Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
93/2006, de 30.11.2006
Data do Parecer: 
30-11-2006
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Juventude e Desportos
Relator: 
FERNANDO BENTO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DESPORTO
FUTEBOL
JOGADOR DE FUTEBOL
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
PROCESSO DISCIPLINAR
DOPING
ACUSAÇÃO
PENA DE SUSPENSÃO
ARQUIVAMENTO
NULIDADE
ANULABILIDADE
ERRO
CULPA
DOLO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA
UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA
ESTATUTO
ILEGALIDADE GRAVE
IRREGULARIDADE
VIOLAÇÃO DE LEI
INSTITUTO DO DESPORTO
PODER DISCIPLINAR
REPETIÇÃO DO PROCESSO
SUSPENSÃO DO ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA
CANCELAMENTO DO ESTATUTO DE UTILIDADE PÚBLICA DESPORTIVA
Conclusões: 
1. Os órgãos com competência disciplinar das federações dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva estão juridicamente vinculados a instaurar procedimento disciplinar contra qualquer praticante desportivo que acuse resultado positivo no âmbito do controlo antidopagem e, caso do procedimento resulte provada a existência de infracção disciplinar, a sancionar o infractor em conformidade com os critérios legalmente estabelecidos (artigos 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho);
2. A responsabilidade disciplinar dos praticantes desportivos prevista nas disposições legais e regulamentares relativas ao combate à dopagem no desporto funda-se na culpa do infractor, pressupondo, ao nível da imputação da conduta ao agente, a verificação do dolo ou da negligência;
3. A acusação a proferir no procedimento a que se reportam o artigo 10.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e o artigo 7.º do Regulamento do Controlo Antidopagem da Federação Portuguesa de Futebol, deverá conter todos os elementos constitutivos da infracção disciplinar, com uma descrição da conduta do agente nas suas vertentes objectiva e subjectiva, assim como a factualidade fundamentadora da sua censurabilidade, por forma a permitir ao arguido o exercício efectivo do direito de defesa;
4. Uma acusação elaborada sem conter os elementos referidos na conclusão anterior integrará nulidade procedimental determinante da invalidade da decisão sancionatória final;
5. Tal omissão não tem como consequência jurídica o arquivamento do processo disciplinar, com a inerente impunidade do atleta visado;
6. Podendo ser arguida pelos interessados, e sendo de conhecimento oficioso da autoridade detentora do poder disciplinar, essa omissão implica apenas a declaração de nulidade do acto procedimental viciado e de todos os dele dependentes, devendo ordenar-se ao instrutor a elaboração de nova acusação não eivada do vício da anterior e conceder-se novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa;
7. A «acusação primitiva» formulada no procedimento disciplinar instaurado pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contra o jogador Nuno Assis era omissa em relação a elementos essenciais da infracção disciplinar que lhe era imputada, enfermando do vício referido na conclusão n.º 4;
8. Embora, nesse caso, não fosse invocável o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a Comissão Disciplinar desta, ao declarar, com base naquele Regulamento, a nulidade da «acusação primitiva» e ao ordenar a elaboração de outra, contendo os elementos constitutivos da infracção disciplinar, e a concessão de novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa, acabou por adoptar a solução juridicamente adequada, e que decorria da aplicação conjugada do Regulamento do Controlo Antidopagem da Federação Portuguesa de Futebol e das normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo;
9. Ao deliberar, em via de recurso, o arquivamento do processo disciplinar contra o referido praticante desportivo, com base na nulidade da «acusação primitiva», revogando implicitamente a sanção disciplinar aplicada pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol incorreu em vício de violação de lei, determinante da anulabilidade de tal deliberação;
10. Por força do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, a não aplicação, pelos órgãos disciplinares federativos, da legislação antidopagem, poderá determinar, enquanto a situação se mantiver, a impossibilidade de a federação em causa ser beneficiária de qualquer tipo de apoio público, bem como a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva, se se tratar de entidade que dele seja titular;
11. A decisão de suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva com tal fundamento deverá obedecer aos princípios consignados nos artigos 3.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, e designadamente aos princípios da proporcionalidade e da justiça, sendo a conduta omissiva dos órgãos federativos averiguada em procedimento próprio, a instaurar pelo Instituto do Desporto de Portugal, no âmbito do qual haverá que garantir o direito de audiência e defesa da federação visada [artigos 18.º, n.º 1, alínea a), e 19.º do Decreto--Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, e artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa];
12. O arquivamento do processo disciplinar relativo ao jogador Nuno Assis, por parte do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, conforme referido na conclusão n.º 9, traduzindo-se numa inaplicação da legislação antidopagem, justifica, pelos seus contornos, a instauração do procedimento referido na conclusão anterior, tendo em vista apurar a eventual existência de fundamento bastante para a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva concedido à referida Federação;
13. Caso o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol não revogue a referida deliberação, justifica-se, atento o relevante interesse público no acatamento, por parte das federações desportivas, das disposições legais relativas ao controlo da dopagem no desporto, a solicitação ao Ministério Público para proceder à respectiva impugnação, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que deverá ser feito no prazo consignado no artigo 58.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código (um ano).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Juventude e do Desporto,
Excelência:



I


Por ofício de 16 de Agosto de 2006, solicitou Vossa Excelência que este Conselho Consultivo se pronunciasse sobre diversas questões suscitadas na sequência do arquivamento, pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, do processo disciplinar instaurado contra o praticante de futebol Nuno Assis por suspeita de infracção das normas legais relativas à proibição da dopagem no desporto.

A consulta encontra-se formulada nos termos seguintes:

«O combate à dopagem no desporto, em Portugal, processa-se nos termos do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho (alterado pelas Leis n.os 152/99, de 14 de Setembro, e 192/2002, de 25 de Setembro) e demais regulamentação nacional e internacional aplicável.

A Federação Portuguesa de Futebol é uma instituição dotada do estatuto de utilidade pública desportiva, cuja concessão, nos termos legais, envolve, para a entidade que dele for titular, especiais obrigações de cooperação com os Poderes Públicos no âmbito do combate à dopagem, nomeadamente o dever de sancionar, disciplinar e desportivamente, os praticantes desportivos em relação aos quais se venha a detectar a presença de substâncias proibidas nas análises antidopagem.

Tal sucedeu no caso ora em apreço, relativamente ao praticante de futebol Nuno Assis, o qual, na sequência de uma acção de controlo realizada após o jogo Marítimo - Benfica (em 3 de Dezembro de 2005, no Funchal), veio a ser indiciado por a respectiva urina conter uma substância proibida (19- -Norandrosterona) com uma concentração superior ao limite máximo admitido.

Detectada a presença de uma substância proibida, estabelece o artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 183/97 (acima citado) que daí resultarão, obrigatoriamente, consequências disciplinares, sendo estas as previstas no artigo 15.º do mesmo diploma.

Ora, o que sucedeu no caso vertente - cujo processo integral se remete em anexo, por fotocópia - é que o resultado positivo detectado não foi punido pelas competentes instâncias disciplinares da Federação Portuguesa de Futebol, pelas razões que melhor constam do aludido processo e que aqui se sumariam:

a) A análise e a contra-análise realizadas acusaram a presença da referida substância proibida, em concentrações que excluem a possibilidade de produção endógena da referida substância e bem acima dos limites máximos admitidos na regulamentação;

b) Tendo sido instaurado, no âmbito da FPF, o competente procedimento disciplinar, foi o arguido preventivamente suspenso de toda a actividade desportiva;

c) O Conselho Nacional Antidopagem, solicitado oportunamente a requerimento do arguido, recusou proceder a qualquer atenuação da pena abstractamente aplicável;

d) Foi deduzida, em 1.ª instância (pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional) a acusação (versão primitiva) em competente processo disciplinar, a qual, grosso modo, assentava essencialmente na presença da substância proibida no organismo do agente;

e) Apresentada a defesa do arguido, veio este insurgir-se pelo facto de a acusação não especificar a "conduta" disciplinarmente punível, limitando-se a referir a presença da referida substância proibida;

f) O que ocasionou um "despacho de aperfeiçoamento" por parte do Presidente da Comissão Disciplinar da Liga, determinando à Instrutora do processo que refizesse a acusação e suprisse o que se entendeu ser um "vício" (meramente formal, porque os factos eram e são, essencialmente, os mesmos);

g) Refeita a acusação - com a concessão de novo prazo para a defesa - veio o processo a prosseguir até à decisão final daquela Comissão Disciplinar que entendeu dever punir o arguido com a pena de seis meses de suspensão;

h) O arguido reagiu, por reclamação, contra o referido "despacho de aperfeiçoamento" reclamação essa que foi desatendida;

i) E, da decisão final que o veio a condenar, interpôs recurso para a 2.ª instância - o Conselho de Justiça da FPF;

j) O qual veio a proferir um "Acórdão", através do qual se julgou procedente o recurso, determinando-se, em consequência, o arquivamento do procedimento disciplinar contra o referido Nuno Assis.

É, naturalmente, sobre esta sequência de decisões que se suscitam dúvidas quanto à conformidade das mesmas com o que está preceituado legalmente, e sobre as quais se suscita o douto Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Tais dúvidas assentam, essencialmente, sobre os seguintes aspectos:

a) Se a denominada "acusação primitiva", formulada pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, padecia de qualquer irregularidade face ao princípio da responsabilidade objectiva, acolhido no Decreto-Lei n.º 183/97 e demais regulamentação internacional (Código Mundial Antidopagem, Regulamentos Antidopagem da FIFA e da UEFA, Convenção Internacional contra o Doping no Desporto da UNESCO e Convenção Europeia Antidopagem);

b) Se o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional é invocável no caso vertente, atenta a circunstância de o Decreto-Lei n.º 183/97 (art.os 9.º e 10.º) determinar expressamente que as federações desportivas (titulares da UPD) devem regular toda esta matéria num específico "regulamento antidopagem", o qual, aliás, deve ser conforme às normas nacionais e internacionais sobre o combate ao doping;

c) Se o presente "acórdão" do Conselho de Justiça é consistente, quantos aos requisitos formais da acusação neste tipo de procedimentos disciplinares, com o decidido pelo mesmo Conselho de Justiça, por exemplo, nos "acórdãos" n.os 25/CJ-05/06 e 481/CJ (que também se juntam por fotocópia);

d) Se a invocação de razões "meramente formais" - como expressamente as qualificou a FPF em seu Comunicado de 20 de Julho de 2006 (que igualmente se remete por fotocópia) - para não punir um praticante ao qual foram detectados resultados positivos nas análises antidopagem, assentes em eventuais "vícios" do procedimento disciplinar praticados exclusivamente no âmbito das mesmas federações desportivas (pelos seus órgãos ou agentes), configura, face ao preceituado legal, uma ilegalidade ou irregularidade grave no exercício dos poderes públicos que lhes estão delegados, como tal sancionáveis com a suspensão ou o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva?»

Cumpre, pois, emitir o solicitado parecer.


II

Embora a matéria de facto subjacente ao pedido de parecer venha, em parte, enunciada nesse pedido, importa descrevê-la mais pormenorizadamente antes de se proceder à abordagem das questões colocadas.

Face à documentação recebida, os factos a atender são os seguintes:

1) Em 3 de Dezembro de 2005, no Funchal, após o jogo de futebol Marítimo – Benfica, o jogador Nuno Assis, na sequência de uma acção de controlo a que foi submetido, veio a acusar na respectiva urina a presença da substância «19--Norandrosterona», com uma concentração superior a 2,0 ng/ml.

2) Tendo sido instaurado procedimento disciplinar contra o mesmo pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), viria, no respectivo âmbito, a ser deduzida a seguinte acusação ([1]):

«COMISSÃO DISCIPLINAR
PROCESSO DISCIPLINAR N.º 82 - 05/06
Por decisão da comissão disciplinar foi mandado instaurar o presente processo disciplinar contra o arguido, NUNO ASSIS LOPES DE ALMEIDA, no âmbito do qual se deduz a presente ACUSAÇÃO, nos termos do disposto no n.° 1, do art.° 180.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com os seguintes fundamentos:
1 - O arguido, à data dos factos, era, como é, jogador da SPORT LISBOA E BENFICA - FUT., S.A.D..
2 - No dia 3 de Dezembro de 2005, pelas 21h15m, realizou-se no Funchal, no Estádio dos Barreiros, o jogo de futebol entre o SPORT LISBOA E BENFICA-FUT., S.A.D., e o MARÍTIMO DA MADEIRA. - FUT., S.A.D., a contar para o Campeonato Nacional da Liga Betandwin.com.
3 - O resultado final da partida foi de O (zero) golos para o MARÍTIMO DA MADEIRA. - FUT., S.A.D. e 1 (um) golo para o SPORT LISBOA E BENFICA - FUT., S.A.D..
4 - A equipa de arbitragem do referido jogo foi composta pelo árbitro Paulo Paraty, os árbitros assistentes Paulo Januário e João Silva e o quarto árbitro Cosme Machado.
5 - No final do jogo, o arguido foi sorteado para se proceder ao controlo antidoping.
6 - Fez-se a respectiva colheita do líquido orgânico.
7 - Em 24/01/2006 e 01/02/2006, realizaram-se a análise e contra-análise, respectivamente, tendo ambas revelado a presença, nas amostras do líquido orgânico do arguido, da substância 19-NORANDROSTERONA, com uma concentração de 4,5 e 4,0 ng/ml, respectivamente, superior ao limite máximo permitido de 2,0 ng/ml e que se encontra na lista dos produtos proibidos do controlo antidopagem.
8 - Como supra se referiu, tal substância faz parte dos produtos proibidos e classificados na classe S4-Agentes Anabolizantes - e referida na lista constante do Comunicado n.° 96 da Federação Portuguesa de Futebol e em vigor desde 01.01.04, em anexo ao Regulamento Antidopagem, resultante do Decreto-Lei n.° 183/97, de 26.06, e da Portaria n.º 816/97, de 5 de Setembro.
9 - Face ao exposto, cometeu o arguido uma infracção disciplinar prevista e punida nos termos do art.° 10.º, n.º 1 - a), do Regulamento Antidopagem, e art.° 15.º, n.° 1 - a), do D.L. 183/97, de 26/07.
10 - O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida pelos Regulamentos supra citados.
Notifique-se o arguido da presente acusação para, no prazo de cinco dias úteis, apresentar a sua defesa escrita, podendo indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências, nos termos dos art.°s 181.°, 182.° e 183.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
E ainda, requerer, querendo, que seja ouvido o Conselho Nacional Antidopagem para efeito de atenuação extraordinária da pena que lhe possa vir a ser aplicada, nos termos previstos na lei (cfr. art.° 7.º, h), do Regulamento do Controlo Antidopagem, e art.° 17°, n.° 1, do D.L. n.° 183/97, de 26 de Julho).»

3) Notificado da acusação, o arguido veio apresentar a sua defesa, a qual assentou, em síntese, nas traves seguintes:

a) A acusação enferma de nulidade, por não imputar ao arguido qualquer conduta culposa que lhe possa ser disciplinarmente censurada, pelo que o processo deverá ser arquivado;

b) Quanto à matéria de facto:

- O arguido seguiu sempre escrupulosamente as prescrições do departamento de futebol e do departamento médico do Benfica e não ingeriu nem auto-administrou, pelo menos com consciência e intenção, qualquer produto ou substância que origine a 19-Norandrosterona;

- A comunidade científica tem levantado dúvidas quanto à capacidade que o organismo humano tem, em determinadas circunstâncias, para produzir a referida substância, mesmo em quantidade superior a 2,0 ng/ml;

- As circunstâncias concretas em que decorreram as análises suscitam dúvidas sobre se a concentração daquela substância na urina do atleta seria superior ao limite máximo estabelecido,

pelo que o arguido deverá ser absolvido;

c) Caso assim se não venha a decidir, requer seja ouvido o Conselho Nacional de Antidopagem para efeito de atenuação extraordinária da pena.

4) Face à arguição da nulidade da acusação, foi pelo presidente da Comissão Disciplinar da LPFP proferido o despacho seguinte:

«O arguido invoca a nulidade da nota de culpa, quer por omissão quer por ambiguidade na factualidade aí vertida.
Parece assistir-lhe razão.
Assim, em ordem a sanar o processo, suprindo tal vício, declara-se a mesma nula, por não estar factualizada a introdução, toma ou ingestão daqueloutra substância proibida - que não a sua simples apresentação perante a perícia - e por não estarem vertidas as situações eventualmente conducentes à justificação do facto e afastamento da punibilidade.
Apresente-se, de novo, o processo à Sra. Instrutora a fim de o refazer, abrindo-se nova oportunidade de ser deduzida defesa.»

5) Na sequência de tal despacho, viria a ser deduzida nova acusação contra o arguido, nos termos seguintes:

«COMISSÃO DISCIPLINAR
PROCESSO DISCIPLINAR N.° 82 - 05/06
Por decisão da Comissão Disciplinar, foi mandado instaurar o presente processo disciplinar contra o arguido NUNO ASSIS LOPES DE ALMEIDA.
Nesse âmbito se deduz a presente ACUSAÇÃO, nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 180.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, com os seguintes fundamentos:
1 - O arguido, à data dos factos, era, como é, jogador da SPORT LISBOA E BENFICA-FUT., S.A.D..
2 - No dia 3 de Dezembro de 2005, pelas 21h15m, realizou-se no Funchal, no Estádio dos Barreiros, o jogo de futebol entre o SPORT LISBOA E BENFICA - FUT., S.A.D., e o MARÍTIMO DA MADEIRA. - FUT., S.A.D,, a contar para o Campeonato Nacional da Liga Betandwin.com.
3 - O resultado final da partida foi de O (zero) golos para o MARÍTIMO DA MADEIRA. - FUT., S.A.D., e 1 (um) golo para o SPORT LISBOA E BENFICA - FUT., S.A.D..
4 - A equipa de arbitragem do referido jogo foi composta pelo árbitro Paulo Paraty, os árbitros assistentes Paulo Januário e João Silva e o quarto árbitro Cosme Machado.
5 - No final do jogo, o arguido foi sorteado para se proceder ao controlo antidoping.
6 - Fez-se a respectiva colheita do líquido orgânico.
7 - Em 24/01/2006 e 02/02/2006, realizaram-se a análise e contra-análise, respectivamente, tendo ambas revelado a presença, nas amostras do líquido orgânico do arguido, da substância 19-NORANDROSTERONA, com uma concentração de 4,5 e 4,0 ng/ml, respectivamente, superior ao limite máximo permitido de 2,0 ng/ml.
8- Tal substância é um dos produtos proibidos, encontrando-se classificada na classe S4-Agentes Anabolizantes, referida na lista constante do Comunicado n.° 96 da Federação Portuguesa de Futebol e em vigor desde 2004.01.01, em anexo ao Regulamento Antidopagem, resultante do Decreto-Lei n.° 183/97, de 26.06, e da Portaria 816/97, de 5 de Setembro.
9 - O arguido, ao fazer introduzir no seu organismo aquela substância, agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida nem pela Lei nem pelos Regulamentos supra citados.
10 - Não invocou que a mesma lhe houvesse sido introduzida à força, contra a sua vontade ou por engano seu, por parte de quem quer que fosse. De igual modo, não fez remeter ao CNAD pedido de autorização prévio a qualquer toma.
11 - Face ao exposto, constituiu-se o arguido autor da infracção disciplinar prevista e punida nos termos dos arts. 10° - n.º 1 - a) do Regulamento Antidopagem, e 15.º - n.° 1 - a), do D.L. 183/97, de 26/07.
Notifique-se o arguido da presente acusação para, no prazo de cinco dias úteis, apresentar a sua defesa escrita, podendo indicar testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências, nos termos dos art.°s 181.°, 182.° e 183.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
E ainda, para requerer, querendo, que seja ouvido o Conselho Nacional Antidopagem para efeito de atenuação extraordinária da pena que lhe possa vir a ser aplicada, nos termos previstos na lei [cfr. art.° 7.º - h), do Regulamento do Controlo Antidopagem, e art.° 17.º - n.° 1 do D.L. n.° 183/97, de 26 de Julho].»

6) O arguido reclamou do despacho do presidente da Comissão Disciplinar da LPFP transcrito no ponto 4), alegando que, após ter apresentado a sua defesa, não mais seria possível a dedução de nova acusação, pelo que, tendo sido reconhecida a nulidade da primitiva acusação pelo autor do despacho, deveria, em consequência, ser ordenado o arquivamento dos autos.

7) Sobre tal reclamação recaiu o seguinte acórdão da Comissão Disciplinar da LPFP:

« I
Aos 2006.03.21, NUNO ASSIS LOPES ALMEIDA, jogador da Sport Lisboa e Benfica, Futebol, S.A.D., arguido no âmbito do processo disciplinar n.° 82-05/06, apresentou reclamação, nos termos do disposto no art.° 13.° do R.D., do despacho proferido pelo Presidente desta Comissão Disciplinar, a fls. 243, nomeadamente: "Apresente-se, de novo, o processo à Sra. Instrutora a fim de o refazer, abrindo-se nova oportunidade de ser deduzida defesa", notificado em 2006.03.17.
O reclamante alega, em síntese, o seguinte:
a) O despacho em causa é ilegal e anti-regulamentar;
b) A acusação não é susceptível de aperfeiçoamento, depois de apresentada a defesa do arguido, à luz do Regulamento Disciplinar da LPFP, Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Código de Processo Penal;
c) O aperfeiçoamento da acusação é uma "ilegítima e intolerável" violação das garantias de defesa do arguido e do princípio da igualdade das partes;
d) Face ao teor do despacho ora reclamado, o processo disciplinar deveria ser arquivado e, consequentemente, absolvido o arguido, e aqui reclamante;
e) Foram violados os arts. 180.° do R.D. e 32.° - n.° 10 da Constituição da República Portuguesa.
II
1. A reclamação é tempestiva.
O reclamante tem legitimidade e alega fundamentos da sua discordância quanto a aplicação de direito, nos termos do disposto nos arts. 199.° a 201.° do R.D..
2. a) Aos agentes desportivos e demais entidades sobre as quais pode ser desencadeada acção disciplinar assiste o irrecusável direito à adequada tramitação processual, como à interpretação e aplicação legal e regulamentar tida por mais conforme aos ditames normativos, de acordo com a sã consciência; mas não a decisões fundadas em erro, equívocas ou insuficientemente motivadas.
Mais: como conjunto de entidades indirectamente integradas numa organização dotada de utilidade pública desportiva (FPF), devem prosseguir os apontados valores, em ordem a que sobre aqueloutra não venha a ricochetear a reacção dos órgãos jurisdicionais das associações internacionais que gerem este desporto ou até das autoridades governamentais nacionais, como em anos não distantes se viu.
b) A dedução da nota de culpa não ocorre, como é sabido, sob a estrita direcção do relator ou da Comissão Disciplinar; é o próprio instrutor que, de acordo com os seus conhecimentos, atenção e a sua consciência, a trabalha e lança no processo; e o relator, por regra, só a conhece no terminus da investigação, quando já se encontra formulado o parecer final.
A vingar a tese do reclamante, ter-se-ia que admitir que, em caso de grosseira negligência ou má fé do instrutor (em abstracto), subscritor da nota de culpa, a sorte do processo ficaria sempre irrecusavelmente traçada, no caso de flagrante erro ou incorrigível deficiência. Ora isso é inaceitável, sobretudo perante magistrados que têm, perante os actos investigatórios, a noção do seu máximo aproveitamento, desde que não ferindo direitos inalienáveis dos arguidos ou outras partes.
Foi pacífico e uniforme, durante o mandato desta CD, que a punição, mormente nos casos de dopagem, só tem por fundamento a culpa.
De resto na sequência de decisão noticiada na imprensa hebdomadária, proveniente de um tribunal administrativo de uma região autónoma que sindicava a impugnação de uma decisão do Conselho de Justiça da FPF, já se tinha mandado transmitir indicações aos senhores instrutores no sentido de atentarem na formulação devida e cuidada da intencionalidade do agente, evitando sempre a imputação de facto a título meramente objectivo.
No caso concreto, por deficiência do acto de dedução da nota de culpa, embora reportando-se à intenção, não foi precisado que essa intenção se reporta, não simplesmente à apresentação no organismo da substância proibida no momento da colheita do líquido urinário, mas sim da sua incorporação no organismo.
Finalmente, nenhum prejuízo se pretende provocar - nem provoca ao arguido - porquanto, não devendo ele, é certo, retirar proveitos desproporcionais de um lapso da Sra. Instrutora, ou da subscritora da nota de culpa, estava perfeitamente a tempo, como se vê a fls. 285 e sgs., de invocar toda a materialidade e interpretação da lei que lhe aportasse benefício.
Acresce ainda que, ao contrário do alegado pelo reclamante, não foi pervertido o procedimento disciplinar e a sua tramitação, assim como não foram afectadas as garantias constitucionais da sua defesa, nomeadamente os princípios da igualdade das partes e das garantia de justa defesa (art. 32.° - n.°10 da Constituição da República Portuguesa: "Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa").
O despacho ora reclamado foi proferido no âmbito da tramitação de um processo disciplinar desportivo - que até tem particularidades - mas que de nenhuma forma é anti-regulamentar e ilegal, uma vez que não houve qualquer desvio do formalismo processual prescrito no regulamento, ou lei, ou seja, não consistiu na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito ou realização de um acto imposto por lei, mas sem as formalidades requeridas.
A Comissão Disciplinar pode, oficiosamente, no momento em que detecte o vício, sanar o processado, suprindo vícios, desde que não prejudique os direitos e garantias do arguido, até decisão final (cfr. art. 178.° - n.° 9 do R.D.). O que acontece no caso em apreço: foi dada a possibilidade do contraditório ao arguido, que nesse sentido, apresentou nova defesa (vide fls. 285 e sgs.).
Mais, não colhe o argumento do reclamante, no sentido de que não é susceptível o aperfeiçoamento da acusação. Cite-se, a título de exemplo, o procedimento disciplinar laboral, onde é possível o aperfeiçoamento da nota de culpa até à contestação em sede de impugnação judicial da decisão de aplicação da sanção disciplinar de despedimento (cfr. 436.° - n.° 2, do Código do Trabalho). Nesse sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995.11.02: "Se, posteriormente à remessa da nota de culpa, a entidade patronal remeter uma adenda a essa nota de culpa, tal adenda é válida, desde que precise, pormenorize, explicite e desenvolva factos e circunstâncias relacionadas com o facto essencial constante da nota de culpa", (in. C.J. - Ano 3 - Tomo 3, p. 292).
Também no âmbito do processo penal é possível o aperfeiçoamento da acusação, concretamente em caso de alterações não substanciais dos factos descritos na acusação ou na pronúncia no decurso da audiência (cfr. art.° 358.° do CPP).
Atento o exposto, o despacho em causa não viola os art.°s 180.° do R.D. e 32.° - n.° 10 da CRP.
III
Assim, desatende-se a reclamação.»

8) O arguido interpôs recurso do acima referido despacho do presidente da Comissão Disciplinar da LPFP para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), pugnando pelo arquivamento do processo com o fundamento na nulidade da primitiva acusação.

9) Sobre tal recurso recaiu o seguinte despacho do presidente da Comissão Disciplinar da LPFP:

«O processo disciplinar, pela sua tramitação urgente, não consente a tipologia dos recursos nomeadamente previstos nos diplomas processuais de índole civil. Sindicar-se-á tão-somente a decisão final, mesmo reportada também a qualquer decisão intercalar susceptível de nela se repercutir.
Assim, perante a particularidade da situação, este recurso - que se recebe por simples cautela - terá de ser como que fundido no que, a final, eventualmente se interpuser em ordem a poder ser apreciado (cfr. art. 204.° R. D. interpretado no sentido de "Decisões finais ou equiparadas").
Incorpore no processo todo o expediente dirigido ao CJ, em ordem a ser apreciado ulteriormente, se for esse o caso.»

10) Concluídas as diligências e elaborado o relatório final da instrutora, a Comissão Disciplinar da LPFP proferiu acórdão em que, dando como provado que o arguido fez introduzir a substância 19-Norandrosterona no seu organismo de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que tal conduta além de lhe ser censurável, não lhe era permitida pela lei e pelos regulamentos desportivos, deliberou suspendê-lo da actividade desportiva por um período seis meses, pela prática da infracção prevista e punida pelos artigos 10.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento Antidopagem, e 15.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho.

11) De tal acórdão interpôs o arguido recurso para o Conselho de Justiça da FPF, o qual, em 14 de Julho de 2006, deliberou nos termos seguintes:

«Acordam no Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol:
Nuno Assis Lopes de Almeida, jogador do Sport Lisboa e Benfica, veio recorrer da decisão da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) proferida em 9 de Junho de 2006, que o condenou pela prática da infracção p. p. pelos art.°s 10.°, n.° 1, al. a), do Regulamento Antidopagem, e art.° 15.°, n.° 1, al. a), do Decreto-Lei n.° 183/97 de 26.07, na pena de suspensão da actividade desportiva pelo período de seis meses.
O recorrente apresentou alegações apresentando as respectivas conclusões, nas quais suscita uma questão prévia - a nulidade do despacho proferido pelo Presidente da Comissão Disciplinar que mandou completar a acusação (proferido a fls. 243) na sequência da defesa que o arguido apresentou.
Sobre esta questão conclui nos seguintes termos:
1 - O procedimento disciplinar, que tem o seu corolário no Acórdão recorrido, pautou-se pela violação das garantias de defesa do agora recorrente;
2 - Desde logo, quando o senhor Presidente da Comissão Disciplinar, em face da reconhecida nulidade da acusação, ordena a apresentação do processo de novo à Sra. Instrutora a fim de refazer a acusação.
3 - Ora, a acusação não é susceptível de aperfeiçoamento.
4 - Na verdade, o regulamento disciplinar da LPFP não contempla essa possibilidade - cfr. Art.° 180.°.
5 - Tal artigo foi assim violado, bem como o n.° 5 do art.° 178.° desse mesmo Regulamento Disciplinar.
6 - O mesmo ocorre relativamente ao art. 36.° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, para o qual nos remete o art.° 7.°, n.° 2 do RD.
7 - Tal aperfeiçoamento efectivado já depois do recorrente ter apresentado a sua defesa, permitindo ao acusador voltar a acusar conhecendo de antemão a defesa, constitui uma perversão completa do processo disciplinar.
8 - Que não pode deixar de acarretar a nulidade da acusação e a nulidade de todos os actos subsequentes, em obediência ao art.° 201.°, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.
*
A Recorrida foi citada, nada tendo dito.
*
O próprio e não enferma de nulidades,
*
Factos Assentes com relevância para a decisão da questão suscitada:
Após a conclusão do processo disciplinar foi deduzida acusação a fls. 46.
O recorrente apresentou a sua defesa a fls. 59 e ss., invocando desde logo a nulidade da acusação por falta de factos, já que não imputa ao ora recorrente qualquer conduta, qualquer acto livre, consciente e deliberado de que resultou a verificação do resultado da análise - a presença de 19-Norandrosterona.
O presidente da C. D. proferiu despacho a fls. 243, onde reconhece a existência das nulidades apontadas pelo ora recorrente e manda supri-las.
Deste despacho foi desde logo apresentada reclamação, a fls. 252, e recurso a fls. 256.
*
A reclamação apresentada pelo ora recorrente foi objecto de decisão proferida a fls. 335, onde se decidiu ser possível o aperfeiçoamento da acusação e que tal aperfeiçoamento em nada afectou o direito de defesa do recorrente já que o mesmo teve oportunidade para novamente se defender. É citado e transcrito parcialmente um Acórdão do STJ que decidiu que em processo disciplinar laboral é possível o aperfeiçoamento da nota de culpa até à contestação em sede de impugnação judicial da decisão de aplicação da sanção disciplinar de despedimento - CJ, Ano 3, Tomo 3, pág. 292.
O processo prosseguiu, e por Acórdão da Comissão Disciplinar da LPFP foi o ora recorrente condenado pela prática da infracção, descrita na acusação "refeita", p.p. pelos art°s 10.°, n.° 1, al. a), do Regulamento Antidopagem, e art.° 15.°, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.° 183/97, de 26.07, na pena de suspensão da actividade desportiva pelo período de seis meses
*
Cumpre decidir:
Dos autos resulta à saciedade que a defesa do arguido foi utilizada contra si! O recorrente defende-se invocando a nulidade da acusação, nulidade que é considerada verificada e mandada suprir mantendo-se válido o processo!
Analisadas as normas jurídicas aplicáveis não há dúvida de que assiste razão ao recorrente. Senão vejamos:
O art. 180°, n.° 1, do Regulamento Disciplinar da LPFP determina que na acusação devem ser articulados discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar, bem como as circunstâncias de tempo, modo, lugar em que a mesma ocorreu e as que integrem circunstâncias agravantes ou atenuantes...
A primeira acusação era omissa relativamente a um dos factos constitutivos da infracção de cuja prática o arguido era acusado. Isto é, a acusação não imputava ao arguido a prática de qualquer facto mas apenas o resultado da análise, ao arrepio do disposto no art.° 2.°, n.° 1, do Reg. Disciplinar da LPFP que qualifica como infracção disciplinar a prática ou omissão de um acto voluntário pelo respectivo agente, que seja violador de disposições regulamentares ou legais.
Apenas com o resultado da análise o arguido não podia ser punido! É necessário que o acusador alegue e prove que o arguido voluntariamente ministrou ou de qualquer outra forma voluntária introduziu no seu organismo a substância que veio a verificar-se estar no seu corpo.
Significa, pois, que a acusação não continha o facto fundamental para que pudesse ser imputada ao arguido a infracção disciplinar em causa - a ingestão de substância dopante que foi encontrada no seu líquido orgânico, ingestão essa que teria que ter sido realizada de forma voluntária, livre e consciente!
Sem a alegação de tal facto não pode imputar-se qualquer infracção!
Consequentemente a acusação era nula, pois não continha os factos constitutivos da infracção imputada ao arguido, ora recorrente.
Isto mesmo é reconhecido pelo Presidente da CD no despacho de fls. 243.
A questão reside em saber se é permitido mandar refazer a acusação, como o foi.
O Regulamento Disciplinar da LPFP não prevê tal situação. O Art° 7.°, n.° 2, do referido Regulamento manda aplicar supletivamente os princípios informadores do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
Ora, este Estatuto é igualmente omisso sobre esta matéria e manda aplicar aos casos omissos as regras do Processo Penal.
De acordo com as regras estabelecidas nos art.°s 283.°, n.° 2, e 311.°, n.° 2, al. a), e n.° 3, al. b), do Cód. Proc. Penal, não é possível o julgador, como o era o Presidente da Comissão Disciplinar, mandar refazer a acusação!
Se a acusação não tiver em si mesma todos os elementos constitutivos do ilícito imputado ao arguido ela é nula e a consequência é nulidade de todo o processado com o consequente arquivamento dos autos - cfr. Art°s 283°, n.° 3 do Cód. Proc. Penal. Com efeito, proferida acusação, encerra-se ope legis o inquérito; Daí que, sendo a acusação nula, não pode reabrir-se o inquérito para se refazer a acusação!
No entender da recorrida Comissão Disciplinar, é possível o aperfeiçoamento da acusação, invocando para sustentar tal tese um acórdão do STJ, a que já se fez referência supra.
No caso dos autos a Sra. Instrutora não aperfeiçoou a acusação, não lhe aditou qualquer facto instrumental, não lhe aditou qualquer facto que pretendesse precisar, pormenorizar, explicitar ou desenvolver os factos ou as circunstâncias relacionadas com o facto essencial constante da acusação - caso em que o referido acórdão permite o referido aperfeiçoamento - não! A Sra. Instrutora fez constar da acusação o facto essencial, o facto sem o qual não existiria infracção - facto constitutivo -, que não se encontrava articulado nem imputado ao recorrente na acusação primitiva.
Aliás, o próprio Processo Penal permite que as irregularidades sejam supridas – art.° 123.°, n.° 2 - mas já não as nulidades insanáveis como o é a nulidade da acusação por omissão do facto essencial constitutivo do ilícito cuja prática é imputada ao arguido! Assim, o acórdão citado nada traz de novo que não se encontre já previsto na legislação processual penal, legislação esta aplicável por força das sucessivas remissões legais acima apontadas.
Por todo o exposto, impõe-se concluir que o despacho proferido a fls. 243 pelo Presidente da Comissão Disciplinar é nulo e consequentemente são nulos todos os actos posteriormente praticados.
Ora, sendo igualmente nula a primitiva acusação, como foi desde logo reconhecido pelo Presidente da Comissão Disciplinar, nada mais há a decidir a não ser o arquivamento dos autos.
Decisão:
Face a todo o exposto julga-se procedente o recurso interposto e em consequência determina-se o arquivamento dos autos. Sem custas. Notifique.»

12) Na sua reunião de 24 de Novembro de 2005, o Conselho de Justiça da FPF havia proferido a seguinte deliberação:

«2005/2006
Recurso n.º 25
Acordam no Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol:
Em 5 de Julho de 2005 foi instaurado processo disciplinar ao jogador Carlos Manuel Gonçalves Alonso, por se indiciar a prática pelo arguido da infracção disciplinar prevista e punida nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Antidopagem, e 15.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, uma vez que pelo Laboratório de Análises e Dopagem do Instituto do Desporto de Portugal foi realizada a contra-análise que confirmou a existência de Norandrosterona nas amostras de líquido orgânico (urina) recolhido ao citado jogador após o jogo realizado em 24 de Abril de 2005, entre o Clube Desportivo Santa Clara e o Leixões Sport Clube, S.A.D., da Liga de Honra.
Nesse processo foi o referido jogador suspenso preventivamente a partir de 22 de Junho de 2005.
Findo o processo, por decisão de 21 de Outubro de 2005, a Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional impôs àquele arguido Carlos Manuel Gonçalves Alonso, como autor material do ilícito disciplinar previsto e punido nos termos dos arts. 10.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Antidopagem, e 15.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, a pena disciplinar de suspensão pelo período de nove meses, devendo computar-se-lhe o tempo já cumprido, a título de suspensão preventiva.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido Carlos Alonso, pugnando pela anulação do acórdão recorrido, por vício de violação de lei, ou, caso assim não se entenda, pela sua revogação parcial com a aplicação ao recorrente da pena mínima de suspensão prevista na lei.
Concluiu as alegações de recurso da seguinte forma:
1. Não é lícita e, muito menos, aceitável, a conclusão, extraída do acórdão recorrido, de que a legislação sobre o doping (Dec. Lei n.º 183/97 e Regulamento Antidopagem) afaste a aplicação de normas gerais em que se exige a representação do resultado pelo agente, consagrando-se uma presunção de culpa.
2. Ao considerar que o legislador tenha optado por uma definição de responsabilidade objectiva, o acórdão sob recurso afastou inexoravelmente dois dos princípios estruturantes de todos os ramos do direito sancionatório: o da presunção de inocência do arguido e da nulla poena sine culpa.
3. Porém, quer no art. 13.º do Dec. Lei n.º 183/97, quer nos arts. 6.º e 7.º do Regulamento Antidopagem, é manifesta a obrigatoriedade da abertura de processo disciplinar, no qual o presumível infractor será notificado da acusação e verá asseguradas todas as garantias de defesa.
4. Aliás, no art. 10.º do Regulamento Antidopagem afirma-se, peremptoriamente, que as sanções disciplinares só serão aplicáveis aos praticantes desportivos considerados responsáveis.
5. Acresce ainda que a responsabilidade objectiva tem de ser expressamente consagrada – art. 2.º, n.º 2, do Regulamento Disciplinar.
6. Sem prescindir, a pena de nove meses de suspensão aplicada ao recorrente é, de todo em todo, desajustada.
7. Na verdade, muito embora tivesse dado como provado que o recorrente fora submetido, nas últimas três épocas, a cinco controlos que se revelaram negativos, tal circunstância atenuante, que configura o bom comportamento anterior, não foi, antes pelo contrário, tida em consideração no acórdão recorrido – arts. 45.º, n.º 2, e 47.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Disciplinar.
8. Acresce ainda que tem constituído jurisprudência pacífica do Conselho de Justiça a aplicação da sanção mínima aquando da primeira infracção.
9. O acórdão recorrido violou os preceitos legais e as normas regulamentares acima referidas.
Citada, a Comissão Disciplinar da LPFP apresentou oposição, defendendo a improcedência do recurso, concluindo que:
1. A decisão recorrida não viola normas gerais de direito, nem viola os princípios in dubio pro reo e nulla poena sine culpa.
2. A decisão recorrida não se baseia na responsabilidade disciplinar objectiva. Na determinação da sanção disciplinar atendeu-se à culpa do recorrente, funcionando a mesma como pressuposto e limite da sanção disciplinar aplicada – suspensão de toda a actividade desportiva pelo período de nove meses.
3. A sanção disciplinar é justa e adequada à satisfação da prevenção geral (cfr. art. 45.º do R.D.), tudo conforme as últimas directivas da FIFA.
4. O recorrente não confessou a infracção, nem afastou a veracidade dos resultados das análises efectuadas.
5. As anteriores acções de controlo antidopagem e a sua participação na selecção do seu País contribuíram para o recorrente ter uma maior preparação e consciência do cumprimento das regras em causa, sendo-lhe assim exigível um maior cuidado no sentido de se abster de ingerir substâncias dopantes proibidas.
5. Da prova produzida nos autos não resultam circunstâncias atenuantes previstas no art. 47.º do RD.
Verificam-se todos os pressupostos de validade e de regularidade da instância, cumprindo decidir.
*
No acórdão recorrido foi tida como provada a seguinte matéria fáctica:
I) – a 24 de Abril de 2005, pelas 16 horas, realizou-se no Estádio de S. Miguel, o jogo de futebol n.º 02.265, a contar para o Campeonato da II Liga de Honra, que opôs o Clube Desportivo Santa Clara e o Leixões Sport Clube Futebol, S.A.D.;
II) – o arguido integrou, desde o início do jogo, como titular, a equipa de futebol do CD Santa Clara;
III) – no final do encontro, foi o mesmo sorteado para sujeição a controlo antidoping;
IV) – assim, nesse mesmo dia, pelas 17 horas e 56 minutos, foram-lhe recolhidas amostras de líquido orgânico (urina), depois repartidas por dois frascos, destinados a análise e contra-análise pelo Laboratório Oficial de Análises e Dopagem; V) – em 1 e 14 de Junho de 2005, realizaram-se a análise e contra-análise, respectivamente, sendo que em ambos os casos se revelou a presença no seu organismo de uma substância proibida que se revelou ser Norandrosterona, numa concentração de 5,8 ng/ml na primeira e de 3 ng/ml na segunda, concentrações essas superiores ao limite máximo permitido de 2 ng/ml;
VI) – tal substância faz parte dos produtos proibidos e classificados na classe “S4 Agentes anabolizantes” referida na lista constante do comunicado n.º 96 da Federação Portuguesa de Futebol em vigor desde 01/01/2004, em anexo ao Regulamento Antidopagem resultante do Dec. Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e da Portaria n.º 816/97, de 5 de Setembro;
VII) – o CNAD emitiu parecer no sentido do desatendimento da medida de atenuação extraordinária, por virtude das mais recentes orientações da AMA a respeito da substância detectada;
VIII) – o arguido, que actuou voluntariamente, foi sujeito a controlo antidopagem, por cinco vezes, entre 06/04/2002 e 06/03/2004, sem que lhe tenham sido encontradas substâncias proibidas;
IX) – representou, pelo menos na época em curso, a Selecção Nacional de Angola.
*
Começaremos por referir que, ao contrário do que sustenta o recorrente, o acórdão recorrido não cometeu qualquer vício de violação da lei.
Aliás, naquele acórdão (que faria sentido considerarmos aqui reproduzido) que constitui excelente peça processual em que se analisam com profundidade as questões que se reportam ao indesejado uso de substâncias dopantes e se dissecam exaustivamente os princípios por que se regem as diversas instituições que se propõem combater tão nefasto fenómeno no desporto, mais se não faz do que a devida aplicação das normas em vigor aos factos assentes no processo disciplinar instaurado contra o recorrente.
Vejamos, então.
O art. 2.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, considera dopagem a administração aos praticantes desportivos ou o uso por estes de classes farmacológicas, de substâncias ou métodos constantes das listas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais competentes.
Por sua vez, o art. 1.º, n.º 1, do mencionado decreto proíbe “a dopagem a todos os praticantes inscritos nas federações desportivas, dentro e fora das competições, bem como aos praticantes que participem em provas ou manifestações desportivas realizadas na via pública ou em recintos abertos ao público cuja utilização dependa de licença de autoridade pública”.
Acresce, conforme dispõe o art. 15.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma legal, que “em relação aos praticantes desportivos, as consequências disciplinares do resultado positivo de um exame laboratorial efectuado no âmbito do controlo antidopagem são as seguintes: a) de 6 meses a 2 anos de suspensão da actividade desportiva, no caso de primeira infracção”.
Encontra-se, por demais, demonstrado (não colhe argumentação, usual nestes casos, de que o produto dopante haja surgido no organismo do jogador por qualquer razão desconhecida, quiçá diferente alimentação ou mudança de clima) que o recorrente ingeriu uma substância constante da lista das classes de substâncias e métodos interditos (o que manifestamente resulta da prova pericial a que foi submetido – não relevando, em sede de prova da existência da substância, a diferente dosagem encontrada na análise e na contra-análise, porquanto, como se vê, em qualquer dos casos a quantidade do produto é superior aos valores não proibidos e aquela diferença se mostra devidamente explicada).
E fê-lo voluntariamente, não deixando de representar o resultado negativo da sua conduta – afirma-se no acórdão recorrido que todos os atletas devem exercitar o direito de exigir o completo conhecimento dos “suplementos” vitamínicos”, “regimes dietéticos” e “bebidas concentradas” que se lhes propõem, porque, não o fazendo, revelam aceitar, pelo menos como possível, a violação subjectiva dos comandos sobre o antidoping, até porque lhes será exigível em função da sua experiência como futebolistas, que representem atempadamente a probabilidade séria de exibirem nos seus organismos vestígios de tais substâncias.
Na verdade, antes de mais, é claramente inferível do disposto no art. 1.º, n.º 1, do citado Dec. Lei n.º 183/97, que o legislador prescindiu naturalmente (até por virtude das previsíveis dificuldades probatórias) do pressuposto de verificação da plena intencionalidade da conduta dopante. Inclinou-se, antes, para um critério estritamente objectivo na definição legal de dopagem (aceite pelo recorrente), sem pôr de parte ou excluir a culpa referida a não conformada adequação da personalidade face aos valores ético-sociais, dando assim prevalência à materialidade que emerge do exame pericial, desde que não afastada conclusivamente pelo agente.
E isto não significa o sancionar de qualquer responsabilidade objectiva. Significa, antes, e tão-só, com a objectividade do resultado obtida na análise pericial, e a lógica conclusão de que o agente não pode deixar de prever o resultado do seu comportamento, não se abstendo, ainda assim, do uso de uma substância ou método qualificado como interdito nas listas aprovadas pelas organizações nacionais e internacionais competentes, que especificamente preveniu a culpa consciente como circunstância inerente à prática da infracção.
Tem sido, aliás, este o entendimento sempre seguido por este Conselho na apreciação de casos similares. Com efeito, designadamente no acórdão proferido no processo n.º 452/CJ, em 2 de Maio de 2002, já se dizia que “o legislador ao consagrar uma definição objectiva nos moldes apontados, desde logo afastou a aplicação aos casos de doping das normas gerais em que se exige a representação do resultado do agente. Significa, portanto, que comete a infracção o praticante desportivo que use substância ou método constantes das tabelas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais, uso esse que emerge provado do exame pericial efectuado e respectivo recorrido”.
Assim, ao contrário do alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido não sancionou o recorrente com fundamento na responsabilidade disciplinar objectiva, antes e apenas partiu do pressuposto de que não havia necessidade de prova concreta da representação do resultado pelo agente, porquanto esta presume-se.
Foi, na verdade, como se diz no acórdão recorrido, “convicção da comissão disciplinar, face às especificidades das normas antidopagem acima referidas e à prova produzida nos autos, que o recorrente ingeriu, de forma voluntária (a detecção da substância não é alheia a um comportamento voluntário do arguido) uma substância proibida, bem sabendo que essa conduta é sancionável”.
Consequentemente, a decisão recorrida, na determinação da sanção disciplinar que veio a aplicar, atendeu apenas à culpa do arguido (e não à sua eventual responsabilidade objectiva), que funcionou, depois, como pressuposto e limite da sanção disciplinar aplicada.
Improcede, pois, a pretensão, nesta parte, deduzida pelo recorrente.
*
O mesmo não sucede, porém, quanto à medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
Nesse aspecto parece-nos razoável a sua argumentação, já que, a nosso ver, face às circunstâncias em presença, mais adequada se nos afigura a punição do recorrente com o mínimo correspondente à moldura penal configurada no art. 15.º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 183/97.
De facto, nos termos do disposto no art. 45.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da LPFP, “a determinação da medida da pena (…) far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infracções disciplinares”.
Ademais, determina o n.º 2 do mesmo art. 45.º que nessa determinação “atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infracção, militem a favor do agente ou contra ele, considerando-se, nomeadamente, a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) – a intensidade do dolo ou da negligência(…)”.
Ora, não pode esquecer-se que, in casu, o grau de ilicitude e da culpa do arguido (fundamentada no dolo eventual) não revestem especial intensidade.
A que acresce que o recorrente, submetido, nas últimas três épocas, a cinco controlos que se revelaram negativos, não só apresenta relevante bom comportamento anterior (art. 47.º, n.º 1, al. a), do RD), mas, sobretudo, como pode ver-se do certificado disciplinar, surge como um prevaricador primário.
Estes factores não podem ser omitidos na determinação da pena e, sem dúvida, justificam uma sanção que, sem deixar de atender às necessidades de prevenção geral e especial, se coadune com as circunstâncias acima referidas, as quais, em nosso entender, apontam para que o arguido seja punido com a pena de 6 meses de suspensão, correspondente ao mínimo da moldura penal constante do art. 15.º, al. a), do Dec.-Lei n.º 183/97.
Nestes termos, decide-se:
a) - julgar, em parte, procedente o recurso interposto pelo recorrente Carlos Manuel Gonçalves Alonso;
b) – alterar o acórdão recorrido e, em consequência, punir o arguido, como autor da infracção prevista no art. 1.º do Dec. Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, com a pena de seis meses de suspensão da actividade (na qual será, obviamente, imputado o período de suspensão já decorrido);
c) – condenar o recorrente a pagar metade das custas do recurso (isentando a entidade recorrida do demais).
Lisboa, 24 de Novembro de 2005.»

13) Na sua reunião de 21 de Agosto de 2002, o Conselho de Justiça da FPF havia proferido a seguinte deliberação:

«Acordam no Conselho de Justiça da FPF:
A Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional instaurou procedimento disciplinar contra o jogador Rui Miguel Magalhães Lopes, do Vitória Futebol Clube, S.A.D. , porquanto foi detectada no líquido orgânico (urina) do jogador uma substância dopante aquando da realização do controlo antidopagem efectuado no jogo de futebol entre o Varzim Sport Clube e o Vitória Futebol Clube, S.A.D., a contar para o Campeonato Nacional de Futebol da I Liga disputado em 20 de Janeiro de 2002, na Póvoa de Varzim.
Realizaram-se as diligências instrutórias consideradas necessárias, tendo sido deduzida acusação e remetida a regulamentar nota de culpa. Após, a Comissão Disciplinar decidiu arquivar o processo porquanto se entendeu não existir responsabilidade subjectiva por parte do arguido no resultado apresentado nem na toma da substância de cuja composição fazia parte a cafeína.
A Direcção da FPF veio interpor o presente recurso da referida decisão de arquivamento, alegando em síntese que a decisão de arquivamento proferida pela Comissão Disciplinar da LPFP deve ser revogada porquanto o Dec.-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, faz uma inversão da lógica e dos princípios penais, optando pela solução abstracta da presunção de culpa em caso de detecção de indícios da existência da substância interdita.
Assim, o agente é culpado até prova em contrário.
Devidamente notificado, veio o jogador apresentar a sua defesa, alegando que não se verificam os pressupostos cumulativos de carácter objectivo e subjectivo que permitam a aplicação de qualquer pena disciplinar ao arguido. O arguido não teve qualquer responsabilidade na ingestão da substância em causa, não lhe podendo ser imputada qualquer responsabilidade sob a forma técnico jurídica de culpa, mesmo na sua vertente mais atenuada – negligência.
Conclui pedindo que o recurso interposto seja julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.
*
Citada, a Comissão Disciplinar da LPFP nada disse.
*
Este conselho é competente e as partes são legítimas.
Não existem quaisquer questões prévias que obstem à decisão.
Têm-se por provados os seguintes factos:
1 – O arguido Rui Miguel Magalhães Lopes, jogador do Vitória F.C., S.A.D., participou no jogo entre a sua equipa e o Varzim Sport Clube, disputado a 20 de Janeiro de 2002, no Estádio do Varzim, jogo esse a contar para o Campeonato de Futebol da 1.ª Liga.
2 – O arguido foi sorteado para no final do jogo se submeter a controlo antidoping.
3 – Nesse mesmo dia, 20 de Janeiro de 2002, e após o terminus de tal encontro, foram recolhidas amostras de líquido orgânico (urina) ao arguido, que foram repartidas por dois frascos, destinados a análise e contra-análise, pelo laboratório de dopagem bioquímica.
4 – Na primeira amostra submetida a análise, entre os dias 24.01.2002 e 4.03.2002, foi detectada a substância dopante cafeína, com a concentração de 18,5 ug/ml.
5 – Este resultado veio a ser confirmado pela contra-análise realizada entre 14.03.2002 e 18.03.2002, feita sobre a 2.ª amostra recolhida, que conclui pela detecção da substância dopante cafeína com uma concentração de 18,1 ug/ml.
6 – O Vitória F.C., S.A.D., adquiriu em 17.01.2002, à empresa Carga Máxima – Comércio e Suplementos Dietéticos e de Equipamentos Desportivos, Lda., o produto “Orange Blast”, produzido pela empresa americana ISS Research.
7 – O “Orange Blast” é comercializado na forma de pó embalado em saquetas individuais que, quando misturadas em água, dão origem à bebida energética.
8 – De acordo com a bula comercial deste mesmo produto, a administração do mesmo é de uma carteira antes e outra após o exercício físico.
9 – Nessa mesma bula comercial (que foi analisada pelo director clínico do departamento médico do Vitória F. C., S.A.D.) na referência à composição do produto não é mencionada a existência da substância cafeína.
10 – Alguns atletas do Vitória F. C., S.A.D. (os titulares da equipa inicial, entre eles o arguido) tomaram, antes do início do jogo identificado nos autos, essa bebida com sabor a laranja, chegando alguns a tomar uma segunda dose ao intervalo (nomeadamente o Rui André e o Jorginho).
11 – No decorrer do jogo, bem como após o seu final e ao longo da viagem de regresso a Setúbal, alguns atletas do Vitória F. C., S.A.D., entre eles o arguido, sentiram-se bastante indispostos, com náuseas, vómitos, tremores e sensações de mau estar.
12 – Foi a primeira e única ocasião em que tal bebida foi administrada aos jogadores pelo departamento médico do Clube.
13 – Uma vez que o “Orange Blast” era o único composto novo que havia sido administrado no jogo com o Varzim Sport Clube, face às reacções dos atletas, o departamento médico do Vitória F. C., S.A.D., suspendeu-o imediatamente, tendo sido o stock devolvido à empresa distribuidora.
14 – Posteriormente, foram adquiridas, à empresa distribuidora, duas embalagens de “Orange Blast”, as quais foram enviadas em 14 de Março de 2002 (à data da contra-análise da segunda amostra de urina do arguido) para o laboratório de estudos farmacêuticos da Associação Nacional de Farmácias, que deu o parecer que consta dos autos a fls. 53 a 61.
15 – Dessa análise, conclui-se pela existência de cafeína na sua composição, que a existência da cafeína não se encontra declarada no rótulo e, por fim, que o conteúdo das carteiras apresenta um aspecto heterogéneo e que pode determinar uma diversidade de conteúdo.
16 – Dos autos consta novo documento da produtora do “Orange Blast”, a ISS Research, recebido pelo Vitória F. C., S.A.D., a 2.04.2002, onde se reafirma a inexistência nesse composto de qualquer substância dopante.
17 – Após o terminus do jogo supra referido, foram recolhidas amostras de líquido orgânico (urina) ao colega da equipa do arguido (o jogador Fernando Mendes), às quais foi dado o número de referência 234980.
18 – O jogador Fernando Mendes, que formou juntamente com o arguido o par de atletas do Vitória F. C., S.A.D., submetidos ao controlo de dopagem, havia tomado igualmente uma dose do produto “Orange Blast”, no início do jogo.
19 – Aquando da realização do controlo de dopagem ao arguido e ao jogador Fernando Mendes, foi declarada pelo Dr. Ivan Muñoz, médico do Vitória F. C., S.A.D., em serviço nesse jogo, a administração do recente “Orange Blast”.
20 – O arguido incorporou voluntariamente a mencionada substância no seu organismo, desconhecendo, porém, qual a composição da mesma.
21 – O arguido não tem antecedentes.
*
O caso em apreço encontra-se abrangido no essencial pelo disposto no Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, no qual se proíbe a dopagem a todos os praticantes inscritos nas federações desportivas, dentro e fora das competições, bem como aos praticantes que participem em provas ou manifestações desportivas realizadas na via pública ou em recintos abertos ao público cuja utilização dependa de licença da autoridade pública (cfr. art. 1.º).
Determina o art. 2.º, alínea a), que por “dopagem entende-se a administração aos praticantes desportivos ou o uso por estes das classes farmacológicas de substâncias ou de métodos constantes das listas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais competentes”.
Ora, de uma análise atenta do preceito citado facilmente se conclui que o nosso legislador optou por uma definição de dopagem estritamente objectiva. O mesmo é dizer que, para que se verifique o preenchimento da previsão legal – facti specie – basta que se verifique o uso de uma substância ou método incluído nas listas aprovadas pelas organizações competentes.
A situação em apreço, doping, como se deixou já dito, é objecto de legislação própria e específica, como aliás consta do preâmbulo do citado Decreto-Lei (n.º 183/97), em consonância com a Carta Internacional Olímpica sobre Dopagem no Desporto e a Convenção Europeia contra a Dopagem.
O legislador, ao consagrar uma definição objectiva nos moldes apontados, desde logo afastou a aplicação aos casos de doping das normas gerais em que se exige a representação do resultado pelo agente.
Significa, portanto, que comete a infracção o praticante desportivo que use substâncias ou métodos constantes das tabelas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais, uso esse que emerge provado do exame pericial efectuado e respectivo resultado.
*
Defende o arguido que, pelo facto de desconhecer que o “Orange Blast” continha cafeína, tal impede a sua responsabilização, dada a inexistência de culpa.
Ora, o facto de o arguido afirmar que tomou o Orange Blast, tal não permite concluir que não tenha tomado qualquer outro produto de cuja composição faça parte a cafeína.
Note-se que a matéria de facto apurada no que respeita ao produto “Orange Blast” é confusa e inconclusiva. Na verdade, a produtora do produto afirma que da composição do produto não faz parte a cafeína. No entanto, as amostras de tal produto enviadas pelo Vitória F. C., S.A.D., para a Associação Nacional de Farmácias demonstram a existência de cafeína, mas também a existência de um produto de aspecto heterogéneo, o que pode determinar uma diversidade de conteúdo.
Acresce a tudo isto que o produto que o arguido afirma ter ingerido não foi ele próprio sujeito a análise.
A única certeza é a de que o arguido acusou a existência de cafeína aquando do controlo realizado. Qual o produto que o atleta ingeriu e do qual fazia parte tal produto dopante é facto que não se encontra claramente apurado nestes autos.
No entanto, tal não determina a absolvição do arguido. Bem pelo contrário.
Encontramo-nos no âmbito de legislação especial onde assistimos a uma inversão dos princípios norteadores do processo penal, dada a natureza dos interesses em jogo e que se pretendem proteger.
*
Face ao exposto, verifica-se pois que o arguido ingeriu produtos contendo cafeína, a qual lhe foi detectada aquando do controlo antidoping.
Tal facto é mais que suficiente para que se possa concluir pela prática por parte do arguido da infracção disciplinar que lhe foi oportunamente imputada, p. p. pelos art.ºs 15.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e do art.º 10.º, al. a), do Regulamento Antidopagem.
Tal infracção é punida com uma pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de suspensão da actividade desportiva.
*
Não existem quaisquer razões que determinem a atenuação especial da pena.
*
Tendo em conta que o arguido não tem antecedentes, considera-se adequada e suficiente a aplicação de 6 meses de suspensão.
*
Decisão:
Face a todo o exposto, decide-se julgar totalmente procedente o recurso interposto e, em consequência, aplica-se ao arguido Rui Miguel Magalhães Lopes a pena de 6 (seis) meses de suspensão da actividade desportiva, pela prática de uma infracção p. p. pelos art.ºs 15.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e pelo art. 10.º, al. a), do Regulamento Anti-Dopagem.
Custas pelo recorrido Rui Miguel Magalhães Lopes.
Notifique.
Lisboa, 21 de Agosto de 2002.»


III

1. Determina a Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 79.º, integrado no Capítulo III do Título III, respeitante aos direitos e deveres culturais, que todos têm direito ao desporto, incumbindo ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.

Ao estabelecer tal imposição constitucional de promoção da cultura física e do desporto em colaboração com as escolas e as associações e colectividades desportivas, a Constituição aponta para um modelo colaborativo do Estado com as estruturas autónomas do desporto, e designadamente com as associações e federações desportivas ([2]).


2. As bases gerais do sistema desportivo nacional constam presentemente da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho - Lei de Bases do Desporto (LBD).

Entre os múltiplos princípios orientadores consignados em tal diploma ([3]), importa acentuar, no âmbito do presente parecer, os da coordenação, da descentralização, da intervenção pública e da autonomia e relevância do movimento associativo.

O princípio da coordenação consiste na articulação permanente entre os departamentos e sectores da administração central, regional e local cujas tutelas específicas tenham intervenção directa ou indirecta na área do desporto, bem como na coordenação entre a organização pública do desporto e os corpos sociais intermédios públicos e privados (artigo 8.º).

O princípio da descentralização manifesta-se pela autonomia das instituições, tendo em vista uma maior aproximação às populações, no quadro da organização e planeamento do sistema desportivo e das normas e orientações de âmbito nacional, bem como das funções de supervisão e fiscalização das autoridades públicas (artigo 9.º).

Do princípio da intervenção pública decorre que a intervenção dos poderes públicos no âmbito da política desportiva é complementar e subsidiária à intervenção dos corpos sociais intermédios públicos e privados que compõem o sistema desportivo, num contexto de partilha de responsabilidades, situando-se as prioridades de intervenção dos poderes públicos nos domínios da regulação, fiscalização e cooperação técnico-financeira (artigo 11.º).

Por aplicação do princípio da autonomia e relevância do movimento associativo, deverá ser fomentado o papel essencial dos clubes e das suas associações e federações no enquadramento da actividade desportiva e na definição da política desportiva, sendo reconhecida a autonomia das organizações desportivas e o seu direito à auto-organização através das estruturas associativas adequadas, assumindo-se as federações desportivas como o elemento chave de uma forma organizativa que garanta a coesão desportiva e a democracia participativa (artigo 12.º).


3. Em matéria de movimento associativo desportivo, a LBD prevê a existência das seguintes modalidades de entes colectivos:

- O clube desportivo, enquanto pessoa colectiva de direito privado cujo objecto seja o fomento e a prática directa de actividades desportivas e que se constitua sob forma associativa e sem intuitos lucrativos, nos termos gerais de direito (artigo 18.º) ([4]);

- A sociedade desportiva, enquanto pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é, nos termos regulados por diploma próprio, a participação em competições profissionais e não profissionais, bem como a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade (artigo 19.º) ([5]);

- A federação desportiva, pessoa colectiva de direito privado que, englobando praticantes, clubes, sociedades desportivas ou agrupamentos de clubes e de sociedades desportivas, se constitua sob a forma de associação sem fins lucrativos, e se proponha, nos termos dos respectivos estatutos, prosseguir, entre outros, os seguintes objectivos gerais (artigo 20.º):

a) Promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou o conjunto de modalidades afins ou combinadas;
b) Representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados;
c) Representar a respectiva modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins ou combinadas, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais;
d) Promover a formação dos jovens desportistas;
e) Promover a defesa da ética desportiva;
f) Apoiar, com meios humanos e financeiros, as práticas desportivas não profissionais;
g) Fomentar o desenvolvimento do desporto de alta competição na respectiva modalidade;
h) Organizar a preparação desportiva e a participação competitiva das selecções nacionais;
i) Assegurar o processo de formação dos recursos humanos no desporto e dos recursos humanos relacionados com o desporto.

Por força do disposto no artigo 22.º do mesmo diploma, às federações desportivas pode ser concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, através do qual se lhes atribui a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública ([6]).

No seio das federações unidesportivas ([7]) dotadas de utilidade pública desportiva em que se disputem competições desportivas reconhecidas como tendo natureza profissional, deve constituir-se uma liga profissional, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira, que constituirá o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe, nomeadamente, organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito da respectiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos competentes órgãos federativos nacionais e internacionais, e exercer, relativamente aos seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que sejam estabelecidas na lei, nos estatutos e nos regulamentos federativos (artigo 24.º).

As ligas profissionais que tenham competência para o exercício disciplinar devem ter secções específicas para o efeito, e elaborar os respectivos regulamentos que deverão ser submetidos a ratificação pela assembleia geral da federação no seio da qual se insiram (artigo 24.º, n.os 5 e 6).


4. Em matéria de ética desportiva, consigna-se na LBD que é função do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a corrupção, a dopagem e qualquer forma de discriminação social negativa, devendo o Governo incentivar os corpos sociais intermédios públicos e privados a encorajar e a apoiar os movimentos e as iniciativas em favor do espírito desportivo e da tolerância, bem como projectos educativos e sociais (artigo 40.º)

Especificamente no que respeita à prática da dopagem, estatui-se no artigo 42.º do mesmo diploma que deve ser protegido o direito dos praticantes desportivos a participar nas actividades desportivas sem recorrer a substâncias dopantes e métodos interditos, promovendo-se a sua saúde e garantindo-se a equidade e a igualdade no desporto, remetendo-se para diploma próprio ([8]) a definição das circunstâncias e condutas que constituem violações às regras antidopagem, em conformidade com as regras e os princípios específicos decorrentes dos instrumentos jurídicos internacionais ratificados pelo Estado Português.


5. No que respeita à justiça desportiva, a LBD estabelece que as decisões e deliberações definitivas das entidades que integram o associativismo desportivo, e designadamente as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da dopagem, da violência e da corrupção, são impugnáveis, nos termos gerais de direito. Só no que respeita a questões estritamente desportivas (isto é, as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, nomeadamente as infracções disciplinares cometidas no decurso da competição) é que se consagra o princípio da inadmissibilidade de recurso fora das instâncias competentes da ordem desportiva (artigo 47.º).


6. O Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril ([9]), veio regular o regime jurídico das federações desportivas e o estatuto de utilidade pública desportiva.

Consignando que as federações desportivas se organizam e prosseguem as suas actividades de acordo com os princípios da liberdade, da democraticidade e da representatividade, consagra-se em tal diploma, expressamente, a sua independência face ao Estado (artigo 4.º).

Por força do disposto no artigo 7.º deste diploma, o estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei.

Têm natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, que sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, o desempenho de prerrogativas de autoridade ou a prestação de apoios ou serviços legalmente determinados, cabendo recurso contencioso para os tribunais administrativos dos actos praticados pelos órgãos das federações no exercício de tais poderes (artigo 8.º).

No exercício desses poderes, as federações desportivas estão sujeitas à fiscalização por parte da Administração Pública, a qual poderá levar a cabo as inspecções, os inquéritos e as sindicâncias que se mostrarem pertinentes (artigo 10.º).

O estatuto de utilidade pública desportiva é concedido por despacho do Primeiro-Ministro (artigo 14.º), podendo ser cancelado, designadamente, quando as federações desportivas tiverem incorrido em ilegalidade grave ou em prática continuada de irregularidades no exercício de poderes públicos ou na utilização de dinheiros públicos (artigo 18.º), ou meramente suspenso (pelo prazo de um ano, renovável) se esta medida for considerada suficiente para se eliminarem as irregularidades ou ilegalidades referidas (artigo 18.º- -A).

A suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva implica a impossibilidade de, durante o período respectivo, a federação desportiva ser beneficiária de quaisquer apoios ou fundos públicos (artigo 18.º-A, n.º 3).

O cancelamento do mesmo estatuto poderá, ainda, acarretar o cancelamento do estatuto de mera utilidade pública da federação e das pessoas colectivas que participem nos campeonatos por ela organizados a nível nacional, bem como o cancelamento das concessões de exploração de salas de jogo do bingo de que tais entidades sejam titulares (artigo18.º-B).


7. Em matéria de organização interna das federações dotadas de utilidade pública desportiva, resultam do Decreto-Lei n.º 144/93 os normativos seguintes com interesse para o presente parecer:

a) A obrigação de, nos estatutos respectivos, se definir o regime de relacionamento entre os órgãos federativos e o organismo encarregado de dirigir a actividade desportiva no âmbito das competições de carácter profissional na respectiva modalidade [artigo 20.º, alínea j)];
b) A obrigação de as federações elaborarem regulamentos atinentes às matérias de disciplina e às medidas de defesa da ética desportiva, designadamente nos domínios da prevenção e da punição da violência associada ao desporto, da dopagem e da corrupção no fenómeno desportivo [artigo 21.º, alíneas e) e g)];
c) A obrigatoriedade de as federações desportivas disporem, na sua estrutura orgânica, de um conselho disciplinar, ao qual caberá apreciar e punir, de acordo com a lei e os regulamentos federativos, as infracções disciplinares em matéria desportiva [artigos 23.º, n.º 1, alínea g), e 32.º];
d) A obrigatoriedade de as mesmas federações disporem, na sua estrutura orgânica, de um conselho jurisdicional, ao qual caberá conhecer dos recursos interpostos das decisões disciplinares em matéria desportiva [artigos 23.º, n.º 1, alínea f), e 31.º];
e) A obrigatoriedade de, nas federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, se constituir uma liga de clubes, integrada obrigatória e exclusivamente por todos os clubes que disputem tais competições, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira, e que funcionará como órgão autónomo da federação para o desporto profissional, cabendo à mesma exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da federação em matéria de organização, direcção e disciplina (artigo 34.º);
f) No âmbito de tais poderes, caberá à liga de clubes, designadamente, organizar e regulamentar as competições de natureza profissional, exercer o poder disciplinar e aprovar os regulamentos relativos à organização das provas, à disciplina e à arbitragem e respectivos juízes (artigo 39.º);
g) Por protocolo entre a liga de clubes e a direcção da federação, ratificado pela assembleia geral desta, deverá ser definido o regime aplicável em matéria de relações desportivas, financeiras e patrimoniais entre ambas as entidades, abrangendo, entre outras vertentes, o regime disciplinar (artigo 40.º);
h) O regimento da liga de clubes é aprovado pelos representantes dos clubes dela integrantes (artigo 41.º, n.º 1).


8. O regime disciplinar das federações desportivas viria a ser regulado pela Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto.

Tal diploma determina que as federações desportivas titulares do estatuto de utilidade pública desportiva devem dispor de regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, sancionando a violência, a dopagem ou a corrupção, bem como todas as manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 1.º).

Os princípios gerais do regime disciplinar ali previsto constam do artigo 2.º do diploma, com o teor seguinte:

«Artigo 2.º
Princípios gerais

O regime disciplinar deve prever, designadamente, as seguintes matérias:
a) Tipificação das infracções como leves, graves e muito graves e determinação das correspondentes sanções;
b) Sujeição aos princípios da igualdade, irretroactividade e proporcionalidade da aplicação de sanções;
c) Exclusão das penas de irradiação ou de duração indeterminada;
d) Enumeração das causas ou circunstâncias que eximam, atenuem ou agravem a responsabilidade do infractor, bem como os requisitos da extinção desta;
e) Exigência de processo disciplinar para a aplicação de sanções quando estejam em causa infracções qualificadas como muito graves e, em qualquer caso, quando a sanção a aplicar determine a suspensão de actividade por um período superior a um mês;
f) Consagração das garantias de defesa do arguido, designadamente exigindo que a acusação seja suficientemente esclarecedora dos factos determinantes do exercício do poder disciplinar e estabelecendo a obrigatoriedade de audiência do arguido nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar;
g) Garantia de recurso, seja ou não obrigatória a instauração de processo disciplinar.»


9. Através do Decreto n.º 2/94, de 20 de Janeiro, foi aprovada, para ratificação, a Convenção contra o Doping, que havia sido aberta à assinatura dos Estados membros do Conselho da Europa a 16 de Novembro de 1989 ([10]).

Referindo, no respectivo preâmbulo, a preocupação com o uso cada vez mais alargado de produtos e de métodos de doping pelos desportistas, ali se alude ao facto de este problema pôr em perigo os princípios éticos e os valores educativos atinentes ao fenómeno desportivo, bem como o princípio do fair play inerente ao bom desenvolvimento das manifestações desportivas.

No artigo 2.º da Convenção define-se doping no desporto como a «administração aos desportistas ou o uso por estes de classes farmacológicas de agentes de doping ou de métodos de doping» sendo estas classes e métodos os «proibidos pelas organizações desportivas internacionais competentes» e que figurem nas listas aprovadas pelo grupo de fiscalização constituído nos termos do artigo 10.º.

Por força do disposto no artigo 7.º da Convenção, as Partes comprometem-se a encorajar as suas organizações desportivas a elaborarem e porem em prática todas as medidas adequadas decorrentes da sua competência na luta contra o doping, por forma, designadamente, a harmonizarem:

a) Os seus regulamentos antidoping com base em regulamentos adoptados pelas organizações desportivas internacionais competentes;
b) As suas listas de classes farmacológicas de agentes de doping e de métodos de doping proibidos, com base em listas adoptadas pelas organizações desportivas internacionais competentes;
c) Os seus métodos de controlo antidoping;
d) Os seus procedimentos disciplinares, aplicando princípios internacionalmente reconhecidos de justiça natural e garantindo o respeito pelos direitos fundamentais dos desportistas contra os quais pese uma suspeita, e, nomeadamente, os seguintes:
- O órgão de instrução deve ser distinto do órgão disciplinar;
- Tais pessoas têm direito a um processo equitativo e a serem assistidas ou representadas;
- Devem existir disposições claras e passíveis de aplicação na prática, que permitam interpor recurso de qualquer decisão tomada.


10. O Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho ([11]), regula presentemente a prevenção e o combate à dopagem no desporto ([12]).

Proibindo a dopagem a todos os praticantes inscritos nas federações desportivas, dentro e fora das competições, bem como aos praticantes que participem em provas ou manifestações desportivas realizadas na via pública ou em recintos abertos ao público cuja utilização dependa de licença da autoridade pública (artigo 1.º), o diploma adopta a definição de dopagem constante da Convenção contra o Doping, consignando que como tal «se entende a administração aos praticantes desportivos ou o uso por estes de classes farmacológicas de substâncias ou de métodos constantes das listas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais competentes» (artigo 2.º).

Como aspectos essenciais do regime, com relevância para o parecer, importa salientar os seguintes:

a) As federações desportivas ficam obrigadas a adoptar regulamentos de controlo antidopagem que prescrevam as normas a que se subordina tal controlo no âmbito das respectivas modalidades, e que sejam conformes com o ordenamento jurídico nacional e com as regras e orientações do Comité Olímpico Internacional e respectivas federações desportivas internacionais (artigo 9.º);
b) As listas de substâncias ou métodos de dopagem proibidos deverão figurar em anexo ao regulamento de controlo antidopagem aprovado por cada federação (artigo 4.º, n.º 4);
c) Os regulamentos deverão salvaguardar as garantias de audiência e defesa do indivíduo suspeito de infracção [art. 10.º, n.º 1, alínea e)] e definir as sanções disciplinares aplicáveis [artigo 10.º, n.º 2, alínea c)], sendo o instrutor do procedimento disciplinar distinto do órgão decisor [artigo 10.º, n.º 2, alínea e)];
d) Sem prejuízo da legitimidade conferida a outras pessoas ou entidades, é sempre admissível recurso por parte do Conselho Nacional Antidopagem de todas as decisões de arquivamento, absolvição ou condenação proferidas pelo órgão jurisdicional de 1ª instância (artigo 12.º, n.º 3);
e) Qualquer resultado positivo de um exame laboratorial efectuado no âmbito do controlo antidopagem dará origem, obrigatoriamente, a consequências disciplinares e, nos casos em que tal for previsto, a consequências desportivas (artigo 13.º);
f) Tratando-se de modalidade individual, a detecção da dopagem importa a imediata invalidação dos resultados desportivos obtidos (artigo 14.º, n.º 1); tratando-se de modalidade colectiva, competirá às federações estabelecer o quadro das consequências desportivas resultantes da detecção de praticantes dopados, em termos adequados às respectivas modalidades (artigo 14.º, n.º 2);
g) As sanções disciplinares aplicáveis são as seguintes: suspensão da actividade desportiva de 6 meses a dois anos em caso de primeira infracção; suspensão de 2 a 4 anos no caso de segunda infracção; suspensão de 10 a 20 anos no caso de terceira infracção (artigo 15.º, n.º 1);
h) O praticante em relação ao qual o resultado da segunda análise for positivo será suspenso preventivamente até decisão final do processo pela respectiva federação (artigo 22.º);
i) As ligas profissionais poderão exercer, por delegação, os poderes que no diploma são cometidos às federações, nos termos que forem estabelecidos por convénio outorgado com a respectiva federação em conformidade com o estatuído no Decreto-lei n.º 144/93, de 26 de Abril (artigo 30.º).


IV

11. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) é uma pessoa colectiva de direito privado, de natureza associativa, a quem foi concedido o estatuto de utilidade pública desportiva, tendo por principal objecto promover, organizar, regulamentar e controlar o ensino e a prática do futebol, em todas as especialidades e competições, regendo-se por estatutos aprovados em assembleias gerais extraordinárias de 8 e 22 de Novembro de 1997, com as alterações aprovadas nas assembleias gerais de 16 de Dezembro de 2000 e de 13 de Maio de 2006 ([13]).

Dos respectivos estatutos resulta a existência, no âmbito da FPF, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), como órgão autónomo da FPF (artigo 12.º, n.º 2), à qual compete exercer, relativamente às competições de carácter profissional, as competências da FPF em matéria de organização, direcção, disciplina e arbitragem, e nomeadamente exercer o poder disciplinar sobre as pessoas singulares e colectivas que participem, desenvolvam actividade ou desempenhem funções nas competições profissionais, de acordo com o disposto nos estatutos da FPF e no protocolo entre ambas celebrado (artigos 44.º, n.º 4, 53.º e 54.º, n.º 1).

Ao Conselho de Justiça da FPF, constituído por sete elementos, todos licenciados em direito (artigo 45.º), compete, para além do mais, conhecer e julgar os recursos das deliberações da Comissão Disciplinar da LPFP [artigo 47.º, alínea b)].


12. O Conselho de Justiça da FPF regula-se por um Regimento ([14]) ([15]) em que se consigna que, em matéria disciplinar, o mesmo exerce, em sede de recurso, competência plena, nos termos previstos para os recursos em processo penal (artigo 11.º, n.º 2), julgando de facto e de direito (artigo 53.º).


13. Do Regulamento Disciplinar da FPF ([16]), aprovado em assembleia geral extraordinária da FPF de 15 de Agosto de 1998, e subsequentemente alterado em assembleias gerais extraordinárias de 31 de Julho e 2 de Outubro de 1999, de 28 de Agosto e 18 de Dezembro de 2000 e de 28 de Abril de 2001, resultam os normativos seguintes com interesse para o parecer:

a) Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário praticado por agente desportivo que viole os deveres de correcção previstos nos estatutos e regulamentos da FPF e demais legislação desportiva aplicável (artigo 2.º);
b) A responsabilidade disciplinar objectiva é imputável apenas nos casos expressamente previstos (artigo 2.º);
c) Na determinação da responsabilidade disciplinar e no procedimento disciplinar devem ser observados os princípios enformadores vertidos no Código Penal e no Código de Processo Penal (artigo 7.º);
d) As regras previstas na legislação penal sobre medida e graduação das penas têm aplicação subsidiária, devendo a pena ser determinada em função da culpa do agente, tendo em conta, designadamente, a ilicitude do facto e a intensidade do dolo ou da negligência (artigo 40.º ([17]));
e) O procedimento disciplinar é o meio de efectivar a responsabilidade disciplinar (artigo 167.º);
f) Concluído o inquérito, o instrutor deduz acusação ou propõe o arquivamento dos autos (artigo 174.º), seguindo-se as fases da defesa e instrução e de julgamento (artigos 175.º a 177.º).


14. Em assembleia geral extraordinária de 31 de Janeiro de 1998 da FPF foi aprovado o Regulamento do Controlo Antidopagem ([18]), do qual resultam, com interesse, os normativos seguintes:

a) Compete ao Conselho de Disciplina da FPF ou à Comissão Disciplinar da LPFP instaurar os processos disciplinares respectivos, no caso de se detectarem resultados positivos na segunda análise (artigo 6.º);
b) Recebida a comunicação do presidente da FPF, o Conselho de Disciplina da FPF ou a Comissão Disciplinar da LPFP, conforme os casos, remeterá, no prazo de 15 dias, ao presumível infractor, nota de culpa com a descrição da infracção, que deverá conter, para além do mais, a indicação da substância dopante detectada, a data da realização da análise e da segunda análise, a norma disciplinar que pune a infracção, com indicação de agravantes e atenuantes e o prazo para apresentação da defesa, não inferior a 5 dias (artigo 7.º);
c) Finda a instrução do processo, o Conselho de Disciplina da FPF ou a Comissão Disciplinar da LPFP decidirá, podendo, no entanto, mandar efectuar outras diligências que considere necessárias para o esclarecimento dos factos (artigo 8.º);
d) Da decisão, cabe recurso para o Conselho de Justiça da FPF, a interpor nos termos do Regimento respectivo (artigo 9.º);
e) As sanções aplicáveis são: de seis meses a dois anos de suspensão de actividade desportiva, no caso de primeira infracção; de dois a quatro anos de suspensão no caso de segunda infracção; de dez a vinte anos de suspensão no caso de terceira infracção (artigo 10.º);
f) Os casos omissos de matéria disciplinar serão subsidiariamente resolvidos pelo Regulamento Disciplinar da FPF (artigo 20.º);
g) Em tudo o que não se encontre previsto no Regulamento, serão aplicáveis as normas do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e da Portaria n.º 816/97, de 5 de Setembro (artigo 21.º).


15. Entre a FPF e a LPFP foi, ao abrigo do disposto no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, celebrado um Protocolo, a vigorar a partir de 30 de Junho de 2005 ([19]), do qual resulta que:

a) São reconhecidos como competições de carácter profissional os campeonatos da Super Liga e da Liga de Honra, sendo da exclusiva competência da LPFP, enquanto órgão autónomo da FPF, a respectiva organização, regulamentação e gestão, de acordo com o estabelecido na Lei, Estatutos e Regulamentos da FPF, quando aplicáveis (cláusulas 2.ª e 3.ª);
b) Compete à LPFP exercer a competência disciplinar em 1.ª instância, relativamente aos Clubes, seus dirigentes, jogadores, treinadores e demais agentes desportivos, que participem nas competições referidas ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito das mesmas, a qual será exercida pela Comissão Disciplinar da Liga, nos termos do Regulamento Disciplinar (cláusulas 5.ª e 6.ª, n.º 1);
c) Aplica-se o Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF em vigor, mantendo a FPF as suas competências nessa matéria, sem prejuízo da competência disciplinar da LPFP prevista no n.º. 1 da cláusula 6.ª ([20])(cláusula 32.ª).


V


16. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional, órgão autónomo da FPF para o futebol profissional, nos termos do disposto no artigo 24.º da Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho), e nos artigos 34.º e 38.º a 40.º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, dispõe de Estatutos ([21]) dos quais resulta, com interesse para o parecer, o seguinte:

a) A Comissão Disciplinar é constituída por cinco elementos, licenciados em direito, e de preferência magistrados (artigo 58.º, n.º 1);
b) Compete a tal comissão conhecer e julgar, de acordo com a lei e os regulamentos, as infracções disciplinares em matéria desportiva imputadas às pessoas, singulares ou colectivas, que participem nas competições de carácter profissional [artigo 59.º, n.º 2, alínea a)];
c) Fica sujeito à aplicação de sanções disciplinares o associado que culposamente violar, por acção ou omissão, os deveres decorrentes da lei, dos Estatutos e do Regulamento Geral (artigo 70.º);
d) As normas do procedimento disciplinar constarão do Regulamento Geral da Liga (artigo 74.º).


17. Do Regulamento Geral da LPFP ([22]) resulta que:

a) Compete à Comissão Disciplinar a instauração, instrução e julgamento dos processos disciplinares (artigo 59.º);
b) O procedimento disciplinar será exercido em conformidade com os Estatutos e o Regulamento, sendo os casos omissos resolvidos de harmonia com a lei geral (artigo 60.º);
c) Constituem nulidades do processo: a falta de chamamento do acusado para se defender; a falta ou insuficiência de diligências que se reputem essenciais à descoberta da verdade material; o julgamento com violação das normas de funcionamento do órgão julgador (artigo 85.º, n.º 1);
d) Estas nulidades são arguíveis a todo o tempo, podendo ser verificadas oficiosamente, competindo ao relator o seu julgamento, depois de ouvida a parte contrária quando a arguição for de qualquer das partes (artigo 85.º, n.º 2);
e) A nulidade decorrente da falta de chamamento do acusado para se defender importa a anulação de todo o processado a partir do momento em que o arguido deveria ter sido chamado a defender-se (artigo 86.º);
f) A nulidade decorrente da falta ou insuficiência de diligências supre-se com a realização destas (artigo 87.º);
g) A nulidade relativa à violação das normas de funcionamento do órgão julgador impõe a anulação do julgamento e fases subsequentes, devendo o julgamento ser repetido (artigo 88.º);
h) O despacho de acusação deverá, com a devida fundamentação, identificar o acusado, descrever o facto ou factos de que este é acusado e todas as circunstâncias relevantes à apreciação da responsabilidade disciplinar, indicando as normas infringidas e o prazo para a dedução da defesa (artigo 89.º).


18. Do Regulamento Disciplinar da LPFP ([23]) resulta que:

a) Se considera infracção disciplinar o facto voluntário praticado pelos clubes, dirigentes e demais agentes que violem os deveres previstos nos Regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (artigo 2.º, n.º 1);
b) A responsabilidade disciplinar objectiva é imputável nos casos expressamente previstos (artigo 2.º, n.º 2);
c) Na determinação da responsabilidade disciplinar, devem ser subsidiariamente observados os princípios do direito penal (artigo 7.º, n.º 1);
d) No procedimento disciplinar deverão ser supletivamente observados os princípios informadores do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (artigo 7.º, n.º 2);
e) Nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar é obrigatória a audiência do arguido, devendo a acusação ser suficientemente esclarecedora dos factos determinantes do exercício do poder disciplinar (artigo 12.º, n.º 1);
f) Das decisões proferidas por qualquer membro da Comissão Disciplinar é admissível reclamação para a mesma e das deliberações desta cabe recurso para o Conselho de Justiça da FPF (artigo 13.º);
g) A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos no Regulamento, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infracções disciplinares (artigo 45.º, n.º 1);
h) Na determinação da pena, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo da infracção, militem a favor do agente ou contra ele, considerando-se, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os fins ou motivos que determinaram a prática da infracção; a conduta anterior do facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências da infracção; a concorrência no agente de singulares responsabilidades na estrutura desportiva e a situação económica do infractor (artigo 45.º, n.º 2);
i) É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade; as restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até à decisão final (artigo 178.º, n.º 9);
j) Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dois dias úteis, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar, bem como das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a mesma ocorreu e as que integrem circunstâncias agravantes ou atenuantes, com referência aos preceitos regulamentares e às penas no caso aplicáveis (artigo 180.º).

VI

19. Uma vez referenciadas, no que de essencial releva, as disposições legais, regulamentares e de natureza estatutária que regem as matérias objecto da consulta, importa passar a abordar directamente as várias questões nela colocadas.

A primeira questão a que importa responder reside em apurar «se a denominada "acusação primitiva", formulada pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, padecia de qualquer irregularidade face ao princípio da responsabilidade objectiva acolhido no Decreto-Lei n.º 183/97 e demais regulamentação internacional (Código Mundial Antidopagem, Regulamentos Antidopagem da FIFA e da UEFA, Convenção Internacional contra o Doping no Desporto da UNESCO e Convenção Europeia Antidopagem)».

A forma como a questão é colocada passa por uma pergunta (se a «acusação primitiva» padecia de qualquer irregularidade) e por uma premissa dada como assente (o «princípio da responsabilidade objectiva» acolhido no Decreto-Lei n.º 183/97 e demais regulamentação internacional).

Antes de entrarmos directamente na matéria da pergunta, cumpre verificar se a premissa se encontra, ou não, correctamente colocada em face dos normativos para que remete.


20. O conceito de responsabilidade objectiva surge, na terminologia jurídica, contraposto ao de responsabilidade com base na culpa.

O princípio da culpa implica que determinado facto, tido como ilícito, «possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio--comunitário» ([24]).

Tal princípio não prescinde, ao nível da imputação subjectiva da conduta ao infractor, da existência do dolo ou da negligência ([25]) ([26]).

A doutrina e a jurisprudência mais antigas concediam pequena ou nula relevância ao facto de a infracção disciplinar ter sido cometida com dolo ou com negligência ([27]).

No entanto, e de há muito, a doutrina e jurisprudência portuguesas vêm exigindo, em direito disciplinar, no tocante à punição de pessoas singulares ([28]), a aplicação do princípio da culpa, reclamando, ao nível da imputação subjectiva da conduta ao infractor, a verificação do dolo ou da negligência ([29]).

Mesmo no âmbito da responsabilidade civil, o nosso ordenamento jurídico consagrou a regra geral da exigência da culpa, tendo como pressuposto o dolo ou a negligência (esta tradicionalmente designada na lei civil como mera culpa), só admitindo a responsabilidade objectiva nos casos excepcionais legalmente previstos (artigo 483.º do Código Civil).

Será que os instrumentos normativos referidos no pedido de parecer (Decreto-Lei n.º 183/97, Código Mundial Antidopagem, Regulamentos Antidopagem da FIFA e da UEFA, Convenção Internacional contra o Doping no Desporto da UNESCO e Convenção Europeia Antidopagem) determinam, no caso de infracções disciplinares relacionadas com a dopagem no desporto, o abandono do princípio da culpa, passando a consagrar o princípio da responsabilidade objectiva?


21. A Convenção Europeia Antidopagem, ou Convenção contra o Doping, já acima referida (ponto n.º 9), não consagra nem preconiza, em nenhuma das suas disposições, a responsabilidade objectiva em matéria de dopagem no desporto.

As referências aos princípios éticos, aos valores educativos e ao princípio do fair play constantes do seu preâmbulo, bem como do seu artigo 6.º, conjugadas com o apelo à aplicação, nos procedimentos disciplinares, dos princípios internacionalmente reconhecidos de justiça natural por forma a garantir o respeito pelos direitos fundamentais dos desportistas [artigo 7.º, n.º 2, alínea d)] apontam, ao invés, para uma consagração implícita do princípio da culpa.

Com efeito, se analisarmos o Relatório Explicativo Relativo à Convenção contra o Doping ([30]), nele se refere que «o artigo 7.º, n.º 2, alínea d), implica que as organizações desportivas devam adaptar ou, de acordo com as necessidades, adoptar os regulamentos por forma a reflectirem o princípio da justiça natural ou do processo equitativo. Os princípios a seguir são os enunciados, por exemplo, no Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), ou, para os Estados membros do Conselho da Europa, na Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (1950), ou nos processos adoptados pelo CIO» ([31]) - (ponto n.º 69 do Relatório).

Ora, se analisarmos o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, constatamos que, no seu artigo 14.º, n.º 2, se consagra expressamente que «qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida».

Idêntico princípio decorre do artigo 6.º, n.º 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Embora estes princípios não tenham sido expressamente transcritos na Convenção contra o Doping, parece resultar do Relatório Explicativo que havia a intenção de os considerar aplicáveis em matéria de dopagem no desporto, sendo certo que a enumeração de princípios constante das alíneas i) a iii) da alínea d) do n.º 2 do artigo 7.º da mesma Convenção tem natureza meramente exemplificativa, como decorre do advérbio «nomeadamente» ali utilizado.


22. O Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, no seu artigo 13.º, determina que «qualquer resultado positivo de um exame laboratorial efectuado no âmbito do controlo antidopagem dará origem, obrigatoriamente, a consequências disciplinares e, nos casos em que tal for previsto, a consequências desportivas».

E, no artigo 15.º, n.º 1, consagra as diversas sanções aplicáveis aos casos de dopagem como sendo «consequências disciplinares do resultado positivo».

Tais disposições, encaradas isoladamente, e vistas no seu estrito sentido literal, poderiam apontar no sentido da consagração de uma responsabilidade meramente objectiva, alheia ao princípio da culpa.

Todavia, a análise do diploma no seu todo afasta claramente um tal pensamento.

Logo no preâmbulo do diploma, alude-se a que este visa a defesa da ética dos desportistas. Não se compreende que um tal objectivo do legislador, enfeudado a referências éticas, se possa compaginar com uma responsabilidade dos desportistas alheia ao princípio da culpa.

No artigo 5.º, n.º 2, estabelece-se que o facto de as substâncias ou os métodos proibidos serem recomendados, prescritos ou administrados pelos profissionais de saúde não constitui, só por si, causa de exclusão da culpa do praticante desportivo. Decorre, pois, deste preceito que o diploma admite a exclusão da culpa como fundamento para a não punição de um atleta, embora o circunstancialismo nele referido, só por si, não seja suficiente para sustentar tal exclusão. A admissão de causas de exclusão da culpa tem como pressuposto lógico necessário a exigência da culpa do atleta para a sua punição.

No artigo 18.º, n.º 1, do mesmo diploma determina-se que para efeitos de registo e organização do processo individual, as federações desportivas comunicarão ao Conselho Nacional Antidopagem, no prazo de oito dias, as sanções que aplicarem aos agentes desportivos que forem julgados culpados de infracção à regulamentação sobre dopagem.

No artigo 26.º, alínea h), determina-se que compete especificamente ao Conselho Nacional Antidopagem «emitir recomendações gerais ou especiais sobre procedimentos de prevenção e controlo da dopagem, dirigidas às entidades que integram o associativismo desportivo e aos agentes desportivos, seja por efeito de novas orientações internacionais sobre a matéria, seja na sequência de processos de inquérito que revistam características especialmente típicas ou em que os inquiridos, mau grado o não apuramento de culpa, devam ser objecto de aconselhamento».

Estas referências do diploma à culpa são incompatíveis com a consagração, pelo mesmo, de uma responsabilidade disciplinar meramente objectiva. A última das referências é clara no sentido de admitir casos de dopagem não culposos que, não justificando por isso uma punição disciplinar, devam, em termos preventivos, ser objecto de mero aconselhamento.


23. Analisado o Código Mundial Antidopagem ([32]), da Agência Mundial Antidopagem, constata-se a existência no mesmo da disposição seguinte:

«10.5.1 Inexistência de Culpa ou Negligência
Se o Praticante desportivo provar, num caso individual que envolva a infracção a um regulamento antidopagem nos termos do Artigo 2.1 (presença de Substâncias Proibidas ou dos seus Metabolitos ou Marcadores) ou a Utilização de uma Substância Proibida ou de um Método Proibido nos termos do Artigo 2.2, que a infracção em causa não se deveu a Culpa ou Negligência da sua parte, o período de Suspensão aplicável será anulado. Quando uma Substância Proibida ou os seus Marcadores ou Metabolitos forem detectados nas Amostras de um Praticante desportivo em violação do artigo 2.1 (presença de uma Substância Proibida), o Praticante desportivo tem também de demonstrar a forma como a Substância Proibida entrou no seu organismo de forma a ver eliminado o período de Suspensão. No caso de aplicação deste Artigo e de o período de Suspensão a aplicar ser levantado, a violação das normas antidopagem não será considerada como uma violação para efeitos de determinação do período de Suspensão em caso de violações múltiplas nos termos dos Artigos 10.2, 10.3 e 10.6.»

Face aos respectivos termos, dúvidas parece não existirem quanto à consagração em tal instrumento do princípio da culpa, afastando o princípio da responsabilidade objectiva.


24. Analisado o texto da Convenção Internacional contra o Doping no Desporto da UNESCO ([33]), não se encontrou nele, outrossim, qualquer disposição a consagrar o princípio da responsabilidade objectiva em matéria de infracções disciplinares por parte dos desportistas.


25. Consultados os Regulamentos Antidopagem da FIFA ([34]) (Fédération Internationale de Football Association) e da UEFA ([35]) (Union des Associations Européennes de Football), verifica-se que dos mesmos constava uma disposição com o teor seguinte:

«Compete a cada jogador assegurar que nenhuma substância proibida penetre no seu organismo. Os jogadores são responsáveis pela presença de qualquer substância proibida, dos seus metabolitos ou marcadores, nas suas amostras. Por conseguinte, não é necessário provar a intenção, a falta, a negligência ou o uso consciente por parte do jogador para estabelecer uma violação das regras antidopagem».

Apontava-se, pois, em tais regulamentos, para uma punição disciplinar dos desportistas sem necessidade de estabelecimento de uma imputação da conduta ao agente com base no dolo ou na negligência.

Este tipo de regulamentação, que também foi adoptado por outras organizações desportivas a nível internacional, deparou-se, todavia, com uma forte oposição judicial em múltiplos países, cujos tribunais recusaram a respectiva aplicação com o fundamento na violação do respectivo direito interno ([36]).

Daí que a própria FIFA, com base num parecer proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto (CAS) de 21 de Abril de 2006 ([37]), tenha introduzido alterações no artigo 62.º do respectivo Código Disciplinar ([38]), ali inserindo as disposições seguintes:

«Art. 62.º
1 - As seguintes sanções aplicar-se-ão, regra geral, às violações das regras antidopagem de acordo com o Capítulo II do Regulamento de Controlo Antidopagem para as Competições da FIFA e Fora de Competição:
a) Qualquer violação do Capítulo II.1 (A presença de uma substância proibida ou dos seus metabolitos ou marcadores), do Capítulo II.2 (Utilização ou tentativa de utilização de uma substância ou método proibido), do Capítulo II.3 (Recusa ou não submissão, sem uma justificação plausível, à recolha de amostras), do Capítulo II.5 (Adulteração ou tentativa de adulteração de qualquer parte de um teste de controlo antidopagem) e do Capítulo II.6 (Posse de substâncias e métodos proibidos) será punida com uma suspensão de dois anos na primeira violação e a irradiação em caso de reincidência.
b) Se for detectada qualquer substância específica constante da lista de substâncias e métodos proibidos (cf. Anexo A do Regulamento de Controlo Antidopagem para as Competições da FIFA e Fora de Competição), e se puderem ser apresentadas provas em como as referidas substâncias não pretendiam melhorar o desempenho desportivo, deve ser aplicada pelo menos uma advertência para a primeira violação e uma suspensão de dois anos em caso de reincidência. Uma terceira violação implicará a pena de irradiação.
c) Qualquer violação do Capítulo II.7 (Tráfico de qualquer substância ou método proibido) ou do Capítulo II.8 (Administração de uma substância ou método proibido) será punida com uma suspensão de pelo menos quatro anos. Se qualquer dos jogadores em questão tiver menos de 21 anos e a violação não envolver uma das “Substâncias Específicas”, será aplicada a pena de irradiação.
d) Qualquer violação do Capítulo II.4 (Não fornecimento da informação solicitada quanto à localização dos jogadores ou quanto à sua disponibilidade para se submeterem aos testes) será punida com uma suspensão de três meses a dois anos.
2. Se o arguido puder provar em cada caso individual que não teve culpa ou negligência significativa, a sanção pode ser reduzida, mas só até metade da sanção aplicável nos termos do nº 1; a pena irradiação não pode ser reduzida para menos de oito anos.
3. Se o arguido puder provar, em cada caso individual, que não teve culpa ou negligência, não é aplicável a sanção prevista nos termos do n.º 1.
4. Se a colaboração por parte do arguido conduzir à revelação ou à prova de uma violação das regras antidopagem por outra pessoa, a sanção pode ser reduzida, mas só até metade da sanção aplicável nos termos do nº 1; a pena de irradiação não pode ser reduzida para menos de oito anos.»

Constata-se, pois, pela análise de tais alterações, que o princípio da culpa, com a inerente exigibilidade do nexo de imputação da conduta ao agente a título de dolo ou de negligência, é presentemente adoptado, em matéria disciplinar desportiva atinente à dopagem, pelas instâncias reguladoras do futebol a nível internacional.


26. O facto de os regulamentos da FIFA e da UEFA terem, anteriormente, adoptado um entendimento diferente não significa que este, nessa parte, fosse juridicamente vinculativo para as instituições desportivas nacionais.

Com efeito, e como salienta PAULO OTERO ([39]), estes fenómenos de auto-regulação internacional provenientes de organizações desportivas não governamentais só na medida em que forem objecto de reconhecimento expresso pela legislação do Estado, operando a sua juridificação, permitem estabelecer ou extrair efeitos sobre as normas jurídicas internas, possibilitando que a execução da normação deles decorrente seja controlada ou imposta por órgãos públicos ou por entidades privadas que exerçam funções de natureza pública.

Ora, para além de, como acima se referiu, os instrumentos normativos vigentes (Convenção contra o Doping e Decreto-Lei n.º 183/97) consagrarem o princípio da culpa em matéria disciplinar, a responsabilização disciplinar dos praticantes desportivos em termos estritamente objectivos, com aplicação de sanções extremamente severas, que podem ir até vinte anos de suspensão da actividade desportiva, com as devastadoras consequências daí advenientes ao nível da realização pessoal e do património dos mesmos, não se mostra susceptível de compatibilização com o nosso ordenamento jurídico-constitucional.

A República Portuguesa baseia-se na dignidade da pessoa humana, constituindo um Estado de direito democrático (artigo 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa).

A pessoa é fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo inválido e inadmissível o sacrifício do valor e dignidade pessoal a benefício simplesmente da comunidade, do grupo ou da classe ([40]). «Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios» ([41]).

Em direito penal, o princípio da culpa é uma exigência constitucional da dignidade da pessoa humana ([42]).

Tal exigência é transponível para o plano do direito disciplinar, sobretudo quando se está, como no caso de dopagem no desporto, perante sanções disciplinares susceptíveis de causarem ao agente, nos planos pessoal e patrimonial, consequências bem mais graves que as decorrentes de um leque muito extenso de outras infracções de natureza criminal.

E a própria ideia ou conteúdo do Estado de direito democrático, apelando ao princípio da proporcionalidade, justifica a extensão não só ao ilícito de mera ordenação social, como também às sanções disciplinares, de alguns dos princípios fundamentais do direito criminal ([43]).

O princípio da culpa (nulla poena sine culpa), como pilar essencial do direito penal, deverá, no circunstancialismo referido, ter pertinente aplicação.

Por tudo o que vem exposto se conclui no sentido de que, em matéria disciplinar relacionada com a dopagem no desporto, e designadamente no tocante ao regime decorrente da Convenção contra o Doping e do Decreto-Lei n.º 183/97, vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da responsabilidade disciplinar baseado na culpa, e não o princípio da responsabilidade disciplinar objectiva.


27. A discussão que se tem gerado em torno desta problemática teve sempre subjacentes as dificuldades inerentes à prova do dolo ou da negligência neste tipo de infracções disciplinares.

Com efeito, detectada a presença de determinada substância proibida no organismo de um atleta, é normal que este alegue desconhecer como é que a mesma ali foi introduzida. Como razões para a presença da substância no organismo, é habitual os atletas aventarem um espectro de causas abstractamente possíveis, com especial incidência para a eventual ingestão de produtos alimentares (com relevo para os chamados suplementos alimentares) que pudessem conter tal substância sem que o atleta disso se apercebesse, por tal substância não vir concretamente mencionada na composição do produto indicada na respectiva embalagem ou folheto informativo.

Tais dificuldades, com que a acusação se depara para provar o elemento subjectivo da infracção disciplinar, não são, todavia, insuperáveis.

Com efeito, e como salientavam KLAUS VIEWEG e CHRISTIAN PAUL ([44]), face à prova científica da presença da substância dopante no atleta e de que a mesma não pode ter sido produzida pelo organismo deste, conjugada com a não descoberta, no decurso do procedimento disciplinar, de qualquer circunstância anómala que justificasse a presença dessa substância sem o concurso voluntário ou censurável do mesmo atleta ([45]), é possível, mediante presunções naturais ([46]) baseadas nas regras da experiência (que aqueles autores denominam de prova prima facie), dar como suficientemente indiciado o elemento subjectivo da infracção.

Nuns casos, e designadamente quando se tratar de substâncias que, pela sua natureza ou pela quantidade encontrada, conjugadas com o tipo de desporto praticado e com o aumento de rendimento que nele proporcionam, não possam, segundo as regras da experiência, deixar de ter sido ingeridas pelo atleta com o conhecimento da sua natureza e com a intenção de, mediante o seu uso, melhorar a sua prestação competitiva, indiciar-se-á o dolo na sua forma mais grave (dolo directo).

Noutras situações, tendo em consideração a natureza da substância e a quantidade detectada, se for admissível, em face das regras da experiência, que o atleta a possa ter ingerido inadvertidamente com um determinado suplemento alimentar, sem se assegurar previamente da real composição de tal suplemento, mas sem que a possibilidade da presença da substância dopante no mesmo fosse por ele admitida, indiciar-se-á mera negligência inconsciente. Nestes casos, cumpre acentuar, como refere FIGUEIREDO DIAS ([47]):

«A violação da norma objectiva de cuidado assumirá […] um relevo muito particular em domínios altamente especializados, que importam especiais riscos para bens jurídicos significativos das outras pessoas ou da colectividade. Por isso, há neste domínio que pôr em relevo uma exigência, de certo modo, especial: a de que o agente não deve actuar antes de se ter convenientemente informado ou esclarecido sobre aqueles riscos, sempre que se não encontre em posição de os avaliar correctamente. Se não conseguir alcançar a informação ou o esclarecimento necessários, deve omitir a conduta projectada; se o não faz e o resultado surge em consequência, a violação deste dever pode integrar o tipo de ilícito negligente.»

Entre aqueles dois pólos (dolo directo e negligência inconsciente), várias outras gradações do elemento subjectivo da infracção são susceptíveis de se vir a indiciar de acordo com as circunstâncias do caso.

Não há, pois, ao nível das dificuldades da prova, qualquer justificação para, com base nelas, se vir a sustentar uma responsabilização disciplinar objectiva dos desportistas.


28. Haverá, a este propósito, que referir que o mecanismo probatório referido no ponto anterior não implica o estabelecimento de qualquer inversão de ónus de prova ou o afastamento do princípio in dubio pro reo, como por vezes se tende a afirmar.

No direito disciplinar, como no processo penal, incumbe à acusação fazer a prova de que determinada pessoa praticou uma infracção. A entidade instrutora do processo tem, ao investigar os factos, que tomar em consideração todas as circunstâncias do caso, quer militem a favor da indiciação da infracção quer em sentido contrário. Por isso, se, através das declarações do atleta, ou através de qualquer outra fonte probatória, o instrutor tomar conhecimento de circunstâncias que levem ao afastamento da culpa do atleta na ingestão do produto, deverá levá-las em consideração, propondo o arquivamento do processo disciplinar respectivo.

Se da investigação dos factos não resultar a indiciação de qualquer circunstancialismo factual susceptível de afastar a responsabilidade do atleta, deverá deduzir acusação contra o mesmo, aduzindo como prova da infracção a perícia efectuada, da qual resulte a presença da substância no organismo sem que este a pudesse ter produzido, perícia essa que, conjugada com as demais circunstâncias do caso e com as regras da experiência, é suficientemente indiciadora da infracção, nas vertentes objectiva e subjectiva.

Toda a prova dos elementos constitutivos da infracção cabe, pois, à acusação. Se, produzida a prova, resultar uma situação de dúvida insanável, o órgão decisor não deverá aplicar qualquer punição, por aplicação do princípio in dubio pro reo.


VII


29. Passar-se-á, seguidamente, a analisar a segunda vertente da primeira questão posta: «se a “acusação primitiva” formulada pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional padecia de qualquer irregularidade».

A estrutura essencial do procedimento disciplinar relacionado com a dopagem no futebol profissional encontra-se prevista no Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF, diploma regulamentar este emitido por tal Federação por imposição do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 183/97.

De acordo com tal Regulamento, compete à Comissão Disciplinar da LPFP instaurar os procedimentos disciplinares respectivos, no caso de se detectarem resultados positivos na segunda análise (artigo 6.º). Instaurado o procedimento, deverá, no prazo de 15 dias, ser remetida ao arguido uma acusação, contendo, entre outras menções, «a descrição da infracção» (artigo 7.º). Finda a instrução, a comissão disciplinar da LPFP decidirá (artigo 8.º), cabendo da decisão punitiva recurso para o Conselho de Justiça da FPF (artigo 9.º).

Por força do disposto no artigo 20.º do Regulamento do Controlo Antidopagem, «os casos omissos em matéria disciplinar serão resolvidos subsidiariamente pelo Regulamento Disciplinar da FPF».


30. Para responder à questão posta há que determinar, perante este quadro normativo, e tendo em consideração a matéria de facto apurada no procedimento disciplinar, qual o conteúdo que a «primitiva acusação» deveria ter e, caso o não tenha contemplado, quais as consequências jurídicas daí resultantes.

Já se referiu que o artigo 7.º do Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF determina que da acusação deverá, para além do mais, constar a descrição da infracção.

A Lei n.º 112/99, que regula, em termos genéricos, a competência disciplinar das federações desportivas, sem exclusão das infracções em matéria de dopagem (artigo 1.º, n.º 2), obriga, no seu artigo 2.º, alínea f), a que «a acusação seja suficientemente esclarecedora dos factos determinantes do exercício do poder disciplinar».

Conforme já acima se consignou, a FPF, pelo estatuto de utilidade pública desportiva que lhe foi concedido, e a LPFP, enquanto órgão autónomo daquela para o futebol profissional ([48]), exercem, nesse âmbito, poderes públicos de autoridade, tendo, designadamente, competência para emitir regulamentos e para praticar actos administrativos ([49]). As deliberações em matéria disciplinar proferidas pela Comissão Disciplinar da LPFP têm a natureza de actos administrativos, e os recursos delas interpostos para o Conselho de Justiça da FPF representam meios de impugnação administrativa ([50]), de natureza tutelar ([51]).

Assim sendo, ao procedimento disciplinar que vimos a analisar aplicam-se, em tudo o que não estiver especialmente regulado na lei, as normas e princípios decorrentes do Código do Procedimento Administrativo, por imposição do seu artigo 2.º, n.º 3 ([52]).

A acusação e a fase instrutória subsequente exercem, no procedimento disciplinar, a função que a audiência dos interessados exerce no procedimento administrativo em geral.

Por força do disposto no artigo 101.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, a notificação, no âmbito da audiência escrita, deverá fornecer «os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito».

No que não estivesse expressamente previsto no Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF, bem como nos diplomas legais a que acima se fez referência, remetia aquele, subsidiariamente, para o Regulamento Disciplinar da FPF. Este último, por sua vez, estabelecia que, no procedimento disciplinar, deveriam ser observados os princípios informadores vertidos no Código de Processo Penal (artigo 7.º) ([53]).

Ora, em matéria de acusação, determina o artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que a mesma deverá conter, sob pena de nulidade, entre outras menções, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada».

Da conjugação de todos os preceitos legais e regulamentares referidos, resulta clara a obrigatoriedade de que da acusação conste a descrição dos factos constitutivos da infracção disciplinar, com menção das circunstâncias relevantes para a determinação da responsabilidade do arguido e para a sua punição.


31. Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA ([54]), em matéria de acusação em processo penal, não basta mencionar nela a componente objectiva do comportamento do arguido, importando também que a mesma descreva toda a componente subjectiva da infracção que possibilite o juízo de censura fundamentador da punição a aplicar (designadamente a voluntariedade da conduta do arguido, a imputação desta a título de dolo ou negligência e a consciência da proibição ou falta de consciência desta que lhe seja censurável).

É claro que, no universo dos procedimentos disciplinares que são levados a cabo, muitos deles são instruídos por pessoas sem especiais conhecimentos jurídicos ([55]), não sendo de exigir que as peças processuais respectivas primem pelo rigor técnico. Daí que a nossa jurisprudência venha encarando com alguma benevolência algumas falhas de que por vezes enfermam as acusações deduzidas em processo disciplinar, desde que essas falhas não tenham impedido o arguido de compreender perfeitamente o sentido da infracção que lhe é imputada ([56]).

Como é conhecido, em matéria disciplinar não vigora, com o rigor que é exigido no direito penal, o princípio da tipicidade, sendo tradicional que as condutas susceptíveis de punição disciplinar se não encontrem rigidamente pormenorizadas nos instrumentos normativos respectivos, recorrendo-se, para o efeito, a regras gerais com grande abrangência ([57]).

Isto não obsta, todavia, a que a conduta passível de infracção disciplinar não deva, nas suas componentes objectiva e subjectiva, ser concretizada com um mínimo de pormenor na peça acusatória, para possibilitar ao arguido o conveniente exercício do direito de defesa.

Como referia MARCELLO CAETANO ([58]), «para que a defesa se efective nos termos em que a lei a concede e é de direito natural garantir, torna-se necessário que a acusação contenha com toda a individuação, isto é, discriminados um por um e acompanhados de todas as circunstâncias de modo, lugar e tempo, os factos delituosos de que o empregado é arguido».

Da conjugação das disposições do Decreto-Lei n.º 183/97 com as do Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF, verifica-se que os elementos constitutivos da infracção disciplinar que está na origem do pedido do presente parecer são o uso por um praticante desportivo, ou administração ao mesmo por outrem, de determinada substância ou método constante das listas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais ou internacionais competentes, desde que a conduta seja imputável ao agente a título de dolo ou de negligência.

Tratando-se, como no caso sucede, de uma conduta imputada ao atleta a título de dolo directo (como resulta da segunda acusação deduzida no procedimento), deveria a acusação, para além de descrever tal conduta, nas suas vertentes objectiva (ingestão da substância) e subjectiva (dolo directo), fundamentar o juízo de culpa, alegando a factualidade atinente à liberdade de actuação do atleta ao agir como agiu e à consciência da ilicitude do seu comportamento.

Ora, em matéria de dolo directo, importa ter presentes os dois elementos que o caracterizam – o intelectual e o volitivo ([59]). Pelo primeiro, necessário se torna que o atleta, ao ingerir o produto, tivesse conhecimento da sua natureza dopante; pelo segundo, indispensável é que o atleta tivesse agido com a vontade dirigida à ingestão da substância em causa, querendo deliberadamente tomá-la.

Analisando o conteúdo da «primitiva acusação», verifica-se que, relativamente à vertente objectiva da infracção disciplinar, apenas consta, de relevante, articulada a factualidade seguinte:

- Que o arguido era jogador do Sport Lisboa e Benfica – Fut., S.A.D. (artigo 1.º);

- Que, em 3 de Dezembro de 2005, após um jogo em que o arguido participou, o mesmo foi sujeito a controlo antidoping, tendo a respectiva urina acusado a presença de 19-NORANDROSTERONA, com uma concentração de 4,5 e 4,0 ng/ml, respectivamente nas primeira e segunda análises a que se procedeu (artigos 2.º e 5.º a 7.º);

- Tal substância faz parte dos produtos proibidos e classificado na classe S4-Agentes Anabolizantes - e referida na lista constante do Comunicado n.° 96 da Federação Portuguesa de Futebol e em vigor desde 01.01.04, em anexo ao Regulamento Antidopagem da mesma Federação (artigo 8.º);

- O nível de concentração da substância em causa é superior ao limite máximo de 2,0 ng/ml permitido na lista dos produtos proibidos do controlo antidopagem (artigo 7.º).

Conforme se vê, em termos objectivos, apenas se alega na acusação que a substância proibida, com o referido nível de concentração, foi encontrada no organismo do atleta.

Nada se diz sobre se foi o atleta que a ingeriu (elemento objectivo caracterizador do uso pelo mesmo da substância), ou se a substância lhe foi administrada por outrem e em que circunstâncias.

Também nada se diz sobre se, a tê-la ingerido, o atleta o fez conhecendo a respectiva natureza dopante (elemento intelectual do dolo), embora se tenha referido na acusação que o mesmo agiu de forma livre e deliberada, estando consciente da conduta que levava a cabo e sabendo que esta não lhe era permitida.

Alude-se, pois, aí a uma liberdade de actuação e a uma consciência de ilicitude de uma conduta, conduta esta que, qualificando-se como deliberada, se encontra, de todo, omissa na peça acusatória.

Ora, não é indiferente para o arguido saber aquilo de que é concretamente acusado, em termos de conduta objectivamente levada a cabo (Foi ele que ingeriu a substância? Foi-lhe administrada pelo corpo clínico do clube com o seu acordo? Em que circunstâncias? No decurso de um tratamento médico absolutamente necessário? Ou visando apenas aumentar a performance do atleta?).

Como o não é saber se tal conduta lhe é imputada a título de dolo ou negligência e em que modalidade (dolo directo, necessário ou eventual? Negligência consciente ou inconsciente?).

Com efeito, toda essa factualidade releva para efeitos da punição, e designadamente para efeitos da determinação da medida concreta da pena a aplicar, pelo que é direito do arguido conhecer, nos seus aspectos essenciais, a conduta que lhe é imputada, objectiva e subjectivamente, para se poder convenientemente defender.

Tal omissão, englobando a conduta do agente nos aspectos objectivo e subjectivo, é, pois, de encarar como incidindo sobre o núcleo essencial da infracção disciplinar, pelo que uma acusação que da mesma enferme tem que reputar-se como não contendo a descrição dos factos constitutivos da infracção disciplinar a que acima se aludiu.


32. Qual a consequência jurídica dessa omissão?

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 269.º, n.º 3, determina que, em processo disciplinar, são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.

Segundo GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA ([60]), «o sentido útil da explicitação constitucional do direito de audiência e defesa é o de se dever considerar a falta de audiência do arguido ou a omissão de formalidades essenciais à defesa como implicando a ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade de procedimento disciplinar», sendo «de sublinhar que o poder disciplinar público não se exerce apenas em relação aos funcionários públicos, mas também sobre outras categorias de cidadãos envolvidos em certas relações especiais com os entes públicos», citando tais Autores, a título exemplificativo, os estudantes das escolas públicas, os profissionais de actividades sujeitas a disciplina pública e os concessionários de poderes públicos.

Em sentido semelhante se pronunciam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM ([61]).

O referido preceito constitucional obteve concretização, no plano ordinário, no artigo 42.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, no qual se estabelece que «é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos correspondentes preceitos legais».

Conforme se referiu no parecer deste Conselho n.º 4/85, de 11 de Novembro, este comando legal, decorrente da referida imposição constitucional, deveria ser entendido «como expressão ou afloramento de um princípio geral de audiência prévia dos interessados e do reconhecimento do seu direito de “defesa” relativamente a quaisquer decisões que para eles se traduzam num efeito punitivo ou equiparável».

Pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Junho, viria a consignar-se expressamente, no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição, o princípio geral de que, nos processos de natureza sancionatória de qualquer natureza, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.

Vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio de que os actos jurídicos violadores de disposições legais de natureza imperativa são nulos, salvo se for outra a solução que resulte da lei (artigos 295.º e 294.º do Código Civil), sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser oficiosamente declarada pelo tribunal (artigo 286.º do mesmo Código).

A «primitiva acusação» deduzida no procedimento disciplinar, por não conter a descrição dos elementos essenciais da infracção imputada ao arguido, como a lei impunha, traduziu-se, pois, num acto jurídico-procedimental que enfermava de nulidade.

Como acima se expôs, o procedimento disciplinar em causa encontra-se, em tudo o que não estiver especialmente regulado por lei, sujeito às normas e princípios decorrentes do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

A nulidade resultante da falta de audiência dos interessados em procedimento administrativo tem sido objecto de intenso labor doutrinário e jurisprudencial, admitindo-se, como regra, que a mesma determina o vício de anulabilidade do acto decisório final, embora alguns autores, em matéria de procedimentos de natureza sancionatória, como são os disciplinares, sustentem que o regime será o da nulidade do acto sancionatório ([62]).

Caso se perfilhe o entendimento de que a consequência será a da nulidade do acto decisório final (de natureza punitiva) ([63]), decorre do artigo 134.º do CPA que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, sendo a nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

A declaração de nulidade do acto sancionatório com o referido fundamento obriga à reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, com a anulação do procedimento a partir do momento em que a omissão da audiência dos interessados ocorreu e, atenta a natureza renovável do acto em causa ([64]), obrigaria a que se procedesse a tal audiência, com dedução de nova acusação expurgada do vício anterior, continuando o procedimento até final ([65]).

Ora, sendo a audiência dos interessados uma formalidade essencial do procedimento, e a sua omissão geradora de nulidade do acto decisório final, a autoridade administrativa que oficiosamente pode declarar a nulidade deste acto decisório com o referido fundamento, e com as consequências acima expostas, tem, por maioria de razão (argumento a maiore ad minus ([66])), o poder de conhecer oficiosamente daquela omissão procedimental, mesmo que a decisão final ainda não haja sido proferida, em ordem a determinar a realização da diligência omitida, suprindo a omissão e regularizando o procedimento ([67]). Assim se evita, por obediência ao princípio da economia processual, ter que arrastar até final um procedimento que se sabe viciado, para só então, mediante declaração de nulidade do acto decisório, se vir a anular o processado com aproveitamento apenas dos actos que disso forem susceptíveis, em ordem a renovar o acto nulo sem recair no anterior vício invalidante.

Caso a consequência da omissão da audiência dos interessados fosse a anulabilidade ([68]), o acto decisório final seria, para além de judicialmente impugnável com vista à sua anulação (artigo 136.º, n.º 2, do CPA), susceptível de revogação, oficiosa ou a pedido de qualquer interessado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 136.º, n.º 1, 138.º, 141.º e 142.º do CPA.

Tal anulação ou revogação, fundada na invalidade do acto, tem eficácia retroactiva (artigos 136.º e 145.º, n.º 2, do CPA, e 173.º do CPTA) ([69]), determinando, outrossim, atenta a natureza renovável do mesmo, a reposição do statu quo ante, com anulação do acto viciado e dos dele dependentes e a formulação de nova acusação, prosseguindo de novo o procedimento até final ([70]).

Também neste caso, se a autoridade administrativa, antes de proferir a decisão final no procedimento, se aperceber de um vício procedimental que irá determinar a invalidade de tal decisão (anulabilidade), terá não só o poder mas também o dever de, oficiosamente, determinar a anulação dos actos procedimentais viciados e a sua repetição com obediência às formalidades legalmente prescritas, assim regularizando a instância procedimental para que a decisão final a proferir passe a ser válida ([71]).

Há, pois, que concluir que a omissão, na acusação formulada no procedimento disciplinar, de elementos essenciais relativos à infracção disciplinar que dele é objecto, nas suas componentes objectiva e subjectiva, integra a postergação de uma formalidade essencial determinante da invalidade do acto decisório final, omissão essa de conhecimento oficioso, recaindo sobre a autoridade administrativa o poder/dever de, uma vez constatada tal omissão, declarar a nulidade do acto procedimental eivado do referido vício e de todos os que dele dependerem, repetindo o processado, no que for necessário, em ordem a vir a proferir uma decisão final juridicamente válida.

Esta solução, que resulta do nosso ordenamento procedimental administrativo, tem análoga correspondência em matéria de processo civil (que contém, a este respeito, normação subsidiariamente aplicável nos outros ramos de direito processual) e de processo penal.

É, com efeito, um princípio geral do nosso direito processual que os vícios do processo não devam influir directamente no conteúdo material da decisão da causa. Desde que nele possa influir, o vício de qualquer acto processual apenas determina a anulação desse acto e dos que dele dependerem, tendo como consequência, ademais, a repetição dos actos que se tornar necessária para a regularização da instância.

É o que resulta do artigo 201.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

E é também o que flui do artigo 122.º do Código de Processo Penal, onde expressamente se estatui que as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar, devendo ordenar-se, sempre que necessário e possível, a sua repetição, e devendo aproveitar-se todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito das mesmas.

Já CAVALEIRO DE FERREIRA ([72]) chamava a atenção para o facto de as nulidades absolutas, em processo penal, por determinarem a destruição de actos processuais, custando esforço e tempo na respectiva reconstituição, serem, por isso mesmo, reduzidas ao mínimo pelo legislador.

Pronunciando-se sobre os efeitos da declaração de nulidade dos actos processuais, GERMANO MARQUES DA SILVA salienta que «para a renovação do acto nulo pode ser necessária a regressão na marcha do procedimento ao estádio do procedimento em que o acto nulo foi praticado» ([73]), advogando expressamente, em caso de acusações deficientemente elaboradas, o regresso à fase do inquérito para que o Ministério Público proceda à correcção da acusação ([74]).

No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência ([75]).

Em conclusão, o vício de que padecia a «acusação primitiva» elaborada no procedimento a que nos vimos referindo determinava, para a autoridade titular do poder disciplinar, o poder/dever de, logo que do mesmo tomou conhecimento, declarar a nulidade dessa acusação e de todos os actos procedimentais dela dependentes, ordenando a sua repetição com obediência ao legal formalismo, em ordem a que o procedimento disciplinar, assim regularizado, pudesse prosseguir até final.

VIII

33. Pergunta-se, seguidamente, «se o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional é invocável no caso vertente, atenta a circunstância de o Decreto-Lei n.º 183/97 (art.os 9.º e 10.º) determinar expressamente que as federações desportivas (titulares da UPD) devem regular toda esta matéria num específico "regulamento antidopagem", o qual, aliás, deve ser conforme às normas nacionais e internacionais sobre o combate ao doping».

Conforme acima se referiu, o Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF prevê directamente, nos planos substantivo e procedimental, a estrutura básica do regime disciplinar relativo às violações das normas atinentes à proibição da dopagem no futebol, estabelecendo que, nos casos omissos, se aplicará subsidiariamente o Regulamento Disciplinar da FPF (artigo 20.º).

Pela análise do Decreto-Lei n.º 183/97, e designadamente dos seus artigos 9.º e 10.º, não se extrai que, em cada federação desportiva, tenha que existir forçosamente um único instrumento regulamentar contendo a normação jurídica exaustiva das matérias relativas à proibição do doping na modalidade desportiva por ela representada. Nada parece obstar, com efeito, a que possa haver mais do que um instrumento normativo a regular tais matérias, em termos de aplicação concorrente ou meramente subsidiária, desde que dessa regulamentação conjunta resulte a previsão de todas as matérias referidas nos mencionados preceitos legais e a consagração das soluções ali imperativamente estabelecidas.

É o que sucede, como se salientou já, com o Regulamento do Controlo Antidopagem da FPF, que manda, nos casos omissos, aplicar subsidiariamente o Regulamento Disciplinar da FPF.

Resulta do já exposto que o Regulamento Disciplinar da LPFP não era aplicável na situação que vem a ser analisada. A mesma teria que ser resolvida pelas normas do Regulamento Antidopagem da FPF, bem como pelas normas legais a que este Regulamento está subordinado (Constituição da República Portuguesa, Convenção contra o Doping, Decreto-Lei n.º 183/97, Lei n.º 112/99 e Código do Procedimento Administrativo) e, em tudo o que estivesse omisso em tais diplomas, pelo Regulamento Disciplinar da FPF.

Todavia, sempre se dirá que as soluções previstas no Regulamento Disciplinar da LPFP e no Regulamento Geral da LPFP (que também contém preceitos de natureza disciplinar) em nada diferem das que acima foram apontadas como decorrentes da aplicação ao caso da normação procedimental administrativa pertinente.

Com efeito, e como já se referiu nos n.os 17 e 18 supra, resulta do artigo 178.º, n.º 9, do Regulamento Disciplinar da LPFP que «é insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido», determinando o artigo 85.º, n.os 1, alínea a), e 2, e o artigo 86.º do Regulamento Geral da LPFP que tal nulidade, sendo susceptível de arguição a todo o tempo, e bem assim de conhecimento oficioso, importa a anulação de todo o processado a partir do momento em que o arguido deveria ter sido chamado a defender-se.

Assim, embora a Comissão Disciplinar da LPFP tenha, na deliberação em que manteve a decisão do relator de declaração de nulidade da «primitiva acusação» e de repetição desse acto e dos subsequentes, buscado arrimo no Regulamento Disciplinar da LPFP, tal em nada influenciou a correcta decisão desse incidente, já que a solução a dar-lhe seria a mesma caso a fundamentação jurídica tivesse sido procurada nos pertinentes dispositivos da legislação procedimental administrativa a que acima se aludiu.
IX

34. Pergunta-se, seguidamente, «se o presente "acórdão" do Conselho de Justiça é consistente, quantos aos requisitos formais da acusação neste tipo de procedimentos disciplinares, com o decidido pelo mesmo Conselho de Justiça, por exemplo, nos "acórdãos" n.os 25/CJ-05/06 e 481/CJ».

Pela análise do acórdão proferido no recurso n.º 25/CJ-05-06 (de 2005), verificamos que a matéria de facto nele dada como provada com interesse para a resposta à questão colocada (e que se presume ser a matéria constante da acusação oportunamente formulada no procedimento disciplinar) é, em síntese, a seguinte:

- Em 24 de Abril de 2005, na sequência de um jogo de futebol a contar para o Campeonato da II Liga de Honra, o arguido foi submetido a controlo antidoping, acusando a respectiva urina a presença de Norandrosterona numa concentração de 5,8 ng/ml, na primeira análise, e de 3 ng/ml na segunda, concentrações essas superiores ao limite máximo permitido de 2 ng/ml (números I a V da matéria de facto);

- Tal substância faz parte dos produtos proibidos e classificados na classe “S4 Agentes anabolizantes” referida na lista constante do comunicado n.º 96 da Federação Portuguesa de Futebol em vigor desde 01/01/2004, em anexo ao Regulamento Antidopagem (número VI);

- O arguido actuou voluntariamente (número VIII).

De tal matéria de facto, totalmente omissa quanto à conduta do arguido, assim como no que toca à imputação subjectiva da mesma àquele a título de dolo ou de negligência, resulta apenas que o mesmo «actuou voluntariamente», sem nada mais se acrescentar para efeitos de fundamentação do juízo de culpa.

Perante uma tal matéria de facto, o Conselho de Justiça da FPF considerou:

a) Que se encontrava por demais demonstrado que o arguido/recorrente ingerira uma substância constante da lista das classes de substâncias e métodos interditos, já que tal manifestamente resultava da prova pericial a que foi submetido;

b) Que o fez voluntariamente;

c) Que, ao fazê-lo, o arguido não deixou de representar o resultado negativo da sua conduta - aduzindo, para tanto, que «todos os atletas devem exercitar o direito de exigir o completo conhecimento dos “suplementos vitamínicos”, “regimes dietéticos” e “bebidas concentradas” que se lhes propõem, porque, não o fazendo, revelam aceitar, pelo menos como possível, a violação subjectiva dos comandos sobre o antidoping, até porque lhes será exigível em função da sua experiência como futebolistas, que representem atempadamente a probabilidade séria de exibirem nos seus organismos vestígios de tais substâncias»;

d) Que ao contrário do alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido o não sancionou com fundamento na responsabilidade disciplinar objectiva, antes e apenas partiu do pressuposto de que não havia necessidade de prova concreta da representação do resultado pelo agente, porquanto esta se presume;

e) Que o recorrente ingeriu, de forma voluntária uma substância proibida, bem sabendo que essa conduta é sancionável.

Em consequência, puniu o arguido com a pena de seis meses de suspensão da actividade.


35. Analisando o acórdão proferido no âmbito do recurso n.º 481/CJ (de 2002), verificamos que a matéria de facto nele dada como provada com interesse para a resposta à questão colocada (e que também se presume ser a matéria constante da acusação oportunamente formulada no procedimento disciplinar) é, em síntese, a seguinte:

- Em 20 de Janeiro de 2002, na sequência de um jogo a contar para o Campeonato de Futebol da 1.ª Liga, o arguido, jogador do Vitória F. C., S.A.D., foi submetido a controlo antidoping, acusando a respectiva urina a presença de cafeína, com a concentração de 18,5 ug/ml, na primeira análise, e de 18,1 ug/ml na segunda (números 1 a 5 da matéria de facto);

- Antes do início do jogo, o arguido ingeriu uma bebida energética com sabor a laranja, constituída por um produto em pó designado por “Orange Blast” misturado com água (n.os 7 e 10);

- Tal produto havia sido adquirido pelo Vitória F. C., S.A.D., a uma empresa que comercializava produtos dietéticos, e da respectiva bula comercial não constava que a cafeína entrasse na sua composição (n.os 6 e 9);

- No decurso do jogo, e depois deste, o arguido e alguns outros jogadores do Vitória F. C., S.A.D., sentiram-se indispostos, com náuseas, vómitos, tremores e sensações de mal-estar (n.º 11);

- Foi essa a primeira e única vez que o departamento médico do Vitória F. C., S.A.D., administrou tal bebida energética aos jogadores, tendo, face aos sintomas dos atletas, suspendido imediatamente a sua administração (n.os 12 e 13);

- Mais tarde, tendo o Vitória F. C., S.A.D., adquirido duas novas embalagens desse produto, submeteu-as a exame laboratorial, tendo-se concluído pela existência de cafeína na sua composição e, por outro lado, no sentido de que o conteúdo das carteiras apresentava um aspecto heterogéneo o qual poderia determinar uma diversidade de conteúdo (n.os 14 e 15);

- Todavia, foi junto ao processo um novo documento da produtora do “Orange Blast”, recebido pelo Vitória F. C., S.A.D., a 02.04.2002, onde se reafirma a inexistência nesse composto de qualquer substância dopante (n.º 16);

- Aquando da realização do controlo de dopagem ao arguido foi declarado pelo médico do Vitória F. C., S.A.D., em serviço nesse jogo, que havia sido administrado o “Orange Blast” àquele e a outros jogadores (n.º 19);

- O arguido incorporou voluntariamente a mencionada substância no seu organismo, desconhecendo, porém, qual a composição da mesma (n.º 20).

Verifica-se, pois, que, embora dando-se como provada a ingestão voluntária do «Orange Blast» pelo arguido, deu-se também como provado que o mesmo não conhecia a sua composição.

Por outro lado, não foi dado como provado que tivesse sido da ingestão do produto referido que resultou o aparecimento da cafeína no organismo do arguido.

Decorre daí que, em termos de conduta integradora de infracção disciplinar, apenas foi dado como provado no acórdão que a cafeína foi encontrada na urina do arguido, com o nível de concentração acima referido.

Nada mais resulta, pois, da matéria de facto assente, quanto à conduta do arguido, nos planos objectivo e subjectivo.

Tendo a Comissão Disciplinar da LPFP deliberado arquivar o processo, por entender «não existir responsabilidade subjectiva por parte do arguido» relativamente ao facto de a cafeína ter sido encontrada no seu organismo naquele nível de concentração, a Direcção da FPF interpôs recurso de tal deliberação para o Conselho de Justiça da FPF, tendo este sido julgado procedente e tendo, em consequência, o arguido sido punido por este órgão com a pena de seis meses de suspensão da actividade desportiva.

Para fundamentar tal deliberação, o Conselho de Justiça da FPF argumentou, em síntese, que:

a) De uma análise atenta do preceito do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, facilmente se conclui que o nosso legislador optou por uma definição de dopagem estritamente objectiva. O mesmo é dizer que, para que se verifique o preenchimento da previsão legal, basta que se verifique o uso de uma substância ou método incluído nas listas aprovadas pelas organizações competentes;

b) O legislador, ao consagrar uma definição objectiva nos moldes apontados, desde logo afastou a aplicação aos casos de doping das normas gerais em que se exige a representação do resultado pelo agente;

c) Significa, portanto, que comete a infracção o praticante desportivo que use substâncias ou métodos constantes das tabelas aprovadas pelas organizações desportivas nacionais e internacionais, uso esse que emerge provado do exame pericial efectuado e respectivo resultado;

d) Encontramo-nos no âmbito de legislação especial onde assistimos a uma inversão dos princípios norteadores do processo penal, dada a natureza dos interesses em jogo e que se pretendem proteger;

e) Face ao exposto, verifica-se pois que o arguido ingeriu produtos contendo cafeína, a qual lhe foi detectada aquando do controlo antidoping;

f) Tal facto é mais que suficiente para que se possa concluir pela prática por parte do arguido da infracção disciplinar que lhe foi oportunamente imputada.


36. Sintetizando as posições assumidas pelo Conselho de Justiça da FPF nos três acórdãos em presença, verificamos que:

No acórdão proferido no recurso n.º 481/CJ (em 2002), tal órgão perfilha o entendimento de que a simples presença de uma substância dopante no organismo do atleta, laboratorialmente comprovada, é bastante para dar como provado que ela foi ingerida pelo atleta, sendo tal «mais que suficiente» para dar como provada a prática da infracção disciplinar, já que o legislador «afastou a aplicação aos casos de doping das normas gerais em que se exige a representação do resultado pelo agente». Esta última menção do acórdão parece apontar no sentido de que o Conselho de Justiça perfilhava a tese da responsabilização estritamente objectiva, alheia ao juízo de culpa pressuponente da imputação da conduta ao agente a título de dolo ou de negligência.

No acórdão proferido no recurso n.° 25/CJ-05/06 (em 2005), o mesmo órgão, deixando de perfilhar a tese da responsabilidade meramente objectiva, considera que da simples alegação e prova, através de perícia laboratorial, da presença da substância dopante na urina do atleta, é possível deduzir, por presunção, toda a factualidade integrante da infracção disciplinar, quer na vertente objectiva (ingestão por ele da substância), quer na vertente subjectiva fundamentadora do juízo de culpa (apontando, no caso, para uma imputação da conduta ao agente a título, pelo menos, de dolo eventual, tendo o mesmo, ademais, a consciência de que a ingestão do produto era sancionável).

Em qualquer desses acórdãos o Conselho de Justiça entendeu ser suficiente, para efeitos de punição disciplinar, alegar na acusação e provar, através de perícia laboratorial, a presença da substância dopante no organismo do atleta. Uma vez que esse facto constasse da acusação, tal seria suficiente para permitir a punição disciplinar do arguido: no primeiro caso, com base na responsabilidade disciplinar objectiva, que dispensaria a prova de qualquer outra factualidade; no último, com o argumento de que toda a demais factualidade integradora da infracção disciplinar, quer na vertente objectiva da conduta (ingestão da substância dopante pelo atleta), quer na subjectiva (imputação da conduta ao agente a título de dolo eventual) poderia ser mais tarde deduzida daquele facto-índice pelo órgão decisor, aquando da prolação da decisão final, mediante presunções baseadas nas regras da experiência.

Já no acórdão relativo ao jogador Nuno Assis (de 2006), o Conselho de Justiça da FPF, para além de voltar a rejeitar a tese da responsabilidade disciplinar meramente objectiva, veio considerar que, para além da alegação na acusação e prova da presença da substância dopante no organismo do atleta, é forçoso que, sob pena de nulidade, se articulem também na acusação, discriminadamente, todos os factos constitutivos da infracção disciplinar, nos planos objectivo e subjectivo, quer tal factualidade se funde directamente na prova pericial, quer seja deduzida por recurso a outros métodos probatórios, designadamente de natureza presuntiva.

Em conclusão, e quanto à pergunta formulada, haverá que responder que, da análise dos três acórdãos, resulta claro que se verificou uma evolução no critério interpretativo perfilhado pelo referido órgão, quer quanto à natureza da responsabilidade disciplinar (meramente objectiva ou com base na culpa do atleta), quer quanto à factualidade que deve constar da acusação deduzida no respectivo procedimento.

Tal evolução caracterizou-se, relativamente ao último dos acórdãos, por um maior grau de exigência quanto ao conteúdo fáctico da acusação, obrigando, sob pena de nulidade, a que esta contenha todos os elementos constitutivos da infracção disciplinar, nos planos objectivo e subjectivo, exigência esta que, pelo que acima já se expôs, se entende ser de sufragar.

Para além disso, e no mesmo acórdão, o Conselho de Justiça da FPF considerou que, uma vez deduzida, no procedimento disciplinar, uma acusação enfermando de nulidade por omissão de parte da factualidade essencial relativa à infracção que constitui o seu objecto, já não mais será juridicamente possível refazê-la e retomar o curso do procedimento, tendo o referido vício como consequência inexorável o arquivamento do processo disciplinar e a impunidade do arguido.

Ora, conforme já acima se demonstrou, e abaixo se reafirmará, tal solução é juridicamente insustentável.

X

37. Pergunta-se, finalmente, «se a invocação de razões "meramente formais" - como expressamente as qualificou a FPF em seu Comunicado de 20 de Julho de 2006 […] - para não punir um praticante ao qual foram detectados resultados positivos nas análises antidopagem, assentes em eventuais "vícios" do procedimento disciplinar praticados exclusivamente no âmbito das mesmas federações desportivas (pelos seus órgãos ou agentes), configura, face ao preceituado legal, uma ilegalidade ou irregularidade grave no exercício dos poderes públicos que lhes estão delegados, como tal sancionáveis com a suspensão ou o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva?».

Já se analisou anteriormente a problemática da responsabilidade disciplinar na perspectiva da imputação da conduta ao agente, tendo-se concluído no sentido de que a mesma se fundamenta na culpa.

Flui, todavia, do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 183/97 que «qualquer resultado positivo de um exame laboratorial efectuado no âmbito do controlo antidopagem dará origem, obrigatoriamente, a consequências disciplinares».

Uma vez que já concluímos que nesse diploma se não pretendeu estabelecer o princípio da responsabilidade disciplinar objectiva, qual o sentido a extrair do segmento desse preceito em que se determina que o resultado laboratorial positivo dará origem, obrigatoriamente, a consequências disciplinares?

Tem-se discutido, na doutrina e na jurisprudência, a natureza discricionária ou vinculada do poder disciplinar, mormente no tocante à decisão sobre a instauração ou não instauração do procedimento e sobre a decisão de punir ou não punir o infractor, uma vez indiciada suficientemente a prática da infracção ([76]).

O preceito legal referido parece não deixar qualquer margem de dúvidas a esse respeito. Em matéria de infracção disciplinar desportiva às normas legais e regulamentares antidopagem, é obrigatória a instauração do procedimento disciplinar, como será obrigatório exercer o jus puniendi, caso a infracção disciplinar resulte suficientemente indiciada nesse procedimento. O sentido útil a extrair desse preceito residirá, pois, na natureza vinculada do exercício desses poderes.


38. A deliberação do Conselho de Justiça da FPF que, com fundamento na nulidade da «primitiva acusação», determinou o arquivamento do processo, revogando implicitamente a deliberação sancionatória anteriormente tomada pela Comissão Disciplinar da LPFP, enferma de ilegalidade, na modalidade de vício de violação de lei.

Na verdade, e conforme acima se demonstrou, quer se sustentasse a tese de que a nulidade da acusação acarretaria como consequência a nulidade do acto sancionatório final, quer a de que apenas provocaria a sua anulabilidade, sempre a autoridade competente para o exercício do poder disciplinar teria, face ao quadro normativo procedimental em vigor, o poder/dever legal de, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, declarar a nulidade da acusação viciada e dos actos procedimentais dela dependentes, ordenando a elaboração de nova acusação não eivada do anterior vício invalidante, por forma a que o procedimento prosseguisse até final com a instância regularizada.

Por outro lado, uma vez concluído o procedimento, sem qualquer vício procedimental susceptível de se projectar na validade da decisão final, e indiciada suficientemente no procedimento a infracção disciplinar, tinha a autoridade competente o dever legal de punir o atleta infractor dentro dos limites estabelecidos nas disposições legais e regulamentares aplicáveis e tendo em atenção as circunstâncias concretas do caso.

Conclui-se do exposto que a Comissão Disciplinar da LPFP, embora ancorando-se em normativos regulamentares inaplicáveis ao caso (Regulamento Disciplinar da LPFP), perfilhou as soluções legalmente estabelecidas, ao anular a acusação eivada de nulidade, determinando a elaboração de nova acusação e o prosseguimento do procedimento, com respeito pelo direito de defesa do arguido, e ao sancionar, a final, o atleta, em face da suficiente indiciação da infracção disciplinar investigada.

Não poderia, pois, o Conselho de Justiça da FPF, em via de recurso, determinar o arquivamento do processo disciplinar, revogando a deliberação sancionatória da Comissão Disciplinar da LPFP com base na nulidade da «acusação primitiva». Ao fazê-lo, incorreu em violação de lei material, com a consequente invalidade da respectiva deliberação, que ficou a enfermar de anulabilidade (artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo) ([77]).


39. Determina-se no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 183/97, que a não aplicação da legislação antidopagem implicará, enquanto a situação se mantiver, a impossibilidade de a federação em causa ser beneficiária de qualquer tipo de apoio público e a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva, se se tratar de entidade que dele seja titular.

Estabelece-se, para além disso, no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 144/93, que o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva poderá ter lugar caso as federações desportivas tenham incorrido, por acção ou omissão, em ilegalidade grave ou em prática continuada de irregularidades, quando no exercício de poderes públicos, verificadas em inspecção, inquérito ou sindicância.

Dispõe, finalmente, o artigo 18.º-A do mesmo diploma ([78]) que, verificados os requisitos constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º, poderá, por despacho fundamentado do membro do Governo responsável pela área do desporto, ser suspenso o estatuto de utilidade pública desportiva, quando tal medida seja considerada suficiente para se eliminarem os fundamentos constantes daquele preceito.

O prazo de suspensão será fixado até ao limite de um ano, renovável por igual período e, uma vez decorrido sem que a federação tenha eliminado os fundamentos que deram origem à suspensão, o estatuto de utilidade pública desportiva será cancelado (artigo 18.º-A, n.os 2 e 5).

Quanto às consequências jurídicas do cancelamento do estatuto, previstas no artigo 18.º-B do mesmo diploma, já lhes foi feita referência no ponto n.º 6 supra.


40. A decisão administrativa de suspender o estatuto de utilidade pública desportiva de uma federação, e concretamente da Federação Portuguesa de Futebol, pressupõe a prática, por esta, através dos seus órgãos, de uma ilegalidade grave ou a prática continuada de irregularidades no exercício de poderes públicos. Em matéria de doping desportivo, tal ilegalidade grave ou prática continuada de irregularidades deverá consistir na «não aplicação da legislação antidopagem».

Perante o quadro factual acima traçado, fornecido a este corpo consultivo, ressalta que, em três acórdãos distintos, e relativamente a procedimentos disciplinares por infracções análogas, o Conselho de Justiça da FPF fez interpretações diferentes dos preceitos legais que entendeu dever aplicar, determinando a punição disciplinar dos atletas arguidos em dois deles e a não punição no outro. Esta deliberação de não punição, pelas razões já expostas, enferma de vício de violação de lei, que determina a sua anulabilidade.

Não é possível, todavia, a este Conselho Consultivo, por carência de factos cuja investigação se encontra fora da sua órbita de competência, conhecer, com rigor e em toda a sua extensão, o circunstancialismo envolvente dessa deliberação, assim como toda a prática anterior e posterior do mesmo órgão em matéria de disciplina desportiva relacionada com práticas violadoras das normas antidopagem.

Uma decisão de cancelamento ou de mera suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva tem consequências graves para a federação desportiva visada, bem como para as pessoas colectivas que participam nos campeonatos por elas organizados (artigos 18.º-A e 18.º-B do Decreto-Lei n.º 144/93).

Tal decisão deverá obedecer aos princípios gerais que regulam a actividade da Administração Pública, consignados nos artigos 3.º a 12.º do Código do Procedimento Administrativo, e designadamente aos princípios da proporcionalidade e da justiça (artigos 5.º e 6.º), havendo que garantir-se à federação desportiva visada o direito de audiência e defesa (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição).


41. Conforme já se referiu, a factualidade trazida a este Conselho, essencialmente fundada numa deliberação juridicamente errada em matéria de disciplina desportiva, não permite, só por si, conhecer, com a amplitude que o caso requer, o comportamento dos órgãos disciplinares da FPF e da LPFP, em termos de possibilitar uma resposta concreta minimamente segura e consequente à questão que lhe é colocada.

Por isso, este Conselho propende a considerar que a mesma factualidade justificará a instauração, através do Instituto do Desporto de Portugal, do procedimento de inquérito a que se reportam os artigos 18.º, n.º 1, alínea a), e 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 144/93, tendo em vista apurar, em toda a profundidade e extensão, a prática disciplinar dos órgãos federativos em matéria de dopagem desportiva anterior e posterior à deliberação em causa, bem como se tal deliberação, uma vez verificada a sua invalidade por violação de lei material, continua a ser mantida pelo Conselho de Justiça da FPF e quais as razões justificativas de um tal comportamento.

Sem prejuízo da instauração do competente inquérito, cumpre referir que, caso o Conselho de Justiça da FPF, uma vez confrontado com a insubsistência da argumentação jurídica que utilizou para determinar o arquivamento do processo e revogar a sanção aplicada ao atleta pela Comissão Disciplinar da LPFP, se não mostre disponível para repor a legalidade violada, se justificará, atento o relevante interesse público no acatamento das disposições legais relativas ao controlo da dopagem no desporto, a solicitação ao Ministério Público para, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, impugnar a deliberação em causa, o que deverá ser feito no prazo consignado no artigo 58.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código (um ano).

XI


Conclusões:

1. Os órgãos com competência disciplinar das federações dotadas do estatuto de utilidade pública desportiva estão juridicamente vinculados a instaurar procedimento disciplinar contra qualquer praticante desportivo que acuse resultado positivo no âmbito do controlo antidopagem e, caso do procedimento resulte provada a existência de infracção disciplinar, a sancionar o infractor em conformidade com os critérios legalmente estabelecidos (artigos 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho);

2. A responsabilidade disciplinar dos praticantes desportivos prevista nas disposições legais e regulamentares relativas ao combate à dopagem no desporto funda-se na culpa do infractor, pressupondo, ao nível da imputação da conduta ao agente, a verificação do dolo ou da negligência;

3. A acusação a proferir no procedimento a que se reportam o artigo 10.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, e o artigo 7.º do Regulamento do Controlo Antidopagem da Federação Portuguesa de Futebol, deverá conter todos os elementos constitutivos da infracção disciplinar, com uma descrição da conduta do agente nas suas vertentes objectiva e subjectiva, assim como a factualidade fundamentadora da sua censurabilidade, por forma a permitir ao arguido o exercício efectivo do direito de defesa;

4. Uma acusação elaborada sem conter os elementos referidos na conclusão anterior integrará nulidade procedimental determinante da invalidade da decisão sancionatória final;

5. Tal omissão não tem como consequência jurídica o arquivamento do processo disciplinar, com a inerente impunidade do atleta visado;

6. Podendo ser arguida pelos interessados, e sendo de conhecimento oficioso da autoridade detentora do poder disciplinar, essa omissão implica apenas a declaração de nulidade do acto procedimental viciado e de todos os dele dependentes, devendo ordenar-se ao instrutor a elaboração de nova acusação não eivada do vício da anterior e conceder-se novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa;

7. A «acusação primitiva» formulada no procedimento disciplinar instaurado pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional contra o jogador Nuno Assis era omissa em relação a elementos essenciais da infracção disciplinar que lhe era imputada, enfermando do vício referido na conclusão n.º 4;

8. Embora, nesse caso, não fosse invocável o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a Comissão Disciplinar desta, ao declarar, com base naquele Regulamento, a nulidade da «acusação primitiva» e ao ordenar a elaboração de outra, contendo os elementos constitutivos da infracção disciplinar, e a concessão de novo prazo ao arguido para o exercício do direito de defesa, acabou por adoptar a solução juridicamente adequada, e que decorria da aplicação conjugada do Regulamento do Controlo Antidopagem da Federação Portuguesa de Futebol e das normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo;

9. Ao deliberar, em via de recurso, o arquivamento do processo disciplinar contra o referido praticante desportivo, com base na nulidade da «acusação primitiva», revogando implicitamente a sanção disciplinar aplicada pela Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol incorreu em vício de violação de lei, determinante da anulabilidade de tal deliberação;

10. Por força do disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, a não aplicação, pelos órgãos disciplinares federativos, da legislação antidopagem, poderá determinar, enquanto a situação se mantiver, a impossibilidade de a federação em causa ser beneficiária de qualquer tipo de apoio público, bem como a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva, se se tratar de entidade que dele seja titular;

11. A decisão de suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva com tal fundamento deverá obedecer aos princípios consignados nos artigos 3.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, e designadamente aos princípios da proporcionalidade e da justiça, sendo a conduta omissiva dos órgãos federativos averiguada em procedimento próprio, a instaurar pelo Instituto do Desporto de Portugal, no âmbito do qual haverá que garantir o direito de audiência e defesa da federação visada [artigos 18.º, n.º 1, alínea a), e 19.º do Decreto--Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, e artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa];

12. O arquivamento do processo disciplinar relativo ao jogador Nuno Assis, por parte do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, conforme referido na conclusão n.º 9, traduzindo-se numa inaplicação da legislação antidopagem, justifica, pelos seus contornos, a instauração do procedimento referido na conclusão anterior, tendo em vista apurar a eventual existência de fundamento bastante para a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva concedido à referida Federação;

13. Caso o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol não revogue a referida deliberação, justifica-se, atento o relevante interesse público no acatamento, por parte das federações desportivas, das disposições legais relativas ao controlo da dopagem no desporto, a solicitação ao Ministério Público para proceder à respectiva impugnação, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que deverá ser feito no prazo consignado no artigo 58.º, n.º 2, alínea a), do mesmo Código (um ano).







([1]) Uma vez que, quer nos textos das peças recebidas, quer nos diplomas legais e regulamentares aplicáveis, esta e outras peças processuais análogas são uma vezes designadas por acusação e outras por nota de culpa, opta-se, por uma questão de uniformidade na exposição, pela designação de acusação.
([2]) J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 380.
([3]) Princípios da universalidade, da não discriminação, da solidariedade, da equidade social, da coordenação, da descentralização, da participação, da intervenção pública, da autonomia e relevância do movimento associativo e da continuidade territorial (cfr. artigo 3.º).
([4]) O regime jurídico dos clubes e sociedades desportivas encontra-se regulado no Decreto--Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, com as alterações decorrentes da Lei n.º 107/97, de 16 de Setembro, do Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.
([5]) Vide nota anterior.
([6]) O regime jurídico relativo ao estatuto de utilidade pública desportiva encontra-se regulado no Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 129/93, de 31 de Julho, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de Maio, pela Lei n.º 112/99, de 3 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 303/99, de 6 de Agosto, estando o processo para a sua concessão regulado na Portaria n.º 595/93, de 19 de Junho.
([7]) São federações unidesportivas as que englobam pessoas ou entidades dedicadas à prática da mesma modalidade desportiva, incluindo as suas várias disciplinas ou um conjunto de modalidades afins ou conjunto de modalidades combinadas (artigo 21.º, n.º 2).
([8]) O regime jurídico da prevenção e combate à dopagem no desporto encontra-se regulado no Decreto-Lei n.º 183/97, de 26 de Julho, alterado pela Lei n.º 152/99, de 14 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 192/2002, de 25 de Setembro. Tal diploma foi regulamentado pela Portaria n.º 816/97, de 5 de Setembro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 17-G/97, de 31 de Outubro.
([9]) Cfr. nota 5.
([10]) A Convenção foi ratificada por Portugal em 17 de Março de 1994 – Cfr. NUNO BARBOSA/RICARDO COSTA, Leis do Desporto, Almedina, 2003, p. 555, nota 162.
([11]) Alterado pela Lei n.º 152/99, de 14 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 192/2002, de 25 de Setembro.
([12]) O diploma foi, entretanto, regulamentado pela Portaria n.º 816/97, de 5 de Setembro (objecto de rectificação pela Declaração de Rectificação n.º 17-G/97, de 31 de Outubro).
([13]) Cfr. ANTÓNIO BERNARDINO PEIXOTO MADUREIRA/LUÍS CÉSAR RODRIGUES TEIXEIRA, Futebol – Guia jurídico, Almedina, 2001, p. 537, e as informações relativas às alterações estatutárias divulgadas no sítio da FPF, em:
- http://www.fpf.pt/regulamentos/index.php.
([14]) Conforme resulta de informação colhida no sítio referido na nota anterior, o Regimento do Conselho de Justiça da FPF foi aprovado na sessão de 28 de Agosto de 1999, da assembleia geral extraordinária de 31 de Julho de 1999, com as alterações aprovadas na sessão de 16 de Setembro de 2000 da assembleia geral extraordinária de 28 de Agosto de 2000 e na sessão da assembleia geral extraordinária de 28 de Abril de 2001.
([15]) O texto do regimento poderá ser consultado em ANTÓNIO BERNARDINO PEIXOTO MADUREIRA/LUÍS CÉSAR RODRIGUES TEIXEIRA, ob. cit., págs. 563 a 585.
([16]) Cfr. ANTÓNIO BERNARDINO PEIXOTO MADUREIRA/LUÍS CÉSAR RODRIGUES TEIXEIRA, ob. cit., pág. 586 a 644; pela consulta do sítio da FPF, verifica-se que, em assembleia geral extraordinária de 13 de Maio de 2006, foram introduzidas novas alterações ao Regulamento Disciplinar da FPF, a vigorarem a partir de 1 de Julho de 2006.
([17]) A matéria do artigo 41.º do Regulamento Disciplinar ficou, na nova versão a vigorar a partir de 1 de Julho de 2006, a ser regulada nos artigos 40.º e 41.º, mas sem alteração quanto aos aspectos concretamente indicados.
([18]) O respectivo texto poderá ser consultado em ANTÓNIO BERNARDINO PEIXOTO MADUREIRA/LUÍS CÉSAR RODRIGUES TEIXEIRA, ob. cit., págs. 732 a 745, ou em http://www.fpf.pt/regulamentos/Doc_224.pdf.
([19]) O texto deste Protocolo poderá ser consultado no sítio da Federação Portuguesa de Futebol, em: http://www.fpf.pt/comunicados/05/docs/co286.pdf.
([20]) Tal cláusula do protocolo tem a redacção seguinte: «A competência disciplinar em 1.ª instância, relativamente aos Clubes, seus dirigentes, jogadores, treinadores e demais agentes desportivos, que participem nas competições referidas na cláusula segunda ou que desenvolvam actividade, desempenhem funções ou exerçam cargos no âmbito das mesmas, será exercida pela Comissão Disciplinar da Liga, nos termos do Regulamento Disciplinar.»
([21]) O texto dos Estatutos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional pode ser consultado em http://www.lpfp.pt/default.aspx?CpContentId=285952.
([22]) O texto pode ser consultado em http://www.lpfp.pt/default.aspx?CpContentId=285952.
([23]) O texto do Regulamento Disciplinar da LPFP poderá ser consultado em: -http://www.lpfp.pt/default.aspx?SqlPage=content_regulamentos&CpContentId=286156
([24]) JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 259.
([25]) Ibidem, págs. 262, 263, 328 a 361, 471 a 515, 629 a 667.
([26]) As diversas formas de imputação da conduta ao sujeito a título de dolo (directo, necessário e eventual) ou de negligência (consciente e inconsciente) resultam, presentemente, definidas nos artigos 14.º e 15.º do Código Penal, com a redacção seguinte:
«Artigo 14.º
Dolo
1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.
Artigo 15.º
Negligência
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.» ([27]) TERESA PIZARRO BELEZA, Direito Penal, 1.º Volume, 2.ª edição revista e actualizada, AAFDL, 1985, pág. 76.
([28]) Na exposição subsequente visar-se-á apenas a responsabilização disciplinar de pessoas singulares, estando fora do âmbito da mesma, por não interessar ao parecer, a questão da responsabilidade objectiva das pessoas colectivas (clubes e sociedades desportivas) pelos actos de outras pessoas, designadamente dirigentes, atletas e público.
([29]) TERESA PIZARRO BELEZA, ob. cit., págs. 78 e 83; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 9.ª edição, Tomo II, Coimbra Editora, 1972, pág. 785; EDUARDO CORREIA, Direito Criminal - I, Almedina, Coimbra, 1971, págs. 35 a 39; MARCELLO CAETANO, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, Almedina, 1.ª Reimpressão Portuguesa, 1996, págs. 310 e 311; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., págs. 159 e 160; GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral – I, Introdução e Teoria da Lei Penal, Verbo, 1997, pág. 132; M. LEAL-HENRIQUES, Procedimento Disciplinar, Editora Rei dos Livros, 4.ª edição, 2002, págs. 211 a 214; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português – I, Parte Geral, Tomo III – Pessoas, Livraria Almedina, 2004, págs. 672 e 673; Cfr. também os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, que poderão ser consultados em http://www.dgsi.pt/: de 24-10-89 (Processo n.º 025379- 2.ª Subsecção); de 19-12-89 (Processo n.º 025541-2.ª Subsecção); de 17-03-2004 (Processo n.º 0488/03-3.ª Subsecção); de 20-10-2004 (Processo n.º 01012/02-3.ª Subsecção); de 24-11-2004 (Processo n.º 0708/03-2..ª Subsecção).
([30]) Rapport explicatif relatif à la Convention contre le dopage, Conseil de l’Europe, Strasbourg, 1990.
([31]) Tradução do relator.
([32]) O texto respectivo poderá ser consultado em:
- http://www.publico.clix.pt/Docs/Desporto/Doping/Codigomundialantidoping.pdf.
([33]) O texto poderá ser consultado em:
-http://portal.unesco.org/education/en/ev.php-URL_ID=38697&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html.
([34]) O texto respectivo pode ser consultado em:
- http://www.fifa.com/en/regulations/regulation/0,1584,9,00.html.
([35]) O texto respectivo pode ser consultado em: http://www.uefa.com/newsfiles/19062.pdf.
([36]) Veja-se, a este propósito, o artigo publicado por AARON N. WISE, na Revue Juridique et Économique du Sport, Lamy, N.º 42, Mars 1997, págs. 5 a 22, relatando múltiplas decisões proferidas por tribunais americanos e europeus advogando o princípio da culpa em matéria de dopagem desportiva.
([37]) Veja-se, nesse sentido, a informação constante do comunicado da FPF de 31 de Julho de 2006, que poderá ser consultado em http://www.fpf.pt/comunicados/06/docs/co39.pdf.
([38]) O Código Disciplinar da FIFA pode ser consultado em:
- http://www.fifa.com/documents/static/organisation/disciplinary_code_EN.pdf.
([39]) Legalidade e Administração Pública, Almedina, 2003, págs. 603 a 605 e 776 a 782; cfr., sobre a mesma matéria, FREITAS DO AMARAL, Manual de Introdução ao Direito, Vol. I, Almedina, 2004, págs. 527 a 530.
([40]) JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1998, págs. 166 e 172.
([41]) J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003, pág. 225.
([42]) JORGE MIRANDA, ob. cit., pág. 170; no mesmo sentido, JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 54; cfr., ainda, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992.
([43]) JORGE MIRANDA, ob. cit., págs. 184 e 185.
([44]) Em The International Sports Law Journal, 2002/1, págs. 2 a 13.
([45]) Por exemplo, provando-se que alguém, para prejudicar o atleta, lhe colocou a substância dopante numa bebida sem o mesmo disso ter conhecimento.
([46]) Cfr., quanto às presunções naturais ou judiciais, os artigos 349.º e 351.º do Código Civil, que dispõem sobre a respectiva admissibilidade sempre que para a prova dos factos seja admitida a prova testemunhal.
([47]) Ob. cit., pág. 645.
([48]) Como refere PEDRO GONÇALVES (Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, 2005, págs. 865 a 867), «o conceito de órgão autónomo pretende apenas indicar que se trata de instâncias que, apesar de juridicamente autónomas e independentes, actuam no seio de uma federação», funcionando a liga profissional «no âmbito de uma federação determinada, como uma espécie de “administração indirecta da federação”».
([49]) PEDRO GONÇALVES, ob. cit., págs.855 a 867; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, págs. 303 a 305, 401 a 403, 541 a 569; PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, Almedina, 2003, págs. 780 e 781.
([50]) PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pág. 863.
([51]) Cfr. artigo 177.º do Código do Procedimento Administrativo.
([52]) Vide, neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª Edição, Almedina, 1999, págs.72 e 73; VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 548; PEDRO GONÇALVES, ob. cit., pág. 1047; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2002, pág. 310.
([53]) Conforme referido na nota 14, entrou em vigor, em 1 de Julho de 2006, uma nova versão do Regulamento Disciplinar da FPF, inaplicável no caso. Nesta nova versão, determina- -se a aplicação supletiva, em matéria de procedimento disciplinar, dos princípios informadores consagrados no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública (artigo 7.º, n.º 2).
([54]) Curso de Processo Penal I, Verbo, 2000, págs. 361 a 370 e 375 a 379.
([55]) O que não será o caso nos procedimentos a que o presente parecer se refere, já que os regulamentos aplicáveis exigem que os membros da Comissão Disciplinar da LPFP e do Conselho de Justiça da FPF sejam licenciados em direito e, no primeiro caso, preferentemente magistrados.
([56]) Cfr., nesse sentido, a extensa jurisprudência citada por M. LEAL-HENRIQUES, ob. cit., págs. 345 a 354. No mesmo sentido, vide os pareceres deste Conselho n.os 41/85, de 11 de Novembro de 1985, e 521/87, de 5 de Novembro de 1987.
([57]) TERESA PIZARRO BELEZA, ob. cit., págs.73 e 74; GERMANO MARQUES DA SILVA, ob. cit., págs. 130 e 131; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., págs. 159 e 160.
([58]) Manual…, Tomo II, pág. 821.
([59]) Cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., págs. 334 e 349.
([60]) Ob. cit., págs. 947 e 948.
([61]) Ob. cit., págs. 450, 454 e 643.
([62]) Para uma síntese das posições doutrinárias e jurisprudenciais mais significativas quanto às consequências da omissão da audiência do interessado, quando exigível, em sede de vícios do acto decisório final, cfr. JOSÉ MANUEL DOS SANTOS BOTELHO/AMÉRICO PIRES ESTEVES/JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 5.ª edição, Almedina, 2002, págs. 423 a 426.
([63]) Como sucede, entre outros, com MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pág. 450.
([64]) Conforme decorre do artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo o acto, por natureza, susceptível de renovação, esta poderá ter lugar desde que se não violem os limites ditados pela autoridade do caso julgado.
([65]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pág. 664, nota IV; MARCELLO CAETANO, Manual…, Tomo II, pág. 829.
([66]) Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/SOFIA GALVÃO, Introdução ao Estudo do Direito, LEX, 2000, pág. 75.
([67]) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª Edição, Coimbra Editora, 1973, pág. 505.
([68]) Como sustenta, e.g., FREITAS DO AMARAL, embora reconhecendo que se trata de questão difícil de decidir em termos gerais – Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Reimpressão, Almedina, 2002, págs. 412 e 413.
([69]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 461 e 462, e in A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2.ª Edição, Almedina, 1997, págs. 90 a 95; JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, A Revogação dos Actos Administrativos, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, págs. 365 a 367.
([70]) MARCELLO CAETANO, Manual…, Tomo II, pág. 835.
([71]) Vide, no sentido do dever legal, por parte da Administração, de revogar os actos ilegais, FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 463 a 465; JOSÉ ROBIN DE ANDRADE, ob. cit., pág. 268; JOÃO CAUPERS, Direito Administrativo I, 4.ª Edição, Editorial Notícias, 1999, pág. 226. Tal dever estender-se-á, por maioria de razão, à anulação de actos procedimentais geradores da invalidade dos actos decisórios finais.
([72]) Curso de Processo Penal I, Reimpressão da Universidade Católica, Lisboa, 1981, pág. 268.
([73]) Curso de Processo Penal II, Verbo, 1993, pág. 74.
([74]) Curso de Processo Penal III, Verbo, 1994, pág. 118, e pág. 151, Nota 1.
([75]) Cfr., a título exemplificativo, os seguintes acórdãos, que poderão ser consultados em http://www.dgsi.pt/: da Relação de Lisboa de 22-09-1998 (processo n.º 0048975); da Relação do Porto de 10-10-2006 (processo n.º 0346961); da Relação de Lisboa de 03-05-2006 (processo n.º 83/2006-3); da Relação de Lisboa de 18-07-2006 (Processo 3411/2006-5); da Relação de Évora de 10-10-2006 (processo n.º 996/06-1).
([76]) Para uma síntese das posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria, cfr. M. LEAL-HENRIQUES, ob. cit., págs. 297 a 300.
([77]) Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso…, Vol. II, págs. 449 e 450.
([78]) Aditado pelo Decreto-Lei n.º 111/97, de 9 de Maio.
Anotações
Legislação: 
DL 183/97 DE 1997/07/26 ART1 ART2 ART4 N4 ART9 ART10 ART12 ART13 ART14 ART15 N1 A) ART17 N1 ART22 ART30; L 152/99 DE 1999/09/14; L 192/2002 DE 2002/09/25; PORT 816/97 DE 1997/09/05; DEC RECT 17-G/97 DE 1997/10/31; CONST ART1 ART2 ART32 N10 ART79 ART269 N3; CPP ART122 ART123 N1 ART283 N2 ART311 N2 A) N3 B); L 30/2004 DE 2004/07/21 ART 8 ART9 ART11 ART12 ART18 ART19 ART20 ART24 ART40 ART 42 ART47; DL 67/97 DE 1997/04/03; L 107/97 DE 1997/09/16; DL 303/99 DE 1999/08/06; DL 76-A/2006 DE 2006/03/29; DL 144/93, DE 1993/04/26 ART4 ART7 ART8 ART10 ART14 ART18 N1 A) ART18-A ART18-B ART20 J) ART21 E) E G) ART23 N1 G) E F) ART31 ART32 ART34 ART38 ART39 ART40 ART41 N1; DEC RECT 129/93 DE 1993/07/31; DL 111/97 DE 1997/05/09; L 112/99 DE 1999/08/03 ART1 N2 ART2 F); DL 303/99 DE 1999/08/06; PORT 595/93 DE 1993/06/19; D2/94 DE 1994/01/20 ART2 ART7; CC ART286 ART 294 ART295; CPC ART201 N2; CPTA ART55 N1 B) ART58 N2 A); CPADM ART3 ART5 ART6 ART12 ART 101 N2 ART134 ART135 ART136 N1 E N2 ART138 ART141 ART142; EDF84
Jurisprudência: 
AC STA 025379 DE 24/10/1989; AC STA 025541 DE 19/12/1989; AC STA 0488/03 DE 17/03/2004; AC STA 01012/02 DE 20/10/2004; AC STA 0708/03 DE 24/11/2004; AC RL 0048975 DE 22/09/1998; AC RP 0346961 DE 10/10/2006; AC RL 83/2006 DE 3/05/2006; AC RL 3411/2006 DE 18/07/2006; AC RE 996/06-1 DE 10/10/2006
Referências Complementares: 
DIR ADM * ASSOC PUBL******
CONVENÇÃO INTERNACIONAL CONTRA O DOPING NO DESPORTO DA UNESCO; CONVENÇÃO EUROPEIA ANTIDOPAGEM; PIDCP ART14 N2; CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEME E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS*****
CÓDIGO MUNDIAL ANTIDOPAGEM*****
REGULAMENTO ANTIDOPAGEM DA FIFA E UEFA; REGULAMENTO DISCIPLINAR DA LPFP ART2 ART7 N1 E N2 ART12 N1 ART13 ART20 ART45 N1 ART178 N9 ART180 ART181 ART182 ART183; ESTATUTOS DA FPFP ART12 N2 ART 44 N4 ART 47 B) ART53 ART54 N1; REGULAMENTO GERAL DA LPFP ART59 ART60 ART 85 N1 A) E N2 ART86 ART87 ART88 ART89; CÓDIGO DISCIPLINAR DA FIFA ART62; REGULAMENTO DO CONTROLO ANTIDOPAGEM DA FPFP ART6 ART7 ART8 ART9
Divulgação
Data: 
23-01-2007
Página: 
1862
Pareceres Associados
Parecer(es): 
9 + 6 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf