicos, que desempenham actividades que têm por fim a satisfação de necessidades colectivas, em nome do interesse público.
Nos termos dos contratos de concessão celebrados entre o Estado Português e as entidades gestoras de sistemas multimunicipais, foi-lhes atribuída, em regime de exclusivo, a concessão da exploração e gestão dos respectivos sistemas, as quais abrangem a concepção, a construção das obras e equipamentos, bem como a sua exploração, reparação, renovação e manutenção.
O objecto das concessões compreende, entre outras vertentes, a concepção e construção de todas as instalações e órgãos necessários à captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e à recolha, tratamento e rejeição de efluentes canalizados pelos utilizadores, incluindo a instalação de condutas e colectores, a concepção e construção de estações elevatórias, estações de tratamento de água para consumo humano, estações de tratamento de águas residuais, a respectiva reparação e renovação de acordo com as exigências técnicas e com os parâmetros sanitários exigíveis.
Nesse sentido, torna-se necessária, com frequência, a intervenção em estradas sob a jurisdição da EP, EPE, nomeadamente para implantação de grande parte das condutas e colectores necessários à actividade e ao objecto da concessão. Note-se que, por lei, no termo da concessão, as condutas e colectores instalados transferem-se para uma associação de municípios representativa dos municípios utilizadores ou, em alternativa, para o conjunto desses municípios utilizadores, ou, não querendo os municípios ficar com as mesmas, transferem-se para o Estado.
Propomos ao Sr. SEAOPC que nos termos da Lei 60/98, de 28 de Agosto, nomeadamente a alínea m) do n.° 1 do art.º. 3.° e das alíneas a) a c) do art. 37°, seja formulado um pedido de parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a aplicabilidade ou não às entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais da isenção que consta da alínea b), do n.º 3 do artigo 15.°, do Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 25/2004, de 24 de Janeiro.»



2


2.1. O Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro ([5]), obedecendo, como resulta do respectivo preâmbulo, ao propósito de «simplificação dos serviços, sobretudo dos circuitos administrativos, no sentido de reduzir despesas e imprimir à Administração maior eficiência», veio regular a área de jurisdição da Junta Autónoma de Estradas (JAE) em relação às estradas nacionais e as correspondentes atribuições, as proibições e permissões de obras a efectuar nas estradas e nas respectivas zonas de protecção, as formas e processo de aprovação, autorização ou licenciamento dessas obras, bem como as correspondentes taxas.

À Junta Autónoma de Estradas, após sucessivas reestruturações decorrentes de múltiplos diplomas legais ([6]), veio a suceder, na jurisdição e atribuições referidas, a EP – Estradas de Portugal, E. P. E. (EP).

Do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 13/71, importa, para a economia do parecer, ressaltar diversas vertentes, que seguidamente se passam a analisar.

A área de jurisdição da JAE em relação às estradas nacionais ficou a abranger, para além da zona da estrada (englobando a faixa de rodagem, as bermas, as valetas, os passeios, as banquetas ou taludes, pontes e viadutos), a denominada zona de protecção à estrada (abrangendo a faixa com servidão non aedificandi e a faixa de respeito) – artigos 1.º a 3.º.

No que respeita à construção de acessos e à realização de quaisquer obras na zona da estrada, designadamente canalizações ou aquedutos no respectivo subsolo, estabeleceu-se que as mesmas só poderiam ser efectuadas mediante aprovação ou licença da JAE – artigo 6.º.

Quanto às obras a efectuar em edifícios já existentes nas faixas com servidão non aedificandi, estatuiu-se que as mesmas, quando legalmente permitidas, careceriam, em regra, de aprovação, autorização ou licença da JAE ([7]) – artigo 9.º.

Determinadas obras ou implantações na faixa de respeito (nomeadamente o estabelecimento de vedações de carácter não removível, de tabuletas ou objectos de publicidade e de postos de abastecimento de combustível) ficaram dependentes de aprovação ou licença da JAE – artigo 10.º.


2.2. Para se compreender quais as situações em que as obras a efectuar, na zona da estrada ou na respectiva zona de protecção, ficaram sujeitas a aprovação, autorização ou licença, é essencial compulsar o artigo 11.º do diploma em análise, cuja redacção é a seguinte:

«ARTIGO 11.º
(Quando tem lugar a aprovação, autorização ou a licença da Junta Autónoma de Estradas)


As obras a que se refere este decreto-lei estão sujeitas:
a) A aprovação do projecto pela Junta Autónoma de Estradas, nos casos referidos nos artigos 6.º, 7.º, 9.º e 10.º, quando sejam tais obras da iniciativa do Estado, pessoas colectivas de direito público ou empresas ferroviárias;
b) A autorização da mesma Junta, nos casos a que se refere o artigo 9.º, sempre que a iniciativa de tais obras seja de entidade diferente das referidas na alínea anterior e a competência para o licenciamento pertença às câmaras municipais respectivas, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril;
c) A licenciamento pela própria Junta Autónoma de Estradas, nos casos restantes.»

Dado que tal se revela de interesse fundamental para o objecto do parecer, importa que nos debrucemos sobre este preceito com algum pormenor.

Por força do disposto na alínea a), verificamos que, relativamente às obras a efectuar pelo Estado, por quaisquer outras pessoas colectivas de direito público ou por empresas ferroviárias, quer na zona da estrada (artigo 6.º), quer nos acessos à mesma (artigo 7.º), quer nas faixas com servidão non aedificandi (artigo 9.º), quer na faixa de respeito (artigo 10.º), as mesmas ficaram dependentes de simples aprovação do respectivo projecto pelo presidente da JAE e pelo Ministro das Obras Públicas ([8]) (artigo 13.º, n.º 1).

No que respeita às obras do Estado e de outras pessoas colectivas de direito público, este preceito surge na sequência e em paralelo com o preceituado no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 166/70, de 15 de Abril, nos termos do qual as obras da iniciativa dos serviços do Estado não careciam de licença municipal, apenas estando, em determinados casos, sujeitas a aprovação da câmara municipal, a fim de se verificar a sua conformidade com o plano ou anteplano de urbanização e com as prescrições regulamentares aplicáveis. Este regime viria a ser mantido, no essencial, pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, que isentou de licenciamento municipal as obras promovidas pela administração directa ou indirecta do Estado, bem como as da iniciativa das autarquias locais, e pelo artigo 7.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que isentou de licenciamento municipal as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área abrangida por plano municipal de ordenamento do território, as promovidas pelo Estado relativas a equipamentos ou infra-estruturas destinados à instalação de serviços públicos ou afectos ao uso directo e imediato do público, as obras de edificação ou demolição promovidas pelos institutos públicos que tenham por atribuições específicas a promoção e gestão do parque habitacional do Estado e que estejam directamente relacionadas com a prossecução destas atribuições, as obras de edificação ou demolição promovidas por entidades públicas que tenham por atribuições específicas a administração das áreas portuárias ou do domínio público ferroviário ou aeroportuário, quando realizadas na respectiva área de jurisdição e directamente relacionadas com a prossecução daquelas atribuições e as obras de edificação ou de demolição e os trabalhos promovidos por entidades concessionárias de obras ou serviços públicos, quando se reconduzam à prossecução do objecto da concessão.

Correspondentemente, a Portaria n.º 114/71, de 1 de Março, que aprovou o Regulamento do Licenciamento de Obras pela Junta Autónoma de Estradas, veio determinar, no seu artigo 1.º, n.º 2, que, «nos casos de obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público», o requerimento que, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, deveria normalmente ser apresentado pelos interessados, seria «substituído por simples ofício».

MARCELLO CAETANO ([9]) considerava pessoas colectivas de direito público «além do Estado, aquelas que, sendo criadas por acto do poder público, existem para a prossecução necessária de interesses públicos e exercem em nome próprio poderes de autoridade» ([10]), abrangendo em tal conceito, no território continental, as autarquias locais, os institutos públicos (englobando os serviços personalizados, as fundações públicas e as empresas públicas), assim como os organismos corporativos obrigatórios e outras associações públicas ([11]).

Relativamente às demais pessoas colectivas incumbidas, por lei ou por acto ou contrato administrativo, de realizar alguma função de interesse público em cujo desempenho exercessem poderes de autoridade ou colaborassem no seu exercício, integrava-as o mesmo Autor no conceito de pessoas colectivas de direito privado e regime administrativo, nele incluindo, para além dos organismos corporativos facultativos, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e as sociedades de interesse colectivo ([12]) (nestas últimas se incluindo as sociedades concessionárias de obras públicas, de serviços públicos ou da exploração de bens do domínio público, as de capitais públicos e as que, por força da lei ou dos estatutos, fossem de economia mista ([13])).

O referido regime de mera aprovação de projectos de obras da iniciativa do Estado e demais pessoas colectivas de direito público a efectuar na área de jurisdição da JAE representou uma alteração significativa do regime anteriormente vigente, e que decorria do Estatuto das Estradas Nacionais ([14]), uma vez que deste resultava que, quer as obras do Estado, quer as dos seus serviços autónomos, quer as das autarquias locais, na referida área, estavam sujeitas a licenciamento por parte daquela Junta ([15]), embora, em determinadas situações, ficassem isentas das correspondentes taxas.

No que concerne às obras a efectuar por iniciativa de empresas ferroviárias, o preceito reportava-se, por imperativo lógico, às pessoas colectivas de direito privado que então detinham a gestão da rede nacional dos caminhos de ferro (Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, S.A.R.L., e Sociedade Estoril ([16])), tendo também paralelo no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 166/70, que já estabelecera a não sujeição a licenciamento municipal das obras da iniciativa de empresas ferroviárias. Essas obras ficaram a depender, também, de mera aprovação do respectivo projecto por parte do presidente da JAE e do Ministro das Obras Públicas (artigo 13.º, n.º 1).

Por força do disposto na alínea b) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 13/71, as obras a efectuar nos edifícios situados nas faixas com servidão non aedificandi (artigo 9.º), sempre que fossem da iniciativa de pessoas singulares ou de pessoas colectivas de direito privado, com excepção das empresas ferroviárias, ficariam, caso estivessem sujeitas a licenciamento municipal, dependentes de mera autorização por parte da JAE, a conceder pelos directores de estradas (artigo 13.º, n.º 2).

Tal preceito conjuga-se com o disposto nos artigos 9.º, n.º 3, e 21.º do Decreto-Lei n.º 166/70, que atribuíram aos serviços municipais a competência para promover que a JAE se pronunciasse relativamente a tais obras, remetendo à mesma, para o efeito, por ofício registado com aviso de recepção ou mediante protocolo, a documentação necessária.

Tendo em consideração o disposto na alínea c) do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 13/71, todas as demais obras a efectuar na área de jurisdição da JAE ficaram sujeitas a licenciamento por parte desta entidade.

Conjugando o teor desta alínea com o das anteriores, constata-se que ficaram sujeitas, em termos residuais, a licenciamento por parte da JAE todas as obras da iniciativa de pessoas singulares ou de pessoas colectivas de direito privado, com excepção das empresas ferroviárias, a efectuar na zona da estrada ou na zona de protecção à estrada, com excepção, apenas, das obras sujeitas a licenciamento municipal a efectuar nos edifícios situados nas faixas com servidão non aedificandi.


2.3. As taxas a pagar por cada autorização ou licença, assim como as obras delas isentas, encontram-se previstas no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71.

Tal preceito, sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis n.os 667/76, de 5 de Agosto, 235/82, de 19 de Junho, e 25/2004, de 24 de Janeiro, ficou a ter a redacção seguinte ([17]):

«Artigo 15.º
(Taxas)

1 - Sem prejuízo de legislação específica, as taxas a pagar por cada autorização ou licença são as seguintes:
a) Pela ocupação do subsolo da zona da estrada, por cada metro de extensão de canalização ou aqueduto — (euro) 11,38;
b) Pela ocupação temporária de parte da zona da estrada com construções, abrigos móveis ou andaimes, por metro quadrado, em cada mês ou fracção — (euro) 11,38;
c) Pelo estabelecimento de balanças na zona da estrada, por cada metro quadrado — (euro) 113,52;
d) Pela passagem de águas de rega ou de lima pelas valetas da estrada ou em canalizações ao longo da estrada, por cada metro de extensão — (euro) 1,14;
e) Pelos passadiços ou atravessamentos no espaço aéreo da estrada, por cada metro quadrado — (euro) 11,38;
f) Pelo estabelecimento de acessos a propriedades rústicas ou a edifícios de habitação, por cada metro ou fracção de largura — (euro) 0,57;
g) Pelo estabelecimento de acessos a instalações industriais, por cada metro quadrado de pavimento dessas instalações servidas pela estrada — (euro) 2,28;
h) Pela ampliação ou modificação de edifícios já existentes na faixa com servidão non aedificandi, por cada metro quadrado de pavimento novo — (euro) 2,28;
i) Pelo estabelecimento de muros ou vedações de carácter não removível, por cada metro de extensão — (euro) 3,41;
j) Pela implantação de tabuletas ou objectos de publicidade, por cada metro quadrado ou fracção dos mesmos — (euro) 56,79;
l) Pelo estabelecimento ou ampliação de postos de combustíveis, por cada bomba abastecedora de combustível — (euro) 1362,30.
2. O pagamento total ou parcial destas taxas pode efectuar-se por compensação de valor de terrenos cedidos pelos interessados à Junta Autónoma de Estradas, por virtude da fixação de alinhamentos.
3. São isentas de quaisquer taxas:
a) As obras de igrejas, escolas, hospitais e estabelecimentos de beneficência ou de interesse público;
b) Canalizações de água e esgotos respeitantes a serviços públicos.»

É relativamente à interpretação do disposto na alínea b) do n.º 3 deste preceito que se suscitaram as dúvidas que estiveram na origem da consulta.

Pela análise do expediente recebido, constata-se que a EP – Estradas de Portugal, E. P. E., entende que a isenção de taxas ali prevista não abrange as canalizações de água e os esgotos das entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento, ao passo que estas entidades perfilham o entendimento contrário, sustentando que tal isenção lhes é aplicável.

A acompanhar tal expediente, foi remetida cópia de dois pareceres jurídicos, concluindo um deles no sentido propugnado pela EP – Estradas de Portugal, E. P. E., e o outro no sentido defendido pelas entidades gestoras dos referidos sistemas multimunicipais.

O parecer que se pronuncia no sentido da aplicabilidade da referida isenção às entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de água e saneamento baseia-se, essencialmente, na argumentação de que, apenas estando prevista a tributação de obras sujeitas a autorização ou licenciamento por parte da JAE (EP), o facto de as obras da iniciativa do Estado e de outras pessoas colectivas públicas estarem isentas de tal autorização ou licenciamento colocá-las-ia fora do âmbito da norma de incidência das taxas. Seguir-se-ia de uma tal premissa a conclusão de que a isenção em questão nunca poderia reportar-se a serviços públicos geridos por pessoas colectivas públicas, mas antes a serviços públicos geridos, designadamente mediante concessão, por pessoas colectivas de direito privado. Para além disso, mesmo que, por hipótese, se entendesse que o legislador apenas teria pretendido isentar de taxa as canalizações e esgotos a instalar por entidades integradas na Administração Pública, as referidas entidades gestoras têm um carácter sui generis, já que, estando sujeitas ao poder de direcção por parte do Governo, a sua gestão tem natureza pública, assemelhando-se à administração directa.

O outro parecer, sustentando a inaplicabilidade da isenção às referidas entidades gestoras, estribou-se no seguinte quadro argumentativo:

a) No contexto político e social subjacente ao surgimento da norma em apreço, os serviços públicos respeitantes a águas e esgotos eram, por via de regra, directamente explorados por pessoas colectivas públicas, tendo a isenção por objectivo permitir equipar o país da necessária e imprescindível rede de águas e de saneamento;

b) Nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71 o legislador apenas admitiu a isenção de taxas a favor de pessoas colectivas de direito público ou de particulares para fins de beneficência ou de interesse público e, nessa medida, sem fins lucrativos;

c) A entidade concessionária, embora gerindo um serviço público, não deixa de prosseguir os seus fins estatutários, visando o lucro, não fazendo, por isso, qualquer sentido isentá-la do pagamento da taxa devida pela utilização privativa do domínio público;

d) De um ponto de vista puramente linguístico, o legislador isentou os serviços públicos e não as concessionárias de serviço público; caso o legislador entendesse dever isentar as concessionárias, tê-lo-ia feito expressamente, o que não foi o caso;

e) Caso ficassem isentas da referida taxa, tais entidades ficariam numa posição de vantagem concorrencial sobre todas as demais empresas que prossigam a actividade de captação e abastecimento de águas, o que violaria o princípio da igualdade.

Todo este complexo argumentativo será objecto de oportuna análise.

Antes de nela nos embrenharmos, importará, todavia, apurar qual a natureza jurídica das entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de água e saneamento a que nos temos vindo a reportar, tarefa a que nos dedicaremos de seguida.



3


3.1. Dispõe-se no artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que é garantida a existência de três sectores de propriedade dos meios de produção – o público, o privado e o cooperativo e social -, sendo o sector público constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas e o sector privado, sem prejuízo do estabelecido quanto ao sector cooperativo e social, constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas.

Em face de tal preceito, são de considerar integrados no sector público os meios de produção pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, desde que geridos por eles, directa ou indirectamente.

Relativamente às empresas e unidades de produção de economia mista, com participação pública e privada ao nível da propriedade e da gestão, serão de considerar integradas no sector público apenas aquelas em que tal sector detiver a maioria na propriedade e na gestão ([18]).

Por força do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da CRP, a lei poderá definir sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza.


3.2. O Decreto-Lei n.º 372/93, de 29 de Outubro, introduziu alterações no artigo 4.º da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho ([19]) (lei da delimitação dos sectores).

Por força daquele preceito legal, ficou vedado a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza o acesso às actividades económicas de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de efluentes, em ambos os casos através de redes fixas, e recolha e tratamento de resíduos sólidos, no caso de sistemas multimunicipais, considerando-se como tais os que sirvam pelo menos dois municípios e exijam um investimento predominante a efectuar pelo Estado em função de razões de interesse nacional [alínea a) do n.º 1 e n.º 2].

