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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
77/2002, de 01.04.2004
Data do Parecer: 
01-04-2004
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer Complementar
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
EMPRESA MUNICIPAL
FUNÇÃO AUTÁRQUICA
ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
REMUNERAÇÃO
FUNÇÃO EXECUTIVA
INCOMPATIBILIDADE
Conclusões: 
1.ª Mantêm-se as conclusões do Parecer do Conselho Consultivo n.º 77/2002, votado na sessão de 13 de Fevereiro de 2003, e publicado no Diário da República, II Série, n.º 228, de 2 de Outubro do mesmo ano;
2.ª São funções autárquicas as funções desempenhadas pela Presidente da Câmara Municipal de Leiria no Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Leiria, e pelo Vereador a tempo inteiro na Comissão de Gestão do Teatro Municipal José Lúcio da Silva, sendo-lhes aplicáveis, em termos remuneratórios, o regime que decorre do disposto nos artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais), tal como mencionado na conclusão 6.ª.
3.ª Para os efeitos da conclusão 7.ª do aludido Parecer, não são de considerar funções autárquicas, as funções, de natureza executiva ou não executiva, remuneradas ou não remuneradas, desempenhadas por presidente da câmara e por vereador a tempo inteiro em regime de permanência, em conselho de administração de empresa constituída nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente,
Excelência:



I.

Por dúvidas suscitadas pela Senhora Presidente da Câmara de Leiria na interpretação do Parecer n.º 77/2002 deste Conselho Consultivo, dignou-se Vossa Excelência transmiti-las à Procuradoria-Geral da República[1], o que foi distribuído como pedido de parecer complementar.
1. Em síntese, as dúvidas da Senhora Presidente da Câmara, tal como são expostas na Informação da Auditoria Jurídica, enunciam-se como segue:
«- Confrontando o teor das conclusões 5.ª e 7.ª do Parecer com o que se desenvolve na parte V, ponto 5, a propósito do conceito de funções autárquicas (fls. 58 e 59), com o que se refere na parte VI, ponto 3, 1.ª parte do § 2°, sobre a natureza daqueles serviços municipalizados e a comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva (fls. 70, in fine) e ainda com o teor da declaração de voto do exmo Relator,
a). Será de concluir-se que o Parecer da PGR aponta no sentido de se “considerar como funções autárquicas as funções exercidas nos serviços municipalizados e na comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva, devendo, por isso, os seus titulares ser reconduzidos à sua conclusão 6.ª e não às conclusões 7.ª e 8.ª”.
E neste sentido,
b). Os eleitos da Câmara Municipal, nomeadamente “o presidente e o vereador em regime de permanência a tempo inteiro que exercem funções no conselho de administração dos serviços municipalizados e na comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva têm direito, de acordo com a conclusão 6.ª a perceber a totalidade das remunerações a que se referem os artigos 6°, n.os 2 e 3, e 7°, n.os 1, alínea a), e 2 da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho”» (em itálico no original).

2. Também ao Senhor Presidente da Câmara de Braga se lhe suscitaram dúvidas, respigando-se da comunicação efectuada[2] os seguintes elementos:
«O aspecto fulcral das dúvidas surgidas cifra-se no facto de, como resulta da conclusão 7.ª, daquele parecer, não foram consideradas funções autárquicas, logo afectando o princípio de exclusividade do exercício de funções de presidente da câmara e de vereador a tempo inteiro, a acumulação dos referidos cargos políticos com as funções no conselho de administração das citadas empresas, nada se adiantando porém quanto à natureza do exercício das actividades nesses órgãos, isto é, se de natureza executiva e de natureza não executiva.
Como decorre dessa conclusão, haverá lugar à redução, em 50%, da remuneração devida pelo exercício dos cargos autárquicos, em acumulação com a actividade naqueles conselhos de administração, quer estas funções sejam exercidas nestes órgãos com carácter executivo ou sem carácter executivo.
Não se teve assim em atenção as especificidades encaradas no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República publicado no Diário da República, n.º 217, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1996, em que a redução em causa apenas ocorre no caso de acumulação das funções autárquicas com actividade remunerada de carácter regular, o mesmo não acontecendo, conferindo por isso o direito à percepção na totalidade dessas remunerações, desde que as funções a acumular sejam de natureza não permanente nem regular.
Por outro lado, e como também consta das conclusões desse parecer, desinteressa o aspecto remuneratório dos cargos a acumular, já que se o exercício destes for de natureza permanente e regular, ainda que estas actividades não sejam remuneradas, isto é, gratuitas, os eleitos locais apenas têm direito a perceber 50% da remuneração correspondente às funções autárquicas.»
3. Por último, o Senhor Presidente da Região de Turismo de Leiria/Fátima[3] expõe as implicações que a doutrina do parecer induz na entidade que dirige, considerando que a circunstância de a percepção de senha de presença pelos Presidentes de Câmara e Vereadores membros da Comissão Regional ou da Comissão Executiva, neste caso sem remuneração, implica a redução de 50% da remuneração do cargo de origem, leva a que tais membros ponderem a renúncia aos respectivos cargos, a qual, com toda a probabilidade, não será compensada com a indicação de novos representantes das câmaras municipais envolvidas.
Acrescenta-se ainda que «os eleitos em causa não podem continuar a exercer as funções na Comissão Regional ou na Comissão Executiva, ainda que a título gratuito e sem a percepção de senhas de presença, porquanto o referido parecer, reiterando, aliás, Pareceres anteriores, reafirma a ideia de que, para efeito de redução de vencimento, é indiferente que a actividade seja ou não remunerada».
4. Temos, assim, que a interpretação do Parecer n.º 77/2002, suscita duas questões e um pedido de esclarecimentos, que se podem enunciar nos termos que seguem e para os quais se pretende resposta:
a) São funções autárquicas as desempenhadas pelo Presidente da Câmara e pelo vereador em regime de permanência a tempo inteiro, nos serviços municipalizados de Leiria e na comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva, sendo a sua situação reconduzível ao enunciado na conclusão 6.ª, com direito a perceber a totalidade das remunerações a que se referem os artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho?
b) Não há contradição entre o que consta das conclusões 7.ª e 8.ª e as conclusões do Parecer n.º 52/94, em que a redução de remunerações apenas ocorre no caso de acumulação das funções autárquicas com actividade remunerada de carácter regular?; e
c) Implicações da doutrina do Parecer no funcionamento dos órgãos da Região de Turismo de Leiria-Fátima, pela eventual renúncia dos seus membros.
Cumpre, pois, emitir parecer.

II.
1. No parecer n.º 77/2002, votado na sessão de 13 de Fevereiro de 2003[4], o Conselho Consultivo foi chamado a pronunciar-se sobre questões relativas a eventuais incompatibilidades do exercício do cargo de presidente da câmara e de vereador a tempo inteiro com o exercício de funções em empresas públicas ou sociedades municipais, em fundações e em outras entidades, bem como sobre a remuneração desses eleitos locais, considerando o exercício cumulativo dessas funções.
Concluiu-se então:
«1.ª. No regime geral da Constituição da República de 1976 (artigo 260.º, actual e artigo 270.º, na redacção originária), a regra geral é a proibição de acumulação de cargos ou empregos públicos, salvo nos casos e nas condições expressamente admitidas por lei, sendo a acumulação ainda condicionada pela inexistência de incompatibilidades entre os cargos cumulandos;
2.ª. Para os efeitos da lei que define o regime jurídico de incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, os presidentes e vereadores de câmara municipal são considerados titulares de cargos políticos [artigo 1.º, n.os 1 e 2, alínea f) da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto];
3.ª. A regra da exclusividade a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos sofre uma excepção quanto aos presidentes e vereadores de câmara municipal, mesmo em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, que podem exercer outras actividades, sem prejuízo dos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos outras leis para o exercício de cargos ou actividades profissionais (artigo 4.º, n.º 1, e 6.º da mesma Lei n.º 64/93);
4.ª A acumulação do cargo político de presidente ou vereador de câmara municipal com o cargo público de presidente ou membro do conselho de administração em empresa pública ou de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, de âmbito municipal ou regional, que prossigam fins de interesse público local e se contenham no âmbito de atribuição dos municípios, não faz incorrer em incompatibilidade os titulares de tais cargos públicos, quando também exerçam os cargos de vereador ou presidente de câmara;
5.ª De igual modo, não incorre em incompatibilidade o presidente ou membro do conselho de administração dos serviços municipalizados, o titular de órgão não executivo de associação pública e de fundação em regime de direito privado, de âmbito municipal, que, simultaneamente, exerça as funções de presidente ou vereador de câmara municipal;
6.ª O presidente e vereador em regime de permanência a tempo inteiro que exerça em exclusividade as suas funções autárquicas recebem a totalidade das remunerações a que se referem os artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais);
7.ª Para efeitos do regime remuneratório dos eleitos locais e a fixação do respectivo quantum, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, da citada Lei n.º 29/87, não são de considerar funções autárquicas as funções desempenhadas por presidente de câmara e por vereador em regime de permanência a tempo inteiro, nas entidades a que se referem as conclusões 4.º e 5.ª;
8.ª A acumulação de cargo político e de cargo público, nos termos das conclusões anteriores, confere ao titular o direito a perceber a remuneração do cargo de origem, reduzido em 50%, ao qual acrescem as remunerações ou senhas de presença que por tais cargos em acumulação e nas condições legais forem devidas;
9.ª. Pelo exercício, ainda que em acumulação, do cargo de presidente de câmara e de vereador em regime de permanência, a tempo inteiro, não podem, a qualquer título ser percebidas remunerações ilíquidas superiores a 75% do montante equivalente ao somatório do vencimento e abono mensal para despesas de representação do Presidente da República (artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 102/88, de 25 de Agosto);
10.ª. Para efeitos do limite referido na conclusão anterior não são considerados o subsídio de refeição, o abono de família e prestações complementares, os abonos para falhas, as ajudas de custo, subsídios de viagem e de marcha e quaisquer outros que revistam a natureza de simples compensação ou reembolso de despesas realizadas por motivo de serviço (artigo 3.º, n.º 2, da mesma Lei);
11.ª. As ajudas de custo e os subsídios de transporte destinam-se a compensar ou reembolsar quem efectuou despesas por motivo do serviço, nada obstando à sua cumulação com outras importâncias percebidas a título de remuneração, sendo suportadas pela entidade no interesse de quem são efectuadas.»
2. A primeira questão prende-se com a qualificação das funções da Senhora Presidente da Câmara nos serviços municipalizados de Leiria e do Senhor Vereador na comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva, com as inerentes consequências ao nível remuneratório.
A este propósito, considerando tais funções como autárquicas, argumentou-se no Parecer em apreço:
«O artigo 63.º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, atribui competência à assembleia municipal para municipalizar serviços, nada dizendo sobre a sua organização.
Essa matéria, no essencial, ainda hoje se contém no Código Administrativo, em cujo artigo 168.º se estabelece que “os serviços municipalizados têm organização autónoma adentro da administração municipal, nos termos deste Código, dos regulamentos e das deliberações das câmaras”.
No mesmo diploma prevê-se que os serviços municipalizados são geridos por um conselho de administração, presidido pelo presidente da câmara ou por um vereador, e composto por mais dois administradores, vereadores ou vogais do conselho municipal, designados pelo presidente da câmara (artigo 169.º)(x), competindo a fixação da sua remuneração à assembleia municipal [artigo 53.º, n.º 2, alínea i), da Lei n.º 169/99].
Decorre do exposto que os serviços municipalizados têm organização autónoma dentro da câmara, embora se preveja que os mesmos possam transformar-se em empresas públicas, desde que venham a adaptar-se às actuais exigências legais acima apontadas para a criação e organização dessas entidades.
A grande autonomia administrativa e financeira de que estes serviços gozam, a par de uma estrutura interna próxima de uma unidade empresarial, tem conduzido a doutrina e a jurisprudência nacionais a caracterizar os serviços municipalizados como verdadeiras empresas públicas municipais, ainda que destituídas de personalidade jurídica, integrados na pessoa colectiva município(x1).
À economia do parecer não se afigura necessários maiores desenvolvimentos sobre estes serviços(x2).»
Mais adiante, concluiu-se:
«Aqui chegados, importa apurar a dimensão do conceito funções autárquicas, e se nele se compreendem as diversas funções que os titulares mencionados na exposição são chamados a desempenhar, e que são, recorde-se, além de vereador e presidente da câmara as de presidente e vogal do conselho de administração dos serviços municipalizados, [...] e no conselho de gestão do Teatro José Lúcio.
Funções autárquicas são desde logo as desempenhadas pelos titulares dos órgãos autárquicos, no exercício das competências que a lei lhes confere para a prossecução das atribuições da pessoa colectiva município.
A essa luz, as competências conferidas pela Lei n.º 169/99 aos titulares dos órgãos electivos municipais são inegavelmente subsumíveis à categoria de funções autárquicas. Igualmente se devem considerar dessa natureza aquelas funções exercidas por inerência, bem como aquelas para que a câmara nomeia os respectivos titulares, como é o caso do cargo de presidente ou vogal do conselho de administração dos serviços municipalizados. Os serviços municipalizados, embora com organização e gestão empresarial, são ainda elemento integrante da pessoa colectiva município, sendo o respectivo conselho de administração nomeado pela própria câmara municipal [artigo 64.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro].
De igual modo constituem funções autárquicas, no contexto das atribuições municipais da cultura [artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro] a administração do Teatro municipal José Lúcio da Silva, no âmbito da comissão de gestão criada pelo Município, em cumprimento da doação.»
As passagens assinaladas evidenciam que o Conselho não teve dúvida em classificar como autárquicas as funções quer de presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Leiria quer de membro da comissão de gestão do Teatro José Lúcio da Silva[5].
E não as teve porque essas funções não só são materialmente autárquicas, no sentido de que se incluem nas suas atribuições próprias, como também são desenvolvidas directamente pelo próprio município, através dos serviços que se integram na sua estrutura organizativa. Diversamente ocorreria se, quanto aos serviços municipalizados, a autarquia tivesse usado da faculdade que lhe confere o artigo 41.º da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, transformando-os em pessoa colectiva de natureza empresarial, autónoma da câmara, e quanto à comissão de gestão, que o seu substracto tivesse sido personalizado, tornando-a pessoa jurídica diversa da Câmara Municipal.
Por isso, assumindo todas essas funções natureza autárquica e não exercendo os respectivos titulares outras funções ou exercendo-as, sejam estas qualificadas como autárquicas, aplica-se-lhes, em termos remuneratórios, a solução que decorre do disposto nos artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais), tal como mencionado na conclusão 6.ª.
3. Pela segunda questão, suscitada pelo Senhor presidente da Câmara de Braga, alude-se a uma eventual contradição entre as conclusões 7.ª e 8.ª do mesmo Parecer n.º 77/2002 e as conclusões do Parecer n.º 52/94[6], posto que neste se terá entendido que a redução de remunerações apenas ocorre no caso de acumulação de funções autárquicas com actividade remunerada de carácter regular.
Vejamos as questões que estavam em discussão no parecer n.º 52/94, de modo a indagar se se verifica alguma incongruência.
Em matéria de incompatibilidades pretendia-se saber se um presidente de câmara podia acumular as respectivas funções autárquicas com outras funções públicas ou privadas, e em matéria de remunerações pretendia-se resposta sobre as seguintes interrogações:
«(...)
d) Pode um presidente de câmara optar pelo vencimento ou remuneração que auferia, antes de ser eleito, enquanto funcionário público?
e) Um eleito local em regime de permanência, a tempo inteiro, pode exercer actividade privada, remunerada, por forma regular, continuando a perceber 100% do valor da remuneração devida pelo exercício das funções autárquicas?
f) Um eleito local em regime de permanência pode exercer actividade privada remunerada, por forma não regular ou não permanente, mantendo a percepção de 100% da remuneração base correspondente às funções autárquicas?
g) Um eleito local em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, pode acumular com actividade privada, não remunerada, sem dedução de 50% do valor base da remuneração relativa às suas funções autárquicas?»
4. Sobre tais questões pronunciou-se o Conselho nos seguintes termos:
« 1º - O n.º 1 do artigo 6º da Lei nº 64/93, de 28 de Agosto, revogou tacitamente o nº 1 do artigo 3º da Lei nº 29/87, de 30 de Junho;
2º - Os presidentes de câmaras municipais podem acumular as respectivas funções autárquicas com outras funções públicas - salvo se estas últimas corresponderem a cargos políticos (artigos 1º e 4º, nº 1, da Lei nº 64/93), ou a cargos ou actividades profissionais relativamente aos quais outras leis estabelecerem incompatibilidades ou impedimentos de acumulação com aquelas funções autárquicas (artigo 6º, nº 2, da mesma Lei);
3º - Os presidentes de câmaras municipais podem acumular as respectivas funções autárquicas com actividades privadas;
4º - Os presidentes de câmaras municipais não podem optar pela remuneração que auferiam enquanto funcionários públicos;
5.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro, e que acumulem com actividade privada remunerada, de carácter regular, só têm direito a perceber 50% da remuneração normal correspondente àquelas funções;
6.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, e que acumulem com actividade privada remunerada, de natureza não permanente nem regular, têm direito a receber por inteiro a remuneração correspondente àquelas funções;
7.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, e que acumulem com actividade privada, permanente e regular, não remunerada, apenas têm direito a perceber 50% da remuneração normal correspondente àquelas funções.»
5. Embora não se individualize qual ou quais destas conclusões estarão em eventual oposição com as do Parecer n.º 77/2002, parece poder afirmar-se que é do teor das conclusões 5.ª a 7.ª daquele com as 7.ª e 8.ª deste que procedem as dúvidas.
A leitura das conclusões quinta a sétima mostra que nele discutia-se as consequências em termos remuneratórios da acumulação de funções públicas com funções privadas e que tais consequências variam em função da natureza permanente ou regular delas, por um lado, e da remunerabilidade ou não, por outro
É possível descortinar uma tripla ordem de soluções.
Assim, a acumulação de funções autárquicas exercidas em regime de permanência, a tempo inteiro, com actividade privada regular remunerada implica a redução da remuneração em 50%; as mesmas funções exercidas em acumulação com actividade privada, de natureza permanente e regular, ainda que não remunerada, acarretam também a redução da remuneração em 50%; e, por último, as mesmas funções, exercidas a tempo inteiro ou parcial, em acumulação com actividade privada de natureza não permanente nem regular, não tem influência na remuneração.
Não foi objecto do Parecer n.º 52/94, como no mesmo expressamente se refere, o estudo das implicações remuneratórias da acumulação de funções autárquicas com funções públicas. No ponto 3.1 ao identificar-se o objecto de uma das perguntas, como consistindo em saber se um presidente da câmara pode acumular as respectivas funções autárquicas com outras funções públicas, logo se acautela (nota n.º 31): «Questão diversa – mas não abordada neste parecer, por não constar da consulta – seria a de saber qual o regime remuneratório aplicável a tal situação de acumulação».
6. O Parecer n.º 77/2002 ponderou, pela primeira vez em termos específicos, as implicações ao nível remuneratório da acumulação de funções autárquicas com funções públicas[7]. No entanto, a abordagem metodológica das questões em discussão dispensou uma aproximação ao conceito de funções públicas, situando-se noutro plano. Pretendeu-se estudar se as actividades desempenhadas pelos titulares dos órgãos autárquicos nos órgãos de outras entidades públicas eram ainda funções autárquicas; sendo a resposta afirmativa, a respectiva remuneração apurava-se por aplicação directa do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho.
O parecer estabeleceu a distinção entre esses dois tipos de funções, através da aplicação dos, aí denominados, critérios do interesse e da perspectiva funcional, tendo concluído que as funções desempenhadas nos entes jurídicos externos à autarquia, sendo ainda autárquicas de acordo com o primeiro daqueles critérios, já o não são na perspectiva funcional, «enquanto actividades desenvolvidas pelas estruturas, formas e processos que as leis prevêem e conformam para a prossecução dos fins da autarquia».
O elemento essencial de diferenciação é assim o meio através do qual o Município concretiza as atribuições que a lei lhe comete. Sendo o exercício dessas atribuições levado a efeito por entidades jurídicas diversas da pessoa colectiva Município, estas, participando ainda dos fins da pessoa colectiva, dela se diferenciam, actuando e intervindo em nome próprio. Após a sua criação pela Autarquia, autonomizam-se e individualizam-se ganhando vida própria e independente de quem as promoveu. As atribuições que prosseguem são próprias da sua pessoa e não da autarquia.
A apreensão desta distinção repousa na transformação e mutação que as autarquias vêm conhecendo ao longo dos últimos anos, que não ficaram insensíveis à denominada «fuga para o direito privado», vendo nos institutos e soluções do direito privado os instrumentos jurídicos adequados a uma melhor prossecução do interesse público, que lhes compete promover e defender.
Esta nova realidade, decorrente da proliferação de entes jurídicos novos, promovidos pelas autarquias, mas exteriores às mesmas, evidencia um quadro institucional diverso daquele pré-existente à data da publicação da Lei n.º 29/87, de 30 de Julho, mas que dela guarda o essencial: a necessidade de dedicação dos titulares dos órgãos autárquicos ao exercício das funções destes.
Tendo concluído que as funções exercidas por titulares dos órgãos autárquicos em pessoas colectivas distintas da autarquia não se reconduz à noção de funções autárquicas, impunha-se indagar qual o seu regime remuneratório, em situação de acumulação, atendendo aos termos fragmentários como o diploma legal em causa regula a matéria.
7. Se o regime da remuneração de situações de acumulação de funções autárquicas com actividade privada se mostra desenvolvidamente tratada, face aos antecedentes doutrinários deste Conselho[8] e da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[9], o mesmo não ocorre em situações de acumulação de funções autárquicas com funções públicas, não existindo referências ao tratamento do tema, quer na doutrina quer na jurisprudência.
O Parecer n.º 77/2002 aceita que as situações nele mencionadas se possam acomodar num quadro de acumulação de funções autárquicas e de funções públicas e face à inexistência de um regime remuneratório para estes casos[10], conclui pela presença de lacuna, a integrar com recurso aos casos análogos.
Refere a esse propósito:
«Trata-se de considerar de modo idêntico aqueles titulares que desempenhando as funções de presidente de câmara ou de vereador em regime de permanência que simultaneamente exerçam uma actividade profissional ou uma actividade privada com aqueles que exerçam outra actividade de natureza pública.
Aos presidentes de câmara e vereadores que acumulem as suas funções com outros cargos ou funções que não devem ser considerados autárquicos, ser-lhes-á reduzida a remuneração base em 50%, a que acrescerão as remunerações ou senhas de presença que pelos demais cargos ou funções por lei tiver direito.»
Tendo afirmado esta regra geral, ainda assim, o Conselho relembrou, na sequência da sua própria doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a necessidade de acautelar aquelas situações que a teleologia da norma manifestamente não pretende abranger.
Na verdade, menciona-se a dado passo:
«O preceito [artigo 7.º da Lei n.º 29/87] não distingue se o efeito de redução de vencimento decorre de actividades remuneradas ou não remuneradas, parecendo ser indiferente qualquer uma das situações. Todavia, nem todo o exercício de actividades públicas ou privadas ou de índole profissional liberal gerarão a redução do vencimento em 50%, como tem sido referido pelo Supremo Tribunal Administrativo (supra ponto 4). Assim, porventura entre outros casos, não se subsumirão à previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, aquelas situações de exercício de cargos a título gratuito, de carácter transitório e sem prejuízo das funções próprias de vereador ou de presidente de câmara.»
8. No Parecer n.º 43/93 estava em causa saber se um eleito local que simultaneamente exerce actividade privada não remunerada só recebe 50% do valor base da remuneração.
Depois de ponderar que a expressão «qualquer actividade privada» constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, é similar à contemplada nos diplomas anteriores disciplinadores da matéria, e em particular do diploma inicial que estabeleceu o regime das remunerações dos autarcas municipais – Lei n.º 44/77, de 23 de Junho –, o Conselho reflecte sobre a dimensão interpretativa desta expressão, entendendo-a idêntica à de «actividade privada de cariz profissional», ou de «actividades profissionais»[11], devendo ter-se presente que o espírito da Lei n.º 29/87 se consubstancia na ideia de permitir a máxima dedicação dos titulares dos cargos autárquicos, ao exercício das respectivas funções.
Também se ponderou que, tendo em atenção os trabalhos preparatórios da Lei n.º 44/77, a análise da aludida alínea b) do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, e os contributos de outros domínios, o regime de exclusividade previsto na alínea a) do n.º 1 deste último artigo «é compatível com o exercício de actividades privadas que não tenhas um cariz (conotação) profissional, por outras palavras, que não constituam “um modo de vida”, por não terem, em princípio, como contrapartida, uma compensação económica».
Especificamente sobre a remuneração, referiu-se que esta, «com o sentido de compensação económica, é elemento normal, mas não necessário, da actividade profissional», e que «o facto de a actividade exercida pelos eleitos locais (em regime de permanência) não ser remunerada não é decisivo para a sua harmonização com o regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 29/87; decisivo é que se não trate de actividade profissional, remunerada [...] ou não, com o sentido amplo que este corpo consultivo lhe atribui», pelo que em consequência da qualificação das actividades privadas em causa como profissionais ou não decorrerá, no primeiro caso, a situação caberá na alínea b); no segundo caso, na alínea a), ambas as alíneas do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 28/87.
Em face desta argumentação, concluiu-se:
«1 - A expressão "qualquer actividade privada", constante da alínea b) do n 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, tem conotação profissional, equivalendo a "actividade profissional privada", a “forma de ganho de vida", tendo, em princípio, como contrapartida, qualquer compensação económica;
2 - Têm direito à remuneração prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 29/87 os eleitos locais em regime de permanência que apenas exerçam actividades privadas, remuneradas ou não, que não tenham a conotação profissional referida na conclusão anterior.»
9. Esta doutrina foi retomada e seguida no Parecer n.º 52/94, ao analisar-se uma das questões sob consulta, consistindo em saber se um «eleito local em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, pode acumular com actividade privada, não remunerada, sem dedução de 50% do valor base da remuneração relativa às suas funções autárquicas». Ponderou-se então:
«Antes de mais, é indiscutível, e não pode ser ignorado, que a alínea b) do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 29/87, ao determinar a redução de 50% na remuneração dos autarcas que acumulam com "qualquer actividade privada", o faz sem proceder a qualquer distinção: nesta última expressão cabem, pois, quer actividades remuneradas, quer as que o não sejam.
Este preceito não pode, aliás, ser considerado isoladamente, mas tem de ser interpretado em conjugação com o da alínea a) que imediatamente o precede. Ora, nessa alínea a) se estipula que a "totalidade das remunerações" relativas aos eleitos locais em regime de permanência é auferida por "aqueles que exerçam exclusivamente funções autárquicas". Esse não é, claramente, o caso dos autarcas em questão, já que, exercendo também actividades privadas, ainda que a título gratuito, não desempenham "exclusivamente funções autárquicas".
E nem pode negar-se a existência de razões de fundo capazes de conferir justificação bastante à aplicação dum tal regime de redução remuneratória.
É que, tal como já acima se realçou, o exercício cumulativo de actividades privadas, regulares e permanentes (ainda que não remuneradas), não deixa de afectar a dedicação e disponibilidade com que desejavelmente os eleitos locais devem exercer as funções autárquicas.»
No entanto, o parecer não deixa de observar que estando em causa actividades privadas esporádicas ou pontuais, desse exercício não decorrem consequências a nível remuneratório. Argumenta-se a propósito, com recurso a lugares paralelos:
«Da consideração destas várias regras legais resulta possível extrair a conclusão de que o princípio que as enforma é o de que o exercício de actividades privadas esporádicas ou pontuais (não regulares nem permanentes, portanto), não só é compatível com o exercício de cargos políticos, em geral, e autárquicos, em particular, como não assume qualquer relevo em relação à remuneração normal que lhes corresponde.
Recorde-se, de resto, que as declarações produzidas, no âmbito da discussão da proposta de lei que esteve na base da Lei n.º 44/77, para justificar a redução da remuneração autárquica em caso de acumulação com actividades privadas solução retomada pela Lei n.º 29/87 se centraram sempre em torno de actividades de natureza profissional - regulares e permanentes, portanto.»
Por isso se concluiu, quanto à parte que ora interessa:
«(...)
5.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro, e que acumulem com actividade privada remunerada, de carácter regular, só têm direito a perceber 50% da remuneração normal correspondente àquelas funções;
6.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, e que acumulem com actividade privada remunerada, de natureza não permanente nem regular, têm direito a receber por inteiro a remuneração correspondente àquelas funções;
7.º - Os eleitos locais que exerçam funções autárquicas em regime de permanência, a tempo inteiro ou parcial, e que acumulem com actividade privada, permanente e regular, não remunerada, apenas têm direito a perceber 50% da remuneração normal correspondente àquelas funções.»
É à luz do critério geral antes enunciado (supra n.º 7), afinado com as contribuições que são dadas por outras pronúncias antes assinaladas e pela jurisprudência, que se delimita o regime jurídico das remunerações dos titulares de órgãos autárquicos, em situação de acumulação com outras actividades, públicas ou privadas, remunerada ou não remuneradas, de carácter permanente ou pontual ou esporádico.
Tendo em atenção a metodologia seguida, dispensou-se, como bem se compreende, qualquer ponderação quanto à natureza de certas funções exercidas, designadamente se revestem natureza executiva ou não executiva em empresas criadas nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, por não influírem no resultado da resposta.
10. Todavia, o Senhor presidente da Câmara de Braga alude a dúvidas suscitadas no seu município quanto à questão remuneratória dos presidentes das câmaras municipais e vereadores a tempo inteiro com o exercício cumulativo de funções de presidente do conselho de administração de empresas públicas ou de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, quando estas funções assumem natureza não executiva[12].
Vejamos se as conclusões antes alcançadas sofre modificação pela questão ora colocada.
No âmbito das sociedades anónimas, o Código das Sociedades Comerciais não prevê a figura dos administradores executivos e não executivos, como decorre do disposto no artigo 390.º e segs., relativos ao conselho de administração dessas sociedades. Também a doutrina é exígua no tratamento do tema, embora a prática tenha caminhado no sentido de consagrar a figura.
Assim, em estatutos de sociedades anónimas constantes de diploma legal surpreende-se a menção da figura do administrador executivo, como acontece, entre outros, nos estatutos aprovados pelos Decretos-Leis n.os 33/2000, de 14 de Março[13], e 226/2000, de 9 de Setembro[14]. No primeiro deles alude-se a que a sociedade EURO 2004, S. A., obriga-se pela assinatura do presidente do conselho de administração e de um administrador executivo [artigo 22.º, n.º 1, alínea b)]; e no segundo, que o conselho de administração poderá delegar num administrador executivo a gestão corrente da sociedade, devendo a deliberação de delegação fixar os limites da mesma (artigo 21.º) e que a sociedade obriga-se perante terceiros, pela assinatura conjunta de dois administradores ou pela do administrador executivo [artigo 22.º, n.º 1, alíneas a) e b)].
A alusão expressa a administrador executivo legitima a verificação do seu oposto: administrador não executivo. Todavia, este conceito não é expresso nem se delimitam quer em termos enunciativos quer em cláusula geral os termos da sua intervenção.
A doutrina estrangeira tem trabalhado os contornos e densificação da figura do administrador não executivo, reconhecendo-lhe actuação pertinente.
Em regra, apontam-se-lhes funções na definição do desenvolvimento estratégico da empresa[15], na avaliação da sua perfomance quanto aos objectivos e fins fixados, escrutinando a actuação da gestão, no domínio da prevenção dos danos, devendo certificar-se que a informação financeira é exacta e que o controlo financeiro e os sistemas de gestão de riscos são sólidos e eficazes, e também no domínio dos recursos humanos, tendo responsabilidade na fixação adequada dos níveis de remuneração dos administradores executivos, bem como tendo intervenção na nomeação e afastamento dos gestores e na planificação da gestão.
A noção de administrador executivo há-de associar-se a funções executivas, matéria também já estudada por este conselho, no quadro do regime de incompatibilidade de titulares de altos cargos públicos. Fê-lo no Parecer n.º 83/93[16], interpretando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto[17] e que por momentos se acompanha.
A caracterização das "funções executivas" era tradicionalmente utilizada para distinguir, dentro da sociedade, certo tipo de órgãos: os órgãos executivos ou de administração.
Pupo Correia [18], atendendo ao critério o critério das respectivas funções, classifica os órgãos das sociedades em:
«Deliberativos: são os órgãos que formam a vontade da sociedade, aprovando directrizes fundamentais que deverão ser acatadas pelos outros órgãos;
De administração (também chamados executivos ou directivos): são os que praticam os actos materiais ou jurídicos de execução da vontade da sociedade;
Representativos: são os que manifestam a vontade da sociedade externamente, nomeadamente, constituindo, modificando ou extinguindo as relações jurídicas que tenham a sociedade como sujeito;
De fiscalização ou de controlo: ...» (em itálico no original).
No entanto, o Autor reconhece que não há uma compartimentação estanque entre os vários órgãos, sendo corrente ao mesmo órgão caberem funções de vária ordem. Se a assembleia geral é, por via de regra, apenas um órgão deliberativo e o conselho fiscal apenas um órgão de fiscalização, já o órgão executivo (gerência ou órgão de administração) tem normalmente funções também representativas, a par de funções deliberativas, em matérias ligadas à gestão corrente da sociedade.
Por isso, para manter a sua validade, aquela classificação tem de entender-se reportada às funções principais de cada tipo de órgão.
Manuel A. Pita[19] salienta que a classificação dos órgãos em deliberativos, executivos e de fiscalização "entrou em crise", e só pode ser utilizada "como tipologia, reveladora dos aspectos prevalentes".
Especificamente sobre o órgão de administração, observa:
«É-lhe atribuída a totalidade da função de executar as deliberações dos outros órgãos, nomeadamente através do exclusivo dos poderes de representação; mas não se pode negar que lhe são atribuídos também poderes deliberativos para formar a vontade da pessoa colectiva, e que até seja a administração o lugar da formação da maior parte dos actos pelos quais a pessoa colectiva realiza o seu fim. Nestas circunstâncias, o órgão de administração combina poderes deliberativos e poderes executivos.»
Por isso, – pondera-se no aludido parecer – a utilização da expressão "desde que exerçam funções executivas" na alínea b) do nº 1 do artigo 3º da Lei n.º 29/87, tem um sentido claro: o de abranger na noção de "titular de alto cargo público", de entre os membros do conselho de administração, apenas os que, em resultado de delegação ou da distribuição de funções ou pelouros no âmbito deste realizada, tenham poderes para praticar actos jurídicos ou materiais de aplicação das deliberações tomadas pela assembleia geral ou por esse mesmo conselho.
Não deixará de reconhece-se que, em bom rigor, todos os membros dos conselhos de administração das sociedades anónimas participam no exercício de certas funções executivas, na medida em que elas cabem na competência do conselho enquanto órgão colegial, nos termos dos artigos 405º e 406º do Código das Sociedades Comerciais.
Mas não foi decerto a essas funções que a norma em causa se dirige, sob pena de ficar desprovida de sentido útil. Ao falar de "desde que exerçam funções executivas", na norma em apreciação, o legislador há-de ter querido referir-se, pois, apenas àquelas que são levadas a cabo por certos administradores a título singular e não enquanto participantes nas deliberações do conselho, em cujo âmbito se incluirão aquelas que a doutrina estrangeira assinala e que acima se deixaram mencionadas.
Tudo conjugado, há-de concluir-se que o exercício de funções não executivas não se enquadra no contexto de actividades esporádicas ou pontuais dos respectivos titulares, antes constituindo um complexo de actuações permanentes e interventivas com impacto na vida da sociedade. A circunstância de tais funções não serem remuneradas não altera os dados do problema face à doutrina deste Conselho, que não se vê motivo para alterar, e consequente impacto na remuneração, com a redução de 50% no valor base da remuneração.
11. Por último, apreciemos a situação exposta pelo Senhor Presidente da Região de Turismo de Leiria/Fátima.
Tanto quanto decorre da comunicação enviada não está em causa a interpretação da doutrina do parecer, mas antes as implicações ou consequências que decorrem para a organização e funcionamento da instituição com a sua aplicação.
Com esta dimensão compreensiva a situação exposta exorbita das atribuições do Conselho Consultivo, que, nos termos do artigo 37.º, alínea a), se circunscreve à emissão de parecer restrito a matéria de legalidade.
Um aspecto de natureza jurídica deve ser assinalado.
As Regiões de Turismo são criadas a solicitação dos Municípios interessados, por decreto-lei que aprovará os respectivos estatutos (n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 287/91, de 9 de Agosto, diploma que estabelece o novo regime jurídico da criação de Regiões de Turismo), sendo seus órgãos a comissão regional e a comissão executiva (artigo 12.º).
A comissão regional é composta, entre outros membros, por “um representante de cada câmara municipal que integre a região” [alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º]. Por seu lado, a comissão executiva é composta pelo presidente e por quatro vogais, sendo eleita pela comissão regional, em lista única (artigo 15.º, n.º 1).
Os artigos 12.º, n.º 1, alínea b), e 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 156/93, de 6 de Maio, que aprovou os estatutos da Região de Turismo de Leiria/Fátima, reproduzem os parâmetros previstos no respectivo regime jurídico.
Do exposto decorre que o legislador não considerou necessário cometer directamente aos presidentes de câmara ou demais eleitos locais a representação dos municípios nas respectivas regiões de turismo, já que o conceito utilizado é suficientemente elástico para permitir nele incluir quer o presidente da câmara quer qualquer outra pessoa que a câmara municipal considere reunir as características adequadas para a representar e aí intervir.
Se o legislador tivesse entendido que as câmaras deviam ser representadas apenas pelos respectivos titulares eleitos teria dado outra formulação ao dispositivo legal.
Poder-se-ão invocar vantagens na participação do presidente da câmara ou de outros membros eleitos, sobretudo o vereador do respectivo pelouro, na integração dos órgãos da Região. No entanto, o legislador não valorou esse facto, tendo-se limitado a prever que a câmara se faria representar por um elemento seu. Isso não significa que o próprio presidente não possa participar em reuniões da Comissão Regional e, quando tal ocorra, receber a senha de presença que ao caso couber. Mas essa participação terá de ter natureza ocasional e não permanente, enquadrando-se nas situações excepcionais antes assinaladas.

III
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
1.ª Mantêm-se as conclusões do Parecer do Conselho Consultivo n.º 77/2002, votado na sessão de 13 de Fevereiro de 2003, e publicado no Diário da República, II Série, n.º 228, de 2 de Outubro do mesmo ano;
2.ª São funções autárquicas as funções desempenhadas pela Presidente da Câmara Municipal de Leiria no Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Leiria, e pelo Vereador a tempo inteiro na Comissão de Gestão do Teatro Municipal José Lúcio da Silva, sendo-lhes aplicáveis, em termos remuneratórios, o regime que decorre do disposto nos artigos 6.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 1, alínea a), e 2, da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais), tal como mencionado na conclusão 6.ª.
3.ª Para os efeitos da conclusão 7.ª do aludido Parecer, não são de considerar funções autárquicas, as funções, de natureza executiva ou não executiva, remuneradas ou não remuneradas, desempenhadas por presidente da câmara e por vereador a tempo inteiro em regime de permanência, em conselho de administração de empresa constituída nos termos da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto.


VOTOS


João Manuel da Silva Miguel. Vencido, como relator, quanto às conclusões 7.ª e 8.ª do parecer n.º 77/2002, nos termos que constam da declaração de voto então apresentada e que mantenho, aditando sucintamente as considerações seguintes.
Para distinguir as funções que revestem natureza autárquica daquelas que a na possuem a posição que fez vencimento socorre-se de um critério que atende ao modo de organização da autarquia para a prossecução dos seus fins, concluindo não serem de qualificar como funções autárquicas aquelas que são prosseguidas por entidade juridicamente autónoma.
Continuo a entender que as funções autárquicas definem-se por elas próprias, em razão das respectivas atribuições da autarquia, independentemente da forma, modo e meio como são prosseguidas, sendo irrelevante se o são pela autarquia ou por entidades juridicamente distintas por ela criadas e de que dela dependem.
Em paralelismo com a administração indirecta do Estado, esta não deixa de prosseguir funções do Estado e de ser função estadual pelo facto de o fazer por entidades distintas do Estado-Administração.
Por outro lado, na justa medida em que intercepta a solução encontrada, não acompanho o parecer na parte em que considera que uma actividade desempenhada sem qualquer contrapartida económica por eleitos locais implica uma redução de 50% da respectiva base de remuneração.
Afigura-se-me que a teleologia do diploma e a sua razão intrínseca não apontam nessa solução, não sendo conforme ao espírito do sistema, além de se mostrar injusto, não só não reconhecer, mas sobretudo penalizar aquele que podendo fazê-lo, dá de si graciosamente os seus préstimos na prossecução de outros interesses úteis para a sociedade.

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) - Vencido quanto à conclusão 3ª nos termos do ponto 2 do voto do meu Exmº Colega Dr. João Miguel.

(Maria de Fátima da Graça Carvalho) - Vencido quanto à conclusão 3ª nos termos do ponto 2 do voto do meu Exmo Colega Dr. João Miguel.





[1] Ofício n.º 10866, de 4.11.2003, processo n.º 28076, acompanhado da Informação n.º 318/AJ/2003, de 30.10.2003.
[2] Ofício n.º 1091, de 22.10.2003, transmitido pelo ofício n.º 384/03, do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Local.
[3] Através do ofício n.º 5090, de 15.12.2003.
[4] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 228, de 2 de Outubro, pág. 14897 e segs.
(x) A jurisprudência considerava esta norma incompatível com o que, já então, se estabelecia no artigo 39.º, n.º 2, alínea o) e 51.º, n.º 1, alínea g) do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março, na redacção da Lei n.º 18/91, de 12 de Julho, devendo considerar-se revogado. Vd. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 1997 e de 9 de Março de 1999, proferidos nos processos n.os 41371 e 44408, respectivamente, publicados no Apêndice ao Diário da República, de 23 de Março de 2001, volume II (Maio), págs. 3599 e segs., o primeiro, e de 12 de Julho de 2002, volume III (Março), págs. 1713 e segs., o segundo.
(x1) Sobre a natureza dos serviços municipalizados, vejam-se os Pareceres n.os 54/91, de 5 de Dezembro de 1991, 3/93, de 1 de Abril de 1993, 4/93, de 6 de Maio de 1993, e 72/93 complementar, de 17 de Maio de 2001 e as referências doutrinárias e jurisprudenciais aí aludidas.
(x2) Para uma perspectiva de direito comparado sobre a existência e organização de serviços municipalizados noutros países, veja-se, quanto à França, André de Laubadère, Jean-
-Claude Venezia e Yves Gaudemet, Traité de Droit Administratif, Tomo I - Droit administratif général, 15.ª edição, LGDJ, Paris, 1999, pág. 269 e segs.; em Itália, Massimo Severo Giannini, Diritto amministrativo, vol. I, 2.ª edição, Giuffrè Editore, Milão, 1988, págs. 251 a 256; em Espanha José Ortiz Diaz, Los entes instrumentales de las administraciones locales, em «Administración Instrumental: Libro de Homenage a Manuel Francisco Claver Arévalo», Tomo II, editora Civitas, Madrid, 1994, pág. 1321 e segs., sobretudo 1327; e, na Alemanha, Günter Püttner, Informe sobre las entidades instrumentales administrativas en Alemania, em «Administración Instrumental:...», cit., págs. 1735 a 1737.
[5] O próprio voto de vencido comunga dessa qualificação. Se em seu critério também são funções autárquicas as desempenhadas em entidade jurídica diversa da autarquia, mas que prosseguem fins autárquicos, por maioria de razão são autárquicas as funções exercidas directamente pela própria autarquia na prossecução do seus fins.
[6] De 17 de Setembro de 1995, publicado no Diário da República, II Série, n.º 217, de 18 de Setembro de 1996, pág. 13136 e segs.
[7] A distinção entre funções públicas e funções privadas, estas entendidas em sinonímia com actividades privadas, não se apresenta imediatamente compreensível. Num primeiro plano, as duas categorias – funções públicas e actividade privada – hão-de entender-se em contraposição uma à outra: serão funções públicas as que não são funções privadas. No entanto, este critério de exclusão de partes só se apresenta válido se for possível delimitar com segurança um dos termos da comparação, porque o outro se delimitará por si.
No que a funções públicas se refere, os seus limites e contornos apresentam-se fluidos e imprecisos. Funções públicas associam-se a desempenhos funcionais na função pública. Também a expressão função pública se apresenta polissémica, sendo de difícil densificação. Em sentido restrito, o conceito «refere-se apenas aos trabalhadores ligados por uma relação jurídica de emprego a pessoas colectivas de direito público, organicamente inseridas na Administração pública»; em sentido amplo compreende «não só os funcionários e agentes do Estado e demais pessoas de direito público mas também os titulares de cargos públicos, incluindo os titulares de órgãos de soberania» (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 944.)
Em regra, «entende-se que a definição constitucional da função pública corresponde ao sentido amplo que é atribuído à expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública, qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum de contrato individual de trabalho), e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório» (Como se lê no parecer n.º 28/99, de 10 de Fevereiro de 2000, publicado no Diário da República n.º 28, de 2 de Fevereiro de 2002, pág. 2304, seguindo J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 264, e João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionamento Público, I, Coimbra, 1985, pág. 7.).
O conceito de funções públicas tem sido tratado por este Conselho, designadamente no quadro do regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos de cargos públicos, sendo disso exemplo, entre outros o Parecer n.º5/94, de 14 de Abril de 1994 (Ponto 3.5)
É neste sentido que o conceito de funções públicas foi considerada no Parecer.
[8] De que são exemplo, entre outros, os pareceres n.º 52/94, já antes identificado, e n.º 43/93, de 14 de Julho de 1993, não publicado.
[9] Veja-se os acórdãos mencionados nas notas n.os 71 e 72 do Parecer n.º 77/2002.
[10] Na Assembleia da República pende o projecto de lei n.º 417/IX (PSD-CDS/PP), publicado no Diário da Assembleia da República (DAR), II Série-A, n.º 44, de 13 de Março de 2004, pelo qual se modifica a redacção do artigo 7.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, estabelecendo o regime de remuneração dos eleitos locais que exercem, em acumulação, funções públicas ou privadas, remuneradas ou não remuneradas. Este projecto foi aprovado na generalidade, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do BE e abstenções do PS, do PCP e de Os Verdes – DAR, I Série, n.º 65, de 19 de Março de 2004, pág. 3634.
Propõe-se a seguinte alteração para a norma em apreço:
«Artigo 7.º
(...)
1 - As remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:
a) Aqueles que exerçam funções autárquicas em acumulação com o desempenho não remunerado de outras funções públicas ou privadas recebem a totalidade das remunerações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo anterior, sem prejuízo do direito a senhas de presença;
b) Aqueles que exerçam funções autárquicas, em acumulação com o desempenho remunerado de outras funções públicas ou privadas, recebem. 50% do valor da base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito.
2 - O quantitativo global, por mês, das senhas de presença a que se refere a parte final da alínea a), do número anterior não pode exceder 50% da remuneração do presidente da câmara.
3 - (anterior n.º 2)
4 - (anterior n.º 3).»
[11] Vd. ponto n.º 3.6.2.
[12] No texto refere-se a «funções não exclusivas», o que se entende como lapso de escrita, querendo dizer-se «funções não executivas», como decorre de todo o discurso argumentativo subsequente.
[13] Constitui a sociedade anónima EURO 2004, S. A. - Sociedade Promotora da Realização em Portugal da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 e aprova os respectivos estatutos.
[14] Cria o sistema multimunicipal de triagem, recolha selectiva, valorização e tratamento de resíduos sólidos urbanos do Alto Tâmega, integrando como utilizadores originários de municípios de Boticas, Chaves, Montalegre, Ribeira de Pena, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar, e constitui a concessionária do sistema.
[15] Vd., a propósito, Derek Higgs, Review of the role and effectiveness of non-executive directors, Janeiro de 2003, pág. 27, acessível em www.dti.gov.uk/cld/non_exec_review. Vd. Também Statements of Principles, edição de The Financial Services Authority, Julho de 1998, publicado de acordo com o Banking Act 1987 e o The Bank Coordination (Second Council Directive) Regulations 1992, pág. 21 e 22
[16] De 14 de Abril de 1994, não publicado.
[17] A redacção da norma em apreço é a seguinte:
"Artigo 3º
Titulares de altos cargos públicos
1 - Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de altos cargos públicos ou equiparados:
a) (...);
b) Gestor público e membro do conselho de administração de sociedade anónima de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, designado por entidade pública, desde que exerçam funções executivas."
[18] Direito Comercial, 8.ª Edição revista e actualizada, Ediforum, Edições Jurídicas, Lisboa, 2003, pág. 597. Idêntica classificação já constava da edição da mesma obra de 1988, pág. 453.
[19] Direito Comercial, 2.ª Edição, Editora Edifisco, Lda, Lisboa,1992, pág. 133.
Anotações
Legislação: 
L58/98 DE 1998/08/18 - ART41
L29/87 DE 1987/06/30 - ART6 N2 N3 ART7 N1 A) B) N2
L44/77 DE 1977/06/23
CSC86 - ART390 ART405 ART406
DL33/00 DE 2000/03/14 - ART22 N1 A) B)
DL226/2000 DE 2000/09/09 - ART21
L64/93 DE 1993/08/26 - ART3 N1 B)
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR ADM * FUNÇÃO PUBL
Divulgação
Data: 
01-07-2004
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