No n.º 3 do mesmo preceito estabeleceu-se que as referidas actividades, embora mantendo-se vedadas a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza, poderiam ser exercidas, em regime de concessão a outorgar pelo Estado, por empresas resultantes da associação de entidades do sector público, designadamente autarquias locais, em posição obrigatoriamente maioritária no capital social da nova sociedade, com outras entidades privadas.


3.3. Pelo Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro ([20]), viria a ser regulado o regime de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos.

Pelo Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro ([21]), foi aprovado o regime jurídico da concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro ([22]), veio regular o regime jurídico da concessão da exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes.

Da análise conjugada destes três diplomas, cumpre, como aspectos essenciais dos regimes neles regulados com relevo para o parecer, acentuar os seguintes:

- A gestão de tais sistemas ficou subordinada aos princípios da prossecução do interesse público, do carácter integrado dos sistemas, da eficiência e da prevalência da gestão empresarial – artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 379/93;

- É obrigatória, em regra, para os utilizadores, a ligação aos referidos sistemas – artigo 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93, artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 162/96;

- A exploração e gestão dos sistemas multimunicipais pode ser directamente efectuada pelo Estado ou atribuída, em regime de concessão, a uma empresa pública ou uma sociedade de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, podendo os municípios servidos pelos sistemas deter uma participação maioritária no capital da sociedade concessionária – artigos 3.º, n.º 1, e 3.º-A ([23]), do Decreto-Lei n.º 379/93, artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 162/96;

- A criação e a concessão de sistemas multimunicipais são objecto de decreto-lei – artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93;

- A criação dos sistemas multimunicipais tem por objectivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos – artigo 4.º-A, n.º 1 ([24]), do Decreto-Lei n.º 379/93;

- A exploração e gestão de tais sistemas multimunicipais consubstancia um serviço público a exercer em regime de exclusivo – artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 162/96;

- As entidades gestoras de sistemas multimunicipais estão incumbidas, essencialmente, da realização das missões de interesse público de: assegurar, de forma regular, contínua e eficiente, o abastecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes, bem como a recolha e tratamento de resíduos sólidos; promover a concepção e assegurar a construção e exploração das infra-estruturas, instalações e equipamentos necessários aos sistemas; assegurar a reparação e renovação dessas infra-estruturas e instalações, de acordo com a evolução das exigências técnicas e no respeito pelos parâmetros sanitários aplicáveis; controlar, sob a fiscalização das entidades competentes, os parâmetros sanitários da água distribuída e dos efluentes tratados, assim como dos meios receptores em que estes são rejeitados – artigo 4.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 379/93, artigo 6.º, n.º 2 ([25]), do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 7.º, n.º 2 ([26]), do Decreto-Lei n.º 162/96;

- As entidades gestoras de sistemas multimunicipais têm por objecto essencial a exploração e gestão de sistemas multimunicipais, podendo, desde que para o efeito estejam habilitadas, exercer outras actividades acessórias ou complementares da mesma natureza, desde que autorizadas pelo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente [27] e, em qualquer caso, desde que a exploração e gestão de sistemas multimunicipais se mantenha como a sua actividade essencial e com contabilidade própria e autónoma – artigo 4.º-A, n.os 8 e 9, do Decreto-Lei n.º 379/93, artigo 6.º, n.os 8 e 9, e Base II, n.º 3, do Anexo do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 7.º, n.os 8 e 9, e Base II, n.º 3, do Anexo do Decreto-Lei n.º 162/96;

- O Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente tem, relativamente às entidades gestoras de sistemas multimunicipais, poderes de fiscalização, direcção, autorização, aprovação e suspensão de actos das mesmas, podendo, para o efeito, dar directrizes vinculantes às administrações dessas entidades gestoras e definir as modalidades de verificação do cumprimento das directrizes emitidas, cabendo, outrossim, ao Estado a aprovação dos planos de actividade e financeiros plurianuais, os orçamentos anuais de exploração, de investimento e financeiros, bem como as tarifas a cobrar, e ainda a autorização da celebração ou a modificação dos contratos de fornecimento entre a concessionária e os utilizadores e a aquisição e venda de certos bens imóveis – artigos 4.º-A, n.º 10, e 5.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 379/93, artigo 6.º, n.os 10 e 11, e Base XXIII do Anexo do Decreto-Lei n.º 319/94, e artigo 7.º, n.os 10 e 11, e Base XXIII do Anexo do Decreto-Lei n.º 162/96;

- As concessionárias terão o direito de utilizar o domínio público do Estado para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão, uma vez aprovados os respectivos projectos ou precedendo despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, sem prejuízo da formalização da respectiva cedência nos termos da lei – Base XVII, n.os 1 e 2, do Anexo do Decreto-Lei n.º 319/94, e Base XVII, n.os 1 e 2, do anexo do Decreto-Lei n.º 162/96;

- As concessionárias terão, também, o direito de utilizar o domínio público dos municípios utilizadores ou de outras pessoas colectivas públicas diversas do Estado, mediante afectação, uma vez aprovados os respectivos projectos ou precedendo despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais — Base XVII do Anexo do Decreto-Lei n.º 319/94, e Base XVII do anexo do Decreto-Lei n.º 162/96;

- As concessionárias poderão constituir as servidões e requerer as expropriações necessárias à implantação e exploração das infra-estruturas, resultando as mesmas da aprovação dos respectivos projectos pelo Ministro ou de declaração de utilidade pública, simultânea ou subsequente, nos termos da lei aplicável — Base XVIII do Anexo ao Decreto-Lei n.º 319/94, e Base XVIII do anexo ao Decreto-Lei n.º 162/96;

- As concessionárias poderão elaborar os regulamentos de exploração e serviço, os quais são sujeitos a aprovação do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais – Base XXXII do Anexo do Decreto-Lei n.º 319/94, e Base XXX do anexo do Decreto-Lei n.º 162/96.


3.4. No seguimento da publicação deste complexo normativo, viriam a ser instituídos diversos sistemas multimunicipais de água e saneamento ([28]), e criadas várias sociedades anónimas, de capitais públicos ou maioritariamente públicos, destinadas a gerir tais sistemas, na qualidade de concessionárias ([29]).

Dos actos legislativos que constituem tais sociedades e aprovam os respectivos estatutos resulta, em geral, que as mesmas têm por objecto social exclusivo a exploração e gestão do sistema multimunicipal a concessionar, e que, em tudo o que não estiver especialmente previsto nos diplomas legais a que nos temos vindo a referir, o respectivo funcionamento é regido pela lei comercial.

Trata-se, em síntese, de sociedades comerciais anónimas, de capitais públicos ou maioritariamente públicos, sujeitas à lei comercial em tudo o que não estiver especialmente previsto na legislação citada.



4


4.1. MARCELLO CAETANO considerava serviço público «o modo de actuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular e contínuo, a quantos dele careçam, os meios idóneos para satisfação de uma necessidade colectiva individualmente sentida» ([30]).

Tal expressão não tem um sentido unívoco na doutrina e na jurisprudência. Umas vezes, é utilizada em sentido orgânico, designando um conjunto de meios materiais e humanos que uma pessoa colectiva pública afecta à realização de uma tarefa. Noutras, é usada em sentido material, como tratando-se de uma actividade de interesse geral que a Administração deve prosseguir. Por vezes, o seu emprego reporta-se a um certo regime jurídico, consagrando um conjunto de processos derrogatórios do direito comum, referidos como sujeitos a um regime de serviço público ([31]).

No Estado liberal, a regra apontava no sentido da convergência das três acepções referidas: as actividades de interesse geral eram prosseguidas directamente por pessoas colectivas públicas sob um regime derrogatório do direito comum. Desde então verificou-se, todavia, uma significativa evolução, levando a que tal convergência seja muito menos frequente, levando à dissociação dos referidos elementos ([32]).

Sendo um serviço público, por natureza, um elemento de uma pessoa colectiva de direito público, sucede que o ordenamento jurídico permite, em determinados casos, que tal pessoa, mantendo embora a respectiva tutela ou supervisão, confie a sua gestão a outra entidade, de natureza pública ou privada. Assim, para além da gestão directa do serviço por parte da pessoa colectiva pública que do mesmo é titular, verificamos a existência de casos em que a gestão é confiada a outras pessoas colectivas públicas (institutos públicos), bem como a pessoas colectivas de direito privado, através de delegação ou de concessão ([33]).

No concreto caso da concessão, esta implica a transferência temporária do exercício dos direitos e poderes da pessoa colectiva pública necessários à gestão do serviço para a concessionária, que assume tal gestão por sua conta e risco. Tal transferência é acompanhada, todavia, pela manutenção de um núcleo de poderes tutelares ou de supervisão, mais ou menos alargado, por parte da concedente, sobre a gestão prosseguida pela concessionária, radicando na existência de tal núcleo a continuação da qualificação da actividade em causa como serviço público ([34]).


4.2. O fenómeno da privatização iniciado nos anos oitenta do século passado veio alterar, de forma marcante, o quadro tradicional existente na distinção entre o público e o privado.

Caracterizando-se, por vezes, como privatização patrimonial, a mesma traduz-se na alienação de bens públicos ou de empresas públicas para entidades particulares (privatização material ou autêntica). Casos há, todavia, em que uma entidade pública é transformada em sociedade constituída nos termos da lei comercial, operando-se aí uma privatização meramente formal ([35]).

Idêntico fenómeno vem ocorrendo ao nível da privatização de tarefas.

Situações há em que ocorre uma despublicização, desintervenção ou renúncia pública à titularidade da tarefa, gerando a sua privatização material. Noutras, a Administração chama entidades privadas a colaborar na preparação ou na implementação de tarefas públicas, actuando as mesmas no âmbito do direito privado (privatização funcional). Noutras ainda, a execução ou gestão da tarefa pública, enquanto tal, é confiada a sujeitos de direito privado (privatização orgânica) ([36]).

No âmbito da privatização orgânica, casos há em que a execução ou gestão da tarefa pública é confiada a verdadeiras entidades privadas, designadamente mediante delegação ou concessão (privatização orgânica material). Noutros, verifica-se a criação, para o mesmo efeito, por iniciativa pública, de entidades formalmente privadas, sob a forma de sociedades comerciais de capitais públicos (privatização orgânica formal). Noutros ainda, são criadas, para o mesmo efeito, em parceria público-privada, entidades formalmente privadas, associando participações do sector público e do sector privado (privatização orgânica mista) ([37]).

Referenciando este fenómeno de privatização das formas de organização da Administração Pública, em que esta se serve das formas organizativas típicas do Direito Comercial, para criar novas entidades instrumentalizadas aos fins de interesse público subjacentes à entidade pública que está na respectiva génese, PAULO OTERO acentua o facto de tal realidade implicar a criação hodierna de uma Administração indirecta privada que, situada em termos verdadeiramente paralelos – senão mesmo substitutivos – à Administração indirecta pública, transformou o modelo organizativo da moderna Administração Pública, em termos de, ao lado da Administração Pública sob forma jurídica pública se vir a desenvolver uma administração paralela sob forma jurídica privada (Administração Pública sob forma privada) ([38]).

Segundo este mesmo Autor, «este movimento de privatização das formas jurídicas da Administração Pública abalou os próprios quadros tradicionais do direito Privado, criando figuras híbridas, levando a uma “descontratualização” das sociedades comerciais, enquanto sociedades criadas agora por lei, e, nesse sentido, a falar-se na proliferação de “sociedades legais”, dotadas de um regime que, por razões de interesse público, se mostra derrogatório do Código das Sociedades Comerciais e, por tudo isto, gera a formação de um Direito Comercial Administrativo ou de um Direito Administrativo Comercial» ([39]).

Fazendo um balanço desta generalização da actividade administrativa jurídico-privada, com interligação e «promiscuidade» entre o Direito Público e o Direito Privado, MARIA JOÃO ESTORNINHO pergunta-se «se a Administração Pública não estará hoje a atingir o estádio mais grave de “esquizofrenia”, marcado pelo “fantasma do corpo desconjuntado”, ou seja pela perda de consciência da unidade física do próprio corpo», advogando ser «indispensável redefinir as fronteiras orgânicas da Administração Pública» ([40]), tendo em consideração a ideia de que o Direito Privado e o Direito Público já não podem mais ser encarados como campos totalmente opostos, tendo-se as respectivas fronteiras diluído e verificando-se entre eles fenómenos recíprocos de invasão ([41]).

Este fenómeno veio pôr em causa a contradição institucional ou tensão interna que tradicionalmente ocorria nos casos em que os particulares eram chamados a gerir serviços públicos.

Com efeito, e como observa PEDRO GONÇALVES ([42]), os particulares chamados, por delegação ou concessão, a desempenhar tarefas públicas não deixam, por isso, de agir segundo “motivações privadas” de variada ordem, tendo «o corpo no Estado» enquanto «o seu espírito pertence à Sociedade». Essa contradição não tem qualquer paralelo nas entidades administrativas privadas, inexistindo, neste caso, a situação de “conflito de interesses” que caracteriza os particulares com funções públicas.

Se o particular visa, como objectivo primordial, o lucro, uma entidade administrativa privada terá que nortear-se, primordialmente, por razões de satisfação dos interesses públicos cuja exploração lhe serve de objecto, e o próprio lucro que vier eventualmente a obter estará, por natureza, destinado a servir a prossecução desses mesmos interesses. Trata-se de um imperativo que decorre do artigo 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que é estendido, no plano do direito ordinário, a toda a actividade administrativa, de gestão pública ou privada (artigos 2.º, n.º 5, e 4.º do Código do Procedimento Administrativo).

Por isso mesmo, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, assinala como missão para as empresas públicas do sector empresarial do Estado, para além da contribuição para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público (que será mais seguramente atingido através de uma gestão superavitária), a contribuição «para a obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade» ([43]).

Para além da suplantação da referida contradição institucional, cumprirá ainda acentuar um outro aspecto que deriva da mesma tendência privatizadora, mormente no que respeita às concessões de serviços públicos, no que concerne ao risco tradicionalmente assumido pelo concessionário.

Com efeito, resultava da própria natureza do contrato de concessão que a exploração do serviço público correria por conta e risco do concessionário.

Ora, o facto de o Estado ou outras pessoas colectivas públicas deterem a totalidade ou a maioria do capital das empresas concessionárias vem alterar radicalmente esse cenário, já que o risco da gestão do serviço se irá repercutir, em última instância, no próprio património público, e não no de pessoas particulares ([44]).


4.3. Regressando à questão concreta da natureza jurídica das entidades gestoras de sistemas multimunicipais de água e saneamento, verificamos, pelo que acima se descreveu, que as mesmas: (a) São criadas por decreto-lei; (b) Revestem a forma de sociedades anónimas de capitais públicos ou maioritariamente públicos; (c) Prosseguem, em sistema de exclusivo, e como objecto exclusivo ou essencial, a exploração e gestão de um serviço público de abastecimento de água ou de saneamento; (d) Exercem prerrogativas de direito público, podendo elaborar, designadamente, regulamentos de exploração e serviço, e (e) Estão sujeitas a um complexo e apertado regime de controlo administrativo por parte do ministério da tutela, o qual compreende poderes de fiscalização, direcção, autorização, aprovação e suspensão de actos das mesmas, de emissão de directrizes vinculantes para as respectivas administrações, de definição das modalidades de verificação do cumprimento dessas directrizes, de aprovação dos planos de actividade e financeiros plurianuais, dos orçamentos anuais de exploração, de investimento e financeiros, bem como das tarifas a cobrar, e ainda de autorização da celebração ou da modificação dos contratos de fornecimento entre a concessionária e os utilizadores e da aquisição e venda de certos bens imóveis.

Tratando-se de sociedades anónimas, tais entidades, por natureza, são pessoas colectivas de direito privado ([45]).

Tendo capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, haverão de ser englobadas na categoria legal de empresas públicas, tendo em consideração o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro.

Não fosse, todavia, o facto de terem sido constituídas sob a forma de sociedades anónimas, tais entidades, pelo instrumento jurídico que as criou, pelos fins que prosseguem, pelos poderes que detêm e pelo controlo público a que estão sujeitas, seriam inequivocamente integradas na categoria doutrinária de pessoas colectivas públicas.

Com efeito, a doutrina vem apontando, na falta de classificação que resulte directamente da lei, como características próprias das pessoas colectivas públicas, a criação por iniciativa pública (por lei ou por acto público baseado numa lei), a sujeição a um regime de ingerência e controlo público e a titularidade de poderes públicos de autoridade ([46]).

Todos esses requisitos se encontram preenchidos no tocante a essas entidades.

Contrariamente às empresas públicas, que são constituídas «nos termos da lei comercial» (artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 558/99), tais entidades são constituídas por decreto-lei.

Para além de exercerem prerrogativas de autoridade, as mesmas estão submetidas a um poder de ingerência e controlo por parte do Estado, através do ministério da tutela, bem mais apertado do que o que sucede, em geral, com outras pessoas colectivas públicas, como é o caso das entidades públicas empresariais.

Verifica-se, com efeito, da análise conjugada dos artigos 11.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 558/99, que o Estado detém, relativamente às entidades públicas empresariais em geral, os seguintes poderes ([47]):

- Definição das orientações estratégicas – artigo 11.º, n.os 1 e 2;

- Verificação do cumprimento dessas orientações estratégicas – artigo 11.º, n.º 3;

- Tutela económica e financeira, englobando a aprovação dos planos estratégico e de actividades, orçamentos e contas, assim como de dotações para capital, subsídios e indemnizações compensatórias e a homologação de preços ou tarifas a praticar por empresas que explorem serviços de interesse económico geral – artigo 29.º.

Ora, o leque de poderes que o Estado detém relativamente às entidades gestoras de serviços multimunicipais de água e saneamento, abarcando todos os acima referidos, vai significativamente além deles, consignando a lei um sistema de ingerência e controlo («poderes de fiscalização, direcção, autorização, aprovação e suspensão de actos») que se aproxima, nalgumas vertentes, dos poderes hierárquicos próprios da administração directa.

Haverá, assim, que concluir que as entidades em causa, sendo embora pessoas colectivas privadas, estão sujeitas a um regime material de constituição e de controlo público análogo ao das pessoas colectivas públicas.


5


5.1. Uma vez feita a abordagem da natureza jurídica das entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de água e saneamento, cumpre reatar a análise do preceito constante do artigo 15.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71, tendo em vista apurar se essas entidades, enquanto gestoras de um serviço público, se encontram abrangidas pela isenção de taxas nele prevista.

Em termos formais, estaremos perante uma isenção «quando a lei subtrai à tributação, através da previsão normativa de um facto impeditivo, situações e sujeitos que, de outra feita, ficariam dentro do âmbito da previsão da norma tributária» ([48]).

Haverá, assim, que distinguir as situações de isenção das situação de não tributação. Nas primeiras, ocorre uma excepção a determinada regra, previamente estabelecida através de expressa formulação legal. Nas últimas, verifica-se um espaço juridicamente vazio, tornando desnecessária a formulação da excepção ([49]).

Importará, pois, em primeiro lugar, e antes de analisar o âmbito da isenção, procurar determinar o âmbito de incidência das taxas previstas no artigo 15.º, n.º 1, do referido diploma.

O que nele se consigna é que, «por cada autorização ou licença», e relativamente a cada categoria de obras referida nas diversas alíneas do preceito, será devida a taxa ali indicada. Concretamente, e no que respeita à ocupação do subsolo da zona da estrada, prevê-se na alínea a) do mesmo preceito a obrigatoriedade do pagamento, por cada metro de extensão de canalização ou aqueduto, de uma taxa de 11,38 euros.

A letra da lei é clara no sentido de apenas prever a incidência de taxa nos casos de obras sujeitas a autorização ou licença.

Uma vez que tal preceito nada refere no tocante às obras dependentes de simples aprovação por parte da JAE (EP), será que foi intenção do legislador não abranger no âmbito de incidência dessa taxa as obras da iniciativa das entidades referidas no artigo 11.º, alínea a), do mesmo diploma (Estado, demais pessoas colectivas públicas e empresas ferroviárias)?

Ou será que o legislador, quando se refere apenas a «autorização ou licença», no n.º 1 do preceito, se não exprimiu nos melhores termos, pretendendo, com tal redacção, abranger a generalidade das obras, ainda que dependentes de mera aprovação?

O intérprete deve presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). Daí que, numa primeira abordagem, e na falta de outros elementos interpretativos com suficiente relevo para infirmar tal presunção, deverá entender-se que a norma de incidência da taxa apenas abrange os casos de obras sujeitas a autorização ou licença, e já não as sujeitas a mera aprovação da JAE (EP).

Sucede, todavia, que os antecedentes legislativos, conjugados com o teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 13/71, apontam, exactamente, no sentido de que o legislador apenas visou, no n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, abranger as obras sujeitas a autorização ou licença, e não já as sujeitas a aprovação por parte da JAE.


5.2. No âmbito do Estatuto das Estradas Nacionais, as taxas a cobrar pelos licenciamentos da JAE relativos a obras a efectuar na sua área de jurisdição vinham previstos na Tabela anexa respectiva.

A norma de incidência era geral, não havendo, na altura, distinção entre os casos de aprovação, autorização ou licenciamento.

Das Notas à referida tabela resultava, todavia, um complexo esquema de isenções de taxa, abrangendo as seguintes situações:

a) A ocupação do subsolo (com cabo, tubo, cano ou aqueduto) ou do espaço aéreo em extensão até 20 metros – Nota 1.ª, alínea a);

b) Relativamente ao Estado, as servidões de água de rega e de lima pelas valetas das estradas, quando resultantes de obrigações contraídas em acto de expropriação ou de direitos adquiridos anteriormente à construção da estrada – Nota 1.ª, alínea b);

c) As obras de qualquer natureza a efectuar pelo Estado na zona de protecção da estrada – Nota 2.ª, alínea a);

d) Obras em edifícios de autarquias locais e de pessoas colectivas de utilidade pública administrativa a efectuar na zona de protecção à estrada – Nota 2ª, alínea b), in fine;

e) As obras de construção ou reconstrução geral de edifícios na zona de protecção da estrada para fins industriais ou agrícolas, de igrejas, escolas, hospitais, estabelecimentos de beneficência, alpendres, telheiros e outros cobertos – Nota 2.ª, alínea b);

f) Determinadas obras e actividades de pequena envergadura ou importância, levadas a cabo relativamente à zona de protecção – Nota 2.ª, alíneas c) a h), e Nota 4.ª, alíneas a) a l);

g) O estabelecimento, no subsolo da estrada, de canalizações de água e esgotos respeitantes a serviços públicos, ficando, no entanto, as entidades que promoverem a execução de abastecimento de águas com distribuição domiciliária obrigadas a fornecer, anual e gratuitamente, à JAE determinados volumes de água, bem como a estabelecer ramais de canalização até aos limites do leito da estrada por cada atravessamento ou quilómetro de canalização – Nota 3.ª.

Para além das situações descritas, poderia o Governo conceder isenção de taxa às licenças para obras de manifesta utilidade pública, sempre que das mesmas não resultassem quaisquer benefícios ou interesses pecuniários para o requerente – Nota 7.ª.

Nos casos não abrangidos por isenções, era permitido, relativamente a «serviços autónomos, companhias concessionárias do Estado, autarquias locais, pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e empresas singulares ou colectivas» acordar com a JAE um sistema de compensação, mediante o qual, caso concedessem um qualquer bónus à JAE, esta reduziria a taxa devida na proporção correspondente – Nota 8.ª.

Resulta do exposto que o Estado e as autarquias locais, embora isentos de taxas quanto a obras a efectuar na zona de protecção à estrada, não estavam isentos quanto a obras a efectuar no subsolo da estrada, a não ser que se tratasse de canalizações relativas a serviço público de água e esgotos.

Para que o Estado e as autarquias locais, assim como as demais pessoas colectivas públicas, pudessem beneficiar de isenções relativamente a outras situações, teria o Governo que, caso a caso, decidir sobre a sua concessão ou denegação, por força do disposto na Nota 7.ª à Tabela anexa ao Estatuto das Estradas Nacionais, do que resultaria sempre actividade burocrática acrescida, conduzindo, nuns casos, à isenção pretendida e, nos outros, à efectiva realização da despesa decorrente do pagamento da taxa.

Com o Decreto-Lei n.º 13/71, visou o legislador, como propósito essencial, de acordo com o respectivo preâmbulo, simplificar os serviços, sobretudo dos circuitos administrativos, no sentido de reduzir despesas e imprimir à Administração maior eficiência.

Uma das vertentes dessa simplificação foi, em termos de circuito administrativo, a eliminação da obrigatoriedade de licenciamento de obras por parte da JAE, sempre que as mesmas fossem da iniciativa do Estado ou de qualquer outra pessoa colectiva pública (artigo 13.º, n.º 1), não se efectuando qualquer distinção entre as autarquias locais e as pessoas colectivas públicas de outra natureza. Nesses casos, as obras ficaram sujeitas a mera aprovação do projecto por parte de tal entidade.

Outra das vertentes foi a não tributação da mera aprovação, por parte da JAE, desses projectos de obras, evitando as correspondentes despesas e a actividade burocrática com estas relacionada.


5.3. Tendo-se concluído no sentido de que o âmbito de incidência das taxas previstas no artigo 15.º, n.º 1, e designadamente da prevista na respectiva alínea a), não abarca as pessoas colectivas públicas, seguir-se-á, por imperativo lógico, que o mesmo se circunscreve aos casos de autorização ou licença de obras da iniciativa de pessoas singulares e de pessoas colectivas privadas.

Partindo de uma tal premissa, outra conclusão será forçoso, em seguida, extrair: a de que as isenções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do mesmo artigo não poderão reportar-se a obras da iniciativa de pessoas colectivas públicas, podendo apenas dizer respeito a pessoas singulares e a pessoas colectivas de direito privado.

Exemplificando, uma canalização de água relativa ao serviço público de abastecimento de água a efectuar pelos serviços municipalizados de um município no subsolo de uma estrada nacional, dependendo de mera aprovação do projecto por parte da JAE, não é tributada por se encontrar fora da norma de incidência do artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 13/71.

Se a mesma obra for levada a cabo por uma pessoa colectiva de direito privado, na gestão e exploração de um serviço público de abastecimento de água, ficará sujeita a licenciamento da JAE, mas isenta de taxa, por força do disposto no n.º 3, alínea b), do mesmo artigo.


5.4. É esta mesma a solução que se extrai do estatuído nas disposições conjugadas do artigo 3.º e dos n.os 1 e 2 da Base XVII do Anexo do Decreto- -Lei n.º 319/94, bem como do artigo 3.º e dos n.os 1 e 2 da Base XVII do Anexo do Decreto-Lei n.º 162/96.

Refere-se em qualquer desses diplomas que a concessão da exploração e gestão dos respectivos sistemas multimunicipais se opera por contrato administrativo a celebrar entre o Estado, representado pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, e uma empresa pública ou uma sociedade de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, nos termos das bases anexas, que deles fazem parte integrante.

A Base XVII anexa ao Decreto-Lei n.º 319/94 tem a seguinte redacção:

«Base XVII
Utilização do domínio público

1 - A concessionária terá o direito de utilizar o domínio público do Estado ou dos municípios utilizadores, neste caso mediante afectação, para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão.
2 - A faculdade de utilização dos bens dominiais referidos no número anterior resulta da aprovação dos respectivos projectos ou de despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, sem prejuízo da formalização da respectiva cedência nos termos da lei.
3 - No caso de afectação de bens dominiais dos municípios ou de outras pessoas colectivas públicas é aplicável o disposto no Código das Expropriações, correndo por conta da concessionária as compensações a que houver lugar.»


A Base XVII anexa ao Decreto-Lei n.º 162/96, tem a seguinte redacção, praticamente idêntica à da anterior:

«Base XVII
Utilização do domínio público

1 - A concessionária terá o direito de utilizar o domínio público do Estado ou dos municípios utilizadores, neste caso mediante afectação, para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão.
2 - A faculdade de utilização dos bens dominiais referidos no número anterior resulta da aprovação dos respectivos projectos ou de despacho do Ministro do Ambiente, sem prejuízo da formalização da respectiva cedência, nos termos da lei.
3 - No caso de afectação de bens dominiais dos municípios ou de outras pessoas colectivas públicas, é aplicado o disposto no Código das Expropriações, correndo por conta da concessionária as compensações respeitantes à parte do sistema implantada sob sua direcção.»


O que resulta destas duas Bases é que a concessionária tem o direito de utilizar o domínio público do Estado e dos municípios beneficiários do sistema (n.º 1), bem como o de outras pessoas colectivas públicas (n.º 2), para efeitos de implantação e exploração das infra-estruturas da concessão.

Relativamente aos bens do domínio público do Estado, não se prevê em qualquer das referidas Bases que a concessionária tenha, por essa utilização, que efectuar qualquer contrapartida.

Já relativamente aos bens do domínio público dos municípios e de outras pessoas colectivas públicas, prevê-se a aplicação do regime de afectação, presentemente regulado no artigo 6.º do Código das Expropriações ([50]), nos termos de cujo n.º 1 «as pessoas colectivas de direito público têm direito a ser compensadas, em dinheiro ou em espécie, como melhor convier aos fins públicos em causa, dos prejuízos efectivos que resultarem da afectação definitiva dos seus bens de domínio público a outros fins de utilidade pública».

Visa-se com este preceito, sempre que um bem dominial é afecto a fins de utilidade pública alheios à pessoa colectiva pública que do mesmo é titular, compensá-la dos prejuízos que tal afectação lhe provocar, restabelecendo-se, desta forma, o equilíbrio entre a pessoa colectiva pública prejudicada e a beneficiada pela afectação.

Qual a razão por que, nas referidas Bases, apenas se previu a aplicação do regime de afectação relativamente à utilização de bens do domínio público de pessoas colectivas públicas diversas do Estado?

A resposta parece óbvia: pela razão simples de que, sendo o Estado o titular do domínio público e sendo ele próprio o titular do serviço público cuja gestão e exploração é objecto de concessão, não se verifica, com a afectação desse domínio às infra-estruturas desta, qualquer prejuízo para o mesmo em benefício de qualquer outra pessoa colectiva pública que deva por esta ser indemnizado.

Sendo o Estado o titular do domínio público atinente às estradas nacionais, conforme decorre do artigo 4.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de Outubro, não terá a concessionária, face ao disposto nas bases referidas, que prestar qualquer contrapartida pela respectiva utilização.

Parece, pois, que, em face da interpretação conjugada do disposto no artigo 15.º, n.º 3, alínea b), do Decreto-Lei n.º 13/71, e nas Bases atrás referidas, outra conclusão não poderá extrair-se senão a de que as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de água e saneamento estão isentas do pagamento de taxas pelo licenciamento de canalizações de água e esgotos respeitantes aos serviços públicos pelas mesmas geridos e explorados.


5.5. Que dizer, então, da argumentação expendida em sentido contrário a tal conclusão, que acima se referenciou e condensou? ([51]).

Abordêmo-la, ponto por ponto.

No que respeita à referência de que, no contexto político e social subjacente ao surgimento do Decreto-Lei n.º 13/71, os serviços públicos respeitantes a águas e esgotos eram, por via de regra, directamente explorados por pessoas colectivas públicas, tendo a isenção por objectivo permitir equipar o País da necessária e imprescindível rede de águas e de saneamento, a mesma não traz qualquer contribuição para o esclarecimento da questão objecto do parecer.

Tal isenção, na verdade, contribui positivamente para equipar o País com tais infra-estruturas quer a gestão do serviço seja prosseguida por uma pessoa colectiva pública, quer por uma concessionária privada. E se tais serviços eram, em regra, explorados por pessoas colectivas públicas, tal nem sempre assim sucedia ([52]).

Quanto ao argumento de que nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71 o legislador apenas admitiu a isenção de taxas a favor de pessoas colectivas de direito público ou de particulares para fins de beneficência ou de interesse público e, nessa medida, sem fins lucrativos, tal não corresponde à verdade, como acima já se demonstrou.

Em primeiro lugar, porque, estando as obras da iniciativa de pessoas colectivas públicas fora do âmbito da norma de incidência da taxa, a isenção em causa não lhes diz respeito, abrangendo apenas pessoas de direito privado.

Em segundo lugar porque, tendo a isenção prevista na alínea b) do n.º 3 do Decreto-Lei n.º 13/71 como destinatárias pessoas colectivas de natureza privada encarregadas, por concessão, de gerir e explorar serviços públicos económicos, a assunção da gestão e exploração desses serviços apenas poderá ser levada a cabo por entidades com estrutura empresarial, que, por natureza, visam finalidade lucrativa ([53]).

Outro dos argumentos aduzidos radicava em que a entidade concessionária, embora gerindo um serviço público, não deixa de prosseguir os seus fins estatutários, visando o lucro, não fazendo, por isso, qualquer sentido isentá-la do pagamento da taxa devida pela utilização privativa do domínio público.

Tal argumento, por tudo o que acima se expôs, não tem qualquer consistência.

Por um lado, a norma de isenção em apreço, sendo inaplicável a pessoas colectivas públicas, visa essencialmente os casos de prossecução de tarefas públicas por empresas privadas de natureza lucrativa, na qualidade de concessionárias.

Ora, não existe, no plano dos princípios, qualquer obstáculo jurídico, designadamente de natureza constitucional, a que uma empresa lucrativa seja abrangida por uma isenção ou por um qualquer outro benefício fiscal legalmente previstos. Não são, com efeito, raros os casos de isenções e de outros benefícios fiscais estabelecidos legalmente a favor de pessoas de fim lucrativo, tendo em consideração os benefícios que para a comunidade resultam, v.g., dos novos investimentos pelas mesmas efectuados.

No que concerne, especificamente, às concessões, já MARCELLO CAETANO observava ser «frequente a lei conceder ao concessionário a isenção dos impostos, contribuições ou taxas que nos termos das leis gerais possam onerar a exploração, substituindo esse regime comum incerto por um regime fiscal especial a observar durante a vigência da concessão» ([54]).

Importará, por outro lado, observar que o legislador, no Decreto-Lei n.º 13/71, colocou fora do âmbito de incidência das taxas as empresas ferroviárias, que eram, como acima se referiu, pessoas colectivas privadas de fim lucrativo. Não se vê, pois, qualquer razão plausível para que outras empresas concessionárias de fim lucrativo, embora não colocadas fora do âmbito de incidência das taxas, não pudessem deixar de as pagar, neste caso através do mecanismo legal da isenção.

Para além disso, tratando-se, no caso, de pessoas colectivas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, a sua natureza lucrativa não entra, como já se acentuou, em contradição institucional com as finalidades de serviço público que as mesmas legalmente têm por objecto. Trata-se, no fundo, de pessoas colectivas que, embora formalmente privadas, se encontram sujeitas a um regime de controlo público que as aproxima das pessoas colectivas públicas, e cujos resultados económicos, se superavitários, não deixarão de reverter em benefício do sector público, visando assegurar o respectivo equilíbrio.

Relativamente ao argumento de que, de um ponto de vista puramente linguístico, o legislador isentou de taxa os serviços públicos e não as concessionárias de serviço público, o mesmo também não pode obter acolhimento. A expressão «serviços públicos» pode, como a doutrina vem acentuando, ser utilizada no sentido orgânico, reportando-se a pessoas colectivas públicas que prosseguem tarefas de interesse geral, como o pode ser num sentido material, abarcando a actividade de serviço público gerida por uma concessionária privada. Ambos esses sentidos cabem, pois, na letra da lei, não advindo desta qualquer elemento decisivo para fixação do sentido normativo a extrair do preceito em causa.

Finalmente, e no tocante ao argumento de que, caso ficassem isentas da referida taxa, as entidades gestoras de serviços multimunicipais de água e saneamento se encontrariam numa posição de vantagem concorrencial sobre todas as demais empresas que prossigam a mesma actividade, o que violaria o princípio da igualdade, o mesmo também se apresenta destituído de qualquer consistência.

Por um lado, os serviços em causa são concessionados em regime de exclusivo. Tal implica, por definição, a inexistência de concorrentes, não se verificando, pois, a atribuição à concessionária, por via da isenção da taxa, de qualquer vantagem concorrencial.

Por outro, há que ter em conta que, estando todas as concessionárias dos referidos serviços públicos isentas da taxa, não ocorre qualquer tratamento discriminatório entre elas que possa implicar violação do princípio da igualdade.


6


Em face do exposto, extraem-se as seguintes conclusões:

1.ª - As obras da iniciativa do Estado e das demais pessoas colectivas públicas a que se reporta o artigo 11.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, estão fora do âmbito de incidência das taxas previstas no n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma;

2.ª – As canalizações de águas e esgotos respeitantes a serviços públicos explorados, mediante concessão, por pessoas colectivas de direito privado, estão isentas das referidas taxas, por força do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 15.º desse diploma;

3.ª - A isenção referida na anterior conclusão aplica-se às canalizações e esgotos da iniciativa de entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, constituídas sob a forma de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos ao abrigo do disposto nos Decretos-Leis n.os 379/93, de 5 de Novembro, 319/94, de 24 de Dezembro, e 162/96, de 4 de Setembro.


VOTO

(José Luís Paquim Pereira Coutinho) – Votei vencido nos termos que se seguem:

1. O problema reside em apurar se o inciso “serviços públicos” contido na alínea b) do n.º 2 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23 de Janeiro, tem a virtualidade de abranger na isenção as entidades gestoras de sistemas municipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, que são empresas concessionárias de serviços públicos.

Tendo em conta o elemento histórico da interpretação não creio que a expressão “serviços públicos”, tal como foi utilizada pelo legislador em 1971, tenha por objecto serviços públicos no sentido “material” de exercício de actividades de serviço público. Não o tinha certamente em 1949, no contexto do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei n.º 2 037, de 19 de Agosto de 1949, cujo artigo 102.º referia, em especial, o «assentamento de canalizações de água e esgotos a executar por serviços públicos dentro de povoações e sob estradas nacionais». E eram esse serviços públicos aqueles que se tinham em vista quando, nesse Estatuto, na nota 3.ª à Tabela, se dizia que «[s]ão isentas de taxa e renda as licenças para estabelecimento, sob as estradas nacionais, de canalizações de água e esgotos respeitantes a serviços públicos, ficando, no entanto, as entidades que promoveram a execução de abastecimento de águas com distribuição domiciliária obrigadas a fornecer à Junta Autónoma de Estradas» determinados volumes de água.

Não creio que o legislador do Decreto-Lei n.º 13/71, na alínea b) do n.º 3 do artigo 15.º, ao mencionar «[c]analizações de água e esgotos respeitantes a serviços públicos», em formulação que recolhe sem alterações da revogada nota 3.ª à Tabela, tenha pretendido desviar-se do sentido “orgânico” da expressão “serviços públicos” inserida nessa nota 3.ª. O legislador muito simplesmente não se terá apercebido da redundância que criou, resultante de, tendo tornado desnecessária a obtenção de prévia autorização ou licença, ter eliminado implicitamente a sujeição a taxa do aproveitamento permitido.

É esta a primeira razão por que discordo das conclusões 2.ª e 3.ª e interpreto a conclusão 1.ª como referindo-se apenas a serviços públicos em sentido “orgânico”. Implicitamente isentos de taxa, porque não obrigados à obtenção de prévia autorização ou licença, encontram-se serviços públicos em sentido orgânico. Empresas privadas em geral e designadamente pessoas colectivas de direito privado que mediante concessão explorem serviços públicos não estão abrangidas pela isenção.

2. Mas, para além desta perspectiva literal, olhando à questão do ponto de vista dos elementos racional e sistemático, encontro razões fortes para confirmar esta primeira razão de discordância. Estamos perante sociedades comerciais anónimas, concessionárias em exclusivo de determinado serviço público. Quanto à prerrogativa do exclusivo não diferem elas de outras, concessionárias de serviço público, também elas dotadas de prerrogativas de direito público e submetidas a regime de controlo estadual. Ainda recentemente o Conselho, no Parecer n.º 2/2007, se debruçou sobre uma questão respeitante à concessão em exclusivo, à “Lusoponte” dos atravessamentos rodoviários a jusante da actual ponte de Vila Franca de Xira, nos termos do Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho, que aprovou as bases da concessão.

O facto de as entidades gestoras de sistemas multimunicipais de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais terem sido criadas por decreto-lei não me parece elemento diferenciador decisivo, sem prejuízo de lhes ser reconhecido o estatuto legal de “empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral” (n.º 1 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 558/99.

Com efeito, lê-se no preâmbulo deste diploma, que revê o regime jurídico do sector empresarial do Estado, que nele «[c]onstituiu preocupação essencial […] o acompanhamento das mais recentes orientações relativas ao enquadramento das empresas públicas no âmbito da União Europeia, designadamente quanto à sua sujeição aos normativos de direito da concorrência, sem prejuízo das funções especiais que sejam cometidas no plano nacional ao sector empresarial do Estado. […] Na realidade, as tendências de fundo neste domínio afirmam uma sujeição da generalidade das empresas públicas às normas de concorrência e a necessidade de afastar quaisquer distorções da concorrência especialmente emergentes do conteúdo e forma das relações entre o Estado e outros entes públicos e as empresas públicas que controlam».

A legislação que rege a vida das entidades de que se trata já contém elementos fortemente desviantes do regime da concorrência, designadamente a previsão do regime de exclusivo e a de que se tratará de empresas públicas ou de sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos. Temperando esses desvios, a legislação prevê a celebração de um contrato administrativo a celebrar entre o Estado e alguma destas entidades, que corresponderá a um contrato de concessão de serviços públicos. Mas novo desvio se cria logo depois quando, no procedimento prévio à celebração, a escolha do co-contratante fica subtraída às regras previstas no artigo 182.º do Código do Procedimento Administrativo (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, e artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 162/96, de 4 de Setembro). No entanto, em contrabalanço, o contrato a celebrar, que terá de respeitar as Bases anexas a estes dois Decretos-Leis, acolhe figuras do regime típico dos contratos de concessão, designadamente no domínio das relações entre concedente e concessionários – reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato em caso de alteração das condições de exploração por imposição do concedente, rescisão e resgate da concessão, entre outras.

Estas cautelas legislativas, que se traduzem em afastamentos pontuais e aproximações como que compensatórias de desvios do padrão da concorrência, para além de mostrarem que existe uma separação marcada entre os sujeitos do contrato, deverão levar o intérprete a adoptar uma atitude de não aceitação de entendimentos, não claramente explicitados na lei, que se traduzam em relativo favorecimento de empresas públicas, como são estas concessionárias de serviços de interesse económico geral,.

Não quer isto dizer que de jure condendo seria de liminarmente rejeitar a consagração explícita de um regime, como aquele que no Parecer foi alcançado por via de interpretação, que considero actualista, susceptível de gerar controvérsia. Quer dizer que seria avisado que o legislador resolvesse a questão pelo meio que lhe é próprio.

É que, no caso, esse favorecimento efectivamente existe. Existe em abstracto, em termos hipotéticos mas relevantes do ponto de vista da concepção de base do sistema, porque se poderá perguntar por que razão, caso esta actividade fosse aberta à concorrência com e ou entre empresas que não fossem empresas públicas integradas no sector empresarial do Estado, candidatas à concessão, estas teriam de suportar os encargos em questão. E existe em concreto porque outras utilizações do subsolo da estrada por particulares, para canalizações ou aquedutos (alínea a) do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71), designadamente para rega, para produção de energia hidráulica, para aproveitamento de águas termais ou medicinais, para fornecimento de água e tratamento de efluentes de explorações agrícolas ou pecuárias, para escoamento de águas pluviais e para outras utilizações, que até poderão ter por finalidade o próprio consumo humano, terão de suportar os encargos legais.


Pelas razões expostas não votei as conclusões 2.ª e 3.ª e votei a conclusão 1.ª com o alcance que lhe atribuí no ponto 1., parte final.



([1]) A solicitação foi efectuada pelo ofício n.º 5290, de 29 de Dezembro de 2006, que deu entrada na Procuradoria-Geral da República em 2 de Janeiro de 2007.
([2]) Pelo ofício n.º 1021, de 6 de Março de 2007, que deu entrada na Procuradoria-Geral da República no dia imediato.
([3]) Após a distribuição inicial, o parecer viria, em 25 de Maio de 2007, a ser redistribuído ao ora relator.
([4]) Nota Informativa n.° 020/2006/CC, de 20 de Dezembro de 2006.
([5]) Posteriormente alterado pelos Decretos-Leis n.os 219/72, de 27 de Junho, 667/76, de 5 de Agosto, 235/82, de 19 de Junho, 260/2002, de 23 de Novembro, 25/2004, de 24 de Janeiro, e 175/2006, de 28 de Agosto.
([6]) Cfr. Decretos-Leis n.os 142/97, de 6 de Junho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 282/98, de 17 de Setembro), 237/99, de 25 de Junho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 563/99, de 21 de Dezembro), 227/2002, de 30 de Outubro, e 239/2004, de 21 de Dezembro.
([7]) Este regime ficou a comportar dois tipos de excepções: por um lado, as obras de simples conservação, de reparação ou de limpeza não ficaram sujeitas a aprovação, autorização ou licença; por outro, as obras de ampliação ou modificação de instalações industriais existentes passaram, em determinadas condições, a poder ser autorizadas pelo Ministro das Obras Públicas – cfr. n.os 2 e 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 13/71, o último dos quais na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 219/72, de 27 de Junho.
([8]) Actualmente, Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, face ao disposto no Decreto-Lei n.º 79/2005, de 15 de Abril
([9]) Ao tempo Presidente do Conselho.
([10]) Manual de Direito Administrativo, 10.ª Edição, Tomo I, Coimbra Editora, 1973, pág. 184.
([11]) Ob. cit., pág. 185, com posteriores desenvolvimentos ao longo do Manual.
([12]) Ob. cit., págs. 181, 182 e 396 a 417.
([13]) Ob. cit., pág. 414.
([14]) Aprovado pela Lei n.º 2037, de 19 de Agosto de 1949, e posteriormente objecto de múltiplas alterações.
([15]) Cfr. a Tabela anexa ao Estatuto das Estradas Nacionais, e as Notas a tal tabela, referenciando expressamente os casos em que as licenças a conceder a tais entidades estavam, ou não, isentas das correspondentes taxas.
([16]) Cfr. o Decreto-Lei n.º 38246, de 9 de Maio de 1951, que estabeleceu as bases em que o então Ministério das Comunicações viria a contratar com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses a substituição do arrendamento das linhas férreas do Estado e de todas as concessões existentes pela concessão única prevista na Lei n.º 2008, de 7 de Setembro de 1945. Conforme resulta daquele diploma, a linha de Cascais, que havia sido objecto de concessão à CP, por alvará de 1887, foi por esta empresa subconcessionada, em 1918, à Sociedade Estoril, mantendo-se nesse regime.
([17]) Por força do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 25/2004, as taxas a que se refere o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 13/71 serão actualizadas anualmente por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Habitação.
([18]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, págs. 978 e 979; cfr., também, sobre a temática em consulta, o Parecer n.º 58/2005, de 29 de Setembro de 2005.
([19]) Diploma este revogado, entretanto, pela Lei n.º 88-A/97, de 25 de Julho.
([20]) Diploma rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 232/93, de 30 de Novembro, e alterado pela Lei n.º 176/99, de 25 de Outubro, e pelos Decretos-Leis n.os 439-A/99, de 29 de Outubro, 14/2002, de 26 de Janeiro, e 103/2003, de 23 de Maio.
([21]) Diploma entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 222/2003, de 20 de Setembro.
([22]) Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-R/96, de 31 de Dezembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 223/2003, de 20 de Setembro.
([23]) Este último na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 439-A/99, de 29 de Outubro.
([24]) Redacção do Decreto-Lei n.º 103/2003, de 23 de Maio.
([25]) Na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 222/2003, de 20 de Setembro.
([26]) Na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 223/2003, de 20 de Setembro.
([27]) Actualmente, Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, face ao disposto no Decreto-Lei n.º 79/2005, de 15 de Abril.
([28]) Podendo referenciar-se, a título exemplificativo, os criados pelos Decretos-Leis n.os 142/95, de 14 de Junho, 101/97, de 26 de Junho, 543/99, de 13 de Dezembro, 121/2000, de 4 de Julho, 128/2000, de 6 de Julho, 139/2000, de 13 de Julho, 158/2000, de 25 de Julho, 167/2000, de 5 de Agosto, 260/2000, de 17 de Outubro, 305-A/2000, de 24 de Novembro, 197-A/2001, de 30 de Junho, 264/2001, de 28 de Setembro, 270-A/2001, de 6 de Outubro, 288-A/2001, de 10 de Novembro, 130/2002, de 11 de Maio, 135/2002, de 14 de Maio, 285/2003, de 8 de Novembro, 286/2003, de 8 de Novembro, e 172/2004, de 17 de Julho.
([29]) Podendo, a título exemplificativo, referenciar-se as criadas pelos Decretos-Leis n.os 102/95, de 19 de Maio, 116/95, de 29 de Maio, 130/95, de 5 de Junho, 136/95, de 12 de Junho, 168/2000, de 5 de Agosto, 105/2001, de 31 de Março, e 46/2003, de 13 de Março.
([30]) Manual…, Tomo II, pág. 1043.
([31]) JEAN RIVERO, Direito Administrativo, Almedina, 1981, págs. 491 e 492.
([32]) Ob. cit., pág. 492.
([33]) Para maiores desenvolvimentos sobre estas formas de gestão indirecta de serviços públicos e respectivo regime, cfr. MARCELLO CAETANO, Manual…, Tomo II, págs. 1066-1116; Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Almedina, 1996, págs. 235-263; PEDRO GONÇALVES, A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1999, págs. 38-45 e 101-137.
([34]) JEAN RIVERO, ob. cit., pág. 493-494; MARCELLO CAETANO, Manual…, Tomo II, págs. 1085-1092; PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, 2005, pág. 396.
([35]) PEDRO GONÇALVES, Entidades…, pág. 153.
([36]) Ob. cit., págs. 345-419.
([37]) Ob. cit., págs. 391-419.
([38]) Legalidade e Administração Pública, Almedina, 2003, págs. 304-306.
([39]) Ob. cit., pág. 307.
([40]) A Fuga para o Direito Privado, Almedina, 1999, p. 355
([41]) Ob. cit., pág. 360.
([42]) Ob. cit., págs. 394-396.
([43]) Cfr., no sentido da aplicabilidade do princípio da prossecução do interesse público no âmbito da actividade administrativa de direito privado, MARIA JOÃO ESTORNINHO, ob. cit., págs. 363-380.
([44]) Cfr. ANTÓNIO CARLOS SANTOS/MARIA EDUARDA GONÇALVES/MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, Direito Económico, 3.ª Edição, Almedina, 1999, pág. 213.
([45]) PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pág. 259.
([46]) PEDRO GONÇALVES, ob. cit., págs. 261-269; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, págs. 265-273.
([47]) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume I, 3ª Edição, Almedina, 2006, págs. 409-410.
([48]) SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Lex, 1998, pág. 172.
([49]) Ibidem.
([50]) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, e alterado pelas Leis n.os 13/2002, de 19 de Fevereiro, e 4-A/2003, de 19 de de Fevereiro.
([51]) Cfr. ponto 2.3.
([52]) Como era o caso da Companhia das Águas de Lisboa, S.A.R.L., cujo contrato de concessão, reformulado pelo Decreto-Lei n.º 38665, de 4 de Março de 1952, viria a findar , por caducidade, em 30 de Outubro de 1974, altura em que, por força do disposto no Decreto-Lei n.º 552-A/74, de 30 de Outubro, a respectiva actividade de serviço público passou a ser assegurada pela Empresa Pública das Águas de Lisboa.
([53]) MARCELLO CAETANO, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, págs. 218-237; Manual..., Tomo II, pág. 1076.
([54]) Manual…, Tomo II, págs. 1090-1091.
Anotações
Legislação: 
CRP ART82, ART86 N3; CCIVIL ART9 N3; DL 13/71 DE 1971/01/23 ART1, ART3, ART6, ART9, ART10, ART11 ALB), ART13 N1, ART15 N1 ALA) E N3 ALB); DL 219/72 DE 1972/06/27; DL 667/76 DE 1976/08/05; DL 235/82 DE 1982/06/19; DL 260/2002 DE 2002/11/23; DL 25/2004 DE 2004/01/24; DL 175/2006 DE 2006/08/28; DL 142/97 DE 1997/06/06; DL 282/98 DE 1998/09/17; DL 237/99 DE 1999/06/25; DL 563/99 DE 1999/12/21; DL 227/2002 DE 2002/10/30; DL 239/2004 DE 2004/12/21; DL 166/70 DE 1970/04/15 ART2, ART9 N3, ART21; DL 445/91 DE 1999/11/20 ART3 N1; DL 555/99 DE 1999/12/16; P 114/71 DE 1971/03/01 ART1 N2; L 2037 DE 1949/08/19; DL 38246 DE 1951/05/09; DL 372/93 DE 1993/10/29; L 46/77 DE 1977/07/08 ART4; L 88-A/97 DE 1997/07/25; DL 379/93 DE 1993/11/05 ART2 N1, ART4-A N1; DEC REC 232/93 DE 1993/11/30; L 176/99 DE 1999/10/25; DL 439-A/99 DE 1999/10/29; DL 14/2002 DE 2002/01/26; DL 103/2003 DE 2003/05/23; DL 319/94 DE 1994/12/24 ART 2 N1, ART5; DL 222/2003 DE 2003/09/20; DL 162/96 DE 1996/09/04 ART2 N1, ART4; DEC REC 16-R/96 DE 1996/12/31; DL 223/2003 DE 2003/09/20; DL 558/99 DE 1999/12/17 ART3, ART4, ART11, ART29
Referências Complementares: 
DIR ADM
Divulgação
Data: 
11-09-2007
Página: 
26393
3 + 1 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf